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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE HISTÓRIA

LEANDRO SILVA MACHADO DOS SANTOS

ENTRE VIGILÂNCIA E ESTIGMAS: UMA ANÁLISE DO MOVIMENTO


ESTUDANTIL À LUZ DA BIBLIOGRAFIA E DOS SERVIÇOS DE INTELIGÊNCIA
E COLETA DE INFORMAÇÕES NO PÓS-DITADURA (1989 - 1999).

Niterói,
2023
LEANDRO SILVA MACHADO DOS SANTOS
ENTRE VIGILÂNCIA E ESTIGMAS: UMA ANÁLISE DO MOVIMENTO
ESTUDANTIL À LUZ DA BIBLIOGRAFIA E DOS SERVIÇOS DE INTELIGÊNCIA
E COLETA DE INFORMAÇÕES NO PÓS-DITADURA (1989 - 1999).

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao Curso de História do
Instituto de História da Universidade
Federal Fluminense como requisito parcial
para obtenção do título de Licenciatura em
História.

Orientadora: Profª. Drª. Angélica Müller

Niterói,
2023
LEANDRO SILVA MACHADO DOS SANTOS

ENTRE VIGILÂNCIA E ESTIGMAS: UMA ANÁLISE DO MOVIMENTO


ESTUDANTIL À LUZ DA BIBLIOGRAFIA E DOS SERVIÇOS DE INTELIGÊNCIA
E COLETA DE INFORMAÇÕES NO PÓS-DITADURA (1989 - 1999)

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao Curso de História do
Instituto de História da Universidade
Federal Fluminense como requisito parcial
para obtenção do título de Licenciatura em
História.

Trabalho aprovado em ________ de _________ de _________

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________

Profª. Drª. Angélica Müller (Orientadora)


Universidade Federal Fluminense

_____________________________________________

Profª. Drª. Angela Moreira Domingues da Silva


Universidade Federal Fluminense
Agradecimentos

Em primeiro lugar, expresso minha sincera gratidão a Deus, não de forma clichê, mas
verdadeiramente, reconhecendo que sem Sua orientação eu não estaria aqui. Ao longo de todo
meu percurso acadêmico, senti a presença de Deus por meio do Espírito Santo, guiando minhas
decisões e iluminando meu caminho. Quero estender meu agradecimento especial a Nossa
Senhora, que tem sido uma companheira constante em todas as fases e etapas da minha vida,
oferecendo conforto e inspiração.
Minha profunda gratidão também se estende à minha família, em particular aos meus
pais, Erlane Machado e Vânia Cristina. Além de priorizarem consistentemente minha educação,
garantiram que ela ocorresse sob as melhores condições possíveis. Agradeço-lhes por
compreenderem minhas ausências ao longo dessa jornada, por me cobrirem com muito amor e
carinho, manifestados até mesmo em pequenos gestos como o de providenciar "bobagens" para
eu degustar durante os estudos, e pelos passeios aleatórios que me permitiram apreciar a beleza
da vida. A meu irmão, Luiz Fernando, minha fonte de inspiração, agradeço por seu apoio
técnico, ouvidos atentos às minhas preocupações e entusiasmos, e pela amizade sincera. Não
posso deixar de homenagear minha tia Iara Célia (in memoriam), que sempre se regozijou com
meus progressos, enxergando-os como conquistas coletivas. Infelizmente, ela faleceu durante
a elaboração deste trabalho monográfico, mas sua memória hoje inspira-me.
Agradeço aos amigos e amigas do curso de história que compartilharam comigo essa
jornada acadêmica. Em especial, a Ana Letícia, pela parceria ao longo do curso e por enfrentar
desafios junto comigo em nosso antigo bairro, tornando-os mais leves. Agradeço também à
Gabi Espinheira, minha amiga de longa data com quem compartilho não apenas a paixão pela
história, mas também a fé. Expresso meu reconhecimento aos amigos e amigas da vida,
especialmente a Julia Ferreira, com quem compartilho as peculiaridades e loucuras do
cotidiano, e aos amigos do aleatório "Podpesca" pela parceria, pela diversão e pela amizade
sincera.
Por fim, agradeço aos professores da graduação que desempenharam um papel
fundamental em minha formação, não apenas acadêmica, mas também humana. Destaco o
professor Luciano Figueiredo, conhecido como Raposo, por abrir-me as portas para a pesquisa
acadêmica, através do grupo "Um Rio de Revoltas", e por sua paciência, conselhos e
ensinamentos. E, é claro, minha profunda gratidão à minha orientadora, Angélica Muller, por
acreditar no meu potencial, permitindo-me maior envolvimento com a pesquisa na área de
Brasil Republicano. Aliás, em uma dessas oportunidades de pesquisa surgiu a inspiração para
este trabalho, que também se estenderá para a minha jornada acadêmica. Agradeço-lhe também
pela disponibilidade, atenção, carinho, ensinamentos e paciência ao longo dessa jornada.
Pelo chão, pelo amor, pelo sangue, pela cor
Fidelidade, lealdade, em nome do senhor
A minha amada, à minha família e ao nove de julho
Que me mostrou a importância de eu tá no bagulho
(...)
O tempo é rei, isso eu sei, o relógio não para
Cara, a ferida sara mas na alma não tem cura
(...)
That's my way and I go
Esse é meu caminho e nele eu vou!
Eu gosto de pensar que a luz do Sol vai iluminar o meu amanhecer
Mas se na manhã o Sol não surgir
Por trás da nuvens cinzas tudo vai mudar
A chuva passará e o tempo vai abrir
A luz de um novo dia sempre vai estar
(Edi Rock)
MACHADO, Leandro Silva. Entre vigilância e estigmas: uma análise do movimento estudantil
à luz da bibliografia e dos serviços de Inteligência e coleta de Informações no pós-ditadura
(1989 - 1999). p. 83, 2023. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em História) –
Universidade Federal Fluminense, Niterói – RJ, 2023.

Resumo

Esta monografia aborda o cenário político-econômico brasileiro entre 1989 e 1999, com
foco na análise do monitoramento do Movimento Estudantil pelos Serviços de Inteligência e
Coleta de Informação e nos estigmas atribuídos ao Movimento Estudantil. O primeiro capítulo
contextualiza historicamente o período, abordando a transição da Ditadura Militar para a
democracia, a Constituinte de 1987 e o processo eleitoral de 1989. Examina os mandatos
presidenciais de Fernando Collor de Mello, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso,
destacando a ascensão do modelo político-econômico neoliberal. O segundo capítulo analisa a
atuação política do Movimento Estudantil após 1979, explorando questões demográficas e
sociais dos participantes. Discute a representação pública dos jovens e do Movimento
Estudantil, contextualizando a década de 1990 e suas principais ações coletivas. O terceiro
capítulo investiga as permanências do Anticomunismo na Nova República através dos órgãos
de Vigilância e Coleta de Informações, a partir da forma como os serviços de vigilância
observavam o Movimento Estudantil e produzia Informações sobre esse. Examina as
expectativas político-econômicas desses órgãos durante o período democrático, destacando a
reação do Movimento Estudantil. Aborda a conceituação de “Informação” e “Inteligência”,
apresenta um histórico da atividade de inteligência no Brasil, discutindo pela chave da Doutrina
de Segurança Nacional.
Palavras-chave: Movimento Estudantil; Serviço de Inteligência e Coleta de Informações;
Neoliberalismo; Anticomunismo.
MACHADO, Leandro Silva. Between Surveillance and Stigmas: An Analysis of the Student
Movement according to Bibliography and Intelligence and Information Collection Services in
the Post-Dictatorship (1989 - 1999). p. 83, 2023. Completion of course work (graduation in
History) - Universidade Federal Fluminense, Niterói - RJ, 2023.
Abstract

This monograph addresses the Brazilian political-economic scenario between 1989 and
1999, focusing on the analysis of the monitoring of the Student Movement by Intelligence and
Information Collection Services and the stigmas attributed to the Student Movement. The first
chapter provides a historical context for the period, discussing the transition from the Military
Dictatorship to democracy, the 1987 Constituent Assembly, and the 1989 electoral process. It
examines the presidential terms of Fernando Collor de Mello, Itamar Franco, and Fernando
Henrique Cardoso, emphasizing the rise of the neoliberal political-economic model.
The second chapter analyzes the political actions of the Student Movement after 1979,
exploring demographic and social issues of the participants. It discusses the public
representation of young people and the Student Movement, contextualizing the 1990s and its
main collective actions. The third chapter investigates the continuities of Anti-Communism in
the New Republic through Surveillance and Information Collection agencies, exploring how
Intelligence and Information Collection Services observed and produced information about the
Student Movement. It examines the political-economic expectations of these agencies during
the democratic period, highlighting the reaction of the Student Movement. The chapter also
addresses the conceptualization of “Information” and “Intelligence”, presents a history of
intelligence activities in Brazil, and discusses the National Security Doctrine.
Keywords: Student Movement; Intelligence and Information Collection Service;
Neoliberalism; AntiCommunism.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABIN - Agência Brasileira de Informação


ARENA - Aliança Renovadora Nacional
BC - Banco Central
CENIMAR - Centro de Informações da Marinha
CIEX - Centro de Informações do Exterior
CIE - Centro de Inteligência do Exército
CPMI - Comissão Parlamentar Mista de Inquérito
DCE - Diretórios Acadêmicos Estudantis
DI - Departamento de Inteligência
DSN - Doutrina de Segurança Nacional
ESNI - Escola Nacional de Informações
ESG - Escola Superior de Guerra
FAPERJ - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro
FMI - Fundo Monetário Internacional
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IC - Iniciação Científica
IPCA - Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo
MDB - Movimento Democrático Brasileiro
ME – Movimento Estudantil
MST - Movimento dos Sem Terra
OCLAE - Organização Continental Latino-Americana e Caribenha de Estudantes
PDC - Partido Democrata Cristão
PDT - Partido Democrático Trabalhista
PEC - Proposta de Emenda Constitucional
PFL - Partido da Frente Liberal
PI - Produto Interno Bruto
PL - Partido Liberal
PLP - Partido de Libertação Proletária
PCB - Partido Comunista Brasileiro
PCdoB - Partido Comunista do Brasil
PMDB - Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PMB - Partido Municipalista Brasileiro
PDC - Partido Democrata Cristão
PRONA - Partido da Reconstrução Nacional
PRN - Partido Renovação Democrática
PSB - Partido Socialista Brasileiro
PSC - Partido Social Cristão
PSD - Partido Social Democrático
PST - Partido Social Trabalhista
PTR - Partido Trabalhista Renovador
PT - Partido dos Trabalhadores
PTB - Partido Trabalhista Brasileiro
SAE - Secretaria de Assuntos Estratégicos
SICIs - Serviços de Inteligência e Coleta de Informações
SFICI - Serviço Federal de Informação e Contra Informação
SIAN - Sistema de Informações do Arquivo Nacional
SISNI - Sistema de Nacional de Informações
SNI - Serviço Nacional de Informações
SSI - Subsecretaria de Inteligência
TR - Taxa de Referência de Juros
UNE - União Nacional dos Estudantes
URV - Unidade Real de Valor
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Gráfico 1 - Comparativo entre IPCA e PIB (1981 - 1985).......................................................26

Gráfico 2 - IPCA (1993 - 1999)................................................................................................37

Imagem 1 - Estrutura dos SICIs na década de 1990………………………………………....62

Gráfico 3 – Quantidade de documentos por ano do corpus documental……………………..65


INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 13
CAPÍTULO 1 - CENÁRIO POLÍTICO-ECONÔMICO BRASILEIRO....................................... 19
1.1. “Me esqueçam”: o fim da Ditadura Militar “pela porta dos fundos” ....................................... 20
1.2. Do “perfeito entendimento” ao “povo não aguenta Sarney até noventa” ................................ 24
1.3. A Constituinte: um espaço de disputa ..................................................................................... 29
1.4. 1989: o começo de um modelo e o final de uma fase .............................................................. 30
1.5. A dobradinha Collor-Itamar .................................................................................................... 33
1.6. Fernando Henrique Cardoso: a estabilização do Real ............................................................. 37
CAPÍTULO 2 - ESTIGMAS ATRIBUÍDOS AO MOVIMENTO ESTUDANTIL ....................... 41
2.1. O que é o Movimento Estudantil ............................................................................................ 41
2.2. “Somos tão jovens”: um perfil do Movimento Estudantil ....................................................... 43
2.3. Jovem: “um rebelde sem causa”? ............................................................................................ 44
2.3.1. Como observavam: a mídia e o debate público .................................................................... 47
2.4. O Movimento Estudantil em ação ........................................................................................... 51
CAPÍTULO 3 - OS ESTUDANTES PELA VIGILÂNCIA ............................................................. 56
3.1. Informação e Inteligência: conceitos e processos .................................................................... 56
3.2. Os Serviços de Inteligência e Coleta de Informação .............................................................. 58
3.2.1. Uma leitura de fontes: Como eles observavam?................................................................... 65
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................................. 73
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................................ 76
ANEXOS ............................................................................................................................................. 81
PRINCIPAIS FONTES CONSULTADAS ....................................................................................... 83
13

INTRODUÇÃO

Um país não é feito de nós e eles. (...) Estamos todos no mesmo barco e precisamos
trabalhar para evitar tempestades e conduzi-lo a um porto seguro. Se ele naufragar, o
naufrágio é de todos, independentemente de preferências políticas. (...). Ninguém é
dono da verdade, ninguém tem o monopólio do bem e da virtude. A vida na democracia
é a convivência civilizada dos que pensam diferente. (Luís Roberto Barroso)

Com a frase acima, em 28 de setembro de 2023, o ministro Luís Roberto Barroso tomou
posse da Presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça
(CNJ), na qual essas palavras serviram como forma do jurista destacar o Brasil desejado por
ele. Além desses dizeres, Barroso ainda destacou a pluralidade desejada para a democracia
brasileira, a qual tem sua representatividade fragilizada na medida em que projetos unívocos e
fechados tentam se impor sobre a coletividade. Ainda é celebrado pelo Ministro, em tom de
gratidão, o fato de as “Forças Armadas” não terem sucumbido “ao golpismo”, um temor que se
arrasta desde o fim da Ditadura Militar, em 1985. Esse discurso reforça um dos questionamentos
condutores deste trabalho: como se portam as Forças Armadas no período democrático?
Suscetíveis a projetos golpistas? Ainda elegem alvos a serem monitorados?
Notícias como a de que a ABIN (Agência Brasileira de Informação), juntamente com o
Exército, estaria realizando monitoramento ilegal de opositores ao então Presidente da
República, Jair Bolsonaro (2019 - 2022), nos faz dirimir as dúvidas a respeito dos projetos de
poder das Forças Armadas. Pelo que se apurou até agora, movimentos sociais podem ter sido
alvo das investigações ilegais da ABIN, uma das razões para essa suspeita é porque esses grupos
postulam um projeto político-social e econômico distinto do apresentado por Bolsonaro, ao
longo dos quatro últimos anos, e por, historicamente, serem vistos como desafetos dos militares.
Considerando isso, há urgência em analisarmos e compreendermos melhor a visão das Forças
Armadas brasileiras acerca do desenrolar democrático, do qual é constituído pela pluralidade
de projetos político-sociais e econômicos, postos em prática por diferentes atores sociais.
Não é de hoje que a vigilância elege como alvo de monitoramento movimentos sociais,
certamente, porque são grupos com pautas políticas bem delimitadas e com projetos
abrangentes que extrapolam os formulados na caserna. São conhecidas as perseguições aos
movimentos sociais durante a Ditadura Militar (1964 - 1985), com grande destaque ao
movimento estudantil, ao sindicalismo e ao catolicismo de base. No entanto, ainda é uma área
pouco analisada tal questão no período democrático. A meu ver, essa ausência de estudos e
aprofundamentos sobre a vigilância aos movimentos sociais, no pós-Ditadura, proporciona
14

oportunidades para que as ilicitudes das Forças Armadas brasileiras se perpetuem hoje, como
os monitoramentos ilegais e o flerte a projetos golpistas.
Desse modo, o período estabelecido para esta monografia se inicia a partir do ano de
1989, momento de transformação política no país, materializado com a eleição de Fernando
Collor de Mello, que encerra a transição da Ditadura para a Democracia, pois finaliza a última
fase dela, segundo Maria D’Alva Kinzo (2001). Teoricamente, uma primeira projeção apontaria
que isso provocaria mudanças na forma como os Serviços de Inteligência e Coleta de
Informações atuariam na sociedade brasileira, mas, as pesquisas nas fontes do Arquivo
Nacional nos mostram que não. As pesquisas e análises estendem-se até 1999 por ser um marco
na vigilância brasileira: é o momento quando a Agência Brasileira de Informação (ABIN) passa
a funcionar definitivamente, encerrando a fase de transição desses Serviços. Ademais, encerrar
este trabalho em 1999 deve-se porque as fontes do Arquivo Nacional disponíveis para consulta
encerram-se neste ano.
A escolha por analisar tal questão a partir do olhar dos Serviços de Inteligência e Coleta
de Informações ao Movimento Estudantil é decorrente da Iniciação Científica (IC) da qual
participei entre 2021 e 2022, sob orientação da professora Angélica Muller. Nesse projeto,
tínhamos como objetivo inicial analisar como era a Observação e a Produção de Informações
sobre o movimento estudantil pelos serviços de vigilância, entre 1964 e 1999, por meio de
fontes produzidas por esses Serviços que, desde 2005, se encontram disponíveis no Arquivo
Nacional. A metodologia para localização dessas fontes se dava a partir da busca pelos
Congressos da União Nacional dos Estudantes, uma vez que representam, de uma maneira
geral, o Movimento Estudantil. Duas questões chamaram-me a atenção. A primeira foi notar
que o Movimento Estudantil, outrora demasiadamente perseguido pelas Forças Armadas,
conforme apontado pelo projeto Brasil Nunca Mais (2022), coordenado por Dom Paulo
Evaristo Arns, com o fim da Ditadura permanece sob o Olhar da Vigilância das Forças
Armadas, alterando-se quase nada a forma como a Vigilância operava e produzia as
Informações. A segunda foi notar a carência de trabalhos acadêmicos sobre a questão a partir
de 1985, com boa parte dos estudos historiográficos de análise sobre a vigilância restrita ao
período da Ditadura Militar.
Um dos poucos estudos de maior robustez sobre a questão são os trabalhos elaborados
no bojo do projeto “Forças Armadas e Democracia”, coordenado pela professora Maria Celina
D’Araújo e pelo professor Celso Castro, desenvolvido no Centro de Pesquisa e Documentação
de História Contemporânea do Brasil (CPDOC). Nesse projeto foram coletados e organizados
alguns testemunhos de agentes do Serviço de Inteligência e Coleta de Informações, que
15

resultaram nos trabalhos da historiadora e cientista social Priscilla Antunes Brandão. Os


trabalhos da historiadora e cientista social, juntamente com Marcos Cepik (2003), nos ajudam
a pensar os conceitos de Inteligência e Informação. Ademais, também auxiliam na compreensão
da estruturação dos Serviços de Inteligência e Coleta de Informações, durante a década de 1990,
como ainda permeados pela Doutrina de Segurança Nacional (DSN).
Segundo a historiadora Samantha Quadrat (2012), a DSN defendia a ideia de uma
ininterrupta guerra contra um “inimigo interno” que necessitava de atenção, uma vez que, com
base nessa doutrina, se entendia que qualquer um poderia ser esse “inimigo interno”. O
definidor para a categorização desse último era sua relação com o “Comunismo”, que para os
agentes da vigilância era uma “coisa” “elástica”, “pegajosa”, “contaminável” e “perigosa”. Para
os agentes desses Serviços, fundamentados na DSN, os grupos por eles observados, como o
Movimento Estudantil, planejavam um golpe comunista que derrubaria as instituições
democráticas do país, nos anos 1990. Outro conceito fundamental para esta monografia é o de
Neoliberalismo, utilizado como base de entendimento Luís Filgueiras (2006), que o apresenta
como um modelo que conjectura a prevalência do mercado sobre as relações sociais, um
mercado globalista e de atenção aos interesses das grandes corporações.
O desenvolvimento deste trabalho revelou a importância não apenas de analisar como o
Movimento Estudantil era monitorado pelos Serviços de Inteligência e Coleta de Informações,
mas também de compreendê-lo à luz da bibliografia pertinente ao mesmo, como também
analisar a sua representação nos meios de comunicação. Essa abordagem não é casual, mas sim
resultado da notável semelhança entre a perspectiva dos principais veículos de comunicação do
país e a dos militares nas Agências de Vigilância. Ambos, assim como parte da bibliografia da
época, apresentam o Movimento Estudantil como desmobilizado, apático e em declínio.
Contudo, por meio de alguns outros trabalhos acadêmicos, como o de Helena Abramo (1997),
de Angélica Muller (2018), de Jordana de Souza Santos (2018) e de Maria Júlia Rodrigues
(2021), e da análise das fontes disponíveis no Arquivo Nacional, contraponho esse
entendimento. Além disso, essa análise, que incorpora os estudos acadêmicos e a análise de
alguns veículos de comunicação, destaca uma peculiaridade na visão militar sobre o Movimento
Estudantil: anticomunismo fundamentado na Doutrina de Segurança Nacional. Assim, o
binômio “Como Eles Observavam: a Vigilância e Produção de Informações sobre o Movimento
Estudantil” e “O Movimento Estudantil a partir da mídia e da bibliografia” é crucial neste
trabalho.
O primeiro capítulo visa a apresentar e a discutir o cenário político-econômico brasileiro
relacionado à proposta central desta monografia, isto é, de análise de como o Movimento
16

Estudantil do Brasil era monitorado pelos Serviços de Inteligência e Coleta de Informação e de


como era visto por alguns estudos e como era representado em veículos de comunicação, entre
1989 e 1999. Nesse sentido, de modo a localizar 1989 dentro da sua conjuntura histórica,
recorrer-se-á os eventos que o antecedem, especificamente a transição, e os eventos
correlacionados, da Ditadura Militar (1964 – 1985) à democracia, vista pela historiografia como
uma “transição pactuada”. É claro, pensar-se-á a Constituinte fundada em 1987 para dar corpo
a Constituição de 1988. Ainda no que concerne a situação política do país, será evidenciado o
processo eleitoral de 1989, visto que ele inaugurou, através da vitória eleitoral de Fernando
Collor, o modelo político-econômico neoliberal, provocando reações do Movimento Estudantil,
que se tornara alvo de vigilância. Também será feito uma análise política dos mandatos
presidenciais dos governos compreendidos no recorte temporal do trabalho, isto é, o de José
Sarney (1985 – 1990); Fernando Collor de Mello (1990 – 1992); Itamar Franco (1992 – 1995);
e Fernando Henrique Cardoso (1995 – 2002). Com esse capítulo pretende-se mostrar que os
projetos político-econômicos tinham por fim afastar a população das esferas de decisões,
condicionando sua vida a interesses de grupos específicos.
O segundo capítulo dedicar-se-á analisar a atuação política do Movimento Estudantil,
que, após 1979, retornou à cena pública legalmente, após anos de proibição legal, encampando
as principais bandeiras políticas de interesse nacional. Por exemplo, as campanhas relacionadas
às “Diretas Já” e alguns dos debates da Constituinte. Nesse sentido, primeiramente, será
realizada uma breve discussão historiográfica sobre o que se entende por Movimento
Estudantil, a fim de que, em seguida, seja possível identificar o perfil do Movimento Estudantil.
Ao longo da década de 1990, qual era a faixa etária dos estudantes que participaram do
Movimento Estudantil? Em geral, de qual classe social advinham os estudantes? Qual era o
gênero predominante? Enfim, questões a serem respondidas neste capítulo.
Outrossim, analisar-se-á como o jovem, maioria do Movimento Estudantil, e este
último, eram representados no debate público entre 1989 e 1999, uma vez que também ajuda a
elucidar o entendimento sobre como o Movimento Estudantil era observado pelos serviços de
vigilância, tema abordado no capítulo seguinte. Para que essa discussão seja apresentada de
forma profícua, será realizado uma curta discussão da representação juvenil nas décadas
anteriores ao recorte temporal, visto que os jovens desses períodos são utilizados como
parâmetro para a estigmatização do que se entendia por juventude e ME nos anos 1990. Por
fim, serão apresentados os principais repertórios de ação coletiva do grupo social estudado,
afinal, são essas pautas e ações que justificam a serem observados, tanto pelos Serviços de
Vigilância e Coleta de Informação, como pela mídia. Com esse capítulo pretende-se mostrar
17

que, embora as forças políticas-econômicas que detinham hegemonia no período tentassem


afastar a população das decisões, havia um Movimento que, em consonância com outros, reagia
e agia a tais tentativas. Propunha um projeto de país distinto do postulado pelas políticas
neoliberais. Ademais, pretende contrapor visões difundidas sobre o movimento estudantil, seja
por parte da mídia, ou por alguns trabalhos desenvolvidos na academia.
O último capítulo desta monografia almeja analisar e apresentar as permanências
ditatoriais na Nova República, por meio dos órgãos de Vigilância e Coleta de Informações,
bastiões da Ditadura Militar. Além disso, o presente capítulo visa a análise das expectativas
políticas-econômicas dos Serviços de Inteligência e Coleta de Informação durante o período
democrático. Para tais propósitos serem alcançados, também será pertinente o enfoque à
algumas ações protagonizadas pelo ME, conforme destacado no capítulo anterior.
Nesse sentido, num primeiro momento, será discutido a ideia conceitual sobre
“Informação”, bem como o de “Inteligência”, a fim de que se possa compreender de maneira
mais profícua o que acreditavam estar fazendo os Órgãos de Inteligência e Coleta de
Informação. Priscila Antunes Brandão tornar-se-á imprescindível para essa discussão. Em
seguida, será apresentado um histórico sobre a atividade de inteligência e coleta de informações
no país, afinal, como o Sistema de Informação operava, durante a década de 1990, mantinha-se
sobremaneira como ele era operado no período anterior, Ditadura Militar. Nesse momento,
realizar-se-á uma discussão sobre a fundamentação ideológica desses Órgãos: a Doutrina de
Segurança Nacional (DSN).
Por fim, de modo a ratificar como a vigilância observava e produzia informações sobre
o Movimento Estudantil no Brasil (1989 – 1999), realizada ao longo do capítulo a partir das
discussões e análises elencadas acima, analisar-se-á os relatórios produzidos por esses Órgãos.
Esse corpus documental permite a análise de alguns dos eventos políticos e econômicos que
marcaram o país, como as eleições de 1989, os debates relacionados ao combate da inflação,
destacados no primeiro capítulo. Outrossim, por meio dele é possível contemplar a tematização
juvenil da forma como descrito por parte da bibliografia, conforme mostrado no capítulo
anterior: jovens delinquentes, inconsequentes, desmobilizados e apáticos. Porém, ainda sob a
influência do “Comunismo”, do qual será analisado neste capítulo, uma vez que é entendido
pelos agentes da vigilância como um conceito “elástico”, que necessitava ser combatido pelos
mesmos, cujo disporiam de um senso crítico superior ao restante do corpo social. É claro, não
apenas em partes específicas, mas, ao longo de todo capítulo, também será apresentado e
discutido uma das ideias centrais desta monografia: “Como eles observavam: a Vigilância e a
produção de informações sobre o Movimento Estudantil no Brasil (1989 – 1999)”. Com esse
18

capítulo pretende-se enfatizar a forma como os Serviços de Inteligência e Coleta de


Informações observavam o Movimento Estudantil e quais conclusões estabeleciam acerca desse
último.
19

CAPÍTULO 1 - CENÁRIO POLÍTICO-ECONÔMICO BRASILEIRO

Este capítulo aborda o cenário político-econômico brasileiro entre 1989 e 1999, a fim
de tornar o entendimento sobre o monitoramento ao Movimento Estudantil pelos Serviços de
Inteligência e a compreensão de parte da mídia e a discussão bibliográfica sobre o Movimento
Estudantil da década de 1990 mais profícuo. O texto contextualiza historicamente o ano de
1989, destacando a transição da Ditadura Militar para a democracia, aqui abordada a partir do
conceito de “Transição Pactuada”, que tem seu início ainda durante a Ditadura Militar, a fim
de manter as estruturas do poder com pouca ou nenhuma alteração. Também é feita uma análise
dos mandatos dos governantes da delimitação temporal deste trabalho (1989 a 1999), isto é, dos
mandatos políticos de José Sarney (1985 - 19990); Fernando Collor de Mello (1990 - 1992);
Itamar Franco (1992 - 1995) e Fernando Henrique Cardoso (1995 - 2003).
No que concerne à ao governo José Sarney, o capítulo explora o início do seu mandato
como “figura decorativa”, a sua ascensão ao poder efetivo com o Plano Cruzado e as
implicações das suas políticas econômicas, todas fracassadas, segundo Nilson Araújo de Souza
(2014)1. Também é analisada a Constituinte de 1987, como espaço de disputa de diferentes
forças políticas e de instauração dos pilares democráticos que, em teoria, deveriam pautar o
país. Examina-se a ascensão de Collor ao poder, após a primeira eleição direta, pós-Ditadura, à
Presidência da República em 1989, encerrando a última fase da transição democrática iniciada
em 1974, segundo Maria D’Alva Kinzo (2001)2, e inaugurando a primeira fase da emergência
do modelo Neoliberal no país3. Ademais, no capítulo também é apresentado e discutido o
processo de impeachment de Fernando Collor, em 1992, pois ajuda na posterior compreensão
de como o Movimento Estudantil protagonizou as ações e de como foi representado por parte
da mídia. Por fim, analisa-se os governos de Itamar Franco e de Fernando Henrique Cardoso,
focalizando na implementação do Plano Real e seus impactos na estabilização econômica e
política do país.

1
SOUZA, Nilson Araújo de. A economia da ditadura e da transição. Ditadura: o que resta da transição. São Paulo:
Boitempo, p. 353, 2014.
2
KINZO, MARIA D.'ALVA G. A democratização brasileira: um balanço do processo político desde a transição.
São Paulo em perspectiva, v. 15, p. 3-12, 2001.
3
Para Filgueiras, o neoliberalismo consolidou-se no país em 3 fases: a primeira, durante o governo Collor, que
teve início a implantação das primeiras ações concretas, a segunda, durante o governo de Fernando Henrique
Cardoso, em que teve uma fase de ampliação e consolidação da nova ordem econômico-social neoliberal e, por
fim, “uma fase de aperfeiçoamento e ajuste do novo modelo, na qual amplia-se e consolida-se a hegemonia do
capital financeiro no interior do bloco dominante (segundo Governo FHC e Governo Lula). (Filgueiras, Luiz. O
neoliberalismo no Brasil: estrutura, dinâmica e ajuste do modelo econômico. En publicación: Neoliberalismo y
sectores dominantes. Tendencias globales y experiencias nacionales. Basualdo, Eduardo M.; Arceo, Enrique.
CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, Buenos Aires, p. 186, Agosto 2006.)
20

1.1. “Me esqueçam”: o fim da Ditadura Militar “pela porta dos fundos”

Entre as décadas de 1960 e 1970, os países do Cone Sul vivenciaram o início dos
Regimes Ditatoriais, que perduraram por anos, cada qual a seu modo. No Brasil, em 31 de
março de 1964, tanques invadiram o Rio de Janeiro, onde se encontrava o Presidente João
Goulart, forçando-o ou à prisão, ou ao exílio, como prudentemente fez ao degredar-se no
Uruguai; permitindo a posse da junta militar no cargo executivo máximo do país. Castello
Branco assumiu o poder em 15 de abril, se tornando o primeiro general-Presidente que, se de
início não previa a Ditadura4, o que se seguiu adiante foram 21 anos de tortura, censura,
perseguição, assassinatos e perda de direitos civis e sociais, findando não pelas ruas, como no
desenrolar dos movimentos de 31 de março, mas por meio de debates parlamentares, que no
fim não traduziam o cessar por completo do Regime anterior. Por isso é denominada por boa
parte da historiografia como “transição pactuada”.
Patrícia Machado (2013) apresenta a transição pactuada como fruto da
institucionalidade dos militares no poder, que conseguiram controlar de maneira pacífica a saída
do poder, evitando ao máximo a participação popular no processo. Nesta chave de
entendimento, Rodrigo Patto Sá Motta (2018) se utiliza do Conceito de Cultura Política 5 para
denotar a forma conciliatória — fruto de uma longa tradição — da virada ditatorial para a
democracia, em meados da década de 1980. Assim como em outros períodos da história
brasileira, efetivou-se uma transição cujo “Os grupos dirigentes buscam acordos para evitar
radicalizações e manter a ordem”, culminando num processo “suave para os agentes repressivos
do Estado”6.
Há quem entenda o projeto de transição conduzida pelos grupos dirigentes como
iniciado ainda em 1974, simbolizado pela ascensão de Ernesto Geisel (1974 – 1979) ao poder
com o lema “Abertura lenta, gradual e segura”. Compreendendo a transição para o retorno às

4
Para Carlos Fico, o golpe de 1964 não implicava na obrigatoriedade da instauração de um Estado de Exceção,
mas, em decorrência dos fracassos políticos de Castelo Branco, a “linha dura” ganhou campo político a ponto de
poder ditar como a política brasileira seria conduzida: ditatorialmente, cujo centro de poder emanava do exército.
(FICO, Carlos. O golpe de 1964: momentos decisivos. Editora FGV, p. 116, 2014.)
5
Podemos entendê-lo como: “conjunto de valores, tradições, práticas e representações políticas partilhado por
determinado, que expressa uma identidade coletiva e fornece leituras comuns do passado, assim como fornece
inspiração para projetos políticos direcionados ao futuro.” (MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Desafios e possibilidades
na apropriação de cultura política pela historiografia in Culturas políticas na história: novos estudos. Belo
Horizonte: Argvmentvm, p. 21, 2009.)
6
Idem. Cultura política e ditadura: um debate teórico e historiográfico. Tempo e Argumento, Florianópolis, v. 10,
n. 23, p. 116 – 119, jan./mar. 2018.
21

eleições presidenciais, de 1989, em três fases, Maria Kinzo (2001) destaca que “Tratou-se do
caso mais longo de transição democrática: um processo lento e gradual de liberalização, em que
se transcorreram 11 anos para que os civis retomassem o poder e outros cinco anos para que o
Presidente da República fosse eleito por voto popular.” 7
Essa primeira fase da transição é comumente denominada como “Projeto Geisel-
Golbery”, na qual, para Kinzo, (2001) essa fase compreende o período de 1974 a 1979, cuja
condução política estava nas mãos dos militares. Já na segunda, entre 1982 e 1985, embora o
poder ainda estivesse sendo exercido pelos militares, novos atores políticos entraram em cena,
sobretudo, a partir da Lei Nº 6.767, de 20 de dezembro de 19798, que pôs fim ao bipartidarismo,
permitindo a criação de novas siglas partidárias. A Aliança Renovadora Nacional (ARENA),
por sua vez, nesse novo arranjo político, transformou-se no Partido Democrático Social (PDS),
enquanto o partido de oposição consentida à Ditadura, Movimento Democrático Brasileiro
(MDB), transformou-se no Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB).
Desavenças à parte, ambos os partidos tiveram significativo ganho eleitoral, tanto para a eleição
de governadores, realizada em 1982, quanto para a de Deputados Federais, os quais formaram
o colégio eleitoral para a decisão da sucessão presidencial de 19859, unindo-se num projeto de
transição excludente.
Em voga, dois projetos de transição em disputa, um que previa uma transição construída
nas ruas, dando força aos movimentos sociais, e outro que previa a transição por meio dos
acordos políticos. Aliás, cabe destacar que o PMDB encampou ambas propostas, pois entendia
que os dois projetos poderiam lhe trazer retornos políticos. Pelas ruas, a movimentação iniciou-
se, sobremaneira, “pelo furor cívico da campanha das ‘Diretas Já’” 10, reunindo diversos
movimentos sociais, entre eles, a UNE:

Nessa nova conjuntura, a grande campanha política que mobilizou os estudantes e toda
a sociedade foi a campanha pelas eleições diretas para a Presidência da República: as
“Diretas já!”. A campanha animou enormes comícios e manifestações em várias

7
KINZO, MARIA D.'ALVA G. A democratização brasileira: um balanço do processo político desde a transição.
São Paulo em perspectiva, v. 15, p. 4, 2001.
8
BRASIL. LEI Nº 6.767, de 20 de dezembro de 1979. Modifica dispositivos da Lei nº 5682, de 21 de julho de
1971 (Lei Orgânica dos Partidos Políticos), nos termos do artigo 152 da Constituição, alterado pela Emenda
Constitucional nº 11, de 1978; dispõe sobre preceitos do Decreto-Lei nº 1541, de 14 de abril de 1977; e dá outras
providências. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1970-1979/lei-6767-20-dezembro-1979-
357280-publicacaooriginal-1-pl.html. Acesso em: 10 de outubro de 2023.
9
Em quadro apresentado por Marcos Napolitano, observa-se que o PDS conquistou 235 cadeiras na Câmara dos
deputados, enquanto o PMDB 200 cadeiras, ou seja, do total de 479 vagas ao parlamento, as duas siglas
conquistaram 435 vagas, equivalendo uma composição de deputados equivalente a 90,82% da Câmara. Portanto,
juntos, os partidos podiam exercer o poder político de forma decisória. (NAPOLITANO, Marcos. Entre o caos e
a esperança in 1964: história do regime militar brasileiro. Editora Contexto, p. 303, 2014.)
10
Ibidem, p.307.
22

capitais. O Comício das Diretas no Rio de Janeiro, em frente à Igreja da Candelária,


registrou um milhão de pessoas cantando emocionadas o Hino Nacional. (...).
Os estudantes participaram de todas as manifestações e comícios pelas eleições diretas
em todo o país. (...)11

O objetivo era claro: pressionar pela aprovação da Proposta de Emenda Constitucional


(PEC) Nº 05/198312, popularmente conhecida como Emenda Dante de Oliveira, em virtude de
ter sido postulada por esse, um deputado do PMDB. A PEC visava a eleição direta para a
Presidência da República. Conforme destacado por Marcos Napolitano, a mobilização dos
Movimentos Sociais diante da possibilidade de escolha do novo Presidente da República “servia
para aliviar as tensões socioeconômicas e projetar um futuro no qual todos os problemas seriam
resolvidos”13. No dia da votação, 25/04/1984, houve grande mobilização por parte dos
Diretórios Acadêmicos Estudantil (DCE)14. Contudo, apesar dos 298 votos favoráveis, contra
65 não, 3 abstenções e 113 ausências, a Emenda foi rejeitada, uma vez que, por tratar-se de uma
Emenda Constitucional, eram necessários 320 votos favoráveis, o equivalente a dois terços da
Câmara, para a proposta seguir para votação no Senado. Dos 65 votos contrários, todos eles
advieram do PDS, e das 116 abstenções e ausências, apenas uma não adveio do PDS, e sim do
Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), especificamente do Deputado Federal Mendonça Falcão,
de São Paulo15. Assim, nota-se que a emenda constitucional em muito foi travada por conta do
partido governista que, claramente, desejava controlar a transição por via do Colégio Eleitoral,
afinal, era o maior partido.

Por sua vez, embora tenha peticionado a PEC que instituía a eleição direta para a escolha
presidencial, de 1985, e votado majoritariamente favorável a mesma, o PMDB cortejou ambos
os projetos, isto é, da sucessão vir pelas ruas, por meio do voto direto dos eleitores, quanto por
meio do Colégio Eleitoral. Para a realização deste último, cabia ao partido governista e ao, até
certo ponto, partido de oposição, negociarem um acordo que lhes garantisse uma transição
controlada, pois “Se a oposição não contava com 2/3 da Câmara e do Senado para aprovar a
emenda constitucional das Diretas, o PDS, por sua vez, não tinha a maioria simples para aprovar

11
ARAÚJO, Maria Paula Nascimento: Memórias do Movimento Estudantil (1937 – 2007): da fundação da UNE
aos nossos dias. Rio de Janeiro: Belume Dumará: Fundação Roberto Marinho, p. 241, 2007.
12
BRASIL, Proposta de Emenda à Constituição n° 5, de 1983. Dispõe sobre a eleição direta para Presidente e
Vice-Presidente da República. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-
/materia/18035. Acesso em: 04 de set. de 2023.
13
NAPOLITANO, Marcos, p. 308, 2014.
14
PETRÓ, Cleber Monticelli. O movimento estudantil universitário em Santa Maria (1979 – 1984): Da
reconstrução da UNE às “Diretas Já”. 2011.
15
“Congresso rejeita Diretas”. Jornal do Brasil (RJ), 00018/1984, 26 de abril de 1984. Disponível em:
http://memoria.bn.br/DocReader/030015_10/118681?pesq=%22emenda%20Dante%20de%20Oliveira%22.
Acesso em: 15 de mar. de 2023.
23

as leis complementares, que exigiam 60% da Câmara, necessários à regulamentação do Colégio


Eleitoral.”16 Seja como fosse:
De qualquer modo, os líderes do PMDB estavam dispostos a participar do processo
sucessório mesmo que em condições limitadas. De fato, enquanto o PMDB trabalhava
pela campanha pró-diretas, a ala moderada do partido já articulava uma estratégia
alternativa caso a emenda não passasse no Congresso. A proposta era a candidatura
Tancredo Neves para concorrer pela oposição na eleição pelo Colégio Eleitoral,
alternativa que ganhou força tão logo foi derrotada a Emenda das Diretas. Entretanto,
viabilizar a candidatura de Tancredo Neves não era uma tarefa simples, uma vez que,
para seu êxito, era necessário conseguir o apoio do outro lado, ou seja, de parlamentares
do partido do governo.17

Vencido o projeto de uma “transição por cima” via Colégio Eleitoral, as movimentações
políticas tornaram-se mais intensas, enquanto outras surgiram, alterando um pouco mais o curso
político planejado pelos militares. O então Presidente do PDS, José Sarney, tentou realizar
prévias partidária a fim de decidir o nome para concorrer ao cargo de Presidente da República;
porém, um dos candidatos, Paulo Maluf, apoiado por João Figueiredo, recusou o processo
democrático a ser realizado no partido. Esse movimento dividiu a sigla governista,
consequentemente, bagunçou o desenho político dos militares, que viram surgir o Partido da
Frente Liberal (PFL), sob a liderança do próprio José Sarney. Este, por sua vez, uniu-se à ala
conservadora do PMDB que, representada por Tancredo Neves, “(...) no decorrer da campanha
Diretas Já, liderou os segmentos oposicionistas favoráveis à negociação pelo alto para a
sucessão presidencial.”18. Desse modo, PFL e PMDB formaram a Aliança Democrática 19.
Como defende parte da historiografia pertinente ao tema, a candidatura de Tancredo
Neves e José Sarney, que contava com nomes como o de Aurelino Chaves, surtiu apoio na ala
militar dita moderada. Segundo David Maciel (2014)20, até mesmo Ernesto Geisel, que
permaneceu discreto ao longo de todo o governo de João Batista Figueiredo (1979 – 1985),
aderiu à campanha da Aliança Democrática. Esta foi vista como garantidora de que um

16
Domingos Leonelli e Dante de Oliveira, Diretas Já: 15 meses que abalaram a ditadura (Rio de Janeiro, Record,
2004), p. 455, apud NERY, Vanderlei Elias. Diretas Já: mobilização de massas com direção burguesa. Ditadura:
o que resta da transição. São Paulo: Boitempo Editorial, p. 255, 2014.
17
KINZO, MARIA D.'ALVA G. p. 5, 2001.
18
NERY, Vanderlei Elias. Diretas Já: mobilização de massas com direção burguesa. Ditadura: o que resta da
transição. São Paulo: Boitempo Editorial, p. 265, 2014.
19
“Tancredo Neves tinha melhor trânsito com os grupos militares que queriam encerrar a ditadura. Havia
negociações políticas entre grupos moderados do seu partido e militares no sentido de que Tancredo fosse o
sucessor do general Figueiredo. Ulysses avalizou os acordos e tornou-se o articulador da vitória de Tancredo. No
entanto, a vitória no Colégio Eleitoral dependia de votos da dissidência do PDS. Os descontentes no partido do
governo formaram uma facção, nomeada de Frente Liberal. Tancredo convenceu Sarney a arregimentar os
dissidentes da Frente Liberal.” (FERREIRA, Jorge. O Presidente acidental: José Sarney e a transição democrática.
O tempo da Nova República: da transição democrática à crise política de 2016: Quinta República (1985 – 2016),
p. 34, 2016.)
20
MACIEL, David. A aliança democrática e a transição política no Brasil. Ditadura: o que resta da transição. São
Paulo: Boitempo, p. 269 – 301, 2014.
24

“revanchismo” não viria à tona, isto é, de que os crimes cometidos pelos militares ao longo dos
21 anos anteriores não seria objeto de investigação, bem como de que a autonomia militar seria
mantida no período democrático. Ou seja, embora o desenho político arquitetado pelos militares
tivesse sofrido alguns rabiscos, de toda forma, teria seus traços preservados, uma vez que eram
representados pela candidatura encabeçada por Paulo Maluf, referendada por Figueiredo, assim
como pela representada por Tancredo Neves, simpática aos olhos de Geisel.
Em 15 de janeiro, a chapa formada por Tancredo Neves (PMDB), para Presidente, e
José Sarney (PFL), para Vice-presidente, derrotaram a formada por Paulo Maluf (PDS), para
Presidente, e Flávio Marcílio (PDS), para vice-Presidente. A Aliança Democrática obteve 480
votos, contrários aos 180 votos obtidos pelos deputados do Partido Democrático Social, nesse
páreo, ainda houve 26 abstenções
Contudo, antes que pudesse tomar posse, Tancredo Neves fora acometido por uma
enfermidade, levando-o ao Hospital de Base de Brasília, inicialmente com suspeita de
apendicite, que necessitou de maiores cuidados. Dessa forma, ficou impedido de tomar posse,
no dia 15 de março de 1985, recaindo tal missão a José Sarney. Todavia, João Figueiredo
recusou-se a transmitir-lhe a faixa presidencial, pois o considerava traidor. Portanto, os
militares, que 21 anos, arrombaram a porta principal do Palácio com tanques e multidões nas
principais capitais dos estados, em março de 1985, “(...) saíram sem serem percebidos pela porta
dos fundos.”21, com Figueiredo expressando a pusilânime frase: “me esqueçam” 22. A partir de
abril de 1985, quando Tancredo veio a óbito, Sarney foi efetivado como Presidente da
República, inaugurando o que conhecemos como “Nova República”.

1.2. Do “perfeito entendimento” ao “povo não aguenta Sarney até noventa”

Numa despretensiosa noite de 1989, o grupo musical de rock Barão Vermelho, no


programa “C&a shop show”, transmitido pela TV Manchete, expressou uma frase
representativa da situação política de então: “O povo não aguenta Sarney até noventa” 23. Por
trás da frase de protesto, temos a representação do descontentamento civil com a condução
político-econômica de José Sarney, a qual não conseguiu conter os desastres econômicos
deixados pela ditadura. Ademais, a frase cantada pelo grupo ecoa a objeção social à
permanência de Sarney na cadeira de Presidente, que, com base na legislação vigente, deveria

21
FERREIRA, Jorge, p. 38, 2016.
22
NAPOLITANO, Marcos, p. 311, 2014.
23
LWRAMONES. Barão Vermelho — [1989] C&A Shop Show. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=Y_b7ALhsHxg>. Acesso em: 24 set. 2023.
25

permanecer sentado nela por seis anos, mas negociou para permanecer por ao menos cinco anos,
com mandato findando em 1990.
O político que ao final do mandato, apesar de não bem-quisto pela população, gozava
de bons diálogos políticos para as tramitações de seus projetos, iniciou o mandato como uma
figura política decorativa, uma vez que os ditames políticos eram dados por Ulysses Guimarães.
Segundo Luiz Gutemberg (1994), “Naqueles primeiros momentos, tudo era ditado a Sarney
pelo Presidente do PMDB, das primeiras nomeações às providências de instalação da Nova
República. Sarney apenas assinava.”24 Enquanto Tancredo Neves ainda respirava, Sarney nada
fazia, apenas assinava o que lhe era enviado, aliás, há quem considere, como Jorge Ferreira
(2016), que Sarney passou a governar, efetivamente, apenas a partir de quando elaborou e
publicou o Decreto-lei Nº 2.283, de 27 de fevereiro de 1986, popularmente conhecido como
Plano Cruzado25. Com essa medida o novo governo deu um largo salto autônomo para tentar
conter a exorbitante inflação legada pelos militares, acumulada nos últimos cinco anos de
governo militar chegou a mais de 800%26, enquanto o Produto Interno Bruto (PIB) acumulado
não chegara aos 10%.

24
Gutemberg, Luiz. Moisés: codinome Ulysses Guimarães. Uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, p.
226 – 227, 1994, apud FERREIRA, Jorge, p. 41, 2016.
25
BRASIL, Decreto-lei Nº 2.283, de 27 de fevereiro de 1986. Dispõe sobre a instituição da nova unidade do
sistema monetário brasileiro, do Seguro-Desemprego e dá outras providências. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2283.htm. Acesso em: 03 de nov. de 2023.
26
O parâmetro utilizado como referência é o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), uma vez
que é o índice utilizado pelo Governo Federal, pois considera uma parcela maior da população.
26

Gráfico 1 - Comparativo entre IPCA e PIB (1981 - 1985)

Fonte: IBGE27
Basicamente, o Plano Cruzado instituiu uma nova moeda no país, o Cruzado,
acompanhada de reajuste salarial, congelamento de preços e a extinção da correção monetária
para contratos e para a dívida pública. A partir de então, “mesmo que houvesse alguma
incidência inflacionária, nenhum contrato poderia ter cláusula de correção monetária (à exceção
da poupança dos trabalhadores, acumulada nas cadernetas de poupança ou no FGTS e no
PIS/Pasep)”28. O ponto central desse programa foi o congelamento de preços, cujo objetivo era
impedir com que produtores repassassem o preço acumulado ao longo de anos para o
consumidor, isto é, acabar com a “inércia inflacionária”.

O Dieese constatou que houve melhoria substancial do salário real em 1986: cresceu
17,2% na Grande São Paulo. Assim, mesmo sendo um plano de combate à inflação, o
Plano Cruzado provocou um efeito redistributivo de renda a favor dos mais pobres, ao
contrário do que costumava ser feito nos planos de estabilização anteriores. 29

Para o Plano continuar a trazer resultados positivos, era necessário o empenho civil, por
meio da fiscalização dos preços nas prateleiras do mercado. Segundo Nilson Souza (2016), foi
o primeiro Plano Econômico a tentar conter a inflação sem a adoção de arrocho salarial e de
contenção dos gastos públicos, como nunca visto, acreditava-se que o sucesso da política

27
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE), inflação. Disponível em:
<https://www.ibge.gov.br/explica/inflacao.php>. Acesso em: 01 nov. 2023.
28
SOUZA, Nilson Araújo de. A economia da ditadura e da transição. Ditadura: o que resta da transição. São Paulo:
Boitempo, p. 353, 2014.
29
Ibidem, p. 364.
27

econômica dependia sobremaneira da população. Porém, isso não quer dizer que era uma
política horizontal, ou seja, construída com a população, pois a essa cabia apenas fazer valer o
que fora planejado pelo governo. Seja como for, o índice de popularidade de Sarney subiu,
formando-se um grupo denominado como “Fiscais do Sarney” que “(...) com tabelas de preços
da Superintendência de Abastecimento e Preços (SUNAB), eles fiscalizavam os preços nos
mercados e nas lojas e, caso encontrassem irregularidades, chamavam a polícia para prender o
gerente. (...) fecharam mercados ‘em nome do Presidente Sarney’.”30
Cinco meses após a assinatura do Plano Cruzado, segundo pesquisa do IBOPE
encomendada pelo grupo Globo, a aprovação a Sarney chegou a 97,5%, números que lhe
transmitiam segurança e prestígio para conduzir a política nacional 31. Em março de 1986, no
seu programa semanal intitulado como “conversa ao pé do rádio”, no qual o Presidente
estabelecia uma comunicação intimista com a população, a fim de escalonar sua popularidade
e de cuidar da sua imagem, Sarney disse haver um “perfeito entendimento entre o povo e o
governo”. No mesmo dia desse pronunciamento, 22 de março de 1986, Sarney foi ovacionado
por um grupo de pessoas em Brasília, certamente, satisfeitas com o trabalho desempenhado
pelo político. O “entendimento” entre a população e o governo realmente era positivo, nas
palavras de Sarney: “um fato inédito”32
Juntamente com a popularidade, também houve o aumento do consumo, afinal, o
congelamento dos preços atingiu principalmente os gêneros de primeira necessidade, como
arroz, café, feijão e carnes. Paradoxalmente, isso acarretou a posterior queda da popularidade
do Presidente. Com o passar do tempo, mercadorias começaram a sumir das prateleiras dos
mercados, em parte por estratégia dos vendedores, mas também por conta do desabastecimento,
uma vez que, propositalmente ou não, a produção não acompanhou o consumo 33. Com os
produtos ausentes nas gôndolas, os mercadores passaram a adotar o ágio, isto é, para que

30
FERREIRA, Jorge, p 48, 2016.
31
“Impopularidade do Presidente alcança recorde histórico” Jornal do Brasil, 8 de jan. de 1988. Disponível em:
https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/127235/01%20a%2009%20de%20Janeiro%2088%20-
%200118.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em 18 de out. de 2023.
32
“Sunab tabela mais 242 produtos no RJ” Jornal do Brasil, 22 de mar. de 1986. Disponível em:
https://memoria.bn.br/pdf/030015/per030015_1986_00344.pdf. Acesso em 18 de out. de 2023.
33
Nesse aspecto, Marcos Nobre destaca que “Quem tinha conseguido reajustar seus preços pouco antes da
decretação do plano havia garantido boas margens de lucro. Quem, ao contrário, tinha ficado para trás na corrida
podia chegar à falência em pouco tempo, já que sua margem de lucro podia ser insuficiente ou mesmo nula. Esses
graves desequilíbrios conduziram a dificuldades ou mesmo a episódios de colapso na produção e no
abastecimento.” (NOBRE, Marcos. Imobilismo em movimento: da abertura democrática ao governo Dilma.
Editora Companhia das Letras, p. 53, 2013.)
28

obtivessem o produto, o consumidor era obrigado a pagar ao vendedor um valor adicional ao


que era imposto pela tabela da SUNAB.
Em novembro de 1986, posteriormente às eleições aos governos estaduais, Sarney
editou o Decreto-lei Nº 2.290, de 21 de novembro daquele ano, popularmente conhecido como
Plano Cruzado II34. Seu propósito era claro: readequar o Plano anterior às novas demandas do
setor produtivo, para tanto, reajustou preços de algumas mercadorias, aumentou impostos,
adotou cortes públicos e modificou a política salarial, a partir de então mais restritiva.
Resultado: escalonamento da queda de sua popularidade, que já se apresentava cambiante desde
pouco antes. Em dezembro de 1987, com a baixa popularidade do governo e da sua equipe
econômica, Bresser Pereira, um dos pilares do governo, deixou o Ministério da Fazenda35. No
seu lugar assumiu Maílson da Nóbrega, que em vez de choques heterodoxos, adotou o
congelamento de preços e instituição de uma nova moeda, o Cruzado Novo36.
Se a situação anterior a implementação do Plano Verão, como ficara conhecido o
programa econômico arquitetado por Mailson, já era desfavorável, com a inflação em torno de
79,66%, em 1986, ela tornou-se ainda mais trágica. O IPCA de 1989 chegou aos exorbitantes
1.972,91%. Certamente, um impacto gigante no bolso do consumidor, sobretudo o pobre,
consequentemente, um aumento do descontentamento que resultou, dentre outras manifestações
públicas, no aludido “o povo não aguenta Sarney até noventa”, cantado por Roberto Frejat e Dé
Palmeira, do Barão Vermelho.

A concentração de renda também se agravou: o índice de Gini, que mede o grau de


concentração de renda, subiu de 0,59 para 0,64. O número de pessoas vivendo abaixo
da linha de pobreza aumentou de 29,5 milhões para 39,2 milhões, passando de 24,8%
da população em 1980 para 27,2% em 1990. Enquanto isso, a participação do setor
financeiro na renda nacional subiu de 7,8% em 1980 para 19,5% em 1989.37

A situação só não descambou mais porque Sarney recorreu ao apoio militar 38 e do


Parlamento, para que ao menos conseguisse trânsito político que lhe garantiram, por exemplo,

34
BRASIL, Decreto-lei Nº 2.290, de 21 de novembro de 1986. Estabelece normas sobre a desindexação da
economia e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-
lei/Del2290compilado.htm. Acesso em 03 de novembro de 2023.
35
A situação ainda tornou-se mais desanimadora para o governo quando parte da equipe do Banco Central se
demitiu, incluindo seu Presidente, Fernão Bracher, e o diretor Pérsio Arida, em fevereiro de 1987.
36
BRASIL, Lei Nº 7.730, DE 31 DE JANEIRO DE 1989. Institui o cruzado novo, determina congelamento de
preços, estabelece regras de desindexação da economia e dá outras providências. Disponível
em:https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7730.htm. Acesso em: 04 de novembro de 2023.
37
SOUZA, Nilson Araújo de., 368, 2014.
38
“Documentos liberados pelo Arquivo Nacional em 2010 revelaram que o SNI, na época, interceptou cartas,
infiltrou agentes e espionou líderes e organizações de oposição ao governo. Sindicatos, MST, religiosos da
Teologia da Libertação e, sobretudo, os principais líderes do Partido dos Trabalhadores foram espionados e
fichados” (FERREIRA, Jorge, p.58, 2016)
29

um mandato de ao menos cinco anos, evitando desse modo, quem sabe, uma queda repentina
influenciada por mobilização popular, como aconteceu posteriormente com seu sucessor. O
grande legado positivo desse período, certamente, foi a promulgação da Constituição em 1988,
que será analisada à parte no tópico seguinte.

1.3. A Constituinte: um espaço de disputa

Pela Emenda Constitucional nº 26, de 27 de novembro de 198539, o Presidente José


Sarney convocou a Assembleia Nacional Constituinte para a redação de uma Constituição que
fixasse os pilares democráticos no país. Os Constituintes foram formados na eleição de 1986,
resultando num grande contingente de Deputados do PMDB e do PFL eleitos, beneficiados pelo
Plano Cruzado, que, como visto acima, conseguiu conter, num primeiro momento, a inflação.
Dos 489 Deputados eleitos em 1986 à Assembleia, 378 pertenciam a esses dois partidos, quadro
ampliado com os Senadores eleitos em 1982. Segundo Daniel Aarão Reis (2018), essa força
política autodenominou-se como “Centro Democrática”, sendo alcunhada como “Centrão” 40.
Ao final, participaram 559 Constituintes, divididos em 13 partidos, conforme exposição abaixo:

PMDB — 303; Partido da Frente Liberal (PFL) — 135; PDS — 38; Partido
Democrático Trabalhista (PDT) — 26; Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) — 18;
Partido dos Trabalhadores (PT) — 16; Partido Liberal (PL) — sete; Partido Democrata
Cristão (PDC) — seis; Partido Comunista Brasileiro (PCB) — três; Partido Comunista
do Brasil (PCdoB) — três; Partido Socialista Brasileiro (PSB) — dois; Partido Social
Cristão (PSC) — um e Partido Municipalista Brasileiro (PMB) — um41

Os trabalhos foram conduzidos por meio da formação de Comissões Temáticas e


Subcomissões, oito da primeira e 24 da última, responsáveis pelo recebimento das sugestões,
“no total, 9.653 sugestões” foram formuladas42. Cabia ao relator da Comissão de
Sistematização, Bernardo Cabral (PMDB/AM), o recebimento das conclusões advindas das
Comissões e Subcomissões para a formulação de um anteprojeto. Desse modo, presume-se que
o desenho Constitucional indicava uma Carta formulada pelo PMDB, que, além de ser a maioria

39
BRASIL, Emenda Constitucional nº 26, de 27 de novembro de 1985. Convoca Assembleia Nacional
Constituinte e dá outras providências. Disponível em
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc_anterior1988/emc26-85.htm. Acesso em 15 de
ago. de 2023.
40
“É de se sublinhar que a maioria formada no Centrão não se concretizou num “rolo compressor”, como se supôs
em determinado momento. O conglomerado também era atravessado por contradições insanáveis que impediram
um comportamento unívoco, em bloco, em boa parte das votações.” (REIS, Daniel Aarão. A Constituição cidadã
e os legados da ditadura. Locus: Revista de História, v. 24, n. 2, p. 290, 2018)
41
ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE DE 1987 – 88. CPDOC — Centro de Pesquisa e Documentação
de História Contemporânea do Brasil. Disponível em: <https://www18.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-
tematico/assembleia-nacional-constituinte-de-1987-88>. Acesso em: 24 out. 2023.
42
REIS, Daniel Aarão. A Constituição cidadã e os legados da ditadura. Locus: Revista de História, v. 24, n. 2, p.
284, 2018.
30

partidária e ser representado na condução da relatória de Sistematização, também contava com


a presidência do Congresso Constituinte, o deputado Ulysses Guimarães (PMDB/SP). Contudo,
com o decorrer das discussões foram incluídos instrumentos jurídicos que permitissem a
participação direta do cidadão, por meio das Iniciativas Populares. Nesse sentido, projetos que
“obtivessem 30 mil assinaturas e fossem encaminhadas por, pelo menos, 3 entidades da
sociedade civil.”43 poderiam ser incorporadas à futura Constituição.
Além disso, também se juntaram às discussões os militares, que tencionavam o processo
via debate público e por meio das Assessorias Parlamentares e os Órgãos de Vigilância e Coleta
de Informação44. Portanto, podemos identificar a Constituinte e seu resultado, a Carta Magna
de 1988, como disputada e marcada por, ao menos, três polos atuantes, não necessariamente
divergentes, mas que se empenharam para demarcar seus interesses, são eles: a população civil,
as forças políticas conservadoras (o “Centrão”) e os militares.

1.4. 1989: o começo de um modelo e o final de uma fase

O Brasil foi o último país da América Latina a adotar o neoliberalismo, segundo Luiz
Filgueiras (2006), muito em virtude da falta de coesão da classe dirigente 45. Todavia, na medida
em que foram ameaçados da perda hegemônica, na corrida presidencial de 1989, manifestada
pelas chances reais de vitória de um candidato ligado aos setores de base da esquerda, isto é, o
ex-sindicalista Luís Inácio Lula da Silva, uniram-se em torno de um projeto de direita
corporificado em Fernando Collor de Mello. Não foi apenas a alta burguesia que desejou a
entrada do Neoliberalismo no país, mas também a classe média. Esta, por sua vez, rejeitava a
todo custo o Estado de bem-estar social, ou algo que se afeiçoava a ele, como aponta Filgueiras,

43
Ibidem, p. 285 – 286.
44
Para melhor entendimento, ver: GAMBIER, Diego Ribeiro de Oliveira. A visão social de mundo dos militares
no Momento Constituinte (1985 – 1988). 2022. 79 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em História)
— Universidade Federal Fluminense, Niterói — RJ, 2022.
45
Para o autor: “Conceitualmente, o bloco dominante na sociedade é composto, em cada conjuntura, por distintas
classes e frações de classes, assumindo uma delas a posição de liderança e hegemonia no seu interior, que se
caracteriza pela capacidade de unificar e dirigir, política e ideologicamente, as demais a partir de seus interesses
específicos, transformados e reconhecidos como parte dos interesses gerais do conjunto do bloco. Todavia, as
distintas frações da burguesia, por sua vez, não podem ser deduzidas direta, e exclusivamente, do movimento do
capital, isto é, a partir das distintas frações do capital, por duas razões: 1) as relações político-ideológicas existentes
são também decisivas na conformação das classes e de suas frações e 2) distintas frações do capital podem ser
unificadas sob um mesmo domínio e comando (direção), através da constituição de uma propriedade comum de
diversos tipos de capital — o que dará origem a uma fração de classe complexa, cujos interesses estarão presentes
em distintos lugares do processo de acumulação.” (Filgueiras, Luiz. O neoliberalismo no Brasil: estrutura,
dinâmica e ajuste do modelo econômico. En publicación: Neoliberalismo y sectores dominantes. Tendencias
globales y experiencias nacionales. Basualdo, Eduardo M.; Arceo, Enrique. CLACSO, Consejo Latinoamericano
de Ciencias Sociales, Buenos Aires. p. 181, 2006)
31

pois isso lhe custaria parte do seu capital, na medida em que os impostos seriam elevados para
cobrir os programas sociais.
O candidato pelo estado de Alagoas, de origem familiar na política brasileira, trazia
num dos seus slogans de campanha a ideologia neoliberal: “caça aos marajás”, que aludia à
redução do Estado e dos investimentos públicos. O Plano Collor foi a primeira manifestação
concreta do neoliberalismo uma vez que pôs em prática a estabilização da economia por meio
da reforma fiscal, monetária, ajuste fiscal e entre outros, no qual tudo isso era associado ao
mercado externo46. Outra marca visível desse projeto foi a abertura do país para a indústria
automobilística de importados. Contudo, aquele que, entre 1987 e 1989, despontou como um
fenômeno midiático, prometendo nos principais veículos de comunicação do país “caçar os
marajás”, a partir de 1991-92 despontou na mídia em escândalos de corrupção,
consequentemente, culminando em seu enfraquecimento político.
Antes de abordar tal momento, cabe uma análise mais pormenorizada de como se
decorreu a chegada do mesmo ao poder, uma vez que marca a última fase do processo de
transição, com base em Kinzo (2001), iniciado em 1974. Collor foi o primeiro Presidente eleito
via votação direta, após anos de Ditadura e do governo Sarney. A primeira eleição presidencial
direta pós-ditadura colocou em confronto diversos projetos políticos antagônicos, alguns de
embates antigos, mas outros completamente inéditos. A partir das reflexões de Adam
Przeworski (1994) acerca do andamento do processo democrático47, Américo Freire e
Alessandra Carvalho (2016)48 destacam o caráter aberto, imprevisível e amplo da eleição de
1989, que poderia sagrar vencedor qualquer postulante à cadeira de Presidente, tantos os
políticos intitulados como “candidatos anônimos”; visto que não tinham carreira política prévia
robusta, como o caso de Enéas Carneiro do Partido da Reconstrução Nacional (Prona) e
Ronaldo Caiado, do Partido Social Democrático (PSD); quanto os candidatos de carreira
política longevas, como Brizola do Partido Democrático Trabalhista (PDT) e Ulysses
Guimarães do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Portanto, uma eleição
cujo foco dos candidatos era concorrer, pois os resultados eram abertos e imprevisíveis, deste
modo, foram registradas 22 chapas organizadas em 29 siglas distintas.

46
Idem. História do Plano Real. Ed. Boitempo, São Paulo, 2000.
47
Przeworski, Adam. 1994. Democracia e mercado: reformas políticas e econômicas no Leste Europeu e na
América Latina. Rio de Janeiro: Relume Dumará.
48
FREIRE, Américo; CARVALHO, Alessandra. As eleições de 1989 e a democracia brasileira: atores, processos
e prognósticos. O tempo da Nova República: da transição democrática à crise política de 2016: Quinta República
(1985 – 2016), p. 119 – 161, 2016.
32

Nesse páreo eleitoral, cerca de 80 milhões de pessoas compareceram às urnas no dia 15


de novembro para a escolha de um dos 22 candidatos49 que pleiteavam a presidência, cujo
resultado foi Fernando Collor eleito, com 26,6 milhões de votos (cerca de 28%), Lula em
segundo, com 11,6 milhões de votos (cerca de 16%). Desse modo, a eleição foi para o segundo
turno, que seria decidido no mês seguinte. Collor, após mandatos como prefeito de Maceió
(1979 – 1982), Deputado Federal por Alagoas (1983 – 1987) e como governador do mesmo
estado (1987 – 1989), chegou ao segundo turno muito em virtude da boa recepção de sua
campanha no meio empresarial, midiático e militar50. Lula, por sua vez, utilizou-se de um
discurso de “(...) crítica ao funcionamento do Estado, marcado por práticas de corrupção e
favorecimento dos interesses privados, sem, no entanto, negar sua importância como regulador
das relações sociais, e a proposta de uma nova ética na política”51. Em 17 de dezembro, com
35.089.998 votos, Collor sagrou-se vencedor.
Seu programa político custou cerca de “US$ 160 milhões” aos empresários que
financiaram sua opulenta campanha, que iniciara antes mesmo do período eleitoral. Segundo
Cássio Augusto Guilherme (2019), em 1987 Collor começou a ensaiar alguns movimentos em
Alagoas para serem reproduzidos pelos grandes veículos de comunicação do eixo sudeste, como
Rede Globo, Revista Veja, Jornal do Brasil e O Estado de São Paulo.

Em um mês, Fernando Collor havia aparecido em três dos principais veículos de


comunicação do país e passou a ser reconhecido nas ruas. Ao longo do ano, o
governador fez seguidas tabelinhas com o Jornal Nacional, combinavam pauta
jornalistica com medidas administrativas moralizadoras no governo estadual. Lagostins
alagoanos eram enviados ao diretor global Alberico de Souza Cruz. O governador de
um pequeno estado da federação era presença constante no principal noticiário do
país.52

Sua candidatura foi complementada com a entrada de Itamar Franco à função de Vice-
Presidente. Itamar representava um dos maiores partidos da Câmara dos Deputados, o PMDB,
além de pertencer ao segundo maior colégio eleitoral do país, o estado de Minas Gerais, desse
modo mostrou-se um personagem político interessante para a consecução da vitória de
Fernando Collor em 17 de dezembro de 1989. Ao ingressar como vice, Itamar abandonou o
PMDB, adentrando no partido encabeçado por Fernando Collor, o Partido Renovação

49
Memórias eleitorais: Eleições 1989 — a primeira com mapas de totalização informatizados. Justiça Eleitoral.
Disponível em: <https://www.tre-pr.jus.br/comunicacao/noticias/2021/Julho/memorias-eleitorais-eleicoes-1989-
a-primeira-com-mapas-de-totalizacao-informatizados>. Acesso em: 24 nov. 2023.
50
GUILHERME, Cássio Augusto Samogin Almeida. 1989: história da primeira eleição presidencial pós-ditadura.
Paco e Littera, 2019.
51
FREIRE, Américo; CARVALHO, Alessandra, p. 137, 2016.
52
GUILHERME, Cássio Augusto, p. 316, 2019.
33

Democrática (PRN), formando a Frente Brasil Novo, composta pelo Partido Social Cristão
(PSC), pelo Partido Trabalhista Renovador (PTR) e pelo Partido Social Trabalhista (PST).
Assim, a vitória de Collor, simbolicamente, marca o início da hegemonia do modelo Neoliberal
no Brasil que, a partir do Consenso de Washington53, em 1989, assumiu novos contornos para
a América Latina e encerrou a terceira fase da transição democrática, iniciada em 1985, com
Sarney54.

1.5. A dobradinha Collor-Itamar

Podemos dizer que Collor não se rendera, por completo, ao Presidencialismo de


Coalizão, como o seu antecessor José Sarney, sorteando os poucos Ministérios para apoiadores
de campanha, conforme apontado por Brasílio Sallum Júnior (2016), acreditando governar sob
a “Utopia Presidencial Plebiscitária”55, por meio de Medidas Provisórias. O conceito de
Presidencialismo de Coalizão, formulado por Sérgio Abranches (2018), pode ser entendido
como “uma espécie de acordo prévio, pelo qual os partidos se dispõem a apoiar os projetos do
Executivo, sob determinadas condições, a serem negociadas no momento da discussão e
votação de cada um”56. Nesse sentido, é estabelecida uma relação em que, a fim de garantir
governabilidade, o executivo torna-se refém do legislativo, que passa a auxiliá-lo através de
blocos suprapartidários ávidos por recursos públicos distribuídos pelo Presidente. Ao
abandonar isso, Collor acreditava que seria mantido pela simpatia que dispunha com a
população57.
Seu governo viu-se diante da necessidade de solucionar o problema da inflação que
passara da casa dos 1.500%, em 1990, afetando sobremaneira os entusiasmo civis quanto a seu
governo, aliás, um dos discursos eleitorais no ano anterior, 1989, foi combater a inflação. Para

53
Basicamente foram algumas reuniões de empresários e lideranças políticas para a definição dos rumos da
economia dos países periféricos.
54
KINZO, MARIA D.'ALVA G. p. 7-8, 2001.
55
SALLUM JÚNIOR, Brasílio. O governo e o impeachment de Fernando Collor de Mello. O tempo da Nova
República: da transição democrática à crise política de 2016: Quinta República (1985 – 2016), p. 167, 2016.
56
ABRANCHES, Sérgio. Presidencialismo de coalizão: raízes e evolução do modelo político brasileiro. Editora
Companhia das Letras, 2018, p. 79.
57
Segundo Brasílio Sallum: Fernando Collor de Mello montou seu governo sem negociar cargos e recursos do
Executivo com os partidos a quem solicitava apoio parlamentar para seus projetos. Com isso, desprezou os
procedimentos de seus antecessores, Tancredo Neves e José Sarney, cujos ministérios surgiram ou foram sendo
compostos de forma negociada com partidos majoritários no Congresso. Em vez de arrebanhar forças partidárias
para compor maioria parlamentar concedendo a elas, em contrapartida, participação nos recursos do Executivo, o
Presidente Collor optou por mantê-los sob seu controle direto, ou de seus auxiliares, reforçando sua posição
mediante contínua campanha de marketing político que acentuava sua personalidade, sua virilidade e qualidades
messiânicas e confrontava adversários. (SALLUM JÚNIOR, Brasílio, p. 173 – 174, 2016.)
34

isso, editou a Lei Nº 8.024 de 12 de abril de 199058, ou melhor, o Plano Collor59, como
popularmente ficou conhecido. A fim de combater a inflação, instituiu uma nova moeda, o
cruzeiro, bem como para reduzir a liquidez do país, isto é, o dinheiro circulante, instituiu a
reforma cambial e fiscal, com a elevação de alguns tributos, entre eles o Imposto sobre
Operações Financeiras (IOF). Além disso, para atender a meta de redução da liquidez, vista
como a grande responsável pela alta da inflação, o governo atacou as aplicações financeiras de
liquidez diária, como os títulos públicos, à época, o mais aplicado no país era a caderneta de
poupança. Como atingiu, sobretudo a classe média, com baixa impacto entre os mais pobres, a
reforma foi bem-quista pela população:

No dia seguinte ao lançamento do plano, segundo pesquisa feita em dez capitais


estaduais, constatou-se que 58% dos entrevistados avaliaram que as medidas eram boas
e 60% acreditavam que a inflação iria baixar. De início, o plano de estabilização foi de
fato bem-sucedido. O Judiciário atestou sua legalidade e o Congresso Nacional o
aprovou com pequenas alterações. A inflação, de início, cedeu: o INPC que tinha sido
de 82,18% no mês de março caiu para 14,67% em abril e para 7,31% em maio.60

Entretanto, as benesses duraram pouco tempo, pois a inflação voltou a crescer nos meses
seguintes à implantação do Plano, aumentando a pressão sobre seu governo, que não poderia
apoiar-se no Congresso, afinal, o Presidente tentava uma política autonomista. Então, em 31 de
janeiro de 1991, o governo baixou o Plano Collor II, o qual congelou preços e salários,
aumentou tarifas públicas e criou a Taxa de Referência de Juros (TR), mas surtiu efeitos quase
nulos. Desse modo, em baixa popularidade, a Ministra da Fazenda Zélia Cardoso de Melo foi
substituída, em março de 1991, pelo embaixador Marcílio Marques Moreira. A Ministra que,
no início do mandato era bem representada na capa da Veja61, deixou o cargo sob intensa
pressão e confrontação pública.
Para agravar a situação, a partir de meados de 1991, os projetos de reforma econômica
do governo, apresentados ao Congresso sob a forma de Projeto de Emenda Constitucional,
devido à pouca relação do Presidente com a casa legislativa, foram barrados na Câmara. O
desgaste da sua imagem já não lhe permitia recorrer ao marketing pessoal junto à população,
então pouco pôde fazer. “(...) o Parlamento foi mais longe: aprovou no fim de 1991 proposta de

58
BRASIL, Lei Nº 8.024 de 12 de abril de 1990. Institui o cruzeiro, dispõe sobre a liquidez dos ativos financeiros
e dá outras providências. Disponível em:
https://legislacao.presidencia.gov.br/atos/?tipo=LEI&numero=8024&ano=1990&ato=505ETWU1keFpWT81a.
Acesso em 07 de setembro de 2023.
59
Cabe destacar que, embora condensado na lei Nº 8.024, de 12 de abril de 1990, o plano é fruto de uma série de
Medidas Provisórias, entre elas: a MP 168/90; MP 154/90, MP 162/90 e outras.
60
SALLUM JÚNIOR, Brasílio, p. 172, 2016.
61
Revista Veja, Edição 1.172, de 17 de janeiro de 1990.
35

renegociação das dívidas estaduais que contrariava a ‘política de ajuste’ do governo federal e
restringiu fortemente a massa de recursos materiais pedidos pelo governo para o ano de 1992.” 62
Como se não bastasse, as acusações de corrupção, antes ligadas aos seus aliados políticos, foram
apontadas por seu irmão Pedro Collor como relacionadas ao Presidente; “Ele acusou o irmão
Presidente de ser o responsável e maior beneficiário das atividades suspeitas do tesoureiro de
sua campanha eleitoral, PC Farias”63
Nesse contexto, os partidos de oposição, como o PT e o PMDB, formaram uma coalizão
partidária que aprovou uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), a fim de
investigar PC Farias. Cássio Guilherme Augusto (2019), apresenta PC Farias como o “quebra
galho” de Collor, a pessoa responsável por arrecadar fundos e resolver situações, a priori,
difíceis, motivos que lhe garantiram a confiança total do alagoano64. A CPMI avançou
paulatinamente, sobretudo a partir da condução de centro-esquerda e da mobilização em massa,
em 1992, que invadiram as ruas no “Fora Collor”, protagonizado pelo Movimento Estudantil
que, além de rechaçar a corrupção e o fisiologismo do Presidente, protestavam contra ao avanço
do neoliberalismo no país, segundo Maria Júlia Rodrigues (2021).
No dia 29 de setembro de 1992, por 441 votos favoráveis, 38 contrários, 1 abstenção e
23 ausentes, fora aprovado na Câmara dos Deputados o afastamento provisório de Fernando
Collor de Mello da Presidência da República, sob a alegação de forte indícios de que ele teria
participado dos atos ilícitos. Em 29 de dezembro, Collor apresentou ao Congresso uma carta de
renúncia, a fim de evitar a inelegibilidade, porém, o processo de impeachment prosseguiu. Entre
os dias 29 e 30 de dezembro de 1992, o Senado Federal fez o julgamento de Collor, por 76 a 3
votos, o Senado condenou Fernando Collor de Mello à perda do cargo de Presidente da
República, declarando-o impedido de assumir qualquer cargo público por pelo menos oito
anos65. O maior legado de Fernando Collor, aqui entendido de maneira negativa, foi ter iniciado
a implantação do Neoliberalismo no Brasil, com base em Filgueiras (2006), marcando a
primeira das três fases de implantação do modelo no país, que prosseguiria com seus sucessores.
A Itamar Franco, que assumira a Presidência no final de 1992, coube prosseguir com a
agenda neoliberal e buscar maior articulação com o Congresso, ocorrida por meio da ampliação
do número de ministérios, que haviam sido reduzidos por Collor, quando assumiu a presidência,

62
SALLUM JÚNIOR, Brasílio, p. 180, 2016.
63
Ibidem, p. 184.
64
GUILHERME, Cássio Augusto, p. 313, 2019.
65
20 anos do IMPEACHMENT do Collor. Portal da Câmara dos Deputados. Disponível em:
<https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/plenario/discursos/escrevendohistoria/destaque-de-materias/
0-anos-do-impeachment>. Acesso em: 17 de outubro de 2023.
36

e instituir os pacotes de reforma que lhe garantissem simpatia dos credores do Fundo Monetário
Internacional (FMI). O novo mandatário também se permitiu ao diálogo com os Movimentos
Sociais. Para a conquista da governabilidade política, aos moldes do presidencialismo de
coalizão, Itamar incorporou ao seu governo o Partido Social-Democracia Brasileiro (PSDB),
que também serviu para nacionalizar o seu governo, rompendo com o estigma de um mandato
“Pão de queijo”, uma vez que, nos primeiros meses de mandato, nomeou apenas políticos
ligados aos setores de Minas Gerais66.
Nesse sentido, já em meados de 1993, o Ministério da Fazenda passou para o então
Ministro das Relações Exteriores, Fernando Henrique Cardoso, um nome importante do PSDB.
Além dele, foram incorporados à equipe econômica os economistas da Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), entre eles Edmar Bacha, André Lara de Resende e Pérsio
Arida (estes últimos conhecidos como “Larida”), que também haviam participado do Plano
Cruzado, no governo Sarney. A missão era solucionar o arrastado problema da inflação, que no
ano anterior teve o percentual acumulado de 1.119,10%. Para eles, a inflação era decorrente do
déficit crônico do Estado, assim, propuseram a privatização, a fim de arrecadar fundos, a
redução dos gastos públicos e a paridade da moeda nacional ao dólar. Uma das medidas mais
impactantes tomadas pelo Ministério foi em:

28 de julho de 1993, com o corte de três zeros da moeda nacional, que passou a se
chamar cruzeiro real. Ao mesmo tempo, optou-se, dessa vez, pela fórmula “Larida”,
derrotada anteriormente, que resultaria na criação, em 28 de fevereiro de 1994, da
Unidade Real de Valor (URV), unidade de conta, com reajuste diário. A grande
intenção da medida era preparar o terreno, para que, no dia da transição da URV para
o real, os preços estivessem exatamente cotados pelo dia anterior. Dessa forma, em 30
de junho, a URV, cotada em 2.750 cruzeiros reais, converteu-se em real, então
equivalente a um dólar. A inflação mensal ficou abaixo de 10% em julho e caiu a menos
de 1% no final de 199467

Quando o Real foi implantado, surtiu efeito esperado, fazendo com que a inflação
despencasse nos anos subsequentes. Aliás, números que catapultaram o então Ministro da
Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, à cadeira de Presidente da República e o ajudaram a
manter-se nela por pelo menos dois mandatos. Porém, tudo isso teve um preço: a maior adesão
do país ao modelo econômico neoliberal, que postulava as privatizações como política de
Estado. O gráfico abaixo ilustra a robusta queda inflacionária a partir do Plano Real.

66
MOTTA, Marly. A estabilização e a estabilidade: do Plano Real aos governos FHC (1993 – 2002). O tempo da
Nova República: da transição democrática à crise política de 2016: Quinta República (1985 – 2016), p. 225, 2016.
67
Ibidem, p. 230.
37

Gráfico 2 - IPCA (1993 - 1999)

Fonte: IBGE68
1.6. Fernando Henrique Cardoso: a estabilização do Real

Ao contrário de alguns Presidentes que o antecederam, FHC não ancorou seu poder
político apenas na população, embora contasse com boa simpatia popular69, utilizou-se do
presidencialismo de coalizão para a sustentação de seus projetos. Fernando Henrique Cardoso
montou seu governo sustentado pela base formada pelo partido ao qual era filiado, PSDB, e
pelo PFL, de modo que pudesse obter vitórias eleitorais, sobretudo as que necessitavam de uma
quantidade maior de votos. A aliança ainda foi completada com a participação do Partido
Trabalhista Brasileiro (PTB), que, naquela época, em nada se afeiçoava ao trabalhismo
varguista das décadas de 1930 e 1940.

68
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE), inflação. Disponível em:
<https://www.ibge.gov.br/explica/inflacao.php>. Acesso em: 01 nov. 2023.
69
Em uma chapa formada com Marco Maciel, representantes do PFL, o sociólogo Fernando Henrique Cardoso
derrotou em primeiro turno o sindicalista Luís Inácio Lula da Silva, que concorria à presidência pela segunda vez
consecutiva. O tucano recebeu cerca de 55% dos votos válidos, enquanto o representante do PT recebeu em torno
de metade disso; o páreo ainda foi completado por Enéas Carneiro, do Partido de Reedificação da Ordem Nacional
(PRONA). Portanto, nota-se que o apoio à FHC era significativo. (Resultados das Eleições 1994 - Brasil. Justiça
Eleitoral. Disponível em: <https://www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes-anteriores/eleicoes-1994/resultados-das-
eleicoes-1994/brasil/resultados-das-eleicoes-1994-brasil>. Acesso em: 02 nov. 2023.)
38

Além desses, com base em Marcos Nobre (2013), outros partidos somavam-se aos
projetos governistas a depender das negociatas políticas em questão. Para o cientista político,
que alcunha o período pós 1988 a partir do conceito de “peemedebismo”, havia um “processo
de chantagem permanente” em que esses partidos de coalizão “podem se eximir de apoiar certas
iniciativas que julguem eleitoralmente prejudiciais, ou podem aproveitar a oportunidade para
renegociar suas posições dentro do próprio governo.”70 O preço dessas negociações era, por
exemplo, a distribuição de Ministérios e Secretarias.

O “PFL do sul” ficou com a Previdência e Assistência Social (Reinhold Stephanes); o


“PFL do nordeste”, com o Meio Ambiente, Recursos Hídricos e Amazônia Legal (o
pernambucano Gustavo Krause); o “PFL de Antônio Carlos Magalhães”, com Minas e
Energia (o baiano Raimundo Mendes de Brito). O PTB, outro membro da aliança
partidária que elegeu FHC, ficou com o Trabalho (Paulo Paiva, ligado a Hélio Garcia,
governador mineiro) e com a Agricultura e Abastecimento (o banqueiro do
Bamerindus, José Eduardo de Andrade Vieira). Ao PMDB, parceiro de última hora,
coube o Ministério da Justiça, oferecido a Nelson Jobim, que tivera uma longa
convivência com FHC durante a Constituinte71.

Por outro lado, o governo manteve algumas posições estratégicas, formando um núcleo
duro, como o Ministério da Educação, ocupado durante os oito anos de mandato por Paulo
Renato Sousa. Não por acaso, a pasta responsável pela Educação ficou sob inteira
responsabilidade governista, segundo Jussara Oliveira (2014), o objetivo era para a formação
educacional complementar os objetivos do Plano Real, isto é, de alinhamento total do Brasil às
políticas neoliberais. “Buscou-se fazer isto de duas formas: direciona-se a formação para
atender aos objetivos da produção capitalista, preparando pessoas para o mercado de trabalho
(...) usa-se, também, a educação como meio para a difusão do liberalismo como a única forma
de organização social”72
Essa organização social preconizava o abandono do programa industrial, estruturante
do Nacional-desenvolvimentismo das décadas anteriores, em prol do fortalecimento das
aplicações financeiras que se sustentavam por meio das taxas públicas. Para estabilizar a
economia, nos cânones neoliberais, o governo aumentava os juros, consequentemente, o
dividendo para aqueles que adquiriam a dívida pública, pois, a fim de manter o câmbio
sobrevalorizado, por meio do fluxo constante de dólares, era necessário oferecer dividendos

70
NOBRE, Marcos. Imobilismo em movimento: da abertura democrática ao governo Dilma. Editora Companhia
das Letras, p. 72, 2013.
71
MOTTA, Marly. A estabilização e a estabilidade: do Plano Real aos governos FHC (1993 – 2002). FERREIRA,
Jorge; DELGADO, Lucília de Almeida Neves. O tempo da Nova República: da transição democrática à crise
política de 2016: Quinta República (1985 – 2016), p. 243, 2016.
72
OLIVEIRA, Jussara de Fátima Alves Campos. A institucionalização das políticas neoliberais na reconfiguração
da educação profissional no Brasil: do Decreto Nº 2.208-97 À Lei Nº 11.892-08. 2014. 207 f. Tese (Doutorado em
Ciências Humanas) — Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Goiânia, p. 36, 2014.
39

confortáveis através das elevadas taxas de juros. Em março de 1999, por exemplo, a taxa Selic73
girou em torno de 45%74. Como retaliação, “Em maio de 1996, os empresários, Fiesp inclusive,
chegaram a promover uma marcha sobre Brasília, tentaram mesmo articular um pacto pelo
emprego com a CUT, chegaram a pedir reforma agrária.”75
Além disso, o governo FHC foi responsável pela estruturação de alguns dos contornos
políticos da Nova República, especificamente a neutralização da “política dos governadores” e
pela aprovação da reeleição para presidência da República. Desde a Primeira República (1889
– 1930), sobretudo após 1898, com o Presidente Campos Sales (1898 – 1902) o Brasil se
caracterizou pela grande influência dos governadores nos assuntos políticos Nacionais, por
vezes responsáveis por intermediar a relação do Presidente com o Congresso Nacional.
Segundo Marcos Nobre (2013), a perda do protagonismo dos governadores ocorreu em virtude
de questões ligadas à economia. Se até então os governadores encontravam um executivo
nacional simpático para a negociação das dívidas estaduais, a partir de então depararam-se com
uma gestão intransigente que exigia contrapartidas rigorosas, como “(...) a contenção das folhas
de pagamento, a adoção de juros elevados sobre os empréstimos (IGPM/FGV) e a possibilidade
de a União se apossar de receitas e de ativos dos estados (como o Fundo de Participação dos
Estados) para cobrir eventual inadimplência.”76 Nesse sentido, também foi exigido a
privatização dos bancos estaduais, que serviam como forma dos estados influenciarem nas
políticas fiscais e monetárias do país, bem como lhes possibilitava a obtenção de recursos,
mesmo que pequenos, por meio da exploração da alta inflacionária.
Como se não bastasse, o governo federal cooptou os parlamentares para sua base
governista, retirando a intermediação antes exercida pelos governadores. O cientista político
destaca que FHC “(...) Cortou o vínculo de sobrevivência política que se havia estabelecido
desde a década de 1980 entre os parlamentares e os governadores dos estados pelos quais tinham
sido eleitos, passando a negociar diretamente com os parlamentares, sem passar pelos
governadores.”77 Amparado por um Congresso disponível a acordos para formação de coalizão
e com diálogos diretos com os parlamentares, o governo de Fernando Henrique pôde apresentar,

73
A Selic é a taxa de juros média praticada nas operações compromissadas com títulos públicos federais, cujo
controle é atribuído ao Banco Central (BC), deste modo, influencia todas as operações financeiras ocorridas no
país, como empréstimos bancários.
74
BANCO CENTRAL DO BRASIL, Taxas de juros básicas — Histórico. Bcb.gov.br. Disponível em:
<https://www.bcb.gov.br/controleinflacao/historicotaxasjuros>. Acesso em: 22 out. 2023.
75
NOBRE, Marcos, p. 63, 2013.
76
MOTTA, Marly, 246, 2016.
77
NOBRE, Marcos, p. 70, 2013.
40

inicialmente, a PEC 1/199578, do Deputado Federal Mendonça Filho (PFL/PE) e,


posteriormente, a PEC 16/199779, que postulavam a reeleição para Presidente da República,
Governadores estaduais e do Distrito Federal, bem como os Prefeitos, por mais 4 anos.
A emenda foi aprovada num acordo que reuniu parlamentares de diferentes coligações
partidárias, que apoiaram o governo em troca de benesses, algumas delas visando até mesmo a
eleição que estava por vir, em 1998. No mesmo ano da apresentação da primeira PEC da
reeleição, 1995, não por coincidência, também foi aprovado o projeto de lei que instituiu o
Fundo Partidário Eleitoral. Basicamente, a lei estabeleceu que cada partido não “deveria receber
recursos orçamentários públicos nunca inferiores a 35 centavos de real por eleitor”, dos valores
“5% deveriam ser divididos igualmente por todos os partidos”, enquanto os “95% restantes
proporcionalmente ao número de votos alcançado por cada partido na última eleição geral para
a Câmara dos Deputados.”80 Portanto, por um lado, o fortalecimento dos partidos de maior
abrangência no Congresso, como o PMDB, o PSDB e o PFL, por outro lado, estimulava os
partidos de menor envergadura a buscarem recursos ou posições favoráveis, que poderiam advir
do Executivo Federal. Aliás, donativos esses que poderiam ser ilegais; não foram poucas as
denúncias estampadas nas páginas jornalísticas sobre compra de votos para que deputados
votassem favorável à reeleição81, algumas delas posteriormente comprovadas.
Em 4 de junho de 1997, o Senado aprovou em dois turnos a emenda da reeleição,
permitindo a FHC concorrer novamente ao cargo de Presidente da República, em 1998. Num
processo eleitoral com 11 candidatos e uma candidata, Thereza Ruiz, do Partido Trabalhista
Nacional (PTN). No dia 4 de outubro de 1998, cerca de 60 milhões de pessoas compareceram
às urnas eletrônicas para a votação. Fernando Henrique sagrou-se vencedor ainda no primeiro
turno, com 53,6% dos votos válidos, contra 31,71% de Lula, 10,97% de Ciro Gomes e 2,14%
de Enéas Carneiro. Portanto, FHC pôde governar por mais um mandato, iniciado em 1999 e
terminado em 200282.

78
BRASIL, Proposta de Emenda à Constituição n° 1, de 1995. Dá nova redação ao artigo 62 da Constituição
Federal (adoção de medidas provisórias). Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-
/materia/807. Acesso em: 23 de out. de 2023.
79
BRASIL, Proposta de Emenda à Constituição n° 16, de 1997. Da nova redação ao artigo 132 da Constituição
Federal. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/18242?o=d. Acesso em
23 de out. de 2023.
80
NOBRE, Marcos, p. 71-72, 2013.
81
A situação, quando estampada nos jornais, culminou na expulsão dos Deputados Federais Ronivon Santiago e
João Maia do PFL do Acre, acusados de votarem favoráveis a aprovação da reeleição pelo valor de 200 mil reais.
(“Suspeita de corrupção abre crise no governo e abala o mercado.” Jornal do Brasil, edição 00037, 13/05/1997.
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/030015_11/209227. Acesso em: 12/11/2023)
82
Eleições 1998. Justiça Eleitoral. Disponível em: <https://www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes-anteriores/eleicoes-
1998>. Acesso em: 24 nov. 2023.
41

CAPÍTULO 2 - ESTIGMAS ATRIBUÍDOS AO MOVIMENTO ESTUDANTIL

O segundo capítulo concentra-se na análise da participação política do Movimento


Estudantil (ME) durante o período de 1989 a 1999. Após anos de proibição legal, a partir de
1979 o ME ressurgiu publicamente, engajando-se em questões nacionais, notadamente nas
campanhas das “Diretas Já”, nos debates constituintes e nas lutas contra as políticas Neoliberais
promovidas na década de 1990. Inicialmente, o capítulo explora a definição e o perfil do
Movimento Estudantil, indagando sobre a faixa etária, classe social e gênero predominante dos
participantes ao longo da década de 1990. Além disso, o capítulo examina como os jovens,
maioria no Movimento Estudantil, eram representados no debate público entre 1989 e 1999.
Essa análise ajuda a esclarecer como o Movimento Estudantil era percebido pelo Serviço de
Vigilância e Coleta de Informação do período, tema a ser abordado no capítulo subsequente.
Para uma compreensão mais aprofundada, é realizada uma breve discussão sobre a
representação juvenil em décadas anteriores, visto que esta serve como referência para o
estabelecimento de estigmas da juventude e do Movimento Estudantil da década de 1990.
Por fim, o capítulo destaca os principais repertórios de ação coletiva adotados pelo
Movimento Estudantil durante esse período. Essas pautas e ações são cruciais para entender
como o Movimento reagiu às tentativas das forças político-econômicas dominantes de afastar
a população das decisões e de implementar políticas neoliberais. O capítulo busca mostrar que,
mesmo diante das pressões, o Movimento Estudantil propunha um projeto de país diferente e
buscava se contrapor às visões estigmatizadas disseminadas pela mídia e em alguns estudos
acadêmicos, que nos apresentam o Movimento Estudantil como desmobilizado e apático. O
rechaço a tais entendimentos se dá a partir dos trabalhos de Angelica Muller (2021), que nos
apresenta a existência de lacunas bibliográficas sobre o Movimento Estudantil, e de Jordana de
Souza Santos (2018) e de Maria Júlia Rodrigues (2021), que nos apresentam os repertórios de
ação coletiva do Movimento Estudantil entre os anos de 1989 e 1999.

2.1. O que é o Movimento Estudantil

Em sua pesquisa sobre a atuação do Movimento Estudantil nos anos 2000, o Cientista
Político Breno Bringel (2009) apresenta alguns debates e entendimentos a respeito do que pode
ou não ser empregado dentro da categoria Movimento Estudantil83. O autor nos apresenta
algumas caracterizações idiossincráticas desse grupo social, podendo ser organizadas em quatro

83
BRINGEL, Breno. O futuro anterior: continuidades e rupturas nos movimentos estudantis do Brasil. EccoS
Revista Científica, v. 11, n. 1, p. 97 – 121, 2009.
42

pontos: a) um grupo os quais seus membros atuam circunscritos numa temporalidade finita; b)
organizado de maneira mutável; c) composto por pessoas que partilham outros agrupamentos
políticos; d) majoritariamente organizado por indivíduos simpatizantes da esquerda.
Como indicativo do nome, o Movimento Estudantil compreende uma fase específica de
militância, isto é, o período em que seus participantes se encontram subscritos em alguma
instituição de ensino, seja a nível básico, como os participantes da União Brasileira dos
Estudantes Secundaristas (UBES), ou a nível superior, como os da União Nacional dos
Estudantes (UNE). Nesse aspecto, Bringel (2009) destaca que “Os movimentos estudantis
universitários estão muito influenciados pelo ritmo do ano letivo acadêmico” 84, para ele, por
exemplo, em períodos de férias ocorre uma desmobilização natural do Movimento; outro
aspecto destacado pelo autor é a dificuldade no estabelecimento de um “capital militante”, uma
vez que, por estar atrelado ao período do qual seus membros fazem parte de uma instituição de
ensino, quando se formam, normalmente, rompem os vínculos com o espaço. Assim, podemos
pensar que, a fim de que haja um grande contingente mobilizatório, é necessário um fluxo
constante de estudantes matriculados nas instituições de ensino, e que esses gozem de condições
de permanência nas mesmas; situações essas, como se verá adiante, desfavorável no contexto
Neoliberal pelo qual o Brasil adentrou, a partir de 1989.
A mutabilidade desse Movimento, por sua vez, é a compreensão de que ele é organizado
de maneira “variável e pendular”, isto é, a depender do momento e do grupo político, podem se
estruturar de variadas formas. Aliás, essa variabilidade pode estar associada ao fato dos seus
membros, em geral, fazerem parte de outras “identidades”, por exemplo, partidos, grupos de
políticos e movimentos, tornando, segundo Bringel (2009), “mais complexa a construção de
uma identidade coletiva profunda”85. A propósito, os grupos políticos de esquerda são
majoritários no Movimento Estudantil. Por exemplo, no 40º Congresso Nacional da UNE, o
CONUNE, havia pessoas ligadas ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB); ao Partido de
Libertação Proletária (PLP); ao Partido Comunista Brasileiro (PCB); ao Partido dos
Trabalhadores (PT) e outras organizações ideológicas de esquerda. Não havia sequer uma
organização, ou grupo de estudante identificados, alinhada ao espectro político de direita,
conforme o relatório de observação da Agência Central do Serviço Nacional de Informações
(SNI)86.

84
Ibidem, p. 100.
85
Ibidem, p. 103.
86
ARQUIVO NACIONAL, br_dfanbsb_v8_mic_gnc_aaa_90073454_d0001de0002.pdf.
43

Além disso, Breno Bringel (2009) chama a atenção para alguns equívocos cometidos na
tentativa de compreensão do significado de Movimento Estudantil, que acabam nos auxiliando
a compreendê-lo. Duas das três acepções do autor são fulcrais neste trabalho. A primeira delas
é a confusão existente entre ação coletiva e Movimento Estudantil, o qual o Cientista Político
destaca que nem toda ação coletiva, como um “protesto isolado no refeitório de uma faculdade”,
deve ser compreendida como “resultado da atuação de um “movimento estudantil”’87. A outra
questão levantada pelo autor é de que o Movimento Estudantil deve ser entendido também em
sua esfera plural, ou seja, como composto por diferentes movimentos estudantis que, por vezes,
tencionam-se entre si. Portanto, neste trabalho o Movimento Estudantil contemporâneo é
compreendido para além de protestos individuais, mas sim como um coletivo organizado de
longa data reunido em torno de algum princípio ideológico capaz de congregar um grupo
organizado, ou em torno de alguma agremiação, como a UNE, que congrega todas as juntas
partidárias e ideológicas de nível superior do Brasil.

2.2. “Somos tão jovens”: um perfil do Movimento Estudantil

A música embalava, sobremaneira, os debates políticos encabeçados pelos jovens nos


anos 1980 e 1990, com letras e composições servindo de influência para algumas ações, ou
sendo influenciadas por tais. Segundo Aline Rochedo (2011), o Rock desempenhou um papel
imprescindível nas formulações do Movimento Estudantil, apresentando-se jovialmente, afinal,
eram os próprios jovens a tocarem o ritmo88. Nesse sentido, em 1986 foi lançado a música
“Tempo Perdido”, do grupo musical Legião Urbana, que consegue exprimir o Movimento
Estudantil dos anos 1990: jovens que refletem as injunções do tempo; à época marcado pelas
crises financeiras e pelos problemas políticos do pós-Ditadura Militar, como pôde ser visto no
capítulo anterior; e necessitam agir para que o “tempo” não fosse “perdido”.

A grosso modo, o Movimento Estudantil, tanto o universitário, reunido em torno da


UNE, e o secundarista, reunido em torno da UBES, era composto majoritariamente por pessoas
na faixa dos 15 a 24 anos. Em 1996, essa faixa etária representava cerca de 19%, que, a partir
dos 16 anos, já podiam decidir a escolha dos representantes políticos89. Portanto, nota-se que

87
BRINGEL, Breno, 2009, p. 100.
88
ROCHEDO, Aline do Carmo. “Os filhos da revolução”: a juventude urbana e o rock brasileiro dos anos 1980.
Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, 2011. 153f.
89
Tal questão foi uma das maiores pautas políticas do Movimento Estudantil durante os anos 1980,
especificamente na Constituinte. Para mais detalhes, ver: SÁ, Laís Nóbrega Gabetto. Participação da Juventude
no Processo Constituinte Brasileiro (1985 – 1988). 2021, 68 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em
História) — Universidade Federal Fluminense, Niterói — RJ, 2021.
44

eram pessoas com grande capacidade de influência não apenas nas decisões concernentes às
questões estudantis, mas às questões de impacto nacional, embora os representantes políticos
tentassem afastá-los do centro das decisões, conforme destacado no primeiro capítulo.
O perfil do Movimento Estudantil correspondia ao de jovens habitantes da cidade, o
que, aliás, leva parte da imprensa e da historiografia a alcunhá-los como a “geração do shopping
center”. Com base em João Pedro Schmidt (2000), podemos observar que, durante os anos
1990, aproximadamente 4/5 dos jovens eram do ambiente urbano, nesse sentido, era de se
esperar que as reflexões propostas pelo Movimento Estudantil girassem em torno disso.
“Quanto ao gênero, as mulheres predominam entre os jovens, representando 51,6%, enquanto
os homens alcançam 48,4%.”90 Porém, isso não era acompanhado nos quadros da UNE, por
exemplo, uma vez que era composta majoritariamente por homens. Seis dos sete presidentes da
UNE, entre 1989 e 1999, foram homens91. Além disso, Schmidt (2000) destaca que o
Movimento Estudantil era composto, em sua maioria, por pessoas de classe média.

2.3. Jovem: “um rebelde sem causa”?

Embora numerosos na década de 1990 e mobilizados politicamente, segundo Helena


Abramo (1997)92 “o jovem” brasileiro não era objeto de estudo acadêmico, apesar de ser
analisado e comentado no debate público, como se verá no tópico seguinte. As reflexões
produzidas sobre a juventude eram decorrentes das conclusões, sobretudo, estadunidense, que
começa a tematizá-los e a estudá-los a partir da década de 1960. A primeira a estudar os jovens
é a Sociologia Funcionalista, radicada na escola de Chicago, “Preocupados sobretudo com o
fenômeno da marginalidade e delinquência, tais estudos ficaram conhecidos por sua
preocupação com o aspecto problemático que os jovens representavam para a estabilidade
social.”93
No entanto, ao contrário do que se acreditava durante os anos 1950, a partir de então,
década de 1960, postulava-se que o mesmo era passível de “recuperação”, caso fosse
devidamente instruído pela sabedoria dos mais velhos, noção que se estende também para a
década seguinte. Desde os anos de 1950, e particularmente nos anos 1980 e 1990, a juventude

90
Ibidem, 195.
91
UNIÃO NACIONAL DOS ESTUDANTES. Disponível em: <https://www.une.org.br/presidentes/>. Acesso
em: 1 dez. 2023.
92
ABRAMO, Helena Wendel. Considerações sobre a tematização social da juventude no Brasil. Revista brasileira
de educação, n. 05 – 06, p. 25 – 36, 1997.
93
SCHMIDT, João Pedro, 2000, p. 170.
45

é compreendida ainda como um problema, sendo evidenciada questões relacionadas à


sexualidade, ao consumo de drogas e à marginalidade.

(...) toda vez que se relaciona a questão da juventude à da cidadania, seja pelos atores
políticos seja pelas instituições que formulam ações para jovens, são os “problemas”
(as privações, os desvios) que são enfocados; todo debate, seminário ou publicação
relacionando esses dois termos (juventude e cidadania) traz os temas da prostituição,
das drogas, das doenças sexualmente transmissíveis, da gravidez precoce, da violência.
As questões elencadas são sempre aquelas que constituem os jovens como problemas
(para si próprios e para a sociedade) e nunca, ou quase nunca, questões enunciadas por
eles, mesmo por que, regra geral, não há espaço comum de enunciação entre grupos
juvenis e atores políticos.94

Nos anos 2000, é possível localizar estudos acadêmicos brasileiros acerca da


tematização juvenil do Movimento Estudantil, cujo seguem o padrão de influência dos estudos
produzidos em anos anteriores no exterior, bem como são realizados a partir de documentos e
fontes produzidas pela imprensa. Um desses trabalhos é o de Andreza Barbosa 95, que, ao
postular sobre o Movimento Estudantil do período, apresenta a juventude que o compunha
como “(...) adeptos do consumismo capitalista e, oriundos, em sua maioria, de classes sociais
mais privilegiadas”96
A pesquisadora ainda os qualifica como desmobilizados politicamente, apresentando
alguns fatores para tanto. Segundo ela, uma das razões foi “em decorrência das marcas de medo
que a ditadura deixou muito fortes nas pessoas que viveram essa época.” 97 Outra questão
levantada pela autora era o individualismo da sociedade brasileira, a partir de então, pautada
pelo Neoliberalismo. Para ela, “os jovens vão às universidades buscando uma formação que
lhes permita exercer uma profissão reconhecida e, assim, possa sobreviver e obter êxito
pessoal”, portanto, isso “indica um conformismo e uma passividade de quem já não se vê mais
como sujeito da história”98. Para Barbosa (2002), os protestos pelo Impeachment de Collor, em
1992, foram a única mobilização que rompeu a apatia que dominava a juventude. Cabe destacar
que Breno Bringel (2009) também segue essa linha de entendimento. Boa parte do que justifica
esse entendimento de Barbosa (2002) é decorrente da ausência de registros — encontrados por
ela — produzidos pelos estudantes, cujo nota-se que ela pauta seu entendimento tendo por base

94
ABRAMO, Helena, 1997, p. 28.
95
BARBOSA, Andreza. A (Des) articulação do Movimento Estudantil:(Décadas de 80 e 90). Educação: teoria e
prática, p. 5-14, 2002.
96
Ibidem, p. 8.
97
Ibidem, p.12.
98
Ibidem, p. 12.
46

como a mídia observava e produzia informações sobre o Movimento Estudantil e,


consequentemente, a juventude. Nas palavras dela:

Após o movimento pró-impeachment, o movimento estudantil parecia ter desaparecido.


Poucas foram as manifestações e lutas. Apresenta-se novamente uma grande lacuna,
que só deixará registros novamente a partir de 99, visto que são poucos os documentos
encontrados até 99. Quando encontrados, estes referem-se apenas a questões culturais,
eventos científicos, discussões específicas de área 99.

Aliás, no que concerne ao Movimento Estudantil, em geral, os jovens reuniram-se


sobremaneira em torno da UNE, assim, cabe discorrer, brevemente, sobre a mesma, visto que
as observações, tanto dos Serviços de Inteligência, quanto da mídia, bem como dos debates
acadêmicos, centram-se sobre a UNE, como se verá adiante. A entidade fora criada em 1937,
na recém edificada casa do Estudante brasileiro, no Rio de Janeiro, dois anos após a sua criação,
em 1939, a UNE teve seu primeiro presidente eleito, Valdir Borges. Dentro desse contexto, isto
é, do Estado Novo e da Segunda Guerra Mundial, a entidade travou duras lutas contra o
Nazifascismo, contra as tentativas de tutelas propostas pelo governo Vargas às Instituições
representativas e políticas do país, e pelo fomento à educação no país. Na década de 1950 e
início da de 1960, a UNE protagonizou as principais pautas políticas-sociais do período, como
a campanha “o Petróleo é nosso”, que resultou na criação da Petrobrás em 1953, e a Campanha
da Legalidade, em 1961, a qual visava garantir que João Goulart, após a renúncia de Jânio
Quadros e a tentativa do Congresso de barrá-lo ao cargo de presidente da República, pudesse
tomar posse do que lhe era por direito.
O auge da atuação política da entidade, do qual extensamente rememorado como forma
de mobilização da juventude entre 1989 e 1999, ocorreu durante a Ditadura Militar (1964 –
1985), embora tenha sido oficialmente extinta durante o período, no entanto, sua atuação
continuou existindo ilegalmente e, depois de 1968, clandestinamente, como aponta Muller 100.
A UNE, juntamente com outras organizações de base, como o sindicalismo e pastorais católicas,
protagonizou os principais acirramentos políticos do país. Cabe destacar que desde o início da
Ditadura a UNE foi vista enquanto uma entidade a ser combatida, tanto é que as primeiras ações
dos militares “foi metralhar, invadir e incendiar a sede da UNE, na Praia do Flamengo 132, na
fatídica noite de 30 de março para 1º de abril.”. Pela Lei Suplicy de Lacerda, a entidade foi
posta na ilegalidade

99
Ibidem, p. 10.
100
MÜLLER, Angelica. O" ACONTECIMENTO 1968" BRASILEIRO: REFLEXÕES ACERCA DE UMA
PERIODIZAÇÃO DA CULTURA DE CONTESTAÇÃO ESTUDANTIL. Revista de História (São Paulo), 2021.
47

Apesar da repressão, a UNE continuou a existir nas sombras da ditadura, em firme


oposição ao regime, como aconteceu no ano de 1968, marcado por revoluções culturais
e sociais em todo o mundo. Foi quando estudantes e artistas engrossaram a passeata dos
Cem Mil no Rio de Janeiro, pedindo democracia, liberdade e justiça. No entanto, os
militares endureciam a repressão em episódios como o assassinato do estudante
secundarista Édson Luís e a invasão do Congresso da UNE em Ibiúna (SP), com a
prisão de cerca de mil estudantes. No fim do mesmo ano, a proclamação do Ato
Institucional número 5 (AI-5) indicava uma violência ainda maior.101

A entidade retornou oficialmente à cena pública a partir das manifestações de 1977 e,


somente em 1979, quando foi permitida, no XXº Congresso, realizado em Salvador, com grande
vigor e novas proposições que se adequaram ao que se anunciava: a redemocratização 102. Nesse
aspecto, a UNE foi uma das principais entidades políticas envolvidas nos debates em prol das
eleições diretas para presidência da República, nas famosas “Diretas Já”, destacadas
anteriormente. Ademais, os jovens reunidos em torno da entidade protagonizaram algumas das
principais mobilizações da década de 1990, não à toa tinham suas movimentações
acompanhadas, criticadas e vastas informações produzidas.

2.3.1. Como observavam: a mídia e o debate público

A mídia, assim como os debates sobre juventude realizados no meio acadêmico,


acompanhava o Movimento Estudantil brasileiro para desprestigiar suas lutas políticas, tanto as
realizadas durante as décadas de 1960 e 1970, como também as das décadas de 1980 e 1990.
Na verdade, para os principais veículos de comunicação do país nessas duas últimas décadas
nem houve ação política concreta do Movimento Estudantil, até mesmo os protestos pelo Fora
Collor são retratados desdenhosamente. Aliás, isso não é nenhuma novidade, segundo Angélica
Muller, comumente, as ações do Movimento Estudantil são ofuscadas apenas por alguns
programas de ação, como a Luta armada iniciada na década de 1960, em detrimento de outras
formas de ação que não fossem tão combativas e diretas, como a luta armada, mas que também
propunham um programa de ação inciso e combativo, como as intervenções culturais103.

Tomando a mídia enquanto estrutura de funcionamento similar a um “partido político”,


no sentido de dispor de uma pauta e direcionamento ideológico, Jordana de Souza Santos (2018)
apresenta como o Movimento Estudantil era observado por alguns dos jornais do país 104. Para

101
Disponível em: <https://www.une.org.br/2011/09/historia-da-une/>. Acesso em: 15 jul. 2023
102
MULLER, Angélica (Org). 1968 em Movimento. Rio de Janeiro: fgv, 2018.
103
Idem. O “Acontecimento 1968” Brasileiro: reflexões acerca de uma periodização da cultura de contestação
estudantil. Revista de História (São Paulo), 2021.
104
SANTOS, Jordana. O Movimento estudantil na “democratização”: crise da era Collor e neoliberalismo. Tese
em Ciências Sociais, Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), 2018.
48

ela, sim, o Fora Collor, pós 79, foi o primeiro movimento de grande visibilidade pública do
Movimento Estudantil, mas outras formas de ação foram ignoradas pelos veículos de
comunicação brasileiro. Nesse sentido, podemos afirmar categoricamente que a ideia difundida
de que o Movimento Estudantil ressurgiu apenas em 1992 é uma construção midiática:

Novamente ressaltamos isto para embasar o pensamento de que a década de 1980 foi
uma década “ganha” em termos de mobilização social e a partir disso foi construído o
processo democrático. Portanto, consideramos que a ideia do “ressurgimento” do ME
em 1992 se deve antes à cobertura feita pela imprensa do protagonismo dos estudantes
no “Fora Collor”, o que deu maior visibilidade ao movimento, do que pela suposta
situação de “sonolência” em que se encontrava o ME, como se o “gigante tivesse
acordado” para usar um termo recente. Esta situação não existia de modo que as
manifestações estudantis não eclodiram em 1992 repentinamente; ocorreram devido à
saída de Collor ser uma pauta nacional que unificou os movimentos sociais e partidos
políticos que já estavam organizados e atentos ao cenário político desde 1989.105

Cabe ressaltar que, conforme destacado por Jordana (2018), as primeiras coberturas
acerca do Fora Collor tratavam o Movimento Estudantil como alienado, de maneira pejorativa.
Como comentado no capítulo anterior, a eleição de Fernando Collor, em 1989, contou com
imenso apoio dos principais jornais do país, que o enxergaram como uma alternativa ao projeto
de esquerda liderado pelo ex-sindicalista Lula, assim como o estimavam por ser tratar de
alguém disposto a implantar às políticas neoliberais. Desse modo, apoiaram-no até onde
puderam e, como o Movimento Estudantil foi o primeiro a protestar pelo impeachment, na
esperança de barrar o projeto Neoliberal iniciado pelo mesmo, nesse momento inicial, para parte
da mídia, estruturada como um “partido político”, ainda havia a crença de que seria possível
mantê-lo, ou na pior das hipóteses, controlar a saída do poder de Collor, então lhe cabia detratar
o grupo protestante. Nesse sentido, ainda com base em Jordana (2018), lhes cabia
descredibilizar as ações empregadas pelo Movimento Estudantil, produzindo informações sobre
seus membros enquanto pessoas alienadas e sem propósito político106.
Podemos dizer que, assim como as forças políticas conseguiram controlar a transição
para a democracia, entre 1974 e 1985, excluindo as forças populares, parte da mídia acreditou
ser possível repetir tal projeto político excludente. Entretanto, quando notaram que a queda do
“caçador de marajás” seria inevitável e que o Movimento Estudantil permaneceria fiel a seu

105
Ibidem, p. 115.
106
“(...) em síntese, a grande imprensa e principalmente a Rede Globo não apoiaram o impeachment de início, só
aderiram às manifestações ao perceberem que seria improvável que Collor se mantivesse no poder porque não
havia apoio político para tal. Além do que, os escândalos de corrupção denunciados pelo irmão do Presidente,
Pedro Collor, agravaram as tensões e a insatisfação popular. É importante lembrarmos que Collor fora eleito com
grande apoio da mídia brasileira que fez campanha e era particularmente interessada que o projeto neoliberal fosse
encaminhado. Porém, a inabilidade política de Collor e a ineficiência de sua equipe econômica colocavam em
risco o programa neoliberal, abrindo o caminho para o crescimento da oposição e o fortalecimento do PT, partido
vencido nas eleições de 1989, mas que tinha grande expressão” (Ibidem, p.130)
49

projeto de longa data que postulava a derrubada de Collor, a mídia precisou retratar o
Movimento Estudantil de forma diferente. A partir de então, as matérias publicadas visavam
retirar o protagonismo do grupo no que concernia aos protestos, segundo Jordana (2018), uma
das estratégias utilizadas foi atribuir que os estudantes se mobilizaram em decorrência do clima
otimista para mobilizações provocado pela minissérie “Anos Rebeldes”. A película foi
“transmitida pela Rede Globo entre julho e agosto de 1992, ambientada no final da década de
1960, mostrando os protestos de jovens que se rebelaram contra o regime militar e aderiram à
luta armada.”107
É imprescindível ressaltar que para detratar as práticas e ações do Movimento Estudantil
dos anos 1980 e 1990, são recuperadas as dos anos 1960, antes vistas também
desprestigiadamente. Conforme destacado por João Pedro Schmidt (2000), esse é apresentado
como a geração “idealista, engajada, não consumista e rebelde”, enquanto aquela é representada
de maneira estereotipada como aderente ao individualismo, ao capitalismo 108. Abramo (1997)
destaca tal questão da seguinte forma:

(...) a imagem dos jovens dos anos 60 plasmou-se como a de uma geração idealista,
generosa, criativa, que ousou sonhar e se comprometer com a mudança social. Essa
reelaboração positiva acabou, desse modo, por fixar assim um modelo ideal de
juventude: transformando a rebeldia, o idealismo, a inovação e a utopia como
características essenciais dessa categoria etária. É em contraste com essa imagem que
a juventude dos anos 80 vai aparecer como patológica porque oposta à da geração dos
anos 60: individualista, consumista, conservadora e indiferente aos assuntos públicos,
apática. (...). O problema relativo à juventude passa então a ser a sua incapacidade de
resistir ou oferecer alternativas às tendências inscritas no sistema social: o
individualismo, o conservadorismo moral, o pragmatismo, a falta de idealismo e de
compromisso político são vistos como problemas para a possibilidade de mudar ou
mesmo de corrigir as tendências negativas do sistema. Tematizada por aqueles que
fizeram parte da geração dos anos 60 e 70, a juventude aparece aqui como depositária
de um certo medo relativo ao “fim da História”, uma vez que nega seu papel como fonte
de mudança.109

Outra estratégia utilizada para controlar os protestos de rua era entrevistar os líderes das
entidades estudantis, como da UNE, a partir de perguntas e respostas rápidas tematizadas em
suas preferências individuais. Em sua tese de doutorado, Jordana (2018) apresenta algumas
entrevistas realizadas com Lindbergh Farias — presidente da UNE entre 1992 e 1993 — em
que eram tratadas questões específicas de sua intimidade pessoal. Numa delas, a Folha de São
Paulo lhe dirigiu “perguntas do tipo ‘usa camisinha?’, ‘como foi o primeiro beijo’, ‘como foi a
primeira transa’”110. Nesse sentido, reforça-se o que foi apontado por Abramo (1997) acerca da

107
Ibidem, p. 118.
108
SCHMIDT, João Pedro, 2000, p. 187.
109
ABRAMO, Helena, 1997, p. 31 – 32.
110
SANTOS, Jordana, 2018, p. 135.
50

tematização juvenil nos anos 1980 e 1990, nesse período, a juventude é compreendida ainda
como um problema em que se evidenciava questões relacionadas à sexualidade, ao consumo de
drogas e à marginalidade. Segundo Maria Júlia Rodrigues (2021), após o Fora Collor, a UNE
ainda sofreu acentuadas críticas do jornalismo, que a criticava sob a alegação de estar centrada
na imagem de seu presidente Lindbergh, isto é, de ser uma entidade que não representava a
coletividade estudantil, mas sim um personalismo.

A partir da análise dessa edição foi possível mapear duas questões. A primeira delas foi
a construção de uma narrativa crítica à entidade no momento pós-manifestações do
movimento ‘caras pintadas’ pelo fora Collor. Crítica sobretudo à figura de Lindbergh
Farias, ex-presidente da UNE em 1992 e 1993, e uma tentativa de descredibilizar a
entidade por conta da militância partidária daqueles na direção da entidade. Na edição
do dia 05 de maio do mesmo ano, é perceptível a mesma estratégia: uma matéria com
o título “Caras Lavadas contra o presidente da UNE”, o jornal apresenta a resistência
de estudantes e integrantes do MUDe à presença de Lindbergh no ato no Ministério da
Educação (MEC) contra o aumento abusivo nas mensalidades das escolas e
universidades particulares. Os estudantes afirmavam que Lindbergh não perdia a
oportunidade de se exibir e roubar o protagonismo das pautas, que os representantes
estudantis não passavam de “golpe de marketing” e que os “dirigentes da UNE não dão
espaço para estudantes que não estejam atrelados ao PCdoB”.111

Ademais, a mídia também se valeu da tentativa de descredibilizar os protestos juvenis


através da divulgação de que o Movimento Estudantil, em especial a UNE, havia tornando-se
uma entidade exclusivamente partidária, cujas siglas políticas tencionavam-se para controlá-
la112. Em específico, são pontuadas críticas aos dois partidos majoritários que compunham a
Diretoria da entidade, isto é, o PCdoB e o PT, apontados pelo jornalismo como partidos
alienadores dos jovens. Para os principais veículos de comunicação, essas siglas utilizavam os
estudantes para a formação da militância dos partidos, que lhes renderia extensa margem de
votos nas eleições federais, estaduais e municipais.
Para Andreza Barbosa (2002), a propósito, tomando por base as fontes jornalísticas para
a compreensão do Movimento Estudantil dos anos 1990, a partidarização do Movimento
Estudantil, ou melhor, da UNE, foi a responsável pelo que ela acredita ter ocorrido com o
mesmo, isto é, entrado em estado de desmobilização. Esta monografia, porém, defende a ideia
de que, primeiro, não houve desmobilização, na verdade, tomando por base Maria Júlia
Rodrigues (2021), houve uma mudança nos repertórios de ação. Se era observado, criticado e

111
RODRIGUES, Maria Júlia. Memória em movimento: repertórios de ação e experiências do tempo no
movimento estudantil do “fora Collor” às “jornadas de junho”. Dissertação em História, Universidade Federal
Fluminense, Niterói, p. 38, 2021.
112
Maria Júlia Rodrigues destaca que: “No que tange a análise dos editoriais do jornal O Globo, denotam duas
questões importantes. A primeira sobre a mudança na forma de noticiar as informações do movimento estudantil,
dando ênfase aos conflitos e principalmente tentando descredibilizar a UNE por conta da militância política em
organizações e partidos dos dirigentes da entidade” (Ibidem, p. 42)
51

objeto de produção de informações, tanto de militares — reunidos nos Serviços de Vigilância


—, quanto pelo debate público — emanada pela mídia —, era porque estava mobilizado e
engajado politicamente, num projeto contrário ao Neoliberalismo, modelo simpático às grandes
corporações do jornalismo e aos militares. Ademais, aqui entende-se que a organização da UNE
em torno de partidos políticos não implica compreendê-la como uma entidade homogênea e
aliciada por essas siglas, como defendem os periódicos, parte dos debates acadêmicos sobre o
tema e o Serviço de Informação, como se verá mais adiante. Todavia, antes de adentrar no
debate acerca dos Serviços de Informações, cabe destacar algumas das lutas políticas
protagonizadas pelo grupo, de modo que se possa enfatizar o que justificou o Movimento
Estudantil a ser observado, isto é, por ser contrário ao projeto da classe dirigente, e ser aguerrido
em prol de uma democracia abrangente e por serem simpáticos à esquerda. Além disso,
examinar as lutas políticas protagonizadas pela UNE serve para rechaçar as visões, apresentadas
anteriormente, que apresentam o Movimento Estudantil como desmobilizado e apático.

2.4. O Movimento Estudantil em ação

Como já comentado, as principais pautas políticas do Movimento Estudantil foram


almejando o fim do Regime antidemocrático postulado pelos militares apoiados por alguns
grupos sociais, como empresários, parte do jornalismo e grupos políticos de direita, reunidos
em torno da ARENA e do MDB. Já durante os anos 1990, com base em Maria Júlia Rodrigues
(2021), Jordana Santos (2018) e documentações reunidas no Arquivo Nacional, podemos
afirmar que as mobilizações e os repertórios de ação protagonizados, sobretudo, pela UNE,
eram contrárias às políticas Neoliberais de privatização da educação e de desertificação
social113. As principais ações foram: pela redução das mensalidades das instituições de ensino
privada, pelo passe livre e pela meia-entrada, em defesa do ensino noturno e da autogestão, pelo
Fora Collor, de rechaça ao Provão, as campanhas da Bienal e a Marcha para Brasília durante o
governo FHC.
Durante a década de 1990 essa pauta ganha novamente uma tônica singular, na qual os
estudantes se interessam por definir os rumos da educação do país e também pelas pautas
políticas-econômicas postas em práticas pelas lideranças políticas 114. Nesse sentido,
empenharam-se em campanhas de oposição às políticas públicas pautadas pelo Banco Mundial,

113
Conceito desenvolvido por Ricardo Antunes para demonstrar como o modelo neoliberal afetou negativamente
o Brasil, resultando em degradação social, política e econômica. (ANTUNES, Ricardo. A desertificação neoliberal
no Brasil:(Collor, FHC e Lula). Autores Associados, 2022.)
114
SANTOS, Jordana, 2018, p. 135.
52

que gestava, por exemplo, a “Teoria do Capital Humano (THC) da Escola de Chicago”, cujo
“(...) princípios básicos desta teoria — produtividade, eficiência, eficácia e qualidade — se
conjugavam com os princípios do modo de produção capitalista, dando uma conotação
produtivista à educação”, retirando o papel conjugado pelos grupos sociais 115. Ou seja, a
sociedade não mais gerida em atenção às necessidades sociais, mas, sim, aos ditames
corporativistas do mercado.
Nessas políticas gestadas, por exemplo, pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário
Internacional (FMI) estava a expansão das instituições de ensino privadas, julgadas como
garantidoras da eficiência educacional, ao menos conforme os moldes da Teoria do Capital
Humano. Essas instituições, pautadas no princípio de que o preço a ser pago para o seu acesso
está atrelado aos ditames do mercado, mantinham suas mensalidades a preços exorbitantes 116.
Em 13 de agosto de 1990, foi editada a MP 207, que tornava livre a negociação de reajuste das
mensalidades escolares, isto é, retirava do âmbito do Ministério da Educação a prerrogativa de
definir os preços. Ao longo de toda a década, tal questão esteve em debate, por vezes posta em
funcionamento sob outra MP, por vezes sendo revogada em decorrência dos protestos
organizados pelos estudantes. O tema, aliás, tornou-se central nas discussões da UNE,
responsável por organizar uma série de protestos pelas cidades:

Muitos foram os protestos de estudantes e pais de alunos que sofriam com o abuso nas
cobranças e pela falta de garantia em relação ao serviço prestado por estas instituições.
A UNE passou a lutar para que as escolas e faculdades privadas fossem regidas pelo
Código de Defesa do Consumidor e para que o aumento das mensalidades fosse
vinculado ao aumento dos salários, respeitando os índices de inflação. Também havia
a questão da fiscalização das instituições de ensino particulares, pois somente o governo
poderia cobrar resultados e impor condições para seu funcionamento117.

Protestar para que os valores das mensalidades obedecessem a um valor justo por
primeiro era uma forma de evitar a evasão escolar que, à época, não era pequena, uma vez que,
no geral, as mesmas não eram reguladas tomando por base o índice inflacionário do país, o qual
atingia números estratosféricos. Assim, cada vez mais se acentuava o caráter excludente da
educação superior, que se revelava ser somente para os mais ricos, o que, obviamente, não

115
Ibidem, p. 148.
116
Segundo Luiz Antônio Cunha, essas instituições sofreram vertiginosa expansão durante a Ditadura Militar a
partir de capitais auferidos do Estado, O autor destaca que pequenas instituições de ensino básico transformaram-
se em instituições de ensino superior (com qualidade duvidosa) a partir não apenas da injeção financeira do Estado,
mas também pelo incentivo através da medida que permitiu a reforma de instituições particulares de ensino em
locais que não havia a demanda da Educação pública, bem como através do princípio de não edificar uma
instituição de ensino público onde havia sobremaneira o atendimento da educação privada. (CUNHA, Luiz
Antônio. O legado da ditadura para a educação brasileira. Educação & Sociedade, v. 35, p. 365, 2014.)
117
SANTOS, Jordana, 2018, p. 148.
53

agradava os grupos reunidos na UNE. Além disso, lutar por essa questão era uma forma de
elucidar para a sociedade os problemas das políticas neoliberais, uma vez que “a sociedade não
se importava com a privatização do ensino superior, mas se incomodava com as consequências
que acarretava como a questão dos aumentos abusivos das mensalidades” 118.
A questão de implantação do ensino noturno, nas Universidade Públicas, também é uma
forte demanda do Movimento Estudantil não apenas entre 1989 e 1999, mas até hoje, uma vez
que ainda se discute a questão119. “A falta do ensino noturno nas universidades públicas
promovia evasão, os estudantes passavam a procurar as universidades privadas que ofereciam
esta modalidade”120. Portanto, podemos dizer que o tema estava relacionado a tornar a
Universidade Pública acessível a todos, tornando-a cada vez mais heterogênea, e não apenas
dos abastados, pois o ensino noturno era uma das poucas alternativas aos estudantes
trabalhadores121.
Outras questões fundamentais eram referentes ao passe-livre em todo o Brasil, isto é,
defesa de que estudantes pudessem se locomover sem o pagamento de passagem nos transportes
públicos, e a garantia de meia-entrada aos estudantes em espetáculos e intervenções culturais.
Cabe destacar que “estes grupos também propunham que a meia-entrada abarcasse as
populações de baixa renda, adotando um critério universal à proposta. Isto é, não apenas os
estudantes deveriam ter este direito, mas também os trabalhadores.” 122 Ao postular que esse
direito também recaísse sobre a população mais pobre, a UNE atraía simpatia ao movimento e
tornava a luta mais abrangente, o que nos leva a afirmar que, ao contrário do que era veiculado
pelos grandes veículos de comunicação e do que é defendido por parte da historiografia
pertinente ao tema, o Movimento Estudantil não era pautado pelo individualismo, mas atento
às causas sociais de âmbito nacional.

118
Ibidem, p. 147.
119
A NOVA DEMOCRACIA. Ocupação estudantil na UFF consegue todas as reivindicações — A Nova
Democracia. A Nova Democracia. Disponível em: <https://anovademocracia.com.br/rj-ocupacao-estudantil-na-
uff-consegue-todas-as-reivindicacoes/>. Acesso em: 3 nov. 2023.
120
SANTOS, Jordana, 2018, p. 153.
121
“A crise econômica — que obriga os estudantes a trabalhar para garantir seu sustento — e as consecutivas
greves de alunos, professores e funcionários estão fazendo com que a principal instituição pública de ensino
superior no estado, a Universidade Federal da Bahia (UFBA), deixe de ser a mais procurada. A maioria dos
estudantes está optando pelo ensino particular, disputando as vagas oferecidas pelas Universidade Católica de
Salvador (UNICSAL). (...) O coordenador do concurso da UCSAL, Geraldo Brito, acredita que isto se deve ao
fato de não ter havido uma greve sequer na Universidade e à existência de cursos em turno único, permitindo ao
aluno estudar e trabalhar tempo ao mesmo” (“UFBA perde estudantes para escola particular”. In: Jornal do Brasil,
primeiro caderno, p. 6, 19/01/1990. Disponível em http://bndigital.bn.gov.br/artigos/jornal-do-brasil/ apud
SANTOS, Jordana, 2018, p. 153)
122
Ibidem, p. 158.
54

As questões elencadas acima ocorreram, especialmente, na primeira metade da década


de 1990, enquanto a campanha contra o Provão, as campanhas da Bienal e a Marcha para
Brasília ocorreram a partir de 1995, ou seja, já durante o governo de FHC e durante a
estabilização do Plano Real. Antes, contudo, cabe destacar que durante o governo de Itamar
Franco (1992 – 1995) houve relativa desmobilização, ao menos ao nível nacional, do
Movimento Estudantil. Segundo Jordana Santos (2018), a principal razão foi porque o
executivo federal compreendeu a força mobilizadora do mesmo, enxergando-o como um
importante ator político pela queda de seu antecessor Fernando Collor, nesse sentido, o político
mineiro permitiu-se a estabelecer um diálogo mais profícuo com o Movimento estudantil,
atendendo com maior simpatia algumas de suas pautas, como a revogação dos artifícios legais
que permitiam o aumento das mensalidades. Outra demanda atendida “foi a devolução, depois
de 14 anos de reivindicação, do terreno na Praia do Flamengo onde funcionou, até a véspera do
golpe entidade militar de 64, a sede histórica da entidade.”123 Nesse sentido, podemos dizer que
seus objetivos nacionais foram conquistados, o que permitia ao Movimento maior atenção às
dinâmicas internas da entidade.
Retomando a discussão acerca das mobilizações da UNE durante o governo de Fernando
Henrique Cardoso, grande simpatizante das políticas de orientação neoliberal, que, baseado na
Teoria do Capital Humano, instituiu o Provão. Por meio da medida provisória de Nº 938/95124
depois convertida na Lei Federal Nº 9131/95 125, o governo Federal instituiu o exame nacional
de avaliação da qualidade dos cursos superiores, popularmente conhecido como Provão. A
partir dessa avaliação, aplicada em 1996, as instituições públicas recebiam indicadores e eram
hanckeadas de acordo com a avaliação, em decorrência disso, houve mobilização estudantil
contrária a esse modelo avaliativo, uma vez que “o ‘provão’ cumpriu o papel de mostrar para a
sociedade uma falsa atuação do governo na esfera do ensino superior, que se deu não pela
garantia da qualidade, mas sim, pela conivência com a ausência dela.”126 Um dos repertórios

123
Ibidem, p. 154.
124
BRASIL, Medida Provisória Nº 938, de 16 de março de 1995. Altera dispositivos da Lei nº 4.024, de 20 de
dezembro de 1961, e da Lei nº 5.540, de 28 de novembro de 1968, e dá outras providências. Disponível em:
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/medpro/1995/medidaprovisoria-938-16-marco-1995-373147-norma-
pe.html. Acesso em 27 de nov. de 2023.
125
BRASIL, Lei Nº 9.131, de 24 de novembro de 1995. Altera dispositivos da lei nº 4.024, de 20 de dezembro de
1961, e dá outras providências. Disponível em:
https://abmes.org.br/legislacoes/detalhe/942#:~:text=Disp%C3%B5e%20sobre%20os%20procedimentos%20par
a,24%20de%20novembro%20de%201995.. Acesso em 27 de nov. de 2023.
126
DE PAULA, Benjamin Xavier; MINTO, César Augusto. Do PAIUB ao PROVÃO: avaliação institucional do
ensino superior no Brasil. Resumo de projeto de pesquisa. Disponível em:
<https://www.sbpcnet.org.br/livro/57ra/programas/senior/RESUMOS/resumo_620.html>. Acesso em: 23 nov.
2023.
55

de ação utilizados pelo Movimento Estudantil, segundo Maria Júlia Rodrigues (2021), foi o de
promover o boicote das provas, de modo que isso atrapalhasse os critérios avaliativos 127.

Além das campanhas, nesse recorte temporal, a UNE também promoveu marchas e
caravanas à Brasília, em conjunto com os movimentos sociais, contra as políticas
neoliberais de FHC em 1999. As marchas carregam em si o sentido da organização, da
militância, do caráter revolucionário, assim como a Marcha dos Cem Mil, em 1968.
Além das marchas, as caravanas à Brasília têm como objetivo não só fim do protesto e
da manifestação, mas também um sentido peculiar: podemos refletir que a caravana é
uma forma de ação que é impulsionada com a mudança da capital do país para Brasília.
É possível compreender que o sentido dessa ação está atrelado ao deslocamento do
centro do poder para o centro-oeste do país: o comboio de veículos que viajam dias nas
estradas é uma boa analogia para exemplificar a viagem em ônibus dos estudantes rumo
à capital do Brasil.
Por fim, outra nova forma de ação que é possível identificar e que foi construída no
repertório estudantil ao longo da década de 1990 são as Bienais de Arte, Ciência e
Cultura da UNE. A primeira Bienal da UNE aconteceu na cidade de Salvador (BA), em
1999, ano que marcou o vigésimo aniversário de reconstrução da UNE na capital
baiana. A ideia da entidade era retomar seu papel de referência no cenário cultural
brasileiro: o evento reuniu cerca de 5 mil estudantes, além de diversas personalidades
do mundo acadêmico, científico e artístico128.

127
RODRIGUES, Maria Júlia, p. 49, 2021.
128
Ibidem, p. 49-50.
56

CAPÍTULO 3 - OS ESTUDANTES PELA VIGILÂNCIA

O último capítulo desta monografia explora as persistências de práticas ditatoriais na


Nova República por meio dos órgãos de Vigilância e Coleta de Informações, remanescentes da
Ditadura Militar. O foco também está na análise das expectativas políticas-econômicas desses
serviços durante o período democrático, incluindo suas poucas, ou quase nenhuma,
transformações devido a não discussão da questão, isto é, a não preocupação dos presidentes
eleitos de adequar os órgãos à legalidade. O texto inicia com discussões conceituais sobre
“Informação” e “Inteligência” para compreender as atividades desses órgãos. Um histórico da
atividade de inteligência e coleta de informações no Brasil, fundamentada na Doutrina de
Segurança Nacional, é apresentado. O capítulo conclui analisando relatórios desses órgãos,
oferecendo insights sobre eventos políticos e econômicos, além de destacar a representação do
Movimento Estudantil, também abordada no capítulo anterior. O objetivo é enfatizar como
esses serviços observavam e interpretavam o Movimento Estudantil, refletindo suas conclusões
ao longo do período de 1989 a 1999

3.1. Informação e Inteligência: conceitos e processos

A Cientista Social e Historiadora Priscila Carlos Brandão é uma das pioneiras no estudo
sobre as Agências de Inteligência e Coleta de Informação no período pós-Ditadura Militar,
mostrando continuidades e rupturas com o período anterior (1964 – 1985) no que concerne às
atividades desempenhadas pelas mesmas. Em sua tese de doutorado129, a fim de que pudesse
analisar essas Agências, a pesquisadora nos apresenta as interpretações acerca do conceito de
Inteligência. Uma delas é extremamente abrangente, por compreender Inteligência como toda
informação coletada, organizada ou analisada para atender as demandas de um tomador de
decisões qualquer. A outra, da qual é vista pela autora como mais apropriada para o
entendimento dos Serviços de Inteligência e Coleta de Informações (SICIs), a compreende
enquanto coleta de informações sem o consentimento, a cooperação ou mesmo o conhecimento
por parte dos investigados. Desse modo, nessa acepção inteligência é atrelada a ideia de segredo
ou informação secreta.

129
BRANDÃO, Priscila Carlos. Serviços de inteligência no cone sul: um estudo comparado sobre o legado das
transições para a democracia na Argentina, no Brasil e no Chile, 2005. Tese (Doutorado em Ciências Sociais).
UNICAMP, Campinas, 2005.
57

De fato, esse entendimento é fundamental para a compreensão das fontes dos SICIs,
uma vez notar-se, claramente, que as informações dispostas nelas foram produzidas e/ou obtidas
sem o consentimento do Movimento Estudantil, anulando qualquer margem de defesa acerca
do que é exposto e das conclusões tomadas pelos agentes. Nesse sentido, Marco Cepik (2003)
nos apresenta a questão da seguinte maneira: “as informações mais relevantes são
potencialmente manipuladas ou escondidas, em que há um esforço organizado por parte de um
adversário para desinformar, tornar turvo o entendimento e negar conhecimento.”130 Portanto,
o primeiro aspecto a ser considerado sobre “Como eles observavam: a Vigilância e a produção
de informações sobre o Movimento Estudantil no Brasil (1989 – 1999)” é que tal observação e
a coleta de informações ocorriam sobre o sigilo, a fim de causar não o entendimento do alvo da
ação, mas certezas sobre a sua atuação política, neste caso, de que o Movimento Estudantil, ao
levantar-se contrário às políticas Neoliberais postuladas a partir de 1989, planejava um golpe
comunista, o que levava a necessidade de mais investigação, consequentemente, mais segredo,
e a tomada de alguma decisão, seja lá qual fosse.
Segundo Priscila Brandão (2002), o debate em torno do significado de Informação e
Inteligência para os Serviços Secretos que delas são decorrentes do abandono da discussão
sobre ideia de “Inteligência” nas esferas de decisão do país e, também, no debate acadêmico,
em boa parte em decorrência da forma como esses Órgãos, por exemplo, o SNI e o CIE, foram
utilizados durante a Ditadura Militar. Para a pesquisadora, isso produziu uma resistência em
abordar o tema, o que dificultou o ordenamento dessas atividades, que encontraram, nos anos
1990, um cenário ainda favorável para a realização de espionagem de caráter duvidoso e para
perseguição política de grupos julgados como inimigos, do qual será analisado mais adiante.

Se na área acadêmica a produção e discussão sobre a atividade de inteligência é escassa,


no debate político não é diferente. Salvo um seminário realizado em 1994 pelo
Congresso Nacional em conjunto com algumas universidades, inclusive americanas, e
a audiência pública promovida em 21 de maio de 1996 pela Comissão de Defesa
Nacional, a discussão atual é superficial e vaga. Existe no país, por conta da última
experiência autoritária, uma resistência a discussões que abordem aspectos relativos à
atividade de inteligência e à segurança nacional.131

Quanto ao conceito de inteligência empregado nos SICIs, baseando em Jennifer Sims 132,
Priscila Brandão (2005) destaca que, se a Informação é compreendida através da relação
estabelecida com a coleta das mesmas, Inteligência seria o armazenamento, o processamento e

130
CEPIK, Marco. Espionagem e democracia. FGV Editora, p. 29, 2003.
131
BRANDÃO, Priscila Carlos. SNI & ABIN: uma leitura da atuação dos serviços secretos brasileiros ao longo
do século XX. p. 24, 2005.
132
SIMS. Jennifer. What is intelligence? Information for decision makers. In: GODSON, Roy (ed.). U.S.
intelligence at the crossroads agendas for reform. New York: Brassey's, 1995.
58

a análise do material recolhido. Ao longo da década de 1990, a Atividade de Inteligência operou


no sentido de criminalização do Movimento Estudantil, vistos como inimigos nacionais.
Todavia, é importante enfatizar que esse modus operandi não surgiu do acaso, é fruto de um
histórico surgido na primeira metade do século XX, ganhando novos contornos a partir de 1964,
quando foi criado o SNI. Nesse sentido, é válido discorrer sobre o histórico dos Serviços de
Inteligência e Coleta de Informação no Brasil.

3.2. Os Serviços de Inteligência e Coleta de Informação

O Serviço Nacional de Informações (SNI) foi criado logo após o golpe civil-militar de
1964, em 13 de junho de 1964, pela Lei nº 4.341. O órgão tinha como atribuição articular e
coordenar, em todo o território nacional, as atividades de informação e contrainformação que
interessavam à segurança nacional, sendo um órgão ligado à Presidência da República, com o
seu comandante exercendo as prerrogativas de Ministro de Estado. Ao SNI cabia, entre outras
competências, estabelecer a ligação com as outras agências, com órgãos cooperadores;
processar informes, informações e difundi-los; planejar e implementar os planos de informação
e de contrainformação; acionar seus órgãos de busca; instruir e treinar pessoal; arquivar a
documentação de modo a permitir consulta rápida e manter seus fichários atualizados.
No entanto, o SNI tem sua origem anterior ao golpe. Na década de 1920, no mandato
de Washington Luís, foi criado o Conselho de Defesa Nacional (CDN), cuja principal função
era coordenar as informações “relativas à Defesa da Pátria”. Além do Presidente da República,
o Conselho também era composto pelos ministros da Guerra, da Marinha, da Fazenda, da
Viação e Obras Públicas, da Agricultura, da Indústria e do Comércio, Justiça e Negócios
Interiores, e das Relações Exteriores, e pelos chefes dos estados-maiores do Exército e da
Armada133. Ao final da Segunda Guerra Mundial, foi criado o Serviço Federal de Informação e
Contrainformação (SFICI), efetivado no Governo de Juscelino Kubitschek134.
Logo após o golpe, em junho de 1964, o SFICI deu lugar ao SNI, este último
incorporando toda a estrutura pré-existente do primeiro. O objetivo era ampliar a atividade de

133
BRASIL, Decreto nº 17.999, de 29 de novembro de 1927. Disponível em:
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/19201929/decreto1799929novembro1927503528publicacaooriginal
-1-pe.html
134
Segundo Priscila Brandão, “Mesmo no governo democrático de Juscelino Kubitschek havia uma grande
preocupação com os movimentos considerados de esquerda. Cabia à Subseção de Segurança Interna/SSI do SFICI
pesquisar e informar sobre possibilidades de ocorrências subversivas de qualquer natureza; acompanhar a dinâmica
dos partidos políticos; elaborar estudos sobre as suas tendências e influências em relação à Política Nacional, além
de realizar o levantamento e manter em dia a análise sobre a situação das principais organizações sociais de classe.”
(BRANDÃO, p. 180, 2005)
59

vigilância para auxiliar na tomada de decisões dos altos níveis do “governo Revolucionário”,
como se intitulavam, que tinha urgência de um sistema de informações mais robusto e
diretamente ligado ao Executivo Federal.

A centralidade da informação para ditadura civil-militar ficou evidente na imediata


elaboração do projeto de lei que propusera a criação do SNI, apresentado em maio de
1964 ao Congresso Nacional. O projeto, aprovado e sancionado, estabeleceu um órgão
grandioso, com amplos recursos e autonomia. Em pouco tempo, o SNI se ramificou e
constituiu uma rede nacional de coleta, análise e difusão de informações nas mais
diversas esferas do Estado, tornando-se fonte confiável para os presidentes-ditadores.
Mais do que difusão de informação, o estabelecimento do SNI era o ponto de partida
de um amplo projeto de controle social e repressão, instituído e pensado pelos militares
a partir de 1964. A ditadura civil-militar estabeleceu um processo de perseguição e
combate a opositores políticos, especialmente por meio do uso da violência, que se
intensificou a partir dos anos de 1967/68 com a construção de um forte aparato de
repressão e informação, caracterizando mais um capítulo da violenta história do
Brasil.135

Em 1970, com a criação do Sistema Nacional de Informações (SISNI), que concatenava


a atividade de Inteligência e coleta de Informação do país, o SNI se tornou o eixo central de
toda a estrutura de Inteligência e coleta de Informações da Ditadura Militar, recolhendo e
distribuindo documentos de informação entre as diversas esferas e órgãos engajados na
repressão. Cabe destacar que o aparato repressivo dos militares e de seus colaboradores civis
era complementado por outros Órgãos de informações que, ou foram criados a partir do golpe
de Estado, em 1964, ou sofreram mutações, como o Centro de Inteligência do Exército (CIE),
Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica (CISA), Centro de Informações da
Marinha (CENIMAR), Centro de Informações do Exterior (CIEX), assim como algumas
estruturas que fundamentavam o SNI e esses Órgãos, como a Escola Nacional de Informações
(ESNI).
A esta, por sua vez, cabia formar o quadro de funcionários responsáveis pela atividade
de Vigilância e Coleta de Informação136, tendo por base a Doutrina de Segurança Nacional
(DSN). A ESNI é derivada da Escola Superior de Guerra (ESG), cujo objetivo era tornar mais
operacional e prática a atividade da Inteligência e Vigilância, segundo Samantha Quadrat 137.

135
SILVA, Leonardo Fetter, Sob suspeita e vigilância: o monitoramento dos grupos e ações de defesa dos direitos
humanos pelos órgãos de informação da ditadura civil-militar (1969 – 1984), p. 23, 2023.
136
“São estimados que até 1990, quando a escola foi extinta, ela tenha formado dois mil agentes” ISHAQ, Viven;
FRANCO, Pablo E.; SOUSA, Tereza E. A escrita da repressão e da subversão (1964-1985). Rio de Janeiro:
Arquivo Nacional, 2012.).
137
“De certa forma, há um consenso entre militares e especialistas de que a principal diferença entre os cursos
ministrados pela ESG e pela ESNI reside justamente na questão do aspecto prático. A ESG era considerada
bastante teórica num momento em que o enfrentamento com os opositores ao governo tornou-se ainda mais
acirrado.” (QUADRAT, Samantha Viz. A preparação dos agentes de informação e a ditadura civil-militar no Brasil
(1964 – 1985). Varia Historia, p. 31 – 32, 2012. in SILVA, Leonardo Fetter, 2023, p. 58)
60

Em 1949 foi criada a ESG como a instituição latino-americana que se destacou na reelaboração
e desenvolvimento da DSN assimilada dos norte-americanos138. Contudo, cabe comentar que
os estadunidenses não foram os únicos a trabalharem com a DSN, ela surge inicialmente na
França, em 1954, especificamente no contexto da Guerra da Indochina139. Basicamente, a DSN
postulava a ideia de “inimigo interno” a ser acompanhado a fim de que seja combatido e
eliminado.

O que deveria ser combatido não era mais um exército com outra bandeira ou outra
farda, mas sim uma ideia. A mudança na concepção de inimigo também acabou gerando
a percepção da necessidade de novas estratégias de combate. Com isso, as Forças
Armadas dos países que adotaram a doutrina da segurança nacional passaram a intervir
cada vez mais na vida política e a fazer altos investimentos na área de informação e
segurança interna.140

É neste parâmetro ideológico que se fundamentou o SNI, responsável por acompanhar


os grupos vistos como subversivos, ou melhor, como inimigos, para que pudessem ser
combatidos e “eliminados” do país. Conforme destacado por Leonardo Fetter Silva (2023),
entre 1968 e 1974, a atividade de Inteligência e coleta de Informações foi acompanhada da
intervenção dos órgãos repressivos junto aos grupos investigados, que poderia acarretar prisões
e torturas. O exemplo emblemático dessas ações conjuntas, certamente, é o combate à Guerrilha
do Araguaia que coadunou vigilância e ação de combate, resultando no extermínio desse
movimento guerrilheiro em 1974. Como destacado no primeiro capítulo, com base em Kinzo
(2001), a partir de 1974, iniciou-se a primeira fase da redemocratização, conduzida por Geisel
no projeto de “Transição lenta, gradual e segura”, acarretando diminuição da repressão por meio
dos operacionalizadores da tortura. Todavia, houve o aumento da atividade de vigilância 141,
cujo objetivo foi “assegurar que os rumos da distensão não sairiam do controle, assim, evitando
o que se denominava como radicalismos da oposição civil e de setores da corporação militar,
claramente insatisfeitos com o processo de abertura” democrática142

138
Segundo Leonardo Fetter Silva “Um importante instrumento para a elaboração e difusão da DSN foi a National
War College, vinculada ao Pentágono, fundada com o objetivo de criar uma doutrina própria para estudar e
aperfeiçoar a política externa norte-americana no contexto da Guerra Fria, em uma perspectiva de segurança
coletiva. Também foi instituído em Washington (EUA) o Colégio Interamericano de Defesa, em 1962, ligado à
Junta Interamericana de Defesa, com o objetivo de transmitir para oficiais latino-americanos a estratégia elaborada
pelo Pentágono.” (SILVA, p. 28, 2023)
139
Segundo Leonardo Fetter Silva (2023), os EUA só passaram a desenvolver e difundir a Doutrina de Segurança
Nacional após 1959, quando Cuba tornou-se um Estado pautado pelas ideias socialistas. (SILVA, p. 28, 2023)
140
QUADRAT, p. 21, 2012.
141
O autor destaca, em sua tese, que foi o período em que mais se produziram relatórios de vigilância.
142
SILVA, p. 69 – 70, 2023
61

Leonardo Fetter Silva (2023) utiliza Carlos Fico, especificamente o seu artigo “Versões
e controvérsias sobre 1964 e a ditadura militar”143, de 2004, e o seu capítulo “Espionagem,
polícia política, censura e propaganda: os pilares básicos da repressão”144, de 2019, para analisar
a questão, no qual os três trabalhos mostram-se importantes para as reflexões desta monografia:

Para Carlos Fico (2019), a permanência e forte atuação do SNI no governo Figueiredo
– mesmo que a desmontagem da estrutura repressiva fosse um dos objetivos do projeto
de abertura de Geisel – pode ser compreendida por meio da “utopia autoritária”.
Conforme apresenta o historiador, os pilares básicos da repressão – que incluíam a
espionagem, polícia política, censura da imprensa, censura das diversões públicas,
propaganda política e julgamento sumário dos supostos corruptos –, permitem
compreender que, desde 1964, gestou-se um projeto repressivo fundamentado na utopia
autoritária pela ditadura civil-militar (FICO, 2004), que foi reafirmado em 1968, com
o AI-5. Nessa perspectiva da utopia autoritária, os militares e civis tinham a percepção
de que “era possível resolver os problemas do Brasil (ou torná-lo desenvolvido, uma
grande potência) por meio da eliminação de alguns obstáculos e do adequado
adestramento da população” (FICO, 2019, p. 170), ou seja, “seria possível eliminar o
comunismo, a ‘subversão’, a corrupção etc. que impediriam a caminhada do Brasil
rumo ao seu destino de ‘país do futuro” (FICO, 2004, p. 34)

É a partir disso que se estruturam os Serviços de Inteligência e Coleta de Informação


durante a década de 1990 que, como destacado mais acima a partir das reflexões propostas por
Priscilla Antunes Brandão (2005), sofreram pouca ou nenhuma alteração. José Sarney, oriundo
dos quadros políticos da Ditadura Militar, não moveu sequer uma ação para tentar regulamentar
o SNI, segundo Samuel Soares (2006)145. O governo seguinte, por outro lado, desde antes de
tomar posse, em 1989, já rivalizava publicamente com o SNI 146, prometendo, inclusive, a
extinção do mesmo, o qual era julgado como incompatível para a democracia. De fato, o
“caçador de marajá” cumpriu sua promessa, extinguindo o SNI em 1990, assim como a
Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), que, com sua queda em 1992, foi retomada por
Itamar Franco. Este último, no que concerne essa Secretaria, “Reformulou a SAE, elevou seu
secretário à categoria de ministro e criou dentro de seus quadros a Subsecretaria de

143
FICO, Carlos. Versões e controvérsias sobre 1964 e a ditadura militar. Revista Brasileira de História, São
Paulo, v. 24, n. 47, p. 29 – 60, 2004.
144
Idem. Espionagem, polícia política, censura e propaganda: os pilares básicos da repressão. In: FERREIRA,
Jorge; DELGADO, Lucília de Almeida Neves (orgs.). O tempo do regime autoritário: ditadura militar e
redemocratização: Quarta República (1964 – 1985) (9 ed.). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2019. (Coleção
O Brasil Republicano, 4).
145
SOARES, Samuel Alves. Controles e autonomia: as Forças Armadas e o sistema político brasileiro, 1974 –
1999. UNESP, 2006.
146
Em uma das ocasiões, em 1987, Collor estampou as páginas dos principais periódicos do país trocando
acusações e xingamentos contra o SNI. “No JB (Jornal do Brasil), a foto de Collor acenando para as arquibancadas
da Sapucaí é acompanhada de uma reportagem: ‘SNI espiona Collor e o compara a Al Capone e Goebbels’. O
governador pediu uma audiência com o ministro-chefe do SNI e chamou toda a imprensa para registrar. Não foi
atendido pelo general Ivan de Souza Mendes. Irritado, chamou-o de ‘generaleco’ e o SNI de ‘falido’. Mas Collor
conseguiu seu objetivo, ‘estaria na imprensa outra vez. Construindo a imagem de um político corajoso, impaciente
com as tramoias do poder, com passado limpo, sem nada a ocultar’” (GUILHERME, p. 317, 2019.)
62

Inteligência/SSI. Ficaram subordinados à SSI o Departamento de Inteligência e o Centro


Federal de Aperfeiçoamento de Recursos Humanos/CEFARH” 147. Apesar disso, Priscila
Brandão Antunes destaca que imperava um abandono quanto à questão dos Serviços de
Inteligência e Coleta de Informação por parte do Executivo Federal, que podia atuar como lhe
fosse conveniente. Passado o governo do político mineiro, em 1995 FHC instituiu a
Subsecretaria de Inteligência que, segundo Priscila Carlos Brandão (2005), contou com maior
atenção do governo Federal. A estrutura de inteligência da década de 1990 ficou da seguinte
forma:
Imagem 1: Estrutura dos SICIs na década de 1990

Fonte: Agência Brasileira de Inteligência148

Se na primeira fase da redemocratização houve a redução da perseguição, enquanto


houve o aumento da vigilância justificada pela tentativa de controlar os rumos da transição, a
partir de 1989, pautando-me em Maria Júlia Rodrigues (2021), Jussara Oliveira (2014) e
Priscila Antunes Brandão (2002), afirmo que os SICIs permaneceram atuantes sob a
justificativa de que esses grupos ameaçavam a ordem democrática. Para os agentes desses
Serviços, fundamentados na DSN, os grupos por eles observados, como o Movimento
Estudantil, postulavam um golpe comunista que derrubaria as instituições democráticas do país.

147
BRANDÃO, Priscila Carlos, p. 180, 2005.
148
Histórico. Agência Brasileira de Inteligência. Disponível em: <https://www.gov.br/abin/pt-
br/institucional/hist>. Acesso em: 1 dez. 2023.
63

O interessante a ser notado é que, na verdade, o Movimento Estudantil, o qual tornou-


se um alvo central dos agentes, na verdade estavam apenas lutando contra as políticas
Neoliberais, conforme postulado por Maria Júlia Rodrigues (2021) e Jussara Santos (2014). É
claro, como destacado no capítulo anterior, os grupos que compunham o Movimento Estudantil,
ou melhor, a UNE, eram simpáticos à esquerda, mas a compreensão disso para os agentes da
vigilância não era a de um grupo desejoso por erradicar as desigualdades sociais provocadas
pelas contradições do Capitalismo, e, sim, a de um grupo Comunista golpista. Podemos afirmar
que a concepção do Comunismo para os SICIs, instruídos pela Doutrina de Segurança Nacional,
era de algo “elástico”, “pegajoso”, “contaminável” e “perigoso”, isto é, “uma coisa” variável a
depender de quem se julga como inimigo que, indissociavelmente, portaria consigo tal “coisa”,
desse modo, devia ser combatido e eliminado, para que não se “espalhasse” e “contaminasse”
o restante da sociedade.
Essa acepção acima também pode ser verificada na Tese de Doutorado de Priscilla
Antunes Brandão (2002), em que no capítulo três ela analisa o funcionamento dos SICIs
brasileiro entre 1990 e 1999. A historiadora destaca que as orientações desses Serviços,
inclusive os de posse das Forças Armadas, como o CIE, permaneceram com o foco no combate
dos “inimigos internos”. É pertinente ressaltar que ainda é destacado na Tese que o
direcionamento das análises e produção de relatórios dirigiu-se para alguns grupos sociais
específicos, como o Movimento dos Sem Terra (MST) e a UNE.

(...) apesar de possuir o seu próprio Departamento de Inteligência Estratégica, a atuação


dos serviços de inteligência nas forças armadas mostram indícios de que as prioridades
dessas agências continuam a ser estabelecidas pelos responsáveis de cada força e que
continuam, de alguma forma, direcionadas à identificação de um inimigo “interno.” É
claro que não há mais a busca e apreensão de elementos considerados subversivos, mas
a busca de informações e a vigilância de organismos de oposição legalmente instituídos
ainda é evidente. 149

3.2. Acesso e pesquisa: um parecer das fontes dos SICIs

Ao longo de seus anos de atuação, os Órgãos de Inteligência e Coleta de Informação


tiveram atuação muito intensa, sendo responsável pela produção de uma gama volumosa de
papéis. Essas documentações chegaram ao Arquivo Nacional somente no período democrático,
especificamente em 2005, durante o primeiro governo Lula.

(...) no conjunto do acervo do SNI, encontram-se 3.757 dossiês produzidos pelo Centro
de Informações do Exército — CIE, 311 pelo Centro de Informações e Segurança da
Aeronáutica — CISA e 220 pelo Centro de Informações da Marinha — CENIMAR. A
documentação recolhida se refere ao período de 1964 a 1990, contendo mais de 220.000

149
BRANDÃO, Priscila Carlos, p. 183, 2002
64

microfichas, podendo atingir mais de 10 milhões de páginas de texto. Juntamente com


o acervo do SNI, foi entregue também o Cadastro Nacional (CADA), base de dados
criada pelo SNI, contendo 308 mil prontuários com dados de identificação e
qualificação de cidadãos brasileiros e estrangeiros, empresas privadas e instituições.150

O meu acesso a essas fontes se deu a partir de um projeto de Iniciação Científica (IC)
realizado entre 2021 e 2022, sob financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado
do Rio de Janeiro (FAPERJ) e sob orientação da professora Angélica Muller. O objetivo da
pesquisa era compreender como o Movimento Estudantil era observado pelos Serviços de
Inteligência e Coleta de Informações durante a Ditadura Militar. Dentre outros, empreendi a
tarefa de buscar no portal do Sistema de Informações do Arquivo Nacional (SIAN), fontes sobre
vigilância ao Movimento Estudantil, tendo por orientação de busca os Congressos da UNE.
Após algumas buscas de maneira aleatória, as mesmas foram realizadas da seguinte
forma: respectiva numeração do congresso em números cardinais e/ou romanos seguida de
“Congresso da UNE” ou “Congresso da União Nacional dos Estudantes”, exemplo: “39
Congresso da UNE” ou “XXXIX Congresso da União Nacional dos Estudantes”. Cabe destacar
que as buscas foram realizadas em ordem cronológica, isto é, começando do Congresso mais
antigo ao mais novo, por exemplo, iniciando com o 28º Congresso, num primeiro momento,
seguido da busca pelas documentações do 29º Congresso. Além disso, é imprescindível destacar
que boa parte desse trabalho de encontro das fontes foi realizado pela bolsista anterior a mim
nessa IC, mais especificamente, a Laís Nóbrega Gabetto de Sá. Coube-me mais a localização
de algumas poucas outras fontes e, sobretudo, a elaboração de relatórios acerca do conteúdo
dessas fontes elaboradas pelos agentes dos Serviços de Inteligência e coleta de Informações.
Desse modo, com o passar do tempo, os documentos foram encontrados de maneira
simples, uma vez que a metodologia adotada se mostrou eficiente. Ao longo da pesquisa, foram
localizadas mais de 175 fontes documentais sobre o tema, compreendidas entre 1965 e 1999,
extrapolando até mesmo a delimitação temporal inicialmente proposta para a pesquisa, que
findaria em 1985, com o fim da Ditadura Militar. A tabela abaixo ilustra a quantidade de
documentos recolhidos consoante os anos do recorte temporal desta monografia.

150
ISHAQ, Viven; FRANCO, Pablo E. Os Acervos dos Órgãos Federais de Segurança e Informações do Regime
Militar no Arquivo Nacional. Acervo, Rio de Janeiro, v. 21, n. 2, p. 30, jul./dez. 2008.
65

Gráfico 3 – Quantidade de documentos por ano do corpus documental

Fonte: Sistema de Informação do Arquivo Nacional. O autor (2023).

Para além de quantidade de documentos, visivelmente um número maior produzido em


1999 e 1991, respectivamente, há de se considerar a quantidade de páginas produzidas em cada
ano por revelar a dimensão de “Como eles observavam: a vigilância e a produção de
Informações sobre o Movimento Estudantil no Brasil (1989 – 1999)”. Apesar de 1999 dispor
de mais relatórios, tratam-se de documentos pequenos, por vezes, uma página com uma curta
informação disposta em poucas linhas, enquanto 1989, por exemplo, os três documentos são
vastos e robustos, dispostos em cerca de 100 páginas. Ademais, é pertinente ressaltar que a
maioria da documentação teve como origem a Agência Central dos órgãos de informação, sendo
dirigida para a Secretária da Presidência da República. Por fim, cabe ainda destacar que as
fontes disponíveis no SIAN se encontram bem preservadas para análise, o que demonstra que
tais informações foram bem guardadas pelos SICIs até serem entregues ao Arquivo Nacional.

3.2.1. Uma leitura de fontes: Como eles observavam?

Em geral, as análises dos agentes centram-se nos Congressos da UNE, conhecidos como
CONUNE, mas, também, há análises sobre correntes/tendências que formavam a entidade, no
qual são destacados os princípios básicos desses grupos. Nos relatórios é possível encontrar, na
forma de anexo, os documentos, como panfletos, produzidos pelo próprio Movimento
Estudantil, de modo que servem para ratificar a visão do agente responsável pela análise das
informações coletadas. Além disso, há uma preocupação na identificação dos militantes
presentes nos eventos observados, seja nominalmente, com a descrição da tendência/grupo ao
66

qual a pessoa é associada, ou até mesmo por meio de fotografias151 realizadas dos mesmos.
Tomando por base Carlos Fico (2019), Leonardo Petter (2023) aponta que o levantamento de
dados biográficos era algo trivial dos Serviços de Inteligência e Coleta de Informações, cujo
objetivo era a demarcação do perfil ideológico da pessoa. Isso permitia que, em caso de
necessidade, tais questões pudessem ser utilizadas contra essas pessoas, por exemplo, Carlos
Fico (2019) aponta que, durante a Ditadura Militar, não foram poucas as pessoas impedidas de
tomar posse em cargos públicos por conta do material produzido pelos SICIs.
Não foi possível verificar se, durante a década de 1990, as pessoas apontadas nesses
relatórios tiveram suas vidas pessoais afetadas, assim como as apontadas durante a Ditadura
Militar. Contudo, considerando que houve pouca transformação na atividade de vigilância do
país, conforme apontado por Priscila Antunes Brandão (2002 e 2005), e comparando os
relatórios produzidos nesse período com os elaborados entre 1964 e 1985, se questiona se de
fato não ocorreu algum tipo de interferência na vida dessas pessoas. Tudo indica que torturadas
não foram, como aponta Leonardo Fetter (2023), essas práticas foram abandonadas pelos SICIs,
focando-se mais na produção de informações a partir de 1974, mas ainda não há total precisão
do impacto da coleta e da produção dessas Informações na vida dos alvos.
Ainda sobre o levantamento biográfico realizado por esses agentes, é pertinente destacar
que, nitidamente, é possível afirmar que eles almejavam a “inculpação” dos militantes, ou de
pessoas que com ele tiveram contato, através da “suspeição”, algo realizado sobremaneira anos
antes pelo SNI152. Por exemplo, em relatórios produzidos em 1999 153, durante o 46º Congresso
da UNE, é pontuado que os estudantes homenagearam Che Guevara, um dos líderes da
Revolução Cubana, em 1959, que instituiu o Comunismo no país. Isso também é possível de
ser verificado em um dos relatórios produzido pela Agência Central da Secretaria de
Inteligência (SI), em 1994, ao descreverem o 43º CONUNE, 154 os agentes destacam alguns
estrangeiros participantes do Congresso, enfatizando as organizações que participavam, como
a Organização Continental Latino-Americana e Caribenha de Estudantes (OCLAE), no qual é
feito grande destaque para o fato dessa organização ser sediada em Cuba. Ainda é apresentado,
no caso de um militante argentino, o local onde o mesmo hospedou-se.
As informações podiam ir além. Em relatório produzido em 1989, sobre as teses dos
estudantes da Tendência Partidária Democracia Socialista (TP/DS) para o 40º CONUNE, é

151
Vide anexos
152
Segundo Carlos Fico (2001),
153
ARQUIVO NACIONAL, BR_DFANBSB_H4_MIC_GNC_DIT_990081623_D0001DE0001
154
ARQUIVO NACIONAL, BR_DFANBSB_H4_MIC_GNC_DIT_940077180_D0001DE0001
67

apresentado não somente o nome e o local de residência dos militantes, mas também, o nome
dos pais de alguns deles, no documento há um campo a ser preenchido até mesmo com o
documento de identificação da pessoa155. Esses discursos redigidos pelos agentes num tom
alarmista, tinham por fim levantar suspeição sobre os presentes no evento, demonstrando como
poderiam, todos os presentes e pessoas a elas associadas, estarem associadas ao Comunismo
Cubano, portanto, devendo ser observados de perto.
A propósito, cabe comentar que Cuba se apresentava como uma grande ameaça para os
Serviços de Inteligência e Coleta de Informação, no qual tudo o que pudesse ser associado ao
país era digno de grande ênfase. Nesse sentido, em 1999, quando Fidel Castro, então presidente
Cubano, frequentou o país e participou do Congresso da UNE, todas suas ações foram
pormenorizadas descritas, até mesmo informações como a de que ele chegou ao Brasil “a bordo
do avião llyushin Soviético”156. Os documentos ainda fazem questão de ressaltar as lideranças
políticas que o receberam, como os políticos mineiros e o ex-presidente Itamar Franco,
certamente em uma clara tentativa de levantar uma suspeição sobre os mesmos, como se pode
observar abaixo:

O Prefeito CÉLIO DE CASTRO (PSB) comemorou a presença de FIDEL em BELO


HORIZONTE/MG. “Este evento caracteriza BELO HORIZONTE/MG como a cidade
da liberdade. A vinda de FIDEL aqui é um momento histórico. Uma visita que tem
muito mais importância pelo seu simbolismo do que, propriamente, pelo seu conteúdo.
É um momento que ficará marcado na história da cidade de MINAS GERAIS”,
analisou.
PAULINO CÍCERO, Secretário de MINAS E ENERGIA de MINAS GERAIS,
também elogiou a presença do líder Cubano em BELO HORIZONTE/MG e afirmou
que “a visita do presidente de CUBA, FIDEL CASTRO, a MINAS representa a
cristalização do estilo político do governador ITAMAR FRANCO que faz um Governo
marcadamente de oposição à política neoliberal do Presidente FERNANDO
HENRIQUE CARDOSO” Segundo PAULINO “Ninguém mais sofre no mundo de que
FIDEL os reflexos desta política. Aqui também ITAMAR enfrenta o embargo do
MINISTÉRIO DA FAZENDA”.157

Merece ser enfatizado acerca da vigilância entre 1989 e 1999” o grandioso esforço em
sobredimensionar a força daqueles tidos como inimigos, neste caso, os contaminados pelo
“elástico” comunismo. Com base em Leonardo Fetter (2023) e Carlos Fico (2001), podemos
concluir que isso é fruto de uma longa tradição dos Serviços de Inteligência e Coleta de
Informações que, de modo a ratificarem suas piores expectativas sobre o “inimigo”, destacavam
os minuciosos detalhes, tornando-se, por vezes, até mesmo cômicos, como pode ser visto no
exemplo acima.

155
ARQUIVO NACIONAL, BR_DFANBSB_H4_MIC_GNC_GGG_910018323_D0001DE0001
156
ARQUIVO NACIONAL, BR_DFANBSB_H4_MIC_GNC_DIT_990081624_D0001DE0001
157
Ibidem.
68

Quando se tem contato com o pensamento da comunidade de informações, a primeira


reação é o riso. A preocupação com a força do “inimigo” parece excessiva; o jargão
dos militares envolvidos empresta aos documentos um tom grandiloquente e tecnicista
de algum modo incompatível com a real dimensão do problema; o tratamento
ideológico é de tal forma precário, que soa o mais elementar “falseamento da
realidade”.158

Como comentado mais acima, em sua maioria trata-se de análise aos Congressos da
UNE, que eram acompanhados em seus pormenores, o que demonstra haver mais de um agente
infiltrado no evento, pois, por vezes, percebe-se que são descritos eventos ocorridos
simultaneamente em locais distintos. Outro aspecto a ser destacado diz respeito às conclusões
tomadas pelos agentes que, em teoria, seriam pertinentes apenas aos chefes das seções, mas, na
prática, inúmeros apontamentos e conclusões são feitos por agentes de baixo escalão159. Como
se verá mais adiante, as conclusões desses agentes eram de um Movimento Estudantil apático,
desmobilizado e cooptado pelos partidos políticos, como o PT e o PCdoB, que utilizavam o
mesmo de maneira alienatória para a conquista de seus objetivos na política nacional.
Porém, os chefes de seções também possuíam visão parcial e alarmista acerca do
Movimento Estudantil. Isso fica melhor exemplificado pelo relatório produzido pelo CIE, em
1991. Trata-se de uma coletânea de Relatórios de periodicidade mensal organizado pelo CIE,
mais especificamente do mês de junho, apresentando “aos Chefes, Diretores e Comandantes
uma síntese dos principais acontecimentos”. Em outras palavras, trata de temas vistos como
ameaçadores da ordem pública. Claramente, o Relatório Periódico Mensal é a expressão do
anticomunismo que marca as forças armadas, pois todas as temáticas abordadas têm por fim a
criminalização e desmoralização dos movimentos sociais e políticos ligados à esquerda, como
o MST e a UNE.
O relatório correspondente ao mês de junho de 1991, enquadra o Movimento Estudantil
no “Campo Psicossocial” apresentando algumas informações sobre o 41º Congresso da UNE,
que ocorrera entre os dias 30 de maio e 2 de junho de 1991, na cidade de Campinas (MG),
contando com a participação de, aproximadamente, 3,5 mil pessoas. Quem assina o documento
é o Chefe do CIE, General Luiz Antônio Rodrigues Mendes Ribeiro, que, após tecer duras
críticas à UNE, finaliza sua observação da seguinte forma:

Como conclusão, pode-se afirmar que nada mudou. O PC do B e o PT continuarão a


comandar os destinos dos universitários, através de estudantes comprometidos
ideologicamente e, utilizando o segmento estudantil brasileiro num consistente trabalho

158
SILVA, p. 55, 2023
159
Carlos Fico aponta que durante a atuação do SNI os agentes de “escalões inferiores” postulavam análises
“delirantes” e “apaixonadas”, o que não difere do que ocorreu posteriormente, nos anos 1990, como destacado
acima. (FICO, p. 97, 2001)
69

de massa, em direção ao seu objetivo maior-transformação da sociedade atual em uma


outra, dita “igualitária, justa e sem classes — socialista”160

Outrossim, cabe comentar que, assim como a mídia e parte da historiografia, conforme
visto no capítulo anterior, apresentava o Movimento Estudantil enquanto desmobilizado e em
decadência, isso também é replicado na forma como os SICIs observavam o grupo social. Há
um relatório161 simbólico para exemplificar tal questão, bem como para compreender as
bandeiras políticas da entidade estudantil no período analisado, pois nele é elencado as
perspectivas do Movimento Estudantil ao longo do ano de 1995, para tal, é traçado panoramas
gerais, sobretudo, no que concerne o âmbito Nacional e é destacado a atuação do ME em cada
estado do Brasil; são reunidos vários relatórios realizados pelas agências estaduais. Ademais,
ainda é comentado sobre o 44º Congresso da UNE, denominado como CONUNE. Ou seja, um
relatório com a pretensão de ser o mais completo e extenso possível. À priori, o documento faz
uma breve observação sobre as principais pautas do ME e de como o mesmo encontrava-se
naquele ano para, em seguida, analisar as particularidades levantadas pelas agências de
informação de cada estado. Cabe destacar que, não necessariamente, haja uma ordem fixa na
apresentação dos temas, pois, por vezes, as situações estaduais e as pautas do Movimento
Estudantil são apresentadas de maneira intercalada. Portanto, o relatório é similar a um
compêndio dos diversos informes que circularam pelas divisões de informações, tanto
regionalmente como nacionalmente.
Segundo o documento, em resumo, as demandas do ME são: reivindicações por
melhores salários, por melhoria do ensino, contra os reajustes das mensalidades e pela defesa
do ensino público gratuito. Com base em Jussara Oliveira (2014), podemos afirmar que se
tratava de uma luta contra as políticas neoliberais. Dentre as pautas específicas, encabeçadas
pela UNE, destacam-se as campanhas contra as reformas Constitucionais, as privatizações e ao
Projeto que almejava substituir o Projeto de Lei de Diretrizes e Bases (LDB), formulado pelos
senadores Darcy Ribeiro e Cid Sabóia, realização de abaixo-assinado contra a lei que institui a
cobrança de mensalidades nas Universidades Federais e entre outros. O Projeto da LDB já fora
aprovado na Câmara, porém, houve pedido de vistas no Senado, o que foi visto como tentativa
de postergar a votação. Em decorrência disso, no dia 11 de agosto (Dia do Estudante) o ME
planejou “Dia Nacional de Paralisação contra as mudanças para área da Educação”, pois o

160
ARQUIVO NACIONAL, BR_DFANBSB_H4_MIC_GNC_DIT_910075677_D0001DE0001
161
ARQUIVO NACIONAL, BR_DFANBSB_H4_MIC_GNC_DIT_950078625_D0001DE0001
70

Projeto de Darcy Ribeiro era visto como conservante das medidas provisórias aprovadas pelo
governo.

Também será motivo de protesto, o estudo encaminhado pelo Ministro BRESSER


PEREIRA ao Presidente da República e à Câmara dos Deputados, propondo a
transformação das universidades em fundações de direito privado ou associações civis,
dando-lhes total liberdade para contratar, demitir e gerir seus gastos, sem licitações. Há
o temor de que o novo modelo implique em redução do aporte de verbas do Estado para
as instituições públicas de ensino.162

Desse modo, a UNE — em conjunto com o PDT e o PT — estaria planejando um


plebiscito na Câmara dos Deputados para combater tais medidas, cujo autor no legislativo era
o ex-presidente da entidade Lindberg Farias (PCdoB/RJ). No entanto, também é comentado que
a UNE tem sofrido perda significativa de sua representatividade dentro do Movimento
Estudantil, funcionando a base de seu histórico prestígio construído ao longo dos anos. A razão
apontada para essa situação era o processo de ideologização pelo qual passava a UNE, em
virtude dos partidos que disputavam o predomínio dentro da entidade, entre eles o PCdoB, que
controlava a UNE já havia 15 anos. Como outra consequência, é apontado que tal processo
levava a entidade a se envolver em atividades e pautas que não lhe correspondiam, como a luta
contra a quebra do monopólio do petróleo, das telecomunicações e das energias elétricas e a
luta contra as privatizações de estatais.
Nesse sentido, cabe enfatizar que era predominante na forma como os Serviços de
Inteligência e Coleta de Informações observavam e emitiam pareceres sobre o Movimento
Estudantil, como um grupo “em crise”, fadado ao fim, sobrevivendo apenas por conta da
memória dos tempos de mobilização durante a Ditadura Militar. Essa visão, como visto no
capítulo anterior, também era referendada nas observações e produção de informações de
alguns veículos de comunicação, como também por parte da historiografia. O contraditório
disso, ou não, era que os agentes da vigilância apontavam o Movimento Estudantil como em
declínio e desengajados, porém, sobredimensionaram as suas ações como forma de apontá-los
como perigosos à Democracia.
Ainda nesse aspecto, é pertinente ressaltar que, embora a forma como os agentes da
vigilância observava os estudantes em muito coadunasse com a forma como os mesmos eram
observados e retratados no debate público, não era em tudo igual. Na observação dos SICIs há
sobremaneira a presença do anticomunismo fundamentado na Doutrina de Segurança Nacional,
aliás, isso nos ajuda a compreender o porquê em tudo não é contraditório notar que os mesmos
militares responsáveis pela análise do Movimento Estudantil enquanto desmobilizado, são os

162
Ibidem, p. 3
71

mesmos por apresentá-los em tom alarmista. Nessa concepção do Comunismo enquanto uma
“coisa” “elástica”, “pegajosa”, “contaminável” e “perigosa”, sempre se esperava as piores
ações dos que, supostamente, portavam a “coisa”. Tal entendimento pode ser verificado em
Carlos Fico (2001).
Por último, merece ser comentado a questão moral que permeava alguns relatórios
elaborados pelos Serviços de Inteligência e Coleta de Informações, a qual nos ajuda a entender
um pouco mais da cosmovisão dos mesmos. Em um relatório sobre o 39º Congresso da UNE,
elaborado entre o segundo semestre de 1988 e o primeiro de 1989, os agentes analisam o
Movimento de forma extremamente moralizante. O relatório da vigilância criticou “o ambiente
característico destes encontros estudantis repetiu-se, mais uma vez, com destaque para o
consumo de bebidas alcoólicas, tóxicos, principalmente maconha, e promiscuidade, com
alojamentos mistos e banhos coletivos”. Nesse ponto, o relatório comenta que esse foi um dos
motivos que levou o prefeito Antônio Farias, da cidade de São José dos Campos, em São Paulo,
a solicitar que o jornal Vale Paraibano parasse de realizar a cobertura do CONUNE, a fim de
que não prejudicasse a imagem pública do evento e, por conseguinte, da UNE.163
Tomando por base Carlos Fico (2019), que nos apresenta o conceito de “utopia
autoritária” o qual dominava a mentalidade dos militares durante a Ditadura, no qual podemos
estendê-la para o período democrático, pós 1985, pois, como visto ao longo do texto, houve
pouca ou nenhuma mudança nos SICIs, que mantiveram sobremaneira as ideias do período
anterior ao retorno democrático. O historiador nos apresenta o conceito da seguinte forma:

Aquilo que chamo de utopia autoritária é uma espécie de recepção rarefeita da doutrina
de segurança nacional: seria possível resolver os problemas do Brasil (ou torná-lo
desenvolvido, uma grande potência) por meio da eliminação de alguns obstáculos e do
adequado adestramento da população. Por essa razão, a maneira pela qual os diversos
militares e civis que apoiaram o regime aderiram a essa utopia distinguiu-se, pelo
menos, em dois tipos: o primeiro pode ser chamado de “saneador”, e o segundo,
“pedagógico”. Para alguns indivíduos mais radicalizados, era necessário eliminar,
literalmente, os obstáculos identificados com o comunismo, com a “subversão” e com
a “demagogia dos políticos”. Para outros, os brasileiros eram “despreparados”, não
sabiam votar, deixavam-se convencer pelos líderes populistas, não tinham
conhecimento da realidade nacional, não possuíam, nem ao menos, noções básicas de
higiene ou de civilidade urbana. Portanto, era necessário educá-los. Para os primeiros,
a solução seria uma grande “operação limpeza”, capaz de prender, exilar e até mesmo
matar os inimigos. Para os segundos, cabia aos militares desenvolver um projeto que
suprisse as “deficiências de formação” da sociedade e a protegesse de “ideologias
exóticas” ou de outras formas de corrupção do espírito.164

163
ARQUIVO NACIONAL, BR_DFANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_89069664_D0001DE0002
164
FICO, p. 199, 2019.
72

Como superiores aos restantes da população, além de protegê-los da “ameaça


comunista”, os militares dos Serviços de Inteligência e Coleta de Informações também
acreditavam que deveriam proteger as pessoas da “corrupção do espírito”, isto é, de ataques aos
“bons costumes” e à “moral”. Maika Lois Carocha165 enfatiza que os militares abominavam que
questões relacionadas ao consumo de drogas e à homossexualidade estivessem presentes na
sociedade brasileira, portanto, postulavam que os adeptos de tal estilo de vida fossem
combatidos.
No período democrático, como já pontuado, não poderiam se utilizar da perseguição e
da tortura contra os grupos, mas podiam utilizar a produção de informação para lançar a
“inculpação” aos “inimigos”. Podemos afirmar que o objetivo em apresentar tais informações
de maneira enfática sobre a UNE era para ressaltar o grupo enquanto prejudicial e perigoso.
Também é importante ressaltar que tal apresentação em muito se coaduna com a apresentada
pelos estudos acadêmicos sobre juventude dos anos 1990, conforme apresentado por Abramo
(1997), mas se difere pela presença do Anticomunismo.

165
CAROCHA, Maika Lois. A censura musical durante o regime militar (1964-1985). História: Questões &
Debates, v. 44, n. 1, 2006.
73

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise da vigilância, bem como dos “estigmas” lançados sobre o grupo, implica a
compreensão do cenário político-econômico, pois ajuda a entender o curso social em voga e,
consequentemente, contra o quê e pelo que o Movimento Estudantil se mobilizava. Ademais,
como pôde ser visto ao longo deste trabalho, apresentar, analisar e discutir a forma como a
juventude e o Movimento Estudantil eram observados no debate público e como isso forneceu
subsídios para a produção historiográfica do tema, elucida a compreensão das fontes que nos
permitem acessar a forma como esse grupo social era observado pelos Serviços de Inteligência
e Coleta de Informações. Em muito as visões dos dois; Vigilância e parte da mídia; se
assemelhavam, mas possuíam distinções, sobretudo por conta da presença demasiada do
“Anticomunismo” na visão dos agentes da Vigilância.
A partir dos projetos político-econômicos postulados nas décadas de 1970, 1980 e 1990,
podemos perceber que as intenções dos que tentaram impor-se como responsáveis por conduzi-
los, isto é, as forças políticas, os militares e a classe dirigente, eram de afastamento dos grupos
sociais. A transição da Ditadura Militar para a Democracia, ocorrida em três fases, deixa isso
evidente: políticos e militares que estabeleciam arranjos políticos a fim de controlarem a
sucessão das esferas representativas do poder. Em alguns momentos, até mesmo invalidando
os clamores das ruas, como a derrota das “Diretas Já”. Em outros, tentativas de utilizar a
população apenas para referendar as decisões tomadas pelo Executivo Federal, como o Plano
Sarney, ou como instrumento político para fortalecimento do “marketing” pessoal de
presidentes, que lhes garantiriam prerrogativas políticas. Ainda houve espaço para a
consolidação das políticas Neoliberais no país, mesmo que fossem excludentes e não
representassem o grosso da população. Portanto, uma embrionária Democracia que tentava
encerrar a participação popular, por mais contraditório que possa parecer.
Contudo, todos esses movimentos políticos não foram recepcionados de maneira apática
pelo movimento estudantil, uma vez que, a cada projeto postulado, uma reação advinha do
grupo social. Antes que qualquer movimento político autocentrado fosse ensaiado, já se via as
ruas e os protestos florescerem com grupos que, sim, redefiniram seus repertórios de ação, mas
que continuaram a agir pelas ruas. Esta monografia focou especificamente o Movimento
Estudantil da década de 1990, representado sobretudo na UNE, por entender que o grupo
merece maior atenção da historiografia, a fim de que se possa extrapolar as imagens e
informações construídas por parte da mídia que apresenta o Movimento Estudantil apenas como
desmobilizado, individualista e um problema.
74

Torna-se claro, portanto, que este trabalho destoa das visões e entendimentos que
compreendem o Movimento Estudantil da mesma forma como era observado e demarcado por
parte da mídia, coadunando com os trabalhos e autores que o compreende como em plena ação.
A meu ver, se não estivessem em ação, não seriam objetos de tanta análise e debate, seja no
âmbito da vigilância, ou do debate público. Apesar das frustrações, a juventude engajada se
mobilizava em torno da expectativa e da crença nas mudanças propiciadas com o fim da
Ditadura Militar e com a transição desta para a Democracia. Além de reagirem à tentativa de
implantação e consolidação do Neoliberalismo no país.
Por sua vez, os Serviços de Inteligência e Coleta de Informações da década de 1990,
entendiam que o grupo supracitado representava um risco social, portanto, devia de algum
modo ser combatido, ou no mínimo acompanhado de perto. A forma como observavam é
derivativa da forma como esses Órgãos operacionalizam durante os anos de arbítrios, 1964 a
1985. Nesse período os SICIs, reunidos sob égide do SNI, foram estruturados para o combate
aos que se levantassem contra o “Governo Revolucionário”, isto é, contra os militares que, se
inicialmente, quando deram o golpe de Estado em 1964, não previam uma Ditadura, com o
percurso da história buscaram formas de perpetuar-se no comando do país. Esses Órgãos
serviram para atender a tais propósitos, uma vez que auxiliaram no combate aos opositores,
especialmente os identificados com o Comunismo.
A fundamentação ideológica dos militares adveio da Doutrina de Segurança Nacional
(DSN), na qual enquadrava os “inimigos internos” da nação, aqueles identificados com o
Comunismo, numa espécie de “guerra revolucionária” que previa a eliminação desses. Essa
fundamentação preconizava o Comunismo como “uma coisa” “elástica”, “pegajosa”,
“contaminável” e “perigosa”, que requeria uma cautela incessante. Acepção estendida para a
década de 1990, uma das responsáveis pela continuidade na forma como o Movimento
Estudantil era observado pelos agentes da vigilância. Aliás, isso nos ajuda a entender o porquê
não é por completo contraditório os militares que, viam os estudantes organizados como
perigosos a Democracia (ou ao que entendiam enquanto Democracia), também o viam como
desmobilizado, apático e em declínio. Para “Eles”, enquanto existisse qualquer rastro de
Comunismo, nos parâmetros da DSN, haveria risco e ameaça aos seus princípios, os quais,
sejam quais forem, não admitiam nada identificável com a ideologia comunista.
Por fim, a vigilância e os “estigmas” produzidos sobre o Movimento Estudantil, há ainda
o aspecto moralizante, cujo podemos identificar como pautado na “Utopia Autoritária”. Os
militares atribuíam-se o papel de bastiões da moralidade, no sentido de serem responsáveis pelo
resguardo da “pureza” social, nesse sentido, abominavam algumas práticas que consideravam
75

desvirtuantes, como o consumo de “tóxicos” e a homossexualidade. Desse modo, as


informações produzidas acerca do Movimento Estudantil buscavam evidenciar esse aspecto,
apresentando os estudantes engajados como problemas para a moralidade do país. Nesse
aspecto, muito assemelha-se a alguns debates acadêmicos e ao que parte da mídia produzia de
informação sobre a juventude, como permeada por problemas relacionados a drogas e a
sexualidade.
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ANEXOS

Anexo 1 - Exemplo de capa de relatório dos SICIs

Fonte: Reprodução parcial — Agência Central. Arquivo Nacional.


br_dfanbsb_h4_mic_gnc_dit_940077980_d0001de0001. Fundo Secretaria de Assuntos
Estratégicos da Presidência da República.
Anexo 2 - Exemplo de informação sobre Endereço de militantes

Fonte: Reprodução parcial — Agência Central. Arquivo Nacional.


br_dfanbsb_h4_mic_gnc_dit_940077180_d0001de0001. Fundo Secretaria de Assuntos
Estratégicos da Presidência da República.

Anexo 3 - Foto de militantes

Fonte: Reprodução parcial — Agência Central. Arquivo Nacional.


br_dfanbsb_v8_mic_gnc_eee_88021069_an_01_d0001de0001. Fundo Serviço Nacional de
Informação
PRINCIPAIS FONTES CONSULTADAS

Arquivo Nacional, br_dfanbsb_h4_mic_gnc_ggg_910018323_d0001de0001. Disponível:


http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/br_dfanbsb_h4/mic/gnc/ggg/910018323/br_dfa
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2023
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Arquivo Nacional, br_dfanbsb_h4_mic_gnc_eee_910025041_d0001de0001. Disponível em:
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Arquivo Nacional, br_dfanbsb_h4_mic_gnc_dit_990081624_d0001de0001. Disponível em:
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