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André Langer

RACIONALIDADE ECONÔMICA, TRABALHO E ECOLOGIA

DOSSIÊ
EM ANDRÉ GORZ

André Langer*

O presente artigo tem por objetivo apresentar a análise crítica de André Gorz sobre o trabalho e a ecologia
política a partir da centralidade que o conceito de racionalidade econômica no capitalismo adquire em
seu pensamento. Para ele, a extensão ilimitada da racionalidade econômica ao trabalho e à natureza é
considerada sem futuro do ponto de vista da sociedade. Gorz reconhece a íntima relação entre a crítica do
capitalismo e a tarefa da ecologia política. Outro aspecto presente em sua obra, menos explorado, é a relação
entre trabalho e crise ecológica. O capitalismo apropria-se do trabalho ou emprego não apenas para os seus
interesses, mas também os transforma em instrumentos de destruição da natureza. Este paper objetiva tam-
bém, fiel ao espírito do próprio Gorz, embora de maneira sucinta, indicar alguns horizontes alternativos.
Palavras-chave: Gorz. Racionalidade econômica. Trabalho. Ecologia política. Capitalismo.

“Nós sabemos que o nosso modo de por um sistema (o capitalismo), que privilegia
vida não tem futuro” (Gorz, 1978, p. 18). Essa uma determinada racionalidade (econômica,
sentença sobre a nossa civilização não foi pro- instrumental), com vistas a um optimum: a
nunciada ontem, mas em meados da década de obtenção do máximo de lucro. O resultado é
70 do século passado. Ela revela uma análise um círculo vicioso que implica a dominação
aguda do nosso modo de produzir e de con- da natureza e a exploração humana através da
sumir, que moldou um estilo de vida e está técnica e do trabalho.
se mostrando sem futuro. De lá para cá, ela, Por isso, na perspectiva de Gorz, a su-
infelizmente, não apenas não foi desmentida, peração da presente crise só se dá pela críti-
como está sendo confirmada pelas subsequen- ca da racionalidade econômica, ou seja, pela
tes pesquisas e pela observação de fenômenos crítica do capitalismo e do trabalho. Quanto a

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naturais e sociais. esse aspecto, o autor é considerado um pionei-
O Relatório do IPCC (Painel Intergo- ro, por vincular uma crítica à outra. É preciso
vernamental sobre Mudanças Climáticas) de ressaltar que sua análise crítica do trabalho
2007, órgão vinculado à Organização Mundial se situa numa perspectiva mais ampla, a qual
das Nações Unidas (ONU) e que reúne cien- envolve não apenas a economia, mas, funda-
tistas do mundo inteiro, somente vem confir- mentalmente, a sociedade. O horizonte último
mar o que já era perceptível a olho nu. Nele de Gorz não é a economia, tampouco o capita-
aparecem duas fortes evidências: a primeira, lismo, mas a sociedade. Ele propugna uma in-
de que o aquecimento global é “inequívoco”; versão que coloque novamente a sociedade no
e a segunda, de que ele se deve à interferência centro e, portanto, as pessoas, seu “bem viver”,
humana. A ação humana sobre a Terra, no en- a qualidade de vida e o pleno desenvolvimen-
tanto, não se dá de forma direta, mas mediada to de todas suas potencialidades. O ponto de
chegada deve ser uma sociedade desalienada.
* Faculdade Vicentina – FAVI. Trata-se de um projeto de sociedade que im-
Av. Jaime Reis, 531A. Alto São Francisco. Cep: 80510-010
Curitiba – Paraná – Brasil andrelanger15@gmail.com plica também uma nova antropologia capaz de

http://dx.doi.org/10.1590/S0103-49792017000300006 479
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superar o redutor homo economicus e abra es- inevitavelmente pela crítica do trabalho. Uma
paço para um ser humano com DNA marcado das características de nosso autor é que ele não
pela convivialidade. Portanto, nas reflexões de se detém nem se contenta apenas com a análi-
Gorz, três campos sempre estão, de uma ou de se, por mais aguda e interessante que seja. Ela
outra maneira, relacionados: economia, ecolo- se insere na perspectiva de propor alternativas.
gia e sociedade. Assim, embora de maneira sucinta, indicamos
A perspectiva inovadora do pensador alguns dos seus horizontes alternativos.
reside no fato de que ele coloca o trabalho, O artigo se divide em três partes. A pri-
entendido como princípio organizador de nos- meira concentra-se na revolução representada
sa vida e de todo o corpo social, no centro de pelo surgimento da civilização tecnocientífi-
uma relação com três termos: “instrumento de ca e na crise de reprodução que ela implica.
transformação da natureza, ele [o trabalho] es- A segunda analisa a racionalidade econômica
trutura as nossas sociedades democráticas nos no contexto da “invenção” do trabalho. Consi-
últimos três séculos” (Gollain, 2000, p. 7, grifo deramos ser essa a parte central da reflexão. O
do autor). Sendo assim, o trabalho “constitui conceito de racionalidade econômica, embora
um objeto privilegiado da crítica de uma eco- desenvolvido tardiamente, é fundamental para
logia política preocupada com a dupla explora- dimensionar corretamente as reflexões de Gorz
ção da natureza e do ser humano, inaugurada sobre a ecologia política e o trabalho. A terceira
pelo capitalismo” (Gollain, 2000, p. 7). parte, finalmente, propõe, sempre a partir das
Parte das análises de Gorz centra-se na reflexões do pensador francês, perspectivas de
crítica da sociedade capitalista do crescimen- convivência em sociedade e em harmonia com
to. O capitalismo constitui-se em “um sistema a natureza. O denominador comum é sempre a
social cujos aparelhos e processos de produção limitação da racionalidade econômica.
e de reprodução autonomizados ameaçam a
existência individual até nas bases naturais da
vida” (Gorz, 1991, p. 23). A “produção de mer- A CIVILIZAÇÃO TECNOCIENTÍFICA
cadorias” esbarra em limites físicos intranspo-
níveis, o que leva à constatação de que “o capi- O Ocidente pode ser lido como aquele
talismo de crescimento está morto, assim como segmento que realizou, inicialmente, uma muta-
a sociedade de crescimento” (Gorz, 1978, p. 17). ção na maneira de conceber e de fazer ciência. O
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Mas a pergunta é: como chegamos a essa conhecimento científico perseguido pela ciência
situação? Que barreiras foram transpostas? Que moderna significou uma ruptura com a “ciência-
reduções foi preciso impor? Em suma, que novo contemplação”, tornando-se menos intervencio-
paradigma vai surgindo? Vamos trazer algumas nista no mundo e mais propenso a compreender
reflexões com vistas a descortinar algumas das as leis naturais e os fenômenos sociais.
características do paradigma técnico-científico Ainda no final do século XVI, Francis
que deu suporte à civilização ocidental. Bacon defendia apaixonadamente uma fina-
Antes de proceder a essa análise, apre- lidade prática para a ciência, ao desejar sua
sentamos o objetivo e a estrutura deste artigo. vinculação com a “indústria”. Dedicava-se
Queremos, nas linhas que seguem, apresentar a à afirmação da ideia “de que o saber devesse
análise crítica de André Gorz sobre o trabalho e produzir seus frutos na prática, de que a ci-
a ecologia política a partir da centralidade que ência devesse ser aplicável à indústria, de que
o conceito de racionalidade econômica, no ca- os homens tivessem o dever sagrado de se or-
pitalismo, adquire em seu pensamento. Gorz re- ganizarem para melhorar e para transformar
conhece a íntima relação entre a crítica do capi- as condições de vida” (Bacon, 1620 apud De
talismo e a tarefa da ecologia política, que passa Masi, 1999, p. 12).

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A grande originalidade da ciência moder- vilegia um viés econômico ou instrumental.


na está em que se “propôs não apenas a com- Dessa maneira, “a escolha das técnicas, por-
preender o mundo ou explicá-lo, mas também tanto, o sentido em que elas evoluem, é sem-
transformá-lo” (Santos, 2004, p. 18). Dessa ma- pre motivada pela preocupação de assegurar
neira, a ciência moderna quer imiscuir-se mais ao capital o máximo de poder e de controle”
profundamente no mundo do que qualquer ou- (Gorz, 2000, p. 223) sobre a natureza e o tra-
tra forma de conhecimento anterior. balho humano. Historicamente, o projeto hu-
mano sempre esteve duplamente marcado: “o
O modelo da ciência não é mais a metafísica ou a
retórica, mas a física, que, por sua vez, permite des-
projeto de domínio e apropriação da natureza
cobrir as causas e as possibilidades da ação trans- e, ao mesmo tempo, um projeto de controle do
formadora [...] A ciência não tem mais por vocação homem e da sociedade” (Gollain, 2000, p. 20).
descobrir a verdade, mas descobrir as causas que Gradativamente, mergulhamos em so-
permitem ao homem transformar o mundo: conhe- ciedades cuja vida é configurada pelo para-
cer é, de agora em diante, agir. Enfim, esta transfor-
digma tecnocrático, que é homogeneizador e
mação é orientada não apenas para o artifício, mas,
sobretudo, para o artifício útil. A relação de crença
unidimensional. A “totalidade da existência
e de respeito para com a natureza é substituída por humana é marcada pela técnica. A realidade
uma relação utilitária (Méda, 1995, p. 80). técnica, a produção técnica e seus produtos
apresentam-se como o modelo de interpre-
Essa tríplice revolução abre caminho tação da totalidade do ser humano, o critério
para uma civilização que se pretende universal para o que deve valer como real e verdadeiro”
e que assume ares quase prometeicos. Se a ci- (Oliveira, 2016, p. 131-132). A técnica alça-se
ência moderna se caracteriza por sua utilidade, à posição de nova natureza, na medida em que
ela precisa se mostrar útil, desenvolver tecno- a “tecnosfera”, produzida através da técnica
logias ou bens que tenham serventia para as moderna, substitui a “biosfera”.
sociedades e, nesse sentido, provoquem interfe-
rências sobre elas e, mais ainda, mediante seus Manifesta-se com clareza para nós que a ‘tecnosfe-
ra’, produzida através da técnica moderna, se põe
conhecimentos, dominem a natureza. Já o disse
no lugar da ‘biosfera’, que o ser humano encon-
esplendidamente bem Descartes, ao formular,
trou e, por sua vez, só pode ser dominada através
nestes termos, o “espírito” da época, cuja exe- de procedimentos tecnológicos. Considerando o
cução se encontrava apenas em seus elementos significado originário entre os gregos de ‘Physis’ en-
embrionários. Descartes (1991, p. 63) diz: quanto algo pré-dado, que cresce e se desenvolve

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por si mesmo independentemente do ser humano,
Pois elas [as noções gerais da Física] me fizeram ver é preciso dizer que temos agora uma nova nature-
que é possível chegar a conhecimentos que sejam za. O que caracteriza precisamente nossa técnica
muito úteis à vida, e que, em vez dessa Filosofia es- moderna é que ela se fez ciência, ou seja, se baseia
peculativa que se ensina nas escolas, se pode encon- num conhecimento rigoroso das forças da natureza
trar uma outra prática, pela qual, conhecendo a for- e de suas leis de tal modo que nosso relacionamento
ça e as ações do fogo, da água, do ar, dos astros, dos atual com a natureza é fundamentalmente marcado
céus e de todos os outros corpos que nos cercam, tão pela ciência moderna (Oliveira, 2016, p. 135).
distintamente como conhecemos os diversos miste-
res de nossos artífices, poderíamos empregá-los da O surgimento da ciência ocidental está,
mesma maneira em todos os usos para os quais são pois, umbilicalmente vinculado ao “desenvolvi-
próprios, e, assim, nos tornar como que senhores e
mento tecnológico ocidental” (Morin, 1996). A
possuidores da natureza.
lógica econômica emergente é redutora. Progres-
A ciência se desenvolve vertiginosamen- so é sinônimo de desenvolvimento econômico;
te, abrindo campos e possibilidades inauditos desenvolvimento econômico é sinônimo de cres-
ao gênio e à ação humanos. Mas ela é guiada cimento econômico; o crescimento econômico é
por uma lógica ou uma racionalidade que pri- medido pelo aumento do Produto Interno Bruto

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(PIB), que, por sua vez, pode ser verificado pelo CONFLITOS DE REPRODUÇÃO DO
número de empregos que cria. No entanto, a ló- CAPITALISMO
gica da quantificação, da matematização, da do-
minação, revela-se astuta. O progresso é, por na- O capitalismo, como sistema, apresenta
tureza, cumulativo e linear, e se traduz de forma uma capacidade de reprodução que, por sua
quantitativa em detrimento da qualidade. dinâmica autonomizada, entra em conflito
Essa racionalidade quantificável do de- com a dinâmica da natureza e da humanidade
senvolvimento (Beaud, 1997). O capitalismo, informado por
uma lógica racional instrumental e marcado
[...] é irracional. O desenvolvimento ignora
que o crescimento técnico-econômico produz pela ânsia de domínio, entranha um conflito
subdesenvolvimento moral e psíquico: a hiperespe- de reprodução social, longa e profundamente
cialização generalizada, a compartimentalização em explorado em suas diversas facetas pelas mais
todas as áreas, o hiperindividualismo e o espírito do diversas ciências sociais. Quando falamos que
lucro geram a perda da solidariedade. O desenvol-
o capitalismo se volta contra a humanidade,
vimento engendra um conhecimento especializado
corremos o risco de uma generalização apres-
que é incapaz de compreender os problemas multi-
dimensionais (Morin, 2002, p. 45). sada e incorreta. Por um lado, o capitalismo
apresenta uma enorme capacidade de criar ri-
A ecologia política tem como uma de quezas e mercadorias, além de mobilizar, com
suas tarefas questionar tal concepção de pro- essa finalidade, poderosos meios técnicos, in-
gresso e de desenvolvimento. Um pensamento telectuais, materiais e financeiros. Por outro,
complexo deve propor progressos também no apresenta uma enorme capacidade de ignorar
nível do espírito, não apenas das técnicas ou a pobreza e a miséria e de transformar paisa-
dos meios de produção. Ou, como diz Morin gens, sociedades, normas e valores. Os seres
(1996, p. 98) com certa ironia, “há que fazer humanos não estão colocados da mesma ma-
um progresso na ideia de progresso”. Reconhe- neira diante desse sistema e não contam com
cer certas ignorâncias e limites pode ser um os mesmos recursos para enfrentar suas adver-
progresso na ciência, ao contrário do que se sidades. Seria mais correto postular que uma
pensava anteriormente. pequena parcela da humanidade, que tem o
A noção de progresso, portanto, parece controle da “máquina capitalista”, usufrui das
ter perdido seu rumo. Prometeu desenvolvi- benesses oferecidas por esse modo de produ-
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mento integral e entregou crescimento econô- ção e de consumo, em detrimento da explora-


mico. Vendeu (e continua a vender) a ilusão de ção, dominação e exclusão do restante da po-
que “mais é sempre melhor” ou “quanto mais, pulação mundial (Beaud, 1997). A problemá-
melhor” (Gorz, 2003). Em vista desse cresci- tica da fome no mundo, o tratamento dado às
mento contínuo e ilimitado, foram se desenvol- migrações, o trabalho e suas condições e as de-
vendo uma série de técnicas, produtos e consu- sigualdades sociais passam por essa questão.
mos tendo em vista, em primeiro lugar, atender Outro conflito se dá entre a reprodução
às necessidades de acumulação do capital. “É do capitalismo (e de parte da Humanidade li-
preciso que quantidades crescentes de capital gada às suas necessidades e a seus produtos)
sejam investidos com lucro, o que exige o con- e a reprodução do planeta. A especificidade
sumo de um fluxo crescente de mercadorias e do capitalismo consiste em que “somente ele
de serviços mercantis”. Para que isso funcione, dispõe de uma capacidade de autorreprodução
é preciso induzir “a população a satisfazer suas que podemos qualificar como forte, capaci-
necessidades com um máximo de consumo e dade que permite compreender as disjunções
suscitar um máximo de necessidades de consu- cada vez mais profundas que observamos en-
mo mercantis” (Gorz, 1991, p. 172). tre economia e sociedade” (Beaud, 1997, p.

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81). A tendência do capitalismo é de autorre- O crescimento econômico torna-se um


produzir-se de forma autônoma em relação ao objetivo buscado por si mesmo. Ele é, para o
meio ambiente e às sociedades. capitalismo, “uma necessidade sistêmica total-
O capitalismo procura desvincular seu mente independente e indiferente à realidade
tempo do tempo da natureza: material daquilo que cresce. Ele responde a
uma necessidade do capital” (Gorz, 2005, p. 7).
Com o advento do modo de produção capitalista,
fundado sobre a lógica da acumulação, que exige O crescimento econômico, que deveria assegurar a
a exploração da maior quantidade possível de ma- abundância e o bem-estar a todos, faz crescer as ne-
térias-primas, de energia e de trabalho humano no cessidades mais rapidamente que sua satisfação, e
menor tempo possível para produzir o maior núme- leva a um conjunto de impasses que não são apenas
ro possível de riquezas para o mercado, um umbral econômicos: o capitalismo de crescimento está em
foi transposto para além do qual a temporalidade crise não apenas porque é capitalismo, mas também
da história humana impôs-se sobre a temporalidade porque é de crescimento (Gorz, 1978, p. 18).
natural (Gollain, 2000, p. 23).
Por essas razões, Gorz está convenci-
A consequência natural desse processo, do de que tanto o capitalismo de crescimento
cujo objetivo é o crescimento indefinido de ri- como a sociedade de crescimento não têm fu-
quezas, é a “transposição dos limites” (Gollain, turo. Segundo ele, é preciso perguntar-se pelo
2000, p. 23) físicos do mundo natural ao qual sentido do crescimento e seu conteúdo. De que
estamos vinculados. A velocidade das mudan- crescimento nossas sociedades têm realmente
ças provocadas pela humanidade com o uso de necessidade? Isso porque, para a ciência eco-
tecnologias que resistem se submeter ao tempo nômica, interessa apenas o crescimento que
e ao espaço afeta, ao mesmo tempo, o meio am- ajuda a fazer crescer o PIB, isto é, “o aumento
biente e os pobres. da quantidade de dinheiro trocado, a quanti-
Mas, como lembra com justiça Gorz, “a dade de mercadorias compradas e vendidas no
atividade humana encontra na natureza seu decurso de um ano, quaisquer que sejam essas
limite externo” (Gorz, 1978, p. 19), uma vez mercadorias” (Gorz, 2005, p. 4).
que “as sociedades industrializadas vivem da Karl Polanyi (2000), em sua clássica
pilhagem acelerada dos estoques, cuja consti- obra A grande transformação, recorrendo a
tuição demandou dezenas de milhões de anos” uma perspectiva histórica, mostra que, em so-
(Gorz, 1978, p. 18). A vontade desenfreada de ciedades anteriores à nossa, os sistemas eco-
crescimento econômico, alimentada pelo con- nômicos foram organizados não segundo uma

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sumismo, encontra um limite inimaginável até economia de mercado, nem com vistas única e
poucas décadas atrás: a capacidade física de o primeiramente à obtenção do lucro obtido me-
Planeta Terra repor, na mesma velocidade re- diante a racionalização dos meios de produção
querida pelo capitalismo, os recursos necessá- e de organização do trabalho. Ao contrário, “os
rios para satisfazer todos os caprichos de con- costumes e a lei, a magia e a religião coope-
sumo de uma pequena parcela da população ravam para induzir o indivíduo a cumprir as
mundial. Essa capacidade foi ultrapassada. regras de comportamento, as quais, eventual-
O ecossistema natural possui uma capacidade auto- mente, garantiam o seu funcionamento no sis-
geradora e autorreorganizadora que, devido às suas tema econômico” (Polanyi, 2000, p. 75).
extremas diversidade e complexidade, permite-lhe
Mas, a partir do século XVI, os merca-
autorregular-se e evoluir para uma complexidade
dos passaram progressivamente a ser mais nu-
e uma diversidade crescentes. Essa capacidade de
autorregeneração e de autorreorganização é prejudi- merosos e importantes e se constituíram como
cada por técnicas que tendem a racionalizar e a do- um mercado autorregulável que, por sua vez,
minar a natureza, a torná-la previsível e calculável. foi lentamente corroendo as demais lógicas e
(Gorz, 2010, p. 25) seus valores, para impor os seus. Uma gran-

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de transformação se impôs e que consiste no fechado em que nada entra e nada sai, ou seja,
seguinte: “em vez de a economia estar embuti- desenvolve um metabolismo em que não há en-
da nas relações sociais, são as relações sociais tradas (de matéria e energia), nem saídas (resí-
que estão embutidas no sistema econômico” duos). Está em permanente equilíbrio. Com essas
(Polanyi, 2000, p. 77). A consequência desse características, a economia se apresenta como
processo é que, em definitivo, “[...] a socieda- uma “máquina de moto-perpétuo, uma máquina
de humana torna-se um acessório do sistema capaz de produzir trabalho ininterruptamente,
econômico” (Polanyi, 2000, p. 97). Aqui se en- consumindo a mesma energia e valendo-se dos
contra o cerne daquilo que Polanyi chama de mesmos materiais. Tal máquina seria um recicla-
“grande transformação”. Em tal contexto, a de- dor perfeito” (Cechin, 2010, p. 41).
vastação da terra não se apresenta como uma No entanto, há aqui um equívoco: “isso
fatalidade, mas “a consequência de um modo contradiz uma das principais leis da física:
de produção” que “exige a maximização dos a segunda lei da termodinâmica, a lei da en-
rendimentos e recorre a técnicas que violam o tropia” (Cechin, 2010, p. 41). De acordo com
equilíbrio biológico” (Gorz, 2010, p. 10). essa lei, a energia é dissipativa e, portanto, em
qualquer processo de produção, há sempre
A mundialização da produção, das trocas e da co-
municação e, sobretudo, do poder inaudito sobre
perdas – a quantidade de energia que entra em
a natureza, fruto do desenvolvimento tecnológico, qualquer processo não é a mesma que sai.
conferem à humanidade [...] um estatuto de força Essas descobertas no campo da física
geológica planetária (Gollain, 2000, p. 23). e da química são fundamentais para a com-
preensão de qualquer atividade econômica
Estudos realizados já nos anos 1960 come-
e, mais ainda, para a detecção dos limites da
çam a questionar o futuro e a sobrevivência de
economia capitalista. Emerge uma visão, essa
um sistema de crescimento indefinido e de ex-
sim real, de que “a economia não é uma totali-
pansão ilimitada das mercadorias em um mundo
dade, mas, sim, um subsistema de um sistema
físico limitado. Economistas, como Serguei Podo-
maior” (Cechin, 2010, p. 41), o ecossistema. O
linsky, Georgescu-Roegen e, mais recentemente,
metabolismo social deve estar referido ao me-
Herman Daly, entre outros, têm o atrevimento de
tabolismo da natureza, deve abrir-se a ele; caso
questionar, com base em pesquisas da física, os
contrário, entrará em conflito com ele. O siste-
fundamentos da ciência econômica. Resulta que
ma econômico, como qualquer outro sistema,
os fundamentos da ciência econômica assentam
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está sujeito às leis da termodinâmica, e precisa


sobre “analogias e metáforas da mecânica clássi-
levar em consideração essa dependência, isto
ca e da física da primeira metade do século XIX”
é, precisa incorporar os cálculos da entropia
(Cechin, 2010, p. 35). Uma das características de
nos processos de produção.
um sistema mecânico é que ele envolve um prin-
O capitalismo procedeu a uma separa-
cípio de conservação, isto é, define-se por uma
ção entre a reprodução material da sociedade
identidade ao longo do tempo. Esse princípio es-
e o ecossistema, mas se esqueceu de que não
tabelece que a energia total de um sistema físico
é possível produzir coisa alguma do nada. A
isolado é constante. “Não se cria nem se destrói
produção econômica é obrigada a gastar recur-
energia, ela apenas se transforma, sem perdas”
sos naturais e a produzir resíduos. Mas, como
(Cechin, 2010, p. 34).
faltou à ciência econômica essa visão mais
Estando a estrutura analítica do paradig-
abrangente, considerou que
ma dominante na ciência econômica baseada
na metáfora da conservação de energia, disso [...] o sistema se reproduz se houver um fluxo su-
decorre uma visão de economia tida como uma ficiente de bens de consumo e bens de capital sen-
do produzidos e circulando na economia. Capital
totalidade. A economia é vista como um circuito

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e trabalho são os únicos fatores de produção nes- o conhecemos e praticamos, aquilo que é o cer-
ses esquemas analíticos, assim, não foi atribuída ne de nossa existência individual e social, foi
nenhuma importância para o papel da natureza na
uma invenção, mais tarde generalizada com o
explicação da dinâmica capitalista, nem como fonte
provedora de recursos, nem como sumidouro de re-
industrialismo” (Gorz, 2003, p. 21).
síduos (Cechin, 2010, p. 43). A natureza do trabalho passou por uma
profunda mutação, que alterou sua compreen-
A utilização da metáfora mecânica aplica- são, suas características e seu lugar social. A ati-
da à economia foi responsável por uma compre- vidade, feita com vistas à satisfação das neces-
ensão do processo de produção como um sistema sidades vitais, transmutou-se em atividade pro-
isolado, a-histórico e que não sofre de interferên- dutora de mercadorias, em trabalho abstrato. É
cias externas. Sobre essa base irreal se assenta a esse tipo de trabalho que “se tornou a principal
visão de um crescimento econômico infinito. fonte de renda que permite aos indivíduos vi-
ver, mas que é também uma relação social fun-
damental [...] e finalmente o meio para alcançar
A INVENÇÃO DO TRABALHO a abundância” (Méda, 1995, p. 8).
Pelo fato de propor que o trabalho seja
Gorz debruça-se a destrinchar a raciona- uma criação do capitalismo, não se quer, evi-
lidade econômica que deu origem e sustenta- dentemente, afirmar que aquelas atividades
ção ao paradigma moderno de economia, com realizadas em vista da subsistência física, do
as características e impactos que acabamos de atendimento das necessidades básicas da vida
ver. Como a racionalidade econômica está es- individual e social – o que hoje chamamos de
treitamente vinculada à concepção de trabalho trabalho –, não tenham existido. Nessa acep-
a que ela dá origem, vamos, primeiramente, ção, o “trabalho” sempre existiu, embora com
nos deter a analisar as mudanças que ela opera outras feições nas sociedades pré-capitalistas.
na atividade que, de um modo geral, denomi- Antes de examinar a transformação na
namos de trabalho. natureza do trabalho operada pelo capitalismo
Em nossas sociedades, o trabalho foi al- e suas consequências, vamos nos deter a in-
çado a fator estruturante da organização eco- dicar sucintamente os elementos centrais das
nômica, política e social. Ele se tornou um concepções de trabalho anteriores ao surgi-
“fato social total”, pois “estrutura não somente mento da modernidade.
a nossa relação com o mundo, mas também as Primeiramente, convém recordar que as

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nossas relações sociais. O trabalho é a relação chamadas sociedades pré-capitalistas2 não são
social fundamental. Está, além disso, no cen- sociedades sem trabalho. Mas não são sociedades
tro da visão de mundo que é a nossa” (Méda, estruturadas pelo trabalho. Elas não conhecem
1995, p. 26). categorias como economia e trabalho, pelo me-
Uma análise histórica, no entanto, nos nos não na concepção da ciência moderna. As
leva a perceber que aquilo que comumente pesquisas antropológicas, de grande ajuda para
chamamos de “trabalho” nem sempre existiu. a compreensão do lugar social do trabalho nas
As sociedades pré-modernas não tinham a sociedades estudadas, concluem que é impossí-
mesma relação e concepção do que nós, hoje, vel encontrar, nessas sociedades, um significado
chamamos de trabalho. E nem ele ocupava o semelhante ao termo trabalho. Algumas socieda-
mesmo lugar que tem para nós. O que nós nos des nem mesmo têm uma palavra que distingue
acostumamos a chamar de “‘trabalho’ é uma as atividades produtivas dos outros comporta-
invenção da modernidade.1 A forma sob a qual mentos humanos (Méda, 1995).
1
Sobre a temática da “invenção” do trabalho pela moder-
nidade, cf. Gorz (2003, p. 21-31), Méda (1995, p. 60-91), 2
Para esse tópico, salvo indicação em contrário, nos fun-
Gollain (2000, p. 109-122). damentamos em Méda (1995, p. 30-59).

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A ideia de necessidades ilimitadas está os gregos, dizia respeito à luta pela sobrevi-
ausente nessas sociedades, assim como a ideia vência física do corpo. Ele estava associado
de acumulação ou de produção acima do ne- ao seu processo biológico. Havia uma estreita
cessário para a satisfação das necessidades. relação entre produção e consumo. Tudo o que
Além disso, elas não conhecem o exercício in- é produzido pelo labor é destinado ao consu-
dividual ou com intenções puramente indivi- mo imediato, motivo pelo qual não deixa nada
duais da atividade produtiva. Por isso, também atrás de si e é, por isso mesmo, marcado pelo
o tempo consagrado ao aprovisionamento ou efêmero. Já o “work” (obra) é uma atividade
às atividades de reprodução da força física é inerentemente solitária e requer a maestria
o mínimo possível. Em suma, “o sistema eco- do uso das mãos para produzir objetos que
nômico estava submerso em relações sociais não são intrínsecos ao ciclo vital da espécie.
gerais; os mercados eram apenas um aspecto Através dessas atividades, os humanos fabri-
acessório de uma estrutura tradicional contro- cam uma infinidade de coisas que os rodeiam
lada e regulada mais do que nunca, pela auto- e passam a constituir a sua mundanidade. A
ridade social” (Polanyi, 2000, p. 88). Ou então, obra combina permanência e liberdade.
os fatos sociais que estruturam essas socieda- Os gregos, além disso, faziam uma rígi-
des não têm uma natureza econômica. da distinção entre a esfera privada e a esfera
Também entre os gregos não é possível pública. “A esfera privada, aquela da família,
encontrar algo que unifique as atividades pro- confundia-se, pois, com a esfera da necessida-
dutivas. Entre eles, encontramos uma hierar- de econômica e do trabalho, ao passo que a es-
quia muito rígida na classificação das múlti- fera pública, política, aquela da liberdade, ex-
plas atividades humanas, que são valorizadas cluía rigorosamente as atividades necessárias
em função da maior ou menor semelhança que ou úteis dos ‘assuntos humanos’” (Gorz, 2003,
podem ter com a imobilidade e a eternidade. p. 23), o que reforçava a ideia da superioridade
Hannah Arendt (1989) faz uma distinção en- da atividade política em relação ao “trabalho”.
tre vita contemplativa e vita activa. A primeira “Servil e restrito ao doméstico, o ‘trabalho’,
caracteriza-se pela valorização do pensamento, longe de conferir uma ‘identidade social’, era
da contemplação ou da ciência. Já a vita acti- algo que pertencia à existência privada e ex-
va pode ser dividida em dois grandes ramos de cluía da esfera pública aquelas e aqueles que
atividades: um primeiro, que abarca a atividade a ele se viam assujeitados” (Gorz, 2003, p. 24).
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ética e a atividade política, atividades que go- Além disso, e esse é um aspecto importante na
zam de grande estima e consideração entre os análise de Gorz, para os gregos, “a esfera do
gregos, porque não apresentam mediação ma- consumo e das necessidades materiais tem um
terial e potencializam a esfera da liberdade. A lugar limitado, porque, para eles, as necessi-
essas atividades, opõe-se o conjunto de ativida- dades são limitadas [...], a ideia de felicidade
des que nos liga ao reino da necessidade, e que não vem da satisfação de uma série limitada de
estão situadas no polo mais baixo da hierarquia necessidades” (Méda, 1995, p. 46).
de valorização. O que chamamos de trabalho Como se pode ver, também nessa civili-
identifica-se com esse nível de atividades. zação, não encontramos um termo que unifique
Gorz referencia-se em Hannah Arendt, e dê o significado daquilo que chamamos
ao fazer a discussão sobre o conceito de tra- “trabalho”, embora ele já se apresente como
balho, especialmente na distinção que a filó- uma atividade distinta de outras atividades.
sofa fez entre “labor” e “work”.3 O labor, para O século XVIII europeu é testemunha
3
Como observa com acerto Silva (1999, p. 165, na nota labor e trabalho. A tradução é imprecisa porque, no portu-
n. 2), versão brasileira do livro A condição moderna, de guês, o termo trabalho (do francês “travail”) corresponde
H. Arendt, os termos “labor” e “work” “foram traduzidos originalmente ao que Arendt chama de “labor” e não ao
de maneira, a meu ver, imprecisa, como, respectivamente, que ela chama de “work”, cujo correspondente seria obra.

486
André Langer

de uma revolução de valores, de uma “gran- Essa conceituação de Hegel, reconhece


de transformação” (Polanyi, 2000) ou ainda Gorz, é uma revolução filosófica e cultural de
de uma “brutal inversão da ordem de valores” extraordinário alcance político. Também em
(Méda, 1995, p. 74), da qual emergem, entre Marx esse acento estará presente: “a essência
outras coisas, a concepção e o lugar social con- do homem é o trabalho. O homem só pode exis-
ferido ao trabalho em nossas sociedades. tir trabalhando [...] o homem só é plenamente
O esforço de reflexão de Adam Smith homem, segundo Marx, se imprimir em todas
contribui para a análise das bases da moder- as coisas a marca da sua humanidade” (Méda,
nidade. O mundo moderno concede à “econo- 1995, p. 100-101). Em Marx, o trabalho possui
mia o lugar privilegiado de encontro entre os uma tríplice qualidade: “de me revelar a mim
espaços privado e público, bem como o prin- mesmo, de revelar a minha sociabilidade e de
cipal campo de configuração das relações so- transformar o mundo” (Méda, 1995, p. 104).
ciais” (Mercure, 2005, p. 115). O “trabalho foi Gorz debruçou-se com afinco sobre a
alçado ao patamar de valor fundamental”, e o análise dessa revolução de valores que a mo-
“vínculo social não é mais considerado como dernidade operou, centrando-se na temática
o produto de um pacto social, mas como o re- do trabalho como fundamento do vínculo so-
sultado de uma harmonia não intencional dos cial. Para Gorz, o que chamamos trabalho não
interesses” (Mercure, 2005, p. 116). O trabalho se confunde com aquilo que os gregos chama-
é, para Smith e doravante, essa “[...] potência vam de labor, ou work. E diz que, se o fazemos,
humana e/ou ‘maquínica’ que permite criar va- é num “[...] sentido radicalmente diverso do
lor” (Méda, 1995, p. 62). sentido que se empresta à noção de trabalho”
Os novos fundamentos do mundo mo- (Gorz, 2003, p. 21). Para o capitalismo indus-
derno são constituídos pela emergência da eco- trial, a característica mais importante desse
nomia e, dentro dela, da transformação das ati- trabalho é ser uma atividade que se realiza na
vidades humanas em criação de valores, em que esfera pública e não mais na esfera privada
elas próprias são transmutadas em mercadorias (Gorz, 2003).
e submetidas à marca do tempo (Méda, 1995). Partindo da constatação de que o labor
A evolução do conceito de trabalho encerra ain- e a obra, entre os gregos, não gozavam de boa
da outro aspecto de suma importância para a reputação e eram vistos como algo degradante,
correta compreensão da análise crítica que Gorz como um castigo, como forma de exclusão,
faz a esse respeito: a de que, gradativamente, como algo que denegria a imagem de ser

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o trabalho é compreendido como essência do humano e de cidadão, eles não podiam ser
homem. A realização do homem moderno de- o fundamento do laço social (Langer, 2004).
pende, em grande parte, de sua “vinculação ao À luz dessa prática social, Gorz (2003, p. 22)
trabalho, uma vez que ele passa a ser, ao mesmo enfatiza que o labor jamais pode ser o funda-
tempo, fator de sobrevivência, de humanização, mento da coesão social, pois não é isso que ele
de integração social, de autoestima e de utilida- realiza: “esse trabalho necessário à subsistên-
de social” (Langer, 2004, p. 22). cia, com efeito, jamais foi fator de integração
Gorz (2000, p. 220) diz que o conceito social. Era, antes, um princípio de exclusão”.
de trabalho em Hegel O trabalho, assim como é compreendido
Designa a essência comum da totalidade das ativi- e praticado pelo capitalismo industrial, neces-
dades pelas quais o sujeito se inscreve e se objetiva sita ser transformado em mercadoria, ainda
na materialidade do mundo, configura o mundo e, que uma mercadoria muito especial, segun-
ao fazer isso, também produz a si mesmo. O traba-
lho designa a essência comum do conceber, do fa-
do Polanyi (2000), processo que faz parte da
zer, do fabricar e do agir, que até então eram catego- “invenção” do trabalho. Para ser mercadoria,
rias incomensuravelmente distintas. o trabalho precisa de algumas características:

487
RACIONALIDADE ECONÔMICA, TRABALHO E ECOLOGIA ...

ter preço, isto é, uma atividade passível de ser outra mudança na concepção moderna de tra-
comprada e vendida em um mercado, além da balho: a de que o trabalho se transmutou de
possibilidade de parte da atividade humana “poièsis”, isto é, de algo que se “faz”, em algo
ser destacável de seu sujeito. O trabalho apa- que se “tem” (Gorz, 2004). Ter ou não ter um
rece como “uma ‘capacidade’ de que o indiví- trabalho significa ter ou não ter um emprego e,
duo dispõe livremente e com a qual negocia por conseguinte, um salário. É essa dimensão
as condições de compra com um empregador” que está em crise hoje, com a chamada “crise
(Méda, 1995, p. 73). Emerge, portanto, um do trabalho”. Pedimos desculpas por mais uma
conceito de trabalho imediatamente material, longa citação, mas ela explicita bem o que nos-
quantificável e mercantil. so autor pensa sobre essa questão.
A característica fundamental do emprego
O ‘trabalho’ é definido, antes de tudo, por ser uma
é ser “uma atividade realizada em vista do in- atividade social, destinada a inscrever-se no fluxo
tercâmbio mercantil e tornada necessariamen- das trocas sociais na escala do conjunto da socieda-
te objeto de um cálculo contábil, de maneira de. Sua remuneração atesta tal inserção, mas ainda
que seja realizada o mais eficazmente possível” não é isso o essencial: o essencial é que o ‘trabalho’
(Gollain, 2000, p. 112). Desse novo horizonte preenche uma função socialmente identificada e
normatizada na produção e na reprodução do todo
sociocultural nasce o trabalho entendido como
social. E, para preencher uma função socialmente
emprego ou como assalariamento: identificável, deve ser ele próprio identificável pe-
A característica mais importante desse trabalho – las competências socialmente definidas que aciona
aquele que ‘temos, ‘procuramos’, ‘oferecemos’ – é ser conforme certos procedimentos socialmente determi-
uma atividade que se realiza na esfera pública, soli- nados. Ele deve, em outros termos, ser um ‘ofício’,
citada, definida e reconhecida útil por outros além uma ‘profissão: isto é, a mobilização de competências
de nós e, a este título, remunerada. É pelo trabalho institucionalmente atestadas segundo procedimentos
remunerado (mais particularmente, pelo trabalho homologados (Gorz, 2004, p. 11, grifo do autor).
assalariado) que pertencemos à esfera pública, ad-
quirimos uma existência e uma identidade sociais Para Gorz, a sociedade do trabalho pas-
sou a identificar a forma particular de trabalho,
(isto é, uma ‘profissão’), inserimo-nos em uma rede
o emprego, o assalariamento, com a forma gené-
de relações e de intercâmbios, onde a outros somos
equiparados e sobre os quais vemos conferidos cer-
rica de trabalho. O emprego é sinônimo de tra-
tos direitos, em troca de certos deveres. O trabalho
balho, embora não o seja. Parte do esforço teó-
socialmente remunerado e determinado – mesmo
rico de Gorz consiste em desvincular esses dois
para aqueles e aquelas que o procuram, para aqueles
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sentidos. E isso não é sem consequências, pois


que a ele se preparam ou para aqueles a quem falta
permite ao pensador reduzir (e não ampliar) a
o trabalho – é, de longe, o fator mais importante da
noção de “trabalho” entendido como emprego
socialização. Por isso, a sociedade industrial pode
perceber a si mesma como uma ‘sociedade de traba-
e, ao mesmo tempo, perceber que a noção de
lhadores’, distinta de todas as demais que a precede-
trabalho abre uma série de outras possibilida-
ram (Gorz, 2003, p. 21, grifo do autor).
des sobre as quais se debruçou, especialmente
Seguindo esta linha de análise, Gorz em Misérias do presente, riqueza do possível.
está convencido de que a noção de trabalho
que emerge no capitalismo industrial não é
passível de ser reduzida ao “trabalho” como A RACIONALIDADE ECONÔMICA
categoria antropológica ou filosófica (Gorz,
2003). Pelo contrário, é uma categoria histó- Mas como se chegou a essa situação?
rica (Gollain, 2000). É algo inteiramente di- Como o capitalismo industrial foi capaz de
ferente daquilo que conheciam as sociedades “inventar” uma nova e particular noção de tra-
pré-capitalistas e tradicionais, muitas delas balho? Que “mágica” foi essa? Para desvendar
até hoje. Gorz insiste no fato de que há ainda essa revolução, Gorz analisa as origens da ra-

488
André Langer

cionalidade econômica. O capitalismo indus- lização de todos os seus elementos (que) nada
trial submete o trabalho a uma racionalidade tinha de novo”, mas em que, em um determi-
econômica cuja crítica ocupa um dos lugares nado momento, “os produtores quiseram impô
centrais na análise de Gorz, desenvolvida es- -lo a seus fornecedores”, o que se abstiveram
pecialmente em seu livro Metamorfoses do tra- de fazer antes (Gorz, 2003, p. 26).
balho: crítica da razão econômica. E ele o faz Em uma análise conclusiva que recorda
recorrendo especialmente a Max Weber e Jür- muito Polanyi, Gorz diz que:
gen Habermas (Gorz 2003; 1991; Silva, 1999).
A racionalidade econômica foi por longo tempo
Para Gorz, a ideia moderna de trabalho é contida, não apenas pela tradição, mas por outros
contemporânea do capitalismo manufatureiro. tipos de racionalidade, outras finalidades e outros
Até por volta de 1850, o capitalismo industrial interesses que lhe consignavam limites a não serem
ainda coexistia com a indústria doméstica na ultrapassados. O capitalismo industrial só pôde de-
produção têxtil, ou seja, “a ‘produção industrial’ senvolver-se a partir do momento em que a raciona-
lidade econômica emancipou-se de todos os outros
não era, em seu conjunto, regida pela racionali-
princípios de racionalidade, para submetê-los a seu
dade econômica” (Gorz, 2003, p. 24). A tecela- único domínio (Gorz, 2003, p. 27).
gem era, para os tecelões domésticos, mais do
que um meio de ganhar a vida, “um modo de O “espírito do capitalismo” transgri-
vida regido por tradições, respeitadas – embora de fronteiras antes mantidas em seus limites
pareçam irracionais do ponto de vista econômi- e consiste na “sua estreiteza unidimensional,
co – pelos capitalistas” (Gorz, 2003, p. 24, grifo indiferente a qualquer outra consideração
do autor). A esses não passava pela cabeça se- além da contábil, pela qual o empreendedor
quer a possibilidade de racionalizar o trabalho. capitalista leva a racionalidade econômica a
No entanto, como a burguesia nascente suas últimas consequências.” (Gorz, 2003, p.
“não pode existir sem revolucionar continu- 26). Segundo Weber, uma das características
amente os instrumentos de produção e, por fundamentais da economia privada capitalista
conseguinte, as relações de produção, por- é “ser racionalizada com base no cálculo arit-
tanto, todo o conjunto das relações sociais” mético rigoroso, ser gerida de forma planejada
(Marx; Engels, 1999, p. 69), esse estado de e sóbria para o almejado sucesso econômico,
coisas está para ser transformado radicalmen- contrariamente à existência do camponês”
te. Para descrever esse momento revolucio- (Weber, 2004, p. 67).
nário, Gorz transcreve um longo trecho de A Entretanto, Weber, e Gorz na sua esteira,

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ética protestante e o ‘espírito’ do capitalismo insistem no fato de que essa racionalidade, do
de Max Weber. Gorz está interessado em des- ponto de vista do funcionamento do sistema,
cortinar a manobra ideológica e cultural capaz da economia, pode ser profundamente “irra-
de transformar camponeses em operários. Se- cional” vista na perspectiva de cada indivíduo.
gundo Weber, a chave está no surgimento de Nem sempre o que é racional para o sistema o é
um “novo espírito”, o “espírito do capitalismo” para o indivíduo; e nem sempre o que faz sen-
(Weber, 2004, p. 61). Embora, nesse momento, tido para o sistema faz sentido para o indiví-
a forma “capitalista” já possa ser verificada em duo; pelo contrário, ambos os sentidos opõem-
alguns casos, o “espírito” que animava esses se profundamente e entram em conflito entre
empresários era ainda tradicionalista. Gorz si. Como diz Weber, nessa nova ordem, há uma
conclui que a “novidade” em tudo isso não inversão segundo a qual o ser humano passa a
está no “interesse” que os capitalistas tinham “existir para o seu negócio e não o contrário”
“em racionalizar a tecelagem, dominar os cus- (Weber, 2004, p. 62. Cfr. também p. 46).
tos, tornar este custo rigorosamente calculável Gorz avalia que a imposição da raciona-
e previsível graças à quantificação e à norma- lidade econômica foi “a tarefa mais difícil que

489
RACIONALIDADE ECONÔMICA, TRABALHO E ECOLOGIA ...

o capitalismo industrial precisou cumprir” critérios, sociais ou pessoais são relegados a


(Gorz, 2003, p. 29). Para isso, teve de vencer segundo plano (Langer, 2004). A vida passará
duas resistências, que envolvem, respectiva- a ser organizada em função desse cálculo.
mente, o modo de produzir e de consumir. Tendo presente especificamente o tra-
Primeiramente, o capitalismo, para im- balho, Gorz (2003, p. 110-111) destaca que a
por sua racionalidade econômica, precisou predominância da racionalidade econômica
constituir um mercado de trabalho. A cons- se deve a duas condições: primeiro, “o traba-
tituição desse mercado debatia-se com o ele- lho deve ter por fim a troca mercantil e não
mento “irracional” que a racionalidade econô- o autoconsumo”; segundo, a produção “deve
mica continha, o que Weber chamaria também destinar-se à troca em um mercado livre onde
de “tradicionalismo”: o trabalhador “não quer produtores sem elos entre si encontram-se na
‘por natureza’ ganhar dinheiro e sempre mais qualidade de concorrentes diante de compra-
dinheiro, mas simplesmente viver, viver do dores com os quais não mantêm laço algum”.
modo como habituado a viver e ganhar o ne- Por isso, a racionalização do trabalho con-
cessário para tanto” (Weber, 2004, p. 53). sistiu em uma “revolução, uma subversão do
O capitalismo industrial precisa ven- modo de vida, uma invenção de algo que nunca
cer as resistências interpostas pelo modo de existira antes” (Gorz, 2003, p. 30), porque “ven-
vida da sociedade em meio à qual ele tenta ceu a resistência das antigas ideias de liberdade
emergir, travando uma batalha em uma dupla e de autonomia existenciais. Fez nascer o indi-
frente: constituir um mercado de trabalho e víduo que, alienado em seu trabalho, também o
disciplinar o trabalhador para o regime inte- será em seu consumo” (Gorz, 2003, p. 31).
gral e impositivo da jornada de trabalho. Ele Em segundo lugar, a necessária produ-
procede à tarefa de tornar calculável tanto o ção de mercadorias necessita de sua contrapar-
custo do trabalho como seu rendimento. Além tida, o consumo. Não basta produzir de manei-
disso, transforma o trabalho – atividade por ra mais eficiente se essa produção esbarra em
excelência – em uma grandeza material quan- uma mentalidade de uma sociedade acostuma-
tificável e destacável da pessoa que o executa. da a limitar socialmente as necessidades. Aqui
Dedica-se ao esforço de “distinguir o trabalho se trava outra batalha de proporções gigantes-
(categoria econômica quantificável) da pessoa cas: o imperativo de transpor a natureza limi-
viva do trabalhador” (Gorz, 2003, p. 29). Abre, tada das necessidades.
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dessa maneira, o caminho para transformar o Em sociedades pré-capitalistas, “a produ-


trabalho em mercadoria. Doravante, também o ção destinada à troca mercantil é, em suma, re-
trabalho será encontrado, negociado e trocado grada pelo mesmo princípio de ‘suficiência’ que
no mercado. E está aberto, além disso, o cami- rege a produção para o autoconsumo domésti-
nho para o trabalho abstrato, base para a com- co” (Gorz, 2003, p. 111). Em Gorz, a categoria
preensão da forma emprego. do “suficiente” assume capital importância,
A instauração do cálculo contábil é pois regula o “equilíbrio entre o nível de satis-
fundamental nesse processo. “Tudo pode ser fação e o volume de trabalho em si” e, como tal,
calculado, e deve ser calculado, se quero ga- “não é uma categoria econômica: é uma cate-
nhar” (Gorz, 2003, p. 109). O cálculo torna-se goria cultural, ou existencial” (Gorz, 2003, p.
o critério supremo de avaliação. Determinada 112). O suficiente é uma categoria estranha à
atividade vale a pena ser executada ou não, em racionalidade econômica, que, ao contrário, só
vista do cálculo das vantagens e desvantagens, “conhece as categorias do ‘mais’ e do ‘menos’”
sem que se tenha em conta minhas preferên- (Gorz, 2003, p. 112). O cálculo contábil “pro-
cias. E o cálculo é sempre o cálculo matemá- gressivamente substituiu a ordem tradicional
tico, frio, imparcial, lógico. Todos os outros por uma ordem formal de rigor absolutamente

490
André Langer

coercitivo” (Gorz, 2003, p. 112). Foi o caráter não o contrário. As necessidades de consumo
revolucionário da introdução do cálculo que deveriam crescer pelo menos tão rapidamen-
permitiu “emancipar-se de toda tutela exterior te quanto o aumento da produção de merca-
e era gerador de uma ordem cujas leis objetivas dorias (Gorz, 2003). “A eficiência ilimitada na
não admitiam apelo” (Gorz, 2003, p. 112). valorização do capital exigia assim o máxi-
A consequência mais importante é que a mo ilimitado de ineficiência na provisão das
racionalidade econômica “separava o trabalho necessidades e de desperdício no consumo”
de sua necessidade. A finalidade do trabalho (Gorz, 2003, p. 115), o que abre margem para
não era mais a satisfação das necessidades” uma série de análises críticas de Gorz sobre a
(Gorz, 2003, p. 113). O trabalhador “não pro- questão do consumo e do consumismo. Nesse
duz nada do que consome e não consome nada autor, encontramos uma crítica radical do mo-
do que produz” (Gorz, 2003, p. 30). A nova fi- delo de consumo, sempre vinculada à crítica
nalidade do trabalho passa a ser a de ganhar o do modelo de produção, o que, por sua vez,
suficiente para poder comprar as mercadorias entrelaça economia, sociedade e natureza.
produzidas pela máquina social. Na medida O sucesso da ideologia do progresso ili-
em que a paixão racionalizadora se autonomi- mitado, do “crescimentismo”, consiste na ca-
za em relação a qualquer outra finalidade, ela pacidade que o sistema capitalista tem para
faz aparecer alavancar indefinidamente o consumo de
mercadorias. Para isso, vale-se de algumas es-
... uma medida objetiva da eficácia, do esforço e da
vitória: o montante do ganho. Vencer não era, por-
tratégias que incluem o recurso à propaganda
tanto, uma questão de apreciação pessoal e de “qua- (travestir as mercadorias de símbolos), ao au-
lidade de vida”; era mensurável pela quantidade de mento da obsolescência dos produtos, à subs-
dinheiro ganho, pela fortuna acumulada. A quan- tituição dos consumos e serviços coletivos por
tificação fazia surgir um critério irrecusável e uma consumos e serviços individuais, entre outros
escala hierárquica que não precisavam ser validadas
(Gorz, 1978, 2010; Latouche, 2009).
por nenhuma autoridade, nenhuma norma, nenhu-
ma escala de valores. A eficiência era mensurável
Ironicamente, embora o capitalismo in-
e, através dela, a capacidade de um indivíduo, sua dustrial, em sua época, tenha superado dois
virtude: mais vale mais que menos, aquele que con- grandes limites – transformar o trabalho em
segue ganhar mais vale mais que aquele que ganha mercadoria, o trabalho concreto em trabalho
menos (Gorz, 2003, p. 113). abstrato e vencer as barreiras do suficiente –,
Na essência dessa nova lógica está o fato atualmente, o capitalismo financeiro defronta-

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de que a medida quantitativa “não admite ne- se com um novo e insuperável limite: o de que
nhum princípio de autolimitação” (Gorz, 2003, sua ânsia de crescimento indefinido esbarra
p. 113), ignora não apenas a categoria do “sufi- em um limite externo, que é o limite imposto
ciente”, mas também aquela do “excesso”. Pro- pela disponibilidade dos recursos naturais na
cedendo assim, “eliminava qualquer critério que proporção, no volume e na velocidade deseja-
permitisse satisfazer-se com o que se possui, dos (Gorz, 1978, 2010), o que deflagra a crise
com o que se fez, com o que se projetava fazer” de reprodução desse sistema com a natureza,
(Gorz, 2003, p. 113) e, por conseguinte, leva a conforme vimos anteriormente.
sociedade como um todo a substituir o antigo Um dos objetivos de Gorz é chamar a
princípio do “isso me basta” pelo novo princípio atenção para a irracionalidade do que se en-
do “quanto mais, melhor” (Gorz, 2003). tende por racionalidade econômica. O capital
As consequências logo se farão sentir. se autonomiza em relação às necessidades re-
A crescente produção de mercadorias cami- ais das pessoas e passa a girar em um circuito
nha lado a lado com o seu necessário consu- que vive para si e não mais para as socieda-
mo, que passa a estar a serviço da produção, e des a serviço das quais deveria estar (Polanyi,

491
RACIONALIDADE ECONÔMICA, TRABALHO E ECOLOGIA ...

2000). Na perspectiva da lógica contábil, o que Uma primeira perspectiva centra-se na


vale é o crescimento do PIB, mesmo que isso autolimitação das necessidades. Gorz está con-
se dê à custa de “empregos” que não fazem vencido da necessidade de fazer esse debate.
sentido para aqueles que os “têm”, da falta de Ao mesmo tempo, sabe que essa é uma questão
saúde ou mesmo da destruição da natureza. O extremamente complexa. Ele parte da consta-
importante é o crescimento da produção e do tação de que “todas as necessidades e desejos
consumo de mercadorias. “O sistema só pode- são necessidades e desejos de mercadorias, ou
ria mesmo crescer e se reproduzir ao acelerar a seja, necessidades de dinheiro. Nós produzi-
destruição e, ao mesmo tempo, a produção de mos a riqueza em dinheiro, que, por sua essên-
mercadorias” (Gorz, 2010, p. 52). cia abstrata e sem limites, dá origem a neces-
sidades igualmente sem limite” (Gorz, 2010,
p. 60). A ideia do “suficiente” – “ideia de um
PERSPECTIVAS: “é preciso ousar o limite para além do qual nós produziríamos e
êxodo” consumiríamos demasiadamente” – “não per-
tence à economia nem à imaginação econô-
Por isso mesmo, “a racionalidade eco- mica” (Gorz, 2010, p. 60), exatamente por ser
nômica deve ser limitada” (Gorz, 1999, p. 89), uma categoria estranha à lógica da racionali-
o que se constitui em uma gigantesca obra de dade econômica. Gorz conserva a capacidade
imaginação teórico-prática para a qual Gorz de reinserir a discussão no social, no político,
também contribui. no cultural.
Como as necessidades têm algo de rela-
É preciso aprender a discernir as possibilidades não
tivo, seus limites não podem simplesmente ser
cumpridas que dormitam nas dobras do presente.
impostos, ou sua satisfação se dar pelo aces-
É preciso querer apropriar-se daquilo que se
transforma. É preciso ousar o Êxodo. [...] É preciso so ao poder econômico. “Não existe nenhuma
aprender a enxergar, por detrás das resistências, das norma comumente aceita do suficiente que
disfunções, dos impasses de que é feito o presente, os possa servir de referência à autolimitação. E,
contornos dessa outra sociedade (Gorz, 2004, p. 9). no entanto, esta continua a única via não au-
toritária, democrática, para uma civilização
Temos a convicção de que o conceito de
industrial ecocompatível” (Gorz, 2010, p. 36).
racionalidade econômica, embora tematizado
A norma do suficiente, “na falta de uma base
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tardiamente – Gorz o faz apenas em 1988 em


tradicional, deve ser definida politicamente”
Metamorfoses do Trabalho –, é central em sua
(Gorz, 2010, p. 37). A autolimitação das neces-
análise do sistema capitalista. E analisa tam-
sidades requer um ambiente de “supressão da
bém suas consequências tanto para a questão
alienação” (Gorz, 1991, p. 36) e de retomada da
do trabalho como para a questão do ambiente.
utopia, outro tema caro a Gorz.
São dois campos que foram objeto de refle-
Ao contrário do que propõe o capitalis-
xão e produção ao longo de sua vida (Langer,
mo, recorrendo ao uso de uma carga asfixiante
2007). Além disso, Gorz recusa-se a permane-
de propaganda e publicidade, as “necessidades
cer apenas na análise, embora crítica, do capi-
poderiam ser mais bem satisfeitas por um flu-
talismo. Ele canaliza parte de sua energia para
xo menor de produtos, melhores e mais dura-
pensar saídas, que têm em comum o fato de
douros [...]. Nós poderíamos viver e trabalhar
requererem a limitação da racionalidade eco-
menos e consumir menos, na condição de con-
nômica, condição básica e fundamental do seu
sumir de outra maneira” (Gorz, 1991, p. 172).
horizonte utópico. Nos limites deste artigo,
Mas isso implica uma mudança de paradigma,
apresentamos algumas perspectivas avançadas
que pode ser resumida na divisa “menos, mas
por Gorz.
melhor” (Gorz, 1991, p. 172).

492
André Langer

A perspectiva ética e antropológica sub- desenvolvimento econômico, com redução simultâ-


jacente remete a conceitos apagados e esque- nea da duração do trabalho e extensão, favorecida
pelos equipamentos coletivos ou comunitários, das
cidos pela racionalidade econômica, o que
possibilidades de autoprodução cooperativadas ou
induz a uma “religião do crescimento” (Gorz, associativas (Gorz, 1991, p. 38-39).
2010, p. 30). A mudança do modo de vida as-
senta-se sobre novas bases. Para se contrapor Podemos imaginar as resistências que
à lógica dominante do “consumo opulento”, já uma política de sociedade assim concebida
existem, em nossas sociedades, experiências e enfrenta em um contexto em que o crescimen-
construções teóricas que põem em movimento to econômico – muitas vezes desvinculado do
a lógica da sobriedade, da frugalidade, da sim- desenvolvimento geral – é um imperativo ca-
plicidade, da gratuidade. São todas maneiras tegórico de sobrevivência, e de como constitui
de dizer “isso me basta” e que partem não de um desafio de difícil aceitação, inclusive para
uma imposição autoritária, mas são livremente setores da esquerda.
escolhidas. Uma segunda perspectiva diz respeito
À luz desse horizonte, compreende-se ao lugar social concedido ao trabalho. Uma das
melhor a adesão de Gorz ao “decrescimento”, questões centrais do pensamento de Gorz diz
que, na sua concepção, significa produzir me- respeito à análise crítica do trabalho. Diz ele:
nos mercadorias. Serge Latouche, economista
É preciso ousar o êxodo da ‘sociedade do trabalho’:
francês simpático e continuador das ideias ela não existe mais e não será mais restabelecida.
de Gorz, endossa essa posição de seu cole- [...] É preciso que o “trabalho” perca sua centralida-
ga francês, pois a “sociedade de crescimento de na consciência, no pensamento, na imaginação
não é sustentável nem desejável” (Latouche, de todos. É preciso aprender a vê-lo sob um outro
olhar: não mais pensá-lo como algo que possuímos
2006, p. 2). O decrescimento deve ser enten-
ou não possuímos, mas como algo que fazemos. Pre-
dido como necessariamente anticapitalista.
cisamos ousar e desejar recuperar a apropriação do
Pois, como o crescimento e o desenvolvimento trabalho (Gorz, 2004, p. 9).
são crescimento da acumulação do capital e
desenvolvimento do capitalismo, “o decresci- A peculiaridade de sua abordagem con-
mento é obrigatoriamente um decrescimento siste em delimitar o que se entende por traba-
da acumulação, do capitalismo, da exploração lho economicamente racional. O trabalho ra-
e da predação” (Latouche, 2009, p. 128) e, por cional, no sentido econômico, de acordo com
conseguinte, “implica ao mesmo tempo redu- Gorz, deve preencher quatro requisitos:

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ção quantitativa e transformação qualitativa a) criar valor de uso;
do trabalho” (Latouche, 2009, p. 117). Ele re- b) ter em vista uma troca comercial;
presenta um “imperativo de sobrevivência. Po- c) ser realizado na esfera pública;
rém, ele supõe uma outra economia, um outro d) ter o tempo como critério de medida da pro-
estilo de vida, uma outra civilização, outras dutividade (Gorz, 2003).
relações sociais” (Gorz, 2010, p. 17). Por isso, o O autor defende que “não basta que uma
decrescimento é uma “boa ideia”, pois “convi- atividade seja empreendida em vista de sua
da a imaginar como viver melhor consumindo troca mercantil (de sua remuneração) para que
e trabalhando menos e de maneira diferente” ela seja trabalho no sentido econômico” (Gorz,
(Gorz, 2010, p. 57). 2003, p. 137). Ele está na contramão da gran-
de maioria ao propor não uma extensão das
O decrescimento da produção de mercadorias e de
atividades englobadas pela noção de trabalho
serviços mercantis deverá ser realizada graças a
uma autolimitação das necessidades compreendida
no sentido econômico, mas uma delimitação
ela mesma como uma reconquista da autonomia, (Langer, 2007). Ao invés de entregar atividades
isto é, graças a uma reorientação democrática do à lógica do capital, procura arrancá-las dela.

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RACIONALIDADE ECONÔMICA, TRABALHO E ECOLOGIA ...

Por trás disso está um determinado projeto de vimento dos indivíduos” (Gorz, 1991, p. 173).
sociedade. Mas Gorz cedo percebeu que o capita-
Gorz propõe duas políticas: a primeira lismo, dada sua capacidade de resiliência,
diz respeito à diminuição do tempo de traba- poderia assimilar a pressão ambiental e incor-
lho, com vistas a partilhar, entre todos, o traba- porá-la com vistas a seus interesses, tirando
lho social necessário e aumentar o tempo livre, proveito, inclusive, da destruição da natureza.
dedicado ao exercício de atividades não neces- Por isso, em um artigo publicado originalmen-
sariamente econômicas, mas criadoras de rela- te na revista Le Sauvage, em 1974, e depois
ções sociais e cheias de sentido (Gorz, 2004); incorporado ao livro Écologie et Politique, fala
a segunda diz respeito à defesa incondicional na ecologia “deles”, contrapondo-a à “nossa”,
da renda universal de existência (Gorz, 2004, com objetivos e fins diversos. Ali ele insiste na
2005; Langer, 2004). A renda garantida deve necessidade de opor à divisa da sociedade ca-
tornar possíveis, segundo Gorz, todas “as ativi- pitalista, à “ideologia do crescimento” – “Aqui-
dades fora do mercado, fora de compatibilidade lo que é bom para todos não vale nada. Você
e fora de normas, e que não são e não produzem só será respeitado se for ‘melhor’ do que os ou-
nada de permutável por outra coisa, nada de tros” –, esta outra, uma divisa ecológica – “Só é
mensurável e de traduzível em seu equivalente digno de você aquilo que é bom para todos. Só
monetário” (Gorz, 2005, p. 75). Baseia-se mais merece ser produzido o que não favorece nem
em critérios antropológicos do que econômicos. diminui ninguém” (Gorz, 1978, p. 14).
Entrelaçada com essa perspectiva está a Nesse sentido, a ecologia política deve
ecologia política. “O reequilíbrio entre trabalho necessariamente ser anticapitalista e socialista.
remunerado, de um lado, atividades não remu-
Para viver melhor, é preciso daqui em diante pro-
neradas e lazeres, de outro, é particularmente duzir e consumir de outra maneira, fazer melhor
importante na perspectiva de uma reestrutura- e mais com menos, eliminando, para começar, as
ção ecológica da sociedade” (Gorz, 1991, p. 169), fontes de desperdício (exemplo: as embalagens per-
porque há uma relação entre o tempo dedicado didas, o mau isolamento térmico, a prevalência do
ao trabalho remunerado e a tendência ao consu- transporte rodoviário, etc.) e aumentando a durabi-
lidade dos produtos (Gorz, 1991, p. 194).
mo de mercadorias. Inversamente, “a autolimi-
tação da duração do trabalho, o ‘tempo escolhi- Por essa maneira de ser e de pensar de
do’ torna possível a autolimitação da renda e do Gorz, a sociedade socialista continua a estar
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consumo mercantil, segundo as necessidades e no horizonte de suas utopias; mas o conteúdo


os desejos realmente sentidos por cada pessoa” do socialismo precisa ser repensado, alargado,
(Gorz, 1991, p. 170). Consequentemente, “o im- ressignificado, pois esse sistema “não é melhor
perativo ecológico exige um decrescimento da que o capitalismo se ele recorre aos mesmos
economia, mas esse decrescimento não exige ne- instrumentos. A dominação total do homem
cessariamente sacrifícios, mas renúncias” (Gorz, sobre a natureza entranha inevitavelmente
1991, p. 171, grifo do autor). uma dominação do homem pelas técnicas de
Uma ecologia política implica “uma mu- dominação” (Gorz, 1978, p. 28). Pelo contrário,
dança de paradigma”, que Gorz resume na divi- o socialismo deve ser “a resposta positiva à de-
sa “menos, mas mais” (Gorz, 1991, p. 172), que sintegração dos laços sociais sob o efeito das
se contrapõe à divisa capitalista de “produzir relações mercantis e da concorrência, caracte-
mais, consumir mais”... Ela tem em vista “re- rísticas do capitalismo” (Gorz, 1991, p. 87).
duzir a esfera na qual a racionalidade econô-
mica e as trocas mercantis são desenvolvidas e
colocar a serviço de fins societários e culturais Recebido para publicação em 05 de junho de 2017
Aceito em 28 de julho de 2017
não quantificáveis, a serviço do livre desenvol-

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André Langer

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RACIONALIDADE ECONÔMICA, TRABALHO E ECOLOGIA ...

ECONOMIC RATIONALITY, WORK AND RATIONALITÉ ÉCONOMIQUE, TRAVAIL ET


ECOLOGY IN ANDRÉ GORZ ÉCOLOGIE CHEZ ANDRÉ GORZ

André Langer André Langer

This article’s objective is to present André Gorz’s L’objectif de cet article est de présenter l’analyse
critical analysis of work and political ecology starting critique d’André Gorz sur le travail et l’écologie
from the centrality that the concept of economic politique. Notre point de départ est la centralité
rationality acquires in his thought. To the author, que le concept de rationalité économique dans le
the unlimited extension of economic rationality to capitalisme acquiert dans sa pensée. Selon lui,
work and nature is considered futureless from the l’extension illimitée de la rationalité économique
viewpoint of society. Gorz recognizes the intimate au travail et à la nature est considéré sans avenir du
relationship between criticism of capitalism point de vue de la société. Gorz reconnaît l’étroite
and the task of political ecology. Another aspect relation existante entre la critique du capitalisme
present in his work – the least explored one – is the et la tâche de l’écologie politique. Un autre aspect
relationship between work and ecological crisis. présent dans son œuvre, et beaucoup moins
Capitalism appropriates work or employment not exploré, est la relation entre le travail et la crise
just for its interests, but also for transforming them écologique. Le capitalisme s’approprie le travail ou
into instruments of environmental destruction. l’emploi non seulement pour les soumettre à ses
This paper also aims to indicate – following the intérêts mais aussi les transforme en instruments
spirit of Gorz, although in a succinct manner – a de destruction de la nature. Cet article veut aussi,
few alternative horizons. bien que de manière succincte mais fidèle à l’esprit
de Gorz, donner quelques alternatives pour de
nouveaux horizons.

Keywords: Gorz. Economic rationality. Labor. Mots-clés: Gorz. Rationalité économique. Travail.
Political ecology. Capitalism. Ecologie politique. Capitalisme.
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André Langer – Doutor em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Professor na
Faculdade Vicentina – FAVI, de Curitiba, e tradutor. Entre suas publicações está: Pelo êxodo da sociedade
salarial. A evolução do conceito de trabalho em André Gorz. Cadernos IHU, v. 2, n. 5, 2004.

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