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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ – UECE

CENTRO DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA – CCT

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA – PROPGEO

GILDA MARIA RODRIGUES DO NASCIMENTO

NOVOS CAMINHOS E VELHOS INTERESSES: DISCURSO E PRÁTICA DA


POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL RURAL NO CEARÁ

FORTALEZA

2013
1

GILDA MARIA RODRIGUES DO NASCIMENTO

NOVOS CAMINHOS E VELHOS INTERESSES: DISCURSO E PRÁTICA DA


POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL RURAL NO CEARÁ

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Geografia, da Universidade
Estadual do Ceará, como requisito para a obtenção
do título de Mestre. Área de concentração: Análise
geoambiental e ordenamento de territórios de
regiões semiáridas e litorâneas.

Orientação: Prof.ª Drª. Denise de Souza Elias

FORTALEZA

2013
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3
4

AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos que direta ou indiretamente contribuíram com a


realização deste trabalho, em especial a minha orientadora, Denise de Souza Elias
pelo apoio, estímulo e incentivo, e por e clarear meus pensamentos e nortear - me
nos momentos de dúvida, que não foram poucos.
Ao Prof. Francisco Amaro Gomes de Alencar do Departamento de
Geografia da Universidade Federal do Ceará e a Prof.ª Aldiva Sales Diniz da Casa
da Geografia da Universidade Estadual Vale do Acaraú, pelas perguntas instigantes,
pelas valiosas colaborações e sugestões feitas ao nosso trabalho.
A Giselle Rocha, companheira de momentos difíceis e a Rossana
Magalhães, pelo apoio inicial, fundamental quando me sentia muito pequena e
Fortaleza para mim, muito grande.
Aos companheiros de caminho do Laboratório de Estudos Agrários, (LEA)
da Universidade Estadual do Ceará: Leandro Cavalcante, Camila Dutra, Iara Rafaela
Gomes, Lucenir Jerônimo, Bruna Nogueira, Edivânia Marques e Sidney da Silva,
pelo companheirismo e pela acolhida que me foi feita durante o período de estudos.
Aos companheiros do Mestrado Acadêmico em Geografia, Felipe
Silveira, Joselito Teles, Carlos Josué de Assis, Victa Nobre de Andrade, Suzy
Nogueira e Djailson Malheiro, pelos bons momentos que compartilhamos durante
essa caminhada.
Aos amigos e amigas de perto e de longe, que nos apoiaram durante
esse período de afastamento, em especial a Jaqueline Fernandes companheira de
todas as horas, também a Karlielly Almeida, Vani Braz, Carisa Gonçalves, e a
minhas irmãs Geovânia Rodrigues, Glaucia Rodrigues e Givanilda Rodrigues.
Agradeço também a meus pais, Maria do Socorro e José Maria, por entenderem e
aceitarem a minha ausência em tantos momentos dessa caminhada.
Aqueles que contribuíram com informações para a construção deste
trabalho, a quem sou grata pela colaboração dada através das entrevistas, e pela
disponibilidade em nos receber para as entrevistas realizadas em campo, em
especial a Sérgio Pinto assessor técnico do território Sertões de Canindé, Ivanelson
Melo, Eliel Teixeira e Paulo Sérgio Mariz da Prefeitura Municipal de Paramoti.
5

“O cientista deve, pois, envolver-se na luta pelo equilíbrio de poder nos vários
contextos de aplicação e, para isso, terá de tomar o partido daqueles que têm
menos poder” (Santos, 1989).
6

RESUMO

O Programa Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Territórios Rurais


(PRONAT) entrou em vigor no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva em
2003. Este tem como objetivo promover e apoiar iniciativas das instituições dos
territórios rurais de identidade e o incremento sustentável nos níveis de qualidade de
vida da população rural. Nossa proposta de pesquisa tem como objetivo geral
mostrar as incoerências entre a teoria e a prática do programa de desenvolvimento
territorial rural em âmbito localizado. E como objetivos específicos, buscamos
entender como tem funcionado a articulação entre os agentes sociais locais na
execução do referido programa e explicitar como este se insere numa lógica maior,
que é atender a novas formas de acumulação do capital tendo como foco o território.
Escolhemos como área de estudo o município de Paramoti-Ce, integrante do
Território Sertões de Canindé, homologado em maio de 2004. Como procedimentos
metodológicos através dos quais buscamos entender as contradições do
desenvolvimento territorial rural no município estudado, realizamos pesquisa
bibliográfica alicerçada em autores que têm se dedicado a entender as controvérsias
do desenvolvimento ao longo das últimas cinco décadas. Realizamos ainda
pesquisa nos Censos Demográficos e Agropecuários do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) bem como consulta aos órgãos públicos INCRA e
IDACE, seguida de pesquisa de campo, com realização de entrevistas
semiestruturadas. Através dos resultados obtidos, podemos concluir que a melhoria
da qualidade de vida objetivada pelo programa ainda não é realidade concreta. A
participação dos agentes sociais na construção, consolidação e gestão deste
programa apresenta incoerência entre a proposta e o que se efetiva. O programa é
executado de forma parcial, onde a gestão dos municípios ainda não tem clara
compreensão do território enquanto unidade de gestão de políticas públicas. A
articulação político institucional programa também é frágil, não há envolvimento
efetivo dos agentes sociais, os Conselhos Municipais que deveriam colaborar na
promoção da integração agentes sociais locais nos espaços de decisão, em sua
maior parte estão inoperantes. O que dificulta a inclusão da participação popular na
construção e gestão das políticas de desenvolvimento territorial rural.

PALAVRAS CHAVE: Estado. Espaço. Território. Política pública. Desenvolvimento.


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ABSTRACT
The National Program for Sustainable Development of Rural Territories (PRONAT)
came into force in 2003, in the Luiz Inácio Lula da Silva’s first administration. The
program aims to promote and support initiatives of the institutions of rural areas and
the sustainable increase in the levels of standard of living in the rural population. Our
research proposal aims to demonstrate the inconsistencies between the theory and
practice of territorial rural development program in context. And as specific purpose,
we seek to know how the articulation between local social agents works in the
implementation of this program and explain how this fits into a larger logic, which is to
attend new forms of accumulation of capital focused on the territory. We have chosen
as the study area Paramoti-Ce in the backwoods of Canindé, territory approved in
May 2004. As methodological procedures through which we seek to know the
contradictions of development in the municipality studied, we performed literature
search based on authors who have been dedicated to understand the controversies
of development over the past five decades. We conduct research in Agricultural and
Demographic Censuses of the Brazilian Institute of geography and statistics (IBGE)
as well as consulting the public organs IDACE, followed by INCRA and field research
with semi-structured interviews. Through the results obtained, we can conclude that
the improvement of the quality of life program is not yet intended reality. The
participation of social agents in the development, consolidation, and management of
this program has presented incoherence between the proposal and what it seeks.
The program is carried out partially, where the management of the municipalities has
no clear understanding of the territory as a unit of management of public policies.
The political institutional articulation program is still faulty, there is no effective
involvement of social agents, the Municipal Councils should collaborate in promoting
local social agents integration in decision, for the most part has not worked. And this
has hampered the inclusion of popular participation in the construction and
management of rural territorial development policies.

KEYWORDS: State. Space. Territory. Public policy. Development.


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LISTA DE QUADROS

Quadro 01: Comparativo entre os programas de desenvolvimento rural de Fernando


Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva ........................................................... 36
Quadro 02: Composição do Colegiado do Território Sertões de Canindé ................ 99

LISTA DE TABELAS

Tabela 01: Ceará, Nordeste e Brasil - Índice Gini de concentração de terras... ....... 46
Tabela 02: Ceará - Número de estabelecimentos agropecuários segundo a condição
do produtor ................................................................................................................ 47
Tabela 03: Ceará - Área dos estabelecimentos agropecuários segundo a condição
do produtor ................................................................................................................ 48
Tabela 04: Ceará - Estabelecimentos agropecuários segundo grupos de área total :
1996 e 2006 .............................................................................................................. 51
Tabela 05: Produto interno Bruto, PIB per capita, taxa de crescimento percentual e
participação do Ceará no PIB nacional ..................................................................... 52
Tabela 06: Brasil - Despesas dos orçamentos fiscais do Ministério da Agricultura
Pecuária e Abastecimento e Ministério do Desenvolvimento Agrário período 2002 a
2012 .......................................................................................................................... 61
Tabela 07: Território Sertões de Canindé - número e área dos assentamentos
federais por município ............................................................................................... 65
Tabela 08: Sertões de Canindé - número e área dos estabelecimentos
agropecuários............................................................................................................ 69
Tabela 09: Sertões de Canindé - Percentual da área dos estabelecimentos segundo
grupo de área total .................................................................................................... 70
Tabela 10: Paramoti - População urbana e rural - 1991 a 2010 ............................... 74
Tabela 11: Paramoti - Número de famílias atendidas pelo Programa Bolsa Família
de 2004 a 2012 ......................................................................................................... 76
Tabela 12: Ceará e Paramoti - Renda média per capita e proporção de pobres –
2000 .......................................................................................................................... 76
Tabela 13: Ceará e Paramoti - Percentual de pessoas na situação de extrema
pobreza – 2010 ......................................................................................................... 77
Tabela 14: Paramoti: PIB por setor da economia 2004 e 2008................................. 78
9

Tabela 15: Paramoti - Número e área dos imóveis rurais por categoria - 2003 ........ 79
Tabela 16: Paramoti - Número e área dos imóveis rurais por categoria - 2012 ........ 79
Tabela 17: Paramoti - Variação do número de imóveis rurais por categoria 2003 a
2012 .......................................................................................................................... 80
Tabela 18: Paramoti - Percentual da área ocupada segundo a categoria de imóveis
.................................................................................................................................. 80
Tabela 19: Paramoti - Número de estabelecimentos agropecuários segundo a
condição do produtor - 1996 e 2006.......................................................................... 82
Tabela 20: Paramoti - Área dos estabelecimentos agropecuários segundo a
condição d produtor - 1996 e 2006............................................................................ 83
Tabela 21: Paramoti - Área plantada com lavoura temporária - 2005 e 2011.... ....... 83
Tabela 22: Paramoti - Área plantada com lavouras permanentes 2004 e 2011. ...... 84

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 01 - Território Sertões de Canindé - População rural e urbana - 1991 a 2010


.................................................................................................................................. 63
Gráfico 02 - Paramoti - População por situação de domicílio – 1991 a 2010... ........ 75
Gráfico 03 - Paramoti - Percentual do número de estabelecimentos segundo a
condição do produtor................................................................................................. 82
Gráfico 04 - Território Sertões de Canindé - Tipo de projeto implantado de 2005 a
2011 .......................................................................................................................... 93

LISTA DE FIGURAS

Figura 01 - Ceará – Divisão do Estado do Ceará em Territórios de desenvolvimento


agrícola ..................................................................................................................... 56
Figura 02: Mapa de localização do Território Sertões de Canindé no Estado do
Ceará ........................................................................................................................ 64
Figura 03: Localização do município de Paramoti .................................................... 73
Figura 04: Paramoti - Mapa de uso e ocupação da terra 2004................................. 86
Figura 05: Paramoti - Mapa de uso e ocupação da terra 2007................................. 87
Figura 06: Paramoti - Mapa de uso e ocupação da terra 2009................................. 88
Figura 07: Paramoti - Malha fundiária 2012.............................................................. 89
10

Figura 08 e 09 - Casas do mel de Paramoti e Caridade ........................................... 94


Figura 10 e 11 - II e III Feiras da agricultura familiar realizadas em 2009 e 2010 em
Canindé ...................................................................................................................115
Figuras 12 e 13 - IV Feira territorial da agricultura familiar realizada em Canindé ano
2011 ........................................................................................................................116

LISTA DE SIGLAS

BNB - Banco do Nordeste do Brasil

CACTUS - Centro de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável do Semiárido

CMDS - Conselho Municipal de Desenvolvimento Social.

CODET - Coordenadoria do Desenvolvimento Territorial

CONTAG - Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na


Agricultura

CONAB - Companhia Nacional de Abastecimento

DFDA - Delegacia Federal do Desenvolvimento Agrário Ceará

EMATERCE - Empresa de Assistência Técnica do Estado do Ceará

FETRAECE - Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras da Agricultura do


Estado do Ceará

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IDH - Índice de Desenvolvimento Humano

IICA - Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura

INCRA - Instituto de Colonização e Reforma Agrária

IDACE - Instituto do Desenvolvimento Agrário do Estado do Ceará

IPECE - Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Estado do Ceará.


11

MDA - Ministério do Desenvolvimento Agrário

MAPA - Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento.

MST- Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

NEAD - Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural

ONG - Organização Não Governamental

PDRSS - Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário

PEA - População Economicamente Ativa

PDRI - Projeto de Desenvolvimento Rural Integrado

PIB - Produto Interno Bruto

PLAMEG - Plano de Metas Governamentais

PLANAF - Plano Nacional da Agricultura Familiar

PRONAF - Programa Nacional da Agricultura Familiar

PROCERA - Programa de Crédito Especial para a Reforma Agrária

PRONAT- Programa Nacional de Desenvolvimento dos Territórios Rurais

PTDRS - Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentável

PTC – Programa Territórios da Cidadania

SIF – Serviço de Inspeção Federal

SDT- Secretaria do Desenvolvimento Territorial

TC- Territórios da Cidadania.

TSC- Território Sertões de Canindé


12

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 13

2 A QUESTÃO AGRÁRIA E O DESENVOLVIMENTO RURAL ............................... 20


2.1 MAIS UM DISCURSO DO DESENVOLVIMENTO .............................................. 26
2.2 ORIGENS E DESDOBRAMENTOS DO DESENVOLVIMENTO RURAL NO
BRASIL ..................................................................................................................... 30
2.3 O PROGRAMA NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DOS
TERRITÓRIOS RURAIS (PRONAT) .........................................................................37

3 O ESPAÇO AGRÁRIO CEARENSE E A POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO


TERRITORIAL RURAL ............................................................................................. 43
3.1 OS PLANOS DE DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL E SOLIDÁRIO
DO CEARÁ (PDRSS) ............................................................................................... 52
3.2 INDICADORES SOCIOECONÔMICOS DO TERRITÓRIO SERTÕES DE
CANINDÉ: LIMITAÇÕES AO DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL RURAL ......... 62
3.3 FATORES LOCAIS DE INFLUÊNCIA PARA O DESENVOLVIMENTO
TERRITORIAL RURAL ............................................................................................. 72

4 O PRONAT: O DISCURSO E A PRÁTICA DA POLÍTICA DE


DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL EM PARAMOTI ........................................... 90
4.1 AS CONTRADIÇÕES PRESENTES NAS RELAÇÕES SOCIOESPACIAIS
LOCAIS ..................................................................................................................... 97
4.2 OS DESAFIOS DO DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL RURAL .................103
4.3 A ARTICULAÇÃO ENTRE CONSELHOS MUNICIPAIS, SINDICATOS DE
TRABALHADORES RURAIS E GESTORES MUNICIPAIS ...................................108
4.4 OS AVANÇOS E OS DESAFIOS DA ARTICULAÇÃO POLÍTICA LOCAL ........112

5 CONCLUSÕES ...................................................................................................119

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................124

7 ANEXOS .............................................................................................................131
13

1 INTRODUÇÃO

O desenvolvimento nos últimos vinte anos tem sido considerado como a


fórmula à solução dos problemas estruturais que afetam principalmente os países
pobres. Desse modo, tudo se justifica em seu nome e os meios utilizados para
alcançá-lo têm justificado os fins. Assim, ele tornou-se a meta a ser alcançada a
todo custo, justificada por um discurso poderoso elaborado e difundido pelo Estado.
No entanto, os fins que justificam o desenvolvimento não são benéficos a todos
como o discurso oficial que o Estado defende.
A abordagem territorial do desenvolvimento surge dentro de uma nova
perspectiva de interpretação do rural, compreendendo-o não mais apenas como um
espaço limitado às atividades agrícolas e entendendo que para empreender o
desenvolvimento rural seria necessário considerar as interações sociais, ambientais,
econômicas e culturais desenvolvidas pelas famílias camponesas, bem como as
interações entre cidade e campo. Dentro dessas prerrogativas, o território passou a
ser utilizado como o lócus ideal para a implementação das políticas públicas
destinadas à promoção do desenvolvimento rural.
Nessa perspectiva, foi criado, em 2003, no primeiro governo de Luiz
Inácio Lula da Silva, o Programa Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos
Territórios Rurais (PRONAT), com o objetivo de promover e apoiar as iniciativas das
institucionalidades representativas que objetivem o incremento sustentável nos
níveis de qualidade de vida da população rural (BRASIL, 2004, p. 4). O programa é
uma política processual, no sentido em que ele é baseado num corpo normativo
elaborado em nível federal e cujo objetivo é nortear os atores do setor da agricultura
familiar na elaboração de projetos territoriais (BONNAL, 2012).
No entanto, a realidade da execução do programa não segue exatamente
o que está posto teoricamente, evidenciando uma relativa distância entre discurso e
prática. Procurou-se, pois, neste trabalho, mostrar que a teoria do discurso do
desenvolvimento territorial rural é controversa, na prática, através da análise local da
execução do PRONAT no Território Sertões de Canindé, tendo como área específica
de observação o município de Paramoti.
A proposta desta pesquisa se constituiu em analisar como o PRONAT
tem se efetivado em escala local. Ressalta-se que não foi objetivo do estudo
averiguar resultados do programa, dado o curto tempo de execução dele; o objetivo
14

foi averiguar como as ações do referido programa têm sido executadas localmente e
como tem se dado a articulação dos agentes sociais do território envolvidos em sua
execução.
Salienta-se que a contribuição da pesquisa se dá no sentido de fornecer
uma crítica baseada em resultados qualitativos em nível local. O esperado é que o
estudo possa servir de subsídio aos agentes públicos, para levá-los a perceber a
necessidade de sair do campo da abstração e a entender que a teoria não se molda
à realidade, e nem a ela se encaixa, visto que a coesão de interesses e de
identidade idealizada não existe e nunca existirá.
Compreender isso se faz necessário para que as próximas políticas
específicas para o campo possam ser pensadas e executadas respeitando e
valorizando as diferenças inerentes a cada território, considerando também a
correlação de forças desiguais que permeiam cada um deles e a dimensão
geográfica desses espaços em suas concepções e relações locais.
As questões que levaram a esta análise, a respeito do desenvolvimento
como um discurso contraditório à sua prática, surgiram durante o trabalho de
assessoria técnica desenvolvido no decorrer do ano de 2010, no Território Sertões
de Canindé, quando se observou a falta de efetividade e de coerência das ações do
Estado, bem como a sua omissão em relação à população do campo nesse
território.
Em atividade profissional, depara-se com pessoas vivendo no campo em
situação de extrema pobreza e constata-se a falta de resultados das ações
implementadas pelo Estado ao longo do tempo, visto que esse é um problema
antigo, que as políticas paliativas, assistencialistas, não tiveram interesse de
resolver.
Questionava-se sobre as razões pelas quais a situação dessas pessoas,
as relações de trabalho e as condições de acesso à terra continuavam tão precárias,
ao mesmo tempo que se perguntava por que as relações de dependência se
perpetuavam, em virtude da condição de pobreza da população.
Essa realidade evidencia a incoerência das propostas contidas nos
diferentes planos de governo das últimas duas décadas, cujos resultados não
condizem com o que o Estado planeja para as políticas públicas historicamente
executadas no campo cearense.
15

No decorrer da realização do trabalho optou-se por fazer algumas


mudanças, no que se refere ao recorte espacial e aos objetivos. Inicialmente a meta
era abranger todo o território – seis municípios –, mas viu-se que era um recorte
espacial extenso e se chegou à conclusão de que seria mais proveitoso limitar o
estudo à análise de apenas um município, dado o tempo que se dispunha para a
pesquisa.
No que se refere ao objetivo da investigação, a primeira intenção era
realizar a análise das mudanças socioespaciais a partir da execução do PRONAT,
mas, em virtude da recente execução do programa, percebeu-se que essas
possíveis mudanças ainda não seriam notáveis. Diante de tal limitação, decidiu-se
apenas avaliar o que há de discurso e de prática na execução do programa em
questão.
Foi também avaliada a forma como têm ocorrido as relações entre os
agentes sociais locais, observando de que maneira esses agentes – sejam
sindicatos de trabalhadores, organizações não governamentais, associações de
moradores, agentes da gestão pública municipal, movimentos sociais ou igrejas –
têm efetivado a sua participação nos espaços coletivos de decisão local e territorial,
onde se definem as ações prioritárias a serem desenvolvidas no território.
Tinha-se como hipótese inicial a suposição de que a atuação do
movimento social mais efetivo no território Sertões de Canindé – o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) – nos espaços coletivos de decisão poderia
ser um elemento importante na definição das prioridades que seriam atendidas pelas
ações a serem desenvolvidas nos municípios do território. No decorrer da pesquisa,
no entanto, foi constatada a negação da suposição, visto que a atuação desse
movimento no território é mais expressiva em apenas dois municípios, Canindé e
Madalena, não estando o movimento, portanto, a par de todas as demandas dos
demais municípios do território.
A segunda hipótese levantada se referia à influência que a execução do
PRONAT poderia ter na relação entre os agentes públicos municipais e a sociedade
civil, como um elemento importante para promover a articulação entre ambos. Essa
hipótese também foi negada, conforme se constatou que a participação efetiva da
sociedade civil, dos sindicatos de associações de moradores e das igrejas não
mostrou interferências nas relações que permeiam a gestão das políticas públicas
16

no município, ou seja, ela não representa influência nas decisões no sentido de


direcioná-las.
A terceira e última hipótese se refere à supremacia do Estado no
direcionamento das prioridades e das ações desenvolvidas no território por meio das
políticas e de seus agentes em seus diferentes níveis de atuação. Essa hipótese foi
confirmada por meio dos depoimentos e das observações feitas em campo, onde se
confirmou que a hierarquia de decisões permanece como prática recorrente, apesar
da proposta de descentralização contida dos documentos que orientam a atual
política de desenvolvimento territorial rural.
Para se empreender a busca pelos elementos necessários ao
entendimento das questões elencadas inicialmente, a fim de realizar uma ligação
coerente entre o teórico e o empírico, procurou-se fazer uma análise à luz da teoria
já produzida sobre o assunto, tomando como base um referencial teórico e um
método de pesquisa, esse último entendido como:

[...] a construção de um sistema intelectual que permita analiticamente


abordar uma realidade a partir de um ponto de vista, não sendo um dado a
priori, mas uma construção, no sentido de que a realidade social é
intelectualmente construída (SANTOS 1996 p. 62-63).

Esse ponto de vista sob o qual se abordou o objeto de estudo enquadra-


se na contradição presente entre o discurso e a prática, entendendo que a análise
dos diferentes discursos desvela a realidade das intenções e a ideologia neles
contidas, mas que não são visíveis sem que se faça deles uma análise aprofundada.
Está-se, pois, diante de conflitos entre diferentes concepções da
realidade: a concepção do Estado, a concepção dos agentes locais e da sociedade
civil e a concepção entre o discurso e a prática, como já foi colocado. Tais ideias se
encaixam no perfil metodológico do materialismo dialético, sob o qual se buscou
entender e interpretar o espaço em discussão.
Os conceitos e as categorias que nortearam o trabalho foram: Estado,
território, espaço, políticas públicas e desenvolvimento, por se acreditar que eles
melhor refletem e apreendem o objeto em análise, dentro dos objetivos
estabelecidos no estudo.
Os procedimentos metodológicos para a realização deste trabalho
dispuseram, num primeiro momento, de um embasamento teórico no qual se apoiou,
para a discussão a respeito do desenvolvimento, em Gómez (2001; 2005; 2006 e
17

2007) em Favareto (2005) em Navarro (2001) e em Peet (2007). Sobre as


considerações utilizadas para a base da discussão sobre o conceito de território,
fizeram-se referências a Fernandes (2008), Raffestin (1993) e Saquet (2010). A
respeito do aporte teórico relacionado à questão agrária e à agricultura no estado do
Ceará, recorreu-se a Sampaio (1991, 2006), a Elias (2002; 2005) e a Alencar (2002;
2005).
Ainda como parte dos procedimentos metodológicos, dispôs-se de coleta
e análise de dados em fontes secundárias, quais sejam: órgãos públicos, bancos de
dados institucionais (IDACE e INCRA), censos demográficos de 2000 e 2010 e
censos agropecuários de 1996 e 2006 (IBGE).
Quanto às fontes primárias, tem-se as entrevistas com agentes públicos
no âmbito municipal: secretários de infraestrutura, de educação e de agricultura, e o
presidente do Conselho Municipal de Desenvolvimento Social (CMDS). No âmbito
do território, entrevistou-se o assessor técnico do Território Sertões de Canindé.
Foram entrevistados também agentes locais representantes de classe, tais como
sindicatos, ONGs, bem como camponeses e técnicos da Empresa de Assistência
Técnica de Extensão Rural do Ceará (EMATERCE), atuantes em Paramoti.
No decorrer do trabalho, deparou-se com algumas dificuldades; a primeira
delas foi discutir desenvolvimento territorial, diante da falta de clareza tanto a
respeito do que ele significa de fato como sobre a que interesses ele serve. Por isso
a dificuldade em desnudá-lo em meio a equívocos sedimentados pelo discurso que o
justifica.
Outra dificuldade enfrentada está relacionada às variáveis eleitas para o
estudo, visto que houve mudanças na metodologia dos censos demográficos, o que
dificultou a comparação entre essas variáveis para o recorte temporal escolhido.
O interesse inicial era observar as variáveis da pesquisa para todos os
municípios que compõem o Território Sertões de Canindé, comparar os resultados
entre elas e fazer uma análise do conjunto para o recorte temporal delimitado – 2004
(ano da criação do Território Sertões de Canindé) a 2012. No entanto, com o
encaminhamento das atividades da pesquisa, percebe-se que não seria possível em
tempo hábil dar conta dessa proposta em função da extensa área e pela quantidade
de informações a ser analisada.
18

Diante de tal limitação, a opção foi reduzir tanto a área da pesquisa, de seis
municípios para apenas um município, quanto as variáveis, reduzidas de oito para
quatro.
A escolha do município de Paramoti como local de análise da ação do
PRONAT baseou-se em critérios em função das seguintes características locais:
menor área territorial em relação aos demais municípios; população rural
numericamente superior à urbana; pouca expressividade das áreas de
assentamento no município.
O trabalho está organizado nesta introdução e três capítulos, com
subdivisões. No primeiro capítulo, situou-se o objeto de estudo, mostrando em que
contexto foi instituída a política de desenvolvimento territorial rural. Em seguida,
apresentou-se a forma como a questão agrária se mostra na atualidade e de que
maneira se dá a ligação entre ela e o desenvolvimento rural no Brasil na última
década. Foram expostas as diferentes concepções dessa questão e a conjuntura
socioeconômica na qual as políticas institucionais incorporam o território como lócus
de ação, com o discurso que supõe a superação dos problemas estruturais e as
desigualdades que historicamente têm marcado o campo brasileiro.
No segundo capítulo, foi mostrado sucintamente como se consolidou, ao
longo da história, o atual espaço agrário cearense, apontando de forma rápida como
se processaram as mudanças nesse espaço até chegar à atual configuração, para
se incluir na atual política de desenvolvimento territorial.
Mostrou-se também como o estado do Ceará se insere no atual contexto
da política de desenvolvimento territorial rural. O capítulo foi finalizado com uma
breve caracterização do território no qual está inserida a área de estudo, seguida
das principais características socioeconômicas do município de Paramoti.
No terceiro e último capítulo, apontaram-se os contrapontos entre o
discurso e a prática do PRONAT em Paramoti, desvendando a diferença existente
entre os discursos institucionalizados do desenvolvimento territorial rural e a
realidade local e mostrando também as particularidades e as contradições que
permeiam as relações entre os diferentes agentes sociais locais.
Expôs-se, ainda, o desafio do desenvolvimento territorial sob o ponto de
vista dos agentes sociais locais, fazendo um contraponto entre as propostas dos
documentos oficiais e a realidade local e analisando como tal política tem incutido
19

nos agentes locais a ideia falsa de que os problemas vivenciados por eles podem
ser resolvidos via mercado.
Finalizou-se o trabalho com a apresentação das conclusões acerca dos
resultados apreendidos na análise dos nove anos da execução do PRONAT, e dos
seis anos de vigência do programa em Paramoti. Foram colocadas também algumas
questões que permanecem sem respostas na presente pesquisa e que deverão ser
respondidas em pesquisas futuras.
20

2 A QUESTÃO AGRÁRIA E O DESENVOLVIMENTO RURAL

Na primeira parte deste trabalho, delimitou-se o objeto de estudo,


apresentou-se a forma como a questão agrária se coloca na atualidade e de que
maneira se dá a ligação entre ela e o desenvolvimento rural no Brasil na última
década, as diferentes concepções da questão, bem como a conjuntura
socioeconômica na qual as políticas institucionais incorporam o território como lócus
de ação, com o discurso que supõe a superação dos problemas estruturais e as
desigualdades que historicamente têm marcado o campo brasileiro.
A questão agrária no século XX tem sido alvo de estudos não só na
Geografia, como também em outros campos de estudo, com destaque para a
Sociologia. Entre os principais autores que trabalharam tal temática, tem-se como
mais expressivos: José de Souza Martins (1981; 1989; 2000); José Graziano da
Silva (2007); João Pedro Stédile (1997); Ariovaldo Umbelino de Oliveira (1991;
2007); Bernardo Mançano Fernandes (2004)1.
Para Silva (2007,) a questão agrária diz respeito às transformações nas
relações de produção e à maneira como elas se produzem. No entanto, a questão
não é tão simples como parece. Ela impõe a reflexão sobre o seu caráter histórico e
sobre o caminho por ela percorrido ao longo do tempo. Nesse sentido, ela surge a
partir da forma como se deu o processo de ocupação do território brasileiro. Assim,
a questão agrária não é recente, tendo conquistado espaço desde a eclosão dos
primeiros movimentos camponeses no Brasil, que remontam à década de 30 do
século XX, e têm se expandido na década de 1950 desse mesmo século com o
movimento das Ligas Camponesas em Pernambuco (posteriormente expandidas por
mais 13 estados brasileiros). Em 1964, a ditadura militar se instaurou no país e
esses movimentos passam a ser sufocados e, com isso, a questão agrária ficou
obscurecida.

1
Entre os trabalhos que trazem um panorama da questão agrária brasileira no século XX e início do
século XXI, destacamos os seguintes: SILVA, José Graziano da. O que é questão agrária (2007);
STÉDILE, João Pedro, et al. A Questão agrária no Brasil (1997); MARTINS, José de Souza. Os
camponeses e a política no Brasil (1981); MARTINS, José de Souza. Reforma Agrária: impossível
diálogo (2000); OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. O modo de produção capitalista, agricultura e
reforma agrária (2007).
21

Com o fim da ditadura militar em 1985 e com o retorno do país à


democracia, ocorre o ressurgimento da questão agrária, devido não só a nova
conjuntura política, mas, principalmente, ao agravamento dos problemas sociais no
campo, gerados pelo avanço das relações capitalistas de produção. Silva (2007,
p.11) reforça essa posição quando afirma que:

A força com que a questão agrária brasileira ressurge hoje não advém
apenas da maior liberdade com que podemos discuti-la. Mas também do fato
de que ela vem sendo agravada pelo modo como têm se expandido as
relações capitalistas de produção no campo.

A retomada da questão agrária na atualidade é oriunda tanto de questões


ligadas à força com que as relações capitalistas penetraram no campo nos últimos
anos, como afirmou Silva (2007), quanto de mudanças ocorridas na política e na
realidade social do país, bem como do agravamento dos problemas sociais que
afloram, mostrando a gravidade da questão não resolvida pelos sucessivos
governos brasileiros. Para Fernandes (2004, p. 4),

A questão agrária nasceu da contradição estrutural do capitalismo que


produz simultaneamente a concentração da riqueza e a expansão da
pobreza e da miséria. Essa desigualdade é resultado de um conjunto de
fatores políticos e econômicos [...].

Entendendo a questão agrária como o movimento do conjunto de


problemas relativos ao desenvolvimento da agropecuária e das lutas de resistência
dos trabalhadores (inerentes ao processo desigual e contraditório das relações
capitalistas de produção), ela engloba ao mesmo tempo os territórios, as
resistências e os conflitos inerentes ao campo.
No Brasil, há uma divisão entre os pesquisadores em dois grupos que
defendem posições antagônicas, diferentes paradigmas: o paradigma do capitalismo
agrário e o paradigma da questão agrária. Entende-se paradigma como um “[...]
conjunto de crenças comunitariamente partilhadas pelos cientistas sobre o que,
como e para que pesquisar [...] quanto maior a adesão a essas crenças, mais os
cientistas podem se encaminhar à pesquisa empírica” (ABRAMOVAY, 2012, p. 30).
O primeiro grupo de autores entende o desenvolvimento do modo
capitalista de produção, em sua fase monopolista, “[...] como um processo que
22

levará a destruição do campesinato2 através da diferenciação interna, gerada pelas


contradições típicas desse processo de integração no mercado capitalista”
(OLIVEIRA, 1991, p. 46).
Portanto, esses autores acreditam que o campesinato está fadado ao
desaparecimento, que ocorreria por meio da intensificação das relações
estabelecidas pelo modo de produção capitalista no campo. De acordo com Oliveira
(1991), o resultado seria a configuração de duas classes distintas: os camponeses
abastados (os pequenos capitalistas rurais) e os camponeses empobrecidos (os
assalariados). Ainda para esses pesquisadores, a persistência das relações não
capitalistas de produção no campo é considerada como resíduo em vias de
supressão. De acordo com Oliveira, (2007, p. 6),

A persistência das relações não capitalistas é entendida como resíduos em


vias de extinção. Ou seja, formas que o capitalismo adquiriu para adequar-
se às realidades locais, ou seja, o campesinato e os latifundiários estão,
inevitavelmente, condenados à extinção no plano econômico.

Entre os pesquisadores brasileiros que defendem essa posição tem-se


como um dos mais importantes Ricardo Abramovay, que explorou essa tese em
trabalho publicado em 1992, Paradigmas do capitalismo agrário em questão.
Do outro lado dessa questão, defendendo a segunda vertente teórica, ou
paradigma, há aqueles que acreditam que as relações capitalistas de produção
seriam responsáveis pela recriação do campesinato também por meio da forma
como o capital se insere no campo, das relações não capitalistas. Entre os que
advogam essa tese no Brasil destaca-se Ariovaldo Umbelino de Oliveira. Para ele,
as relações não capitalistas de produção no campo, hoje,

[...] são criadas e recriadas pelo próprio processo contraditório de


desenvolvimento do modo capitalista de produção dominante que geraria
relações capitalistas de produção e relações não capitalistas de produção
combinadas ou não, em função do processo contraditório intrínseco a esse
movimento. (OLIVEIRA, 1991, p.46)

No entanto, os elementos que compõem ou expressam a questão agrária


brasileira ao longo da década de 2000 evidenciam a contraposição existente entre

2
Campesinato aqui entendido na concepção de Oliveira (1991) e Martins (1981), que interpretam o
campesinato enquanto classe social relacionada a um modo de vida que se fundamenta no uso da
terra e da mão de obra familiar como elementos fundamentais à reprodução material dos meios de
vida.
23

dois modelos de desenvolvimento que se reproduzem no campo brasileiro: a


agricultura camponesa e o agronegócio (FERNADES, 2004).
Esses dois modelos de produção possuem territórios distintos, com
interesses opostos e em constante conflito. O primeiro modelo se apoia na
agricultura voltada à policultura destinada ao autoconsumo. Disso depende a
reprodução material dos meios de vida no campo. O segundo modelo tem seu
fundamento na monocultura com produção em grande escala destinada ao mercado.
Portanto, são modelos produtivos com objetivos e valores antagônicos, que muitas
vezes competem pelo mesmo espaço, onde um tem a tendência a anular o outro.
A questão agrária no Brasil, nunca resolvida, foi deixada de lado, porque
a atual estrutura sob a qual se sustentam a propriedade da terra e as relações de
trabalho não se constituiu em empecilho ao desenvolvimento do capitalismo no país
(STÉDILE, 1997). De acordo com Gómez (2005),

Se o horizonte das políticas públicas implementadas no passado era


amenizar os problemas associados à denominada questão agrária (frente à
impossibilidade de resolvê-los dentro do capitalismo), nos últimos dez anos
assistimos à geração de um conjunto de medidas que constroem outro
referencial teórico e metodológico com o qual sustentar a intervenção do
Estado no meio rural significa o que podemos denominar de questão do
desenvolvimento (GÓMEZ, 2005).

A ideia de desenvolvimento nasce para alguns autores, entre eles Sachs


(2000), Gómez (2006) e Favareto (2007; 2010), depois do final da segunda guerra
mundial, quando os Estados Unidos tomam a frente na expansão do progresso
tecnológico, tendo como marco da tal corrida desenvolvimentista o discurso do então
presidente eleito desse país, Harry Truman (janeiro de 1949), que na ocasião lança
como proposta a expansão do progresso técnico alcançado por esta nação ao
mundo denominado por ele “subdesenvolvido”. Esse progresso técnico foi expandido
a outros países segundo moldes definidos pela base do progresso técnico dos
Estados Unidos.
No Brasil, sobretudo nas décadas de 1960 e 1970, esse progresso foi
pautado na expansão das atividades agropecuárias e nos incentivos fiscais
destinados a grandes proprietários rurais. A partir de então, o Estado brasileiro
passa a ser o promotor principal da modernização (excludente), muda-se a base
técnica para a produção no campo, e a mão de obra humana passa ser
gradativamente substituída pela mão de obra tecnificada. Dessa forma, impulsionou
24

a migração campo-cidade, excluiu a maior parte da classe camponesa, em suas


mais diversas categorias, e manteve intactas antigas estruturas de poder e relações
de dominação.
O desenvolvimento estava ancorado na ideia do crescimento industrial,
que dava destaque ao crescimento econômico. Para o campo, o então modelo se
pautou na nova concepção de agricultura e instaura um novo padrão baseado na
modernização agrícola e sua interligação com a produção industrial. Desse modo,

Com a disseminação de tal padrão na agricultura, desde então chamado de


“moderno”, o mundo rural (e as atividades agrícolas, em particular) passou a
subordinar-se, como mera peça dependente, a novos interesses, classes e
formas de vida e de consumo, majoritariamente urbanas, que a expansão
econômica do período ensejou, em graus variados, nos diferentes países
(NAVARRO, 2001, p. 84).

O espaço rural, nesse contexto, era apreendido apenas


enquanto lócus para a realização das atividades relacionadas à agricultura
(MARQUES, 2008). Além do seu caráter setorial, essas políticas eram concebidas a
partir dos interesses econômicos dominantes – oligarquias rurais e urbano-
industriais – envolvidos na agricultura, sem que houvesse qualquer tipo de
discussão e/ou participação no âmbito institucional dos demais segmentos sociais
(camponeses, sem terra, trabalhadores rurais, entre outros) que compõem o espaço
rural e que ficaram à margem desse processo.
Já na década de 1980, ocorre a modificação do padrão de
desenvolvimento, que continua alicerçado nos ditames do sistema capitalista, onde
os agentes continuam os mesmos, mas o Estado assume um papel diferenciado em
face do redirecionamento de sua ação, diante das novas demandas que a
conjuntura política neoliberal exige dele.
Diante dessa demanda, como orientar as politicas de desenvolvimento
para o campo sob os signos impostos por essa realidade que tem influência direta
na dinâmica das relações socioespaciais? Seria necessário considerar,

[...] primeiramente, que o crescimento econômico e as transformações


sociais e políticas (sobretudo as lições e os resultados do desenvolvimento
agrário brasileiro) nas últimas três ou quatro décadas criaram condições e
circunstâncias inteiramente novas para a materialização de tal objetivo
(NAVARRO, 2001, p. 91).
25

A partir disso, a reorientação do desenvolvimento se fez através da


inclusão do território como unidade ideal para promovê-lo. Nesse sentido, o
reconhecimento da dimensão territorial do desenvolvimento significa, em outros
termos, identificar os agentes sociais do território como peças fundamentais dele. O
desenvolvimento territorial rural inserido no âmbito das políticas públicas em sua
mais recente abordagem é definido como

[...] um processo de transformação produtiva e institucional num espaço


rural determinado, cujo objetivo é reduzir a pobreza rural. A transformação
produtiva tem o propósito de articular competitiva e sustentavelmente a
economia do território a mercados dinâmicos. O desenvolvimento
institucional tem os propósitos de estimular e facilitar a interação e a
consulta dos atores locais entre si e entre eles e os agentes externos
relevantes, e incrementar as oportunidades para que a população pobre
participe do processo e de seus benefícios (SCHEJTMAN; BERDEGUÉ,
2004, p. 4, tradução nossa).

Na definição desses autores, a proposta do desenvolvimento territorial


rural se pauta na transformação produtiva e institucional com a finalidade de integrar
o território ao mercado, tornando-o competitivo perante os demais, que teoricamente
ocorreria com a participação dos agentes locais nas decisões e nas prerrogativas
geradas por elas, ou seja, os agentes participariam tanto do processo decisório
quanto dos benefícios gerados por essas decisões.
No entanto, supõe-se que a classe com menos poder não possui meios
para garantir igual participação nas decisões que ditam os rumos do
desenvolvimento local. Concebe-se, apesar da grande relevância dada a essa
temática, que é preciso perceber que ainda há, e de forma muito clara, uma grande
distância entre a teoria e prática, porque as relações de poder se materializam
espacialmente de forma desigual, bem como não há clareza do que significa o
desenvolvimento.
Mesmo diante de tantas limitações práticas, o desenvolvimento territorial
tornou-se uma tendência no que diz respeito ao planejamento de políticas públicas.
Para Gómez (2007, p. 49), “[...] o desenvolvimento territorial rural se constitui como a
mais nova orientação das politicas de desenvolvimento rural”. Trata-se de um
enfoque que avança no caminho da ênfase espacial que o desenvolvimento ganha,
sobretudo a partir dos anos 1990.
A década de 1990 pode ser então considerada o marco inicial para que
esse discurso tome parte no planejamento das políticas públicas. E pode-se
26

perceber, nos diferentes momentos e nos ajustes feitos, a preocupação com o viés
econômico, interesse primordial do capital.
Diante das necessidades impostas por essa nova realidade desenhada no
lumiar do século XXI, existe a necessidade de reajuste dos paradigmas do
desenvolvimento, cujo real objetivo é adequar o território à reprodução ampliada do
capital em nível local, e é nesse momento que o desenvolvimento rural passa a
incorporar um enfoque novo, o territorial, mas dentro da perspectiva do velho
discurso do desenvolvimento econômico.

2.1 MAIS UM DISCURSO DO DESENVOLVIMENTO

O desenvolvimento tem, na primeira década deste século, um grande


destaque; tudo se justifica em seu nome, sendo a meta primordial a ser alcançada.
No entanto, apesar de toda essa redoma criada em seu entorno, há perguntas não
respondidas e um vazio conceitual que leva a uma caracterização ambígua do seu
significado.
Jorge Ramon Montenegro Gómez, num trabalho recente, faz uma crítica
contundente a respeito do discurso da prática do desenvolvimento. O autor
desconstrói o discurso do desenvolvimento com três argumentos base. Baseados
em Rist (2002), Escobar (1998) e Sachs (2000), autores defensores do pós-
desenvolvimento, cuja proposta baseia-se no pós-estruturalismo, responde com a
finalidade de mostrá-lo como “[...] historicamente construído e racionalmente exótico
para a maior parte da humanidade e parcial apesar de sua pretensão de
universalidade” (GÓMEZ, 2007, p. 40). A proposta desse pós-desenvolvimento não
é de reformar o desenvolvimento, mas mostrar que ele não faz sentido, pois não se
adequa às condições heterogêneas e aos problemas dos diferentes Estados-nações
e não tem mostrado resultados desde que começou a ser posto em prática.
O primeiro argumento trabalhado por Gómez (2007) mostra como o
discurso do desenvolvimento é criado, justificado, expandido e aplicado em nome do
progresso e do bem de todos, considerando-o como uma crença que se completa
com uma série de práticas muitas vezes contraditórias, no sentido de que ao mesmo
tempo em que tudo se justifica em nome do desenvolvimento, percebe-se que nos
países periféricos perpetuam-se as extremas condições de pobreza.
27

O segundo argumento no qual se pauta esse autor advém de Escobar


(1998), que considera o desenvolvimento como um discurso, uma invenção que
modela a concepção da realidade e a ação social daqueles considerados
subdesenvolvidos.
O desenvolvimento se constrói, se teoriza e se implementa através de
uma rede que inclui variáveis macroeconômicas, questões culturais, participação de
certas instituições e, sobretudo, através das relações que se estabelecem entre
todos esses elementos. O conjunto das relações entre os elementos econômicos,
sociais, políticos, culturais e institucionais, permite ao desenvolvimento criar o que
fala e estabelecer-se como discurso verdadeiro (GÓMEZ, 2007).
O terceiro argumento orienta-se por Sachs (2000), que compara o
conceito de desenvolvimento a uma ameba, a qual, mesmo sem contornos
definidos, se propaga. Assim sendo, o contorno teórico do desenvolvimento é tão
impreciso que não é possível delimitá-lo em nenhum conteúdo, e ainda assim ele se
espalha, sempre associado às melhores intenções. Possui também uma
maleabilidade, que tem dado ao desenvolvimento a capacidade de adequar-se às
mudanças ocorridas nos últimos cinquenta anos. De acordo com Gómez, (2007, p.
44),

[...] uma análise da dinâmica do desenvolvimento, a partir dos anos 50,


permite constatar uma sucessão de ajustes nos discursos e nas práticas
como resposta aos sucessivos fracassos nos resultados, às contínuas
críticas enfrentadas ou às necessidades de adaptações ao contexto
socioeconômico e político cambiante.

Apesar das mudanças, há um núcleo duro que permanece inalterado,


apesar dos ajustes sucessivos. A proposta do desenvolvimento para os países
periféricos permanece alicerçada no padrão de vida e de consumo dos países
centrais (FURTADO, 1974). Nesses moldes, tal objetivo jamais conseguirá ser
atingido; além do mais, nesses padrões o mundo entraria em risco de colapso, por
causa dos limites ambientais a esse crescimento econômico. Para Furtado, (1974, p.
75), temos, assim:

[...] a prova definitiva de que o desenvolvimento econômico – a ideia de que


os povos pobres podem algum dia desfrutar das formas de vida dos atuais
povos ricos – é simplesmente irrealizável. Sabemos agora de forma
irrefutável que as economias da periferia nunca serão desenvolvidas, no
28

sentido de similares às economias que formam o atual centro do sistema


capitalista.

Os argumentos apresentados, tanto os mais antigos (FURTADO, 1974)


quanto os mais recentes (GÓMEZ, 2007), são plausíveis, no entanto o discurso do
desenvolvimento, cuja interpretação é dada pela dimensão econômica, continua a
ser o objetivo das nações emergentes e das periféricas.

Se o desenvolvimento, como “obrigação” para os países


“subdesenvolvidos”, mostrava limites intransponíveis e “legitimava” uma
situação de dependência, o “novo” desenvolvimento com base local
implementado no meio rural continua, no fundamental, a repetir as mazelas
que acompanham o movimento de reprodução capitalista, depois de
redimensionar seu campo de implementação e de adequá-lo às ideias da
democracia formal vigente (THOMAZ JÚNIOR e GÓMEZ, 2005, p. 86).

Houve mudanças apenas no que se refere à escala de abrangência do


desenvolvimento, num primeiro momento, na década de 1950. A pretensão era
abarcar a escala nacional, depois, por volta da década de 1970, atingir a escala
regional e, em sua última tendência, que emerge no início dos anos 1990, chegar à
escala local. No entanto, de acordo com Gómez, (2007 p. 7),

O apego ao local se reforça e/ou se constrói a partir da satisfação dos


interesses das classes dominantes, disfarçada de melhoria da qualidade de
vida geral. Interesses que se inscrevem na lógica do capital: acumulação e
reprodução. Após um sentimento localista que pretende elevar esse local a
uma posição de vantagem dentro do sistema socioeconômico vigente, se
esconde a necessária concorrência com outros locais, por ser o mercado o
normatizador de qualquer proposta.

A dimensão econômica é um determinante das ações localizadas. Por


trás do renovado discurso, a razão de ser do desenvolvimento tem o mesmo objetivo
– a ampliação das condições de reprodução do capital, em benefício da classe
dominante. Os sujeitos e as condições materiais locais passam a serem
considerados como elementos importantes do processo, quais sejam os recursos
naturais e humanos.
Essa nova abordagem do desenvolvimento supõe a possibilidade de o
protagonismo local, no entanto isso não significa de fato, mudanças na relação de
forças entre as classes que compõem o território. A relação capital-trabalho continua
a ser comandada pelo primeiro. O operário e o patrão continuarão nas suas
respectivas condições e a exercer suas funções. Sabe-se exatamente quem manda
29

e quem obedece, quem ganha e quem perde, na medida em que a produção de


bens é socializada, mas sua apropriação não. Evidencia-se a subserviência ao
capital, que continua a sedimentar as bases para sua reprodução e ampliação,
mediadas pelo discurso do desenvolvimento em âmbito localizado.
No fim das contas, tudo está organizado para que o capital se reproduza
e amplie seu esquema de dominação e para que as coisas permaneçam exatamente
como estão, sem que nada se altere na ordem vigente, o que pode ser considerado
uma forma de controle social, em que tudo se encaminhe para que a ordem vigente
seja mantida. Ou seja, buscam-se

[...] formas de consenso sem conflito. Articulação harmônica de interesses


antagônicos de classe. Em nenhum caso, questiona a vigente divisão social
e a hierarquização do trabalho. Como se a mera possibilidade da
participação dos trabalhadores na gestão local do desenvolvimento fosse
suficiente para uma transformação radical ao seu favor. Como se os
interesses das classes sociais dominantes não tivessem sido preservados e
não tivessem conseguido virar a seu favor quaisquer tentativas baseadas na
participação democrática da população (GÓMEZ, 2007 p. 5).

Nesse contexto, o Estado é o promotor dessa ordem que está


implicitamente estabelecida, numa sociedade dividida em classes com interesses
claramente antagônicos. O poder ideológico e político do Estado tornam o discurso
do desenvolvimento um agente de poder.
Desse modo, os discursos, de acordo com Peet (2007), também podem
ser como mercadorias, pensados para vender. Assim, o Estado faz de “certos
discursos” os discursos certos. Impõe-se a ideia de que o desenvolvimento se dá
pelo bem de todos, no entanto, é apenas um elemento do discurso que o justifica
racionalmente como a ferramenta que trará a melhoria da qualidade de vida em
todos os âmbitos e para toda a sociedade.
Os últimos cinquenta anos de desenvolvimento estão aí para provar a
insustentabilidade da estratégia desenvolvimentista. A pobreza generalizada,
sobretudo nos países sul-americanos, oposta à riqueza mantida pelos países
centrais, mostra que há uma grande incoerência entre a teoria e a prática do
desenvolvimento, em que a verdadeira intenção, escondida no discurso sutil é a
readequação à lógica do mercado a partir das características locais (GÓMEZ, 2007).
Em seu exercício, as politicas estruturadas a partir do Estado mostram
limites explícitos, mesmo propondo a autonomia administrativa das políticas e da
30

“teórica” participação coletiva dos sujeitos sociais locais. Suas ações indicam
apenas novas estratégias de controle e agregação das economias locais pelo capital
globalizado, objetivo reelaborado nas diferentes abordagens feitas em torno do
desenvolvimento.

2.2 ORIGENS E DESDOBRAMENTOS DO DESENVOLVIMENTO RURAL NO


BRASIL

O desenvolvimento rural diferencia-se dos demais (agrário, agrícola e


sustentável) por uma característica específica: trata-se de uma ação previamente
articulada que induz (ou pretende induzir) mudanças em um determinado ambiente
rural. E nesse sentido, o Estado nacional – ou seus níveis subnacionais – sempre
esteve presente à frente de qualquer proposta de desenvolvimento rural como seu
agente principal (NAVARRO, 2001, p. 88).
Para Navarro (2001), a noção de desenvolvimento rural restringe-se ao
seu uso prático e normativo, com a finalidade de caracterizar estratégias e ações do
Estado que visam alterar e/ou melhorar as condições de vida no meio rural.
Shneider (2004) define o desenvolvimento rural como um processo que resulta de
ações articuladas, que visam induzir mudanças socioeconômicas e ambientais no
âmbito do espaço rural para melhorar a renda, a qualidade de vida e o bem-estar
das populações rurais.
Em relação à origem do desenvolvimento territorial, alguns estudiosos,
como (GÓMEZ, 2006; 2007) e (HESPANHOL, 2007), são unânimes em afirmar que
a ideia tem sua gênese no desenvolvimento regional na Itália, no início dos anos
1990, quando o território passa a ser incorporado nas suas múltiplas dimensões e se
revela como

[...] um elemento essencial para o desenvolvimento: dinâmico, com vocação


empreendedora, baseado em pequenos e médios empreendimentos,
dotado de uma institucionalidade sensível e preparada para as demandas
da iniciativa privada, com uma comunidade coesa e com forte identidade
territorial, profunda identidade produtiva, elevada mobilidade social e
estreitos contatos com o mercado externo (GÓMEZ, 2007, p. 49).

A abordagem territorial do desenvolvimento no Brasil surge a partir da


necessidade de repensar o modelo de desenvolvimento rural adotado, bem como de
31

uma estratégia de reorientar as formas de intervenção do Estado por meio das


políticas públicas. Surge, ainda, como forma de dar continuidade a um conjunto de
estratégias de promoção do desenvolvimento.
Nessa perspectiva, as políticas públicas passaram a ser descentralizadas,
consequência, sobretudo, de um elo “perverso” entre a democratização política e a
intensificação das políticas neoliberais. E de acordo com Delgado et al. (2007, p.15),
a abordagem das políticas públicas

[...] reflete essa dupla influência: por um lado, uma intenção democratizante
do desenvolvimento do país e de redução das desigualdades existentes
entre e em suas diferentes regiões e, por outro, uma busca de
reordenamento territorial a partir de um Estado nacional para o qual se
pretendia, na época, reduzir a capacidade de intervenção e de formulação
de estratégias de desenvolvimento nacional.

No entanto, até o início da década de 1990, ainda inexistiam um


programa nacional ou mecanismos institucionais que dessem coerência a essas
estratégias de desenvolvimento. Essa coerência passou a existir a partir da
abordagem territorial, que se institucionalizou na primeira década do século XXI.
A abordagem territorial das políticas públicas tem sido feita sob duas
perspectivas. A primeira perspectiva diz respeito ao reordenamento territorial e à
atualização das políticas tradicionais de desenvolvimento regional, saindo da ênfase
às grandes regiões e diminuindo a escala de atuação para meso e microrregional. A
outra perspectiva salienta a territorialização de políticas públicas específicas, com o
objetivo de alcançar eficácia na execução dessas políticas.
Para Shneider (2004), são dois os fatores que ocasionaram a emergência
da abordagem territorial como tentativa de síntese para as discussões sobre o
desenvolvimento rural. O primeiro fator está relacionado ao fato de que a abordagem
regional perdeu seu poder explicativo enquanto referência teórica e conceitual,
tornando-se insuficiente como instrumento para o planejamento normativo das ações
práticas do Estado e dos agentes políticos. O segundo fator seria o questionamento
crescente da dinâmica setorial de ramos da atividade econômica, que passaram a
se desenvolver muito mais a partir de uma lógica de escopo do que de escala.
Esses fatores geraram uma nova conjuntura tomada pela gestão estatal, fazendo
com que os governos locais ganhassem novas atribuições.
No Brasil, políticas públicas voltadas especificamente ao desenvolvimento
rural têm relação com a intensificação das políticas neoliberais no país, que
32

coincidem com o início do primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso, em


1994.
A primeira dessas ações foi o Plano Nacional da Agricultura Familiar
(PLANAF), em 1995, que subsidia a criação do Programa de Fortalecimento da
Agricultura Familiar (PRONAF), criado pelo Decreto 1.946, de 28 de junho de 1996.
De acordo com o artigo 1º do decreto, o programa tem como finalidade:

[...] promover o desenvolvimento sustentável do segmento rural constituído


pelos agricultores familiares, de modo a propiciar-lhes o aumento da
capacidade produtiva, a geração de empregos e a melhoria de renda
(BRASIL, 1996, p. 1).

O PRONAF substituiu programas que estavam sendo executados e que


representavam a conquista de movimentos campesinos e, de certo modo,
representa retrocessos nas conquistas dessa classe. De acordo com Thomaz Júnior
e Gómez (2005 p. 80-81),

Programas de crédito específico para assentados como o Programa de


Crédito Especial para Reforma Agrária (PROCERA), programas de
assistência técnica para os assentamentos, como o projeto LUMIAR, ou
programas dirigidos a elevar os níveis de educação dos assentados, como o
Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA), foram
conquistados pela luta dos trabalhadores. No entanto, à medida que se
consolida uma nova forma de intervenção do Estado no meio rural, os
avanços obtidos pelos trabalhadores sofrem cortes e até retrocessos.

O PRONAF passou a atender todas as categorias de produtores rurais,


agora denominados agricultores familiares, procurando diluir a heterogeneidade
existente no interior da categoria. A opção adotada para delimitar o público
beneficiário foi o uso operacional do conceito de agricultura familiar, dando uma
denominação geral a um grupo que é heterogêneo. Há na verdade uma tentativa de
homogeneizar as diferentes expressões de lutas das categorias presentes no
campo. De acordo com Barquete, (2003, p. 107),

[...] isso sugere uma ação centrada em critérios técnicos para promover o
desenvolvimento rural através de políticas para beneficiar grupos
classificados segundo tipologias referidas a critérios meramente
econômicos: agricultor integrado, intermediário e periférico.

O critério básico para essa estratificação se baseia na renda auferida por


cada um desses grupos. De acordo com tal critério,
33

O governo federal entendeu que o grupo intermediário seria o principal


beneficiário das politicas agrária e agrícola e o segmento periférico,
composto por mais de 50% seria objeto das politicas assistencialistas
(BARQUETE, 2003, p.108).

Isso denota o caráter limitado desse programa que, para Hespanhol


(2007, p. 277), “[...] permanece estritamente vinculado à oferta de crédito rural com
subvenções diferenciadas de acordo com a dimensão e o perfil dos beneficiários, ou
seja, restringe-se a uma política de crédito”.
Esse segmento de política tem continuidade no segundo governo de
Fernando Henrique Cardoso com a criação do Programa Agricultura Familiar,
Reforma Agrária e Desenvolvimento Local para um Novo Mundo Rural, em 1999,
que ficou caracterizado apenas como Novo Mundo Rural. Conforme as diretrizes
desse programa, de acordo com Barquete, (2003, p. 101),

O setor agrícola não se confunde com o rural e a perspectiva setorial deve


ser substituída pela territorial. Tratar-se-ia de romper com o paradigma
centrado no desenvolvimento setorial promovendo a dimensão territorial do
desenvolvimento.

No Novo Mundo Rural, o governo federal tem como referência a


experiência das nações desenvolvidas e dos chamados países emergentes, em que
o capitalismo teria atingido taxas elevadas de crescimento econômico a partir do
potencial da agricultura familiar3.
De acordo com Barquete (2003, p. 102) a comparação do caso brasileiro
com essa realidade foi utilizada como argumento para unificar as políticas de crédito
e de assistência técnica para assentados e agricultores familiares, e ainda para
construir um modelo considerado inovador pelo governo, em que caberia à
agricultura familiar um papel fundamental nas políticas públicas para o campo.
É também parte integrante do Novo Mundo Rural os programas de
acesso à terra por mecanismos de mercado. Por meio dos programas de compra e
venda, efetivado mediante convênios firmados entre o governo federal, governos
estaduais e o Banco Mundial.
Estes programas tiveram como objetivo estratégico implícito desmobilizar
e deslegitimar a ação dos movimentos sociais, em especial do Movimento dos

3
A utilização dessa categoria analítica nesse caso se contrapõe à abordagem tradicionalmente
utilizada: agricultura de subsistência, pequena produção e campesinato.
34

Trabalhadores Sem Terra (MST), através de mecanismos que anulavam as suas


ações, além de ter se intensificado na grande mídia uma forte propaganda negativa
desqualificando esse movimento e enaltecendo a facilidade que os programas em
questão ofereciam.
Com isso, a discussão em torno da desapropriação por interesse social
enfraqueceu, e os argumentos do governo é que tal mecanismo de acesso à terra
seria menos oneroso e mais eficiente.
Foram colocados em prática programas nos nove estados nordestinos e
no norte de Minas Gerais, destacando-se quatro deles: Programa de Reforma
Agrária Solidária do projeto São José (1997), Programa Cédula da Terra (1997 a
2000), Programa Banco da Terra (1998 a 2002), Projeto Crédito Fundiário de
Combate à Pobreza Rural (2002) (ALENCAR, 2005, p. 274).
Esses programas tinham como público-alvo camponeses sem terra e
minifundiários, com a exigência de que eles estivessem organizados em
associações. De acordo com Sampaio (2003, p. 17), “[...] o programa se funda na
ideia de autosseleção dos beneficiários, sendo a iniciativa de qualificação vinda dos
próprios interessados”. A participação nos programas não poderia ser feita
individualmente (SAMPAIO, 2006). Como a compra era feita coletivamente, a
desistência dos mutuários onerou os custos das parcelas de pagamentos futuros
para os demais compradores do imóvel.
Dos projetos oriundos do programa de aquisição de terra mediada pelo
mercado, pouquíssimos têm conseguido arcar com os compromissos financeiros
assumidos, pois as condições do empréstimo seguem a evolução da taxa de juros e
devem ser pagos anualmente.
Observa-se também que, em muitos casos, houve o acúmulo de parcelas
ano a ano, o que torna mais difícil ainda a quitação do débito pelos beneficiários, o
que acarreta a perda da terra, já que ela serve como garantia ao empréstimo
adquirido. Os resultados foram o endividamento dos camponeses que aderiram aos
programas, bem como o aumento do preço da terra nas unidades da federação onde
foram implantados.
Esses programas deveriam ter o caráter de projetos piloto, no entanto não
o foram, visto terem sido usados como “alternativa” à desapropriação prevista no
Estatuto da Terra, retificada no artigo 184 da Constituição Federal de 1988, o qual
reza que compete à União “[...] desapropriar por interesse social, para fins de
35

reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo a sua função social,
mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, resgatáveis no
prazo de até vinte anos” (BRASIL, 2000, p. 109).
Nesse sentido, a reforma agrária mediada pelo mercado, executada
durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, beneficiou, sobretudo grandes
proprietários endividados, que receberam por suas terras o valor pago à vista a
preço de mercado, modo que diferia completamente da forma de pagamento
efetuada pelo instrumento de desapropriação, cujo pagamento da terra é feito em
Títulos da Dívida Agrária (TDA), com prazos estabelecidos para resgate (de até 20
anos).
Programas posteriores ao Novo Mundo Rural, no decorrer do primeiro e
do segundo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003 a 2010), seguem
praticamente a mesma estratégia do seu antecessor, com poucas alterações
significativas, não havendo de fato rompimento, porque as políticas públicas não
apresentaram um verdadeiro distanciamento daquelas que estavam em curso.
Observa-se essa continuidade comparando os objetivos e as diretrizes
dos programas de desenvolvimento rural executados nas duas últimas décadas,
Agricultura Familiar, Reforma Agrária e Desenvolvimento Local para um Novo
Mundo Rural e Programa Nacional de Desenvolvimento dos Territórios Rurais,
mostrados no Quadro 1, a seguir.
36

Quadro 1 – Comparativo entre os programas de desenvolvimento rural dos governos de


Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva
Programa Agricultura Familiar, Reforma Programa Nacional de Desenvolvimento
Agrária e Desenvolvimento Local para um Sustentável dos Territórios Rurais (2003) –
Novo Mundo Rural (1999) – Governo Governo Luiz Inácio Lula da Silva
Fernando Henrique Cardoso.

Diretriz – Política de desenvolvimento rural Diretriz – Política de ampliação e fortalecimento da


com base na expansão da agricultura agricultura familiar, de inclusão social e de combate
familiar e sua inserção no mercado. à pobreza rural e promoção do desenvolvimento
sustentável.
Objetivo geral – Proporcionar as condições
necessárias para que os agricultores Objetivo geral – Promover e apoiar iniciativas das
familiares desenvolvam atividades institucionalidades representativas dos territórios
produtivas em níveis de competitividade rurais que objetivem o incremento sustentável nos
dentro da realidade e das perspectivas do níveis de qualidade de vida da população rural.
negócio rural no mundo globalizado.
Objetivos Específicos Objetivos Específicos
– Criação de novas bases e institucionais – Fortalecimento das Redes Sociais de Cooperação
em nível local, regional, estadual e federal dos territórios rurais, aqueles que atuam em
para o desenvolvimento rural no país; representação dos agricultores familiares, dos
promoção da expansão e do fortalecimento assentados da reforma agrária e de outras
da agricultura familiar, e ampliação da sua populações rurais tradicionais; articulação de
participação na produção agrícola nacional. políticas públicas, com vistas à redução das
desigualdades sociais e regionais e à geração de
riquezas com equidade social.

Fonte: Portal do MDA/NEAD (2012).

Ao comparar as diretrizes e os objetivos dos programas citados, percebe-


se que eles apenas procuram caminhos diferentes para chegar a um mesmo
destino. O Estado continua a atuar de forma a reproduzir a ordem social
administrando as contradições, com a finalidade de reproduzi-la tal qual ela é. Isso
se evidencia porque não há transformações efetivas na ordem social vigente e
chega-se sempre aos mesmos resultados.
O direcionamento da ação estatal se canalizou dentro da perspectiva
territorial apenas buscando reorientar suas ações realinhando os instrumentos
tradicionais de promoção do desenvolvimento. Há, na realidade, uma seletividade
dos espaços e dos recursos, na medida em que os recursos humanos são
mobilizados de modo a colaborar com esse desenvolvimento proposto.
Nesse sentido, a nova perspectiva de desenvolvimento territorial rural é
entendida como um conjunto de estratégias relacionadas à criação de novos
produtos e novos serviços, associados a novos mercados. Procura formas de
redução de custos a partir de novas trajetórias tecnológicas e tenta reconstruir a
37

agricultura não apenas no nível dos estabelecimentos rurais, mas em termos


regionais e da economia rural como um todo.
Pode-se afirmar que não há nada de transformador na proposta atual da
abordagem territorial em relação a anterior, porque ambas chegam a um mesmo
destino: reprodução ampliada do capital a partir da escala local, uma vez que só se
modificaram os mecanismos para se chegar uma mesma finalidade. A nova
proposta tem o mesmo discurso antigo, que se renova por meio de novos elementos
e novas práticas.

2.3 O PROGRAMA NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DOS


TERRITÓRIOS RURAIS (PRONAT)

No Brasil, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), com o apoio


do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA), em 2003,
elaborou um documento denominado Referências para o Apoio ao Desenvolvimento
Territorial Sustentável, o qual serviu como base para o PRONAT, tendo incorporado
o enfoque territorial à política de desenvolvimento rural brasileira em curso.
O PRONAT começou a ser executado em 2003, com a criação de 65
territórios; em 2006, já havia 118, e atualmente há 164 territórios, compostos por 2,5
mil municípios, de acordo com informações da Secretaria de Desenvolvimento
Territorial (SDT), de 2012.
De acordo com o citado documento, o PRONAT tem como objetivo geral
“[...] promover e apoiar iniciativas das institucionalidades representativas dos
territórios rurais que objetivem o incremento sustentável nos níveis de qualidade de
vida da população rural” (BRASIL, 2004, p. 4). Tem como objetivos específicos,
promover e apoiar:

a) o fortalecimento das Redes Sociais de Cooperação dos territórios rurais,


especialmente daqueles que atuam em representação dos agricultores
familiares, dos assentados da reforma agrária e de outras populações rurais
tradicionais;
b) o planejamento e o fortalecimento da gestão social dos territórios tendo
por referência os critérios do desenvolvimento sustentável, a autonomia e a
participação social;
c) iniciativas territoriais que contribuam para a dinamização e diversificação
das economias territoriais tendo por referências a valorização dos recursos
territoriais, a competitividade territorial, o crescimento e a distribuição da
renda com o incremento de empregos;
38

d) a articulação de políticas públicas, com vistas à redução das


desigualdades sociais e regionais e à geração de riquezas com equidade
social (BRASIL/SDT, 2004, p. 4).

Na perspectiva de execução do PRONAT, foi criada, em 2003, a SDT,


secretaria responsável pela implantação do programa, ligada ao MDA, com a
incumbência de apoiar a organização e o fortalecimento institucional dos atores
sociais locais na gestão participativa do desenvolvimento sustentável dos territórios
rurais e promover a execução e integração de políticas públicas. A delimitação do
recorte dos territórios rurais teve como critérios metodológicos, de acordo com a
SDT,
[...] a diferenciação das microrregiões rurais das urbanas. Para a divisão
dos municípios em territórios, foi utilizado o parâmetro da densidade
demográfica de menos de 80 hab./km², combinada com uma população
total média por município de até 50.000 habitantes (BRASIL/MDA/SDT,
2003).

As ações do PRONAT passaram a ser ampliadas em 2008, quando foi


instituído o Programa Territórios da Cidadania, pelo Decreto de 25 de fevereiro de
2008, onde consta como objetivo do programa a ampliação dos resultados do
PRONAT executados sob a responsabilidade da SDT e do MDA.
Conforme afirma o decreto, o Programa Territórios da Cidadania tem por
objetivo promover e acelerar a superação da pobreza e das desigualdades sociais
no meio rural, inclusive as de gênero, raça e etnia, por meio de estratégia de
desenvolvimento territorial sustentável (BRASIL, 2008, p. 1), além de visar também
“[...] a integração do conjunto de políticas públicas e dos investimentos previstos
para melhorar o IDH, evitar o êxodo rural e superar as desigualdades regionais”
(BRASIL/SDT, 2008, p. 2).
Ainda de acordo com o decreto, o Art. 2º (2008, p. 1) estabelece que o
programa será executado a partir de três eixos de atuação: ação produtiva,
cidadania e infraestrutura. Esses eixos orientam a elaboração de Matrizes de Ações
Anuais4, com recursos previstos no Plano Plurianual e no Orçamento Geral da
União, nas quais os órgãos envolvidos (22 ministérios e secretarias), sob a
coordenação da Casa Civil da Presidência da República, definem as ações que
pretendem desenvolver em cada território.

4
A matriz de ações é composta pelo detalhamento de ações a serem desenvolvidas em cada
território, em cada um dos três eixos: produtivo, cidadania e infraestrutura. O detalhamento é feito
pelos órgãos federais que participam do programa (22 ministérios, coordenados pela Casa Civil).
39

Em relação aos critérios para delimitação dos Territórios da Cidadania de


acordo com o artigo 1º, § 2º (2008, p. 1), do referido documento:

[...] Os Municípios que compõem os Territórios da Cidadania serão


agrupados segundo critérios sociais, culturais, geográficos e econômicos e
reconhecidos pela sua população como o espaço historicamente construído
ao qual pertencem, com identidades que ampliam as possibilidades de
coesão social e territorial.

Para a identificação de quais territórios seriam o foco da atuação do


Programa Territórios da Cidadania, foram definidos os seguintes critérios técnicos:

• menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH);


• maior concentração de agricultores familiares e assentamentos da
reforma agrária;
• maior concentração de populações quilombolas e indígenas;
• maior número de beneficiários do programa Bolsa Família;
• maior número de municípios com baixo dinamismo econômico;
• maior organização social;
• pelo menos um território por estado da Federação.
Fonte: SDT (2008, p. 2 e 3).

O PRONAT e o Programa Territórios da Cidadania são complementares;


dos 164 territórios rurais criados de 2003 a 2012, foram incorporados 120 pelo
programa Territórios da Cidadania. No entanto, uma análise dos critérios utilizados
na prática para a delimitação desses territórios mostra que eles estão limitados aos
elementos estatísticos e operacionais. Os dois programas foram criados dentro da
nova abordagem do desenvolvimento que utiliza o território como um lócus para a
sua promoção.
Para o MDA o território se define pelas relações que abriga e pelo
conjunto de dimensões que o compõe, como mostra a definição a seguir:

É um espaço físico, geograficamente definido, geralmente contínuo,


compreendendo cidades e campos, caracterizado por critérios
multidimensionais, tais como o ambiente, a sociedade, a cultura, a política e
as instituições e uma população, com grupos sociais relativamente distintos,
que se relacionam interna e externamente por meio de processos
específicos, onde se pode distinguir um ou mais elementos que indicam a
identidade e coesão social, cultural e política (BRASIL/MDA, 2005, p. 28).

A definição de território apresentada pelo MDA apresenta alguns


elementos que precisam ser melhor analisados, como a coesão social, cultural e
40

política, características inconcebíveis na realidade do território entendido pela ótica


da ciência geográfica. Na concepção de Fernandes (2008, p. 4),

A definição de “território” por órgãos governamentais e agências


multilaterais não considera as conflitualidades dos diferentes tipos de
territórios contidos no “território” de um determinado projeto de
desenvolvimento territorial.

A abordagem territorial pelo MDA no direcionamento das políticas


públicas, na concepção de Gómez (2007, p. 51),

[...] apontam o território como ponto de apoio e converge uma nova forma
de entender e implementar as políticas de desenvolvimento. Território se
considera o território da identidade e do projeto compartilhado – um território
de consenso, ou melhor, ainda, do conflito negociado que acaba em
consenso entre os múltiplos agentes públicos e privados porque existiria
uma identidade comum capaz de impulsionar um projeto de
desenvolvimento que comtemple os interesses de todos, ou, no mínimo da
maioria. Um território que, desativado de conflitos estruturais próprios da
sociedade capitalista, serviria como base para a elaboração e
implementação de políticas públicas. Isso na teoria e no discurso (GÓMEZ,
2007, p. 51).

O conceito de território do MDA, que supõe a existência de coesão social,


é equivocado porque um território geográfico nunca é coeso, dada a diversidade de
interesses que o engendra e a multiplicidade de relações de poder que o compõe, as
quais “[...] têm sido historicamente construídas em consonância com as
características de cada sociedade. Envolvem relações (i) materiais, tanto
geopolíticas quanto econômica e culturalmente” (SAQUET, 2010, p. 27).
Um território estéril de conflitos na prática não é possível de ser
concebido. No documento que serve de base ao PRONAT (Referências para o
Apoio ao Desenvolvimento Territorial) também não há referência a essa
característica primordial que delimita e consolida um território pela ótica da ciência
geográfica.
Para Gómez (2006), os territórios são efetivamente marcados pelas mais
diversas relações de poder, que apontam para uma permanente disputa pela
apropriação do espaço. Ao desconsiderar o poder (um componente fundamental e
inerente à conformação de territórios), desprezam-se na realidade os interesses de
resolver (ou mesmo de demonstrar) os conflitos no interior dos espaços.
41

Para traçar uma política de desenvolvimento, na concepção de Gómez


(2006), é preciso (ou no mínimo desejável) esterilizar os conflitos que possam
questionar a legitimidade e a absurdidade da lógica capitalista. O território é
esterilizado dos conflitos que lhe são inerentes, visto que eles estão presentes em
todos os espaços onde imperam relações de poder.
Para Fernandes (2008, p. 279), “[...] é impossível compreender o conceito
de território sem conceber as relações de poder que determinam a soberania”, não
inserindo tal componente na elaboração conceitual utilizada para o programa em
análise, torna a abordagem limitada e denota o uso direcionado do conceito de
território para fins operacionais. É certo que isso não ocorre de maneira
desinteressada.
Para Gómez (2006, p. 104), o reducionismo da categoria território nas
proposições das políticas territoriais,

[...] induz à elaboração de políticas públicas para o meio rural que tomam o
território como simples depositário da intervenção, como receptor de uma
ação mais bem direcionada, já que agora se conheceria melhor onde se
localiza, graças aos indicadores utilizados, o “verdadeiro” meio rural. Mero
receptor, porque o território definido a partir da densidade demográfica não
é um território carregado de interações homem meio, porque perde a
miríade de relações entre a sociedade e a natureza, não considera que o
território está no cerne da dinâmica social.

Nesse sentido, fica claro que a normatização dos conceitos para fins
práticos não necessariamente leva a uma delimitação conceitual que possa ser
facilmente compreendida, pois essa interpretação do MDA rompe com os limites
teóricos que definem e sustentam o conceito que é, por natureza, geográfico.
Shneider (2004, p. 107) levanta uma questão que se considera
importante, no que diz respeito ao uso normativo do conceito de território, para este
autor

Sobre o estatuto conceitual e a adequação de seu uso para finalidades


normativas e práticas. Não se pode desconsiderar que o uso conceitual do
território é reivindicado por uma disciplina, a Geografia, e que sua utilização
atende antes de tudo a finalidades heurísticas e analíticas.

Ainda para esse autor, cabe aos usuários explicitar em que sentido eles
recorrem ao território, se conceitual ou normativo ou ambos ao mesmo tempo. A
insuficiência do debate sobre tais limitações do uso normativo do território mostra,
42

na concepção de Queiroz (2009, p. 51), opinião de que se compartilha, que há na


verdade,

[...] uma tentativa de mascarar as relações de poder e o conteúdo


economicista, que possui lugar de destaque nas políticas de
desenvolvimento. Há uma clara circunscrição dos conceitos de território e
desenvolvimento (na finalidade de torná-los práticos) que rompe com seus
limites, acarretando uma definição completamente nova, adequada a um
viés político-ideológico também novo. Logo, há uma (re)constituição teórica
em ambos os pontos, mantendo-os funcionais na sustentação de um
processo que de novo não tem nada.

Essa funcionalidade é operacionalizada pelo Estado por meio da


adequação dos discursos aos conceitos de acordo com as necessidades da
conjuntura política e econômica de cada momento.
Dessa forma, o território passa a ser o lócus incorporador do
desenvolvimento, e foi essa a principal influência que levou algumas instituições da
América Latina a procurar caminhos para operacionalizar o enfoque territorial para
tentar “desenvolver” essa região, com o principal objetivo de combater a pobreza
rural, que é uma característica marcante na maioria dos países latino-americanos.
Para tal finalidade, ocorre a restrição do significado do conceito de
território, que passa a ser definida pelas intenções de quem o utiliza, no caso o
Estado, objetivando primariamente orientar as necessidades colocadas pela
reestruturação do capital.
Assim, o território é interpretado de diversas formas por diferentes
sujeitos, em que o uso do conceito é simplificado para atender a lógica
desenvolvimentista do Estado. Nesse caso, o conceito de território é
instrumentalizado para atender os interesses de instituições, denotando o uso do
conceito de forma unilateral.
43

3 O ESPAÇO AGRÁRIO CEARENSE E A POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO


TERRITORIAL RURAL

Neste capítulo, mostrou-se como se deu o processo histórico de


construção do espaço agrário cearense, do qual resultou a configuração do atual
quadro de desigualdade socioeconômica que a política de desenvolvimento territorial
rural procura reduzir. Procura-se retratar, também, de que forma se tem buscado
promover o desenvolvimento econômico do Ceará ao longo do tempo e como se dá
a inserção do estado na atual política de desenvolvimento territorial rural.
O espaço agrário cearense foi integrado tardiamente ao processo de
colonização portuguesa, e isso se refletiu diretamente na forma como se deu a
ocupação econômica do território. Em virtude do desinteresse do donatário que
recebeu a capitania do Siará Grande, em 1534, a primeira tentativa de ocupação só
ocorreu 69 anos depois, em 1603, tentativa essa fracassada, e retomada em 1607,
também sem sucesso. A última dessas tentativas ocorreu em 1609.
No entanto, a ocupação efetiva do território cearense se deu em função
da expansão da atividade açucareira na zona da mata nordestina. A Carta Régia de
1701 proibiu a criação de gado a menos de dez léguas da costa, devido à ampliação
da monocultura canavieira. Isso obrigou a atividade pecuária, complementar à
açucareira, a se deslocar para o interior por duas frentes ou rotas: o Sertão de
dentro, que partia da Bahia, e o Sertão de fora, partindo de Pernambuco, seguindo
sempre o curso dos rios principais do estado, o Jaguaribe e o Acaraú.
Dessa maneira, o Ceará foi efetivamente ocupado do sertão para o litoral,
com a atividade pecuária, praticada de forma extensiva, que se constituiu na
primeira atividade econômica, precursora da ocupação efetiva do território cearense
e da apropriação desigual da terra. De acordo com Lima (2011, p. 28),

É na amplidão das terras de nossos ancestrais que se impôs, sob brava


resistência dos nativos, o primeiro modo de produção do invasor, com base
na pecuária, primeiro com o único propósito de dominar as terras e, depois,
como atividade econômica complementar da economia açucareira [...].

Mais tarde, já no século XIX, o cenário econômico promovido pela


expansão econômica provocada pela revolução industrial inglesa e posteriormente
pela Guerra da Secessão (1861-1865) – essa última responsável pela
desorganização da produção algodoeira nos Estados Unidos, o principal fornecedor
44

de matéria-prima para as fábricas têxteis inglesas – insere o espaço cearense na


dinâmica econômica mundial, tornando-se o algodão o primeiro produto de
exportação cearense. Assim, “[...] outro modo de produção redefine as relações
sociais e econômicas, exigindo outra estrutura que na época atenda e dinamize as
atividades de produção e circulação” (LIMA, 2011, p. 28).
Com essa mudança há a necessidade de readequar o espaço agrário a
uma nova situação. O território cearense passa a estruturar-se em torno do binômio
gado/algodão, com a criação de infraestrutura objetivando ligar o interior ao litoral
para garantir o escoamento da produção.
Nesse contexto, a ocupação efetiva do espaço agrário cearense se deu
pautado nesses dois pilares principais: a pecuária extensiva e a cotonicultura, bases
da economia sertaneja e responsáveis pela estruturação das primeiras cidades. Vale
ainda ressaltar a existência de um terceiro pilar, a agricultura camponesa,
responsável pela produção de alimentos para abastecimento interno no campo e nos
núcleos urbanos.
Para Lima (2011), a pecuária e a cotonicultura foram atividades
embrionárias da montagem do parque industrial cearense, cuja razão de ser se
relaciona à reorganização da produção algodoeira norte-americana, que fez com
que a produção cearense tivesse de ser beneficiada dentro do próprio estado,
fazendo surgir suas primeiras indústrias, as têxteis, de beneficiamento do algodão.
A expansão do ramo têxtil possibilitou a implantação de indústrias de
óleos vegetais, que passaram a fornecer matérias-primas para indústrias de
alimentos, o que provocou uma interdependência entre elas.
De acordo com Amora (1994), a industrialização do Nordeste pode ser
dividida em duas fases distintas. A primeira fase situa-se entre o início e a metade
do século XX, tendo partido de iniciativas privadas através de grupos familiares,
voltadas ao aproveitamento de produtos agrícolas; a segunda iniciou-se a partir da
segunda metade desse século, quando a indústria passa a contar com recursos
oriundos do estado, cujo impulso ocorreu com a criação da Superintendência para o
Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), em 1959. Essa segunda fase teve
características bem diferentes da primeira. Sob a hegemonia do Sudeste, o
Nordeste integra-se à economia nacional, com a expansão do capital através da
transferência dos principais grupos econômicos, com a instalação de fábricas,
contando com vultosos incentivos estatais.
45

Desse modo, o espaço cearense passou, desde o início do seu processo


de ocupação, por diferentes reestruturações socioespaciais até chegar à sua
configuração atual:

A reestruturação em seu sentido mais amplo transmite a noção de uma


“freada”, senão de uma ruptura nas tendências seculares, e de uma
mudança em direção a uma ordem e uma configuração significativamente
diferentes da vida social, econômica e política. Evoca, pois, uma
combinação sequencial de desmoronamento e reconstrução, de
desconstrução e tentativa de reconstituição proveniente de algumas
deficiências ou perturbações nos sistemas de pensamento e ação aceitos. A
antiga ordem está suficientemente esgarçada para impedir os remendos
adaptativos convencionais e exigir, em vez deles, uma expressiva estrutural
(SOJA, 1993, p. 193).

No caso cearense, a reestruturação não se deu exatamente de modo a


romper com tendências seculares, visto que a base das estruturas foi mantida;
houve o rearranjo espacial de acordo com as necessidades da conjuntura de cada
momento do processo de mudança nas bases da economia, mas o pilar sobre o qual
se estruturou a base vigente manteve as condições estruturais praticamente
inalteradas, ou com poucas modificações. Exemplo disso é a alta concentração
fundiária que o Ceará apresenta atualmente, resultado do seu processo de
ocupação.
Esta concentração promoveu, ao longo do tempo, a exclusão das classes
mais pobres, bem como orientou o direcionamento das políticas públicas, as quais
tiveram caráter paliativo e não objetivaram resolver os problemas estruturais, mas
camuflá-los.
Entre esses problemas do estado do Ceará destaca-se a desigual
distribuição da terra, que permanece como uma das estruturas fundiárias mais
concentradas do Nordeste. De acordo com dados do último Censo Agropecuário do
IBGE de 2006, o índice da concentração de terras, o Gini5, foi de 0,861, dado que
coloca o Ceará entre os estados nordestinos que apresentam a maior concentração
de terras.

5
O Gini é uma medida de concentração ou desigualdade, utilizada para medir o grau de
concentração de qualquer distribuição estatística, tais como renda e posse de terra. Consiste em um
número entre 0 e 1, em que 0 corresponde a completa igualdade e 1 a completa desigualdade.
46

Enquanto houve redução dessa concentração para o Nordeste, o país e o


Ceará apresentam aumento desse índice. A Tabela 1, a seguir, mostra os números
desse índice dos três últimos censos agropecuários.

TABELA 1 – Ceará, Nordeste e Brasil: Índice Gini de concentração de terras (1985 a 2006)
1985 1996 2006
Ceará 0,815 0,845 0,861
Nordeste 0,869 0,859 0,852
Brasil 0,857 0,856 0,872
Fonte: IBGE, Censo Agropecuário (1985, 1996 e 2006). Organização da autora.

Os dados mostram que nas duas últimas décadas não houve mudanças
significativas na estrutura fundiária do Ceará, o que é considerado por alguns
pesquisadores (Sampaio, 1991; Alencar, 2005) como entrave ao seu
desenvolvimento, visto que a concentração de terras mantém relações de trabalho
marcadas por relações sociais de produção ainda arcaicas.
Além dos citados fatores estruturais, tem-se também aqueles de ordem
geoambiental, visto que a maior parte do território cearense encontra-se no domínio
climático do semiárido, que abrange 92% do território. Tem-se, ainda, como
agravante, o seguinte componente nas políticas públicas:

A difusão de um pacote tecnológico impróprio para as frágeis condições do


semiárido, além de contribuir negativamente, muitas vezes para a
preservação do meio ambiente, destrói saberes e fazeres historicamente
construídos (ELIAS, 2005, p. 454).

Esses fatores têm causado ao longo do tempo o agravamento do êxodo


rural, por conta das dificuldades da população em continuar vivendo no campo,
dificuldades essas acentuadas sobretudo pela deficiência do apoio do Estado, pela
falta de políticas que de fato venham a promover condições dignas de permanência
no campo.
Há de se considerar que as pessoas que permanecem vivendo no campo
cearense, além dessas condições limitantes acima apresentadas, enfrentam ainda
problemas relacionados à precariedade dos serviços de infraestrutura social e à falta
de apoio da política agrícola.
Ainda é alto o percentual da população camponesa cearense que ainda
tem acesso precário ou limitado à terra, o que pode ser constatado através da
47

condição do produtor em relação às terras. Os dados apresentados pelos dois


últimos censos agropecuários (1996 e 2006) mostram que o Ceará apresentou um
pequeno aumento para o número de estabelecimentos geridos por proprietários,
passando de 49,6%, em 1996, para 54,8%, em 2006. A percentagem de
arrendatários passou de 5,7% para 12,7%, os estabelecimentos geridos por
parceiros caíram de 21,9% para 11,8%, e os ocupantes também caíram de 22,8%
para 16,9%, conforme mostra a Tabela 2, abaixo.

TABELA 2 – Ceará: Número de estabelecimentos agropecuários segundo a condição do produtor


(1996 e 2006)
1996 2006
Condição do
produtor Número de (%) Número de (%)
estabelecimentos estabelecimentos
Proprietário 168.487 49,6% 187.082 54,8%
Arrendatário 19.379 5,7% 43.445 12,7%
Parceiro 74.428 21,9% 40.231 11,8%
Ocupante 77.308 22,8% 57.734 16,9%
Assentado * * 12.987 3,8%
Total 339.602 100 341.479 100
Fonte: IBGE, Censos Agropecuários (1996 e 2006). Organização da autora.
*Para o ano de 1996, a metodologia do censo agropecuário não utiliza a categoria assentado.

A área ocupada pelos estabelecimentos de proprietários correspondia a


88,2%, permanecendo inalterada em 1996, passando para 86,1% em 2006; a área
ocupada pelos arrendatários representou inicialmente 1,1%, passando para 2,8%; a
área dos parceiros apresentou redução, passando de 3,6% para 1,8% no período
estudado; a área dos ocupantes passou de 7,1% para 5,7%. Esses dados podem
ser confirmados na Tabela 3, a seguir.
48

TABELA 3 – Ceará: Área ocupada pelos estabelecimentos agropecuários segundo a condição do


produtor (1996 e 2006)
1996 2006
Condição do
Área dos Área dos
produtor (%) (%)
estabelecimentos (ha) estabelecimentos (ha)

Proprietário 7.904.575 88,2% 6.821.664 86,1%


Arrendatário 101.660 1,1% 221.832 2,8%
Parceiro 320.456 3,6% 145.715 1,8%
Ocupante 637.151 7,1% 447.801 5,7%
Assentado * * 285.202 3,6%
Área Total 8.963.842 100% 7.922.214 100%
Fonte: IBGE. Censo Agropecuário, 1996 e 2006.

Com base na análise da condição do produtor, constata-se que no


intervalo de tempo de dez anos as mudanças ocorridas na estrutura fundiária não
podem ser consideradas positivas no que se refere às condições de acesso à terra,
tendo em vista que o aumento de número de estabelecimentos não indica
necessariamente que os responsáveis pelos empreendimentos tenham esse acesso
de forma adequada.
Há deficiência do Estado em reconhecer que essas condições limitam a
eficácia das políticas públicas de desenvolvimento no conjunto, como também as
chances da população de galgar condições de vida digna. Também mostram que a
“reforma agrária”, cuja proposta é ampliar o acesso à terra pela população, não
surtiu o efeito desejado.
No entanto, nos moldes em que a citada reforma foi efetuada, não se
pode considerar que ela tenha ocorrido de fato, visto que a reforma supõe “[...] um
conjunto de medidas que visem a promover melhor distribuição da terra, mediante
modificações no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de
justiça social e ao aumento da produtividade” (BRASIL, 1964, p. 1), o que na
realidade não aconteceu. O que foi executado pelos programas governamentais dos
últimos vinte anos (I e II Plano Nacional de Reforma Agrária, de 1985 e 2003,
respectivamente) não operaram mudanças expressivas no que diz respeito ao
acesso à terra, fato que se evidencia pelas informações apresentadas acima.
Superar esses problemas fez parte dos planos dos diferentes governos
que assumiram o estado do Ceará desde a década de 1960, muito embora as
sucessivas tentativas de resolvê-los tenham sido em vão.
49

As primeiras ações planejadas voltadas para o desenvolvimento do Ceará


ocorrem no primeiro governo de Virgílio Távora (1963-1966), no início da década de
1960, com a criação do I Plano de Metas Governamentais (PLAMEG I), pelo estado.
Esse plano foi guiado por um modelo desenvolvimentista pautado no endividamento
público e voltado à modernização econômica.
Já durante o segundo governo de Virgílio Távora (1979 a 1983), foi
instituído o II Plano de Metas Governamentais (PLAMEG II), que teve suas ações
orientadas para a construção de infraestrutura no estado, objetivando favorecer o
desenvolvimento das atividades industriais, tendo esse setor adquirido a maior parte
dos investimentos, pois se acreditava que o desenvolvimento do Ceará estaria
diretamente relacionado ao programa.
No que se refere ao desenvolvimento rural no estado, esse mesmo
governo elaborou o Projeto de Desenvolvimento Rural Integrado (PDRI) do Ceará.
De acordo com Alencar (2005, p. 300),

O PDRI do Ceará foi elaborado para o quinquênio da gestão do governo


Virgílio Távora de março de 1979 a março de 1984, tendo como objetivo,
conforme art. 1º, parágrafo 2º, “melhoria das condições de vida dos
pequenos e médios produtores, ampliação das oportunidades de emprego e
o aumento e melhor distribuição de renda da população – meta a ser
alcançada através do desenvolvimento das regiões rurais compreendidas
nas Unidades Espaciais de Planejamento (UEP)”.

No entanto, no final da década de 1970 e início da década de 1980, torna-


se evidente o esgotamento desse modelo de desenvolvimento. De acordo com
Xavier (1991, p. 6),

O esgotamento do modelo baseado na dívida pública criou entraves para a


reprodução do capital, gerando como consequência a quebra de hegemonia
do poder dos coronéis. Assim, abriu-se caminho para que os novos atores
da classe dominante – os mesmos que se beneficiaram com os fartos
recursos do FINOR/SUDENE, os chamados jovens empresários –
entrassem no palco da política para restabelecerem novas bases para o
processo de desenvolvimento e reprodução do capital no Ceará.

Nesse ensejo, um novo grupo político ganhou destaque no estado, a elite


industrial. A partir de então, tem-se a gestão que se autodenominou “o governo das
mudanças” (embora não tenha significado o fim do domínio das elites econômicas
no estado), comandada por Tasso Ribeiro Jereissati (eleito em 1986), cujo governo
não apresentou rompimento com a orientação traçada para o desenvolvimento do
50

Ceará, pois dá continuidade a ações iniciadas por Virgílio Távora, estabelecidas


durante o PLAMEG II. Segundo Xavier (1991, p. 7),

Seu projeto estratégico de longo prazo se caracterizava pelas suas raízes


desenvolvimentistas e na exigência de grandes investimentos nos setores
de mineração, turismo e agroindústrias, considerados os setores mais
dinâmicos, a médio prazo de economia local.

As ações direcionadas ao espaço agrário, apesar de terem sido


especificadas dentro do I Plano de Desenvolvimento Rural Integrado do Ceará, e
posteriormente no Plano de Cem Dias (1987), no qual o governo de Tasso Jereissati
estabelecia ações prioritárias para a resolução de problemas no campo cearense,
ficaram muito aquém das metas estabelecidas. Sobre isso, Alencar (2005 p. 172)
afirma que

[...] para o território rural do Estado foram previstos aperfeiçoamento da


assistência técnica, difusão tecnológica e crédito, além do aumento da
produção de alimentos. Entre as ações prioritárias na área socioeconômica
constam os programas que estavam em execução e que devido a sua
importância tiveram continuidade, como o Projeto Nordeste, o Programa de
Reforma Agrária e o Programa de Irrigação do Nordeste.

Os resultados obtidos não efetuaram as mudanças necessárias, pois


mantiveram-se a alta concentração fundiária e as condições precárias de acesso à
terra. Tais ações não colaboraram com a emancipação da população camponesa
cearense, pois não criaram condições que pudessem:

[...] desafiar as relações básicas de poder local, condicionando uma patética


de autogestão e liberdade. O paternalismo, operando junto ao clientelismo,
fez com que as comunidades ficassem desmobilizadas, inconscientes e
incapazes de se ajustar a qualquer tipo de programa governamental que
financie projetos a fundo perdido. Elas passaram a reproduzir a ideologia e
os comportamentos passivos – a comunicação pela força dos favores –
garantindo a direção, o controle e a hegemonia. (BARRETO, 2004, p. 4).

O crescimento econômico do Ceará, nas últimas décadas, pautou-se


prioritariamente em investimentos nos setores industrial e de turismo em detrimento
do setor rural, que não obteve destaque no projeto de desenvolvimento do estado.
As ações executadas acabaram por beneficiar direta ou indiretamente os grandes
proprietários, visto que elas acabaram por criar infraestruturas que os beneficiaram,
como a construção de açudes e estradas.
51

O governo de Ciro Ferreira Gomes, bem como as gestões que o


sucederam (segundo e terceiro governos de Tasso, de Lúcio Alcântara e de Cid
Gomes), dá continuidade à linha de ação iniciada com o primeiro governo de Tasso
Jereissati, visto que dentro da escala de prioridades continuam o crescimento
industrial e o turístico, reduzindo a importância dos programas voltados a ações para
o desenvolvimento rural. Essas ações estiveram restritas a atividades de cunho
fundiário, cujos efeitos foram praticamente inócuos, contribuindo para a manutenção
da mesma estrutura favorecedora e ampliadora das condições de pobreza no meio
rural. Prova disso é que a histórica concentração fundiária se manteve, ao mesmo
tempo em que se mantém alto o número de propriedades de 1 a 10 ha no estado.
Como mostra a tabela 4, a seguir.

TABELA 4 – Ceará: Estabelecimentos agropecuários segundo grupos de área total (1996 e 2006)
1996 2006
Grupos de área Número de % Número de %
Estabelecimentos Estabelecimentos
Menos de 1 a 10 245.312 72,3% 257.459 75,4%
10 a menos de 100 76.199 22,5% 68.510 20,1%
100 a menos de 1000 16.871 5,0% 14.828 4,3%
1000 e mais 835 0,2% 682 0,2%
Total 339.217 100,0% 341.479 100,0%
Fonte: IBGE, Censo Agropecuário, 1996, Ceará nº 9/Sistema IBGE de Recuperação Automática
(SIDRA, 2006). Organização da autora.

Também como consequência da escolha das prioridades por esse modelo


de desenvolvimento adotado, houve a redução da importância econômica do setor
agropecuário, ao mesmo tempo em que o Ceará alcançou, nos últimos 10 anos,
acentuado crescimento econômico, que se mostra através do expressivo
crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), da taxa de crescimento percentual e do
PIB per capita, como indica a Tabela 5, a seguir:
52

TABELA 5 – Produto Interno Bruto (PIB) per capita, taxa de crescimento percentual e participação
percentual do Ceará no PIB nacional.

Taxa de Crescimento Participação (%) CE/


Ano PIB PIB per capita
(%) BR

2000 22.607 4,84 3.014 1,92


2001 24.533 1,47 3.221 1,88
2002 28.896 4,88 3.735 1,96
2003 32.565 1,47 4.145 1,92
2004 36.866 5,15 4.622 1,9
2005 40.935 2,81 5.055 1,91
2006 46.306 8,02 5.635 1,95
2007 50.331 3,34 6.149 1,89
2008 60.099 8,49 7.112 1,98
2009 65.704 0,04 7.687 2,03
2010 76.705 7,90 9.060 2,03
2011 85.604 4,30 10.036 2,07
PIB: (Valores correntes em R$ milhão). PIB per capita: (valores correntes em R$).
Fonte: IPECE, IBGE (2012).

Apesar do notável crescimento econômico apresentado nas últimas


décadas, o Ceará ainda constitui um dos estados nordestinos que possui um dos
mais elevados índices de pobreza. Conforme salienta Monte (2006, p. 81),

Embora os indicadores econômicos do Estado, em períodos mais recentes,


evidenciem desempenho acima do padrão regional Nordeste, sob o aspecto
social, o aumento de riquezas e de rendas produzidas não foi capaz de
ensejar transformações radicais no perfil geral do subdesenvolvimento
estadual. Assim, alguns dos indicadores sociais mostram que as condições
gerais de vida da população do Ceará permanecem ainda insatisfatórias
[...].

Isso ocorre, conforme já foi ressaltado, devido ao direcionamento das


prioridades que foram eleitas nos sucessivos planos governamentais, os quais
orientaram e orientam o desenvolvimento no estado.

3.1 OS PLANOS DE DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL E SOLIDÁRIO


DO CEARÁ (PDRSS)

A reestruturação socioespacial do território cearense passou por quatro


momentos. O primeiro, conforme Lima (2011) é demarcado a partir da reocupação
53

territorial, quando o espaço cearense passou a ser desenhado com os rastros das
boiadas.
O segundo momento ocorre no final do século XIX e início do século XX,
quando o espaço da pecuária é dividido com o da cotonicultura, essa última
responsável pela instalação de novas infraestruturas que viabilizaram uma mais
adequada arquitetura geográfica e socioeconômica do espaço cearense.
O terceiro momento acontece quando a conjuntura econômica favorece o
início do processo de industrialização, a partir do algodão, criando os primeiros
parques industriais no estado.
O quarto e último momento, sobretudo a partir da década de 1990,
distingue-se pela expansão das políticas neoliberais caracterizadas pelo amplo
investimento nas atividades modernas, distribuídas nos eixos das políticas
territoriais. Ainda de acordo com Lima (2011, p. 65),

No campo, a reestruturação socioespacial materializa-se com a mudança na


política pública direcionada aos projetos de irrigação. O estado passa a
privilegiar o segmento empresarial, ao passo que expropria e/ou subordina
a agricultura familiar camponesa, redefinindo novas relações sociais e de
produção.

Estas novas relações sociais de produção decorrem do processo de


reestruturação espacial do qual o estado sempre esteve à frente, sendo, nesse
sentido, instrumento de classe e mediador de conflitos sociais, tudo a um só tempo,
pois ele “[...] possui a função particular de constituir o fator de coesão dos níveis de
uma formação social” (POULANTZAS, 1971, p. 44). Nesse contexto, “[...] os
programas especiais de desenvolvimento inserem-se no quadro em que o Estado
visa criar novas formas de acumulação do capital (e de legitimidade), ao mesmo
tempo em que as antigas são preservadas” (BURSZTYN, 1985, p. 29).
Essa última etapa de reestruturação do espaço rural cearense que tem
seu marco o inicio da década de 1990 privilegia alguns pontos, ou “espaços
seletivos do campo” (LIMA, 2011), cujas localizações e características os colocam
como espaços dotados de capacidade de dar retorno econômico. Assim, “pontos”
isolados do território foram eleitos como passiveis de investimento, cujo critério foi o
de retorno econômico a curto e médio prazo; no Nordeste, esse destaque foi dado
ao agronegócio irrigado, como destacam Lima (2011), Diniz (2002) e Elias (2002;
2005). Dessa maneira, fica claro que o Estado também se antecipa aos interesses
54

do capital, uma vez que é também capitalista. Isso ocorre por meio da construção de
infraestrutura e de estratégias para atender as demandas surgidas a partir da nova
ordem.
Assim, entre os anos de 1970 e 1990, foi criada uma infraestrutura e
colocados em operação sistemas técnicos especificamente para a expansão do
agronegócio não só no estado do Ceará, mas também em toda a região Nordeste. A
criação dos perímetros irrigados faz parte dessa ampliação das possibilidades do
crescimento econômico. Fortalecia-se a teoria desenvolvimentista, a partir da criação
de polos capazes de gerar o crescimento e o desenvolvimento desejados.

Desde então, partes do agrário cearense passam por uma refuncionalização


de seu espaço de produção, expandindo-se a especializando-se, com
importante expansão dos sistemas técnicos e dos sistemas normativos
voltados a dotá-los de fluidez para o agronegócio (ELIAS, 2005, p. 429).

Nesse sentido, os esforços do estado do Ceará se voltaram a atividades


de construção e ampliação de infraestruturas para dar suporte à produção em larga
escala, bem como àquelas dirigidas ao escoamento da produção, quais sejam a
ampliação dos portos e das rodovias estaduais, e à promoção de ações
relacionadas ao desenvolvimento do agronegócio irrigado, com destaque para a
fruticultura.
Entre essas medidas, destaca-se a ampliação das estruturas viária e
hídrica. Nota-se um interesse em promover as áreas já economicamente dinâmicas
do estado, desprivilegiando as demais, sobretudo o interior, que também possui
pontos isolados de crescimento econômico tanto no ramo industrial quanto agrícola
(os polos calçadistas do interior e os perímetros irrigados), os quais também
concentraram investimentos. As demais áreas permaneceram desprivilegiadas, visto
não terem condições favoráveis ao “desenvolvimento” dentro dos critérios
estabelecidos pelo estado.
O território agrário cearense, diante dessas medidas amparadas pelas
políticas públicas, torna-se cada vez mais propício à reprodução das desigualdades,
das quais já se falou, denotando uma cada vez mais clara seletividade de espaços
adequados a investimentos. Nesse sentido, Elias (2005, p. 452) afirma:

A fragmentação do espaço agrário chama a atenção justamente com a


diferenciação na lógica de sua organização na qual denota-se a seletividade
de distribuição das políticas públicas e dos sistemas de engenharia. Isso
55

significa que os pontos escolhidos para receber investimentos transformam-


se em pontos de modernização da economia e do território, sendo que o
todo restante fica à margem desse processo.

A prioridade do estado do Ceará se volta para as áreas onde a


reprodução do espaço se dá de forma cada vez mais integrada à dinâmica global do
capital, ou seja, para as áreas de maior dinamicidade e de possibilidades de retorno
econômico em comparação com as demais áreas. Isso tem como consequência a
formação do que Elias (2005, p. 452) classifica como “[...] verdadeiros pontos
luminosos, áreas dinâmicas do espaço agrário do semiárido”.
Dentro desse contexto, fortalecendo estes “pontos luminosos”, há um
rearranjo do espaço e do aparato institucional, com a finalidade de atender novas
demandas, sobretudo a partir da expansão das políticas neoliberais que passam a
ser incorporadas pelo estado, nas quais se enquadram novas estratégias, como o
enfoque ao desenvolvimento territorial, adotado a partir dos anos 2000, que mantém
as diretrizes adotadas até então, nas quais se mudam apenas os meios pelos quais
se busca atender os mesmos objetivos.
O estado do Ceará rearranjou, nesta última década, seu aparato
institucional com vistas a adequar-se à efetivação dos ajustes necessários à
implementação da estratégia de desenvolvimento territorial.

A estratégia territorial tomou maior corpo a partir de 2007, momento em que


a Secretaria de Desenvolvimento Agrário (SDA) começa a coordenar esta
estratégia, através da Coordenadoria de Desenvolvimento Territorial,
(CODET), em parceria com SDT/Delegacia Federal do Desenvolvimento
Agrário Ceará (DFDA-CE) e o Instituto Agropolos (CEARÁ/SDA, 2011, p.
41).

Nessa lógica, a territorialização do Ceará compreendeu três fases: na


primeira fase, a partir de 2003, foram instituídos seis territórios rurais de identidade;
na segunda, em 2008, objetivou-se ampliar o resultado do programa anterior, com a
instituição dos Territórios da Cidadania; na terceira, em 2010, organizou-se todo o
estado em territórios, incluindo todos os municípios em treze territórios instituídos
pela Secretaria de Desenvolvimento Agrário (SDA). A Figura 1, a seguir, mostra a
divisão do Ceará em territórios de desenvolvimento agrícola.
56

FIGURA 1 – Divisão territorial de desenvolvimento agrícola do estado do Ceará

Fonte: IPECE (2012).

Essa última divisão em territórios não se sobrepõe às anteriores, pois há


o compartilhamento do mesmo recorte com os territórios criados anteriormente,
57

(Territórios Rurais e da Cidadania), com a proposta de integração entre as ações


estabelecidas entre os governos municipal, estadual e federal no que concerne à
execução das políticas públicas de desenvolvimento.
Essas políticas são elementos fundamentais do processo de
desenvolvimento rural: valorização e fortalecimento da agricultura familiar;
diversificação das economias nos territórios; estímulo ao empreendedorismo local;
empurrão que viria do estado para a formação de arranjos institucionais locais como
elementos-chave para a nova estratégia de desenvolvimento rural sustentável
(VEIGA, 2001).
De acordo com dados do Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento
Rural (NEAD), dentro dos critérios da Lei 11.326/2006, o Ceará possuía, em 2006,
341.510 estabelecimentos classificados como familiares, o que correspondia a 90%
do total de estabelecimentos rurais desse estado. Esses estabelecimentos
ocupavam uma área de 3.492,848 ha, representativa de 44% da área total. Quanto
ao emprego de mão de obra, os estabelecimentos familiares empregavam 969.001
pessoas, 85% do pessoal ocupado na agricultura (BRASIL/NEAD/MDA, 2011),
dados indicativos de que a agricultura familiar é a que mais emprega no campo no
Ceará, apesar do pouco investimento dado à atividade pelo estado.
No âmbito das políticas públicas, a agricultura camponesa é remodelada
teoricamente para atender interesses institucionais (o que ocorreu com a unificação
das políticas de crédito agrícola, com a criação do PRONAF em 1996), os quais
objetivam homogeneizar o campesinato, neutralizando a gama de particularidades
que há em seu interior.
Abramovay (1992) diferencia as agriculturas familiar e camponesa
colocando que “[...] uma agricultura familiar altamente integrada ao mercado, capaz
de incorporar os principais avanços técnicos e de responder às políticas
governamentais não pode ser nem de longe caracterizada como camponesa”
(ABRAMOVAY, 1992, p. 22). Apesar do caráter familiar, esse autor considera que há
uma distinção conceitual entre as duas, cuja origem estaria nos diferentes ambientes
sociais, econômicos e culturais que caracterizam cada uma.
Para Oliveira, (1991, p. 55), “[...] o primeiro elemento que se destaca na
caracterização da produção camponesa é a força de trabalho familiar. Esta é o
motor do processo de trabalho na produção camponesa”. Assim, a presença da
forma de trabalho familiar é característica básica da produção camponesa, que
58

reúne um conjunto de características que lhe são peculiares, em que, de acordo com
Marques (2008 p. 59), há “[...] uma organização da produção baseada no trabalho
familiar e no uso como valor”.
Dentro dessas prerrogativas que norteiam as atuais políticas públicas de
desenvolvimento rural no Ceará, no sentido de orientar a promoção do
desenvolvimento rural “sustentável”, o governo do estado, na primeira gestão de Cid
Ferreira Gomes, lançou, em 2008, o Plano de Desenvolvimento Rural Sustentável e
Solidário (PDRSS), cujas metas principais para o período 2008 a 2011 vão
relacionadas a seguir:

META I – Universalizar as famílias agricultoras de base familiar, a


assistência técnica e extensão rural, capacitação, crédito e políticas de
comercialização.
META II – Democratizar o acesso à terra e promover o desenvolvimento
agrário.
META III – Implementar a abordagem territorial como enfoque para o
desenvolvimento rural sustentável e solidário.
META IV – Fomentar a produção, o beneficiamento e a justa
comercialização dos produtos da agricultura familiar.
META V – Garantir segurança alimentar e nutricional.
META VI – Garantir a igualdade nas relações de gênero, geração, raça e
etnia para o desenvolvimento com inclusão social.
META VII – Garantir educação, arte e cultura para a cidadania.
META VIII – Desenvolvimento Institucional (CEARÁ, 2008, p. 48).

No entanto, é possível perceber que as metas são muito amplas, embora


tentem especificar seu foco de ação, o que dificulta a verificação do cumprimento
delas. Constatou-se ao final do período, o ano de 2011, que essas metas não foram
cumpridas. Muitas delas não saíram do papel e outras foram postas em prática pela
metade, ocasionando prejuízos à população de modo geral e em especial à
população camponesa, o que de certo modo explicita que tais ações voltadas à
agricultura não têm representatividade na escala de prioridades do estado.
Ainda em relação às metas, percebe-se que aquelas que dizem respeito à
agricultura camponesa cearense foram desprivilegiadas à medida que foram
descontinuados os convênios firmados para a prestação de assessoria técnica à
população assentada, proposta da primeira meta do PDRSS. Os camponeses
assentados atendidos com assessoria por meio de convênios firmados entre o
INCRA, a SDA e ONGs prestadoras de serviço ficaram desassistidos em função da
não renovação de tais convênios.
59

Isso é uma evidência de que erros antigos continuam a ser cometidos –


não de forma inofensiva – fato comprovado pela descontinuidade nas políticas
públicas voltadas à categoria.
A descontinuidade da assessoria técnica e de tantos outros programas
desacredita o Estado perante a população camponesa. E o que é mais grave: ela
causa prejuízo a essa população, que, embora possa dispor de alguma autonomia,
precisa de orientação técnica e do apoio do Estado, pois não tem capital para
contratar serviços de assessoria por iniciativa particular e ainda depende das
condições climáticas naturais para a reprodução material dos seus meios de vida.
Pode-se perceber que as metas supracitadas não atendem a necessidade
dos camponeses cearenses, pois têm foco na comercialização e no mercado. Faz-
se grande propaganda de uma “agricultura familiar” que praticamente não existe na
realidade; a tal agricultura familiar presente nos planos não é a mesma que se pode
considerar como agricultura camponesa, pois existem grandes diferenças entre elas:
enquanto a primeira tem o foco no mercado, a segunda tem como objetivo garantir
os meios de vida da família. E de todo modo a prioridade nos planos
governamentais (estaduais e federais) se dirige prioritariamente à agricultura familiar
executada visando o mercado.
A despeito do não cumprimento das metas do Primeiro Plano de
Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário, I PDRSS (2008-2011), foi lançado o
segundo PDRSS, para o período de 2012 a 2015, com 21 metas estabelecidas para
os 13 territórios rurais do estado do Ceará, cujos objetivos principais são resumidos
a seguir:

I- Apoiar as cadeias produtivas da agricultura familiar.


II- Apoiar as cadeias produtivas da agropecuária de base familiar com
assistência técnica, implantação de estrutura produtiva e realização de
eventos promocionais do setor agropecuário.
III- Implantar projetos produtivos de irrigação por meio de estruturação
hidráulica e energética para aumentar a produção com competitividade.
IV- Implantar tecnologias alternativas de convivência como o semiárido.
V- Ampliar a inserção produtiva e a competitividade dos agricultores
familiares.
VI- Prestar assistência técnica e extensão rural nas cadeias produtivas
da agropecuária.
VII- Disponibilizar espaços físicos para a comercialização.
VIII- Dar suporte financeiro para os projetos produtivos.
IX- Implantar projetos de infraestrutura social e produtiva nos 13
territórios rurais.
X- Realizar regularização, reordenamento e redistribuição fundiária para
os agricultores familiares.
60

XI- Realizar ações estruturantes para promover o desenvolvimento de


assentamentos rurais.
XII- Viabilizar acesso à terra, à moradia e à estrutura básica produtiva.
(CEARÁ, 2011, p. 47/52)

Nota-se que todas as ações tanto do primeiro quanto do segundo PDRSS


destacam a competitividade e o mercado como objetivos prioritários tanto para a
“agricultura familiar” quanto para o agronegócio, considerados como os vetores para
o desenvolvimento rural. Além do mais, essas ações propõem objetivos claramente
inalcançáveis. Destacam a inclusão da agricultura familiar e sua integração ao
mercado competitivo, a qual, como se concebe, ocorre em todos os sentidos em
condições altamente desiguais. Desse modo, torna-se evidente o que destaca
Alentejano (2000, p. 90):

[...] a capacidade de competição no mercado é colocada como centro das


preocupações, o que se reflete nas proposições de modernização técnica e
desenvolvimento da capacidade de gestão como aspectos mais
enfatizados. Isto se reflete numa visão mercadocêntrica do
desenvolvimento, baseada numa ótica produtivista.

A visão mercadológica acaba por controlar todas as dimensões do


desenvolvimento territorial rural. E a inclusão dos camponeses ao mercado, diga-se
de passagem, quando ocorre, é perversa, porque se dá em condições altamente
desiguais, o que agrava a situação de pobreza em que eles se encontram.
Os planos governamentais PDRSS I e II apenas teoricamente consideram
as especificidades contidas no campo cearense, podendo-se perceber que eles não
se efetivam na prática pelos resultados obtidos pelo I PDRSS, os quais foram
praticamente insignificantes ou inócuos (2008 a 2011), fato notado quando se
enfrenta a realidade dos municípios do Território Sertões de Canindé.
Durante o desenvolvimento do trabalho de assessoria técnica em
assentamentos rurais do Território Sertões de Canindé, de março de 2010 a janeiro
de 2011, defrontou-se com camponeses em condição extrema de pobreza, quando
eles relataram o descrédito em relação aos programas implementados pelo estado,
afirmando que esses programas não têm feito nenhuma diferença na situação crítica
em que se encontram.
Denota-se que nos sucessivos projetos de desenvolvimento ocorre de
fato um reajuste para que as condições de reprodução ampliada do capital sejam
mantidas ou potencializadas e para que as relações de trabalho favoreçam essa
61

inalterabilidade em nível local, condição que se materializa na dimensão que toma o


agronegócio diante da agricultura familiar camponesa no estado do Ceará.
Um fato que evidencia dois pesos e duas medidas nessa questão, não só
no Ceará, mas em todo o país, é a divisão dos recursos entre o Ministério do
Desenvolvimento Agrário (MDA) e o Ministério da Agricultura Pecuária e
Abastecimento (MAPA)6, que apresenta grande disparidade na divisão dos recursos.
Pelo histórico do orçamento anual (2002 a 2012) para esses dois ministérios,
constata-se uma distribuição inversamente proporcional dos recursos ao público que
cada um dos órgãos atende, conforme mostra a Tabela 6, a seguir:

TABELA 6 – Brasil: Despesas dos orçamentos fiscais Ministério da Agricultura Pecuária e


Abastecimento e Ministério do Desenvolvimento Agrário (2002 a 2012)
Diferença absoluta
ANO MAPA MDA Diferença (%)
(R$)
2002 5.184.951.756 2.323.024.896 -2.861.926.860 -55,2%
2003 5.857.753.269 2.144.706.711 -3.713.046.558 -63,4%
2004 7.488.330.971 1.521.010.208 -5.967.320.763 -79,7%
2005 5.317.649.347 2.494.256.435 -2.823.392.912 -53,1%
2006 5.755.808.304 3.045.882.841 -2.709.925.463 -47,1%
2007 5.952.617.622 3.096.723.163 -2.855.894.459 -48,0%
2008 6.958.469.568 3.772.276.532 -3.186.193.036 -45,8%
2009 7.046.268.663 4.608.289.982 -2.437.978.681 -34,6%
2010 7.807.549.587 4.556.247.186 -3.251.302.401 -41,6%
2011 9.361.674.587 4.453.572.928 -4.908.101.659 -52,4%
2012 10.376.929.928 5.035.372.170 -5.341.557.758 -51,5%
Fonte: Ministério do Planejamento Orçamento e Gestão (2012). Disponível em
http://www.planejamento.gov.br/secretaria.asp?cat=50&sec=8. Acesso em 03 out. 2012. (Cálculo da
diferença absoluta e percentual. NASCIMENTO, Gilda Maria Rodrigues).

Os planos estaduais apresentados mostram que a política de


desenvolvimento territorial rural objetiva, em primeiro plano, “incluir” os camponeses
ao mercado, o qual possui leis perversas que criam, sustentam e ampliam as
desigualdades, tendo geralmente como consequência o aumento da exclusão dessa
categoria de camponeses.

6
A política de desenvolvimento rural no Brasil está a cargo de dois ministérios: MAPA e MDA, em
que o primeiro é responsável pela política agrícola, conduz a política de apoio à agricultura
empresarial, representada essencialmente pela oferta de crédito oficial para os médios e grandes
produtores a taxas de juros inferiores às vigentes no mercado financeiro. O segundo é responsável
pela condução da política de assentamentos rurais e do Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar (HESPANHOL, 2007, p. 276).
62

Essa política tem colaborado para o fortalecimento do conceito de


agricultura familiar como chave para mostrar o campesinato como “classe
homogênea”, ao mesmo tempo que tende a ocasionar o desaparecimento da
identidade camponesa, desvalorizando-a, visto que a ideia contida nessa política
procura incutir nesses sujeitos a concepção de que o mercado é a única saída para
a permanência da condição de camponeses.
Essa política também desconsidera as especificidades, colocando todos
os “agricultores familiares” no mesmo patamar, quando eles não apresentam
condições homogêneas, pois cada categoria em que se enquadram possui uma
gama de necessidades diferentes. A seguir, será visto como o atual direcionamento
da política de desenvolvimento territorial se conforma no nível específico, o Território
Sertões de Canindé.

3.2 INDICADORES SOCIOECONÔMICOS DO TERRITÓRIO SERTÕES DE


CANINDÉ: LIMITAÇÕES AO DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL RURAL

O Território Sertões de Canindé, um dos sete territórios rurais de


identidade apoiados pelo MDA e delimitados no Ceará, abrange uma área de
9.202,33 km², que corresponde a 6,19% área territorial do estado e possui uma
população de 195.314 de habitantes, sendo 86.314 da área rural e 109.000 da
urbana, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (BRASIL/IBGE,
2010).
A população da maioria desses municípios cresceu nos últimos vinte
anos, havendo um importante incremento da população urbana bem como a
diminuição da rural. Apresentam maior expressão de habitantes Canindé, Caridade,
Itatira e Madalena, enquanto Paramoti e Boa Viagem apresentam estagnação
populacional. O Gráfico 1, a seguir, mostra a variação entre a população rural e a
urbana para o período de vinte anos.
63

Gráfico 1 – Sertões de Canindé: População rural e urbana (1991 a 2010)

Fonte: IBGE, Censo Demográfico, 1991, 2000 e 2010.

O território sob análise surgiu em decorrência do desmembramento do


Sertão Central, que possuía 25 municípios. Foi homologado em maio de 2004,
inicialmente com nove municípios, além dos atuais, Santa Quitéria, Catunda e
Tamboril (os quais atualmente integram o Território Inhamuns Crateús). Após
divergências de interesses entre os municípios, principalmente no que se referia a
potencialidades ao desenvolvimento de atividades econômicas, foi qualificada a
demanda pela criação de um novo território, que ficou composto pelos atuais seis
municípios, Boa Viagem, Canindé, Caridade, Caridade, Madalena e Paramoti. O
referido território dista da capital Fortaleza aproximadamente 136,1 km. Veja-se na
figura 2 a seguir, o mapa de localização do território.
64

FIGURA 2 - Mapa de localização do Território Sertões de Canindé no Estado do Ceará.


65

O Território Sertões de Canindé possui a maior concentração de


assentamentos rurais entre estaduais e federais por município no estado do Ceará,
a saber: Boa Viagem, com 10; Canindé, com 56; Caridade, com 6; Itatira, com 12;
Madalena, com 8; Paramoti com 6, perfazendo um total de 98 assentamentos (70
federais e 28 estaduais), de acordo com o PTDRS (Plano Territorial de
Desenvolvimento Rural Sustentável) (MDA, 2010, p. 205).
Destaca-se, entre esses municípios, Canindé, que possui o maior número
de assentamentos (56, sendo 47 vinculados ao governo federal e 9 ao governo
estadual) e de famílias assentadas em todo o Ceará. O menor número de
assentamentos está no município de Paramoti, com 4 federais e 2 estaduais. A
Tabela 7, abaixo, mostra a quantidade de assentamentos federais, o número de
famílias e a área ocupada por eles no Território Sertões de Canindé.

TABELA 7 – Território Sertões de Canindé: Número de assentamentos rurais federais por município
(2010)

Município Área territorial Área ocupada por Número de Número de


(km²) assentamentos (ha) assentamentos famílias
Boa Viagem 2.836,77 6.195,62 6 169
Canindé 3.218,42 95.059,81 47 2.055
Caridade 846,37 10.966,91 4 166
Itatira 783,35 8.768,80 4 199
Madalena 1.034,77 28.180,43 5 578
Paramoti 482,65 8.276,54 4 170
Total 9.202,33 157.448,11 70 3.337
Fonte: IPECE (2011)/SIPRA (2012). Cálculo e organização da autora (2012).

Havia em março de 2012, no Ceará, de acordo com o SIPRA/MDA, 436


assentamentos entre criados e reconhecidos pelo INCR (ver Mapa em anexo). A
área incorporada por esses assentamentos e pelos reconhecidos é de 896.231,99
ha, com capacidade de assentar 25.258 famílias, com 22.225 efetivamente
assentadas (INCRA/SIPRA, 2012, p. 28).
No território, os 70 assentamentos contabilizados pelo INCRA
correspondem a 16,1% do total de assentamentos rurais cearenses, nos seis
municípios do território, e ocupam uma área de 157.448,11 ha, que corresponde a
17,6% da área total ocupada por assentamentos no estado do Ceará.
66

Os seis municípios integrantes desse território têm como atividades


econômicas a agropecuária, a indústria e os serviços. A atividade que possui maior
número pessoal ocupado é o setor de serviços, com uma média de 68,1%; a
agropecuária ocupa 21,7% e a indústria 10,5% da População Economicamente Ativa
(PEA) desse conjunto de municípios, de acordo com o Instituto de Pesquisa e
Estratégia Econômica do Estado do Ceará (IPECE, 2011).
Como se pode perceber, a agropecuária ainda representa um peso
importante na geração do PIB desses municípios, pelo percentual de mão de obra
que ela ocupa, muito embora tenha reduzido a sua importância nos últimos anos, à
medida que a população rural também diminuiu. Inclui-se aí a participação da
agricultura na composição da economia dos municípios, cuja participação, mesmo
considerada pequena, ainda é significativa, especialmente quanto à agricultura de
base familiar.
A agricultura caracterizada como de fato camponesa, utilizada neste
trabalho, é aquela em que o produto final do trabalho familiar é destinado em
primeiro plano ao consumo familiar, objetivando suprir, prioritariamente, as
necessidades desse núcleo. Diferencia-se da agricultura familiar, pois “[...] vista à luz
do paradigma do capitalismo agrário, é descrita pela intensa presença do trabalho
assalariado e conhecida por seu perfil econômico quantitativo na exploração da
terra” (QUEIROZ, 2011, p. 118).
Vale destacar que é justamente esse último tipo de agricultura, e não o
primeiro, que tem ganhado prioridade desde o primeiro e segundo mandatos de
Fernando Henrique Cardoso (1995 a 2002), e que continua a ter destaque nos dois
mandatos do governo de Luiz Inácio da Silva (2003 a 2010), bem como no atual
governo de Dilma Rousseff.
É preciso considerar, no entanto, que grande parte das políticas
implantadas para o meio rural nas últimas duas décadas caminham dentro do
chamado paradigma do capitalismo agrário, ao assegurar que o único futuro para o
meio rural está na transformação do camponês em agricultor familiar (ou trabalhador
rural), cuja produção é voltada para o mercado. E assim, essas políticas têm
impulsionado um processo de desestruturação da identidade camponesa.
A agricultura familiar no território em questão, de acordo com relatório
analítico da SDT (2011), feito pela célula de acompanhamento “o desenvolvimento
67

econômico a partir dos produtos da agricultura familiar constitui um desafio


permanente no território”, sobretudo devido as dificuldades de ordem estrutural.
A dificuldade na produção em função dos fatores climáticos, da
produtividade da terra, do acesso à água, da dependência de insumos externos, do
acesso a políticas públicas, das relações desiguais de gênero, entre outros
elementos, gera limitações à produção baseadas no desenvolvimento de atividades
voltadas à sustentabilidade, ao manejo ecológico dos agroecossistemas, ao
aumento da produtividade, ao acesso a mercados, à prática da economia solidária.
Tal avaliação deixa claro o que se prioriza na política de desenvolvimento
de territórios rurais em curso desde 2003, destaca-se a propósito o termo
desenvolvimento econômico, para destacar qual é o foco. Nota-se que o
desenvolvimento econômico se mostra como objetivo principal a ser atingido,

Continua-se na tentativa resolver a difícil equação entre a pobreza, as


desigualdades e os desequilíbrios, mediante mecanismos de mercado.
Como se aprimorando o funcionamento do mercado e seguindo fielmente
seus princípios, fosse possível solucionar os problemas do meio rural
(GÓMEZ, 2006, p. 209-210)

São muitos os entraves ao almejado desenvolvimento e à superação da


pobreza, porém nem todos são colocados em pauta, como a questão política, por
exemplo, a qual não é discutida abertamente, muito embora ela seja um fator de
suma importância no âmbito local.
O fator estrutural da concentração de terras no Território Sertões do
Canindé também não é discutido, e muito menos a condição de todas as categorias
de camponeses desse território. Esses temas são elementos importantes que
influenciam os citados entraves e o resultado final a ser alcançado pelo programa de
desenvolvimento territorial rural em curso. Tais problemas muitas vezes não são
postos em discussão, o que dificulta a busca por soluções.
A distribuição da terra nesses municípios constituintes do território em
estudo ainda se apresenta muito desigual. A maior parte da área ainda concentra
médios e grandes estabelecimentos, que são em número pequeno, enquanto a
menor área está distribuída entre os pequenos estabelecimentos, que são em maior
número, mostrando que predominam ainda as pequenas unidades de produção com
terra insuficiente para o desenvolvimento satisfatório das atividades produtivas.
68

Para o conjunto dos municípios do referido território, dados dos dois


últimos censos agropecuários do IBGE, 1996 e 2006, confirmam o que ora se
afirma. Pode-se perceber que houve poucas alterações no que se refere à estrutura
fundiária desses municípios.
O módulo fiscal é definido como uma unidade de medida expressa em
hectares, fixada para cada município, considerando o tipo de exploração
predominante no município, a renda obtida com a exploração predominante e outras
explorações existentes no município, que, embora não sejam fatores predominantes,
são significativos em função da renda ou da área utilizada e do conceito de
propriedade familiar. O módulo fiscal para os municípios dos Sertões de Canindé é
de 50 ha.
Esse parâmetro serve para a classificação do imóvel rural quanto ao
tamanho, na forma da Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, que classifica os
imóveis rurais – antes denominados como minifúndio, latifúndio por dimensão,
latifúndio por exploração e empresa rural – da seguinte forma:

Menor que um módulo fiscal Área menor que um módulo fiscal


Pequena propriedade Área entre 1 e 4 módulos fiscais
Média propriedade Área entre 4 e 15 módulos fiscais
Grande propriedade Área igual ou superior a 15 módulos fiscais
Fonte: INCRA (1993).

Vale ressaltar que o módulo fiscal também é utilizado como parâmetro


para definir os beneficiários do Programa Nacional da Agricultura Familiar
(PRONAF). O INCRA utiliza a categoria imóvel rural e o IBGE usa a terminologia
estabelecimento agropecuário, em que o primeiro é unidade jurídica, e o segundo,
unidade de produção sendo, portanto, categorias diferentes.7 Para a análise da

7
Para o INCRA (1993), imóvel rural é interpretado como unidade jurídica fiscal, utilizado para fins de
tributação. Considera-se imóvel rural “prédio rústico de área contínua, qualquer que seja a sua
localização, que se destine à exploração extrativa, agrícola pecuária ou agroindustrial, quer através
de planos públicos de valorização, quer através de iniciativa privada”.

O IBGE utiliza a categoria estabelecimento agropecuário, interpretado como unidade de produção.


Considera-se como estabelecimento agropecuário todo terreno de área contínua,
independentemente do tamanho ou situação (urbana ou rural), formado de uma ou mais parcelas,
subordinado a um único produtor, onde se processa uma exploração agropecuária, ou seja: o cultivo
do solo com culturas permanentes e temporárias, inclusive hortaliças e flores; a criação, recriação
ou engorda de animais de grande e médio porte; a criação de pequenos animais; a silvicultura ou o
reflorestamento; a extração de produtos vegetais.
69

estrutura fundiária dos Sertões de Canindé, utilizar-se-á neste trabalho a categoria


do IBGE – estabelecimento agropecuário.
Havia em 1996, nos seis municípios do território, 18.312 estabelecimentos
agropecuários, ocupando uma área de 590.615 ha, tendo esse número caído para
16.024 estabelecimentos, em 2006, e a área se reduzido para 383.823 ha. Supõe-
se, pela redução do número de estabelecimentos, que os pequenos tenham sido
anexados pelos maiores, intensificando a concentração de terras nos municípios do
território.
Por outro lado, o aumento do número de pequenos estabelecimentos
indica o fracionamento deles, fracionamento esse que denota um processo de
precarização do acesso à terra, visto que quanto menor é o estabelecimento menor
é sua viabilidade quanto a continuar existindo como unidade de produção. O maior
número de estabelecimentos está no grupo de área de 1 a 10 hectares, os quais
ocupam menor área em comparação aos demais grupos de área, conforme mostra a
Tabela 8, abaixo.

TABELA 8 – Território Sertões de Canindé: Número e área dos estabelecimentos agropecuários


Área dos estabelecimentos
Número de estabelecimentos
Grupos de área total (ha) (ha)
1996 2006

Número Área (ha) Número Área (ha)

1 a 10 há 12.605 21.466 11.687 28.450


10 a menos de 100 4.585 154.502 3.332 113.139
100 a menos de 1000 1.058 269.834 970 187.129
1000 a menos de 10.000 63 132.460 35 55.105
10.000 e mais 1 12.353 0 0
Total 18.312 590.615 16.024 383.823
Fonte: IBGE, Censo Agropecuário, 1996 e 2006. Organização da autora.

Em relação ao percentual que esses estabelecimentos ocupam, os dados


dos dois últimos Censos Agropecuários mostram que a categoria de
estabelecimentos de 1 a 10 ha, em 1996, representava 68,83% do número total
deles e ocupa apenas 3,60% da área, tendo passado, em 2006, para 72,93%, com
7,41% da área ocupada. Os estabelecimentos de 10 a menos de 100 ha
representavam 25,04% do número e 26,20% da área em 1996, e reduzem-se para
20,79% do número e aumentam a área para 29,48% em 2006. O grupo de 100 a
70

menos de 1000 ha correspondia a 5,78% do total e 45,70% em área, em 2006, e


aumentou tanto em área quanto em número, passando a representar 6,05% do
número e 48,75 % da área. No outro extremo, tem-se os estabelecimentos do grupo
de 1000 a menos de 10.000, com apenas um estabelecimento nessa condição
(Fazenda Xinuaquê, em Canindé, ocupada desde 2005 por trabalhadores rurais sem
terra) cuja área representava 2,10%, em 1996, e os dados de 2006 não foram
contabilizados.
Destaca-se que apenas um único estabelecimento, justamente esse que
se mencionou, a fazenda Xinuaquê, ocupava, em 1996, área equivalente a 57,5% da
área total ocupada pelos estabelecimentos de 1 a 10 ha juntos, visto que eles
ocupavam apenas 3,6% da área total ocupada por todos os estabelecimentos
agropecuários dos seis municípios do território.
Os dados que acabaram de ser citados acima são mostrados na Tabela
9, a seguir.

TABELA 9 - Território Sertões de Canindé: Percentual da área dos estabelecimentos agropecuários


segundo grupo de área total

Grupos de área total (ha) Percentual do número de


Percentual da área em ha
estabelecimentos
1996 2006
Número Área Número Área
1 a 10 há 68,83 3,60 72,93 7,41
10 a menos de 100 25,04 26,20 20,79 29,48
100 a menos de 1000 5,78 45,70 6,05 48,75
1000 a menos de 10.000 0,34 22,40 0,22 14,36
10.000 e mais 0,01 2,10 0 0
Total 100 100 100 100
Fonte: IBGE, Censo Agropecuário, 1996 e 2006. Organização da autora.

Como se pode observar, o grupo detentor da maior área para os dois


últimos censos são os estabelecimentos de 100 a menos de 1000 ha, muito embora
seu número seja pouco expressivo. Tais estabelecimentos não são os de fato
responsáveis pela produção agrícola nesses municípios, ou seja, não é nessa
categoria de estabelecimentos que se dá de fato a produção familiar camponesa.
Essa produção se efetiva nos pequenos estabelecimentos, que representam a
maioria em número, mas têm ínfima área ocupada, quando comparada com a área
71

ocupada pelas demais categorias. No entanto, são esses pequenos


estabelecimentos os responsáveis tanto pela maior produção agrícola quanto pelo
emprego do maior percentual de mão de obra rural dos municípios em questão. Os
grandes estabelecimentos, em sua maioria, são subutilizados; a terra, para os seus
detentores, não tem a função produtiva, na maioria das vezes não cumprindo a
função social da terra: a produção.
Nesses municípios, como já foi mostrado, a agricultura camponesa está
sujeita às condições apresentadas; a terra é um meio essencial à produção e está
concentrada, sendo as possibilidades dessa categoria de agricultores limitadas,
também pelo apoio deficiente do Estado. As questões relacionadas ao acesso à
terra constitui-se num fator limitante ao desenvolvimento dessa atividade produtiva.
Além dos problemas relacionados às condições de acesso ideal à terra,
tem-se as limitações de ordem natural, relacionadas às condições geoambientais de
clima e solo. É notável em todos os municípios o baixo grau no uso de técnica, com
a continuidade da prática da agricultura de forma rudimentar, em que a maioria dos
produtores ainda se utiliza de técnicas tradicionais, dependendo quase que
estritamente das condições naturais para a reprodução dos seus meios de vida.
A burocracia no apoio ao agricultor ainda é uma realidade em todos os
municípios integrantes do território Sertões de Canindé, no contexto da atual política.
Ainda é muito difícil para os agricultores garantirem sua inclusão no programa de
crédito voltado ao segmento, o PRONAF, principalmente aqueles que têm acesso
precário à terra e aqueles que a têm pouca, sendo esses últimos praticamente
excluídos.
Ouvem-se relatos de agricultores que passaram mais de dois anos
fazendo tentativas frustradas de ter seu financiamento do PRONAF liberado. “Toda
semana eu ia ao Banco do Nordeste e a cada vez era uma exigência diferente,
assim faz é a gente desistir, e a perder tempo” (camponês assentado, 41 anos,
residente na zona rural de Canindé).
É necessário reconhecer que há de fato algum pequeno avanço, nos
últimos nove anos, mas ainda está longe do alcance das condições que propiciem
de fato meios para que a população camponesa do território Sertões de Canindé
tenha acesso real às políticas públicas e uma estrutura ideal para viabilizar a
permanência no campo com dignidade.
72

Essas questões, na compreensão dos agentes responsáveis pelas


políticas, são relevantes, mas para as pessoas isso é um fator que limita a sua
inserção em tais políticas, ou seja, a burocracia e a falta de conhecimento impedem
o acesso a essas políticas por parte da população camponesa, que precisa de fato
ser assistida.
A análise do PRONAT, em Paramoti, mostra o que há de discurso e de
prática efetiva na atual estratégia e no foco adotado pelo desenvolvimento territorial
rural.
As condições que levaram à escolha desse município para análise estão
relacionadas aos fatores: extensão territorial; população rural numericamente maior
que a urbana; baixo crescimento vegetativo apresentado; pouca expressão de
assentamentos rurais estabelecidos no local.

3.3 FATORES LOCAIS DE INFLUÊNCIA PARA O DESENVOLVIMENTO


TERRITORIAL RURAL

Paramoti possui uma área de 482,65 km², é o menor dos municípios dos
Sertões de Canindé, em área territorial, estando a 93 km da capital do Ceará.
Localiza-se na zona norte do estado, sob as coordenadas geográficas: latitude sul,
40°05’49” “e longitude oeste 39°14’22” (IPECE, 2010). Veja-se localização na figura
3 a seguir.

.
73

FIGURA 3 - Mapa de localização do município de Paramoti


74

A ocupação das terras que hoje fazem parte do território desse


município, tal qual a maior parte das terras dos sertões cearenses, ocorreu por meio
das atividades relacionadas à pecuária.
A ocupação efetiva ocorreu somente no final do século XIX, com o
estabelecimento da primeira fazenda, denominada Humaitá, que algumas décadas
depois passou a se chamar Santa Rosa. Em 1918, foi criado o distrito de Santana,
subordinado a Canindé, e em 1938, pelo Decreto estadual nº 448, o distrito de
Santana passa a se chamar Saldanha. Sucessivamente, o Decreto-lei estadual nº
1.114, de 30 de dezembro de 1943, estabelece novo nome ao distrito, denominando-
o Paramoti. Em 1958, através da Lei estadual nº 3.962 de 10 de dezembro desse
ano, Paramoti foi emancipado.
De acordo com a metodologia adotada pela SDT, esse é um município
com predominância de elementos rurais, que considera integrantes dessa categoria
os municípios com menos de cinquenta mil habitantes e densidade demográfica
menor que 80 ha/km².
As informações a seguir tomam como base a metodologia oficial adotada
pelo IBGE, (2008), que considera como urbana toda sede municipal,
independentemente do número de habitantes e das funções que a aglomeração
exerce efetivamente.
Uma análise nos dados demográficos desse município mostra que a
população rural tem diminuído expressivamente nos últimos anos. Em 1991,
representava 73,2% do conjunto populacional, passando a 61,9% em 2000, tendo
caído para 51, 01% no último Censo Demográfico de 2010, como mostra a Tabela
10, abaixo.

TABELA 10 – Paramoti: População total segundo situação de domicílio (1991 a 2010)


1991 2000 2010
Número % Número % Número %
Total 10.447 100 10.970 100 11.308 100
Urbana 2.803 26,8 4.175 38,1 5.540 49
Rural 7.644 73,2 6.795 61,9 5.768 51
Fonte: IBGE, Censo Demográfico, 1991 e 2010.

Esses dados mostram um crescimento vegetativo relativamente pequeno


para o período de vinte anos no Território Sertões de Canindé, quando a população
75

menos cresceu. Esse território também apresenta maioria de habitantes na zona


rural, apesar da tendência de aumento da população urbana observada no mesmo
período.
Considerando o critério do IBGE, o aumento proporcional da população
residente por situação de domicílio rural e urbano para o período 1991/2010,
mostrado na Tabela 10, acima, pode ser visualizado no Gráfico 2 a seguir:

Gráfico 2 – Paramoti: População por situação de domicílio (1991 a 2010)

Fonte: IBGE, Censo Demográfio (1991 e 2010).

Segundo o IPECE, a taxa geométrica de crescimento anual percentual


passou de 0,54, considerando o período 1991 a 2000, para 0,30 no período 2000 a
2010. A taxa de urbanização entre 1991 e 2000 foi de 38,06%, e para o período
2000 a 2010 foi de 48,99%, podendo-se perceber um significativo crescimento de
10,96%, o que evidencia a continuidade da migração campo-cidade. Há a tendência
de diminuição da população rural, que também se apresenta no conjunto de
municípios não inclusos como territórios rurais.
A migração continua em evidência, porque não há condições dignas de
permanência no campo. O baixo crescimento vegetativo também indica a saída da
população em idade ativa, tanto do campo quanto da cidade, em direção a maiores
centros urbanos e à capital, em busca de trabalho.
Paramoti é um dos mais pobres dos municípios que integram o Território
Sertões de Canindé. Sua renda domiciliar per capita, comparada com a média do
estado e dos demais munícipios do território é uma das menores. Essa renda é
oriunda, sobretudo, do serviço público municipal, da previdência social e do
programa federal de transferência de renda Bolsa Família, sendo esse um dos
principais fatores que influenciaram a renda no município. Abaixo, na Tabela 11,
mostra-se a quantidade de beneficiários atendidos e os valores repassados no
período de 2004 a 2012, pelo referido programa. Ressalta-se que não houve no
76

período grande variação no número de beneficiários, mas os valores repassados


apresentaram significativo aumento.

TABELA 11 – Paramoti: Número de famílias atendidas pelo programa Bolsa Família (2004 a 2012)
Período Número de beneficiários Valores repassados
2004 2.175 R$ 1.533.090,00
2006 2.444 R$ 1.719.654,50
2008 2.072 R$ 1.975.995,00
2010 1.942 R$ 2.242.508,00
2012 2.190 R$ 2.528.136,00
Fonte: http://www.portaldatransparencia.gov.br/ Acesso em 03 dez. 2012.

Acredita-se que o aumento do repasse de recursos pelo programa de


transferência de renda demonstrado pelo aumento dos valores repassados aos
beneficiários tenha influenciado na redução da proporção dos extremamente pobres,
os quais apresentaram significativa redução entre 2000 e 2010, passando de
62,52% para 34,54%. Apesar da redução da proporção de pobres, essa população
ainda é a que possui a maior proporção classificada nessa faixa pelo IBGE, entre as
categorias que compõem o Território Sertões de Canindé.
De acordo com o Censo Demográfico do IBGE (2000), a renda média per
capita de Paramoti em 2000 era de R$ 57,62, quando o Ceará apresentava renda de
R$156,24, ou seja, a renda média de Paramoti correspondia a 36,9 % da média
estadual.
Destaca-se também a alta proporção de pobres. Como se pode notar, ela
abrange mais da metade da população do município, 66,52% no ano 2000, tal como
se observa na Tabela 12, a seguir.

TABELA 12 – Ceará e Paramoti: Renda média per capita e proporção de pobres (2000)
2000
Renda per capita Proporção de pobres (%)
Paramoti 57,62 66,52
Ceará 156,24 54,44
Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil (2000). Organização da autora.
Nota: Salário mínimo de julho de 2000: R$ 151,00.

Em relação a 2010, de acordo com dados do Censo Demográfico desse


ano, a proporção de pessoas extremamente pobres em Paramoti era de 34,54%,
77

igual ao ano 2000, continuando superior à média apresentada pelo estado do Ceará,
de 17,78%. Evidencia-se que a maior concentração da população extremamente
pobre encontra-se na zona rural, correspondente a 43,43%, quando na zona urbana
essa proporção é de apenas 25,29%, como mostra a Tabela 13, abaixo.

TABELA 13 – Ceará e Paramoti: Percentual de pessoas na condição de extrema pobreza (2010)


População extremamente pobre (2010)
Paramoti % Ceará %
Total 3.906 34,54 1.502.924 17,78
Urbana 1.401 25,29 726.270 11,44
Rural 2.505 43,43 776.654 36,88
Fonte: IPECE, Perfil Básico Municipal, 2011.

Essas informações colocam Paramoti como um município que ainda


apresenta um elevado índice de pobreza, mais evidente no meio rural, o qual
apresenta a maior proporção de pessoas na citada faixa de renda. Comparando a
proporção de pobres em 2000 e em 2010, nota-se uma redução significativa,
atrelada, sobretudo, ao programa complementar de renda, o qual teve influência na
redução da proporção do número de pessoas extremamente pobres, situação que a
atual política de desenvolvimento territorial rural se propõe a superar.
A permanência da alta proporção de pobres no município mostra que os
resultados de tal política não são notáveis, em curto e médio prazo. Evidência disso
são as condições de renda, combinadas à proporção de pobres. A renda, por sua
vez, é reflexo das condições econômicas e da estrutura produtiva do município e de
ações empregadas pelo estado objetivando o desenvolvimento de atividades
econômicas.
A população rural em queda, por seu turno, tem relação com a
diminuição da participação da agropecuária na composição do PIB municipal e com
um significativo crescimento no setor de serviços. Não é só a queda da população
rural, mas é a capilaridade dos investimentos do Estado para a agricultura a
característica principal dos programas voltados ao campo.
Dados do IPECE mostram uma crescente importância dos serviços bem
como a diminuição da importância tanto da indústria quanto da agropecuária na
composição do PIB municipal. O setor de serviços foi o que mais cresceu entre 2004
e 2008, passando de 44,2% para 68,28% do PIB municipal. A indústria reduziu sua
78

participação de 31,35% em 2004 para 9,41% em 2008, e a agropecuária também


baixou sua participação no PIB de 24,66% para 22,31% no mesmo período,
conforme é mostrado na Tabela 14, abaixo.

TABELA 14 – Paramoti: PIB por setor da economia (2004 e 2008)


PIB por setor (%)
Município Agropecuária Indústria Serviços
2004 2008 2004 2008 2004 2008
Paramoti 24,66 22,31 31,35 9,41 44,02 68,28
Fonte: IPECE, Perfil Básico Municipal, 2004 e 2011.

Ressalta-se que a regressão na participação do setor agropecuário no


PIB é vinculada à opção do governo pelo crescimento do estado, que deu prioridade
à ampliação do parque industrial e à expansão do turismo e do setor de serviços.
Essa diminuição da importância da agropecuária na participação do PIB municipal
pode relacionar-se ao que afirma Alencar (2005, p. 79):

A pequena participação na composição do PIB e a redução na geração de


emprego no setor agrícola e pecuário são resultantes de uma série de
fatores enfrentados pela questão agrária no Ceará, como: prioridade da
política de governo para a indústria, o turismo e o setor urbano; baixa
produtividade; falta de investimento em pesquisas direcionadas para as
regiões geoambientais; carência de assistência técnica; poucos programas
e escassez de recursos financeiros para investimento e custeio para a
agricultura e pecuária; falta de políticas para conviver com as estiagens
periódicas; inexistência de infraestrutura produtiva e social; inadequado uso
dos solos e estrutura fundiária concentrada.

Ainda de acordo com Alencar (2005), o setor agropecuário é o que gera


mais emprego no campo, embora seja o que recebe menos atenção e investimento
do governo do estado. Essas dificuldades têm relação direta com a estrutura
fundiária e com as decorrentes relações sociais de produção as quais se associam
ainda aos problemas da agricultura cearense, segundo Elias (2002, p. 21):

Tais dificuldades se associam muito mais às relações de produção e de


organização do espaço, em especial às condições sociais e técnicas da
estrutura agrária, que se caracterizam, principalmente, por uma estrutura
fundiária concentrada, uma base técnica rudimentar e uma oligarquia
agrária reacionária, determinantes para as relações de trabalho e os
regimes de exploração do solo predominantes.
79

Paramoti apresenta uma estrutura fundiária que retrata as características


acima citadas e certamente tal estrutura influencia diretamente a organização do
espaço e as relações de trabalho nesse município.
Dados do INCRA mostram que em 2003 os imóveis menores que um
módulo fiscal representavam 57% do número e a área ocupada por eles era de
16,8%; as pequenas propriedades correspondiam a 37,5% do número, com 37,5%
da área; as médias representavam 3,9% do número de imóveis e ocupavam 13,4%
da área; as grandes propriedades eram apenas 1,6% do número de imóveis e
ocupavam 32,2% da área total, como se mostra na Tabela 15, a seguir:

TABELA 15 – Paramoti: Número e área dos imóveis rurais por categoria (2003)

Imóveis por categoria Número Área % %


Número Área
Menor que um módulo fiscal 219 5.714,50 57,0% 16,8%
Pequena propriedade 144 12.737,90 37,5% 37,5%
Média propriedade 15 4.566,20 3,9% 13,4%
Grande propriedade 6 10.953,10 1,6% 32,2%
Total 384 33.971,70 100,0% 100,0%
Fonte: INCRA/DF/DFC/NEEC/2003. Cálculo e organização: NASCIMENTO, Gilda Maria Rodrigues,
(2012).

Em relação aos imóveis cadastrados por categoria, em 2012, 60,7%


possuem área menor que um módulo fiscal e ocupam apenas 18,1% da área;
aqueles da classe de pequena propriedade representam 32,3% do número e
ocupam 37,4% da área; as médias propriedades correspondem a 5,9% do número e
ocupam área de 23,6%; as grandes propriedades, apenas seis, correspondem a
1,1% dos imóveis e ocupam 20,9% da área. Esses dados são apontados na Tabela
16, a seguir:

TABELA 16 – Paramoti: Número e área dos imóveis rurais por categoria (2012)
% %
Imóveis por categoria Número Área
Número Área
Menor que um módulo fiscal 327 7.723,97 60,7% 18,1%
Pequena propriedade 174 15.915,63 32,3% 37,4%
Média propriedade 32 10.028,55 5,9% 23,6%
Grande propriedade 6 8.893,42 1,1% 20,9%
Total 539 42.561,57 100,0% 100,0%
Fonte: INCRA-CE SR 02/CE, (2012). Setor de ordenamento fundiário. Cálculo e organização:
NASCIMENTO, Gilda Maria Rodrigues, (2012).
80

A variação no número de imóveis entre 2003 e 2012 mostra que a


categoria dos menores que um módulo fiscal passa de 57,0% para 60,7%; as
pequenas propriedades reduziram de 37,5% para 32,3%; as médias aumentaram de
3,9% para 5,9%. As grandes propriedades tiveram a menor variação de número em
relação às demais (no entanto não houve variação no total delas, seis imóveis),
como se pode conferir na Tabela 17, abaixo.

TABELA 17 – Paramoti: Variação do número dos imóveis rurais por categoria (2003 e 2012)
Percentual do número de imóveis por categoria
Categoria de imóveis
2003 2012
Menor que um módulo fiscal 57,0% 60,7%
Pequena propriedade 37,5% 32,3%
Média propriedade 3,9% 5,9%
Grande propriedade 1,6% 1,1%
Fonte: INCRA/DF/DFC/NEEC/2003 – INCRA-CE (SR 02), Setor de ordenamento fundiário (2012).
Cálculo e organização: NASCIMENTO, Gilda Maria Rodrigues, (2012).

Em relação à participação de cada categoria de imóveis na área total,


verificou-se que o maior aumento se deu na categoria das médias propriedades, que
ocupavam 13,4% em 2003 e passaram para 23,6% em 2012; na área ocupada pela
categoria de grandes propriedades houve redução, no mesmo período, passando de
32,2% para 20,9%. As demais categorias (menor que um módulo fiscal e pequena
propriedade) não apresentaram variação significativa para o citado período, segundo
se observa na Tabela 18, a seguir.

TABELA 18 – Paramoti: Percentual da área ocupada segundo a categoria de imóveis rurais


(2003/2012)
Percentual da área ocupada por categoria
Categoria de imóveis
2003 2012
Menor que um módulo fiscal 16,8% 18,1%
Pequena propriedade 37,5% 37,4%
Média propriedade 13,4% 23,6%
Grande propriedade 32,2% 20,9%
Fonte: INCRA/DF/DFC/NEEC/2003 – INCRA (SR 02) Setor de Ordenamento Fundiário (2012).
Cálculo: NASCIMENTO, Gilda Maria Rodrigues. (2012)

Se a estrutura fundiária é o pano de fundo para o desenvolvimento do


processo produtivo, pode se afirmar que até o momento ela ainda pode ser
81

considerada um entrave por permanecer concentrada, como era, como se pode


observar pelos números apresentados acima. Não se verificam, pois, mudanças
significativas na estrutura fundiária, indicando que a concentração de terras
permanece como um problema velho, o qual se revela um empecilho diante da nova
orientação das políticas públicas de desenvolvimento rural.
Há apenas seis assentamentos em Paramoti: Marilândia, Papel, Miramar,
Salvação Vida Nova, Pau d’arco e Sangria, os dois últimos vinculados ao governo do
estado, criados por meio do Programa de Crédito Fundiário e Combate à Pobreza,
em 2002. Paramoti possui 6,3% dos assentamentos do Território Sertões de
Canindé, menor número comparado aos demais municípios.
No entanto, isso não significa que não exista demanda por terra. É o que
pode ser constatado quando se observam as informações relativas às condições dos
produtores rurais nesse município. Há ainda um considerável percentual de
camponeses com acesso precário a terra, o que de certo modo também explica a
estagnação populacional apresentada pelo município, visto que o acesso precário e
a expropriação são fatores geradores em grande parte da expulsão da população do
campo rumo à periferia das cidades médias mais próximas e para a capital do
estado. Essa mobilidade pode ser reconhecida pelas mudanças ocorridas em
relação à condição do produtor.8
Os proprietários representavam 52,5% em 1996, reduzindo-se para
39,1% em 2006; houve redução também no número de ocupantes, que passaram de
36,4% para 28,7%. Houve aumento do número de estabelecimentos nas categorias
de arrendatários, que passaram de 8,2% para 24,2%, e de parceiros, os quais de
2,9% passaram a representar 8,1% no total de estabelecimentos, como mostra a
Tabela 19, a seguir.

8
Proprietário – Condição do produtor que explora terras próprias.
Arrendatário – Condição do produtor que toma as terras do estabelecimento em arrendamento,
mediante o pagamento de quantia fixa em dinheiro ou sua equivalência em produtos ou prestação
de serviços.
Ocupante – Condição do produtor que explora terras públicas, devolutas ou de terceiros (com ou
sem consentimento do proprietário), nada pagando ao produtor pelo seu uso.
Parceiro – Condição do produtor que explora o estabelecimento de terceiros em regime de parceria,
mediante contrato verbal ou escrito do qual resulta a obrigação de pagamento, ao proprietário, de
um percentual da produção obtida.
82

TABELA 19 – Paramoti: Número de estabelecimentos agropecuários segundo a condição do


produtor (1996 e 2006)
1996 2006
Condição do produtor em
Número de Número de
relação às terras (%) (%)
estabelecimentos estabelecimentos
Proprietário 457 52,5 354 39,1
Arrendatário 71 8,2 219 24,2
Parceiro 25 2,9 73 8,1
Ocupante 317 36,4 260 28,7
Total 870 100 906 100
Fonte: IBGE, Censo Agropecuário, 1996 e 2006.

A diminuição apresentada pelo número de estabelecimentos geridos por


proprietários e o aumento daqueles geridos por arrendatários levam a inferir que os
proprietários tenham deixado de cultivar suas terras, passando a arrendá-las, o que
também representa parte da estratégia para manter a propriedade, a qual, em
estado de produção, fica isenta de vistoria por parte do INCRA.
O gráfico abaixo mostra a variação percentual do número de
estabelecimentos segundo a condição do produtor em Paramoti, entre 1996 e 2006:

Gráfico 3 – Paramoti: Percentual do número de estabelecimentos segundo a condição


do produtor (1996 e 2006)
60,0%
52,5%
50,0%
39,0%
40,0% 36,4%
28,7%
30,0% 24,1%

20,0%

10,0%
8,2% 8,0%
2,9%
0,0% 0,1%
0,0%
Proprietário Assentado Arrendatário Parceiro Ocupante

1996 2006

Fonte: IBGE, Censo Agropecuário, 1996 e 2006.

A categoria de proprietários representavam, em 1996, 88,6% da área total


ocupada por esses estabelecimentos, tendo se reduzido para 59,0% em 2006; os
arrendatários ocupavam 1,7% e passaram a ocupar 6,5%. Os ocupantes, em 1996,
83

ocupavam 9,6% e passaram a abranger 33,8% da área em 2006, sendo a categoria


que apresentou maior alteração, conforme mostra a Tabela 20, abaixo:

TABELA 20 – Paramoti: Área dos estabelecimentos agropecuários segundo a condição do produtor


(1996 e 2006)
1996 2006
Condição do produtor
Área dos Área dos
em relação às terras (%) (%)
estabelecimentos (ha) estabelecimentos (ha)
Proprietário 33.299 88,6 17.995 59,0
Arrendatário 639 1,7 1.980 6,5
Parceiro 34 0,1 234 0,8
Ocupante 3.617 9,6 10.313 33,8
Total 37.589 100 30.522 100
Fonte: IBGE, Censo Agropecuário, 1996 e 2006. Cálculo e organização NASCIMENTO, Gilda Maria
Rodrigues. (2012)

Na realização desta investigação, foram coletados dados do IBGE (2005


e 2011) sobre a produção agrícola municipal e depoimentos dos técnicos agrícolas
da EMATERCE, que atuam no município. As informações dessas fontes primárias e
secundárias mostram que há culturas permanentes e temporárias com
predominância da última: exploração de sequeiro, sobretudo cultivo de milho, feijão,
batata-doce mamona e eventualmente mandioca.
Os dados abaixo mostram um expressivo aumento da área plantada para
todas as culturas e a predominância do feijão e do milho, bem como a inserção da
mamona, cultura não existente em 2005, como revela a Tabela 21, abaixo:

TABELA 21 – Paramoti: Área plantada com lavoura temporária (2005 e 2011)

Área plantada (Hectares) Área plantada (Percentual)


Lavoura temporária
2005 2011 2005 2011
Total 6.662 11.692 100 100
Batata-doce 10 41 0,15 0,35
Feijão (em grão) 3.000 4.800 45,03 41,05
Mamona (baga) - 100 - 0,86
Mandioca 25 60 0,38 0,51
Milho (em grão) 3.600 6.600 54,04 56,45
Fonte: IBGE – Produção Agrícola Municipal/SIDRA – Sistema IBGE de Recuperação Automática,
(2012)
84

A exploração agrícola predominante se dá de forma itinerante (ou cultivo


no toco), que se caracteriza pelo uso da broca, derrubada, retirada da madeira,
aceiramento, queima, encoivaramento e a queima complementar. A área preparada
geralmente só é utilizada nos dois primeiros anos e depois entra em pousio até
atingir o ponto de broca novamente.
A variação da área plantada e colhida varia ano a ano de acordo com o
comportamento da quadra chuvosa, estando sujeita, portanto, à intermitência e às
irregularidades das chuvas (644,3 mm anuais é a média pluviométrica do município).
Em relação a culturas permanentes, de acordo com o levantamento da
produção agrícola municipal feito pelo IBGE, há no município o cultivo de banana,
castanha de caju, goiaba, coco, laranja, mamão e manga.
Segundo dados apresentados para 2005 e 2011, houve expressivo
aumento da área ocupada pelas lavouras permanentes, que passou de 46 ha em
2005 para 140 ha em 2011. Em relação às culturas, a área de plantação de banana
apresentou aumento, passando de 5 ha para 32 ha; a área de castanha de caju
passou de 15 ha para 27 ha; a área plantada com mamão teve significativo
aumento, passando de 14 ha em 2005 para 39 ha em 2011. A Tabela 22, abaixo,
registra esses dados.

TABELA 22 – Paramoti: Área plantada com lavoura permanente (2005 e 2011)


Área destinada à colheita Área destinada à colheita
Lavoura permanente (Hectares) (Percentual)
2005 2011 2005 2011
Total 46 140 100 100
Banana (cacho) 5 32 10,87 22,86
Castanha de caju 15 27 32,61 19,29
Coco-da-baía 3 16 6,52 11,43
Goiaba 1 3 2,17 2,14
Laranja 2 6 4,35 4,29
Limão 1 6 2,17 4,29
Mamão 14 39 30,43 27,86
Manga 5 11 10,87 7,86
Fonte: IBGE – Produção Agrícola Municipal/SIDRA – Sistema IBGE de Recuperação Automática
(2012).

Acredita-se que essa expansão das culturas permanentes tenha relação


com a ampliação de crédito voltado para a “agricultura familiar”, ocorrida após as
85

modificações feitas no PRONAF (mudanças nas taxas de juro e aumento do tempo


de carência) no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, e com a
instituição da Política Nacional da Agricultura Familiar e empreendimentos familiares
pela Lei 11.326/2006, de 24 de julho de 2006, que estabeleceu conceitos, princípios
e instrumentos destinados à formulação de políticas públicas para a agricultura
familiar (BRASIL, 2006).
Os dados apresentados revelam uma expansão tanto das culturas
temporárias quanto das permanentes, que, segundo mostram os mapas a seguir, se
espacializam principalmente nas pequenas propriedades.
A variação da área ocupada pode ser visualizada pela análise
comparativa dos mapas 3, 4 e 5, apresentados a seguir, que mostram a variação no
uso e ocupação do solo entre 2004 e 2009. Nesses mapas constam seis classes:
recursos hídricos, área construída, solo exposto, caatinga arbustiva densa, caatinga
arbustiva aberta e mata ciliar.
Compararam-se nos mapas apenas as áreas que apresentam solo
exposto, as quais em sua maior parte estão relacionadas às atividades agrícolas e
pecuárias que aparecem expostas, sobretudo em função do uso intensivo do solo. A
comparação entre os mapas mostra a ampliação dessas áreas, principalmente nas
adjacências do núcleo urbano do município sob análise, próximo ao rio Canindé e
afluentes.
Pela comparação entre as áreas de solo exposto nos três primeiros
mapas e no último, o qual mostra a malha fundiária desse município (2012), é
possível perceber que as áreas mais intensivamente utilizadas (aquelas que
mostram maior expressão de solo exposto) coincidem com a maior concentração
das pequenas propriedades, ao passo que também é perceptível a ausência de
áreas expostas nas áreas onde se espacializam os médios e grandes imóveis.
Observem-se nas figuras 4, 5, 6 e 7 a seguir.
86

MAPA DE USO E OCUPAÇÃO DE PARAMOTI – CE - 2004


87
88
89

FIGURA 7 - Malha Fundiária de Paramoti - 2012

FONTE: Diretoria Técnica de Operações/Setor de Geoprocessamento. IDACE. (2012)


.
90

4 O PRONAT: O DISCURSO E A PRÁTICA DO DESENVOLVIMENTO


TERRITORIAL RURAL EM PARAMOTI

Neste capítulo aborda-se o PRONAT enquanto discurso e prática em


âmbito localizado. É mostrado como a distância entre teoria e prática se revela,
tendo no território a unidade de referência para a atuação do Estado e para a
aplicação e regulação de políticas públicas de desenvolvimento.
O discurso oficial do Estado – no caso o do desenvolvimento – torna-se
hegemônico, pelo poder que esse discurso possui em virtude da abrangência de sua
proposta de atendimento às demandas locais. O distanciamento entre discurso e
prática é mais visível quando se reduz a escala local de análise. De acordo com
Gómez (2007, p. 39),

O discurso e a prática do desenvolvimento se apresentam como uma


tentativa planificada racionalmente de melhorar a qualidade de vida da
população. Com esse axioma como ponto de partida, o desenvolvimento se
erige em empreendimento legítimo, desejado e promovido desde todos os
âmbitos da sociedade.

Esse discurso se apresenta controverso na medida em que na prática se


distancia do objetivo de promover o bem-estar social comum, objetivo das políticas
públicas, entendidas aqui no seu sentido genérico como o conjunto de ações e
decisões do governo voltadas para a solução dos problemas da sociedade
(CALDAS, 2008, p. 5).
O Território Sertões de Canindé foi homologado pela SDT em maio de
2004, criado a partir do desmembramento do Território do Sertão Central, que
abrangia 25 municípios. A criação de um novo território se deu em função de
discordâncias internas entre os representantes municipais desse território em
relação a potencialidades de desenvolvimento econômico desses municípios,
segundo afirmou o assessor técnico territorial.
A adesão efetiva de Paramoti ao PRONAT só foi feita no ano de 2005,
apesar do Território Sertões de Canindé ter sido criado em maio 2004, sobretudo por
questões ligadas à administração do município. “Só se passou de fato a saber como
funcionava a estratégia territorial depois que o Partido dos Trabalhadores assumiu a
gestão do municipal”, afirmou o secretário de infraestrutura do município.
91

Quanto aos agentes públicos, ainda não é concreta a concepção do


território como unidade de gestão, pois ainda não há por parte dos envolvidos total
compreensão do território dentro do que propõe o MDA. De acordo com gerente
local da EMATERCE, órgão estadual que atua como prestadora do serviço de
assessoria técnica a comunidades rurais do município,

[...] O território só será possível se tiver força política e força social, caso
contrário ele só existe na cabeça dos teóricos para fazer metas para o MDA,
aqui na base a discussão ainda é muito fraca, não vemos concretude nas
ações territoriais (Gerente local da EMATERCE).

O depoimento indica que ainda não há entendimento prático do que seja


território; o território da vivência não é o território da prática. O mesmo interlocutor
acima citado declara “[...] que o povo está cansado de conversa vazia, o povão quer
concretude, o que se tem colocado, até agora, é muito abstrato, e isso cansa, as
discussões territoriais têm cansado muito o povo”.
A representação de Paramoti no colegiado territorial é feita principalmente
pelos representantes da gestão pública, através das secretarias de infraestrutura, de
educação e do CMDS.
Há dois níveis de participação popular ou espaços de decisão, o nível
local e o territorial, que são, respectivamente, os conselhos municipais e o colegiado
territorial. Nos espaços de participação local, as pessoas não têm interesse em
participar por não ter a clareza do que esses conselhos representam.
De acordo com o secretário de educação do município, as pessoas não
têm clareza da importância da sua participação porque “muitas vezes ela se dá
apenas de corpo presente, realiza-se apenas para cumprir demanda”. Nas palavras
do entrevistado,

Quando termina a gestão de uma equipe, há a maior dificuldade de formar


uma nova porque as pessoas não querem se comprometer. Para mim, se
fosse remunerado, seria diferente; como não é, ninguém quer, as pessoas
não pensam que isso é em beneficio delas mesmas.

Em relação à participação popular nos espaços de decisão que definem


as ações prioritárias a serem executadas no município via PRONAT, o colegiado
territorial também não ocorre a contento, por falta de informação, na opinião da
dirigente do sindicato dos trabalhadores rurais e do secretário de educação do
município.
92

Percebe-se, por parte até mesmo de quem está envolvido com a gestão
do programa no âmbito do município, certa dificuldade em compreender o seu
funcionamento. Somente aqueles que participam efetivamente do colegiado
territorial têm relativa clareza do que seja de fato a estratégia de desenvolvimento
territorial rural em nível local.
Por tal motivo, não há mesmo de fato interesse em que as pessoas em
geral participem dos processos decisórios, pois assim fica mais fácil fingir que os
conflitos não existem. E tudo se encaminha conforme o planejado. E é essa a
concepção que os gestores públicos têm do programa, conforme afirmou um agente
da gestão pública municipal: “as nossas parcerias com a sociedade civil têm sido
exitosas”. Para esses gestores, a participação popular é descartável, porque eles se
sentem em condições de decidir pela população. A participação da sociedade civil
ainda é um dos principais desafios, segundo depoimento do assessor técnico do
Território Sertões de Canindé.
O mesmo agente entrevistado ainda atribui essa não participação à falta
de interesse e mesmo de conhecimento por parte da sociedade civil, o que foi
observado em algumas reuniões do colegiado das quais se participou durante a
pesquisa. Acredita-se que não seja esse o principal fator. Há outros elementos que
fazem com que essa participação seja muito aquém da ideal, há muito mais ideias
por trás disso tudo, existe a ação sutil do Estado colaborando para a reprodução da
ordem social dominante.
A participação de fato é desestimulada, visto que as discussões são feitas
no âmbito dos interesses dos gestores públicos, interesses esses em grande parte
diferentes dos compartilhados pelos movimentos sociais e pela sociedade civil.
Esse consenso acaba não sendo tão verdadeiro quanto ele se propõe a
ser; de fato, não se trata de consenso verdadeiro, mas sim do consenso adequado.
Um de nossos entrevistados, agente do poder público municipal, secretário de
infraestrutura do município, durante reuniões do colegiado, afirma: “A SDT já traz
pronta a informação e a linha de discussão que se deve seguir, para evitar trabalhar
uma discussão perdida”. Tem-se a impressão de que as propostas não são
construídas coletivamente; elas são de certa maneira impostas ou “sugeridas”, com
vistas a atender determinados interesses, os quais no final das contas não batem
com os da coletividade.
93

Localmente, a realidade mostra que o território é cortado conforme as


necessidades do capital, como interpreta Gómez (2006), porque a maior parte das
ações gira em torno da dimensão econômica, no seu sentido literal, circunstância
que fica evidente diante das decisões tomadas no âmbito local.
Um fato que mostra essa questão é o percentual de projetos implantados
até 2011 voltados à dimensão econômica, classificados em três tipos: projetos de
infraestrutura (por exemplo, estradas), produtivos e de comercialização
(direcionados à produção agrícola e pecuária e à cooperativa), como mostra o
Gráfico 4, a seguir:

Gráfico 4 – Sertões de Canindé: Tipo de projeto implantado (2004 a 2011)

Infraestrutura Produtivo Produtivo/comercialização

20%
40%

40%

Fonte:Célula de Acompanhamento e Informação (CAI, 2011).

De acordo com informações publicadas no primeiro relatório analítico do


Território Sertões de Canindé, publicado em 2011,

O valor total aplicado nos projetos de investimento foi calculado em R$


914.031,96; enquanto o valor total investido pelo MDA foi equivalente a R$
793.058,95. A contrapartida das entidades proponentes (todos os projetos
foram executados pelas prefeituras municipais) corresponde a R$
120.973,01 (CAI/SDT, 2011).

Dentro do que foi executado com os citados recursos, há projetos


inconclusos, ou mesmo concluídos e sem uso, com erros que impedem à população
beneficiária o acesso a eles. Como exemplo, temos os projetos de Casa do Mel,
“implantados” em Caridade e Paramoti, uma estrutura com equipamentos voltados
ao beneficiamento e à embalagem da produção de mel, dentro dos critérios de
94

higiene e segurança estabelecidos pelo ministério da agricultura, exigidos para a


comercialização.
Ambos os projetos foram executados com uma série de erros técnicos e
operacionais. A Casa do Mel, de Caridade, teve um custo de R$ 32.080,60 e foi
incorporada ao orçamento do território no ano de 2004, embora só tenha sido
iniciada em 2006. A obra foi executada em 50% e no ano de 2012 ainda não havia
sido concluída porque a prefeitura não tinha efetuado o pagamento ao empreiteiro,
informação confirmada por um assentado de Santo Antônio, onde foi locada a
referida casa do mel, que nunca funcionou.
A capacitação do público beneficiário não foi realizada, as caixas para as
colmeias instaladas foram abandonadas, parte do material e das instalações para o
beneficiamento do mel está se deteriorando, sem utilidade. A outra casa, localizada
no assentamento Marilândia, em Paramoti, custou R$ 18.794,16 e foi 100%
executada, porém com uma série de erros no planejamento e na estrutura os quais
não foram sanados até o presente ano (2012). As fotos abaixo mostram as duas
citadas casas de beneficiamento de mel.

FIGURAS 8 e 9 – Casas do mel de Paramoti e Caridade.

Fonte: QUEIROZ (2009).

Tais falhas revelam a ausência de acompanhamento dos projetos, a falta


de compromisso por parte dos órgãos responsáveis com a fiscalização e a
inexistência de envolvimento da população local com esses projetos.
Em outubro de 2012, um membro do comitê sustentável da produção e
comercialização do Território Sertões de Canindé, também membro da gestão
pública em Paramoti, afirmou que o mel produzido no município é o único que possui
o selo do Serviço de Inspeção Federal (SIF), certificado do Ministério da Agricultura
indicativo de que o produto está pronto para comercialização em âmbito nacional. No
95

entanto, o entrevistado nada mencionou a respeito das condições de funcionamento


da Casa do Mel.
A coesão territorial, entendida pela SDT como o consenso de interesses
entre os múltiplos agentes públicos do território (presente nos documentos do MDA),
esbarra também nos interesses econômicos particulares dos municípios, de acordo
com o assessor técnico do território: “Não se nega a disputa por projetos, o
município que oferecer maior contrapartida é quem consegue obter o projeto”. Para
ele, isso é limitante ao “bom andamento da estratégia territorial”. Mostra, sobretudo,
a permanência da visão municipalista, localizada, por parte dos representantes da
gestão pública municipal. Evidencia, também, que existe uma disputa interna entre
os munícipios componentes do território enquanto unidade de gestão das políticas
públicas. Para os dois últimos entrevistados citados, isso trava o desenvolvimento do
território, pois são fatos que mais uma vez contradizem a suposta coesão territorial
que se expõe no discurso que sustenta o PRONAT.
É impossível a convivência pacífica isenta de conflitos entre sujeitos de
interesses distintos. A coesão pretendida pelo MDA só existe no papel, pois o
território circunscrito por esse ministério nega conflitos e diferenças. E, ao invés de
promover relações de cooperação, colabora com a reprodução de desigualdades,
concretizada pela manutenção no território de antigas relações de dependência com
as quais ainda não foi possível romper, visto que as condições para que ocorra esse
rompimento não são contempladas através da execução da política de
desenvolvimento territorial rural em curso. O sentido usual dado ao território por
estes agentes se limita ao entendimento do espaço apenas enquanto recorte
administrativo para execução de politicas públicas.
Em relação às ações que foram efetivadas no âmbito do território em
questão, segundo dados do relatório analítico (realizado em 2011 pela Célula de
Acompanhamento e Informação), estavam concluídos e em funcionamento nesse
ano 60% dos projetos, e 40% estavam concluídos e sem funcionando, número muito
alto, retratando resultados da falta de participação nas decisões, que deveria partir
da população beneficiária que é de fato quem torna a demanda legítima.
Diante das falas dos entrevistados, percebe-se que, apesar da tentativa
de articulação entre as ações do governo federal na promoção do desenvolvimento
rural desse território, essas ações se mostram inexpressivas ou, quando realmente
96

executadas, apresentam sérias falhas que comprometem os resultados, tornando


pouco eficazes as soluções propostas aos problemas do território.
O empoderamento, que na concepção do MDA/SDT (2004, p. 7),
“constitui-se na formulação e aplicação de marcos e mecanismos legais que
permitam o exercício pleno de participação e da gestão social”, não se efetiva fora
do discurso, há falhas de comunicação em todos os níveis, do federal ao municipal e
entre eles e a sociedade civil, que ainda não possui níveis satisfatórios de
organização e de informação que os capacitem ao empoderamento efetivo.
O exercício pleno da gestão social, aqui interpretada como “um processo
amplo e participativo para a gestão de assuntos públicos, em sua conotação ampla,
principalmente políticas de valor social” (MDA/SDT, 2004, p. 7), cujo sentido efetivo
seria o compartilhamento das decisões, também não sai do âmbito do discurso, visto
que pela falta da participação efetiva as decisões que interessam a todos não são de
fato compartilhadas.
Não há de fato o fortalecimento dos agentes da sociedade civil, ou seja,
sindicatos, associações, igrejas e conselhos municipais. Essa é mais uma das
propostas só existentes no âmbito do discurso. A falta de envolvimento da
população torna o discurso vazio, porque, na base, o destino final da política pública
não encontra concretude. Isso leva a crer que a estratégia de desenvolvimento
territorial é mais igual a tantas outras aplicadas ao longo do tempo e que não
surtiram efeito na resolução dos problemas.
Tal qual em políticas públicas anteriores, repete-se a burocracia na atual
estratégia, negada no âmbito do discurso institucional, mas claramente evidenciada
quando se entra em contato com a realidade, como mostra a fala de um dos
agricultores entrevistados:

Faz quase quatro anos que tô tentando liberar o PRONAF Semiárido. Dá


vontade de desistir, quase todo dia venho aqui [no escritório da
EMATERCE] pra saber como é que está, e fico perdendo meu tempo, o
valor é 10.000 reais, tô querendo pagar os R$ 1.500 que já peguei e mandar
cancelar, é pra enganar a pessoa, dizem que é fácil de fazer, [...] tô
pensando é em mandar cancelar, quero projeto desse tipo mais não [sic]
(Agricultor, morador da zona rural de Paramoti, 37 anos).

Há aí uma evidente falha na proposta de inclusão social e produtiva, um


dos objetivos da estratégia em questão, cuja consequência é o enfraquecimento da
estratégia, na medida em que ela passa a ser desacreditada pela população. Há
97

também o enfraquecimento, ou mesmo tentativa de destruição sutil, da identidade


camponesa, visto que o mercado, mascarado nessa inclusão produtiva, em vez de
incluir, exclui, como se percebe na fala do trabalhador citado acima.
Observam-se tanto as poucas mudanças no município como a
permanência de antigos e recorrentes problemas, evidenciando um espaço que se
constrói e se reconstrói por meio da incongruência presente entre discurso e prática
das políticas públicas.
Deste modo, como um empreendimento legítimo, como afirma o seu
discurso, o tal desenvolvimento procura sobrepor-se às contradições existentes em
nível local, procurando mascarar a realidade gerada por essas contradições.

4.1 AS CONTRADIÇÕES PRESENTES NAS RELAÇÕES SOCIOESPACIAIS


LOCAIS

A dinâmica espacial é delimitada por um conjunto de atores e fatores que


constroem e reconstroem o espaço. Segundo Santos (1997, p. 49), é “[...] uma
realidade objetiva, um produto social em permanente processo de transformação, e
que impõe sua própria realidade”. De acordo com Schneider (2004, p. 99), esse
espaço é construído a partir da ação entre os indivíduos e o ambiente ou contexto
em que estão inseridos. Os agentes sociais e os demais elementos estão
intrinsicamente relacionados entre si.
O espaço antecede o território, destaca Raffestin (1993), e este último é
determinado por e a partir de relações de poder, uma vez que é constituído por
classes sociais distintas, cujos interesses são antagônicos e têm, portanto, um
caráter dinâmico. Entre os principais agentes podem-se destacar o Estado e a
sociedade civil, entendida como o conjunto de instituições formado por igrejas,
escolas, sindicatos e associações.
O Estado constitui-se com um dos principais agentes sociais
remodeladores desse espaço, e o faz conforme interesses que não se podem
classificar como neutros. Uma vez estando numa sociedade capitalista, os
interesses do Estado não estão isentos dos interesses do capital, que objetiva
sempre a sua reprodução ampliada, o que se faz presente na atual estratégia de
desenvolvimento territorial em curso.
98

Para Castro (2005), o Estado é na realidade uma instituição, e como tal


está inscrito nos tempos do território e da sociedade. Tem como um de seus papéis
o de interventor, sendo responsável também pela ordem social, por meio de
instrumentos legais. Para Poulantzas (1971, p. 44), “[...] o Estado possui a função
particular de constituir o fator de coesão dos níveis de uma formação social”. E
procura fazê-lo através do controle exercido pelo poder que possui.
Essa ordem social tem como vetor as políticas públicas, que objetivam
atender (pelo menos teoricamente) as necessidades básicas da população. No
entanto, essas ações não se manifestam de modo neutro. Os interesses de classe
permeiam diretamente as ações do Estado, interferindo diretamente no
direcionamento das políticas públicas, as quais, como já citado, objetivam
implicitamente a reprodução ampliada do capital, que “[...] se reproduz com e sem
conflito, contudo a planificação para o desenvolvimento leva embutida a
consolidação de certa ordem social, o qual requer certa estabilidade” (GÓMEZ,
2007, p. 51).
A estabilidade da qual fala Gómez é estabelecida por um falso consenso,
em que aqueles que não tiverem poder para fazer valer seus interesses são
incluídos de forma secundária e acessória nas propostas de interesses do capital
local. Isso é, de forma simplificada, o que se percebeu no decorrer da elaboração do
Plano Territorial de Desenvolvimento Sustentável (PTDRS), do Território Sertões de
Canindé, quando as pessoas a quem se destinam as ações não foram as
responsáveis pela escolha dessas ações, como se essas pessoas não soubessem
das suas próprias necessidades.
O Colegiado Territorial é composto por conselhos paritários entre
sociedade civil, poder público municipal, estadual e federal. O Colegiado Territorial
dos Sertões de Canindé é paritário e composto por 110 instituições componentes da
Plenária Geral do Território, compreendendo 55 organizações do poder público, nas
três esferas – federal, estadual e municipal –, bem como 55 representantes da
sociedade civil organizada. Sua divisão se dá da seguinte forma:
99

Quadro 2 – Composição do Colegiado Territorial do Território Sertões de Canindé


Composição do Colegiado
Câmaras Temáticas:

Ações afirmativas, Educação do Campo, Educação e Cultura, Agricultura, Gênero.

Plenária Núcleo Diretivo Núcleo Técnico


Plenária Número de Número de Número de
% % %
entidades entidades entidades
Conselhos 6 5,45 1 11,11 0 0

Poder público estadual 16 14,55 1 11,11 3 50

Poder público federal 16 14,55 1 11,11 0 0

Poder público municipal 23 20,91 2 22,22 0 0

Sociedade civil 49 44,55 4 44,44 3 50

Total 110 9 6 -
Fonte: Colegiados em rede. Ficha perfil do colegiado. www.sge..mda.gov.br. Acesso em 20 de maio 2012.
100

O colegiado territorial “[...] tem como função principal promover a


interação entre gestores públicos e conselhos setoriais, bem como contribuir para a
qualificação e integração de ações e exercer o controle social do programa” (SDT,
2010).
As decisões no âmbito territorial são tomadas sobretudo no âmbito do
poder público, diminuindo a participação e mesmo o poder da sociedade civil, o que
se interpreta como uma desconsideração da existência de conflito de interesses,
evidenciando o que destaca Gómez (2007, p. 51) quando ele afirma:

[...] a utopia reificada do desenvolvimento territorial seria: uma sociedade


afinada com seu território, sem conflitos essenciais entre os grupos que a
formam, que propõe dotar o território de qualidades que lhe permitam
competir no mercado com outros territórios. No entanto isso não é uma
utopia realmente fruto do consenso de todos os grupos sociais.

Isso é objetivo de uma minoria dominante, que defende seus interesses.


O consenso alcançado é aquele apropriado ou o mais propício às diretrizes
capitalistas e não o caminho para a justiça social e a supressão das disparidades
existentes no âmbito localizado. A eliminação das desigualdades se dá apenas no
âmbito do discurso, na medida em que ele se distancia da prática.
Isso fica evidente quando se depara com o nível de participação nos
espaços coletivos de decisão. Nota-se, por parte dos agentes, uma grande
rotatividade, observada em reuniões de colegiado, durante a realização desta
pesquisa, e que foi confirmada na entrevista feita com um dos membros do
colegiado territorial. Para ele, “[...] a sociedade civil em geral participa muito pouco”.
A definição das prioridades não parte daqueles a quem as ações se
destinam, elas são definidas baseadas naquilo que o poder público julga
conveniente e necessário, o que não significa que esteja errado, no entanto é
necessário considerar que as necessidades pensadas pelo poder público podem
não representar a realidade vivida pela população, seja do campo ou da cidade,
porque de certo modo as demandas chegam distorcidas. Como nos afirma Gómez,
(2006) “[...] há uma diferença qualitativa entre o diagnóstico da situação que fazem e
as soluções que propõem”.
Há fragilidade nos mecanismos de participação popular nos processos
decisórios, visto que na prática ela não se efetiva devido a diversos fatores, entre
eles a falta de informação e de interesse. A organização social é bastante incipiente,
101

de forma que não se pode afirmar que haja coesão de interesses dentro dos
espaços coletivos de decisão.
De acordo com um dos membros do sindicato dos trabalhadores rurais no
colegiado territorial, que é também presidente de associação de moradores de um
assentamento rural, o que ocorre é falta de interesse na participação desses
moradores ou é mesmo desorganização:

Quando nos chamam para alguma reunião, o que não ocorre com
frequência, é sempre em cima da hora, e a gente não tem como ir participar,
e muitas vezes que participamos não temos conhecimento antecipado da
pauta, daí nem podemos formular questionamentos.

Outro fator importante a ser considerado é o conflito de interesses no


interior do território, materializado pela concorrência que há entre os municípios, o
que deixa claro que a noção que têm os agentes públicos do que seja territorialidade
ainda precisa superar a visão municipalista (setorizada), isto é, os interesses locais
em primeiro plano.
Essa visão é constatada em conversa com o secretário de infraestrutura
de Paramoti, quando ele deixa claro que apesar de ele ter a noção de território como
unidade de planejamento das políticas públicas em conjunto, não há como negar
que haja uma disputa interna, quando se trata de repasse de recursos: “Há
situações em que brigamos por um real, no sentido literal da palavra”, afirmou.
De acordo com o assessor técnico territorial, “[...] os projetos territoriais
exigem contrapartida das prefeituras, na maioria dos casos há disputa, porque quem
oferecer contrapartida maior leva o projeto”. Isso mostra que cada município coloca,
em primeiro plano, o que julga mais conveniente para si. Essa conveniência gira em
torno do viés econômico, na maioria dos casos.
Dessa forma, o que está em questão não é promover o desenvolvimento
em si, em todas as suas dimensões, e sim promover condições para o crescimento
econômico do município, a todo custo, dentro da perspectiva já destacada. A
panaceia da participação popular é somente parte da estratégia de controle social
pelo Estado, na qual está embutida a proposta de desenvolvimento territorial rural.
Essa interpretação justifica-se no fato de que os problemas têm suas soluções
postergadas, na esperança de que serão resolvidos pacificamente via participação
popular. A população possui níveis de organização insatisfatórios, muitas vezes nem
102

se manifesta, o que ajuda a manter sua condição de dependência e o domínio das


oligarquias de poder local sobre ela.
Esse e outros fatos mostram apenas parte do problema quando o assunto
são falhas na estratégia de desenvolvimento territorial. O que se percebe é que para
quem já possui alguma condição de vantagem (melhores condições financeiras)
existe facilidade de acesso aos programas, mas para quem não possui são muitas
as dificuldades.
A política da assistência continua a ser praticada, pouca coisa se
modificou. Por exemplo, o Programa Garantia Safra, uma linha de auxílio ao
trabalhador em caso de perda de safra, gerido pela Secretaria da Agricultura
Familiar (SAF), vem provar que programas voltados para a assistência ainda são
utilizados. Concorda-se com Hespanhol (2007, p. 276) quando ele afirma que

[...] apesar de tal perspectiva, as ações do governo federal na promoção


dos chamados territórios rurais ainda têm sido inexpressivas. Na verdade, o
país continua não dispondo de um programa de desenvolvimento do campo
efetivo, no qual constem, claramente, os seus objetivos, o período de
implementação, o montante e a fonte de recursos necessários para a sua
execução, as metas a serem atingidas e os órgãos e autoridades
responsáveis por sua implementação.

De acordo com o assessor territorial, Paramoti foi um dos únicos


municípios no território que conseguiu efetivar maior percentual de projetos
contratados nos últimos três anos, informação confirmada pela prefeitura municipal
desse munícipio. Porém, de acordo com a opinião dos munícipes ouvidos, pouca
coisa foi de fato mudada, ou mesmo não se sabe dizer ao certo se alguma coisa
mudou. As opiniões diferem.
A estratégia territorial, apesar da proposta inovadora em muitas situações,
fez surgir, em vez de cooperação, a concorrência, a qual, por sua vez, não abre
espaço para que ações inovadoras surjam e venham a fazer de fato alguma
diferença no âmbito local. Em meio a isso, a população espera, sem poder interferir
para que as coisas de fato venham a acontecer, o que acarreta o descrédito popular
em relação a essas ações e aos seus pretensos benefícios.
O ponto de vista defendido nesta pesquisa é que o modelo adotado para
promover um desenvolvimento não tem se mostrado eficaz ou obtido resultados
efetivos. Aquele modelo calcado no crescimento econômico balizado pelas leis do
mercado só tem acumulado fracassos ao longo do tempo, tendo em vista que seus
103

diferentes enfoques não foram realmente capazes de promover efetiva melhora nas
condições de vida da população.
Isso vem mostrar na prática o que destacou Gomez (2006), quando ele
enfatiza a distância entre discurso e prática da estratégia de desenvolvimento
territorial rural: “[...] nos deparamos com um discurso que está muito longe do que
consegue alcançar. Até mesmo porque seu ponto de partida, na verdade, não lhe
permite atingir o que se propõe” (GÓMEZ, 2006, p. 203).
O principal elemento do discurso, a coesão de interesses e a articulação
entre os diferentes agentes na execução das ações propostas pelas políticas
públicas no Território Sertões de Canindé, não se constata na prática, havendo erros
de comunicação entre as diferentes esferas da gestão pública quanto à
responsabilidade de cada uma das esferas de governo. Diante disso, denota-se uma
série de desafios para o alcance da efetividade do desenvolvimento territorial.

4.2 OS DESAFIOS DO DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL RURAL

A proposta da estratégia de desenvolvimento territorial rural, como já foi


destacado, é que haja integração entre as ações da gestão pública nas três esferas
de poder, para que as políticas públicas promovam a redução da pobreza rural e a
melhoria geral das condições de vida da população, num espaço definido como
lócus de ação, o território.
No entanto, tal estratégia tem dado um importante enfoque à dimensão
econômica, ao mercado, considerado a via para a resolução dos problemas
encontrados em nível local. Nesse sentido, a agricultura familiar, considerada dentro
da proposta, tem sido incentivada como uma das saídas para a solução das
condições de pobreza que ainda predominam no campo.
As condições para que ocorra esse pretenso desenvolvimento ainda não
foram criadas ou mesmo incentivadas a contento, visto que grande parte das ações
ainda seguem o velho modelo hierárquico, apesar do novo discurso presente nas
propostas das políticas públicas atuais.
Além da velha prática na nova estratégia, o poder público ainda enfrenta
um grande desafio para promover a participação popular no processo de definição
das ações a serem executadas no território em questão. A participação da
sociedade civil ainda ocorre de maneira pontual e inconstante, de acordo com um
104

membro do colegiado territorial e também membro da equipe de administração do


município:

Quando tem um projeto em discussão, as pessoas participam de uma


primeira reunião e faltam à segunda; se participam de uma segunda faltam
às demais, assim não tem condições de ficar inteirado do que está
acontecendo, a inconstância da participação da sociedade civil é um
entrave à interação entre poder público e sociedade civil.

Até mesmo a participação dos prefeitos na construção das propostas é


mínima, segundo esse mesmo interlocutor. A lista de fatores limitantes é enorme, o
que faz com que a credibilidade da população em relação à eficácia das políticas
seja seriamente contestada. O assessor técnico territorial enumera os fatores que
considera os mais determinantes nas limitações ao bom andamento das ações
propostas em nível municipal:

a) Visão municipalista da maioria dos gestores públicos.


b) Falta de interesse da sociedade civil na participação das discussões em
nível territorial.
c) Erros de comunicação entre a esfera do poder público e a sociedade civil.

Além dessas fragilidades apontadas, o interlocutor coloca também outros


fatores limitantes latentes, como o fato de o território não ter um orçamento definido
para a manutenção, o colegiado não ter sede própria, as reuniões não serem
realizadas mensalmente, como deveria ocorrer, em virtude do não cumprimento do
cronograma, muitas vezes por falta de verbas decorrente da inexistência de um
orçamento definido.
Ainda entre os problemas citados também está a rotatividade dos
membros do colegiado territorial, bem como a escassa participação da sociedade
civil em geral, participação essa que praticamente não ocorre ou é muito pequena e
inconstante. A participação se restringe aos representantes das entidades
governamentais, sindicatos e ONGs, cuja representatividade é limitada.
Desse modo, muitos problemas concernentes aos municípios do território,
em parte comuns à maioria dessas localidades, acabam por não chegar à pauta de
discussão e permanecem sem solução, uma vez que nunca chegam a ser
discutidos, e se o são ocorre de maneira parcial porque os protagonistas dos
problemas não são ouvidos.
105

Pode-se afirmar, pois, que não são os sujeitos das políticas de


desenvolvimento quem definem as suas próprias prioridades e necessidades, já que
são representados pelos sindicatos de classe, e que nem todas as demandas
chegam de fato a ser discutidas em busca de soluções.
Outro agente público municipal entrevistado, que também é membro do
colegiado territorial, enumera dificuldades que diferem das colocadas pelo primeiro
interlocutor, a saber:
a) Concorrência ou mesmo disputa entre os municípios pelos projetos. Se
os projetos fossem direcionados a cada prefeitura funcionariam melhor.
b) Inadimplência da maior parte das prefeituras, impedindo-as de firmar
convênios, o que sobrecarrega aquelas adimplentes, já que os projetos que
vêm via território precisam ser divididos com os demais munícipios.
c) Falta de efetividade daqueles que participam dos conselhos territoriais.

A mesma questão sobre as dificuldades no bom andamento das ações


municipais foi feita a um agente da sociedade civil (agricultor morador da área de
assentamento federal, Marilândia, presidente da associação de trabalhadores rurais
desse assentamento), que não soube colocar quais as dificuldades do território,
afirmando que “isso tudo ainda é projeto no papel”, apesar do tempo em que está
em andamento.
Mais um entrevistado, agente público, membro do Conselho Municipal de
Desenvolvimento Social, aponta como dificuldade “a falta de preparo técnico no
andamento das ações estabelecidas pelas políticas territoriais”. Isso também foi
destacado pelo assessor técnico territorial, quando afirma:

[...] o corpo técnico das prefeituras é muito deficiente, falta decisão política e
qualificação técnica; as duas coisas têm que andar juntas, a qualificação do
quadro técnico e decisão política do gestor, e isso aqui é muito fragilizado.

Percebem-se diferentes pontos de vista a respeito de um mesmo assunto,


evidenciando o conflito de concepções a respeito da efetividade da estratégia de
desenvolvimento em curso e dos limites por ela apresentados. Os pontos de
divergência são muitos, bem mais visíveis nos setores de interesse do PRONAT.
A imagem propagada pelo Estado em referência à agricultura familiar, em
nada se parece com a realidade concreta dos agricultores. O agricultor criado no
âmbito do PRONAT não existe na prática, porque a inclusão do camponês ao
mercado ocorre em condições altamente desiguais e isso só tem contribuído para a
ampliação da desigualdade. No entanto, as políticas de base mercantil continuam a
106

validar as metas e as ações dos planos governamentais, ao incentivar a inclusão ao


mercado como meio de resolver o problema da pobreza rural.
O aumento ocasionado pela inclusão do maior quantitativo possível de
produtores rurais pobres ao mercado, que ocorre em condições desiguais, gera a
concorrência. As condições desiguais, por sua vez, geram e ampliam a exclusão e
aumenta a desigualdade, que tem como consequência direta a geração de mais
pobreza rural. O que comprova isso é a proporção de pessoas em extrema condição
de pobreza concentradas na zona rural.
Conforme se acabou de mostrar, instala-se um circulo vicioso em que se
altera apenas a direção, mas que se chega a um mesmo ponto. O problema da
pobreza continua a ser um dos mais latentes no campo em Paramoti (como também
nos demais municípios do Território Sertões de Canindé), que registra na faixa de
extrema pobreza a maior parte da população rural, de acordo com as informações
do Censo Demográfico do IBGE de 2010.
As condições naturais limitantes do semiárido cearense, dentro das quais
se encontra Paramoti, muitas vezes são usadas para justificar a situação e não mais
fazem sentido em pleno século XXI, quando sistemas técnicos de engenharia que já
existem há décadas são perfeitamente capazes de superar tais limitações e são
alternativas viáveis.
Não se tratam aqui de sistemas sofisticados, mas de sistemas simples,
em sua maioria de baixo custo, para a convivência com as limitações do semiárido,
porém só se dá conta de que eles são necessários a cada vez que a irregularidade
das chuvas se agrava; na verdade é um problema secular que ainda não encontrou
solução, porque não há interesse político em resolvê-lo dentro do atual modelo
socioeconômico. Só se discute a “seca” quando ela acontece e quando a população
clama pelo atendimento das suas necessidades mais básicas. As ações continuam a
ser imediatistas, não diferindo das estratégias já usadas há décadas.
É nesse momento também que as elites locais se aproveitam para
reforçar a sua dominação sobre a população mais pobre, que tem com os agentes
políticos locais os seus laços de dependência reforçados. Porque as ações de cunho
imediato continuam a ser utilizadas; despendem-se recursos para prover paliativos
para os problemas gerados pela estiagem. Pode-se perceber também que ações
com benefícios em longo prazo continuam fora da agenda de prioridades.
107

Todas essas condições que acabam de ser descritas mostram-se mais


nitidamente em nível local, onde se sabe exatamente quem domina e quem é
dominado, bem como se percebem as estratégias para que essa dominação seja
implícita. E ela é na verdade implícita, porque as pessoas não se sentem
dominadas. Ainda impera o que Barreira (1994) chama de política de favor. As
relações pessoais permeiam as relações econômicas.
Em âmbito local, nota-se a presença da política do favorecimento que se
disfarça, legitimando uma estratégia que permanece a mesma, mudando-se apenas
os meios para que se chegue aos mesmos fins. Em outras palavras, é conveniente
que tudo mude para que tudo permaneça igual. As regras do jogo do
desenvolvimento mudam, mas o vencedor no final é sempre o mesmo, e certamente
esse mesmo não é a população mais pobre do munícipio de Paramoti. Como
destaca Gómez (2007), não há nada de novo sob o sol do desenvolvimento, porque
como já foi colocado, as estratégias mudaram, mas a finalidade continua a ser a
mesma.
Dentro de tal proposta as ações municipais se dão de forma que
estrategicamente a população recebe tais benefícios como um “favor”, acentuando
as condições de dependência entre população e representantes do poder público. A
proposta de desenvolvimento territorial rural em curso nada tem de emancipadora
porque suas ações não incorporam mecanismos que colaborem para a participação
popular democrática efetiva.
As decisões, embora de forma implícita, são tomadas no âmbito do
Estado, por meio de seus representantes locais, como reforçou um agente local:
“engana-se quem pensa que o Estado existe para ajudar os pobres; nada disso, o
Estado é capitalista e serve aos interesses de quem já tem muito, mas isso não é
dito”. Essa ideia também pode ser observada nas ações do território para sanar os
efeitos da seca ocorrida em 2011 e 2012, segundo um dos técnicos da EMATERCE
que atua nas comunidades rurais do município:

O milho subsidiado comprado pelo estado era pra ter chegado em Paramoti
em maio, chegou agora em novembro, todos os produtores pobres já
venderam seus animais pela metade do preço, geralmente para os grandes.
O caminhão da CONAB só vem até aqui, à sede, e quem não tem carro não
tem como vir buscar o produto e no fim das contas fica sem nada; é triste,
mas essa é a verdade.
108

A dispersão da população também influencia de forma direta na falta de


coerência das ações. A maior parte da população reside na zona rural, fato que
potencializa as dificuldades, sobretudo pela dificuldade de comunicação nas
comunidades rurais. Por isso, a proposta de integração entre as ações e o
empoderamento da população continua como utopia.
Por essas prerrogativas, o “desenvolvimento” aqui entendido como
expansão da capacidade das pessoas de satisfazerem suas necessidades básicas,
ainda não se tornou uma realidade prática; ela continua a existir apenas no âmbito
do discurso institucional. O objetivo a ser alcançado no sentido da expansão das
capacidades humanas na satisfação das suas necessidades depende seguramente
da articulação eficaz, necessária entre as políticas públicas e os sujeitos sociais.

4.3 A ARTICULAÇÃO ENTRE OS CONSELHOS MUNICIPAIS, SINDICATOS DE


TRABALHADORES RURAIS E GESTORES MUNICIPAIS

O conceito básico de articulação de políticas públicas se refere à “[...]


atividade desenvolvida por duas ou mais instituições que buscam aumentar o valor
de seu serviço por meio de trabalho conjunto ou coordenado, em lugar de fazê-lo de
forma separada” (IICA, 2008, p. 7).
Nesse âmbito, entende-se articulação das politicas públicas como a
interligação sincronizada no planejamento e na execução de ações voltadas a
atender as necessidades da população de todo o território, compreendido e
considerado apenas enquanto recurso normativo prático com a finalidade de
aplicação de gestão e controle de políticas públicas localmente.
Essa articulação depende também do bom entrosamento político, das
relações institucionais e, em grande medida, dos movimentos sociais presentes no
território. O movimento social mais atuante nos municípios que compõem o Território
Sertões de Canindé é o MST, no entanto a militância do movimento não se dá
efetivamente em todos os municípios, mas principalmente em âmbitos restritos,
como em dois municípios, Canindé e Madalena, onde têm ocorrido ocupações e
manifestações nos últimos dez anos.
Segundo o secretário de infraestrutura de Paramoti, “[...] a presença do
MST aqui é muito pontual”. Em relação a essa atuação, a dirigente do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais afirmou que “[...] não há atuação do MST neste município”.
109

Ainda segundo esses entrevistados, “[...] não há necessidade”. De acordo com


depoimento da presidente do sindicato, “[...] aqui não há conflitos por terra porque há
poucos assentamentos rurais”. Isso representa uma visão distorcida da realidade,
pois os conflitos, mesmo quando não explícitos, existem.
No segmento de representatividade da classe camponesa, há duas
entidades representativas que disputam o mesmo espaço público. A primeira
entidade é o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR), que foi
fundado em 1973. Após o falecimento do primeiro presidente da instituição, foi eleito
um novo dirigente, que foi reeleito para o cargo por 28 anos seguidos e é o vice-
presidente na chapa atual. Esse sindicato é ligado à Federação dos Trabalhadores
na Agricultura do Estado do Ceará (FETRAECE) e à Confederação Nacional dos
Trabalhadores na Agricultura (CONTAG). A segunda entidade é o Sindicato dos
Trabalhadores na Agricultura Familiar (SINTRAF), vinculado à Federação dos
Trabalhadores na Agricultura Familiar (FETRAF), recentemente estabelecido no
município.
Há uma evidente competição entre os sindicatos com visível
desvantagem para esse último. Segundo os seus respectivos dirigentes, não há
nenhuma relação de parceria, o que evidencia a concorrência que existe entre eles.
Essas duas instituições representativas dos trabalhadores rurais concorrem entre si
por filiados e prestam os mesmos serviços à mesma clientela. Ambos se mantêm a
partir da contribuição sindical feita por esses filiados, cujo valor é 2% do salário
mínimo, de acordo com a diretoria dos dois sindicatos.
Comparando a estrutura física e organizacional das duas entidades
sindicalistas, observa-se que a primeira é a que possui vantagem sobre a segunda,
também em função da diferença de tempo em que as duas atuam no município e do
número de filiados. Enquanto o STTR tem cerca de 6.000 filiados, segundo a
presidente, estando em dia com o pagamento das mensalidades apenas 500 deles,
o SINTRAF possui apenas 150 filiados, mas a secretária não soube informar
quantos deles estão em dia com suas obrigações sindicais.
De acordo com os representantes sindicalistas, na pessoa da presidente,
os sindicatos têm procurado ampliar seu foco de atuação. Muito embora a ação
deles tenha se expandido, ainda é evidente o velho resquício da assistência, em que
os trabalhadores são levados a procurá-los tão somente para assuntos que se
referem ao amparo social aos camponeses, à garantia dos direitos previdenciários,
110

ou seja, seguro safra, salario maternidade, pensão, auxílio doença, aposentadorias e


emissão de Declarações de Aptidão ao PRONAF.
Uma característica positiva da atuação dos sindicatos, na concepção de
uma dirigente sindical, é que eles têm procurado a proximidade com o povo.
Segundo a presidente do STTR de Paramoti, “[...] não é só o povo que vem ao
sindicato, mas o sindicato também tem procurado ir ao povo”, o que é considerado
um avanço, pequeno, mas, significativo, levando em conta o papel desse agente
social diante da nova realidade rural, muito embora essa ação não se renove a
contento.
Nesse contexto, evidenciam-se relações de poder arcaicas. Ainda existe a
dependência entre a população (com mais ênfase na que reside na zona rural) e os
agentes do poder público municipal. Como ocorre na maioria dos pequenos
munícipios, ainda é latente as relações de dependência política em que as relações
pessoais, de certo modo, ainda influenciam as econômicas. Em consequência disso,
as necessidades individuais básicas imediatas e momentâneas acabam por
sobrepor-se às necessidades coletivas em longo prazo. Em conversa com um
funcionário público, ele afirmou:

Muitos funcionários da prefeitura na última eleição (2012) votaram no


prefeito para não perder o emprego, enquanto outros votaram na oposição a
este por causa de uma promessa de emprego; a coisa aqui funciona assim
(Vigilante, 46 anos).

Esse fato evidencia que a carência de meios que venham a proporcionar


segurança de sobrevivência ainda é um problema, não só neste município, o que
leva à reafirmação das relações de dependência.
Não há em Paramoti a influência direta de movimentos sociais
organizados, o que dificulta a organização social. Além dos sindicatos de
trabalhadores rurais, não há outros agentes que objetivem a organização popular
atuando diretamente em municípios do território. O movimento sindical tem sua ação
mais concentrada em Canindé, Itatira e Madalena, segundo afirmou um agente
público local. Essa situação mostra que cada agente, de certo modo, age
isoladamente, principalmente os que atuam no meio urbano, não havendo, por isso,
a consciência de classe embutida nos sujeitos que compõem a sociedade civil.
De acordo com a dirigente do sindicato, as associações comunitárias de
trabalhadores rurais, representantes da classe, são 32 no total, mas não há ligação
111

entre elas. Nem mesmo há coesão entre os próprios associados, o que vem mostrar
a desarticulação existente dentro das próprias organizações da sociedade civil.
É válido ressaltar que grande parte dessas associações foi criada a partir
da execução do PRONAF infraestrutura, em 1997, programa a princípio contratado
pela prefeitura municipal, através do CMDS, estabelecendo como critério que os
beneficiários estivessem organizados em associações, segundo informou um dos
membros do CMDS. Isso denota que essas associações não surgem de demanda
espontânea partida do interior da sociedade civil, mas, sim, de exigências externas.
O próprio CMDS só foi criado mediante a exigência, para a inclusão do
município no PRONAF infraestrutura, criado em 1996, de que o programa só poderia
ser conveniado via prefeitura; era um critério para a realização do convênio de
projetos de infraestrutura para o município.
Os demais conselhos municipais também foram criados mediante o
estabelecimento de critérios para a inclusão do município em políticas públicas,
embora as exigências não funcionem, segundo afirmou o secretário de educação do
município: “Estes conselhos criados praticamente à força, de nada servem, quase
todos são inoperantes, não adianta maquiar, o povo não participa”. De acordo com o
secretário de infraestrutura, que também é membro do CMDS:

[...] não é o caso daqui de Paramoti, mas na maioria dos municípios do


território, o conselho só reúne quando há demanda do executivo. Aqui no
território, os únicos conselhos realmente atuantes são os de Canindé,
Paramoti e Madalena; os demais existem apenas no nome. Os conselhos
são voluntários, são muitos conselhos e pouca gente, e a mesma pessoa
participando de quase todos, é uma realidade, acredito que não só aqui dos
Sertões de Canindé. Há essa integração porque você pode estar
representando outra entidade, outro segmento (Secretário de Infraestrutura
de Paramoti).

O que ocorre, na verdade, é que uma mesma pessoa acaba participando


de vários conselhos para que a vaga não fique ociosa, e mesmo, assim, eles
dificilmente se reúnem. Ainda segundo o secretário de educação, as reuniões
acontecem, quando muito, duas ou três vezes no ano. O único que possui
regularidade é o CMDS.
Essa dificuldade de concretude na representatividade nos conselhos
municipais diz respeito a deficiências na articulação política que muitas vezes
prescinde da participação popular. No entanto, o exercício da participação popular é
essencial à legitimidade das demandas que devem surgir a partir da participação
112

nos espaços coletivos de decisão, através dos quais esses sujeitos possam fazer
suas reinvindicações, dar visibilidade às suas próprias demandas, informar-se, fazer
opções e propostas a respeito das políticas públicas aplicadas em nível local, que
interferem diretamente em suas vidas, e, quando necessário, assumir também as
responsabilidades que lhes cabem. Isso depende diretamente dos processos de
articulação política local.

4.4 OS AVANÇOS E OS DESAFIOS DA ARTICULAÇÃO POLÍTICA LOCAL

A articulação política, do ponto de vista desta pesquisa, é entendida como


uma concomitância ou simultaneidade das ações das políticas públicas em suas
diferentes esferas do poder público em conjunto com as necessidades da
população. A partir desse entendimento, expõem-se neste item quais os avanços e
os desafios dessa articulação, ou seja, quais os entraves e os limites à concretude
dela nos municípios do território.
Os avanços são menos expressivos que os desafios, na concepção do
assessor técnico do território, pois, para ele, as dificuldades são muitas. Abaixo,
colocamos as principais dificuldades encontradas por esse interlocutor:
• Ajustar os instrumentos, procedimentos metodológicos e recursos à realidade
das demandas dos territórios.
• Priorizar as atividades de animação territorial com as entidades/ONGs
estabelecidas no território.
• Criar comitês/fóruns territoriais: cultura, educação do campo, entre outros.
• Implantar projetos Intermunicipais, como formação de consórcios, por
exemplo.
• Buscar parcerias com as instituições do governo para implantar o projeto de
restruturação fundiária e criação de reservas florestais.
• Implantar projetos com novas matrizes tecnológicas nas áreas de
assentamento e alavancar o desenvolvimento desse setor.
• Fortalecer parcerias com o 3º setor, (ONGs), por exemplo.
• Elaborar planos municipais de apoio à agricultura.
• Criar ações de monitoramento do desenvolvimento rural sustentável nos
municípios pelos conselhos municipais.
113

• Assegurar a ampliação da representação de outros segmentos da sociedade


na organização do território (igrejas, DNOCS, Câmara de Dirigentes Lojistas e
outros).
• Buscar o compromisso dos gestores municipais com a agricultura familiar na
execução dos projetos de infraestrutura.

Além dessas dificuldades, de acordo com o assessor técnico do território,


há de se levar em conta a questão orçamentária, o planejamento de investimentos, a
inexistência de qualificação do quadro técnico das prefeituras e a falta de vontade
política. Nas palavras do assessor técnico,

As dificuldades passam principalmente pela questão orçamentária, nunca


houve orçamento fixo, de custeio, para alugar sala, fazer evento. Quando
tem orçamento é com entidade fora do território. Quanto à questão do
planejamento dos investimentos, perdemos mais de 50% dos recursos que
vieram, recursos que já haviam sido contratados, depois não efetivados.
Estamos com outra leva de projetos que também já está sendo perdida.
Argumenta-se que o motivo é a burocracia da Caixa, o que sabemos que
não é verdade. O corpo técnico das prefeituras é muito deficiente, é falta de
decisão politica e qualificação técnica. Muitas prefeituras estão
inadimplentes e não podem contratar projeto.

Segundo os próprios gestores municipais, houve, nos últimos dez anos, o


crescimento da autonomia no âmbito municipal e da abertura à participação popular
na construção das políticas públicas municipais.
Nota-se, no entanto, que isso faz parte do mesmo discurso de controle
social do Estado, tendo em vista que essa participação é limitada porque, no final
das contas, não são bem as propostas populares que são colocadas em prática,
mas sim aquelas que são convenientes ao Estado. Essa evidência derruba a teoria
da gestão social das políticas públicas, cuja proposta ainda não foi vislumbrada fora
do plano teórico do Estado. A gestão social pretendida pela SDT ainda se constitui
num dos maiores desafios a serem transpostos. Ela é entendida como

[...] um processo amplo e participativo para a gestão de assuntos públicos,


em sua conotação ampla, principalmente políticas de valor social para o
desenvolvimento. Este processo normalmente conduz à formação de
arranjos para-institucionais, que podem evoluir a instituições formalmente
constituídas, onde sejam representados de forma equilibrada os diversos
segmentos sociais e os poderes públicos. Estes arranjos destinam-se a
qualificar políticas públicas através da efetividade, estabelecendo
mecanismos de articulação das mesmas às demandas sociais.
(BRASIL/SDT, 2004, p. 07)
114

Nesse sentido, a gestão social implicaria no compartilhamento de


decisões pelos representantes do poder público municipal, pelos sindicatos de
trabalhadores rurais, pelas associações de trabalhadores e pelas ONGs, devendo os
agentes preparar-se para assumir as responsabilidades que lhes couberem.
Percebe-se que isso não ocorre na prática, a qual se distancia muito do discurso.
Essa gestão social maquia ou esconde o que se define como controle social. Para
Gómez (2006, p. 209),

Em termos de controle social, o que o desenvolvimento territorial rural


evidencia é a ênfase no modelo único, a desconsideração de alternativas
que não se adaptem à acumulação capitalista, a valoração positiva da
construção de uma institucionalidade, que, incorporando supostamente
todos os interesses, em realidade cria uma falsa imagem de interesse
comum e consenso reificado.

Apesar das mensagens de mudança, não se produz, em momento algum,


um questionamento do que significa o desenvolvimento. Outro conceito tratado no
documento de referências para o apoio ao desenvolvimento rural sustentável, que
também ainda se constitui em desafio a ser contornado, é o de empoderamento,
cujo significado usado pela SDT se refere a

[...] formulação e aplicação de marcos e mecanismos legais que permitam o


exercício pleno da participação e da gestão social. Estes mecanismos
devem regulamentar direitos e deveres tanto das representações sociais
formais quanto daquelas que, conjunturalmente, representem interesses de
grupos sociais que procuram expressar suas demandas e vontades. [...] O
empoderamento da sociedade contribui para que as novas
institucionalidades públicas sejam capazes de expressar formas mais
avançadas e democráticas de governança e de governabilidade
democrática, aperfeiçoando as relações vigentes entre o Estado e a
Sociedade, o que implica em uma revisão dos deveres e das obrigações
formalmente instituídas, enfatizando as convergências de interesses que
conduzam à articulação de ações (BRASIL/SDT, 2004, p. 7).

Como se pode perceber, esse empoderamento, definido dentro desses


critérios, está longe de ser alcançado no âmbito das relações territoriais em
Paramoti.
Outro conceito também presente é o de institucionalidade, na tentativa de
integração entre interesses públicos e privados, partindo da ideia de que

Comumente a sociedade civil é mobilizada por interesses próprios, na forma


de grupos constituídos para discutir problemas comuns, de caráter público
ou privado, e encaminhar soluções que, na grande maioria dos casos,
115

envolvem a ação governamental. Estes grupos podem evoluir para formas


estáveis de consulta e deliberação, o que implica na razoável formalização
de estruturas públicas para o exercício de determinados papéis na Gestão
social (BRASIL/SDT, 2004, p. 8).

Discorda-se mais uma vez desse ponto vista porque se sabe que os
interesses de uma classe se sobrepõem aos de outra, visto que o território não é
coeso como a SDT supõe. Cada classe defende em primeiro plano os seus próprios
interesses.
Nesse sentido, a proposta de gestão social também se faz descabida na
medida em que os interesses não são tão comuns como se supõe; não existe
coesão entre eles e há claras diferenças de interesse em âmbito local.
Porém, não só aspectos negativos permeiam essas articulações; há
também ações em que as diferentes instâncias colaboram entre si. Exemplo são as
articulações voltadas à realização das feiras de comercialização, eventos onde foi
possível observar como essas articulações ocorrem localmente. Para a realização
desses eventos articularam-se poder público municipal, estadual, sindicatos e
ONGs, apesar da dificuldade da divisão das responsabilidades entre esses agentes.
A primeira dessas feiras foi realizada em 2008, por iniciativa da ONG
CACTUS, do MST, através da ACACE, do Sindicato dos Trabalhadores e
Trabalhadoras Rurais de Canindé e das prefeituras municipais de Canindé, Paramoti
e Madalena. A segunda realizou-se em dezembro de 2009, a terceira ocorreu em
julho de 2010, e a última em agosto de 2011. É importante destacar que essas feiras
de caráter territorial foram todas realizadas em apenas um município, Canindé. As
fotos 4, 5, 6 e 7, a seguir, mostram agricultores durante a realização das citadas
feiras.
FIGURAS 10 e 11– II e III Feira territorial da agricultura familiar realizada em Canindé, em 2009 e
2010.

Fonte: Arquivo pessoal. NASCIMENTO, Gilda Maria Rodrigues (2009 e 2010).


116

FIGURAS 12 e 13 – IV Feira territorial da agricultura familiar realizada em Canindé, em agosto de


2011.

Fonte: ONG CACTUS (2011).

Essas feiras foram realizadas mediante a articulação dos agentes do


território, com periodicidade anual, o que ainda está muito aquém do desejado pela
maioria daqueles que dela participam.
De acordo com um representante do comitê de organização sustentável
da produção, “[...] cada município tem um calendário para a realização das feiras
municipais”. No entanto, há evidências de que as mesmas têm ocorrido de forma
esporádica. Quando interrogado sobre a regularidade na realização de tais feiras,
um camponês de Paramoti entrevistado nesta investigação disse que “[...] houve
mesmo algumas feiras por aqui, teve mais em Canindé, por aqui mesmo nunca mais
teve não”.
Quanto ao objetivo de tais feiras, “[...] a estratégia é criar as condições
necessárias para que o produtor venda sua produção diretamente ao consumidor
final, sem a figura tão criticada do atravessador” (QUEIROZ, 2009, p. 77). Observa-
se, contudo, que esses eventos não têm caráter regular, o que invalida a sua
eficácia no cumprimento dos objetivos a que se propõem.
O território em análise dispõe de um kit feira, composto por um caminhão
F4000 e 15 barracas, com a finalidade atender a todos os municípios na realização
das feiras urbanas. O convênio foi firmado via prefeitura de Paramoti (todas as
outras estavam inadimplentes junto à União por ocasião da realização do convênio).
Para estimular a comercialização, foi criada a agência de comercialização
do território, com vistas ao apoio à comercialização de produtos da agricultura
familiar.
117

As ações mostram na prática que o cerne da estratégia de


desenvolvimento territorial rural em curso é muito claramente mercadológica, antes
de ter qualquer outra finalidade, como se todos os problemas pudessem ser
resolvidos via mercado.
O acompanhamento das ações efetivadas pela gestão pública não é
simples. Não há meio de verificação fora do campo institucional, visto que os meios
informativos dos ministérios não são acessíveis a todos, e muitas vezes se
apresentam desatualizados.
Os responsáveis por repassar as informações à população são os
assessores técnicos dos territórios e quem está diretamente envolvido nas ações,
mas nem sempre isso é possível devido à já citada deficiência na articulação entre
os agentes do território, comprovada por muitos fatos.
Apesar de toda a propaganda feita em torno do PRONAT, o programa
não é tão eficaz na realidade quanto o é no papel e nos sítios de propaganda dos
ministérios de governo responsáveis por sua execução. Falta informação e sobram
dúvidas principalmente para o público a quem as ações são direcionadas.
Na comparação entre ganhos e perdas, há muito mais desafios que
avanços dentro do que a proposta de desenvolvimento territorial rural assume como
objetivos a serem alcançados em relação à redução da pobreza rural e à promoção
da qualidade de vida.
Observa-se que dentre os limites que a presente estratégia de
desenvolvimento territorial impõe há muitos que não estão explícitos àqueles
responsáveis pela concepção das políticas públicas.
É necessário que o Estado avalie os erros cometidos e repense se vale o
esforço de investir numa estratégia que por si só não se sustenta, na medida em que
se torna vazia de significados e cujas ações se tornam inócuas quando a população
a quem essas ações se destinam não se reconhece e não vê suas necessidades
legitimas refletidas nos planos aplicados sempre hierarquicamente, necessidades
essas que vão muito além da satisfação dos anseios de inserção no mercado.
Essa avaliação também passa pelo reconhecimento da necessidade que
o povo tem de ser ouvido, de ser respeitado em suas diferenças e semelhanças e
limitações. É preciso considerar que cada lugar e cada povo são únicos, condição
que requer políticas que, muito além do foco na dimensão econômica, mediatize
118

condições reais de qualidade de vida e saída para a pobreza generalizada presente


nos pequenos municípios do interior, principalmente na população rural.
Em resumo, pode-se afirmar, confirmando o que as informações e
observações realizadas durante a pesquisa de campo evidenciam, que houve
poucos avanços na articulação política local, tendo em vista a permanência das
dificuldades iniciais do processo de aplicação da estratégia em curso. Tem-se
conseguido, mesmo que timidamente, a participação da gestão pública, porém ela
não tem se dado de maneira efetiva, de modo que a articulação entre os agentes
locais, tal qual foi no início da execução do PRONAT, continua a ser um desafio a
ser superado.
119

5 CONCLUSÕES

O desenvolvimento territorial rural passou a ser considerado pelos


agentes públicos, a partir da primeira década deste século, como uma fórmula
mágica para a superação da pobreza rural. A partir disso e da emergência de novas
concepções do que sejam rural e ruralidade, no início do século XXI – apesar de não
se ter uma concepção clara do que significa de fato o desenvolvimento e de qual
seja o seu custo (ambiental, social e político) – o desenvolvimento territorial rural
continua a ser tratado como a meta a ser alcançada pelas políticas públicas, como
forma de superação das condições de pobreza que historicamente marcam os
municípios brasileiros, em especial os situados no Norte e no Nordeste,
consideradas as regiões economicamente menos dinâmicas do país.
Notou-se, no decorrer do trabalho e pelas leituras realizadas, que existe a
necessidade de esclarecer que o desenvolvimento, ao contrário do que se propaga,
não se dá de fato para o bem de todos, e que há uma conjuntura inerente ao
movimento global do capital que se reinventa e encontra um meio para sua
reprodução ampliada em dimensão local. E isso não se faz com o objetivo de
atender as necessidades das pessoas, mas sim aos interesses que não são
compartilhados por todos aqueles que fazem parte de um território, o que evidencia
a natureza parcial da estratégia de desenvolvimento territorial rural em curso.
O Estado, capitalista, cujos interesses não são neutros e são em sua
maioria implícitos, colabora diretamente com o movimento de ampliação das
possibilidades de ampliação do capital, na medida em que promove o controle
social, colaborando com a reprodução da ordem social, tal qual ela é, e o faz
promovendo homogeneidade de interesses entre os diferentes agentes sociais que
compõem o território.
O território, no contexto dessa conjuntura é visto apenas como o lócus
para essa reprodução ampliada do capital, não mais como o território heurístico
geográfico, mas como o território prático normativo utilizado como um recurso a
serviço dessa ampliação.
Percebe-se que, mediante a legitimação pelo Estado, “certos discursos”
tornam-se os “discursos certos”, que a todo o custo são justificados e nos quais há
um grande esforço em mostrar quanto a estratégia do desenvolvimento territorial é
eficiente na solução dos problemas existentes nos “territórios rurais”, quando na
120

verdade o que se faz é procurar mascarar os fracassos mantendo o controle social


do Estado sobre o povo. Considera-se clara, mas implícita para a sociedade civil em
geral que a dominação de uma classe é substituída pela ideia do interesse geral.
Os discursos não oficiais são obscurecidos pelo brilho do discurso do
“desenvolvimento” e pela sua pretensa universalidade, enquanto se sabe que as
estatísticas usadas para efeito de provas dos acertos são apenas “estatísticas” e
quanto elas são passíveis de equívocos.
Enquanto o Estado procura mostrar resultados positivos da estratégia de
desenvolvimento territorial, a realidade local mostra o contrário, e isso não pode ser
justificado apenas com o discurso de que isso é passageiro, que a situação logo se
modificará.
Diante dos resultados obtidos ao longo da pesquisa mediante
observações realizadas em trabalho de campo, realização de entrevistas, coleta e
análise de dados, participação em reuniões do colegiado territorial, comparação de
diferentes discursos estudados, chega-se à conclusão de que há uma grande
distância entre a teoria e a prática da politica de desenvolvimento territorial rural em
Paramoti, em que o discurso do Estado capitalista tem grande força e poder de
obscurecer a verdade, que se mostra a cada vez que se lança um olhar mais
inquisitivo sobre a realidade.
Há o reconhecimento por parte das instituições responsáveis pela gestão
do PRONAT de que há problemas com a execução do programa, mas do mesmo
modo que os reconhece também os procura esconder, num círculo vicioso de
mudanças de rotas que chegam, porém, ao mesmo lugar. Os caminhos mudam,
mas sempre voltam à tona os velhos problemas. Usam-se estratégias novas e os
mesmos recursos antigos para a resolução desses problemas.
Diz-se que os diferentes caminhos chegam ao mesmo lugar porque o
problema da pobreza rural e a desigualdade social e econômica a que o tal
desenvolvimento se propõe a resolver permanece como um carma, desmentindo
todo o discurso e se revelando a cada vez que se faz uma análise mais cuidadosa
da realidade. Nesse nível de observação, é possível perceber quão contraditórios
são os discursos que embasam a execução das políticas públicas, visto que as
soluções propostas não satisfazem o que é esperado dessas ações.
O foco da política em questão é claramente o mercado, ficando claro que
as questões pobreza, desigualdade social e desenvolvimento não têm solução viável
121

pela variável de mercado, como as têm tratado as políticas de desenvolvimento


rural, tanto as anteriores quanto a recente, posta em prática pelo PRONAT.
Paramoti mostrou quão controversas são as verdades estabelecidas no
discurso desenvolvimentista propagado pelo Estado. Em nível local, nota-se mais
claramente o emaranhado de interesses que não está claro para a população, visto
que ela não tem o empoderamento do que seja de fato o desenvolvimento territorial
rural.
O que foi revelado localmente levou à percepção, na pesquisa, de que o
desenvolvimento que se desenha nos termos de referências do PRONAT ainda não
existe de fato. Evidencia-se que pouca coisa mudou, que as estratégias no final
chegam a um mesmo ponto e que a situação de pobreza que o PRONAT e o PTC
se propõem a resolver persiste claramente.
Essas constatações se deram por meio da análise das variáveis eleitas
para a realização deste trabalho, quais sejam: população, renda, estrutura fundiária,
condição do produtor e educação.
A população mostrou um munícipio com densidade demográfica rural em
constante diminuição e relativa estagnação, evidenciando a saída de população
economicamente ativa em busca de melhores condições de vida em médios centros
urbanos próximos.
A renda ainda se mostrou muito desigual, revelando que não houve
grande variação na proporção de pobres e de pessoas em situação de extrema
pobreza, que o foco no viés econômico não mostrou eficiência em nível local, já que
teoricamente a melhora da renda é um controverso indicativo de redução da pobreza
pelo fato de ele ser estatístico, passível, portanto, de distorções.
Outra evidência da permanência dos velhos problemas foi verificada pela
continuidade da concentração de terra e pelo precário acesso a ela por parte de
muitos camponeses, em que se nota a permanência de um significativo percentual
de arrendatários posseiros e ocupantes, formas de acesso precário à terra.
A única variável em que foi possível observar resultados positivos foi o
índice educacional, que apresentou significativa melhora no interstício de dez anos.
Observaram-se uma redução do percentual de analfabetos e um aumento da
escolaridade da população.
122

O PRONAT em execução mantém muitas das características negativas


de políticas que o antecederam, como por exemplo, a burocracia e os mecanismos
de manutenção de decisões hierárquicas.
Há indefinição do sentido e da eficácia da política de desenvolvimento
territorial rural, não estando claros quais os resultados que se deseja alcançar e qual
é tempo de execução das ações.
Há também indícios notáveis de ineficácia da política de desenvolvimento
territorial, na medida em que em todos os municípios que compõem o Território
Sertões de Canindé há projetos parados, cujos recursos foram repassados, mas não
foram satisfatoriamente investidos, por falta de engajamento do poder público
municipal. Os resultados alcançados, em sua grande maioria, estão aquém dos
propostos nos planos do governo do estado do Ceará.
O empoderamento, presente nos consecutivos planos de
desenvolvimento rural sustentável e solidário (2008 a 2011 e 2012 a 2015), não se
dá de forma efetiva, porque os mecanismos de participação são tão democráticos
quanto os citados planos dizem que eles o são.
Há deficiência na articulação entre as políticas públicas, seja por falta de
comunicação entre as esferas do poder público ou pela falta de engajamento,
advindas das falhas na articulação e nos arranjos organizacionais da sociedade civil.
Permanecem velhas relações de dependência e vínculos tradicionais de
exploração, bem como se mantém uma estrutura que favorece essa dependência:
uma concentração fundiária e condições precárias de acesso à terra, muito embora
os índices educacionais tenham-se apresentado positivos, quando comparados aos
do Censo Demográfico de 2000.
Constata-se a ausência de coerência entre o discurso e a prática em
relação às propostas de inovação do PRONAT e a realidade efetiva dessa política,
pela falta de empoderamento por parte da sociedade civil, o que caba por gerar
incompatibilidade entre demanda e oferta de ações via território, bem como falta de
clareza ou modos de verificação dos resultados.
A análise das variáveis e das entrevistas, em seu conjunto, permitiu
concluir que apenas se renovam os discursos para promover os mesmos fins. O
destino da estratégia de desenvolvimento territorial em curso tende a encaminhar-se
para uma nova estratégia salvadora, em que se continuará a buscar o inalcançável
dentro de um sistema econômico criador e reprodutor de desigualdades, não
123

havendo indícios de que o sistema mudará as regras. Desse modo, tudo continuará
a ser da forma como sempre foi, ou seja, a desigualdade continua a se reproduzir,
com ou sem conflitos.
É necessário também observar de fato se o que o Estado propõe vem ao
encontro das necessidades das pessoas para as quais as políticas se destinam,
visto que boa parte do fracasso associado a elas advém do não engajamento dos
beneficiários.
Diante das constatações observadas, acredita-se ser necessário levantar
alguns questionamentos a respeito da eficácia da politica de desenvolvimento
territorial rural e fazer uma avaliação séria, não pautada somente em critérios
estatísticos, mas em critérios qualitativos que reflitam a realidade tal qual ela se
apresenta. Assim, pode-se apontar a eficácia ou não dos resultados e avaliar o seu
alcance, e perceber se há de fato benefícios e se esses benefícios cobrem os
custos.
Para a pesquisa, alguns questionamentos permaneceram sem respostas:
que mecanismos ou estratégias podem ser usados para levar ao empoderamento da
sociedade civil em relação a políticas públicas? Como o Estado pode colaborar ou
promover políticas públicas mais justas e eficientes voltadas aos territórios rurais? O
território é de fato a unidade ideal para a aplicação de políticas públicas? O que é
necessário ser feito para que se promova o direito às diferenças para que elas
possam ser respeitadas, em prol da promoção da qualidade de vida?
124

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ANEXOS

.
132

ANEXO 01 - Localização dos Territórios Rurais e Territórios da Cidadania no Estado do Ceará


133

ANEXO 02 - Espacialização dos assentamentos vinculados ao governo federal no Estado do Ceará

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