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GRUPO I
Apresente as suas respostas de forma bem estruturada.
A
Leia o texto.
Deixou a janela aberta, foi abrir a outra, e, em mangas de camisa, refrescado, com um vigor súbito,
começou a abrir as malas, em menos de meia hora as despejou, passou o conteúdo delas para os móveis,
para os gavetões da cómoda, os sapatos na gaveta‑sapateira, os fatos nos cabides do guarda‑roupa, a mala
preta de médico num fundo escuro de armário, e os livros numa prateleira, estes poucos que trouxera con‑
5 sigo, alguma latinação clássica de que já não fazia leitura regular, uns manuseados poetas ingleses, três ou
quatro autores brasileiros, de portugueses não chegava a uma dezena, e no meio deles encontrava agora
um que pertencia à biblioteca do Highland Brigade, esquecera‑se de o entregar antes do desembarque.
A estas horas, se o bibliotecário irlandês deu pela falta, grossas e gravosas acusações hão de ter sido feitas
à lusitana pátria, terra de escravos e ladrões, como disse Byron e dirá O’Brien, destas mínimas causas, locais,
10 é que costumam gerar‑se grandes e mundiais efeitos, mas eu estou inocente, juro‑ o, foi deslembrança, só,
e nada mais. Pôs o livro na mesa de cabeceira para um destes dias o acabar de ler, apetecendo, é seu título
The god of the labyrinth, seu autor Herbert Quain, irlandês também, por não singular coincidência, mas o
nome, esse sim, é singularíssimo, pois sem máximo erro de pronúncia se poderia ler, Quem, repare‑se,
Quain, Quem, escritor que só não é desconhecido porque alguém o achou no Highland Brigade, agora, se
15 lá estava em único exemplar, nem isso, razão maior para perguntarmos nós, Quem.
[…]
Então bateram à porta. Ricardo Reis correu, foi abrir, já prontos os braços para recolher a lacrimosa
mulher, afinal era Fernando Pessoa, Ah, é você, Esperava outra pessoa, […] Vim cá para lhe dizer que não
tornaremos a ver‑nos, Porquê, O meu tempo chegou ao fim, lembra‑se de eu lhe ter dito que só tinha para
20 uns meses, Lembro‑me, Pois é isso, acabaram‑se. Ricardo Reis subiu o nó da gravata, levantou‑se, vestiu o
casaco. Foi à mesa de cabeceira buscar The god of the labyrinth, meteu‑o debaixo do braço, Então vamos,
disse, Para onde é que você vai, Vou consigo, Devia ficar aqui, à espera da Lídia, Eu sei que devia, Para a
consolar do desgosto de ter ficado sem o irmão, Não lhe posso valer, E esse livro, para que é, Apesar do
tempo que tive, não cheguei a acabar de lê‑lo, Não irá ter tempo, Terei o tempo todo […].
José Saramago, O ano da morte de Ricardo Reis, Porto, Porto Editora, 2016.
3 emonstre a existência de uma reinvenção das regras formais do registo discursivo tendo
D
em conta o segundo parágrafo do excerto.
B
Leia o poema. Se necessário, consulte a nota. 4
NOTA
macadamizada (verso 5) — revestida de macadame (pedra britada, clara e com brilho).
GRUPO II
4 Nas respostas aos itens de escolha múltipla, selecione a opção correta.
O ano da morte de Ricardo Reis
Escreva, na folha de respostas, o número do item e a letra que identifica a opção escolhida.
Leia o texto.
2 de fevereiro
Não me lembro de ter lido alguma vez acerca dos motivos profundos que nos levam a amar a uma
cidade mais do que a outras e não raro contra outras. Sem falar dos casos de amor à primeira vista (assim
foi Siena, mal nela entrei), que em geral não resistem à ação conjunta do tempo e da repetição, creio que o
5 amor por uma cidade se faz de coisas ínfimas, de razões obscuras, uma rua, uma fonte, uma sombra. No
interior da grande cidade de todos está a cidade pequena em que realmente vivemos.
Habitamos fisicamente um espaço, mas, sentimentalmente, habitamos uma memória. Quando precisei
de descrever o último ano da vida de Ricardo Reis, tive de voltar atrás cinquenta anos na minha vida para
imaginar, a partir das minhas recordações daquele tempo, a Lisboa que teria sido a de Fernando Pessoa,
10 sabendo de antemão que em pouquíssimo poderiam coincidir duas ideias de cidade tão diferentes; a do
adolescente que eu fui, fechado na sua condição social e na sua timidez, e a do poeta lúcido e genial que
frequentava, como seu direito de natureza, as regiões mais altas do espírito. A minha Lisboa foi sempre uma
Lisboa de bairros pobres, quando muito remediados, e se as circunstâncias me levaram, mais tarde, a viver
noutros ambientes, a memória mais grata e mais ciosamente defendida foi sempre a da Lisboa dos meus
15 primeiros anos, a Lisboa da gente de pouco ter e muito sentir, ainda rural nos costumes e na ideia que fazia
do mundo.
Hoje, aqui tão longe, apercebo‑me de que a imagem da Lisboa do presente se vai distanciando aos
poucos de mim, vai‑se tornando memória de uma memória, e prevejo, embora saiba que nunca serei nela
um estranho, que chegará um dia em que percorrerei as suas ruas com a curiosidade perplexa de um via‑
20 jante a quem tivessem descrito uma cidade que deveria reconhecer logo, e que se encontra, não precisa‑
mente com uma cidade diferente, mas com a impressão de estar perante um enigma que terá de resolver
se não quiser tornar a partir de alma triste e mãos vazias. Farei então o mesmo que o perplexo viajante:
procurarei pacientemente até reencontrar o espírito da cidade, esse que se oculta na sombra verde dos
jardins, na cor desmaiada de uma fachada que o tempo castigou, na fresca e penumbrosa entrada de um
25 pátio, o espírito que flutua desde sempre nas águas do Tejo e nas suas marés, que fala nos gritos das gaivo‑
tas e no rouco mugido dos barcos que partem. Subirei aos pontos altos para olhar.
1 Segundo Saramago, quando amamos uma cidade assim que a conhecemos, este sentimento
( A) dura para sempre.
(B) tende a desaparecer à medida que o tempo passa.
(C) tende a aumentar à medida que o tempo passa.
(D) procuramos conhecer nela os mais ínfimos pormenores.
4
4 Quando escreve este texto, Saramago encontra-se
( A) em Siena.
(B) no Porto.
6 a passagem «Quando precisei de descrever o último ano da vida de Ricardo Reis, tive de voltar
N
atrás cinquenta anos na minha vida para imaginar, a partir das minhas recordações daquele
tempo, a Lisboa que teria sido a de Fernando Pessoa» (linhas 7 a 9), a segunda ação estabelece
com a terceira uma relação cronológica de
( A) anterioridade.
(B) simultaneidade.
(C) posterioridade.
(D) nenhuma das anteriores.
7 Na passagem «na ideia que fazia do mundo» (linhas 15 e 16), a forma verbal tem um valor aspetual
( A) perfetivo. (C) genérico.
(B) imperfetivo. (D) habitual.
8 I dentifique a função sintática desempenhada pelo constituinte «que em geral não resistem
à ação conjunta do tempo e da repetição» (linha 4).
9 Identifique advérbios com valor deítico, temporal ou espacial, presentes na linha 17.
10 Classifique a oração «embora saiba que nunca serei nela um estranho» (linhas 18 e 19).
GRUPO III
Elabore um texto de opinião bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um máximo de trezentas
palavras, em que defenda um ponto de vista pessoal sobre aquela que é a melhor forma de conhecer uma
cidade: visitá-la seguindo um programa ou deambulando, sem percursos traçados nem tempo marcado.
Fundamente o seu ponto de vista recorrendo, no mínimo, a dois argumentos e ilustre cada um deles com,
pelo menos, um exemplo significativo.
Observações:
1. P
ara efeitos de contagem, considera-se uma palavra qualquer sequência delimitada por espaços em branco, mesmo quando esta
integre elementos ligados por hífen (ex.: /opôs-se-lhe/). Qualquer número conta como uma única palavra, independentemente dos
algarismos que o constituam (ex.: /2016/).
2. R
elativamente ao desvio dos limites de extensão indicados — entre duzentas e trezentas palavras —, há que atender ao seguinte:
— um desvio dos limites de extensão indicados implica uma desvalorização parcial (até 5 pontos) do texto produzido;
— um texto com extensão inferior a oitenta palavras é classificado com zero pontos.
GRUPO III
4 Construção de um texto de opinião que respeite o tema, a estrutura e os limites propostos. Devem respeitar‑se
O ano da morte de Ricardo Reis
GRUPO I
A
1 s motivos das «alegrias» que não faltavam a Portugal, naqueles dias, eram: o oitavo aniversário de Salazar
O
no governo do País; no dia seguinte a esta comemoração, o 47.º aniversário de Salazar; por fim, a
realização, para breve, da Festa Nacional do Trabalho, em Barcelos, com «um desfile de milhares de
trabalhadores» (linhas 8‑9) e o longo cortejo de cem carros representando cenas de diversos trabalhos no
campo — «uma contínua festa» (linha 16).
3 a) Está presente uma antítese («mágoas»/«alegrias»), que permite evidenciar os motivos de alegria
apresentados no primeiro parágrafo.
b) Está presente a enumeração e a gradação (da referência às cidades passa‑se à referência ao país e a
«milhões de bocas»), realçando o facto de Mussolini ser aclamado por todo o país e o delírio que este
ditador provoca no povo italiano.
B
4 Poeta afirma que D. Sebastião é defensor da independência do reino de Portugal (est. 6, vv. 1‑2),
O
continuador da expansão do cristianismo (est. 6, vv. 3‑4), um rei temido pelos infiéis (est. 6, v. 5), uma figura
extraordinária predestinada (est. 6, v. 6) e enviada por Deus para ser detentor de um imenso império que
permita alargar a fé cristã (est. 6, vv. 7‑8), descendente de uma linhagem ilustre e mais amada por Deus
do que outras importantes linhagens da Europa (est. 7, vv. 1‑4) e senhor de um império que se estende
do Oriente ao Ocidente (est. 8, vv. 1‑4).
5 anáfora «vós» (est. 6, vv. 1 e 5; est. 7, v. 1; est. 8, vv. 1 e 5) permite ao Poeta chamar a atenção do seu
A
destinatário, o rei D. Sebastião. Ao ocorrer várias vezes, possibilita também a formulação de sucessivos
elogios e, por isso, confere realce ao enaltecimento do monarca.
GRUPO II
4
1 (D) 2 (C) 3 (C) 4 (D) 5 (C) 6 (A) 7 (B)
GRUPO III
Construção de um texto de opinião que respeite o tema, a estrutura e os limites propostos. Devem respeitar‑se as
principais características do género textual em causa:
• explicitação do ponto de vista;
• clareza e pertinência da perspetiva adotada, dos argumentos desenvolvidos e dos respetivos exemplos;
• discurso valorativo (juízo de valor explícito ou implícito).
Carlos Vaz Marques (jornalista): De regresso à conversa com o escritor José Saramago, autor do
romance A viagem do elefante, um romance que tem por epígrafe esta frase: «Sempre chegamos
ao sítio aonde nos esperam.» Li nela qualquer coisa de determinista, José Saramago.
José Saramago: Se você chama à morte algo de determinista, será.
Carlos Vaz Marques: Soa um bocadinho à ideia do destino traçado.
José Saramago: Não, quer dizer… E ainda assim… Se você quer falar do destino traçado e inclui nesse
destino a morte — e não pode deixar de incluir, evidentemente —, então, sim, podemos falar de
destino. Mas eu creio que não é nada a que possamos chamar destino, predeterminação… nada
que tenha alguma coisa a ver com isso. A vida vai‑se fazendo como se pode. Além disso, e se
falasse de predeterminação, não havia que determinar apenas a nossa vida. Havia também que
determinar a vida das outras pessoas, com quem temos contacto, porque…
Carlos Vaz Marques: Tudo está encadeado.
José Saramago: Tudo está encadeado.
Carlos Vaz Marques: Quando o povo português é tratado como um povo com um forte pendor
fatalista, revê nesse retrato algo que coincida com a realidade?
José Saramago: Eu acho que nós nem sequer somos fatalistas. Não creio que sejamos fatalistas. Eu
diria que somos bastante indiferentes àquilo que se passa. O futuro, para nós, é uma coisa difusa,
vaga, sobre a qual não pensamos que possamos ter ação transformadora. E, se efetivamente há
uma ação transformadora, resulta muitas vezes de circunstâncias que nos são alheias. Eu tenho
uma definição do que somos — não quero agora dizer do povo português, não há que estar aqui,
enfim, a enfatizar… Nós somos muito aquela pessoa que chega à beira do passeio e fica à espera
que alguém a ajude a atravessar para o outro lado. Isto é Portugal.
Carlos Vaz Marques: Tal como o elefante, nós não sabemos qual é o nosso destino. Não sabemos
muito bem para onde é que vamos. Esta analogia, esta metáfora do elefante pode servir também
para isso?