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Sítio dos Milagres Sê Tu Uma Bênção

TERAPIA DE

FAMÍLIA NA

COZINHA

DEDÉIA DA SILVA

MAIO DE 2020
Terapia De Família Na Cozinha 1

A todas vocês
que já merendaram
macarrão com salsicha
no recreio da escola, dedico.
Meninas, nós conseguimos!

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus por ser


Misericordioso.
Agradeço porque Sua Misericórdia
tornou-me resiliente.
Agradeço porque eu sobrevivi para
contar.
Agradeço a minha mãe, porque sem
ela eu não existiria.
Agradeço ao meu pai, porque amou
muito minha mãe.
Agradeço aos meus irmãos que foram
embora por terem ido.
Agradeço aos meus irmãos que
ficaram, sei lá pelo quê.
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PREFÁCIO

"Amarás ao teu próximo como a ti


mesmo". (Mateus 22:39).

Foi mais ou menos assim, da maneira


que se segue que meu irmão, que é
nutricionista, me falou. "Banana
amassada, já parou pra pensar a quanto
tempo não se ouve dizer: comi uma
banana amassada?". Concordo que se
trata de um prato saudável e nutritivo
que pode ser enriquecido com aveia, mel,

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caldas, farinhas, passas, granola, etc, ou


o que sua imaginação pedir.
A maneira como tratamos a nós
mesmos pode revelar como trataremos as
outras pessoas. Alimentarmo-nos bem é
uma forma de demonstrar que amamos a
nós mesmos e por isso podemos amar ao
nosso próximo. Acordar de manhã, lavar
o rosto, escovar os dentes, pentear o
cabelo, trocar de roupa e tomar o
café-da-manhã são atividades necessárias
para a manutenção da saúde e fazem
parte de uma rotina diária, o que
permitirá que estejamos prontos para as
escolhas que precisamos tambem fazer
diariamente. Da onde eu tiro essas
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ideias? Aprendi lá em casa. E agora, que


tal uma bananinha amassada?
Precisaremos de um prato, um garfo
e, é claro, uma banana fresquinha,
madura, de preferência da bananeira do
quintal. Esperava mais? É o suficiente.
Descascamos a banana e a colocamos no
prato; com o garfo podemos amassá-la.
"Abra bem a boca". "Olha o aviãozinho.
Hummm!" Que ótimo desjejum!
Neste livro eu tenho a coragem de
apresentar receitas muito fáceis mesmo
de se preparar, enquanto trago as
histórias de algumas experiências vividas
por mim e outros membros da minha
família. Trata-se de relatos que podem
chegar a causar espanto se
considerarmos o Estatuto da Criança e do

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Adolescente, mas eram outros tempos e o


conhecimento dos erros do passado
podem nos favorecer proporcionando um
presente feliz e futuro esperançoso, se
tivermos é claro aprendido bem a moral
da história. Dessa forma, sugiro a você
que aceitou o desafio de ler Terapia de
Família na Cozinha que aperte o cinto1 e
aproveite essa viagem instigante pelo
passado sombrio de minha prezada e
distinta família.

-
1
Ou se preferir afrouxe.
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INTRODUÇÃO

"Preparas uma mesa perante mim na


presença dos meus inimigos, unges a
minha cabeça com óleo, o meu cálice
transborda." (Salmos 23:5).

Cozinhar é uma arte, onde podemos


combinar aromas, texturas, sabores e
coloridos, oferecendo prazer sublime
tanto ao corpo quanto à alma. Minha Vó
Benina costumava dizer que quando não
estamos nos sentindo bem, devemos
deixar de cozinhar porque a nossa
energia é passada para a comida e
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comida com energia ruim faz mal. Eu,


particularmente, preciso sentir-me
inspirada para cozinhar, ou então sai tudo
errado: o gosto, a textura, o cheiro - o
resultado é horrorível, lembrando aquele
personagem do garoto chato interpretado
por Jô Soares.
Na cozinha precisa haver ordem, e Vó
Benina era muito organizada. Já à minha
Vó Galdina costumava dar a cada uma
das cinco filhas a incumbência de assumir
a cozinha uma vez na semana. Talvez
possamos considerar para explicar essa
estratégia, o dito popular: "Panela que
muita gente mexe, ensossa".
A organização inclui o que podemos
chamar de boas práticas, em outra
palavras, a cozinha, o fogão, a geladeira,

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os armários, a pia, a bancada, aparelhos


precisam estar limpos. Já as panelas,
recipientes e demais utensílios muitas
vezes precisam ser esterilizados. Quanto
aos alimentos precisam ser frescos, e
estar dentro do prazo da data de
validade. Tudo isso vai contribuir para que
o alimento seja saudável e faça bem ao
organismo.
Eu, em casa, aprendi que se deve
usar pouco óleo e equilibrar bem a
proporção dos temperos utilizados, para
que a comida permaneça saudável. E na
igreja um certo irmão acreditava que no
dia a dia a comida precisava ser simples.
De vez em quando um banquete, pode
fazer bem, mas não todo dia. Dá pra se
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exagerar em ocasiões especiais, mas no


dia a dia é bom sermos moderados com a
alimentação e evitarmos as
extravagâncias.
Mas Vó Benina ainda tinha uma dica
de economia quântica para dar: "Nunca
cozinhe tudo de uma vez, sempre deixe
alguma coisa pra ser cozida no dia
seguinte; se você só tiver uma cenoura,
na geladeira, corte-a pela metade e
cozinhe só uma das metades para nunca
faltar comida em casa".

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CARDÁPIO DE INTENÇÕES

Cozinhar é uma atividade que evoca


memórias, lembranças de familiares e
emoções. Geralmente quando somos
crianças tem alguém em casa para
preparar as refeições e enquanto
brincamos podemos sentir o cheiro do
feijão cozinhando na panela de pressão,
ou do alho fritando pra temperar o feijão.
Coisa muito boa aquele cheiro de arroz
com feijão da mamãe, ou no meu caso,
do irmão mais velho. Então enquanto
cozinhamos podemos lembrar de
situações relacionadas a atividade de
alimentação ou do preparo dos alimentos.

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Se na vida em meio às escolhas e


possibilidades estamos treinados a nos
perguntarmos “o que Jesus faria se
estivesse em meu lugar”? Em frente a um
fogão na dúvida pode nos vir à mente:
“como era mesmo que a mamãe fazia?
Então possa ser que enquanto
cozinhamos tenhamos como resolver
conflitos internos se estivermos dispostos
e abertos a isso.
A mamadeira que meu pai fazia, por
exemplo, não sei porque era muito
melhor que a da minha mãe. Já a galinha
atropelada de mamãe, como meu pai
chamava, era inigualável, nenhuma das
minhas tias a podia superar. E o que não
dizer do segredo do macarrão do meu
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irmão mais velho… Sentimentos são


evocados diante de uma prato cheio de
comida: bons ou ruins, como poderemos
confirmar no decorrer das receitas, mais
adiante.
Acredito firmemente que o
processamento de alimentos pode servir
de ferramentas em um processo
terapêutico, porque da mesma forma que
transformamos os alimentos em algo
mais saboroso, mais palatável, mais
nutritivo, com maior durabilidade e vida
útil, podemos transformar nossos
pensamentos e emoções e melhorar
nossa qualidade de vida.
A partir dessas primeiras
considerações, acredito sinceramente que
cozinhar é acima de tudo uma forma de

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fazer terapia, utilizando-se o


processamento e a transformação dos
alimentos como ferramentas para o
projeto terapêutico.
O intento desse livro de receitas é
apresentar a cozinha para aqueles que
acreditam não possuir nenhum talento
para a culinária e auxiliar aqueles que
desejam se sair bem na cozinha e talvez
dar os primeiros passos para torna-se um
cozinheiro ou cozinheira de mão cheia.
Imaginem aqueles programas de
televisão onde podemos ver cozinheiros
competindo, se este for o seu sonho e se
você não sabe nem fritar um ovo, este é
o livro certo pra você. E enquanto
processamos alimentos, considerando a
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proposta terapêutica deste trabalho, nos


tornamos pessoas melhores.
Gente, todo mundo come, não dá pra
se decidir, de uma hora pra outra, "vou
ficar dois meses sem comer pra
economizar dinheiro", do contrário temos
uma pessoa adoentada. Embora existam
aqueles que chegam a fazer greve de
fome por um objetivo nobre, as
consequências de privar-se de
alimentação são desastrosas para o
organismo. Há aqueles que alegam:
"mente sã em corpo são", mas o corpo
são precisa estar muito bem alimentado
para ser considerado saudável.
Sendo assim apresentaremos aqui
pratos simples, fáceis de fazer, mas
gostosos a ponto de lambermos os

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beiços, como nos obrigava a fazê-lo a Avó


do meu irmão, Dona Cotinha, senhora
democrática: "você tem que comer tudo e
lamber os beiços pra mostrar que gostou
da comida, mas se não quiser pode
escolher a correia, porque você tem
direito de fazer suas escolhas". Teremos
assim receitas passadas de geração a
geração, utilizadas no dia a dia da família,
aprendidas na cozinha familiar através do
convívio familiar em casa. E lembrando
Vó Galdina, "boa romaria faz quem em
sua casa está em paz".
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CAPÍTULO 1

Total Aproveitamento

ARROZ

Arroz De Nordestino

"Melhor é a comida de hortaliça, onde há


amor, do que o boi gordo, e com ele o
ódio". (Provérbios 15:17).
Conta a minha mãe que o meu Avô
Ezequiel fazia arroz assim, embora eu,
particularmente, tenha aprendido com
uma senhora de Campina Grande para
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quem eu trabalhei certa vez. Não sei


afirmar se é esse o nome certo do arroz
mas como meu avô era de João Pessoa
temos pelo menos dois nordestinos que
faziam o arroz do mesmo jeito.
E trazendo à memória o livro de Mateus,
capítulo 18, onde podemos aprender a
importância de pelo menos duas pessoas
concordarem na terra a respeito do
mesmo assunto, tomo a liberdade de
chamar este arroz de Arroz de
Nordestino. Um outro nome pelo qual
podemos também chamar esse prato é de
Arroz Escorrido, considerando a técnica
empregada em seu preparo.
Este arroz fica bem branquinho,
soltinho e combina muito bem com
aquele feijãozinho gostoso que nós

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brasileiros conhecemos e comemos bem.


Também combina com os mais diversos e
saborosos molhos. Não tem jeito de
empapar, ou salgar esse arroz. Ideal pra
quem não tem o menor jeito na cozinha
ou tem pouco tempo disponível, assim
como os audazes estudantes do Brasil.
Para esse prato pode ser utilizado
arroz comum, arroz parbolizado ou arroz
integral.
Atualmente existe uma discussão
quanto a se lavar o arroz antes de cozê-lo
ou não, a decisão vai depender da
qualidade do arroz e de sua confiança na
marca escolhida. Acredito que essa
discussão se deva ao fato de ser
importante economizar água para que
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nunca falte na caixa d'água e de se evitar


o desperdício dos grãos de arroz como
pode acontecer no processo de lavagem.
Quanto de arroz teremos perdido no final
de um ano, se contarmos aqueles
grãozinhos que vão embora junto com a
água? Há pessoas passando fome nesse
mundo. Então devemos evitar o
desperdício. Minha mãe ainda acrescenta
que pode-se perder nutrientes nessa
prática de se lavar o arroz, segundo ela
foi um médico que falou.

Receita Para Um Arroz Gostoso


1. Decida a quantidade de arroz a ser
cozida;

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2. Leve ao fogo uma panela com água


suficiente para cobrir o arroz e
cozinhá-lo sem secar;
3. Não, não é sopa de arroz;
4. Coloque sal e temperos a gosto;
5. Sim, você pode dourar o alho e a
cebola com óleo, e depois colocar a
água - o arroz é seu então invente;
6. Quando o arroz estiver cozido,
entorne o conteúdo da panela em
uma escorredera;
7. Sim, é claro pode ser a escorredera
de macarrão, tem que ser uma
panela cheia de furinhos no fundo,
como se fosse um chuveiro;
8. Pronto deixe escorrer, e está pronto
o seu arroz escorrido.
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Enriquecendo o arroz escorrido:


1. Coloque cenoura picada, assim como
chuchu, batata, etc., para cozinhar
antes de por o arroz cru;
2. Ervilha ou milho também podem ser
adicionados ao cozimento;
3. Verduras picadas também podem a
seu gosto ser adicionadas.

Na culinária precisamos saber


aproveitar ao máximo os alimentos e
evitar desperdício, sendo assim a água
que escorre do arroz pode ser
reaproveitada no processamento de
outros pratos. Com a água do arroz pode
se fazer sopas, papas e mamadeiras,
acredite. E se há algum bichinho de

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estimação como um cachorro ou um


gatinho ele vai saber apreciar essa sobra
(mas sem os temperos).

Levando o arroz ao forno


1. Deposite o arroz já escorrido na
assadeira, igual a mamãe;
2. Por cima derrame o molho de sua
preferência;
3. Enfeite com rodelas de ovos cozidos
e azeitonas se desejar;
4. Coloque azeite para um sabor
especial, porque minha mãe diz que
azeite faz bem;
5. Finalize distribuindo uma camada de
queijo parmesão por cima do arroz a
gosto;
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6. Leve ao forno até que fique dourado


por cima.

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CAPÍTULO 2

Um Exercício de Autocontrole

Alimentação Imaginária

"Não andeis, pois, inquietos, dizendo: que


comeremos, ou que beberemos, ou com
que nos vestiremos?" (Mateus 6:31).

Parece brincadeira, e é, mas surte


efeitos indeléveis para a manutenção da
alegria na alma. Era assim que meu irmão
fazia: "Quem dormir primeiro ganha um
sorvete de caranguejo ou de mariola,
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pode escolher". Nesse mesmo espírito, o


outro irmão que é nutricionista, sugeriu
que preparássemos tudo para um
churrasco, que puséssemos à mesa de
tudo que costumeiramente gostamos
como acompanhamento de churrasco.
Conseguem imaginar a mesa posta, pois
é então agora imaginem a carne assada
na churrasqueira. Nesse churrasco deve
se ter de tudo menos a carne pois essa
será imaginária, mas nem por isso menos
apetitosa.

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INTRODUÇÃO
AOS CAPÍTULOS 3 E 4

A publicação dos capítulos 3 e 4


aconteceu depois de 1 e 4 meses da
morte da minha mãe. A motivação para
escrever este livro mudou um tanto
porque minha forma de interpretar a
história da minha família também mudou.
Algumas coisas só consegui compreender
depois que ela já se não podia encontrar.
Ela era uma parte importante de mim e
era uma engrenagem importante no
mover desta família. Ela se foi, e só
então compreendi como ela também foi
vitimada por este sistema familiar. Queria
muito que ela estivesse aqui comigo. Eu
me esforcei o que pude para que ela

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vivesse e desmoronoei ao não poder


negar que era ela ali inerte na minha
frente.
Eu também perdi um irmão,
o nutricionista, de covid, exatamente 1
anos após minha mãe no mesmo mês de
setembro. Mas, dou graças por isso,
porque ele foi mal comigo e com minha
mãe. Então, não sinto saudades, mas a
morte dele pra mim também foi triste.
A verdade é que tudo o que é vivo
morre. Tudo o que nasce o faz sob uma
sentença de morte. Ser bom ou mal não
impede e nem corrobora com a morte.
Quando chega a hora, chegou. Por isso
desejo a você que lê este livro vida longa
e próspera, para que você aproveite a
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vida, encontre Jesus e seja feliz. Porque


tudo passa, as dores, as mágoas e a vida.
Mas parece que o amor de uma mãe, não,
não mesmo. Te amo mãe. Que saudade.

JANEIRO DE 2022

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CAPÍTULO 3

Expondo O Sofrimento

BATATAS

Batatas Fritas Bandidas

"Vinde a mim, todos os que estais


cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei".
(Mateus 11:28).

Batata frita é muito bom mesmo,


porque eu acho gostoso demais comer
batata frita. Por isso considerando a
quantidade de óleo necessária para fritar
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batatas podemos ser muito gratos e


gratas por esses utensílios que são
capazes de fritar sem uma gota de óleo
sequer desde eletrodomésticos a panelas
de pedra. E o que dizer do sal, sem o qual
minha mãe não conseguia ficar, pode
favorecer o desenvolvimento da
hipertensão. Mas em 1974 papai utilizava
uma frigideira pesada e óleo para fritar
essas gostosuras.
Lembro-me como se tivesse sido hoje
de manhã que cheguei à porta da
cozinha, lá no apartamento onde
morávamos na Rua Barão do Amazonas,
em Niterói, quando pude avistar papai
junto ao fogão com meu irmão caçula, na
época, perto dele. O irmão mais velho,
Riso, também estava lá.

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O cheiro daquelas batatas era


maravilhoso e ao seus olhos uma
montanha de batatas fritas se levantara
no prato forrado com papel de pão, mas
eu, tão somente, permaneci observando
da porta. Papai e o mais velho
conversavam enquanto a frigideira
gritava. O caçula, atualmente ex-caçula
levava sorrateiramente seus dedinhos a
base da montanha erguida no prato
forrado com papel de pão para enxugar o
excesso de óleo, que dava me dava a
impressão de ser uma montanha de
batatas fritas rodeada pelo mar. Naquela
época o pão de padaria era embrulhado
com esse papel cinza e o embrulho ainda
recebia um acabamento com barbante, já
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a bisnaga era enrolada no papel e


ajeitada nas pontas para ficar no formato
do pão; é após pagar pelo alimento,
voltávamos para casa, para o
café-da-manhã ou lanche à tarde
geralmente segurando o pão pela mão,
isto é, sem sacolas. Se fosse mais de um
pão tínhamos a opção oferecida pelo
padeiro de:
● ou os pães serem envolvidos no
papel e amarrados por barbante ao
meio,
● ou cortados os pães, o embrulho
ficava totalmente fechado.
Gostaria de saber se em algum lugar do
país ainda é assim. Sem dúvida depois
de aberto o embrulho tínhamos de brinde
um lindo papel toalha especial acetinado

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na cor cinza para absorver o excesso de


óleo das frituras.
Papai falou que estava vendo meu
irmão pegar as batatas. Então o ex-caçula
colocou em prática sua tática dizendo:
-- Só mais uma… Só mais essa … agora
só essa… para terminar só mais essa.
Então, de repente, sblaaf, foi aquele
tapa, bem no ombro esquerdo do garoto
de dois anos.
-- Buaaaaaaaá.
Papai era assim. Quanto a mim não
lembro mesmo de ter comido dessas
batatas.
De outra vez foram os legumes que
papai cozinhava, e que eu esperava
ansiosamente.
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Cenouras e chuchus, cortados bem


finos como se fossem caibros, uma
verdadeira obra arquitetônica da
culinária, ao meu ver. Mas quando ficaram
prontos, apenas alguns fiapinhos no meu
prato.
-- Me dá mais.
-- Termina sua comida primeiro.
-- Comi tudo, me dá mais.
-- Acabou.
-- 🙁.
Uma noite papai chegou em casa com
um caixote daqueles de leite de saquinho,
na cor vermelha, lembro me bem,
cheinho de biscoitos da piraquê. Até
biscoito recheado tinha, eu lembro, muito
biscoito mesmo. Mas, sabe, no outro dia

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logo de manhã não tinha mais e eu


pensando que ia comer biscoito: 🤣🤣🤣.
Mas pelo menos bife de fígado meu
pai me ensinou a comer, e eu que não
gostava de carne. Sabe o que ele disse
para me convencer? Que era uma carne
com gosto de doce. Meu pai era um
mentiroso muito grande. Mas era o meu
pai.

Receita
1. Escolha batatas bonitas e
fresquinhas;
2. Lave-as bem e deixe-as de
molho em uma solução de água
e vinagre ou água e cloro por
15 minutos porque minha mãe
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dizia que era o suficiente para


ficarem aptas ao consumo
humano;
3. Descasque as batatas com
cuidado para que só a casca
sejam tirada é não a carne da
batata, era assim que Vó
Benina dizia;
4. Corte as batatas em tiras;
5. Acenda o fogo, coloque a
frigideira para aquecer e
derrame o óleo em seu interior
na quantidade que cubra as
batatas dentro da frigideira;
6. Deixe as batatas fritarem até
ficarem douradas;
7. Prepare um prato com papel
toalha para absorver o excesso

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de óleo nas batatas após a


fritura;
8. Coloque as batatas no prato
forrado com papel toalha e
depois que estiverem sequinhas
ponha-as em um prato bem
bonito.
9. Sirva-se a vontade.😜
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Dicas:

● Batatas maiores ficam mais


atraentes depois de
cortadinhas. Essas que são
maiores e de aspectos mais
retangular, podem ser cortadas
tanto seguindo o comprimento
ou a largura, mas segundo meu
primo que é filho da irmã da
minha mãe, cortadas segundo o
comprimento fazem com que
rendam mais 🤩.
● Melhor que estejam bem
sequinhas na hora da fritura.

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● Deixar as batatinhas depois de


cortadinhas de molho em
solução de água e vinagre ou
água e limão deixam as
batatinhas mais crocantes.

● 😖 Meu primo falou que quando


trabalhava em restaurante
aprendeu a colocar as batatas
de molho em água com cal
justamente para deixá-las
crocantes. 🤔
● As cascas servem para fritar
também, ficam ótimas como
petiscos e o sabor é quase o
mesmo das batatas fritas.
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● Ah, utilizando um talher de


madeira, tal qual uma colher de
pau, enquanto frita, as batatas
não murcham e ficam
crocantes.

Batatas Amassadas

Receita
1. Cozinhe as batatas com a casca;
2. Depois de cozidas as batatas
escorra a água e deixe-as esfriar
para poder descascar;
3. Numa panela doure um alhinho com
bem pouco óleo;

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4. Rapidamente junte as batatas,


amasse-as com com o soquete,
tendo o fogo bem baixo, junte um
pouco de leite, e se preferir uma
gema bem cozidinha;
5. Misture tudo até ficar de maneira
bem uniforme ou homogênea a
consistência que mais agradar;
6. Retire do fogo, e sirva.

Dicas:

● Há quem prefira apenas acrescentar


o leite ou só juntar as batatas ao
alho dourado já com o fogo
desligado.
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● Durante o cozimento das batatas


pode se juntar os temperos
preferidos

● Só amassando as batatas e
acrescentando aquele caldinho de
feijão esperto temos uma papinha
pro neném ou alimento com função
de objeto transacional para pessoas
traumatizadas em crise depressiva
como era o meu caso, mas
reconheça que batatinha
amassadinha com caldinho de feijão
é muito gostoso de comer, ou não
é? 😉🙂

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CAPÍTULO 4

A Tortura

CARNE DE SOL

Processo de Produção

"Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei


de mim, que sou manso e humilde de
coração, e encontrareis descanso para a
vossa alma. Porque o meu jugo é suave,
e o meu fardo é leve". (Mateus 11: 29 -
30).
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No ano Internacional da criança, toda


criança deve levar três surras por dia: de
manhã, a tarde e antes de dormir.
Era o remendo falado por R. sempre
após a propaganda que passava na TV.
Ou o que me diriam vocês quando R
percebia que eu estava chorando
agoniada lavando aquela louça que não
fui eu quem sujei.
-- Olha como ela está feliz!
Ou quem sabe:
-- A se soubesses como sou tão
carinhoso… Depois de um espancamento
é claro.
E o tão bonitinho:
-- Depois vou levar você na padaria
pra ver os outros tomarem sorvete. 😩
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Só sei dizer que foi uma merda a minha


infância, choro e melancolia, além de dor,
muita dor mesmo. Um sofrimento
desnecessário, tratada como se fosse lixo,
como se não fosse uma menina, como se
não menstruasse, como se não precisasse
de roupas ou respeito. Além é claro das
difamações. Gostaria que meus irmãos
nunca tivessem existido. Hoje sou grata
porque dois dos meus irmãos já estão
mortos. Pra falar a verdade gostaria
muito que eles nunca tivessem nascido.
Engraçado, mas minha mãe quando eu
tinha nove anos, se prontificou a
organizar o casamento de uma piranha.
Muito frágil era minha mãe e eu a amava,
mas ela tanto quanto eu era vitimizada
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pelos meus irmãos e por isso não


conseguia ver o quanto eu sofria.
Verdadeiros canalhas os meus irmãos.
Havia esse bombeiro que minha mãe
namorou antes da conversão. Um golpista
vagabundo, vocês entenderão. Então um
dia ele chegou dizendo que ia matar a
filha, e minha mãe respondeu:
-- Matar porquê? Você orientou ela?
Eu só ouvia - falavam como se eu não
pudesse ouvir - sem entender bem do
que se tratava o assunto. Mas Jesus
acertou ao dizer que o mundo jaz no
maligno e acertou também a respeito dos
lobos. Hoje eu entendo, um golpista
safado. Minha mãe não percebeu. Como
poderia? Envolvida emocionalmente com

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o canalha. Eu mesma só entendi a astúcia


do larápio muito muito tempo depois.
Quando me dei conta estava eu metida
no meu vestido de primeira comunhão,
rebaixado agora a dama de honra. Sabe
eu não servia pra essas coisas, era criada
de qualquer jeito. Fiquei muito
desconfortável com aquilo. E adivinhem...
justo no meu aniversário. Legal né.
Então tinha essa boleira que sei lá de
onde saiu, metida lá em casa com a filha
e uma amiga da filha, ambas com 13
anos. Passamos o Reveillon com essa
família e eu até hoje não entendi bem o
porquê, bem entendi sim, mas isso é uma
outra história.
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Acredito que minha mãe pode ter tido


algum gasto com tudo isso, não sei bem
se o bombeiro vagabundo, se é que ele
era isso mesmo, quero dizer bombeiro,
pagou pela coisa toda ou alguma coisa da
coisa toda. Eu particularmente acredito
que não. Mas sei que a coisa toda só pode
ter sido um embuste, porque a tal
donzela tinha mãe e vivia com a mãe. E,
se o pai era bombeiro, não havia
nenhuma necessidade de mamãe ter sido
envolvida nessa história. Depois que
mamãe entrou para a Igreja esse
embuste tentou se reaproximar, mas
graças a Deus, permaneceu longe de
nossas vidas.
Parece que a vida de mamãe
foi marcada por um grande trauma,

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Dedéia Da Silva 60

porque o ex-caçula, foi morar com vovó


na ilusão de ganhar uma motoca quando
fosse mais velho, mas quando estava
mais velho decidiu enfrentar vovô, que foi
pracinha da segunda grande guerra.
O ex-caçula então foi convidado a voltar
para a casa da mãe. E acreditem isso
redundou em mamãe fazendo outro
casamento, o dele. Estava preocupada se
eles estariam se envolvendo
sexualmente, e isso ser pecado. Ela fez a
proposta para a namorada de meu irmão,
que aceitou. Mais uma vez ela se
esqueceu que tinha uma filha para casar,
a quem tão pouco deu uma festa de
aniversário de 15 Anos. Sim este não
evento de aniversário foi outro evento
Terapia De Família Na Cozinha 61

traumático, porque ela me atormentou


para que eu fosse ao aniversário de 15
anos dessa vagabunda da sobrinha do
marido de minha tia. Tiveram a coragem
de me dizer que a festa era pra mim
também. O vestido deve ter sido minha
tia ou o marido dela quem pagou. Mas o
fato é que sempre que minha mãe via
aquele vestido, dizia:
-- O vestido do seus 15 anos.
Farta de ouvir aquilo, perguntei:
-- Mãe que cor é esse vestido?
É branco?
Ela pegou o vestido e o olhou bem, e
respondeu:
-- Não, isso é um salmon.
-- Então, mãe, a cor do vestido da
ordinária da aniversariante era branco. As

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damas, continuei, usaram salmon - para


mim cor de vômito, pensei - eu fui dama
nesse aniversário; e desabafei:
-- Esse aniversário foi de J. Eu não tive
aniversário de 15 anos.
Mas todo esse evento, festa,
preparativos, vestidos pareciam estar
atrelados à manutenção de uma
lembrança traumática não confrontada.
Parecia que minhas tias sabiam como
manipular minha mãe para que ela
continuasse a me tratar como merda.
Aparentemente havia algo que aconteceu
na vida familiar da minha mãe que a
mortificava. Só vivíamos bem quando
longe dos parentes, e os reencontros só
serviam para manutenção dos traumas.
Terapia De Família Na Cozinha 63

Havia um trauma tão grande relacionado


ao vestido de noiva de minha mãe que eu
só fui capaz de entender depois que ela
morreu.
Minha mãe ainda referiu-se aquele
vestido como o dos meus 15 anos. Então
eu mudei de argumento.
-- Tio S, tia N e você fizeram uma
covardia muito grande comigo, muito
grande mesmo.
Eu saí daquela festa muito mal e dali
em diante fui de mal a pior. Ficou claro
para mim que não havia esperança ou
futuro quaisquer que fossem as opções.
Depois da festa, minha tia levou o
ex-caçula para viajar - ele foi morar com
minha avó, houve um processo e meus
tios estavam engajados em ajudar. Depois

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que ele viajou bastante e ganhou roupas


novas, voltou para a casa da avó, mesmo
o processo tendo sido favorável à mamãe,
ele voltou para a casa da avó e mamãe
aceitou, não havia mais nada a fazer, a
não ser aguardar que ele fosse expulso de
lá. Sim estou falando de um dos cantores,
da música geração de adoradores da
igreja de nova vida do Alcântara.

RECEITA
Minha mãe fazia assim:
1. Em um prato bem limpinho e seco,
ela salpicada sal e ali deitava uma
carne, salpicava mais sal por cima é
deixava tomar sol;
Terapia De Família Na Cozinha 65

2. O processo é lento, a carne é virada


para pegar sol dos dois lados;
3. Todos os dias é guardada com uma
proteção para não ficar exposta
dentro de casa na cozinha;
4. Todos os dias exposta ao sol até ficar
no ponto de poder ser cozida junto
com o feijão ou pra fazer carne seca
com abóbora, fica muito bom,
podem acreditar.

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