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FORTALEZA
2013
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FORTALEZA
2013
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4
AGRADECIMENTOS
“O cientista deve, pois, envolver-se na luta pelo equilíbrio de poder nos vários
contextos de aplicação e, para isso, terá de tomar o partido daqueles que têm
menos poder” (Santos, 1989).
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RESUMO
ABSTRACT
The National Program for Sustainable Development of Rural Territories (PRONAT)
came into force in 2003, in the Luiz Inácio Lula da Silva’s first administration. The
program aims to promote and support initiatives of the institutions of rural areas and
the sustainable increase in the levels of standard of living in the rural population. Our
research proposal aims to demonstrate the inconsistencies between the theory and
practice of territorial rural development program in context. And as specific purpose,
we seek to know how the articulation between local social agents works in the
implementation of this program and explain how this fits into a larger logic, which is to
attend new forms of accumulation of capital focused on the territory. We have chosen
as the study area Paramoti-Ce in the backwoods of Canindé, territory approved in
May 2004. As methodological procedures through which we seek to know the
contradictions of development in the municipality studied, we performed literature
search based on authors who have been dedicated to understand the controversies
of development over the past five decades. We conduct research in Agricultural and
Demographic Censuses of the Brazilian Institute of geography and statistics (IBGE)
as well as consulting the public organs IDACE, followed by INCRA and field research
with semi-structured interviews. Through the results obtained, we can conclude that
the improvement of the quality of life program is not yet intended reality. The
participation of social agents in the development, consolidation, and management of
this program has presented incoherence between the proposal and what it seeks.
The program is carried out partially, where the management of the municipalities has
no clear understanding of the territory as a unit of management of public policies.
The political institutional articulation program is still faulty, there is no effective
involvement of social agents, the Municipal Councils should collaborate in promoting
local social agents integration in decision, for the most part has not worked. And this
has hampered the inclusion of popular participation in the construction and
management of rural territorial development policies.
LISTA DE QUADROS
LISTA DE TABELAS
Tabela 01: Ceará, Nordeste e Brasil - Índice Gini de concentração de terras... ....... 46
Tabela 02: Ceará - Número de estabelecimentos agropecuários segundo a condição
do produtor ................................................................................................................ 47
Tabela 03: Ceará - Área dos estabelecimentos agropecuários segundo a condição
do produtor ................................................................................................................ 48
Tabela 04: Ceará - Estabelecimentos agropecuários segundo grupos de área total :
1996 e 2006 .............................................................................................................. 51
Tabela 05: Produto interno Bruto, PIB per capita, taxa de crescimento percentual e
participação do Ceará no PIB nacional ..................................................................... 52
Tabela 06: Brasil - Despesas dos orçamentos fiscais do Ministério da Agricultura
Pecuária e Abastecimento e Ministério do Desenvolvimento Agrário período 2002 a
2012 .......................................................................................................................... 61
Tabela 07: Território Sertões de Canindé - número e área dos assentamentos
federais por município ............................................................................................... 65
Tabela 08: Sertões de Canindé - número e área dos estabelecimentos
agropecuários............................................................................................................ 69
Tabela 09: Sertões de Canindé - Percentual da área dos estabelecimentos segundo
grupo de área total .................................................................................................... 70
Tabela 10: Paramoti - População urbana e rural - 1991 a 2010 ............................... 74
Tabela 11: Paramoti - Número de famílias atendidas pelo Programa Bolsa Família
de 2004 a 2012 ......................................................................................................... 76
Tabela 12: Ceará e Paramoti - Renda média per capita e proporção de pobres –
2000 .......................................................................................................................... 76
Tabela 13: Ceará e Paramoti - Percentual de pessoas na situação de extrema
pobreza – 2010 ......................................................................................................... 77
Tabela 14: Paramoti: PIB por setor da economia 2004 e 2008................................. 78
9
Tabela 15: Paramoti - Número e área dos imóveis rurais por categoria - 2003 ........ 79
Tabela 16: Paramoti - Número e área dos imóveis rurais por categoria - 2012 ........ 79
Tabela 17: Paramoti - Variação do número de imóveis rurais por categoria 2003 a
2012 .......................................................................................................................... 80
Tabela 18: Paramoti - Percentual da área ocupada segundo a categoria de imóveis
.................................................................................................................................. 80
Tabela 19: Paramoti - Número de estabelecimentos agropecuários segundo a
condição do produtor - 1996 e 2006.......................................................................... 82
Tabela 20: Paramoti - Área dos estabelecimentos agropecuários segundo a
condição d produtor - 1996 e 2006............................................................................ 83
Tabela 21: Paramoti - Área plantada com lavoura temporária - 2005 e 2011.... ....... 83
Tabela 22: Paramoti - Área plantada com lavouras permanentes 2004 e 2011. ...... 84
LISTA DE GRÁFICOS
LISTA DE FIGURAS
LISTA DE SIGLAS
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 13
5 CONCLUSÕES ...................................................................................................119
7 ANEXOS .............................................................................................................131
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1 INTRODUÇÃO
foi averiguar como as ações do referido programa têm sido executadas localmente e
como tem se dado a articulação dos agentes sociais do território envolvidos em sua
execução.
Salienta-se que a contribuição da pesquisa se dá no sentido de fornecer
uma crítica baseada em resultados qualitativos em nível local. O esperado é que o
estudo possa servir de subsídio aos agentes públicos, para levá-los a perceber a
necessidade de sair do campo da abstração e a entender que a teoria não se molda
à realidade, e nem a ela se encaixa, visto que a coesão de interesses e de
identidade idealizada não existe e nunca existirá.
Compreender isso se faz necessário para que as próximas políticas
específicas para o campo possam ser pensadas e executadas respeitando e
valorizando as diferenças inerentes a cada território, considerando também a
correlação de forças desiguais que permeiam cada um deles e a dimensão
geográfica desses espaços em suas concepções e relações locais.
As questões que levaram a esta análise, a respeito do desenvolvimento
como um discurso contraditório à sua prática, surgiram durante o trabalho de
assessoria técnica desenvolvido no decorrer do ano de 2010, no Território Sertões
de Canindé, quando se observou a falta de efetividade e de coerência das ações do
Estado, bem como a sua omissão em relação à população do campo nesse
território.
Em atividade profissional, depara-se com pessoas vivendo no campo em
situação de extrema pobreza e constata-se a falta de resultados das ações
implementadas pelo Estado ao longo do tempo, visto que esse é um problema
antigo, que as políticas paliativas, assistencialistas, não tiveram interesse de
resolver.
Questionava-se sobre as razões pelas quais a situação dessas pessoas,
as relações de trabalho e as condições de acesso à terra continuavam tão precárias,
ao mesmo tempo que se perguntava por que as relações de dependência se
perpetuavam, em virtude da condição de pobreza da população.
Essa realidade evidencia a incoerência das propostas contidas nos
diferentes planos de governo das últimas duas décadas, cujos resultados não
condizem com o que o Estado planeja para as políticas públicas historicamente
executadas no campo cearense.
15
Diante de tal limitação, a opção foi reduzir tanto a área da pesquisa, de seis
municípios para apenas um município, quanto as variáveis, reduzidas de oito para
quatro.
A escolha do município de Paramoti como local de análise da ação do
PRONAT baseou-se em critérios em função das seguintes características locais:
menor área territorial em relação aos demais municípios; população rural
numericamente superior à urbana; pouca expressividade das áreas de
assentamento no município.
O trabalho está organizado nesta introdução e três capítulos, com
subdivisões. No primeiro capítulo, situou-se o objeto de estudo, mostrando em que
contexto foi instituída a política de desenvolvimento territorial rural. Em seguida,
apresentou-se a forma como a questão agrária se mostra na atualidade e de que
maneira se dá a ligação entre ela e o desenvolvimento rural no Brasil na última
década. Foram expostas as diferentes concepções dessa questão e a conjuntura
socioeconômica na qual as políticas institucionais incorporam o território como lócus
de ação, com o discurso que supõe a superação dos problemas estruturais e as
desigualdades que historicamente têm marcado o campo brasileiro.
No segundo capítulo, foi mostrado sucintamente como se consolidou, ao
longo da história, o atual espaço agrário cearense, apontando de forma rápida como
se processaram as mudanças nesse espaço até chegar à atual configuração, para
se incluir na atual política de desenvolvimento territorial.
Mostrou-se também como o estado do Ceará se insere no atual contexto
da política de desenvolvimento territorial rural. O capítulo foi finalizado com uma
breve caracterização do território no qual está inserida a área de estudo, seguida
das principais características socioeconômicas do município de Paramoti.
No terceiro e último capítulo, apontaram-se os contrapontos entre o
discurso e a prática do PRONAT em Paramoti, desvendando a diferença existente
entre os discursos institucionalizados do desenvolvimento territorial rural e a
realidade local e mostrando também as particularidades e as contradições que
permeiam as relações entre os diferentes agentes sociais locais.
Expôs-se, ainda, o desafio do desenvolvimento territorial sob o ponto de
vista dos agentes sociais locais, fazendo um contraponto entre as propostas dos
documentos oficiais e a realidade local e analisando como tal política tem incutido
19
nos agentes locais a ideia falsa de que os problemas vivenciados por eles podem
ser resolvidos via mercado.
Finalizou-se o trabalho com a apresentação das conclusões acerca dos
resultados apreendidos na análise dos nove anos da execução do PRONAT, e dos
seis anos de vigência do programa em Paramoti. Foram colocadas também algumas
questões que permanecem sem respostas na presente pesquisa e que deverão ser
respondidas em pesquisas futuras.
20
1
Entre os trabalhos que trazem um panorama da questão agrária brasileira no século XX e início do
século XXI, destacamos os seguintes: SILVA, José Graziano da. O que é questão agrária (2007);
STÉDILE, João Pedro, et al. A Questão agrária no Brasil (1997); MARTINS, José de Souza. Os
camponeses e a política no Brasil (1981); MARTINS, José de Souza. Reforma Agrária: impossível
diálogo (2000); OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. O modo de produção capitalista, agricultura e
reforma agrária (2007).
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A força com que a questão agrária brasileira ressurge hoje não advém
apenas da maior liberdade com que podemos discuti-la. Mas também do fato
de que ela vem sendo agravada pelo modo como têm se expandido as
relações capitalistas de produção no campo.
2
Campesinato aqui entendido na concepção de Oliveira (1991) e Martins (1981), que interpretam o
campesinato enquanto classe social relacionada a um modo de vida que se fundamenta no uso da
terra e da mão de obra familiar como elementos fundamentais à reprodução material dos meios de
vida.
23
perceber, nos diferentes momentos e nos ajustes feitos, a preocupação com o viés
econômico, interesse primordial do capital.
Diante das necessidades impostas por essa nova realidade desenhada no
lumiar do século XXI, existe a necessidade de reajuste dos paradigmas do
desenvolvimento, cujo real objetivo é adequar o território à reprodução ampliada do
capital em nível local, e é nesse momento que o desenvolvimento rural passa a
incorporar um enfoque novo, o territorial, mas dentro da perspectiva do velho
discurso do desenvolvimento econômico.
“teórica” participação coletiva dos sujeitos sociais locais. Suas ações indicam
apenas novas estratégias de controle e agregação das economias locais pelo capital
globalizado, objetivo reelaborado nas diferentes abordagens feitas em torno do
desenvolvimento.
[...] reflete essa dupla influência: por um lado, uma intenção democratizante
do desenvolvimento do país e de redução das desigualdades existentes
entre e em suas diferentes regiões e, por outro, uma busca de
reordenamento territorial a partir de um Estado nacional para o qual se
pretendia, na época, reduzir a capacidade de intervenção e de formulação
de estratégias de desenvolvimento nacional.
[...] isso sugere uma ação centrada em critérios técnicos para promover o
desenvolvimento rural através de políticas para beneficiar grupos
classificados segundo tipologias referidas a critérios meramente
econômicos: agricultor integrado, intermediário e periférico.
3
A utilização dessa categoria analítica nesse caso se contrapõe à abordagem tradicionalmente
utilizada: agricultura de subsistência, pequena produção e campesinato.
34
reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo a sua função social,
mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, resgatáveis no
prazo de até vinte anos” (BRASIL, 2000, p. 109).
Nesse sentido, a reforma agrária mediada pelo mercado, executada
durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, beneficiou, sobretudo grandes
proprietários endividados, que receberam por suas terras o valor pago à vista a
preço de mercado, modo que diferia completamente da forma de pagamento
efetuada pelo instrumento de desapropriação, cujo pagamento da terra é feito em
Títulos da Dívida Agrária (TDA), com prazos estabelecidos para resgate (de até 20
anos).
Programas posteriores ao Novo Mundo Rural, no decorrer do primeiro e
do segundo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003 a 2010), seguem
praticamente a mesma estratégia do seu antecessor, com poucas alterações
significativas, não havendo de fato rompimento, porque as políticas públicas não
apresentaram um verdadeiro distanciamento daquelas que estavam em curso.
Observa-se essa continuidade comparando os objetivos e as diretrizes
dos programas de desenvolvimento rural executados nas duas últimas décadas,
Agricultura Familiar, Reforma Agrária e Desenvolvimento Local para um Novo
Mundo Rural e Programa Nacional de Desenvolvimento dos Territórios Rurais,
mostrados no Quadro 1, a seguir.
36
4
A matriz de ações é composta pelo detalhamento de ações a serem desenvolvidas em cada
território, em cada um dos três eixos: produtivo, cidadania e infraestrutura. O detalhamento é feito
pelos órgãos federais que participam do programa (22 ministérios, coordenados pela Casa Civil).
39
[...] apontam o território como ponto de apoio e converge uma nova forma
de entender e implementar as políticas de desenvolvimento. Território se
considera o território da identidade e do projeto compartilhado – um território
de consenso, ou melhor, ainda, do conflito negociado que acaba em
consenso entre os múltiplos agentes públicos e privados porque existiria
uma identidade comum capaz de impulsionar um projeto de
desenvolvimento que comtemple os interesses de todos, ou, no mínimo da
maioria. Um território que, desativado de conflitos estruturais próprios da
sociedade capitalista, serviria como base para a elaboração e
implementação de políticas públicas. Isso na teoria e no discurso (GÓMEZ,
2007, p. 51).
[...] induz à elaboração de políticas públicas para o meio rural que tomam o
território como simples depositário da intervenção, como receptor de uma
ação mais bem direcionada, já que agora se conheceria melhor onde se
localiza, graças aos indicadores utilizados, o “verdadeiro” meio rural. Mero
receptor, porque o território definido a partir da densidade demográfica não
é um território carregado de interações homem meio, porque perde a
miríade de relações entre a sociedade e a natureza, não considera que o
território está no cerne da dinâmica social.
Nesse sentido, fica claro que a normatização dos conceitos para fins
práticos não necessariamente leva a uma delimitação conceitual que possa ser
facilmente compreendida, pois essa interpretação do MDA rompe com os limites
teóricos que definem e sustentam o conceito que é, por natureza, geográfico.
Shneider (2004, p. 107) levanta uma questão que se considera
importante, no que diz respeito ao uso normativo do conceito de território, para este
autor
Ainda para esse autor, cabe aos usuários explicitar em que sentido eles
recorrem ao território, se conceitual ou normativo ou ambos ao mesmo tempo. A
insuficiência do debate sobre tais limitações do uso normativo do território mostra,
42
5
O Gini é uma medida de concentração ou desigualdade, utilizada para medir o grau de
concentração de qualquer distribuição estatística, tais como renda e posse de terra. Consiste em um
número entre 0 e 1, em que 0 corresponde a completa igualdade e 1 a completa desigualdade.
46
TABELA 1 – Ceará, Nordeste e Brasil: Índice Gini de concentração de terras (1985 a 2006)
1985 1996 2006
Ceará 0,815 0,845 0,861
Nordeste 0,869 0,859 0,852
Brasil 0,857 0,856 0,872
Fonte: IBGE, Censo Agropecuário (1985, 1996 e 2006). Organização da autora.
Os dados mostram que nas duas últimas décadas não houve mudanças
significativas na estrutura fundiária do Ceará, o que é considerado por alguns
pesquisadores (Sampaio, 1991; Alencar, 2005) como entrave ao seu
desenvolvimento, visto que a concentração de terras mantém relações de trabalho
marcadas por relações sociais de produção ainda arcaicas.
Além dos citados fatores estruturais, tem-se também aqueles de ordem
geoambiental, visto que a maior parte do território cearense encontra-se no domínio
climático do semiárido, que abrange 92% do território. Tem-se, ainda, como
agravante, o seguinte componente nas políticas públicas:
TABELA 4 – Ceará: Estabelecimentos agropecuários segundo grupos de área total (1996 e 2006)
1996 2006
Grupos de área Número de % Número de %
Estabelecimentos Estabelecimentos
Menos de 1 a 10 245.312 72,3% 257.459 75,4%
10 a menos de 100 76.199 22,5% 68.510 20,1%
100 a menos de 1000 16.871 5,0% 14.828 4,3%
1000 e mais 835 0,2% 682 0,2%
Total 339.217 100,0% 341.479 100,0%
Fonte: IBGE, Censo Agropecuário, 1996, Ceará nº 9/Sistema IBGE de Recuperação Automática
(SIDRA, 2006). Organização da autora.
TABELA 5 – Produto Interno Bruto (PIB) per capita, taxa de crescimento percentual e participação
percentual do Ceará no PIB nacional.
territorial, quando o espaço cearense passou a ser desenhado com os rastros das
boiadas.
O segundo momento ocorre no final do século XIX e início do século XX,
quando o espaço da pecuária é dividido com o da cotonicultura, essa última
responsável pela instalação de novas infraestruturas que viabilizaram uma mais
adequada arquitetura geográfica e socioeconômica do espaço cearense.
O terceiro momento acontece quando a conjuntura econômica favorece o
início do processo de industrialização, a partir do algodão, criando os primeiros
parques industriais no estado.
O quarto e último momento, sobretudo a partir da década de 1990,
distingue-se pela expansão das políticas neoliberais caracterizadas pelo amplo
investimento nas atividades modernas, distribuídas nos eixos das políticas
territoriais. Ainda de acordo com Lima (2011, p. 65),
do capital, uma vez que é também capitalista. Isso ocorre por meio da construção de
infraestrutura e de estratégias para atender as demandas surgidas a partir da nova
ordem.
Assim, entre os anos de 1970 e 1990, foi criada uma infraestrutura e
colocados em operação sistemas técnicos especificamente para a expansão do
agronegócio não só no estado do Ceará, mas também em toda a região Nordeste. A
criação dos perímetros irrigados faz parte dessa ampliação das possibilidades do
crescimento econômico. Fortalecia-se a teoria desenvolvimentista, a partir da criação
de polos capazes de gerar o crescimento e o desenvolvimento desejados.
reúne um conjunto de características que lhe são peculiares, em que, de acordo com
Marques (2008 p. 59), há “[...] uma organização da produção baseada no trabalho
familiar e no uso como valor”.
Dentro dessas prerrogativas que norteiam as atuais políticas públicas de
desenvolvimento rural no Ceará, no sentido de orientar a promoção do
desenvolvimento rural “sustentável”, o governo do estado, na primeira gestão de Cid
Ferreira Gomes, lançou, em 2008, o Plano de Desenvolvimento Rural Sustentável e
Solidário (PDRSS), cujas metas principais para o período 2008 a 2011 vão
relacionadas a seguir:
6
A política de desenvolvimento rural no Brasil está a cargo de dois ministérios: MAPA e MDA, em
que o primeiro é responsável pela política agrícola, conduz a política de apoio à agricultura
empresarial, representada essencialmente pela oferta de crédito oficial para os médios e grandes
produtores a taxas de juros inferiores às vigentes no mercado financeiro. O segundo é responsável
pela condução da política de assentamentos rurais e do Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar (HESPANHOL, 2007, p. 276).
62
TABELA 7 – Território Sertões de Canindé: Número de assentamentos rurais federais por município
(2010)
7
Para o INCRA (1993), imóvel rural é interpretado como unidade jurídica fiscal, utilizado para fins de
tributação. Considera-se imóvel rural “prédio rústico de área contínua, qualquer que seja a sua
localização, que se destine à exploração extrativa, agrícola pecuária ou agroindustrial, quer através
de planos públicos de valorização, quer através de iniciativa privada”.
Paramoti possui uma área de 482,65 km², é o menor dos municípios dos
Sertões de Canindé, em área territorial, estando a 93 km da capital do Ceará.
Localiza-se na zona norte do estado, sob as coordenadas geográficas: latitude sul,
40°05’49” “e longitude oeste 39°14’22” (IPECE, 2010). Veja-se localização na figura
3 a seguir.
.
73
TABELA 11 – Paramoti: Número de famílias atendidas pelo programa Bolsa Família (2004 a 2012)
Período Número de beneficiários Valores repassados
2004 2.175 R$ 1.533.090,00
2006 2.444 R$ 1.719.654,50
2008 2.072 R$ 1.975.995,00
2010 1.942 R$ 2.242.508,00
2012 2.190 R$ 2.528.136,00
Fonte: http://www.portaldatransparencia.gov.br/ Acesso em 03 dez. 2012.
TABELA 12 – Ceará e Paramoti: Renda média per capita e proporção de pobres (2000)
2000
Renda per capita Proporção de pobres (%)
Paramoti 57,62 66,52
Ceará 156,24 54,44
Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil (2000). Organização da autora.
Nota: Salário mínimo de julho de 2000: R$ 151,00.
igual ao ano 2000, continuando superior à média apresentada pelo estado do Ceará,
de 17,78%. Evidencia-se que a maior concentração da população extremamente
pobre encontra-se na zona rural, correspondente a 43,43%, quando na zona urbana
essa proporção é de apenas 25,29%, como mostra a Tabela 13, abaixo.
TABELA 15 – Paramoti: Número e área dos imóveis rurais por categoria (2003)
TABELA 16 – Paramoti: Número e área dos imóveis rurais por categoria (2012)
% %
Imóveis por categoria Número Área
Número Área
Menor que um módulo fiscal 327 7.723,97 60,7% 18,1%
Pequena propriedade 174 15.915,63 32,3% 37,4%
Média propriedade 32 10.028,55 5,9% 23,6%
Grande propriedade 6 8.893,42 1,1% 20,9%
Total 539 42.561,57 100,0% 100,0%
Fonte: INCRA-CE SR 02/CE, (2012). Setor de ordenamento fundiário. Cálculo e organização:
NASCIMENTO, Gilda Maria Rodrigues, (2012).
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TABELA 17 – Paramoti: Variação do número dos imóveis rurais por categoria (2003 e 2012)
Percentual do número de imóveis por categoria
Categoria de imóveis
2003 2012
Menor que um módulo fiscal 57,0% 60,7%
Pequena propriedade 37,5% 32,3%
Média propriedade 3,9% 5,9%
Grande propriedade 1,6% 1,1%
Fonte: INCRA/DF/DFC/NEEC/2003 – INCRA-CE (SR 02), Setor de ordenamento fundiário (2012).
Cálculo e organização: NASCIMENTO, Gilda Maria Rodrigues, (2012).
8
Proprietário – Condição do produtor que explora terras próprias.
Arrendatário – Condição do produtor que toma as terras do estabelecimento em arrendamento,
mediante o pagamento de quantia fixa em dinheiro ou sua equivalência em produtos ou prestação
de serviços.
Ocupante – Condição do produtor que explora terras públicas, devolutas ou de terceiros (com ou
sem consentimento do proprietário), nada pagando ao produtor pelo seu uso.
Parceiro – Condição do produtor que explora o estabelecimento de terceiros em regime de parceria,
mediante contrato verbal ou escrito do qual resulta a obrigação de pagamento, ao proprietário, de
um percentual da produção obtida.
82
20,0%
10,0%
8,2% 8,0%
2,9%
0,0% 0,1%
0,0%
Proprietário Assentado Arrendatário Parceiro Ocupante
1996 2006
[...] O território só será possível se tiver força política e força social, caso
contrário ele só existe na cabeça dos teóricos para fazer metas para o MDA,
aqui na base a discussão ainda é muito fraca, não vemos concretude nas
ações territoriais (Gerente local da EMATERCE).
Percebe-se, por parte até mesmo de quem está envolvido com a gestão
do programa no âmbito do município, certa dificuldade em compreender o seu
funcionamento. Somente aqueles que participam efetivamente do colegiado
territorial têm relativa clareza do que seja de fato a estratégia de desenvolvimento
territorial rural em nível local.
Por tal motivo, não há mesmo de fato interesse em que as pessoas em
geral participem dos processos decisórios, pois assim fica mais fácil fingir que os
conflitos não existem. E tudo se encaminha conforme o planejado. E é essa a
concepção que os gestores públicos têm do programa, conforme afirmou um agente
da gestão pública municipal: “as nossas parcerias com a sociedade civil têm sido
exitosas”. Para esses gestores, a participação popular é descartável, porque eles se
sentem em condições de decidir pela população. A participação da sociedade civil
ainda é um dos principais desafios, segundo depoimento do assessor técnico do
Território Sertões de Canindé.
O mesmo agente entrevistado ainda atribui essa não participação à falta
de interesse e mesmo de conhecimento por parte da sociedade civil, o que foi
observado em algumas reuniões do colegiado das quais se participou durante a
pesquisa. Acredita-se que não seja esse o principal fator. Há outros elementos que
fazem com que essa participação seja muito aquém da ideal, há muito mais ideias
por trás disso tudo, existe a ação sutil do Estado colaborando para a reprodução da
ordem social dominante.
A participação de fato é desestimulada, visto que as discussões são feitas
no âmbito dos interesses dos gestores públicos, interesses esses em grande parte
diferentes dos compartilhados pelos movimentos sociais e pela sociedade civil.
Esse consenso acaba não sendo tão verdadeiro quanto ele se propõe a
ser; de fato, não se trata de consenso verdadeiro, mas sim do consenso adequado.
Um de nossos entrevistados, agente do poder público municipal, secretário de
infraestrutura do município, durante reuniões do colegiado, afirma: “A SDT já traz
pronta a informação e a linha de discussão que se deve seguir, para evitar trabalhar
uma discussão perdida”. Tem-se a impressão de que as propostas não são
construídas coletivamente; elas são de certa maneira impostas ou “sugeridas”, com
vistas a atender determinados interesses, os quais no final das contas não batem
com os da coletividade.
93
20%
40%
40%
Total 110 9 6 -
Fonte: Colegiados em rede. Ficha perfil do colegiado. www.sge..mda.gov.br. Acesso em 20 de maio 2012.
100
de forma que não se pode afirmar que haja coesão de interesses dentro dos
espaços coletivos de decisão.
De acordo com um dos membros do sindicato dos trabalhadores rurais no
colegiado territorial, que é também presidente de associação de moradores de um
assentamento rural, o que ocorre é falta de interesse na participação desses
moradores ou é mesmo desorganização:
Quando nos chamam para alguma reunião, o que não ocorre com
frequência, é sempre em cima da hora, e a gente não tem como ir participar,
e muitas vezes que participamos não temos conhecimento antecipado da
pauta, daí nem podemos formular questionamentos.
diferentes enfoques não foram realmente capazes de promover efetiva melhora nas
condições de vida da população.
Isso vem mostrar na prática o que destacou Gomez (2006), quando ele
enfatiza a distância entre discurso e prática da estratégia de desenvolvimento
territorial rural: “[...] nos deparamos com um discurso que está muito longe do que
consegue alcançar. Até mesmo porque seu ponto de partida, na verdade, não lhe
permite atingir o que se propõe” (GÓMEZ, 2006, p. 203).
O principal elemento do discurso, a coesão de interesses e a articulação
entre os diferentes agentes na execução das ações propostas pelas políticas
públicas no Território Sertões de Canindé, não se constata na prática, havendo erros
de comunicação entre as diferentes esferas da gestão pública quanto à
responsabilidade de cada uma das esferas de governo. Diante disso, denota-se uma
série de desafios para o alcance da efetividade do desenvolvimento territorial.
[...] o corpo técnico das prefeituras é muito deficiente, falta decisão política e
qualificação técnica; as duas coisas têm que andar juntas, a qualificação do
quadro técnico e decisão política do gestor, e isso aqui é muito fragilizado.
O milho subsidiado comprado pelo estado era pra ter chegado em Paramoti
em maio, chegou agora em novembro, todos os produtores pobres já
venderam seus animais pela metade do preço, geralmente para os grandes.
O caminhão da CONAB só vem até aqui, à sede, e quem não tem carro não
tem como vir buscar o produto e no fim das contas fica sem nada; é triste,
mas essa é a verdade.
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entre elas. Nem mesmo há coesão entre os próprios associados, o que vem mostrar
a desarticulação existente dentro das próprias organizações da sociedade civil.
É válido ressaltar que grande parte dessas associações foi criada a partir
da execução do PRONAF infraestrutura, em 1997, programa a princípio contratado
pela prefeitura municipal, através do CMDS, estabelecendo como critério que os
beneficiários estivessem organizados em associações, segundo informou um dos
membros do CMDS. Isso denota que essas associações não surgem de demanda
espontânea partida do interior da sociedade civil, mas, sim, de exigências externas.
O próprio CMDS só foi criado mediante a exigência, para a inclusão do
município no PRONAF infraestrutura, criado em 1996, de que o programa só poderia
ser conveniado via prefeitura; era um critério para a realização do convênio de
projetos de infraestrutura para o município.
Os demais conselhos municipais também foram criados mediante o
estabelecimento de critérios para a inclusão do município em políticas públicas,
embora as exigências não funcionem, segundo afirmou o secretário de educação do
município: “Estes conselhos criados praticamente à força, de nada servem, quase
todos são inoperantes, não adianta maquiar, o povo não participa”. De acordo com o
secretário de infraestrutura, que também é membro do CMDS:
nos espaços coletivos de decisão, através dos quais esses sujeitos possam fazer
suas reinvindicações, dar visibilidade às suas próprias demandas, informar-se, fazer
opções e propostas a respeito das políticas públicas aplicadas em nível local, que
interferem diretamente em suas vidas, e, quando necessário, assumir também as
responsabilidades que lhes cabem. Isso depende diretamente dos processos de
articulação política local.
Discorda-se mais uma vez desse ponto vista porque se sabe que os
interesses de uma classe se sobrepõem aos de outra, visto que o território não é
coeso como a SDT supõe. Cada classe defende em primeiro plano os seus próprios
interesses.
Nesse sentido, a proposta de gestão social também se faz descabida na
medida em que os interesses não são tão comuns como se supõe; não existe
coesão entre eles e há claras diferenças de interesse em âmbito local.
Porém, não só aspectos negativos permeiam essas articulações; há
também ações em que as diferentes instâncias colaboram entre si. Exemplo são as
articulações voltadas à realização das feiras de comercialização, eventos onde foi
possível observar como essas articulações ocorrem localmente. Para a realização
desses eventos articularam-se poder público municipal, estadual, sindicatos e
ONGs, apesar da dificuldade da divisão das responsabilidades entre esses agentes.
A primeira dessas feiras foi realizada em 2008, por iniciativa da ONG
CACTUS, do MST, através da ACACE, do Sindicato dos Trabalhadores e
Trabalhadoras Rurais de Canindé e das prefeituras municipais de Canindé, Paramoti
e Madalena. A segunda realizou-se em dezembro de 2009, a terceira ocorreu em
julho de 2010, e a última em agosto de 2011. É importante destacar que essas feiras
de caráter territorial foram todas realizadas em apenas um município, Canindé. As
fotos 4, 5, 6 e 7, a seguir, mostram agricultores durante a realização das citadas
feiras.
FIGURAS 10 e 11– II e III Feira territorial da agricultura familiar realizada em Canindé, em 2009 e
2010.
5 CONCLUSÕES
havendo indícios de que o sistema mudará as regras. Desse modo, tudo continuará
a ser da forma como sempre foi, ou seja, a desigualdade continua a se reproduzir,
com ou sem conflitos.
É necessário também observar de fato se o que o Estado propõe vem ao
encontro das necessidades das pessoas para as quais as políticas se destinam,
visto que boa parte do fracasso associado a elas advém do não engajamento dos
beneficiários.
Diante das constatações observadas, acredita-se ser necessário levantar
alguns questionamentos a respeito da eficácia da politica de desenvolvimento
territorial rural e fazer uma avaliação séria, não pautada somente em critérios
estatísticos, mas em critérios qualitativos que reflitam a realidade tal qual ela se
apresenta. Assim, pode-se apontar a eficácia ou não dos resultados e avaliar o seu
alcance, e perceber se há de fato benefícios e se esses benefícios cobrem os
custos.
Para a pesquisa, alguns questionamentos permaneceram sem respostas:
que mecanismos ou estratégias podem ser usados para levar ao empoderamento da
sociedade civil em relação a políticas públicas? Como o Estado pode colaborar ou
promover políticas públicas mais justas e eficientes voltadas aos territórios rurais? O
território é de fato a unidade ideal para a aplicação de políticas públicas? O que é
necessário ser feito para que se promova o direito às diferenças para que elas
possam ser respeitadas, em prol da promoção da qualidade de vida?
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ANEXOS
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