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Dissertação de Mestrado
Rio de Janeiro
Setembro de 2010
Cristiane Nascimento da Silva
Ficha Catalográfica
CDD: 900
Agradecimentos
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0812283/CA
Palavras-Chave
Keywords
1. Introdução 9
5. Considerações finais 88
6. Referências Bibliográficas 93
7. Anexos 99
Lista de Figuras
Moçambique...................
1
Adriano Moreira. “O movimento Islâmico”. In: MOREIRA, Adriano. Política Ultramarina.
Lisboa: Junta de investigações do Ultramar, 1961.
2
“Para compreensão da importância do problema deverá lembrar-se que o Islão inspira o poder
político até ao centro da África, onde, no Sudão, acaba de mandar encerrar todas as escolas cristãs,
faz aparecer missionários ao sul do Save [Moçambique] e guarda posições históricas em toda a
Guiné”. MOREIRA, op cit., p. 272.
3
Cabe destacar que a maioria dos negros (incluindo indígenas e assimilados) se enquadrava na
categoria religiosa, denominada pelo censo de Outras, que correspondia a 4.605.118 pessoas. III°
Recenseamento geral da população, Lourenço Marques, Instituto nacional de estatística/INM,
1960, 12 vols. apud. CAHEN, Michel. “L'État Nouveau et la diversification religieuse au
Mozambique, 1930-1974”. Paris, Cahiers d’Études africaines, 158, XL-2, 2000, p. 330.
10
população muçulmana4 não passou despercebida nem pela FRELIMO, nem pelo
governo português.
O Estado português adotou diferentes posturas com relação às populações
islamizadas em Moçambique, durante todo o período de sua presença no
território. Desde a implantação dos portugueses na região, no século XVI, até a
sua expulsão em 1974, o contato entre portugueses e muçulmanos foi permeado
pela antinomia aliança/oposição.
A relação entre Estado Colonial português e populações muçulmanas em
Moçambique, entre os anos 1930 e 1970, é o foco desta dissertação. Com uma
temporalidade tão alargada foi possível identificar dois momentos distintos no
discurso português: o primeiro percebia no islamismo em Moçambique uma
ameaça ao projeto de um Portugal ultramarino e outro defendia a integração e a
aproximação dessas comunidades ao governo.
Nesse primeiro momento, que caracterizamos como o dos anos 30 até os 50,
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4
Neste momento uso o termo genérico populações muçulmanas, mas ao longo do trabalho será
apresentada a diversidade e complexidade do islamismo em Moçambique.
5
GONÇALVES, José Julio. O mundo árabo-islâmico e o Ultramar Português. Lisboa: Junta de
Investigações do Ultramar, 1958, p. 236.
6
Ibidem.
11
apenas ao discurso oficial. No caso deste trabalho, por falta de acesso e tempo
hábil, optou-se por analisar apenas a documentação oficial portuguesa.
Seguindo essa proposta, foram utilizados como fontes de pesquisa alguns
periódicos oficiais, como o Boletim Geral do Ultramar, publicado pela Agência
Geral do Ultramar entre 1924 e 1974, relatórios e livros de membros da estrutura
colonial, como os Relatórios de Antonio Enes e os livros do missionário e
professor Silva Rego e do professor e Ministro do Ultramar Adriano Moreira.
Além disso, foram utilizados alguns documentos dos Serviços de Centralização e
Coordenação de Informações de Moçambique (SCCIM), órgão criado em 1961
pelo Ministério do Ultramar, com a finalidade de controlar e coordenar as
informações relativas à política, à administração e à manutenção de Moçambique
como território ultramarino, e que estão localizados no Arquivo Nacional da Torre
do Tombo, em Lisboa.
A utilização exclusiva de fontes oficiais foi fator limitador ao trabalho, já
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colônias.
O discurso sobre a existência de uma função histórica portuguesa de atuar
nos domínios do ultramar e de fazer deles parte integrante de um novo império
colonial foi recuperado durante o Estado Novo de Salazar, e ganhou muita força
nos planos ideológicos e políticos.
Este capítulo apresenta sucintamente a implantação do regime do Estado
Novo e a sua legitimação institucional, através do Acto Colonial e da Constituição
de 1933. Mas, além da base legal, havia também uma construção ideológica desse
império, fundamentada na noção de que existia uma Mística Imperial que era
essencialmente portuguesa.
Essa Mística Imperial estava alicerçada em um governo autoritário e em
uma aliança com a Igreja Católica, que, juntamente com uma política econômica
rígida, seria capaz de não só proteger Portugal das ameaças internas e externas,
como também de superar a crise financeira e manter seus territórios além-mar a
salvo.
O Estado Novo, liderado por Salazar nos anos 30, foi fruto do golpe militar
que extinguiu a República em 1926. Antonio de Oliveira Salazar era professor em
Coimbra e foi convidado para trabalhar, como Ministro das Finanças, no recém-
governo ditatorial. Por sua atuação no controle das finanças portuguesas, tornou-
14
1
Cf. Valentim Alexandre, Portugal em África (1825-1974): Uma Perspectiva Global. In: Revista
Penelope: Fazer e Desfazer a História. nº 11, Lisboa, 1993.
2
Cf. Malyn Newitt. História de Moçambique. Mem Martins: Europa-América,1997, p.390.
15
3
Cf. Fernando Rosas. História de Portugal. Lisboa: Estampa,1998, p.284.
4
Um exemplo da exploração de mão de obra em Moçambique foi o Caso da Companhia do
Niassa, que mantinha os seus trabalhadores em condições deploráveis, o que incluía trabalho
forçado.
5
Valentim Alexandre, op. cit., p.62.
16
2.1
O Acto Colonial e a legislação do Estado Novo
6
O artigo 67.o do título V da Constituição de 1911, diz: “Na administração das províncias
ultramarinas predominará o regime de descentralização, com leis especiais adequadas ao estado de
civilização de cada uma delas”.
7
Como afirma A. H. Marques de Oliveira, a Carta Orgânica do Império Colonial Português era um
desdobramento do Acto Colonial e uma adaptação da Constituição Portuguesa às colônias. Cf. A.
H. de Oliveira Marques, Breve História de Portugal. Lisboa: Editorial Presença, 2006.
17
tradição do poder colonial português, que tinha por objetivo traduzir como o
império deveria ser e atuar em seus territórios.8
O Acto Colonial e a Carta Orgânica do Império Colonial Português,
reforçaram os princípios legais estabelecidos em 1926. Esses documentos foram
pensados como uma espécie de Constituição para os territórios de além-mar e
tinham como característica principal o ultranacionalismo, típico do governo de
Salazar.
Foi a partir desses diplomas que os territórios ultramarinos portugueses
passaram a ser considerados integrantes do “Império Colonial”, cuja
administração deveria estar centralizada pelo governo de Lisboa, conforme
definiam os artigos 3º, 5º e 6º do Acto Colonial e o 18.º da Carta Orgânica:
Art. 5.º O Império Colonial Português é solidário nas suas partes componentes com
a metrópole.
Art.6.º A solidariedade do Império Colonial Português abrange especialmente a
obrigação de contribuir de forma adequada para que sejam assegurados os fins de
todos os seus membros e a integridade e defesa da Nação.9
Art. 18.º Cada colônia é superiormente administrada, sob a superintendência do
Ministro das Colônias, por um governador; as funções que lhe pertencem exerce-as
este diretamente ou por intermédio dos serviços, autoridades e funcionários seus
subordinados, com a consulta do Conselho de Governo ou da secção permanente
deste, sempre que for de lei.10
8
Omar Ribeiro Thomaz, Ecos do Atlântico Sul: Representações sobre o terceiro império
português. Rio de Janeiro: Editora UFRJ/FAPES, 2002, p.71.
9
Acto Colonial, 1945. In: Colectânea de Legislação Colonial. Lisboa: Divisão de Publicações e
Biblioteca Agência Geral das Colônias, 1948.
10
Carta Orgânica do Império Colonial Português. In: Coletânea, op. cit.
18
11
Este artigo define a seguinte norma: “São garantidas às colônias a descentralização
administrativa e a autonomia financeira que sejam compatíveis com a Constituição, o seu estado
de desenvolvimento e os seus recursos próprios, sem prejuízo do disposto no artigo 47.o”.
12
Lorenzo Macagno. Outros Muçulmanos: Islão e Narrativas Coloniais. Lisboa: Imprensa de
Ciências Sociais, 2006. p. 40
19
metrópole. Sendo assim, era fundamental que existisse uma legislação que
estivesse de acordo com os hábitos e costumes dos povos.
A distinção entre direito metropolitano e colonial e a aplicação das leis de
acordo com o estágio “evolutivo” das sociedades também foram mantidas pelo
Acto Colonial, que oferecia, de maneira mais sistematizada, os diferentes direitos
e deveres entre os colonos, que eram os nascidos na metrópole, os assimilados e
os indígenas.
Além disso, o Acto Colonial esclarecia os princípios gerais a serem seguidos
por Portugal na sua relação com as colônias, de maneira que, considerando os
seus distintos estágios de evolução, o governo pudesse contribuir para uma
transição gradual do indígena ao cidadão português. A nova legislação instituía
também a “tutela” em relação às populações nativas de São Tomé e Príncipe,
Guiné, Angola, Moçambique e Timor, e, assim, acabava por estabelecer as
diferenças e as hierarquias entre os habitantes do chamado “império colonial
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português”.
Ao examinarmos os artigos do Título II – Dos indígenas do Acto Colonial e
a Carta Orgânica do Império Colonial Português, podemos perceber as
contradições da legislação portuguesa, que tinha por intuito proteger os indígenas
da exploração de mão de obra, silenciando assim as reivindicações internacionais
sobre os abusos do trabalho nativo e, ao mesmo tempo, abria espaço para
diferentes interpretações e assegurava a manutenção do trabalho nativo para obras
do império, conforme se comprova nos trechos a seguir:
Art. 231.º O Estado garante a proteção e defesa dos indígenas das colônias,
conforme os princípios de humanidade e da soberania nacional, as disposições
legais e as convenções internacionais que atualmente vigoram ou venham a
vigorar. As autoridades coloniais impedirão e castigarão conforme a lei os abusos
contra a pessoa e bens dos indígenas.
Art. 233.º Todas as autoridades e colonos devem proteção aos indígenas. É seu
dever velar pela conservação e desenvolvimento das populações, contribuindo, em
todos os casos, para melhorar as suas condições de vida; têm obrigação de amparar
e fornecer as iniciativas que se destinem a civilizar o indígena e aumentar o seu
amor pela Pátria portuguesa.
Art. 240.º O Estado não impõe nem permite que se exija aos indígenas das suas
colônias qualquer espécie de trabalho obrigatório ou compelido para fins
20
particulares, embora não prescinda de que eles procurem pelo trabalho meios de
subsistência.13
nação, nem como comunidade cultural, nem como uma associação política de
cidadãos.
A legislação relativa aos indígenas tinha como discurso principal levar a
civilização europeia aos africanos e aos timorenses e incorporá-los à nação
portuguesa, através de uma transformação gradual de seus costumes e valores
considerados pelos portugueses, como incivilizados.
Desde o século XIX, diversos códigos e regulamentos foram criados na
tentativa de sistematizar de maneira eficaz o trabalho dos classificados indígenas.
Mas para se regulamentar o trabalho, era necessário definir o que seria o indígena.
O primeiro diploma da legislação colonial portuguesa, que se preocupou em
caracterizar quem seria classificado como indígena e quem estaria isento de tal
classificação, foi o Decreto de 27 de setembro de 1894, referente à pena de
trabalhos públicos15. O decreto afirmava em seu 1º artigo que “somente são
considerados indígenas os nascidos no Ultramar, de pai e mãe indígenas e que
não se distinguem pela sua ilustração e costumes do comum de sua raça.”.
13
Carta Orgânica do Império Colonial Português. In: Colectânea de Legislação Colonial. Lisboa:
Divisão de Publicações e Biblioteca Agência Geral das Colônias, 1948.
14
Acto Colonial. In: Coletânea, op. cit.
15
Valdemir Donizette Zamparoni. Entre Narros & Mulungos: Colonialismo e paisagem social em
Lourenço Marques c. 1890- c.1940. USP, 1998 (Tese de doutorado) p. 465
21
família.
Conforme indica Zamparoni18, aqueles que julgavam estar em condições de
atender aos requisitos para receber o alvará de assimilado, deveriam redigir e
assinar um requerimento que seria acompanhado ainda de um atestado emitido
pelas autoridades administrativas que comprovasse o seu local de residência, o
abandono dos “usos e costumes” da raça negra e a fluência em língua portuguesa.
Além disso, deveriam apresentar a certidão de aprovação no exame de instrução
primária; a certidão civil do casamento ou, caso fossem solteiros, deveriam
apresentar uma declaração de próprio punho em que se comprometiam adotar a
monogamia. No caso dos filhos mestiços, eles não necessitariam do alvará
enquanto vivessem na companhia do pai, europeu, ou se estivessem residindo em
institutos de educação.
A Portaria de 1917 era considerada extremamente rígida e restritiva.
Seguindo estes padrões, nem mesmo grande parte dos colonos brancos
conseguiria atender aos requisitos exigidos, considerando que um terço deles eram
analfabetos, outros muitos desempregados e outros polígamos. Este decreto gerou
inúmeros protestos por parte das elites africanas, que percebiam o conteúdo deste
16
Outros decretos e regulamentos, Cf. Valdemir Donizette Zamparoni. Op. cit
17
Portaria Provincial Nº 317, de 9 de janeiro de 1917, publicado no Boletim Oficial n° 02/1917 e
promulgado pelo Governador Geral Álvaro de Castro.
18
Valdemir Donizette Zamparoni. Op. Cit. p. 470
22
19
Sobre os protestos Cf. Fernanda do Nascimento Thomaz. Os “Filhos da Terra”: discurso e
resistência nas relações coloniais no sul de Moçambique (1890-1930).UFF, 2008 (Dissertação de
mestrado) e Valdemir Donizette Zamparoni. Entre Narros & Mulungos: Colonialismo e paisagem
social em Lourenço Marques c. 1890- c.1940. USP, 1998 (Tese de doutorado).
23
2.2
A Mística Imperial e a obrigação de civilizar
colonização de seu país era diferente de todas as outras e até admirada pelos
estrangeiros, pois não objetivava apenas explorar os territórios, mas colonizar e
cristianizar.
Ao tentar explicar ao máximo o que era a Mística Imperial, F. Alves de
Azevedo conta uma breve estória e afirma que um exemplo é melhor que todas as
definições. Por se tratar de uma história curiosa, vale reproduzir.
Conta um biógrafo de Lyautey – que só por ser de origem portuguesa, foi o maior
colonial da actualidade – que em 1914 o criador do Marrocos recebia do Ministro
da Guerra do seu país ordem de pôr à sua disposição a maior parte das tropas de
ocupação.
O Governo sabia que era impossível manter todo o país com os pequenos efectivos
que ficariam, e por isso pedia-lhe somente para conservar Fez e assegurar a
evacuação dos franceses do sul. Estava bem. Com 100.000 homens podia-se
manter um território determinado com 20.000 devia poder-se conservar a quinta
parte.
Ao ter conhecimento desta ordem que despedaçava tudo quanto fizera em
Marrocos, o marechal não disse uma palavra, encerrou-se no seu gabinete e não
recebeu ninguem durante 24 horas.
20
F. Alves Azevedo. Mística Imperial. In: Cadernos Coloniais, nº 17. Lisboa: Editorial Cosmos,
s/d, p.4.
21
Os Cadernos Coloniais fazem parte de uma coleção de setenta livros, que foram publicados pela
Editora Cosmos, entre 1935-1941, e tinham por objetivo fazer propaganda da obra colonial
portuguesa em seus territórios.
24
Depois de maduramente haver elaborado o seu plano, que ficou célebre com o
nome de plano 20 de Agosto, respondeu à ordem recebida, nos seguintes termos:
‘Dar-vos-ei todos os batalhões que pedis. Não conservarei senão o que fôr
necessário para manter a aparência nos postos, mas a nossa política será a política
do sorriso. Não sómente não estaremos inquietos, mas aos olhos dos indigenas
teremos de ser alegres. Faremos uma feira em Fez. Um homem que trabalha não
pensa em se bater. Cada estaleiro que se abre é uma batalha que se ganha’.
O seu plano executado á risca não falhou num unico ponto. E o mais interessante é
que não foi apenas o que já pertencia aos franceses que se manteve sob o dominio
da França: muitas tribus rebeldes vieram submeter-se para poder gozar as delicias
do Luna Parque de Fez.
Qual a razão deste brilhante exito? Só vislumbramos uma: A mistica imperial de
Lyautey, de facto um dos grandes construtores do império francês.22
Para o autor, esse “mito da herança sagrada” era resultado de dois elementos
constituintes do nacionalismo português: a consciência das elites políticas
portuguesas da vulnerabilidade de Portugal frente às ameaças externas e a ideia de
22
Ibidem, p.5.
23
Um panorama geral sobre a construção do mito do Império Português é tratado no artigo de
Valentim Alexandre. A África no imaginário político português (séculos XIX-XX). In: A. M.
Hespanha. Penelope no 15. Lisboa: Edições Cosmos, 1995.
25
paz e homens de guerra, caídos na luta com o desconhecido dos mares e das
selvas.24
24
Armindo Monteiro. A Actual organização administrativa colonial e os fins da colonização
portuguesa. In: Boletim Geral das Colônias, nº 100, Vol. IX, 1933, p.3.
25
Ver Fernando Rosas. História de Portugal. Lisboa: Editorial Estampa, 1998. p.287.
26
Proteger Portugal das forças anexionistas e expandir o Império eram uma das
promessas do Estado Novo.
Colônias, nação e regime fundiam-se em uma construção mítica, que
possuía uma legitimação constitucional. Dessa aliança surgia uma concepção de
império, que tinha uma cabeça, uma família com um chefe e que se desdobrava
em uma dimensão concreta – a centralização política, administrativa e financeira,
por um lado, e a nacionalização da exploração econômica das colônias, com a
revitalização da política do “pacto colonial”, por outro.26
Esse nacionalismo exacerbado, quase religioso, que formava a mística
imperial construía uma ideia de que o império era intocável, não apenas por
reproduzir um legado histórico, mas, acima de tudo, porque representava o
espírito de missão que dava à nação a sua razão de ser.
A estreita ligação entre a questão colonial, o regime e a identidade nacional
contribuiu significantemente para o processo de sacralização do Império e o
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26
Ibidem.
27
27
Alfredo Pimenta. O Império Colonial factor de civilização. Conferência do Ciclo de Alta
Cultura Colonial, realizada na tarde de 28 de março de 1936, na Academia das Ciências de Lisboa.
Divisão de Publicações e Biblioteca Agência Geral das Colônias, 1936.
28
2.3
As Missões Católicas e a Educação em Moçambique
instrumentos de civilização.
28
Carta Orgânica do Império Colonial Português.
29
foi uma das razões que motivaram uma reaproximação do novo governo com a
Igreja na década de 30.
Michel Cahen29 afirma que a fraqueza da ocupação da Igreja em
Moçambique, antes da Concordata de 1940, teve a ver com a própria dificuldade
de ela se estabelecer no território. O I Congresso da União Nacional, realizado
em 1934, identificou a existência de 602 estabelecimentos missionários
estrangeiros em Moçambique, em comparação a 39 missões portuguesas e 4
missões católicas estrangeiras. Existiam, nesse mesmo período, 54 missionários
católicos, em contraste com 688 protestantes.
Um dos resultados importantes da aliança entre Igreja e Estado, após 1940,
foi uma reestruturação da organização eclesiástica no Império Português, pois
tanto Angola como Moçambique foram considerados arcebispados, e mais duas
dioceses foram lá criadas. Naquele momento, a organização eclesiástica coincidia
com a forma política do império.
Apesar de toda essa estrutura, o número das missões religiosas católicas
nunca foi suficiente para executar uma evangelização em massa. Segundo Oliveira
29
Michel Cahen. L’État Nouveau et La diversification religieuse au Mozambique, 1930-1974. In:
Cahiers d'études africaines, 158, 2000, p.315.
30
30
A. H. Marques. Nova História da Expansão Portuguesa – O Império Africano (1890-1930).
Lisboa: Editora Estampa, 2001.
31
J. A. Pires. Inspeção à Comissão municipal de Quelimane, Junta Local do Chinde e
circunscrições e seus posto de Alto Molocué, Magnanja da Costa, Mocuba, Namacurra e Pebane,
1946, s/l. In: Arquivo Histórico de Moçambique, Caixa 62, Inspecção superior de administração e
negócios indígenas: 95 e 97, apud, Michel Cahen, op. cit., p.320.
32
Anuário do Ensino, 1930, 1931, Lourenço Marques. p.10-11. In: David Hedges, História de
Moçambique – Moçambique no auge do colonialismo. Maputo: Universidade Eduardo de
Modlane, 1993, p.46.
31
33
David Hedges, op. cit., p. 48.
32
atividades de maneira que fossem mais facilmente controladas. Igrejas como essa
representavam um potencial foco de oposição ao governo, pois tinham grande
poder de cooptação das populações locais. Só para se ter uma ideia, a Igreja da Fé
dos Apóstolos congregava mais de 3.000 membros.
Apesar da ameaça iminente, a polícia portuguesa permitia a existência
dessas igrejas e raramente reagia com duras perseguições, como foi o caso dos
membros da comunidade das Testemunhas de Jeová, que, em 1953, foram
proibidos de atuar em Moçambique e exilados para São Tomé.
No que diz respeito às escolas islâmicas existentes no território
moçambicano, o Estado Novo praticou uma política de preocupação. Em 3 de
março de 1937, a direção provincial da administração civil do Niassa emitiu uma
circular confidencial, solicitando que os administradores verificassem se as
escolas corânicas e as mesquitas possuíam “licenças oficiais” de funcionamento.
Como a grande maioria não possuía, alguns administradores exigiram o
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fechamento das escolas, mesmo que não existisse nenhuma outra na região.34
Apesar da liberdade de culto estabelecida pela legislação portuguesa, na
prática existia a incoerência da atuação de um Estado que desejava expandir a sua
dominação colonial e, ao mesmo tempo, se proteger das ameaças trazidas pelas
religiões. Nesse sentido, é possível citar mais algumas medidas restritivas tomadas
em relação ao Islã.
Os muçulmanos moçambicanos de origem indiana, que ocuparam um lugar
de destaque no comércio do norte do país, foram vistos pela administração
colonial como “agentes do Islã”, que desejavam ir contra a expansão do
catolicismo e a dominação portuguesa.
No episódio de fevereiro de 1937,35 em que autoridades coloniais de Cabo
Delgado encontraram cartazes etíopes em circulação, fazendo referências à
independência da Etiópia contra a ocupação italiana, tais cartazes, obviamente,
foram considerados subversivos, e as autoridades coloniais concluíram que eles
tinham entrado no território moçambicano pelas mãos dos muçulmanos do norte.
Por esse motivo, em março do mesmo ano, as mesquitas em Porto Amélia
(Pemba), Ibo, Mocímboa da Praia e Memba foram fechadas. A reabertura só foi
34
A. E. Pinto Correia. Relatório da Inspecção ordinária às Circunscrições do Distrito de
Moçambique, 1936-1937, 2 vols, apud Michel Cahen, op. cit.
35
Ibidem, p.49.
33
Nampula, sobretudo entre as etnias Macuas e Ajuas,2 o que ocorre ainda hoje.3
1
António da Silva Rego. Atlas missionário português, Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar,
1962. O 3º recenseamento geral da população, de 1960, aponta um número ainda maior, 1.158.973
muçulmanos e 475.259 católicos. III° Recenseamento geral da população, apud Michel Cahen.
L'État Nouveau et la diversification religieuse au Mozambique, 1930-1974. Paris, Cahiers
d’Études africaines, 158, XL-2, 2000, p.309-349. Lourenço Marques: Instituto Nacional de
Estatística/INM, 1960, 12 vols.
2
Ver Mapa da formação etnolinguística de Moçambique na página 65.
3
Ver, em Anexos: Estatísticas sobre a distribuição da população por religião no último censo, de
2007.
35
4
Lorenzo Macagno. Outros Muçulmanos: Islão e Narrativas Coloniais. Lisboa: Imprensa de
Ciências Sociais, 2006.
5
Cf. Francisco P. Garcia. O Islão na África Subsariana: Guiné-Bissau e Moçambique, uma análise
comparativa, Africana Studia 6, 2003.
6
Cidades africanas, como Sofala, Angoche, Moçambique, Quíloa, Mafia, Zanzibar, Pemba,
Mombaça, Gedi, Melinde, Manda, Lamu, Pate, Faza Brava, Merca, Mogadixo e outras cidades-
estados integravam uma ampla rede comercial do Índico que, entre os séculos XII e XVII,
negociavam com Comores, Madagascar, Socotorá, Meca, Iêmen, Omã, Pérsia, Índia, Ceilão,
Indonésia e, indiretamente, com a China. Esse comércio era dominado por muçulmanos que
negociavam, entre outros itens, ouro, marfim, peles, madeiras. As relações entre esses mercadores
permitiram não apenas a troca de produtos entre regiões, mas também a interação de religiões,
costumes, línguas e tecnologias, formando, assim, uma rede social que incluía até casamentos. Os
habitantes dessas cidades costeiras africanas e a cultura formada por essa interação ficaram
conhecidos por suaíli ou, em árabe, swahili. Cf. Alberto Costa e Silva. A manilha e o limbambo: a
África e a escravidão de 1500 a 1700. Rio de Janeiro: Nova Fronteira/Fundação Biblioteca
Nacional, 2002, p.616-17. Ver Mapa 1, no Anexo.
36
7
José Julio Gonçalves. O mundo árabo-islâmico e o Ultramar Português. Lisboa: Junta de
Investigações do Ultramar, 1958.
8
José Julio Gonçalves denominava de islamização superficial o fato de, apesar de serem
convertidos, os africanos não abraçaram todas as práticas do Islã, misturando-as com suas
tradições locais. Muitos estudiosos afirmam até hoje que muitos países africanos não são
muçulmanos. Essa análise pode ser considerada preconceituosa, já que desconsidera as
possibilidades de apropriações e sincretismos.
9
Cf. J. J. Gonçalves, op. cit., p.206.
37
Em países como Egito e Marrocos, o Islã foi inserido por exércitos árabes
que rapidamente dominaram as cidades e as áreas rurais que se estendiam ao
longo do mediterrâneo. A religião foi imposta juntamente com a língua e os
costumes árabes. Já na África Subsaariana, o Islã chegou à região através de
mercadores que faziam o comércio transsaariano, e se expandiu a partir de três
longos processos10.
Devido a sua importância ritual, algumas palavras em árabe se
disseminaram nas sociedades africanas islamizadas, especialmente as que
caracterizavam religião, governo, guerra e comércio. Mas os muçulmanos
africanos continuaram usando os seus próprios idiomas, como o suaíli, o
mandinka, e várias outras línguas berberes. Eles rapidamente desenvolveram
maneiras de transmitir a sua fé em suas próprias línguas.
Com a chegada dos portugueses à costa oriental africana, em 1498, na
expedição de Vasco da Gama, foram estabelecidos os primeiros contatos entre
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0812283/CA
10
David Robinson. Muslim Societies in Africa History. New York: Cambridge University Press,
2004. p. 27-28.
11
Sobre a conquista de Gaza, cf. Gabriela Aparecida dos Santos. Reino de Gaza: o desafio
português de ocupação do sul de Moçambique (1821-1897). São Paulo: USP, 2007 (Dissertação de
Mestrado).
38
12
Cabe ressaltar que a categoria Monhé não engloba os indianos de Goa, que são, em sua grande
maioria, cristãos.
13
Um interessante panorama sobre os monhés pode ser lido em Valdemir Zamparoni. “Monhés,
Baneanes, Chinas e Afro-maometanos: Colonialismo e racismo em Lourenço Marques,
Moçambique, 1890-1940”. Revista Lusotopie, 2000, p.191-222.
39
1974.
As confrarias não estão enquadradas no sunismo ou no xiismo, mas sim na
tradição sufi do islamismo. De acordo com o The Oxford Dictionary of Islam,15 o
sufismo diz respeito ao misticismo islâmico relacionado à internalização e à
intensificação da fé e da prática islâmica. Os seguidores do sufismo privilegiam
mais a contemplação do que a ação, o desenvolvimento espiritual do que o
legalismo, o cultivo do espírito do que a interação social.
Ao contrário dos exercícios de teologia e jurisprudência que dependem de
uma razão, o sufismo depende da emoção e da imaginação no relacionamento
entre Alá e o Homem. Não se relaciona com escolas de jurisprudência, classes
sociais, gênero, geografia ou conexões familiares. Está intimamente ligado ao
mesmo tempo com as expressões mais populares e mais ortodoxas dos
ensinamentos islâmicos.
14
Maria João Baessa Pinto. O Islamismo em Moçambique no contexto da liberalização política e
económica (anos 90): a província de Nampula como estudo de caso. (Dissertação) Instituto
Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, Lisboa, 2002, p.73.
15
John L. Esposito (ed.). The Oxford Dictionary of Islam. Oxford University Press: New York,
2003, p.301.
40
16
António Dias Farinha. “O Sufismo e a islamização da África Subsariana”. In: Antonio Custódio
Gonçalves Alves (cord.). O Islão na África Subsariana: Actas do 6º Colóquio Internacional,
Estados, Poderes e Identidades na África Subsariana. Universidade do Porto, 2003.
17
Lorenzo Macagno, op. cit., p.164.
18
Ibidem, p.84.
41
19
Liazzat J. K. Bonate afirma que existe uma confraria mais antiga que a Shadhiliyya e a
Qadiriyya em Comores e em Zanzibar, que é a Rifa’iyya. É pouco conhecida, mas há registros de
seus rituais no século XIX. Cf. Liazzat J. K. Bonate. Roots of diversity in Mozambican Islam.
Lusotopie, Vol. 14, No 1, 2007, p.136.
20
Fernando Amaro Monteiro. As comunidades Islâmicas de Moçambique: Mecanismos de
Comunicação. Revista Africana. Univesidade Portucalense: Porto, 1989, p.87.
21
Mais detalhes sobre esta disputa, ver Bonate, op. cit., p.139.
42
3.2
22
Lorenzo Macagno, op. cit., p.88.
23
Antonio Enes e Mouzinho de Albuquerque pertenceram a “Geração de 95”, nome dado
posteriormente aos militares, administradores e governadores que lideraram o processo de
ocupação efetiva do território moçambicano por Portugal no século XIX. Antonio Enes foi
governador-geral de Moçambique entre 1891-1895. Foi considerado o grande reorganizador da
política colonial, se destacando pela promoção da descentralização administrativa, em que as leis
na colônia seriam de acordo com o grau de “evolução das populações locais”, se diferenciando
assim da lei vigente na metrópole. Outro feito importante foi a reforma referente ao trabalho na
colônia. Mouzinho de Albuquerque era visto como um “herói nacional”. Iniciou sua carreira
administrativa na Índia, em 1890 foi nomeado governador do distrito de Lourenço Marques,
derrotou o chefe de Gaza nas guerras de 1895 e tornou-se governador do recém conquistado
distrito. Entre 1896 e 1898 foi governador-geral de Moçambique, sucedendo Antonio Enes. Cf. O.
R. Thomaz. Ecos do Atlântico Sul: Representações sobre o Terceiro Império Português. Rio de
Janeiro: Editora UFRJ, 2002; e Lourenço Macagno. O discurso colonial e a fabricação dos usos e
costumes: Antonio Enes e a “Geração de 95”. In: Peter Fry (org). Moçambique: Ensaios. Rio de
Janeiro: Editora UFRJ, 2001. 61-90
43
24
Sobre este ponto desenvolveremos no tópico sobre ameaça islâmica.
25
António Enes. Moçambique. Relatório Apresentado ao Governo. Lisboa: Divisão de
Publicações e Bibliotecas, Agência Geral das Colônias, 1946.
44
30.
No entanto, uma das diferenças que podemos estabelecer entre Enes e os
administradores dos anos 30 é que o primeiro se colocava cético com a
possibilidade de assimilação total das populações africanas, enquanto o Estado
Novo defendia isso a qualquer custo. Como já discutido no capítulo anterior, o
objetivo da missão do Estado português era civilizar e nacionalizar os indígenas
das colônias, e essa civilização dizia respeito à assimilação dos costumes, da
língua portuguesa e da religião católica.
Uma das primeiras evidências de que o Islã era tido como um problema, na
década de 30, para o Estado colonial, foi o relatório de Dom Teodósio,
Administrador do distrito de Nacala, em 1937.26 O texto do bispo relatava a
respeito da circulação de panfletos, em vários assentamentos na região costeira de
Moçambique, que se referiam à defesa da Etiópia contra a invasão italiana. Os
panfletos citavam como inspiração a vitória dos abissínios contra os italianos, na
Adwa, em 1896. A fonte desses panfletos foi descrita pelo bispo como sendo de
um moçambicano descendente de árabes.
Assim como Antonio Enes, no final do século XIX e início do XX, Dom
Teodosio também criticava a atuação católica no norte de Moçambique e dizia
26
Edward Alpers. Islam in the Service of Colonialism? Portuguese Strategy during the Armed
Liberation Struggle in Mozambique. Lusotopie, 1999.
45
que essa ineficácia permitia que os nativos fossem cativados por “cherifes” e pela
multiplicação incessante das escolas e das mesquitas, e isso era essencialmente
contra a crença europeia pregada.27 O religioso também afirmava que não se devia
deixar iludir pela fidelidade dos africanos, pois isso poderia comprometer a
integridade do domínio do império português.
Diante desse episódio, as autoridades portuguesas, em 1937, esboçaram
algumas estratégias para lidar com esse fato. Uma das possibilidades apresentadas
foi a de fechar as mesquitas e as escolas corânicas. Embora esses estabelecimentos
não fossem considerados como centros de difusão anticolonial na defesa de
folhetos etíopes, a literatura religiosa estudada nesses locais poderia, de certa
forma, comprometer a frágil lealdade africana em relação aos portugueses.
Mas ao final, essa estratégia foi vista como inadequada, porque os africanos
poderiam voltar-se contra os portugueses. “Autorizadas ou não, as mesquitas e
escolas representam o sustento necessário para a mente natural – algo que
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27
Alpers, op. cit., p.167.
28
Ibidem, p.168.
29
AbdoolKarim Vakil. Questões Inacabadas: Colonialismo, Islão e Portugalidade. In: Margarida
Calafate Ribeiro & Ana Paula Ferreira (orgs.). Fantasmas e Fantasias Imperiais no Imaginário
Português Contemporâneo. Porto: Afrontamento, 2003, p.22.
46
publicado por Silva Rego na década de 60, demonstra ainda essa visão de
desconhecimento e desejo de combate ao Islã:
30
Silva Rego, a convite de Marcello Caetano, na época ministro das colônias, integrou o corpo
docente da Escola Superior Colonial, atualmente Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas
da Universidade Técnica de Lisboa. Ele lecionou desde 1946 a cadeira de Missionoligia na
referida universidade.
31
António da Silva Rego. O Oriente e o Ocidente: Ensaios. Lisboa, 1939. p.42-59.
32
Professor de Ciências Sociais do Instituto Superior de Estudos Ultramarinos, Adriano Moreira
foi Ministro do Ultramar entre 1961 e 1963.
33
Antonio da Silva Rego. Alguns problemas sociológico-missionários da África Negra. Estudos
de Ciências Políticas e Sociais nº 32. Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar, 1960.
34
Vakil, op. cit.
47
35
Ibidem, p.164.
36
Alpers, op. cit., p.167.
37
J. da Silviera. Relatórios sumários e respectiva documentação, referentes à inspecção ordinária
feita na Provincia do Niassa em 1943, I, doc. no 9, copiado por Aristides Alves de Faria para o
Provincial Director of Civil Administration of Niassa, Memba, 12 September 1937. In: AHM,
Fundo ISANI, Cx. 96, apud Alpers, op. cit.
48
38
The Oxford Dictionary of Islam define Umma como um conceito fundamental no Islã, que
expressa a unidade essencial e a igualdade teórica entre todos os muçulmanos, independente da
diversidade Geográfica e Cultural (p. 327). É comumente traduzida como comunidade religiosa ou
comunidade dos fiéis. No entanto, o conceito é mais complexo e fluido historicamente do que o de
comunidade religiosa judaica ou cristã. A idéia de Umma está presente desde os primórdios do Islã
para designar inicialmente os pertencentes ao grupo de seguidores do profeta, independente de sua
filiação tribal. No entanto, o termo ultrapassou essa conotação inicial e o sentido religioso,
estendendo-se para a vida social e política. Sendo assim, o conceito de Umma tem a ver com uma
comunidade islâmica de valores, religiosos ou não, que possui implicações políticas e que
ultrapassa as fronteiras nacionais . Cf. Robert A Saunders. “The ummah as nation: a reappraisal in
the wake of the ‘Cartoons Affair’”. In. Nations and Nationalism 14 (2), 2008. p. 307. , Fred
Halliday. “The politics of the Umma: States and Community in Islamic Movements”. In.
Mediterranean Politics, 7 (3) 2002 p. 24.
39
Cf. Espósito, op. cit., e Albert Hourani. Uma História dos Povos Árabes. São Paulo: Companhia
das Letras, 2004.
40
Trata-se de um corpo de leis, lendas e histórias que reúnem as tradições orais dos muçulmanos.
Diz respeito às palavras e feitos do profeta Muhammad.
49
41
Na concordata de 1940, a Igreja Católica assumiu o monopólio legal da educação dos africanos
em Moçambique.
42
Diante do contexto de acordo entre Igreja Católica e o Estado português, cabe ressaltar que não
era apenas o Islã que era ameaçador. As igrejas não católicas, como as Igrejas independentes
africanas eram consideradas anticolonialistas e incentivadoras do ódio contra os brancos e as
protestantes faziam oposição a atuação missionária dos católicos portugueses, criticavam vários
aspectos da atuação católica, como por exemplo, a escolaridade separada para os “indígenas”.
Sobre o papel das missões protestantes em Moçambique, ver Teresa Cruz e Silva. Igrejas
protestantes no sul de Moçambique e nacionalismo: o caso da Missão Suíça (1940-1974).
Maputo: Faculdade de Economia da Universidade Eduardo Mondlane.
43
José Luis Cabaço. Moçambique: Identidade, colonialismo e libertação. São Paulo: Editora
UNESP, 2009, p.214.
50
Jamais largaremos de mão este assunto tão importante para o nativo maometano
que, desde há muito, vive agarrado aos usos e costumes dos árabes em pleno
território português, tornando deste modo infrutífero todo o esforço de
nacionalização das populações nativas da Colônia de Moçambique.
escolas maometanas da Colônia de Moçambique, que não fazem outra coisa senão
arabizar o nativo português.
44
Alpers, op. cit., p.168.
45
Jornal moçambicano dirigido por João e José Albasini. Este jornal foi um dos primeiros a serem
escritos por negros e mestiços assimilados em Moçambique. Sua linha editorial era nativista,
voltado para as populações locais. Era bilíngue, português e em ronga (língua banta local) e entre
os anos de 1919 e 1920 também foi publicado também em inglês. Funcionou entre 1918 e 1974.
Até a década de 30, fazia criticas as práticas do governo colonial, mas com o regime de Salazar,
tornou-se apologético ao Estado Novo. Cf. Fernanda do Nascimento Thomaz. “Os “Filhos da
Terra”: discurso e resistência nas relações coloniais no sul de Moçambique (1890-1930)”. (UFF,
2008). Dissertação de mestrado.
46
Este trecho faz parte do artigo A indigência maometana em Moçambique, publicado
inicialmente no jornal O Brado Africano. Este artigo também foi publicado no Boletim Geral das
Colónias, nº 100, Vol. IX, 1933, p.201.
51
Foi essa guerra que trouxe a ameaça ao controle português e ao das outras
metrópoles estrangeiras sobre os territórios africanos. Hobsbawm afirma que,
além de sua magnitude, foi também interimperialista em que, até 1943, os grandes
impérios europeus estavam do lado perdedor. Os japoneses conseguiam invadir as
colônias britânicas, holandesas e outras, no Sudeste Asiático e no Pacífico
Ocidental. Os alemães conseguiram chegar ao norte da África e ocupar até quase a
cidade de Alexandria, no Egito.
Mesmo com a vitória dos aliados, a Segunda Guerra mostrou que os brancos
e os seus Estados poderiam ser derrotados. A guerra havia desgastado demais as
metrópoles para que pudessem manter as suas posições de preponderância. Além
disso, os dois países que mais se fortaleceram com o conflito, Estados Unidos e
União Soviética, eram, por motivos diferentes, hostis ao “velho colonialismo”.47
47
Cf. Eric Hobsbawm. Era dos Extremos: O breve século XX (1914-1991). São Paulo: Companhia
das Letras, 2009, p.214.
52
nativos após a Segunda Guerra Mundial ocorreu em São Tomé, quando o aumento
do valor internacional do café e do cacau exigiu um maior uso de mão de obra,
que foi adquirida à força, causando resistência da população em 1953.
Foi na década de 1950 que tiveram início os movimentos defensores da
independência de Angola, baseados na ideologia marxista e compostos por
intelectuais formados em Portugal, como Agostinho Neto e Mário Pinto de
Andrade. Entre os anos de 1955 e 1956, formou-se o que ficou conhecido como
Movimento Popular de Libertação de Angola.
Em termos de política na metrópole, após a Segunda Guerra o direito civil
português passou por reformulações e, em 1951, a Constituição foi revisada,
sendo substituído o termo colônia pela antiga denominação Província
Ultramarina. Essa substituição de termos práticos refletia a reivindicação do
regime pelos territórios africanos, pois trazia a ideia de que Portugal e suas
províncias constituíam uma unidade indivisível.
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48
Cf. Malyn Newitt. História de Moçambique. Lisboa: Publicações Europa-América, 1997, p.410.
53
49
Eduardo Dias. Árabes e Muçulmanos. Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1940.
50
Idem. O Islão na Índia. Colecção Gládio – Estudos Religiosos e Filosóficos. Lisboa: Livraria
Clássica Editora. 1942.
51
As Mil e Uma Noites, Trad. Eduardo Dias. 3. ed. Lisboa: Clássica, 1949, 6 vols.
54
52
Boletim Geral do Ultramar , Ano 32, nº 378 (Dezembro 1956), p.104-106.
53
Vakil, op. cit., p.14-17.
55
54
São eles: As elites das Províncias Portuguesas de Indigenato (Guiné, Angola e Moçambique).
In: Garcia da Orta - Vol. IV, nº 2 (1956), p.159-189, e O movimento Islâmico. In: Política
Ultramarina. Lisboa: Junta de investigações do Ultramar, 1961.
55
Adriano Moreira. Política Ultramarina. Junta de Investigações do Ultramar, Estudos de
Ciências Políticas e Sociais, nº 1, Lisboa: 1961, p.271-272.
56
Foi funcionário do serviço colonial, professor do Instituto Superior de Ciências Sociais e
Política Ultramarina, membro do Centro de Estudos Luso – Árabes da Sociedade de Geografia de
Lisboa, membro do centro de Estudos da Guiné Portuguesa.
56
57
O aspecto da Maleabilidade do Islã também está presente na obra de Gilberto Freyre, que será
discutida no próximo capítulo.
58
Para AbdoolKarim Vakil, palavras como “islamismo negro”, “Islão africanizado” e “neo-
islamismo” representam mais do que uma diferenciação do Islã vindo do Oriente Médio, com a
sua tradição textual, considerado por muitos como “puro”. Há nos termos do Islã negro, para o
autor, um rebaixamento entendido como um abastardamento sincrético. Existe uma concepção de
que na expansão do Islã na África mantiveram-se o substrato animista e a superficialidade. É por
conta disso, que podemos ver em quase toda literatura sobre as populações muçulmanas nas
colônias o uso do termo islamizado e não islâmico. Ao utilizar o termo islamizado, há uma
desvalorização da conversão por motivos exclusivamente religiosos, defende-se que os africanos
se convertem por sua fraqueza psicológica ou por motivos de ascensão social.
57
corânica, já que ela objetivava regular não apenas a vida religiosa, mas a social e
até a política. Como exemplo, o autor usa o caso do Norte da África e da Guiné
portuguesa, em que os muçulmanos não se consideravam franceses nem
portugueses, mas sim árabes descendentes de Meca, como na citação seguinte:
E se, por enquanto, não há a assinalar nestes territórios africanos uma revolta
aberta – como acontece no Norte da África – orientada e inspirada pelos
muçulmanos, também é verdade que as ambições do Islão podem, de um momento
para o outro, atear fogo em toda a África Ocidental, bastando, para tanto, que os
dirigentes muçulmanos julguem chegada a hora de se cumprir a profecia de
Maomet, que ‘prometeu a esse mundo [arabo-islâmico] uma enorme extensão de
domínio’ – de Gilbratar ao Oceano Índico – que os súditos de Allah, nas suas
peregrinações a Meca, lembram ao seu Deus, na esperança de ver realizada a
profecia.62
Não percamos de vista o grave perigo que está implícito neste facto. É que a África
Oriental islamizada significa apenas que haverá maior facilidade de penetração do
59
José Julio Gonçalves. O mundo árabe-islâmico e o ultramar. Lisboa: Junta de Investigação do
Ultramar, 1958.
60
Gonçalves, op. cit., p.236.
61
Ibidem, p.210.
62
Ibidem, p.12.
58
asiatismo em toda a extensa região leste africana, incluindo pelo menos a parte
norte de Moçambique.
externamente por alguns metros de pano com que se cobrem, arranca-os ao seu
meio e incute-lhes sentimentos de estranha irmandade com todos os crentes.64
63
Major A. J. de Mello Machado. Entre os Macuas de Angoche. Historiando Moçambique.
Lisboa: Prelo Editora, s/d. p.285.
64
Padre Silva Rego. Curso de Missionologia, 1961, apud Major A. J. de Mello Machado, op. cit.
59
Daí que o comunismo olhe com benevolência e talvez até apóie todas as medidas
tendentes a islamizar os africanos. Islamizá-los para os levantar contra tudo o que
seja ocidental. Depois, com o auxílio dos muçulmanos evoluídos, converter ao
islamismo e converter os seus adeptos ao comunismo.
65
Tenente Coronel Hélio Felgas. O Islão e a África. Artigos publicados na Revista Militar, 1965,
apud Machado, op. cit., p.297.
60
Deus fez brancos todos os homens que criou. Muito tempo passado, Deus, zangado
com os homens, castigou-os dos seus pecados, mandando uma chuva que caiu
sobre a Terra durante muito tempo, e alagou os campos, as matas e as serranias,
transformando a terra firme em mar imenso. Na gigantesca inundação pereceriam
todos os seres se Deus não tivesse tido o cuidado de reservar a salvação para alguns
casais humanos e para uma parelha de cada espécie animal. Para isso, mandou
construir uma enorme lancha, onde aqueles homens e animais foram recolhidos.
Estava presente na lancha Isa bem Maryam (Jesus, filho de Maria!). Chamou os
homens e explicou-lhes a razão do dilúvio, como castigo dos muitos pecados
cometidos pelos seus semelhantes, assim exterminados. Os eleitos, a quem tinha
sido facultada a salvação, deveriam, por isso, manter um comportamento
escrupulosamente recto. Poderiam divertir-se, mas nunca abusar das mulheres dos
outros. Passado algum tempo, porém, o português procurou relações com mulher
que não era a sua. Esta concebeu e, com grande espanto de todos, verificou-se que
a criança nascida apresentava a pele preta – sinal de castigo pelas relações
pecaminosas.
A criança cresceu e, quando Isa lhe perguntou, um dia, se queria conhecer o pai,
recusou-se a fazê-lo.
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Mais tarde a água secou, e a terra voltou a aparecer. Homens e animais voltaram
aos seus lugares de origem.
66
Machado, op.cit., p.301.
61
imaginativa, presente nos romances e nos relatos dos viajantes, que ao demonstrar
o exotismo e mistério oriental, refletiam uma série de desejos, repressões,
investimentos e projeções69.
Ao longo do século XIX e XX o Orientalismo tornou-se interesse dos
impérios europeus e aspectos como o conhecimento acadêmico e os relatos de um
Oriente exótico, permitiam a construção de doutrinas e discursos que “via o
Oriente como um local que exigia a atenção, a reconstrução, até a redenção
ocidental” 70, justificando assim a presença e a dominação pelo Ocidente.
O discurso de Mello Machado, no qual estava sendo pregado nas
mesquitas que os judeus que mataram Cristo eram portugueses, e que eles seriam
também os responsáveis pela vivência do negro no sertão refletem essa
imaginação que se mescla com a experiência empírica na qual Said se refere. No
entanto, esta imaginação de Machado estava comprometida com um determinado
discurso e conseqüentemente com uma intencionalidade. O seu relato revelava a
67
Edward Said. Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das
Letras, 2007.
68
Op. cit., p. 115
69
“Além disso, a indagação imaginativa das coisas orientais era baseada mais ou menos
exclusivamente numa consciência ocidental soberana, de cuja centralidade não questionada surgia
um mundo oriental, primeiro de acordo com idéias gerais sobre quem ou o que era um oriental,
depois de acordo com uma lógica detalhada regida não apenas pela realidade empírica, mas por
uma bateria de desejos, repressões, investimentos e projeções.” Edward Said. Op. Cit., p.35
70
Op. cit., p. 280
62
sua visão de ingenuidade dos nativos, e ao mesmo tempo o seu temor com relação
às pretensões internacionais com relação ao território português.
Assim como o conhecimento sobre o Oriente, a produção de saber a
respeito do Islã estava permeada por uma rede de interesses aplicados,
comprometidas em reiterar a superioridade européia e validar um discurso que
legitimasse a atuação colonial. Ao categorizar o Islã como algo pejorativo, havia
explicitamente a idéia de valorizar a missão cristã e civilizacional dos portugueses
em África. Naquele momento, foram realizados muitos estudos, e
conseqüentemente discursos que estavam intrinsecamente relacionados com o
projeto colonial.
Este projeto colonial começava a ser ameaçado pelo cenário internacional
dos anos 50, que contribuiu para acentuar o temor com relação à expansão do Islã
no território moçambicano. Este sentimento de insegurança foi alimentado
também pela percepção da ineficácia da prática colonial, que era decorrente da
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4. 1
O poder colonial em apuros: pressões por autonomia
1
Artigos da Carta das Nações Unidas, no Capítulo XI - Declaração relativa a territórios sem
governo próprio: Artigo 73. Os Membros das Nações Unidas, que assumiram ou assumem
responsabilidades pela administração de territórios cujos povos não tenham atingido a plena
capacidade de se governarem a si mesmos, e conhecem o princípio de que os interesses dos
habitantes desses territórios são da mais alta importância, e aceitam como missão sagrada, a
obrigação de promover no mais alto grau, dentro do sistema de paz e segurança internacionais
estabelecido na presente Carta, o bem-estar dos habitantes desses territórios e, para tal fim, se
obrigam a: a) assegurar, com o devido respeito à cultura dos povos interessados, o seu progresso
político, econômico, social e educacional, o seu tratamento equitativo e a sua proteção contra todo
abuso; b) desenvolver sua capacidade de governo próprio, tomar devida nota das aspirações
políticas dos povos e auxiliá-los no desenvolvimento progressivo de suas instituições políticas
livres, de acordo com as circunstâncias peculiares a cada território e seus habitantes e os diferentes
graus de seu adiantamento; c) consolidar a paz e a segurança internacionais; d) promover medidas
construtivas de desenvolvimento, estimular pesquisas, cooperar uns com os outros e, quando for o
caso, com entidades internacionais especializadas, com vistas à realização prática dos propósitos
de ordem social, econômica ou científica enumerados neste Artigo; e e) transmitir regularmente ao
Secretário-Geral, para fins de informação, sujeitas às reservas impostas por considerações de
segurança e de ordem constitucional, informações estatísticas ou de outro caráter técnico, relativas
às condições econômicas, sociais e educacionais dos territórios pêlos quais são respectivamente
responsáveis e que não estejam compreendidos entre aqueles a que se referem os Capítulos XII e
XIII da Carta. Artigo 74. Os Membros das Nações Unidas concordam também em que a sua
política com relação aos territórios a que se aplica o presente Capítulo deve ser baseada, do mesmo
modo, que a política seguida nos respectivos territórios metropolitanos, no princípio geral de boa
vizinhança, tendo na devida conta os interesses e o bem-estar do resto do mundo no que se refere
às questões sociais, econômicas e comerciais.
64
2
Franco Nogueira. As Nações Unidas e Portugal. Ática: Lisboa, 1961, p. 101 e 102.
65
3
José Luis Cabaço. Moçambique: Identidade, colonialismo e libertação. São Paulo: Editora
UNESP, 2009, p. 165-172.
4
O PAIGC (Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde), liderado por Amilcar
Cabral, tentou por diversas vezes estabelecer algum tipo de diálogo com o governo português. Em
25 de setembro de 1960 entregou às autoridades portuguesas um memorando que solicitava o
reconhecimento imediato do direito à autodeterminação dos povos da Guiné e de Cabo Verde. Em
dezembro do mesmo ano, outro memorando foi enviado com um plano detalhado para
descolonização da Guiné e de Cabo Verde. Em 13 de outubro de 1961, Amilcar Cabral enviou
uma carta ao governo de Lisboa, onde fez referência "à aspiração de todos os povos à
independência nacional, à paz, ao progresso e à colaboração pacífica com todos os povos, o povo
português incluído". O governo português ignorou todas as correspondências enviadas. Cf. Amélia
Neves de Souto. Caetano e o ocaso do “Império”: Administração e Guerra Colonial em
Moçambique durante o Marcelismo (1968 a 1974). Edições Afrontamento: Porto, 2007, p. 143.
66
europeus e da China.
O seu líder era Eduardo de Mondlane, educado primeiramente em
Moçambique pela Missão Suíça, depois na África do Sul e nos Estados Unidos. A
FRELIMO foi fundada em Tanganica, atual Tanzânia, e contava com o apoio dos
Macondes do norte de Moçambique e do sul da Tanganica. Os Macondes tinham
como inimigos tradicionais os Macuas, que eram majoritariamente muçulmanos e
habitavam também a região norte do país.
Oliveira Marques9 afirma que, diferentemente da Guiné, de Angola e São
Tomé e Princípe, onde os movimentos revolucionários foram organizados por
pessoas de formação portuguesa e apoiados por assimilados, em sua maioria; o
movimento moçambicano fora formado por muitos africanos alheios à cultura e à
língua portuguesas.
5
No ultramar, a PIDE possuía poderes independentes da estrutura administrativa provincial. Nesse
sentido, tinha autonomia para prender, deter, expulsar e até mesmo fazer julgamentos sem controle
do Judiciário, realizados de maneira secreta por seus agentes. Amélia Neves de Souto, op. cit., p.
164.
6
Em 1960, o quadro aumentou de 27 pessoas para 108.
7
Em 1961, foi promulgada, a partir do Decreto-Lei de 29 de março de 1961, a organização da
Defesa Civil do Ultramar
8
Amélia Neves de Souto, op. cit., p. 143.
9
A. H. de Oliveira Marques. Breve História de Portugal. Editorial Presença: Lisboa, 2006. p. 708.
67
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0812283/CA
10
Malyn Newitt, op. cit., p. 453.
68
forte vínculo com a Arábia Saudita e o Egito. Acreditava que a política dizia
respeito à luta pela liberdade cultural, religiosa e política, e, paralelamente a isso,
à preservação da tradição islâmica.
O projeto pluricontinental do Islã dos wahhabistas era levado a cabo por
uma solidariedade que compreendia desde a concessão de bolsas de estudos, nos
centros de estudos islâmicos para jovens da África negra, como Al Azhar, no
Cairo, até a defesa da Palestina contra Israel e da independência dos países
africanos.13
Podemos afirmar que o movimento wahhabita contribuiu de maneira
significativa para a aproximação entre poder colonial e confrarias, mostrando,
assim, que havia conveniências para ambas as partes. Um exemplo disso é o
11
Movimento surgido na Arábia Central, no século XVIII, fundado por Muhammad ibn ‘Abd al
Wahhab (1703-92). Esse movimento pregava a necessidade de os muçulmanos serem estritamente
obedientes ao Alcorão e ao Hadith, rejeitando práticas como a reverência aos santos (marabus) e
outras devoções típicas das ordens sufis.
12
Macagno apresenta um interessante panorama sobre as disputas, ambiguidades e relações entre
Wahhabismo e confrarias. Cf. Lorenzo Macagno, op. cit., p. 161, e Lorenzo Macagno. “Les
Nouveaux Oulémas: La recomposition des autorités musulmanes au nord du Mozambique”.
Lusotopie, Volume 14, número 1, 2007, p. 151-177 (27).
13
Fernando Amaro Monteiro. “Moçambique, a década de 70 e a corrente Wahhabita: uma
diagonal”. In: António Custódio Gonçalves. O Islão na África Subsariana – Actas do Colóquio
Internacional. Porto: Centro de Estudos Africanos do Porto, 2004.
70
14
Cf. Lorenzo Macagno, op. cit., p. 101.
15
Edward Alpers, op. cit., p. 181.
71
4.2
Nova estratégia: conhecer para cooptar
16
Cabe ressaltar que a estratégia de cooptação dos muçulmanos pelo governo português foi levada
à frente também na Guiné Bissau, província que possuía um número maior de muçulmanos do que
Moçambique.
72
17
Não foram obtidas informações acerca da trajetória de Melo Branquinho. José Alberto Gomes
de Melo Branquinho, “Prospecção das forças tradicionais: Manica e Sofala”, Relatório Secreto
para os Serviços de Centralização e Coordenação de Informações, Província de Moçambique,
Lourenço Marques, 1967.
73
18
Os questionários confidenciais organizadas por conselhos distritais em resposta à solicitação
confidencial Nº 86/E/7/3, de 1º de março de 1966, podem ser encontrados em ANTT/SCCIM,
pasta 417, p. 48-440.
19
A aprovação foi feita pelos chefes das oito confrarias existentes na Ilha de Moçambique e chefes
das seguintes províncias: Lourenço Marques, Inhambane, Beira, Vila Pery, Quelimane, Bajone,
Ilha, Cabaceira, Nacala-Velha, Vila Cabral, Nova Freixo e Marruapa. De acordo com Amaro
Monteiro, entre eles havia dez africanos, nove de origem árabe e dois de origem asiática.
20
As críticas a respeito da tradução feita pelos líderes muçulmanos e as justificativas do tradutor
podem ser encontradas em ANTT/SCCIM, pasta 413, p. 359-362.
75
21
Fernando Amaro Monteiro. “Sobre a atuação da corrente ‘wahhabita’ no Islão moçambicano:
algumas notas relativas ao período de 1964-1974”. In: Africana, nº 12, março de 1993.
76
4.3
Novo discurso: Portugal, um império luso tropical
A mística imperial, tão forte nos anos 30, não era mais suficiente para frear
os questionamentos acerca do domínio português. A ideia de uma nação que
possuía não apenas uma vontade, mas uma missão quase divina de colonizar,
perdera completamente o sentido e, diante dessa quebra de paradigmas, era
necessário repensar-se enquanto nação.
Diante do cenário dos anos 60, não se tornara mais possível sustentar uma
concepção organicista de nação, formada por um princípio espiritual que
transcendia os indivíduos que dela participavam. Era-lhes difícil compartilhar
vínculo intrínseco e inalterável, desde o seu suposto nascimento, assim como
mitos originários, ou a cultura histórica, na qual formavam uma comunidade
baseada em tradições vernaculares.22
Nesse sentido, podemos considerar que a ideia de nação, existente em
Portugal nos anos 30, ainda se aproximava, de alguma maneira, das defendidas
por Rousseau sobre nação, como parte do plano de Deus e não apenas da História.
Portugal tinha sua missão de “civilizar” os povos do além-mar e era essa missão
que os definia enquanto portugueses.
Em meados dos anos 50 e início dos 60, porém, para que a ideia de nação
continuasse assentada no ultramar, o seu sentido deveria ser modificado: Portugal
22
Sobre o conceito organicista de nação, cf. Anthony Smith. National Identity. Reno: University
of Nevada Press, 1991.
77
não era apenas a nação que tinha como missão civilizar outros territórios. Tornara-
se uma nação especial e, a partir desse momento, os territórios conquistados no
passado eram concebidos como partes inseparáveis. Províncias e metrópole
haviam-se tornado parte de um mesmo corpo e, por isso, indivisível.
A primeira vez que essa ideia apareceu publicamente foi na resposta do
Presidente do Conselho, de 8 de novembro de 1955, ao Secretário Geral da ONU,
que então questionava Portugal sobre o descumprimento do artigo 73 da carta
daquela organização. Salazar respondeu-lhe que não havia transgressão da norma,
já que a unidade política portuguesa era compreendida desde o Minho até o Timor
Leste, e que, por esse motivo, as províncias ultramarinas pertenciam ao Estado
Unitário Português e as suas populações faziam parte da nação portuguesa.23
A nação portuguesa baseava-se na ideia de “desterritorialização” e tinha
como ponto de contato um universo cultural comum,
[...] uma comunidade de sentido que englobaria não apenas o Portugal europeu e os
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23
Fernando Martins, “A política externa do Estado Novo, o Ultramar e a ONU: Uma doutrina
histórico-jurídica (1955-1968)”. In: Penélope, nº 18, 1998, p. 189.
24
Omar Ribeiro Thomaz. “O Bom povo português: usos e costumes d’aquém e d’além mar”.
Mana, vol. 7, nº 1. Rio de Janeiro: Abril, 2001.
25
Benedict Anderson. Comunidades Imaginadas: Reflexões Sobre a Origem e a Difusão do
Nacionalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
78
Freyre.
Freyre ficou conhecido pela sua obra Casa Grande & Senzala, de 1933, na
qual discutia o processo de formação étnica, racial e cultural do Brasil,
valorizando a miscigenação. No entanto, entre as décadas de 30 e 40, as teorias do
autor não tiveram aceitação oficial por parte do regime colonial português. Isso
ocorreu porque, nesse período, a estratificação da sociedade a partir de categorias
como civilizados X indígenas ou negros X brancos era considerada importante
para garantir os privilégios vigentes dos colonos.
O conceito de lusotropicalismo foi mais desenvolvido por Freyre nos anos
40 e apresentado pela primeira vez no livro O mundo que o português criou.26
Aqui, o lusotropicalismo, como conceito, defendia que os portugueses haviam
sido responsáveis pela construção de uma nova civilização tropical harmoniosa e
particularmente distinta dos outros impérios coloniais. Teriam uma habilidade
mais especial de se relacionar com os outros povos, especialmente com os das
regiões tropicais. Ao defender uma área cultural lusotropical, que seria território
português, o mestiço tornar-se-ia homem dos trópicos27 por excelência, já que
aglutinava elementos indígenas e coloniais em sua identidade.
26
Gilberto Freyre. O mundo que o português criou. Lisboa: Livros do Brasil, 1940.
27
O conceito de “novo homem nos trópicos” está definido em O luso e o trópico, de 1961.
79
Tal vocação dos portugueses para os trópicos foi aprofundada naquele livro
e tais ideias foram logo apropriadas por alguns intelectuais portugueses e por
dirigentes do regime. A teoria de Gilberto Freyre era uma possibilidade de
encontrar uma solução política para a questão das colônias, sem abrir mão delas.
Seria um novo conteúdo teórico para a ideia de uma nação única, mas
pluricontinental. Como sugere José Luis Cabaço como título de seu capítulo, as
teorias de Freyre seriam uma nova veste para um corpo velho.
A aceitação de suas teorias ocorreu nos anos 50 e ganhou força nos anos 60.
Em 1951, por convite do Ministro do Ultramar Português Sarmento Rodrigues,
Gilberto Freyre viajou pelos territórios de Portugal, onde analisou
“empiricamente” a sua teoria. Dessa experiência, Freyre publicou em 1953,
Aventura e Rotina,28 como uma espécie de diário de viagem.
O prefácio, escrito por Alberto da Costa e Silva, na mais recente edição, nos
dá indícios de como foi realizada essa viagem. Todos os contatos que Freyre
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28
Gilberto Freyre. Aventura e Rotina: sugestões de uma viagem à procura das constantes
portuguesas de caráter e ação. Rio de Janeiro: Topbooks Editora, 2001.
29
José Luis Cabaço, op. cit., p. 176.
30
A ideia de vocação para os trópicos desconsiderava quaisquer tensões sociais existentes
associadas à brutalidade da dominação colonial. A grande virtude desta vocação era essa
capacidade de interação e miscigenação. Em Aventura e Rotina é possível perceber um certo
desapontamento de Gilberto Freyre com o fato de a população de Cabo Verde ser aparentemente
pouco miscigenada. Cf. Gilberto Freyre. Aventura e rotina: sugestões de uma viagem a procura
das constantes portuguesas de caráter e ação. Rio de Janeiro: Topbooks Editora, 2001, p. 266.
80
31
“A composição heterogênea do povo português e a estrutura tradicional comunitária patriarcal
permitiram-lhe uma perfeita assimilação do espírito cristão de fraternidade, inteiramente coerente,
mesmo quando posto à prova em situações de grandes contrastes raciais e culturais. (...) Foi ele
[Gilberto Freyre] quem especialmente pôs em evidência a capacidade dos portugueses para, em
contato com os trópicos, proceder a uma interpretação de valores e de técnicas que se torna
evidente na arquitetura, no vestuário, na alimentação, etc.” Adriano Moreira. O ocidente e o
ultramar português. Editora Pongetti: Rio de Janeiro, 1961.
32
Sobre esse tema, José Luis Cabaço enumera oito tópicos desta aproximação. Cf. José Luis
Cabaço, op. cit., p. 197.
33
Adriano Moreira, op. cit., p. 40-41.
81
A figura do muçulmano foi apresentada por Freyre pela primeira vez nas
páginas de Casa Grande & Senzala,34 vinda da África e de Portugal, como
elemento importante na formação do Brasil.35. No entanto, foi em livros
posteriores que Freyre desenvolveu o seu argumento sobre a influência árabe na
maneira portuguesa de colonizar.
Na introdução de Um brasileiro em terras portuguesas, Freyre afirmou ser a
colonização portuguesa “sociologicamente semelhante à maometana, embora a
substância cristã de que esta é portadora contraste fortemente com a substância
maometana, sua rival”.36 Os elementos tipicamente muçulmanos/árabes que
teriam influenciado a colonização portuguesa, tanto no Brasil como na África,
eram a grande capacidade de adaptação, a poligamia, a tolerância racial e a doçura
no tratamento dos escravos.
No que diz respeito à poligamia, havia para Freyre uma predisposição para a
relação exôgamica e a inclusão dos filhos dessas relações no seio da família. Isso
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34
Nesse aspecto, Freyre considera árabe como sinônimo de muçulmano.
35
Cf. Gilberto Freyre. Casa Grande & Senzala. São Paulo: Global, 2006, p. 300.
36
Gilberto Freyre. Um brasileiro em terras portuguesa. Rio de Janeiro, José Olympio, 1953, p. 37.
Em Aventura e Rotina, o autor enfatiza mais uma vez o argumento da influência maometana no
modo de colonização portuguesa. Cf. Aventura e Rotina. Rio de Janeiro: UniverCidade Editora,
2001, p. 251.
37
Gilberto Freyre. Um brasileiro em terras portuguesas. Rio de Janeiro, José Olympio, 1953, p.
40-41.
38
Ibidem, p. 39.
82
3.4 As ações
39
. Abdool Karim Vakil. “Questões Inacabadas: Colonialismo, Islão e Portugalidade”. In:
Margarida Calafate Ribeiro & Ana Paula Ferreira (orgs.). Fantasmas e Fantasias Imperiais no
Imaginário Português Contemporâneo. Porto: Afrontamento, 2003, p. 31.
83
É a primeira vez que o Bispo de Vila Cabral se dirige a vós deste modo público e
solene. Mas não é a primeira vez que nos encontramos face a face e como
amigos.
Na minha modesta residência e junto das vossas singelas mesquitas, na igreja de
Vila Cabral e por ocasião das Visitas Pastorais que tenho realizado às missões,
tenho-vos encontrado e conversado amigavelmente (...).40
40
D. Eurico Dias Nogueira. Carta Fraterna do bispo de Vila Cabral, 6 de setembro de 1966.
41
Além dos apresentados, a carta possui os seguintes tópicos: Aparições e Mensagem de Fátima,
Celebração Jubilar de Cinquentenário, e Palavras Finais.
42
ANTT/SCCIM, pasta 160, p. 3-10.
84
Foi com a recitação do ‘Tekbîr’ e da ‘Fâtiha’ do livro sagrado do Islam que eu, o
Governador-Geral da Província, abri esta mensagem em que me dirijo a vós,
maometanos da terra portuguesa de Moçambique (...).
(...) e porque a Igreja Católica, à qual Portugal está ligado por laços tão fortes,
considera também com respeito os muçulmanos que adoram o Deus vivo (...).
Não quero também deixar de desejar que voltem bem depressa à vida normal desta
terra aquelas populações islamizadas que, movidas por pressões do Mal,
abandonaram as machambas, as povoações e os lugares onde repousam os seus
antepassados, sofrendo agora, a monte ou no exílio, fome, doenças, ferimentos e
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morte (...).
Que meditemos todos, em concórdia, nas verdades de Fé que nos são comuns!
Meditemos também, nós que veneramos Maria, na beleza deste sinal: a Virgem,
padroeira da nação portuguesa, escolheu para nos aparecer e falar, uma povoação
chamada Fátima, nome da filha querida do profeta.43
43
Fernando Amaro Monteiro. “Moçambique 1964-1974: As comunidades islâmicas, o poder e a
guerra”. Africana. Centro de Estudos africanos, Universidade Portucalense: Porto, nº 5, setembro
de 1989. Anexo 1.
44
Relatório de Serviço nos Distritos de Moçambique e Cabo Delgado, de 6 a 23 de novembro de
1968. ANTT/SCCIM, pasta 413, p. 227.
45
“(...) a. Amanhã, 10DEZ68, devemos saber qual o número aproximado de maometanos
necessitados, residentes em Lourenço Marques, para assim se calcular qual o volume do donativo
de S. EXa. o governador geral no dia de Id. b. Sugere-se que o donativo seja feito em gado
bovino, para abate pelos próprios maometanos. É Indispensável que os animais sejam entregues
vivos [grifos do autor]. Esta oferta tem mais significado do que se fosse feita em gêneros.” Idem.
85
46
Em ANTT/SCCIM pasta 413, p. 223-226.
86
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foram publicados durante todo o ano de 1968 no Boletim Geral do Ultramar, dos
números 511/512 (janeiro/fevereiro) até 523/524 (janeiro/fevereiro de 1969).
O líder da Comunidade islâmica em Lisboa se destacou também por sua
atuação política, ao tentar estabelecer alianças ecumênicas. Defendeu, juntamente
com católicos, a inserção do nome de Deus na Constituição, retirada desde 1959.
Mamede defendia que o nome de Deus na Constituição dizia respeito a um Deus
único dos muçulmanos, católicos e judeus.
Além disso, Mamede endossou a solicitação feita pelos chefes das
Confrarias da Beira e de Inhambane, no final dos anos 60, de incluir na lista para
deputados por Moçambique à Assembléia Nacional, muçulmanos. Tal iniciativa
foi rejeitada, mostrando assim a ambiguidade da nação integracionista. Apesar de
ter uma coluna em um periódico oficial e se colocar com uma postura de
alinhamento ao regime, Suleiman Valy Mamede foi visto com desconfiança pelas
autoridades portuguesas. Todas as suas visitas a Moçambique foram registradas
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Foi com essas frases melancólicas que Fernando Amaro Monteiro recordou
os anos vividos em Moçambique e o seu primeiro contato com um mestre
muçulmano. Na carta, escrita em 1975, e destinada a todos os muçulmanos do
país independente, o pesquisador e ex-coordenador do SCCIM (Serviço de
Coordenação e Centralização da Informação de Moçambique) relembra os amigos
muçulmanos e a experiência mística vivida em uma mesquita, na qual sentiu
verdadeiramente a presença divina.
1
Fernando Amaro Monteiro. Carta aberta aos muçulmanos de Moçambique. Lisboa, 1975, p. 13-
15.
89
Essa conquista nada tinha a ver com uma interação espontânea de iguais,
que o pesquisador deixava transparecer em seu texto emocionado. Tratava-se de
uma conquista racionalizada, com objetivos claros e que, mesmo sob a luz de um
discurso integracionista, trazia uma ideia de hierarquia entre portugueses e
muçulmanos.2
2
A ideia de hierarquia fica implícita na especificação dos quatro princípios da fase de captação,
por Fernando Amaro Monteiro: 1) Mostrar que o poder conhecia e respeitava o Islão como religião
revelada; 2) Mostrar que o poder queria ‘comunicar-se’ e sabia como e junto de quem
(exatamente, ao detalhe) fazê-lo, momento a momento, sendo portanto inútil iludir uma
informação oportuna, que dominava a dimensão total da relação causa/s (agente/s) – efeito/s -
(agente/s) no terreno interior e exterior, isto é, o Poder queria dar-se e controlava os mecanismos
de comunicação: vocacionado para fomentar o mais amplo convívio, mas dispondo dos
mecanismos e do ânimo para prevenir/reprimir; 3)Mostrar que o poder queria reconhecer o Islão
moçambicano, no seu conjunto, a importância sociorreligiosa, cultural e política por ele detida,
criando estruturas de consulta permanente ou estimulando a ampliada revelação da/s que, por
ventura espontânea/s, existisse/m já. Para tanto, surgia lógico que a Administração Portuguesa,
estudando tão vultoso aspecto, requeresse a receptividade dos condutores naturais: daí abordá-los
no seu meio, de forma tão disponível e cortês quanto possível, mas também impressiva; atentas as
posteriores repercussões intestinais, as quais recortavam ou alteravam a análise de motivações e
importância dos mecanismos operada na fase de detecção. 4) No desenvolvimento do conteúdo da
determinante anterior, explorar duas idéias-força associadas entre si: o poder queria preservar a
cultura dos Muçulmanos/difundir a língua portuguesa. Ela era forma una no território de
comunicação plural; assim, seria também lógico, além de pragmático (até o desiderato, quanto à
expressão oficial, dos próprios elementos afectos à FRELIMO, a qual para tanto perfilharia, como
se sabe, o português projetasse a administração divulgar, nesta língua, textos islâmicos
fundamentais. Fernando Amaro Monteiro. “Moçambique 1964-1974: As comunidades islâmicas, o
poder e a guerra”. Africana. Centro de Estudos Africanos, Nº 5, setembro de 1989. Universidade
Portucalense: Porto, p. 83-125.
90
Naquele momento, criava-se a ideia de que Portugal era uma nação especial,
cuja missão seria levar a religião cristã e a civilização aos povos colonizados,
incorporando-os gradualmente à nação portuguesa.
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A missão de levar a religião cristã aos nativos era legitimada pelos acordos
assinados com a Igreja Católica, a partir de 1940. Essa aliança visava utilizar o
fenômeno religioso como um elemento estabilizador da sociedade, capaz de
reintegrar Portugal à sua unidade moral e, ao mesmo tempo, proteger as colônias
das possíveis ameaças trazidas pelas outras religiões.
3
José Luis Cabaço. Moçambique: Identidade, colonialismo e libertação. São Paulo: Editora
UNESP, 2009, p. 214.
92
Periódicos
Anexos
PROVÍNCIA DE NAMPULA
Zione/ Evangélica/ Sem
Sexo Católica Anglicana Islâmica Sião Pentecostal religião Outra Desconhecida
Total 1.554.733 19.792 1.495.792 59.757 189.896 559.588 79.906 25.821
Homens 764.277 9.705 725.489 29.329 93.067 292.856 40.281 11.718
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0812283/CA
PROVÍNCIA DE CABO
DELGADO
Zione/ Evangélica/ Sem
Sexo Católica Anglicana Islâmica Sião Pentecostal religião Outra Desconhecida
Total 578.798 5.881 864.388 4.803 17.711 121.662 4.439 7.967
Homens 275.220 2.890 416.829 2.425 9.027 64.622 2.340 3.978
Mulheres 303.578 2.991 447.559 2.378 8.684 57.040 2.099 3.989
PROVÍNCIA DE NIASSA
Zione/ Evangélica/ Sem
Sexo Católica Anglicana Islâmica Sião Pentecostal religião Outra Desconhecida
Total 304.552 47.331 711.302 30.987 42.571 10.985 16.555 5.065
Homens 152.283 22.747 345.761 15.091 21.201 6.390 8.590 2.529
Mulheres 152269 24584 365541 15896 21370 4595 7965 2536
1
Retirado de http://www.ine.gov.mz/censo2007 acessado em 23 de junho de 2010
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