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O mito do professor ou doutor “Salvador” foi também cultivado, em
texto e até em imagem, pela Igreja Católica, aliada do regime. Exemplo
disso é a pagela reproduzida abaixo, editada com a chancela do bispo-
conde de Coimbra, D. António Antunes, dias depois do “infamíssimo
atentado” a que o ditador escapou “miraculosamente”, no dia da Rainha
Santa Isabel, 4 de Julho de 1937. Cinquenta dias de indulgência eram
concedidos a quem recitasse devotamente as preces “pelo nosso Chefe
Salazar”.
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Se o caso do postal “Salvador da Pátria” alguma lição encerra, é a de
que a promoção da imagem do ditador só muito excepcionalmente era
deixada a iniciativas espontâneas, ingénuas ou “populares”. Entre os
adeptos de Salazar, muitos haveria cujo sentido
de conveniência política deixava a desejar e cujos padrões estéticos
estavam nitidamente abaixo do gosto oficial, ainda que este fosse
geralmente medíocre. Salazar e Ferro (diga-se o que se disser a respeito do
“vanguardismo” estético deste último) rejeitaram as estéticas arrojadas e
futuristas, como a do fascismo italiano, e nunca apadrinharam um culto
gráfico do Chefe de características belicistas, flagrante na propaganda de
Hitler, Mussolini ou Franco. A imagem que Ferro quis fazer passar foi, nas
suas próprias palavras, a da “ditadura do professor, a ditadura da razão”,
[8] plasmada esteticamente num compromisso entre modernidade e
tradição, em que a segunda teve a parte do leão.
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Franco e a Cruzada
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A pintura mural alegórica “Cruzados del siglo XX”, também dita
“Franco y la Cruzada” ou “El enviado de Diós”, foi encomendada em 1948
pelas autoridades franquistas ao pintor boliviano Arturo Reque Meruvia.
Este óleo sobre tela de grandes dimensões decorava uma parede da Sala da
Guerra Civil do antigo Arquivo Histórico Militar, em Madrid. “Santa
Cruzada” foi o nome dado pelo regime de Franco e pela Igreja Católica à
guerra civil, representada como uma guerra de reconquista de Espanha aos
infiéis. O paralelo entre Franco e o lendário cavaleiro medieval El Cid foi
também glosado pela arte franquista.
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José Barreto
[1] Sérgio R. Gomes, “As identidades nacionais nos regimes ditatoriais: o caso da romanità na Itália
fascista e o reaportuguesamento salazarista”, Ciências e Técnicas do Património, revista da Faculdade de
Letras do Porto, vol. V-VI, 2006-2007, pp. 189-224.
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[2] Idem, p. 205.
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[3] Arquivo da Torre do Tombo, Ministério do Interior, Gabinete do Ministro, Maço472, pasta 1/1, fl.
217.
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[4] A. Oliveira Salazar, Discursos, vol I, 5.ª ed., pp. 167-171 (trecho do discurso pronunciado no acto
de posse dos corpos directivos da União Nacional em 23 de Novembro de 1932).
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[5] A entrevista, inicialmente publicada no Diário de Notícias em Dezembro de 1932, foi depois
reproduzida em António Ferro Salazar: O Homem e a sua Obra (Lisboa: ENP, 1933).
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[6] Miguel de Unamuno, “Nueva vuelta a Portugal”, jornal Ahora, 3 de Julho de 1935.
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[7] Jorge Pais de Sousa, O Fascismo Catedrático de Salazar, Imprensa da Universidade de Coimbra,
2011.
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[8] Discurso de António Ferro na inauguração do pavilhão português da exposição Internacional de
Paris, em 10 de Junho de 1937 (citado por João Medina, op. cit., p. 196).
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[9] Sobre o autor e a obra, veja-se Harm Wulf, "Hubert Lanzinger, storia di un artista tirolese".
Acesso online em Julho de 2011: http://www.galleria.thule-italia.com/lanzinger.html .
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[10] William P. Yenne, German War Art 1939-1945 (New York: Crescent Books, 1983).