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Encontros | Português, 12.

º ano

Teste de avaliação 7
Português, 12.º ano
José Saramago – O Ano da Morte de Ricardo Reis

GRUPO I (100 PONTOS)

Lê o texto.

Ricardo Reis dissera ao gerente, Mande-me o pequeno-almoço ao quarto, às nove e meia, não que
pensasse dormir até tão tarde, era para não ter de saltar da cama estremunhado, a procurar enfiar os
braços nas mangas do roupão, a tentear os chinelos, com a impressão pânica de não ser capaz de me-
xer-se tão depressa quanto era merecedora a paciência de quem lá fora sustentasse nos braços ajouja-
5 dos a grande bandeja com o café e o leite, as torradas, o açucareiro, talvez uma compota de cereja ou
laranja, ou uma fatia de marmelada escura, granulosa, ou pão de ló, ou vianinhas de côdea fina, ou
arrufadas, ou fatias paridas, essas sumptuosas prodigalidades de hotel, se o Bragança as usa, a ver
vamos, que este é o primeiro pequeno-almoço de Ricardo Reis desde que chegou. Em ponto, garantira
Salvador, e não garantira em vão, que pontualmente está Lídia batendo à porta, dirá o bom observador
10 que é isso impossível para quem ambos os braços tem ocupados, muito mal estaríamos nós de servos
se os não escolhêssemos entre os que têm três braços ou mais, é o caso desta vossa criada, que sem
entornar uma gota de leite consegue bater suavemente com os nós dos dedos na porta, continuando a
mão desses dedos a segurar a bandeja, será preciso ver para acreditar, e ouvi-la, O pequeno-almoço do
senhor doutor, foi ensinada a dizer assim, e, embora mulher nascida do povo, tão inteligente é que não
15 esqueceu até hoje. Se esta Lídia não fosse criada, e competente, poderia ser, pela amostra, não menos
excelente funâmbula, malabarista ou prestidigitadora, génio adequado tem ela para a profissão, o que
é incongruente, sendo criada, é chamar-se Lídia, e não Maria. Está já composto Ricardo Reis de vestuá-
rio e modos, barba feita, roupão cingido, abriu mesmo meia janela para arejar o quarto, aborrece os
odores noturnos, aquelas expansões do corpo a que nem poetas escapam. Entrou enfim a criada, Bom
20 dia, senhor doutor, e foi pousar a bandeja, menos prodigamente oferecendo do que se imaginara, mas
mesmo assim merece o Bragança nota de distinção, não admira que tenha tão constantes hóspedes,
alguns não querem outro hotel quando vêm a Lisboa. Ricardo Reis retribui a salvação, agora diz, Não,
muito obrigado, não quero mais nada, é a resposta à pergunta que uma boa criada sempre fará, Deseja
mais alguma coisa, e, se lhe dizem que não, deve retirar-se discretamente, se possível recuando, voltar
25 as costas seria faltar ao respeito a quem nos paga e faz viver, mas Lídia, instruída para duplicar as aten-
ções, diz, Não sei se o senhor doutor já reparou que há cheia no Cais do Sodré, os homens são assim,
têm um dilúvio ao pé da porta e não dão por ele, dormiram a noite toda de um sono, se acordaram e
ouviram cair a chuva foi como quem apenas sonha que está chovendo e no próprio sonho duvida do
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que sonha, quando o certo certo foi ter chovido tanto que está o Cais do Sodré alagado, dá a água pelo
30 joelho daquele que por necessidade atravessa de um lado para outro, descalço e arregaçado até às viri-
lhas, levando às costas na passagem do vau uma senhora idosa, bem mais leve que a saca de feijão
entre a carroça e o armazém.
SARAMAGO, José (2016). O Ano da Morte de Ricardo Reis. Porto: Porto Editora, pp. 61-63.
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Apresenta, de forma bem estruturada, as tuas respostas aos itens que se seguem.

1. Localiza o excerto na estrutura interna do romance a que pertence. (20 PONTOS)

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2. Refere um efeito expressivo da enumeração presente nas linhas 5 a 7. (20 PONTOS)

3. Analisa a postura do narrador ao longo do texto. (20 PONTOS)

B
Lê a cantiga.

Como morreu quem nunca bem


houve da rem1 que mais amou,
e que[m] viu quanto receou
dela, e foi morto por en:2
5 ai, mia senhor, assi moir’eu!

Como morreu quem foi amar


quem lhe nunca quis bem fazer,
e de que lhe fez Deus veer
de que foi morto com pesar:
10 ai, mia senhor, assi moir’eu!

Com’home que ensandeceu3,


senhor, com gram pesar que viu
1. rem: coisa.
e nom foi ledo4 nem dormiu 2. vv. 3-4: Deus fez-lhe ver que foi morto de pesar por
depois, mia senhor, e morreu: causa dela.
3. ensandeceu: enlouqueceu.
15 ai, mia senhor, assi moir’eu! 4. ledo: alegre.

Como morreu quem amou tal


dona que lhe nunca fez bem,
e quen’a viu levar a quem
a nom valia, nen’a val:
20 ai, mia senhor, assi moir’eu!
CONDE, Gil Pérez (s/d), in Maria Ema Tarracha Ferreira,
Antologia Literária Comentada – Idade Média, 4.ª edição. Lisboa: Ulisseia, pp. 25-26.

Apresenta, de forma bem estruturada, as tuas respostas aos itens que se seguem.

4. Traça o perfil do sujeito poético. (20 PONTOS)

5. Explicita a relação existente entre o sujeito poético e o seu interlocutor. (20 PONTOS)
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GRUPO II (50 PONTOS)

Lê o texto.

Eira Pedrinha, Cernache, 16 de agosto de 1981 – Depois de dar largas ao instinto, a caçar patos
nos pauis, vim, lambuzado de terra, satisfazer a fome do espírito na contemplação de um retábulo ingé-
nuo onde um S. Jorge tutela da sua montada uma donzela andarilha que conduz à trela o dragão ven-
cido. Aquela estranha e sempre surpreendente Idade Média conhecia o valor dos símbolos e sabia re-
5 presentá-los à medida de todas as compreensões. Que imagem mais flagrante e convincente da força
dominadora do bem do que o mal a caminhar docilmente pela mão de uma frágil mulher? Sim, hoje
somos capazes de ir à Lua. Mas não temos artes de vencer assim, e ainda menos de figurar assim venci-
dos, os monstros do medo que nos atormentam.
Praia do Pedrógão, 17 de agosto de 1981 – O mar. O mar preguiçoso de férias, igual ao de outras
10 praias e de outros verões. O mar tónico dos banhos lúdicos, nivelador de todos os desníveis sociais. O
mar omnipresente e concreto que me faz a esquecer o marulho que durante o ano sinto a bater obses-
sivamente nas veias e na memória de animal fisiológica e nacionalmente anfíbio, privado de metade do
seu meio natural.

Praia do Pedrógão, 18 de agosto de 1981 – Fez-me a exibição de um relógio de pulso que só não
15 falava. E dececionei-o:
– Não o queria nem de graça.
– Porquê?!
– Porque não tem ponteiros. Em vez de atenuar, agrava os inconvenientes dos outros. É mais abstra-
tizante ainda. O tempo que eu entendo é cíclico, move-se, dura. E tenho necessidade de me sentir inte-
20 grado nesse movimento através de um indicador qualquer: uma sombra que se desloca num quadrante
solar, um fio de areia que se escoa numa ampulheta, ou mesmo uma agulha que gira incansavelmente
sobre o seu eixo num mostrador. É desesperante, mas há ainda uma identificação com o natural. Tam-
bém os astros circulam no céu incessantemente em órbitras fechadas. Mantém-se de certa maneira a
imagem do andamento cósmico. Mas, no caso de um mecanismo que apenas indica as horas por nú-
25 meros luminosos, perde-se toda a referência. Flutua-se no vazio, deixa-se de pertencer ao mundo real.
Entra-se na eternidade em vida.
TORGA, Miguel (1999). Diário VIII a XVI. Lisboa: Dom Quixote, pp. 1446-1447.

Nas respostas aos itens de escolha múltipla, seleciona a opção correta.

1. Os temas aflorados na primeira entrada do diário são (5 PONTOS)

(A) o telurismo, a religiosidade e o medo.


(B) a representação do feminino, a Idade Média e o progresso humano.
(C) a Lua, o sonho e a insatisfação humana.
(D) a natureza, o instinto e efemeridade da vida humana.

2. A referência a S. Jorge tem a função de (5 PONTOS)

(A) introduzir o tema que será abordado de seguida.


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(B) justificar uma afirmação anteriormente apresentada.


(C) refutar a afirmação que será apresentada de seguida.
(D) concluir uma reflexão.
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3. A expressão “lambuzado de terra” (l. 2) contém uma (5 PONTOS)

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(A) personificação. (C) metáfora.
(B) hipérbole. (D) antítese.

4. O enunciado “Sim, hoje somos capazes de ir à Lua.” (ll. 6-7) tem um valor modal (5 PONTOS)

(A) epistémico. (C) deôntico (de permissão).


(B) deôntico (de obrigação). (D) apreciativo.

5. Na segunda entrada do diário, Miguel Torga reflete sobre a importância do mar, (5 PONTOS)

(A) focando o seu valor enquanto motivo literário.


(B) num tom objetivo e recorrendo a linguagem denotativa.
(C) criticando os desníveis sociais que lhe podem ser associados.
(D) sob uma perspetiva social e pessoal.

6. A terceira entrada do diário é constituída por uma sequência dialogal que inclui (5 PONTOS)

(A) uma sequência narrativa.


(B) uma sequência explicativa.
(C) uma sequência descritiva.
(D) outra sequência dialogal.

7. Na linha 20, os dois pontos têm a função de introduzir (5 PONTOS)

(A) uma enumeração exemplificativa.


(B) um comentário crítico.
(C) o discurso reproduzido por outro enunciador.
(D) o desfecho de um raciocínio, com base na ironia.

8. Identifica o valor da oração “que se escoa numa ampulheta” (l. 21). (5 PONTOS)

9. Identifica a função sintática desempenhada pelo constituinte “de me sentir integrado nesse movimento
[…] num mostrador” (ll. 19-22). (5 PONTOS)

10. Explicita o valor aspetual veiculado no enunciado “Entra-se na eternidade em vida.” (l. 26) (5 PONTOS)

GRUPO III (50 PONTOS)

Com base na tua experiência de leitura e colocando-te no papel de crítico literário, redige uma aprecia-
ção crítica do romance saramaguiano O Ano da Morte de Ricardo Reis.

A tua apreciação deverá conter entre duzentas e trezentas palavras.

Observações:
1. Para efeitos de contagem, considera-se uma palavra qualquer sequência delimitada por espaços em branco, mesmo quando esta
integre elementos ligados por hífen (ex.: /dir-se-ia/). Qualquer número conta como uma única palavra, independentemente dos
algarismos que o constituam (ex.: /2017/).
2. Relativamente ao desvio dos limites de extensão indicados – um mínimo de duzentas e um máximo de trezentas palavras –, há que
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atender ao seguinte:
• um desvio dos limites de extensão indicados implica uma desvalorização parcial (até 5 pontos) do texto produzido;
• um texto com extensão inferior a oitenta palavras é classificado com zero pontos.
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