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ESCAPARATE

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1. RECENSÕES

Francis FUKUYAMA, A Grande Ruptura. A natureza humana e a


reconstituição da ordem social (trad. do inglês), Lisboa, Quetzal Editores,
2000, 493 p.

Francis Fukuyama tornou-se um autor relativamente conhecido, mesmo


em Portugal, após a publicação, em 1992, da sua obra, aliás polémica,
intitulada O fim da História e o último homem (traduzida para português pela
Gradiva, nesse mesmo ano). Três anos depois, o autor deu a lume um outro
estudo, denominado Confiança. Valores sociais e criação de prosperidade
(cuja tradução portuguesa, da mesma editora, data de 1996). Mais
recentemente (1999), Fukuyama apresentou o seu terceiro livro da série, sob
o título A Grande Ruptura. A natureza humana e a reconstituição da ordem
social (Tradução da Quetzal Editores, Lisboa, 2000).
Nesses três livros, pretendeu analisar aquilo que considera como os “três
componentes irredutíveis da modernidade”, respectivamente o estado, a
sociedade civil e a família (Expresso/Economia, 24.06.2000). Acrescente-se
que, de entre eles, o primeiro e o terceiro foram os que despertaram mais
atenção. Aquele, devido ao próprio tema e à controvérsia a ele associada. É
que, mais que do “fim da História”, do que efectivamente se trata é do “fim
de uma certa história” ou, por outras palavras, do “fim de um determinado
ciclo histórico”. Este ter-se-á caracterizado, essencialmente, pela evolução e
pelo triunfo das democracias liberais.
Quanto ao último, A Grande Ruptura ? além da pertinência da temática e
da forma como Fukuyama a estuda ? , também contribuiu para a sua
divulgação o facto de o autor, pouco tempo após o aparecimento da tradução
portuguesa, nas livrarias, ter participado, em Lisboa, na conferência
Globalização, Desenvolvimento e Equidade, organizada pela Fundação
Calouste Gulbenkian (Junho de 2000). O evento foi largamente noticiado por
vários órgãos da comunicação social, alguns dos quais aproveitaram o ensejo
para o entrevistar.
Concorde-se ou não com as teses do autor ? e as opiniões estão longe de
ser unânimes ? , o certo é que elas não nos podem deixar indiferentes nem,
tão-pouco, deverão ser esquecidas. Com efeito, os fenómenos analisados,
segundo uma metodologia eminentemente interdisciplinar, com o recurso a
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áreas do saber tão diversas como a filosofia e a psicologia, a sociologia e a


demografia, a ética e a economia, entre outras, dizem respeito a todos nós,
merecendo, pelo menos, ser equacionados, discutidos ou mesmo refutados.
Entretanto, foquemos, mais de perto, a última das obras escritas pelo autor.
A Grande Ruptura. A natureza humana e a reconstituição da ordem
social (Lisboa, Quetzal, 2000) encontra-se estruturada em três partes, assim
intituladas: “A Grande Ruptura”, “Da genealogia da moral” e “A Grande
Reconstrução”. O assunto é explanado ao longo de dezasseis tópicos. Ao
texto segue-se um apêndice (com gráficos e fontes estatísticas), notas e duas
dezenas de páginas com a bibliografia.
Na primeira parte, Fukuyama ocupa-se da Grande Ruptura, entendendo
por esta o declínio, verificado de meados dos anos 1960 aos inícios da
década de 1990, dos valores sociais prevalecentes a partir de meados do
século XIX. Em seu entender, esse declínio ? que se traduziu, em última
análise, por uma diminuição do “capital social” ? é bem legível nas seguintes
estatísticas: criminalidade, crianças “sem pais”, baixa de rendimento escolar,
redução das oportunidades e quebra de confiança.
Os fenómenos sociais acabados de referir, entre vários outros, ocorreram
praticamente em todos os países desenvolvidos, pelo menos do Mundo
Ocidental. Devido à sua extensão e, inclusive, à sua intensidade, podemos
interrogar-nos, como fez o autor, acerca das respectivas causas. Estas não
deverão ser procuradas num único país, num certo regime político ou mesmo
numa determinada cultura, visto terem-se verificado em contextos muito
diversos. Assim, Fukuyama começa por constatar a coincidência temporal
entre: por um lado, o enfraquecimento dos laços sociais e dos valores
comuns que são o cimento das sociedades ocidentais; por outro, o facto de
esse enfraquecimento se ter manifestado, precisamente, quando as economias
dessas sociedades faziam a transição da era industrial para a era da
informação.
Baseando-se nesse pressuposto, o autor acrescenta: «o postulado deste
livro é que os dois factores estão de facto intimamente ligados, e que
juntamente com todas as bênçãos que decorrem de uma economia mais
complexa, baseada na informação, algumas coisas más aconteceram também
na nossa vida social e moral. As ligações foram tecnológicas, económicas e
culturais» (p. 20). Concretizando, aponta: a transformação da natureza do
trabalho (substituição do esforço físico pelo esforço intelectual) e a entrada
de milhões de mulheres no mercado de trabalho, minando as premissas
tradicionais em que a família se baseava; inovações na tecnologia médica,
como a pílula anticoncepcional e o acréscimo da longevidade, reduzindo o
papel da reprodução e da família na vida das pessoas; a cultura do

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individualismo intensivo, ao enfraquecer os laços que mantinham unidas


famílias, comunidades e pessoas.
Refira-se, no entanto, que a mensagem do autor não é de pessimismo.
Com efeito, entende tratar-se de mais um ciclo, algo semelhante a outros já
registados pela história. Um deles teve lugar na primeira metade do século
XIX, em resultado da primeira revolução industrial, durante o qual se deu
uma acentuada degradação moral e social. Todavia, na segunda metade da
mesma centúria, a tendência alterou-se e a sociedade recompôs-se da
turbulência vivida anteriormente.
Por outro lado, recordando a conhecida expressão de Schumpeter, de
“destruição criadora”, o autor afirma: «a ordem social, uma vez perturbada,
tende a refazer-se, e são inúmeras as indicações de que é o que está
actualmente a acontecer. Podemos ter esperança de que assim seja por uma
razão muito simples: os seres humanos são por natureza criaturas sociais,
cujos impulsos e instintos mais básicos os levam a criar regras morais que os
liguem às comunidades. São também por natureza racionais, e a sua
racionalidade permite-lhes criar modos de cooperarem uns com os outros»
(p. 21).
Sublinha o valor das regras, tanto para a esquerda como para a direita.
Destaca, igualmente, a importância do capital social, além da do capital
físico e do capital humano. Segundo o autor, «o capital social pode ser
definido simplesmente como um conjunto de valores informais ou normas
partilhadas pelos membros de um grupo e que permite a cooperação entre
essas pessoas» (p. 36). Acrescenta que o capital deve incluir virtudes como
dizer a verdade, cumprir obrigações e praticar a reciprocidade. Recordando a
tese de Max Weber ? em A ética protestante e o espírito do capitalismo ? ,
Fukuyama afirma que o «capital social produz riqueza e tem
consequentemente um valor económico para a economia nacional» (p.33).
Ao focar a “genealogia da moral” (2.ª parte), o autor analisa o papel das
redes, das relações familiares e dos raios de confiança. Por exemplo, ao
mencionar o significado das relações familiares na cultura de empresa, volta
a chamar a atenção para o caso chinês (o que também já fizera na sua obra
Confiança), do seguinte modo: «As empresas chinesas são geralmente
familiares e formam alianças baseadas não em qualquer espécie de critério
relacionado com a maximização dos lucros, mas em relações familiares ou de
amizade pessoal» (p.75). O “familismo”, que na China se encontra enraizado
na ideologia de Confúcio, no mundo católico tem raízes culturais na tradição
latina da família e na importância que o catolicismo lhe atribui.
Seguir-se-á, à Grande Ruptura, a Grande Reconstrução? É este o
tópico da terceira parte da obra em análise. O autor não só admite que sim
como julga ter-se iniciado já a inversão da tendência, pelo menos em alguns
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países. Os valores decrescentes de certas estatísticas (taxas de criminalidade


e de divórcios, entre outras), desde os inícios dos anos 90, parecem
comprová-lo. Em certo sentido, a própria sobrevivência da sociedade
depende do reforço e da revalorização do capital social.
Daí o relativo optimismo do autor, ao escrever: «as modernas economias
capitalistas, pós-industrias, vão gerar uma constante procura de capital social.
A longo prazo, deverão ser igualmente capazes de produzi-lo em quantidades
suficientes para responder à procura. Podemos estar razoavelmente certos
disto porque sabemos que os agentes privados tenderão, na prossecução dos
seus próprios objectivos, a gerar capital social e as virtudes que lhe estão
associadas, como honestidade, fiabilidade e reciprocidade» (p. 371).
A crescente importância que, ultimamente, tem vindo a ser atribuída às
culturas de empresa não é estranha à dita reabilitação e procura de capital
social. Além disso, também a tendência para o aumento dos níveis de
educação favorecerá a acumulação de capital social, dada a relação positiva
existente entre os dois fenómenos (p. 376).
Ao concluir o seu trabalho, Fukuyama admite haver dois processos a
funcionar em paralelo, que descreve pelas seguintes palavras: a) «na esfera
política e económica, a História parece ser progressiva e direccional, e no
final do século XX culminou na democracia liberal com a única alternativa
viável para as sociedades tecnologicamente avançadas»; b) «na esfera social
e moral, porém, parece ser cíclica, com acréscimos e decréscimos de ordem
social no decurso de várias gerações. Nada garante que haverá voltas para
cima neste ciclo. A nossa única razão para ter esperança é a poderosíssima
capacidade humana de reconstituir a ordem social» (p. 410).
A obra cujo conteúdo se acaba de sintetizar é de leitura aliciante e nela se
focam alguns dos problemas mais complexos e pertinentes das sociedades
contemporâneas. O autor é professor na George Mason University na
Virgínia, Estados Unidos da América do Norte. É doutorado em Ciência
Política (Universidade de Harvard), tendo colaborado em várias revistas,
além de ser autor das obras já anteriormente referenciadas. A sua análise,
baseada embora numa bibliografia relativamente extensa, constitui uma
síntese interpretativa com originalidade, de fenómenos bem conhecidos, mas
sobre os quais nem sempre reflectimos.
Naturalmente que também é possível fazer-lhe alguns reparos, dos quais
destaco certos aspectos que me parecem mais evidentes. Em primeiro lugar,
uma focalização excessiva nas transformações operadas na sociedade norte-
-americana, apesar de também se referir com alguma frequência a várias
outras sociedades do mundo tecnologicamente desenvolvido.
As ilações tiradas pelo autor, sobre a coincidência temporal e a íntima
relação, entre a Grande Ruptura e a transição da sociedade industrial para a
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sociedade pós-industrial ou da informação, perdem algum do seu carácter


supostamente universal, se tivermos presentes alguns exemplos de países
asiáticos, aliás invocados na própria obra. Assim, relativamente a um dos
índices mais utilizados ? o da criminalidade ? , o autor declara: «os países
asiáticos de alto rendimento, como o Japão au Singapura, apresentam níveis
decrescentes de crime violento neste período [anos 60-inícios dos anos 90]»
(p. 58). Assim sendo, há que dar mais relevo à cultura e à própria história,
dado que estas podem dar origem a consideráveis diferenças, como é o caso.
Por outro lado, também a hipótese da diferença entre a linearidade da
história política e social e o carácter cíclico da história social e moral,
embora reveladora de uma certa criatividade, por enquanto não passa de
mera hipótese, a carecer de posteriores e mais aprofundadas investigações.
Aliás o próprio autor revela alguma prudência, ao admitir que a última
“parece ser cíclica”.
Antes de concluir, chama-se a atenção para alguns aspectos da tradução e,
sobretudo, para as diversas gralhas que pululam no texto. Quanto à tradução,
parece-me que, em vez de “destruição criativa” (p. 21), de “teorista” (p. 25) e
de “grandes armazéns”, no Japão (p. 200), se adequariam melhor,
respectivamente, “destruição criadora”, teórico” e “centros comerciais”.
Quanto às gralhas, anotem-se as cometidas nas seguintes palavras que aqui se
grafam de forma correcta: “evidentemente” (p. 77), “diversas” (p. 112),
“individuais” (p. 118), “numa” (p. 138), “diante de”(p. 160), “se verem”
(p. 184), “convicção” (p. 186) e “criação”(p. 374).

José Amado Mendes

Antony GIDDENS, O mundo na era da globalização (trad. do inglês por


Saul Barata), Lisboa, Presença, 1999, 92 p.

Giddens reúne neste livro um conjunto de conferências feitas na BBC no


ano de 1999, transmitidas pela rádio 4 e pelo World Service da televisão
britânica. Realça-se a importância de Giddens ter sido o último conferencista
do séc. XX escolhido pela Organização para tratar temas tão actuais, que se
prendem directa ou indirectamente com o fenómeno da globalização. Cada
conferência se queda por um assunto específico que revela estarmos,
segundo o autor, a viver num mundo em processo de mudança acelerada,
apresentando a ideia de um “mundo desvairado” (p. 11). Fenómeno que se

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faz sentir por todo o mundo, não estando confinado a nenhuma zona do
globo (p. 15).
Assim, o mérito deste livro reside, naturalmente, no valor da sua
contribuição para o fenómeno da globalização, por um lado e, por outro,
porque são escassos os estudos escritos e traduzidos em português sobre este
assunto da globalização. Esta obra revela a importância que o tópico da
globalização tem conquistado neste fim do milénio e nos diversos sectores
das sociedades actuais. Não é um grande livro, mas é um livro interessante,
que consta de um prefácio, introdução e um conjunto de cinco conferências:
globalização, risco, tradição, família e democracia, apresentando uma
bibliografia específica para cada tema, com um resumo de cada obra, o que
pode ajudar quem pretender aprofundar os temas em questão. O livro fala-
-nos de algumas das mais importantes análises sobre áreas da convivência
multinacional e multicultural nesta era da globalização.
No prefácio, o autor procura explicar o que pretendeu com este conjunto
de conferências, onde foram gravadas, agradece a todas as pessoas que
contribuíram para o debate que as conferências provocaram na Internet, bem
como a todas as que estiveram envolvidas nas produções e nos êxitos
alcançados.
Na introdução, o autor revela as preocupações do impacte da
globalização na ciência, na tecnologia e no pensamento racionalista,
realçando que o mundo, em que se vive, não se parece com aquele previsto
pelo Iluminismo. Isto porque, em vez de estar cada vez mais dominado por
nós, parece descontrolado, um mundo virado do avesso, que afecta a vida
corrente e determina o que se passa à escala planetária. É por isso que o livro
inclui não só os aspectos da globalização da economia, mas considera
também os aspectos do risco, da tradição, da família e da democracia porque
todos eles afectam não só os mercados, mas também as maneiras de viver e
as culturas das regiões do mundo.
Na primeira parte Giddens desenvolve o conceito de globalização e
chama a pertinência desta palavra, no mundo em transformação em que
vivemos, afectando tudo, ou quase tudo o que fazemos, não podendo ser
ignorada por ninguém que pretenda progredir. Diz o autor: “Nenhum guru da
gestão a dispensa. Nenhum discurso político fica completo sem se referir a
ela” (p. 20). O autor evidencia duas teorias contraditórias em relação ao
conceito de globalização: uma que não aceita de modo nenhum o conceito e
que ele define como cépticos; e, a outra, que considera a globalização um
facto concreto e a que chama radicais. Para os cépticos a globalização não
passa de um mito, quaisquer que sejam os benefícios, preocupações ou
dificuldades, a economia global não é assim tão diferente da que existia em
períodos antecedentes. O mundo continua o mesmo, está assim desde há
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muitos anos. Os governos continuam a ter capacidade para controlar a vida


económica e manter intactos os benefícios do Estado-providência. Para estes
teóricos, a globalização faz parte da perspectiva dos adeptos da liberalização
do comércio que querem destruir os sistemas de segurança social e diminuir
os gastos públicos.
Pelo contrário, para os radicais a globalização é um facto bem concreto,
cujos efeitos se fazem sentir por toda a parte. O mercado global está muito
mais desenvolvido do que estava em épocas recentes, nos anos 60 e 70, e é
indiferente às fronteiras nacionais. As nações perderam uma boa parte da
soberania que detinham e os políticos perderam muita da sua capacidade de
influenciar os acontecimentos (p. 20). O autor coloca-se ao lado dos radicais,
argumentando e defendendo que: “o volume do comércio externo de hoje é
superior ao de qualquer período anterior e abrange uma gama muito mais
extensa de bens e serviços”. O autor afirma que a maior diferença regista-se a
nível financeiro e nos movimentos de capitais (idem). Assim, a obra reflecte
sem hesitar que a globalização, tal como estamos a vivê-la, a muitos
respeitos é algo revolucionário. Sem dúvida, esta é a parte mais original e
polémica da obra: “[...] nem os cépticos nem os radicais compreenderam
inteiramente o que é a globalização ou quais são as suas implicações em
relação às nossas vidas. Para ambos os grupos trata-se, antes de tudo, de um
fenómeno de natureza económica. O que é um erro. A globalização é
política, tecnológica e cultural, além de económica” (p. 22). Efectivamente, a
globalização não evolui de forma imparcial, é um erro pensar-se que a
globalização só diz respeito aos grandes sistemas financeiros mundiais, pois
influencia aspectos íntimos e pessoais das nossas vidas, onde nem sempre as
suas consequências são totalmente benignas. A globalização “mexe” com
critérios de justiça, a nível mundial e social.
Na segunda parte, onde analisa o risco, o autor demonstra como certos
eventos naturais podem impor mudanças que são difíceis de controlar, mas
que são nefastas para o desenvolvimento industrial global e apresenta, como
exemplo, a alteração do clima com estragos no habitat terrestre. Permanece a
dúvida e a incerteza sobre muitas outras mudanças que teremos de suportar e
que envolvem riscos imprevisíveis no planeta. Daí que, segundo o autor, a
noção de risco seja inseparável das ideias de probabilidade e de incerteza. O
que ele distingue de perigo. O risco refere-se a perigos calculados em função
de possibilidades futuras. O risco é a própria fonte de energia criadora de
riqueza numa economia moderna e empenhada na mudança apostada em
determinar o seu próprio futuro. Para Giddens, a ideia de risco sempre andou
associada à modernidade, mas actualmente assume nova importância. Se o
risco era considerado um meio de regular o futuro, de o normalizar e de o
colocar sob o nosso domínio, as coisas hoje não se passam assim. Os
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esforços para controlar o futuro voltam-se contra nós, forçando cada vez
mais a procura de novas formas de viver com a incerteza. O autor apresenta
alguns exemplos como sejam: a criação de seguros, as aventuras que as
pessoas têm, riscos ambientais, como os relacionados com o aquecimento
global, o acidente na central nuclear de Chernobyl, cujas consequências, a
longo prazo, ninguém conhece. Passa-se o mesmo em relação à BSE, da
qual, de momento, não se tem a certeza acerca das influencias na saúde dos
seres humanos. Mas, o risco, além de afectar a Natureza, influencia outras
áreas da nossa vida, por exemplo o casamento, a família, instituições que
sofrem transformações profundas. Argumenta o autor que: « à medida que o
risco se expande, torna-se mais “arriscado”» (p. 39). Viver nesta época
global significa enfrentar novos factores de risco.
A tradição é abordada na terceira parte, a qual abrange a identidade dos
povos como, por exemplo, os Escoceses, onde os homens vestem o kilt, cada
clã usa o tartan com as suas cores próprias. O crescimento do
fundamentalismo, a expansão dos meios de comunicação de massas, o choque
entre as diversas religiões, a expansão das seitas, os rituais, as repetições não
são fenómenos nacionais, mas sim transnacionais. Mas, devido ao impacte da
globalização, as instituições públicas como também a vida corrente estão a
começar a libertar-se do grande peso da tradição, mas esta é necessária e vai
persistir sempre, pois é ela que dá continuidade e forma à vida. No entanto, à
medida que a tradição se afunda à escala mundial, a própria base da nossa
identidade – a consciência de quem somos – altera-se. O autor, embora
considerando a tradição como condicionante na vida das pessoas, manifesta
um certo desagrado pela pouca atenção que se lhe tem dado.
A família é tratada na quarta parte, sublinham-se as transformações
operadas entre indivíduos e grupos, em consequência das “funções” que a
família desempenha na organização social. Os valores que decorrem em
muitos países, acerca dos valores da família, parecem ter muito pouco a ver
com as influências da globalização. Mas têm. Os sistemas tradicionais da
família estão a transformar-se, bem como sujeitos a tensões em diversas
partes do mundo, embora esta transformação avance a velocidade desigual,
conforme as regiões e as culturas. Existe um debate aberto em quase todos os
países do mundo, excepto ainda nalguns, onde a repressão dos governos
autoritários não o permite. A igualdade sexual, a regulação da sexualidade e
o futuro da família sofreram modificações básicas, nos países do Ocidente,
onde o fenómeno da globalização atinge proporções não observadas nas
regiões onde a família tradicional permanece quase intacta. Existe a dúvida
se as mudanças verificadas no Ocidente se vão tornar cada vez mais globais.
O autor pensa que sim, até porque as preocupações sobre o estado da família
são extensíveis a qualquer zona do mundo.
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Por seu turno, na quinta e última parte, o autor analisa todo o movimento
da democracia e a influência pelo progresso das comunicações a nível global,
a partir da Segunda Guerra Mundial. De momento, já há poucos países do
mundo que se não digam democráticos, mas as pressões sobre eles são
muitas. A democracia é um sistema que envolve competição efectiva entre
partidos que querem ocupar posições de poder (p. 70). Estes sistemas
espalharam-se desde meados dos anos 70, tendo o seu número mais que
duplicado. As mudanças começaram nos países da Europa do Sul, com a
queda dos regimes militares da Grécia, Espanha e Portugal. Depois
expandiu-se na década de 1980 para as Américas Central e do Sul. O mesmo
continua em todos os continentes, envolvendo a Europa do Leste e partes da
ex-União Soviética, tendo-se seguido a África. Na Ásia, com alguns avanços
e recuos, a democratização tem vindo a ganhar terreno desde o princípio dos
anos 70, em países como a Coreia do Sul, Taiwan, Filipinas, Bangladesh,
Tailândia e Mongólia (p. 71). Mas, também, por todo o mundo surgem
interrogações, todos dizem que a democracia é o melhor sistema. Todos
sabemos que a democracia se implanta por toda a parte, mas existe uma
enorme desilusão quanto aos processos democráticos. Parece um paradoxo,
se dizemos que é o melhor sistema de todos, por que será que os níveis de
confiança nos políticos tem vindo a decrescer? Há cada vez menos pessoas a
votar; os jovens desinteressam-se da política. Ora a globalização está por
detrás desta expansão da democracia, põe a nu os limites das estruturas
democráticas, que têm de se democratizar ainda mais de forma a responder
às exigências da era global. Para Giddens, o que está em questão é o
aprofundamento da própria democracia, ao que ele chama democratizar a
democracia (p. 74). As preocupações não podem ser apenas locais, a política
não pode ser corrupta, os líderes políticos não podem defender interesses
pessoais. Isto explica, em parte, o desinteresse que se manifesta pela política.
A democracia tem também de ser transnacional. O autor argumenta que é
preciso democratizar acima, bem como abaixo, do nível da nação. Uma era
de globalização exige respostas globais, isto aplica-se tanto na política como
em qualquer outro domínio (p. 75) e de formas diferentes nos diversos
países, dependendo da carga histórica de cada um deles. A democracia está
interligada com as mudanças estruturais da sociedade (p. 80).
Mas, um trabalho destes tem também as suas limitações, acabando por
constituir um estímulo à apreciação crítica de alguns dos seus argumentos.
Penso que uma apresentação mais sistemática e aprofundada poderia conferir
a esta obra uma maior consistência analítica da tão importante análise sobre a
globalização. Para o leitor que conhece tais argumentos, certas interpretações
podem parecer dispensáveis, até tendo em conta o público-alvo da BBC, um
público seleccionado. Embora seja interessante esta análise de Giddens, o
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autor recorre a muitos exemplos para ilustrar mais a globalização no


Ocidente e menos a de outros continentes, pelo que seria importante reforçar
alguns aspectos positivos e negativos provocados pela globalização. Não é
propriamente um livro teórico-científico, possui muitas ideias pessoais com
pouca fundamentação. Isto compreende-se, em parte, pelo facto desta obra
ser um conjunto de conferências que, como sabemos têm características e
estrutura diferentes, mas que, se fossem mais desenvolvidas e
documentadas, isso tornaria a obra mais reconhecida. Estas e outras críticas
que podem ser feitas ao livro de Giddens não devem, no entanto, obscurecer
os seus méritos. A obra contém reflexões interessantes para a compreensão
da globalização e, como já referimos, trata-se de uma obra actual com valor
acrescentado para a globalização. Em suma, beneficia também de uma escrita
de leitura fácil. Estamos perante uma obra interessante e recomenda-se, tanto
aos iniciados no tema, como aos que pretendem melhorar os seus
conhecimentos e que se preocupam pela globalização.

Maria Olívia Dias

Pierre-Noël GIRAUD, A Desigualdade do Mundo – A economia do


Mundo Contemporâneo (trad. do francês), Lisboa, 1996. Terramar, 199 p.

Por que há pobres e ricos? Esta interrogação atemporal, que o autor


considera ser, não uma, mas a questão essencial da economia, está longe de
encontrar uma explicação convincente no quadro das diversas escolas de
pensamento económico. Segundo ele, “?a?s grandes problemáticas económicas
dos clássicos ? incluindo Marx – aos economistas contemporâneos – incluindo
Keynes – não conseguem reflectir de forma satisfatória os grandes movimentos
de desigualdade que se registaram no mundo, desde o século XVIII” (p. 11).
Pierre-Nöel Giraud, igualmente autor de outro trabalho publicado pela
Terramar: A economia é coisa do diabo?, procura, ao longo das cerca de 200
páginas desta obra, alcançar este desiderato, analisando a evolução das
desigualdades internas e externas, ou as denominadas desigualdades sociais e
espaciais dos capitalismos, e reconstituindo as dinâmicas da economia do
mundo que caracterizaram estes últimos dois séculos. A riqueza é, antes de
tudo, relativa, e não absoluta: somos pobres ou ricos em comparação com
outros, e a desigualdade é entendida apenas como a diferença que existe entre
os homens na fruição dos bens materiais. Fiel, neste aspecto, a Fernand
Braudel e a Paul Bairoch, Pierre-Nöel Giraud é um economista que não
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despreza nem a História, nem a filosofia política. Este autor propõe-se


esclarecer “as relações existentes entre dinâmicas económicas e intervenções
estatais” (p. 170), desde o “Antigo Regime pré-industrial”, a partir de noções,
previamente definidas no I Capítulo, como são as de mobilidade, de território
económico, de dinâmica nómada e sedentária, de crescimento e de
capitalismos – capitalismos, como o autor gosta de afirmar, no plural, e não no
singular.
Acontece que, no século XVIII, nas três grandes regiões mais populosas
do mundo – a Europa, a Índia e a China –, a riqueza material, em média, era
ainda da mesma ordem, naturalmente, no seu seio, a distância entre ricos e
pobres era considerável. A emergência das desigualdades entre países, bem
como a redução das desigualdades sociais no seio dos países, terão sido
movimentos caracterizadores da desigualdade do mundo, entre o século
XVIII e aos anos 70 do século XX. Contudo, nas duas últimas décadas, esse
movimento alterou-se com clara inversão de forças no âmbito das
desigualdades internas e externas. “Verificou-se não só uma recuperação
extremamente rápida, por parte dos novos países industrializados: ?Coreia do
Sul, Formosa ou Taiwan, Singapura, etc…? mas também – facto saliente
deste final de século – pelos imensos países de baixos salários mas com
capacidade tecnológica: ?a China, a Índia, a ex-União Soviética?. No entanto,
esta redução dos desníveis entre países é acompanhada, no seio dos países
ricos, por um crescimento das desigualdades internas”.
A obra permite aos leitores contactar com diferentes dinâmicas
económicas, dinâmicas essas entendidas, segundo o autor, como o processo
de evolução das desigualdades resultantes da interacção de lógicas
económicas de agentes coordenadas por mecanismos de mercado. Analisar-
-se-ão “dinâmicas económicas específicas, nomeadamente as que actuam em
redes que dominam os territórios (Capítulo II), as que pertencem a um
determinado território (Capítulo IV) e as que resultam da comunicação entre
grupos de territórios através de actividades nómadas (Capítulo VI)” e que
caracterizaram os últimos 200 anos.
Assim como afirma Philippe Petit, na introdução de outra obra do mesmo
autor já anteriormente mencionada, Giraud “não pretende brincar aos
profetas nem falar em nome de todos, porque o futuro não se escreve com
antecedência, nem mesmo com o auxílio das dinâmicas económicas.
Preocupado em explicar a dialéctica subtil que se estabelece entre a história
dos Estados e a das dinâmicas económicas, ele procura apenas isolar
comportamentos económicas estáveis para melhor os compreender e
descrever” (p. 9).
Filipe Almeida Santos

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Fernando ROSAS, Salazarismo e fomento económico (1928-1948). O


primado do político na história económica do Estado Novo, Lisboa, Editorial
Notícias, 2000, 259 p.

Excepção feita ao texto de apresentação — o qual constitui, em


simultâneo, um desafio de polémica e formalização teórica pouco habitual
entre nós —, a presente obra de Fernando Rosas resulta do concentrar, num
mesmo objecto editorial, de versões revistas e ampliadas de estudos já
divulgados em iniciativas académicas, colóquios e conferências, através de
publicações periódicas ou de obras colectivas especializadas. Tratar-se-ia,
assim, aparentemente, de uma redundância ou, na melhor das hipóteses, de
uma actualização de leituras antes apresentadas.
Considera-se, no entanto, em sentido inverso, que a existência de um
livro torna esses mesmos discursos historiográficos (de caracterização e
interpretação) acessíveis a um público mais amplo e generalista; que permite
uma visão globalizante (qualitativamente diferente) do universo temático
comum a todos eles: as correntes de pensamento, os interesses e os
objectivos, os protagonistas, os conflitos e as convergências, as políticas
económico-sociais e os resultados efectivos da actuação da Ditadura Militar e
do Estado Novo, sobretudo entre a nomeação de António de Oliveira Salazar
para o cargo de Ministro das Finanças (1928) e o Primeiro Plano de Fomento
(1953)1 .
De forma coerente e estruturada, o autor propõe uma determinada visão
da ditadura salazarista enquanto contra-realidade social-global,
perspectivando dialecticamente (de modo totalizante) as vertentes político-
-institucional, socioeconómica e ideológico-cultural. Mais do que outros
tipos de regimes, o fascismo português — os fascismos em geral ? — teria
subordinado as necessidades e potencialidades de natureza económica à
salvaguarda de equilíbrios sociais considerados indispensáveis, ao
concretizar da matriz ideológica originária, à sua própria reprodução
enquanto instrumento de "regeneração nacional" e alternativa única, tanto ao
caos demoliberal e anti-clerical/laicista, como ao apocalipse comunista e
ateu2 .
Na "Introdução", Fernando Rosas explicita as principais linhas
orientadoras da leitura por si (e por outros) aventada desde o final da década
de 1980. Critica, ainda, a natureza unilateral e redutora dos discursos que
encaram o Estado Novo apenas como reflexo inevitável do atraso do país e
de um conservadorismo hegemónico, como solução repressiva adoptada
pelos grupos sociais dirigentes de um capitalismo semi-periférico ou como
ponto de equilíbrio entre uma inultrapassável tendência modernizadora
(industrialista) e o suprimir da confrontação sociopolítica.
338
Recensões

Demarca-se, finalmente, das pretensões de "verdadeira e exclusiva


cientificidade", de "absoluta objectividade" (resultantes da utilização de
sofisticadas técnicas quantitativas), afirmadas por alguns investigadores
integrantes da corrente habitualmente designada por New Economic History.
Fá-lo lembrando a impossibilidade epistemológica desses mesmos desígnios
— ciência e ideologia são inseparáveis por definição, objectivação não é
sinónimo de objectividade; demonstrando as limitações decorrentes da
aplicação ao estudo de sociedades humanas infinitamente complexas,
evoluindo em espaços, tempos e de acordo lógicas diferentes, das mesmas
grelhas hipotético-dedutivas lineares.
Estruturada a partir do pensamento económico neoclássico, fazendo parte
da triunfante visão neo-liberal do capitalismo e promovendo a sua
legitimação, a econometria retrospectiva pressupõe a existência de um
"padrão natural", de uma "racionalidade intrínseca" ao "comportamento
económico". À revelia de quaisquer outros factores (ideológico-culturais,
socioprofissionais, político- -institucionais), o homo oeconomicus buscaria a
satisfação das suas necessidades individuais, participando, assim, na
formação de um mercado de concorrência tendencialmente perfeita, ou seja,
da modalidade universal e intemporal de produzir, valorar e distribuir bens
ou serviços, de acumulação e aplicação de riqueza3 .
Em "Estado Novo e modernização económica" (Parte I), analisam-se as
divergências e os pontos de contacto, as propostas e as iniciativas concretas
daqueles que, no interior da base social e política de apoio à ditadura,
defenderam (industrialistas e "neofisiocratas"), se abstiveram (grande parte
da burguesia comercial e financeira, pelo menos até 1945) ou se opuseram
(ruralistas conservadores ou tradicionalistas) a estratégias de modernização
económica — mais ou menos intensivas e autoritárias, proteccionistas e
colonialistas, baseadas no intervencionismo estatal e corporativista.
Para além das "grandes individualidades" — Oliveira Salazar como
"Chefe" do regime e líder dos sectores conservadores, Ezequiel de Campos e
Rafael Duque, Albano de Sousa, Araújo Correia, Ferreira Dias Júnior e
Daniel Barbosa, etc. —, é, também, focado o desempenho de grupos
socioprofissionais (empresários, engenheiros, elites regionais e locais do
mundo rural) e de instituições — Governo e Assembleia Nacional/Câmara
Corporativa, administração pública central e governos civis/câmaras
municipais, organização corporativa e universidades, associações industriais
e associações comerciais de Lisboa e Porto, Associação dos Engenheiros
Civis Portugueses e Ordem dos Engenheiros.
Estabelecem-se, igualmente, comparações (identificando continuidades e
roturas) entre correntes de pensamento e debates, conflitos e convergências,
impasses e iniciativas políticas específicas do salazarismo e outras, coevas da
339
Recensões

fase final da Monarquia Constitucional — com destaque para o


regeneracionismo martiniano —, da Primeira República e da Ditadura
Militar. Salienta-se, ainda, a função (em simultâneo obstaculizante e
potenciadora) desempenhada pelas conjunturas de crise económica
internacional (1890/1891, década de 1920, primeira metade dos anos trinta) e
de conflito militar generalizado (Primeira Grande Guerra e Segunda Guerra
Mundial).
A Parte II ("Salazarismo, industrialismo e industrialização") integra três
capítulos acerca dos insucessos e das realizações da corrente industrialista no
Portugal do segundo quartel do nosso século. Quanto ao texto intitulado
"Estado Novo e desenvolvimento económico (anos 30 e 40): uma
industrialização sem reforma agrária", realce para a proposta de superação da
já clássica dicotomia entre "dependência externa" e "limitada integração na
economia-mundo capitalista" como principais vectores explicativos do
"atraso económico português".
Conjuntamente com esses e diversos outros factores — escassez de
recursos naturais, insuficientes investimentos tanto na exploração dos
territórios coloniais como nos sistemas de transportes e de
produção/distribuição de energia, investigação (científica e tecnológica) e
ensino/formação profissional, saúde e protecção social, etc. —, o elemento
nuclear do conjunto de condicionalismos explicativos da peculiaridade da
evolução económica nacional estaria, assim, na ausência de vontade política
e de empenhamento social na concretização atempada de uma reforma
agrária. Tratar-se-ia, por diversas vias, quer de assegurar uma participação
não apenas reactiva (muitas vezes, mesmo, bloqueadora) do mundo rural no
processo de modernização, quer de atenuar as profundas assimetrias
regionais e os crónicos fluxos emigratórios.
Nos artigos "A ofensiva industrialista de Ferreira Dias e a resistência da
"grei agrária" (1941-1945)" e "Daniel Barbosa e a política de estabilização
económica e social do pós-guerra (1947-1948)", considera-se a actuação de
José Nascimento Ferreira Dias Júnior enquanto Subsecretário de Estado do
Comércio e Indústria e de Daniel Maria Vieira Barbosa na qualidade de
Ministro da Economia. Observam-se as características específicas dos anos
de 1939 a 1945 e 1947/1948: dificuldades e fragilidades agravadas pela
economia de guerra, possibilidades resultantes do estatuto de neutralidade e
da guerra económica travada pelos Aliados e pelo Eixo; urgência em
"normalizar" a actividade económica e em anular os focos de conflitualidade
sócio-política, empenhamento em intensificar o ritmo de industrialização
versus a recusa em aprofundar o relacionamento bilateral com os EUA e a
ajuda decorrente do Plano Marshall. Constata-se a influência e relativa

340
Recensões

eficácia do "imobilismo" ruralista e corporativista, bem como as opções


conservadoras de Oliveira Salazar e a natureza indiscutida da sua liderança4 .
A Parte III ("O reformismo agrário ou a batalha perdida dos
"neofisiocratas"") é dedicada ao estudo da função desempenhada pelo mundo
rural português, ao longo da primeira metade do século XX, quanto ao
processo de modernização económica e em termos de consolidação dos
vários regimes políticos. Em "O pensamento reformista agrário no século XX
em Portugal: elementos para o seu estudo", "Ezequiel de Campos e a solução
neofisiocrática da "crise portuguesa"" e "Rafael Duque e a política agrária do
Estado Novo (1934-1944)", abordam-se as diversas gerações de "reformistas
agrários"; o modo como os seus protagonistas encaravam a possibilidade de
compatibilização entre os projectos de reforma agrária, a construção de uma
estabilidade dinâmica no mundo rural e modalidades de "industrialização
moderada" — tanto quanto possível sem aumento da taxa de urbanização; o
respectivo insucesso global, pelo menos até ao início da década de 1960,
frente à resistência dos interesses conservadores ou, mesmo, tradicionalistas
e ao imobilismo camponês.
O capítulo designado "As lutas sociais nos campos durante a II Guerra
Mundial", complementado pelos anexos "Greves dos assalariados rurais em
1944 e 1945" e "Motins camponeses (1941-1945)", constitui, antes de mais,
uma proposta de reconstituição das condições de vida e trabalho, das relações
sociais e mundividências, das formas de organização e representação
existentes, durante os anos trinta e quarenta, nos diversos espaços do mundo
rural português. Mesmo tendo, apenas, em conta Portugal Continental,
salientam-se, por um lado, a diversidade das estruturas sociais globais
detectadas, por outro, a universalidade da pobreza e dos baixos níveis de
escolaridade.
Possibilita, ainda, um conhecimento empírico e um esboço de
interpretação acerca da forma como a Segunda Guerra Mundial afectou esses
diferentes universos camponeses; sobre o modo como as classes populares,
as elites locais e o Governo, o aparelho de Estado e a organização
corporativa reagiram ao acentuar das dificuldades, à emergência de novas
possibilidades e ao avolumar das tensões, ao quebrar da "estabilidade
financeiro-económica", da "ordem político-administrativa" e da "paz social"
imposta pela ditadura através de um misto de vanguardismo regeneracionista
e conservadorismo, de repressão e enquadramento.
No interior centro e norte ocorreram motins expontâneos e de natureza
"comunitária", escassamente relacionados com as oposições ao regime.
Protestava-se contra o tabelamento e a requisição dos produtos agrícolas, a
escassez e o aumento dos preços de bens de primeira necessidade, as
limitações impostas à "exploração paralela" e às actividades ilegais em torno
341
Recensões

dos minérios de volfrâmio. A sul exigiam-se melhores salários, emprego


regular, acesso aos bens essenciais a preços controlados. Eram frequentes as
ligações entre as greves de operários agrícolas e estruturas clandestinas ou
grupos informais oposicionistas.
Termina-se a presente recensão crítica apontando duas eventuais
insuficiências. Atrever-me-ia, em primeiro lugar, a discordar da apreciação
feita (p. 11) a textos de A.F.K. Organski sobre as correlações entre
modernização económica e regimes políticos durante a Época
Contemporânea. Seria, ainda, relevante conhecer melhor a posição de
Fernando Rosas, tanto acerca dessa mesma temática, como sobre o debate
que envolve os conceitos de autoritarismo, fascismo e totalitarismo.
No plano das possíveis questões complementares, a desenvolver
posteriormente, citam-se: a atitude da Igreja /Acção Católica Portuguesa, das
oposições ao Estado Novo perante o desafio do desenvolvimento; a
relevância atribuída, a nível central e periférico, à manutenção ou ao
agravamento do fosso entre regiões com maior ou menor ritmo de
crescimento; os vectores de enquadramento, em todo este conjunto de
factores, quer de personalidades como Marcelo Caetano, Armindo Monteiro,
Pedro Teotónio Pereira, João Pinto da Costa Leite e Artur Águedo de
Oliveira, quer das instituições formadoras e empregadoras de juristas,
engenheiros, economistas e oficiais das Forças Armadas.

João Paulo Avelãs Nunes

NOTAS

1 "Finalmente, uma derradeira explicitação para a organização e publicação do


presente volume. Questão de transparência deontológica. Se se quiser, é a minha forma de
sistematizar o que eu venho pensando, há vários anos, sobre estes problemas. Numa
comunidade científica que, por demasiado familiar, tende para alguma complacência face
à contrafacção intelectual, é bom clarificar-me, periodicamente, a geografia e a pertença
das opiniões. Para que conste." (p. 16).
2
"É precisamente com base neste consenso em torno da "ordem" (e das políticas
indispensáveis à sua manutenção), subscrito pelos diversos sectores da oligarquia com
distintas estratégias de defesa dos respectivos interesses e pelas classes intermédias
ameaçadas pela crise económica, que o salazarismo vai gerir a economia do país: fazendo
o consenso durar, adaptando-o às diversas circunstâncias, arbitrando compensatoriamente
dissídios, tudo subordinando à prioridade absoluta da durabilidade do regime. Não se trata
de fazer durar qualquer regime a qualquer preço. Tratava-se de assegurar aquele regime
nacionalista, corporativo e autoritário, a modalidade portuguesa do fascismo, ao preço de
condicionar e sacrificar o tipo e os ritmos do desenvolvimento económico às prioridades

342
Recensões

da sua estabilidade e segurança. Para Salazar, na economia, e talvez sobretudo na


economia, a política nunca deixaria de estar no comando." (p. 14)
3
"O que significa que os negócios, os empresários e as relações que entre eles e o
Estado se estabeleciam eram regidos por outros critérios, por outras lógicas de
rentabilidade, de acumulação, de sobrevivência, de estabilidade que é preciso detectar
pela investigação para se entender a história económica do período. Procurar fazê-lo
através dos quadros teórico-ideológicos e dos instrumentos criados para medir ou guiar a
vida económica do presente só pode conduzir ao anacronismo ou à manipulação
retroactiva da realidade. Tudo isto para dizer que não me parece possível fazer a história
económica do Estado Novo, seja mais ou menos moldada pelas técnicas econométricas,
sem entender que ela é indissociável do projecto político do regime, da prioridade
decisiva da durabilidade e da estabilidade como princípio orientador da política
económica salazarista. Sem se ter em linha de conta que esta era uma economia regida por
um determinado regime político, o Estado Novo, que longa e decisivamente a moldou sob
o império das suas necessidades de duração, qualquer semelhança entre as locubrações
econométricas e o mundo real é pura coincidência ou meramente acidental." (p. 16)
4
"Desde o cesarismo martiniano ao Estado Novo salazarista, passando pela efémera
experiência sidonista da "Repúbliva Nova" ou pelo "desarranjo brusco e virtuoso"
preconizado por certos seareiros, ou seja, desde finais do século XIX até, pelo menos, ao
segundo pós-guerra, as ideias e os homens do fomento económico (neofisiocratas e
industrialistas) surgirão quase sempre ligados, com maior ou menor compromisso
ideológico, à teorização e experiências autoritárias de superação do liberalismo político e
económico.
Pode dizer-se que a agonia do Estado liberal transformou os discursos
desenvolvimentistas em bandeiras preferenciais do regeneracionismo autoritário, ainda
que de um autoritarismo modernizante e distinto do conservadorismo ultramontano e
ruralista. Casar e compor essas "duas direitas", esses dois autoritarismos, designadamente
no tocante às respectivas estratégias sociais e económicas, seria a complexa tarefa
histórica do Estado Novo." (p. 166)

343
Revistas recebidas por permuta

2. REVISTAS RECEBIDAS POR PERMUTA COM GESTÃO E


DESENVOLVIMENTO

??ANAIS UNIVERSITÁRIOS
??ANÁLISE SOCIAL
??ANTROPOLOGIA PORTUGUESA
??APRENDIZAGEM/DESENVOLVIMENTO
??AQUA NATIVA
??ARQUEOLOGIA E INDÚSTRIA
??CADERNOS DE ECONOMIA
??CADERNOS DE GEOGRAFIA
??COMPORTAMENTO ORGANIZACIONAL E GESTÃO
??COMISSÃO DE COORDENAÇÃO DA REGIÃO CENTRO
??COMISSÃO DE COORDENAÇÃO DA REGIÃO NORTE
??DIREITO E JUSTIÇA
??ECONOMIA E SOCIOLOGIA
??ECONOMIA PURA
??ECONOMISTA(O)
??EDUCAÇÃO E MATEMÁTICA
??EDUCAÇÃO E TECNOLOGIA
??ESTUDOS DE ECONOMIA
??ESTUDOS DO GEMF
??EURO-ASIA-JOURNAL OF MANAGEMENT
??FORUM SOCIOLÓGICO
??JORNAL DE CONTABILIDADE
??MEDITERRÂNEO-REVISTA DE ESTUDOS PLURIDISCIPLINARES
SOBRE AS SOCIEDADES MEDITERRÂNICAS
??MEMÓRIA - ELETROPAULO
??MUNDA
??NOTAS ECONÓMICAS
??ORGANIZAÇÕES E TRABALHO
??POBLACIÓN Y SOCIEDAD
??POPULAÇÃO E SOCIEDADE
??POPULATION AND DEVELOPMENT REVIEW
??REVISTA DA FACULDADE DE LETRAS DA UNIVERSIDADE DE
LISBOA
??REVISTA DE CONTABILIDADE E COMÉRCIO
??REVISTA DE ECONOMIA CONTEMPORÂNEA
??REVISTA DE GUIMARÃES
??REVISTA HISTÓRIA AGRÁRIA
??REVISTA DE HISTÓRIA DAS IDEIAS
??REVISTA ECONOMIA GLOBAL & GESTÃO
??REVISTA PORTUGUESA DE FILOSOFIA
??REVISTA PORTUGUESA DE GESTÃO
??REVISTA PORTUGUESA DE HISTÓRIA
??SOCIOLOGIA
??SOCIOLOGIA - PROBLEMAS E PRÁTICAS
??STUDIA HISTORICA – HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA

346
Livros recebidos

3. LIVROS RECEBIDOS A TÍTULO DE OFERTA

AMARELO, José Miguel Carreira – Cartas para Augusto Gil. Guarda,


Instituto Português do Património Cultural, 1992.
Arte Moderna: … um olhar, um sentido do seu percurso: II – Colecção de
António Piné. Guarda, Museu da Guarda, 1995.
BARRACA, Maria – Vidas Ex-postas: estórias bordadas por Maria
Barraca. Guarda, Museu da Guarda, 1999.
CABRAL, Roque, S. J. – Temas de Ética. Braga: UCP: Faculdade de
Filosofia de Braga, 2000.
DINIS, Alfredo – O Euro: Oportunidades e Desafios para Portugal. Braga.
UCP: Faculdade de Filosofia de Braga, 1999.
Eduarda Lapa. Museu da Guarda, Guarda, 1997.
GARCIA, Mário – Um Olhar sobre Pascoaes, Braga, UCP: Faculdade de
Filosofia de Braga, 2000.
GEADA, José Joaquim Pinto – A Música na Sé da Guarda: século XIII –
século XIX. Guarda, Museu da Guarda, 1990.
GIL, Augusto – Cartas de Amor. Guarda, Museu da Guarda, 1989.
Guarda: História e Cultura Judaica. Guarda, 1999.
LOPES, Teresa Rita – Reminisciências sobre Fernando Pessoa: uma
celebração da Ode Marítima de Álvaro de Campos, Ministério da
Cultura.
MINISTÉRIO DO PLANEAMENTO - COMISSÃO DE COORDENAÇÃO
DA REGIÃO NORTE – Autonomia Administrativa e Financeira do
Estado: O Caso das Comissões de Coordenação Regional. Porto,
C.C.R.N., 1999.
MUSEU DA GUARDA – Castelos Raia da Beira: Distrito da Guarda.
Guarda, Museu da Guarda.
MUSEU DA GUARDA – Evelina Coelho. Guarda, Instituto Português do
Património Cultural, 1990.
MUSEU DA GUARDA – Falar com Deus: Exposição Temporária 18 de
Maio a 13 de Agosto de 1995. Guarda, Museu da Guarda, 1995.
MUSEU DA GUARDA – Património Musical da Guarda: Exposição
Documental. Guarda, Museu da Guarda, 1990.
MUSEU DA GUARDA, Desenhos de Abel Manta. Guarda, Museu da
Guarda, 1992.
MUSEU DA GUARDA, MUSEU DE LAMEGO, MUSEU DE VISEU – Do
Gesto à Memória. Instituto Português de Museus, 1999.
Santo António em santa Cruz de Coimbra no Tempo de Santo António. Porto,
Investimento Comércio e Turismo de Portugal, 1995.
347
SILVA, J. Amadeu C. da – Os Selos de Herberto Helder: entre a
apresentação do rosto e a biografia rítmica. Braga, UCP: Faculdade
de Filosofia de Braga, 2000.
TORGAL, Luís Reis – Caminhos e Contradições da(s) Universidade(s)
Portuguesa(s). Coimbra, CEIS 20: Universidade de Coimbra, 2000.

348

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