Você está na página 1de 71

INTRODUÇÃO

A notícia da morte de Luiz Gama no início da tarde de 24 de agosto de


1882, em São Paulo, logo se espalhou pela cidade e bateu à porta das
redações dos jornais, ambiente que, por quase vinte anos, cercado de
amigos e ideias, ele assiduamente frequentou.
O proeminente advogado e jornalista de 52 anos encontrava-se no auge
da popularidade. Naquele mesmo dia, com velocidade espantosa, no
editorial da Gazeta do Povo, o desaparecimento do carismático
abolicionista e republicano que encarnou todas as “audácias da liberdade”
era anunciado como uma “calamidade” para a província e uma “desgraça”
para o país”. O jornal foi o primeiro a tecer o elogio fúnebre, cuja forma
oratória ainda seguia, no século XIX, as regras da laudatio latina destinada
a perpetuar a memória de um indivíduo notável e preservá-lo do
esquecimento. Sob a pena do editorialista, as evocações da vida exemplar e
dos atos edificantes apoiavam-se numa coleção de epítetos superlativos, dos
quais emergiam as facetas do “grande homem” que 136 anos depois seria
entronizado no Panteão da Pátria e da Liberdade1:

Era o primeiro dos abolicionistas do país, o mais sincero, o mais


convencido, o mais intransigente.
Como advogado, não obstante não possuir um pergaminho, [...]
tão conscienciosos foram os estudos que fez, que conseguiu ocupar
lugar distinto entre os mais notáveis dos auditórios desta capital.
Como amigo, era daqueles que não conhecem limites à dedicação
[...]
Como chefe de família, era um exemplo, um símbolo.
Já se vê que uma alma assim organizada, uma vez lançada na
política, deveria necessariamente proclamar-se republicana.
Foi um apóstolo da república, conhecia e proclamava todas as
grandezas da democracia [...]2.

A esses atributos, somava-se a imagem de “pai dos pobres, dos desprovidos


dos favores da fortuna e das graças do poder”3. Raramente se observou que,
poucas horas depois de seu passamento, começava-se a esculpir, ali nas
páginas do jornal paulistano em que Luiz Gama mais colaborou nos seus
últimos anos, sua estátua de bronze.
Segundo as crônicas da época, jamais houvera na capital paulista
funeral de tamanhas proporções e cujo impacto movimentaria por um bom
tempo a cidade. A data de 25 de agosto tornou-se histórica. À passagem do
cortejo fúnebre, que vinha desde a residência do finado no bairro do Brás,
crescia a multidão na qual marchavam, reverentes, ombro a ombro, pessoas
de todas as cores e categorias sociais, ansiosas por prestar uma derradeira
homenagem ao homem que “entrava na morte pela porta da imortalidade”4:
negros e brancos; ricos e pobres; mendigos e operários; brasileiros e
imigrantes; homens e mulheres letrados, outras e outros sem instrução; lojas
maçônicas e caixas emancipadoras; clubes acadêmicos e associações das
colônias estrangeiras. Porém, a presença mais forte era daqueles para os
quais ele representava “o melhor dos amigos, o mais forte dos defensores”5.
Eram os seus irmãos de raça, marcados pelo estigma da cor e do cativeiro
sofrido pelos africanos e os seus descendentes, infortúnio tão bem
conhecido pelo filho da africana Luiza Mahin, que, nascido livre na Bahia
em 1830, chegou como escravo aos 10 anos na cidade de São Paulo, onde
viveu oito anos de escravidão. Muitos dos indivíduos reunidos no cortejo
fúnebre assemelhavam-se aos personagens reais presentes, como vítimas ou
heroínas e heróis, nas vívidas narrativas de Luiz Gama que leremos neste
livro; narrativas também povoadas por ferozes adversários e cínicos vilões.
Estes últimos, provavelmente, abstiveram-se de comparecer ao
extraordinário enterro.
A Gazeta do Povo resumira assim aquele acontecimento: “O
espetáculo a que esta capital ontem assistiu não foi o enterramento de Luiz
Gama, foi a sua festa, a sua apoteose6”, celebração sem dúvida mais afeita
ao temperamento do autor de Primeiras trovas burlescas de Getulino.
As repercussões do falecimento de Luiz Gama não se limitaram à
imprensa paulistana, estendendo-se aos órgãos mais representativos do Rio
de Janeiro, onde ele contava com inúmeros amigos atuantes nos meios
políticos e na imprensa, já que muitos deles, como os irmãos Salvador e
Lúcio de Mendonça, Rui Barbosa, Quintino Bocaiúva, Ferreira de Menezes,
Raul Pompeia, entre outros, haviam cursado a Faculdade de Direito em São
Paulo, antes de abraçarem a vida pública na capital do Império. O falecido
era reverenciado ali também por pessoas do povo, negros livres ou ainda
escravizados que contavam com o auxílio das associações filantrópicas para
comprar sua alforria. As manifestações tomavam as formas mais diversas:
depois de observar oito dias de luto, a Caixa Emancipadora Joaquim
Nabuco mandou rezar a missa de sétimo dia na igreja da Glória; no início
de setembro, o clube José do Patrocínio preparou uma sessão fúnebre em
memória do “distinto cidadão”; um grupo de moradores do bairro de
Botafogo fundou um centro abolicionista e literário com o nome de Luiz
Gama; o salão de chá Glace Élégante expôs por alguns dias o retrato de
Luiz Gama feito pelo desenhista Augusto Off, antes de doá-lo à Caixa
Emancipadora José do Patrocínio7 etc. Além das sociedades emancipadoras
e iniciativas particulares, vários órgãos da imprensa fluminense dedicaram
artigos especiais a Luiz Gama. Seu destino ascensional parecia inexplicável
aos olhos do redator da Gazeta de Notícias, um dos maiores e influentes
jornais da corte, na notícia que expressava a consternação dos admiradores
fluminenses: “Há como uma história sobrenatural, um romance inverossímil
na vida deste homem que se finou deixando após si um rastro de luz”8. O
impacto não seria menor para os companheiros da Gazeta da Tarde,
principal folha abolicionista da corte, na qual fora publicada, duas semanas
antes, uma “Representação ao Imperador”, um dos últimos, senão o último
texto escrito por um Luiz Gama irremediavelmente debilitado pelo então
fatal diabetes, doença que o acometera alguns anos antes e lhe ceifou a vida.
O último suspiro do “general”, como a ele se referia o jornalista e
abolicionista negro José do Patrocínio, proprietário daquele jornal, ganhava
dimensão política, era uma “fatalidade” da qual podia rejubilar-se, naquela
aparente vitória, o regime assentado na escravidão: “Feliz governo o [de] d.
Pedro II” – escreve Patrocínio –, “a corrupção e a morte formam em torno
dele uma impenetrável muralha. Quem não se deixa corromper morre”9. A
exemplo de várias entidades, a Gazeta da Tarde decretou luto de oito dias
na redação do jornal e no Centro Abolicionista Ferreira de Menezes, nome
do fundador do jornal, falecido no ano anterior10. Um dos retratos até hoje
mais conhecidos de Luiz Gama, em desenho do artista gráfico e jornalista
Ângelo Agostini, apareceu estampado em 27 de agosto de 1882 na capa da
Revista Ilustrada, a mais lida e influente da corte. Tratava-se de uma
homenagem especial, em virtude dos laços que uniram Gama e Agostini em
histórica aventura na imprensa – foi ao lado de Agostini, desenhista e
caricaturista italiano recém-chegado ao Brasil, que Luiz Gama lançou-se no
jornalismo, colaborando nos primeiros periódicos ilustrados de São Paulo, o
Diabo Coxo (1864-1865 ) e o Cabrião (1866-1867).
Em São Paulo, no dia seguinte ao enterro, a Gazeta do Povo
distinguiu-se dos demais periódicos e criou a seção especial “Luiz Gama –
Homenagens e demonstrações”. Publicada de 26 de agosto a 27 de
setembro de 1882, funcionava como uma espécie de central de notícias que,
além de publicar cartas e poemas dos leitores, trazia cotidianamente a
relação dos eventos, solenes ou festivos, organizados na capital e no
interior, na corte e em outras regiões do país, em memória daquele
“cidadão” que imprimiu sua marca pessoal nas lutas pela abolição e pela
República. A diretoria do jornal justificava sua iniciativa como um “dever
natural” para com Luiz Gama, um “trabalhador incansável do jornalismo11.
A morte de uma figura pública alçada em seu tempo ao status de
“celebridade”, título que Luiz Gama rejeitava, é sempre uma ocasião
propícia para se tomar a dimensão real de seu lugar no mundo e como era
percebido por seus contemporâneos. Não por acaso optamos por privilegiar
aqui a profusão de discursos e imagens produzidos nos escritos dos próprios
colegas da imprensa naqueles momentos de intensa comoção. Seria difícil
àquela altura imaginar que, logo após o 13 de maio, os cronistas da abolição
celebrariam outros heróis, reservando à atuação de “Luiz Gama e de seu
grupo” uma pálida e lacônica menção12. A influência e a liderança por ele
exercida no meio letrado, universo quase exclusivo de brancos, foram
durante décadas acobertadas pela história oficial gerada desde o pós-
abolição. O contraste se acentuaria ao longo do século XX, quando foram
se esmaecendo as várias facetas e o pensamento de um homem plural,
herdeiro das Luzes, que fizera o uso da palavra eficaz e persuasiva como a
arma para a defesa das liberdades – de um lado, a liberdade do sujeito
escravizado e submetido aos abusos do poder absoluto do senhor sobre seu
corpo, vontade e consciência; de outro, a liberdade dos súditos submetidos
ao arbítrio e aos abusos do poder absoluto do rei. Restara a estática figura
do “redentor dos escravos” até quase o final daquele período, quando
estudos historiográficos começaram a ressaltar seu papel central na
dinâmica do abolicionismo paulista e a jogar novas luzes sobre sua atuação
jurídica13, uma das faces da missão de vida abraçada pelo único intelectual
e ativista negro brasileiro a ter sofrido a escravidão: libertar escravos,
fazer valer seus direitos.
Assim, pareceu-nos relevante tomar como ponto de partida as
impressões deixadas por nosso personagem em seu último adeus, para
apresentar a leitoras e leitores o principal objeto deste livro: a palavra
afiada, os temas candentes e a perspectiva singular presente na obra
instigante, e ainda pouco conhecida, do jornalista Luiz Gama.
I

Não é difícil compreender as razões desse desconhecimento, em parte


devido à natureza efêmera dos escritos jornalísticos e às dificuldades de
arquivamento e conservação de jornais, como por muito tempo ocorreu no
Brasil, e a consequente perda de memória e de importantes registros do
passado. Como, então, resgatar e em que medida exigir que, mais de
cinquenta anos depois de sua morte, se mantivesse viva a lembrança das
realizações de Luiz Gama junto à população em geral, em especial junto às
primeiras gerações de afrodescendentes do pós-abolição?
Em meados dos anos 1930, o jornalista, escritor e crítico literário
Fernando Góes, baiano radicado em São Paulo, buscava responder a essa
pergunta como membro de associações negras e colaborador da imprensa
negra da época. Para Góes, além de enfatizar os estudos, a exemplo do que
sempre fizera Luiz Gama, cumpria despertar a “curiosidade do homem
negro para a vida de espírito” e, para tanto, espelhar-se concretamente no
pragmatismo encarnado por Luiz Gama ou José do Patrocínio, exemplos
que seus companheiros pareciam ignorar. Intelectual exigente, Góes
censurava os discursos estéreis e superficiais, sem efeitos para gerações
futuras:

Fala-se de Luiz Gama e [José do ] Patrocínio de cinco em cinco


minutos.
Entretanto nem todos [...] conhecem a “verdadeira” obra destes
homens [...] se soubessem, veriam que eles não tinham a mania de
falar[,] mas tinham o vício [...] de agir. [...]
Os negros de amanhã falarão novamente só em Patrocínio e Luiz
Gama.
[...] Vamos falar dos vultos do passado. Não para fazer frases
bonitas. Mas para compreender o presente e preparar o futuro14.

O balanço fazia sentido, e Góes logo deu provas de seu próprio


pragmatismo. Em 1944, organizou as Obras completas de Luiz Gama:
Trovas burlescas & escritos em prosa, reunindo a produção poética
publicada nas Primeiras trovas burlescas de Getulino (PTB), a partir da
edição póstuma de 1904, e acrescidas de cinco textos em prosa: a “Carta a
Lúcio de Mendonça”, a “Carta ao filho” e três artigos de jornal15. O
organizador pretendia reunir num só volume, pela primeira vez, “tudo o que
o grande abolicionista escreveu”. No entanto, seus esforços se revelaram
infrutíferos, pois dificuldades na busca e/ou identificação de fontes
limitaram o escopo original do projeto. Quanto à produção jornalística,
Góes afirmou que, “de toda [a] longa atividade de Luiz Gama na imprensa,
bem pouca coisa [era] conhecida”. Sentia-se frustrado por não acrescentar
novos textos “saídos da pena de um dos verdadeiros grandes homens do
Brasil”, visto não ter localizado “coleções completas dos jornais onde ele
escreveu”, limitando-se, portanto, a reproduzir o que se encontrava “esparso
em artigos e livros sobre ele”, como o Precursor do abolicionismo no
Brasil (1938), de Sud Menucci, lançado no cinquentenário da abolição.
Publicada em plena Segunda Guerra Mundial, a coletânea organizada por
Góes era apresentada como “oportuna” e “necessária” por lembrar aos
brasileiros, naqueles tempos “inflamados de ódio” e de lutas travadas pela
liberdade em várias “partes do mundo”, a figura de um tenaz defensor dos
“direitos humanos”16.
A situação descrita por Góes a propósito de Luiz Gama pouco se
alteraria até a década de 1980, quando as condições de pesquisa
melhoraram sensivelmente. A historiografia da escravidão se viu estimulada
por novos temas e pela exploração de novas fontes em arquivos mais
organizados que na época das improdutivas buscas de Góes. No final dos
anos 1990, tem-se, entre os resultados desses avanços, a obra Orfeu de
carapinha. A trajetória de Luiz Gama na imperial cidade de São Paulo
(1999), de Elciene Azevedo, referência para os estudiosos do abolicionista
negro e contribuição fundamental por trazer à tona informações inéditas
sobre o personagem-tema, graças à consulta (física), em arquivos paulistas,
de jornais como fonte primordial da pesquisa.
II

O desconhecimento da “verdadeira” obra “em prosa” de Luiz Gama, como


diria Góes, estendia-se à obra do poeta cujo nome por muito tempo
associou-se aos versos antológicos de “Quem sou eu” (também conhecido
como “Bodarrada”), fato que acabaria ofuscando outros aspectos de sua rica
produção poética. Doze anos depois de começar a ler e a escrever,
escapando do silêncio e da ignorância impostos aos escravizados, Luiz
Gama entrou para o mundo das letras com o lançamento das Primeiras
trovas burlescas de Getulino (1859, 1861), coletânea de sátiras políticas,
sociais e raciais e de poemas românticos. Depois da segunda edição, não
abraçaria outros projetos poéticos, lançando-se exclusivamente à atividade
jornalística.
Raros autores referiram-se às PTB, que tiveram apenas duas edições e,
aparentemente, esgotaram-se no início dos anos 1870. É o que se depreende
do seguinte anúncio publicado no Radical Paulistano e no Correio
Paulistano entre novembro de 1869 e o primeiro semestre de 1870:
“Poesias joviais e satíricas por Luiz Gama – Os últimos exemplares da
2a.dição enriquecidos com belíssimos cânticos do exmo. conselheiro José
Bonifácio. Vende-se nesta tipografia a 2$000”. Uma edição póstuma veio a
lume em 1904 e, ao longo do século XX, serviu de fonte para vários
estudos, a despeito da existência de outras edições, recheadas de
imperfeições e pouco fidedignas, como a do próprio Fernando Góes, em
1944. A edição organizada por João Romão da Silva, em 1954, tinha como
objetivo demonstrar a relação das sátiras com as ideias de um abolicionista
desprovido, porém, de talento para as “artes verbais”, na visão um tanto
ligeira do insigne prefaciador Otto Maria Carpeaux17. Na realidade, os
analistas, brancos na maioria, viam-se diante de um impasse: qual o lugar,
na estrutura social e na história cultural e política do Segundo Reinado, de
um negro livre, escritor, político, contestador do status quo monarquista e
escravocrata? Analogamente, salvo raríssimas exceções, como Paulo
Franchetti e Wilson Martins, críticos e historiadores relutam em propor uma
classificação para a obra poética de Luiz Gama no campo da literatura
brasileira18.
Um dos primeiros frutos de nossa pesquisa de doutorado, quando
evidenciou-se a necessidade de resgatar os escritos de Luiz Gama, foi a
publicação da obra poética integral de Luiz Gama em Primeiras trovas
burlescas & outros poemas (2000), tomando como base as edições
organizadas pelo próprio autor (1859 e 1861), muito diferentes entre si, até
então pouco referidas e de difícil acesso em bibliotecas – em especial a
primeira19. No final dos anos 1990, localizamos essas obras raríssimas na
biblioteca pessoal de José Mindlin, cuja autorização para copiá-las (a mão,
não havia computadores portáteis àquela longínqua época!) garantiu a
realização de nosso projeto editorial, segundo as normas da coleção “Poetas
do Brasil”, coordenada por Haquira Osakabe: no total, 53 poemas, dos
quais três constantes da primeira edição e retirados da segunda, e onze
publicados entre 1865 e 1876 na imprensa (Diabo Coxo, Cabrião e O
Polichinelo).
A esta altura, quem nos lê deve se perguntar quais as relações entre a
obra poética e a produção jornalística de Luiz Gama. São muitas. O ex-
escravo autodidata, que buscou através da instrução e da palavra escrita sua
segunda liberdade, embora não tivesse cursado a Faculdade de Direito,
como insistia em afirmar, compartilhava do atributo marcante dos juristas
brasileiros do século XIX que atuaram em todos aqueles campos, às vezes
em detrimento da advocacia. Na realidade, o “retumbante Orfeu de
carapinha”, que assim teatralmente se apresentava e desejava ser visto nas
PTB, nunca se calou sob a pena do jornalista, que, em carta enviada a um
amigo em 1870, confessara sua total dedicação ao “plano inclinado da
política”20. Como se sabe, desde Aristófanes, sátira e política estão
intimamente ligadas. Na vida pública, durante a Renascença italiana, assim
como em toda Europa ao longo do século XVIII, o gênero satírico
desempenhara papel idêntico ao da caricatura no jornalismo moderno. Os
ataques à tirania e ao anticlericalismo são temas caros aos versos e à prosa
de Luiz Gama. A crítica social sob essa forma lhe convinha perfeitamente,
pois exigia uma liberdade de expressão e audácia que nenhum ex-
escravizado ou homem negro antes dele tivera para enfrentar os poderes que
oprimiam escravizados e antimonarquistas. Entre os tipos sociais visados
pelo sátiro moralista, guiado pelo princípio clássico da comédia castigat
ridendo mores (corrige os costumes pelo riso), o jornalista cínico e sem
escrúpulos, ao lidar com a reputação alheia, precisará ser “tratado” com
uma boa emenda:

P’ra o torpe jornalista que não sente,


A pena mergulhada na desonra;
E de vícios coberto, o saltimbanco,
Só trata de cuspir na alheia honra

Prudência e tino,
Critério e siso;
Também vergonha,
Se for preciso:
E se esta dose
Lhe não bastar
Um bom cacete
Para o coçar21.

Impossível, portanto, não pensar nesses versos quando, em vários artigos,


ouvimos os protestos de um Luiz Gama furioso com boatos a seu respeito,
chamando “retoricamente” para a briga os seus caluniadores22.
O mundo às avessas, tema tradicional da sátira de caráter moralista à
qual se afiliava, é retratado nas PTB (“Que mundo? Que mundo é
este?/[...]/Vejo o livre feito escravo/Pelas leis da prepotência”23) e, depois,
retorna na maioria de seus artigos, repletos de vocabulário e imagens para
descrever os polos em desaprumo: de um lado, as “pessoas livres
ilegalmente escravizadas”, “os infelizes postos/mantidos ilegalmente no
cativeiro”, “ilegalmente mantidas em cativeiro”, “indevido cativeiro”;
“libertos que sofrem cativeiro ilegal”, “africanos ilegalmente importados”, a
“liberdade [do escravizado] é um crime”; de outro, os “salteadores da
liberdade”, os “defensores da criminosa escravatura”, “o governo, protetor
do crime e da imoralidade” etc.
As PTB antecipavam, assim, temas tratados posteriormente nos artigos
jornalísticos, em tom e retórica não menos ruidosos: a hipocrisia social e
racial, os vícios do regime imperial, a corrupção da classe política e dos
senhores, a ignorância dos letrados, as transgressões ao direito cometidos
por advogados e juízes comprometidos com o status quo escravista, a
inépcia do sistema judiciário e a desigualdade de tratamento entre negros e
brancos, pobres e ricos. Prova disso é a verdadeira obsessão de Gama em
fustigar o universo jurídico, ambiente no qual viveu mergulhado por quase
duas décadas na cidade que abrigava a Academia de Direito, uma das
primeiras instituições de ensino superior do Império. Estudantes,
professores e advogados faziam parte do círculo de amigos e aliados;
muitos deles fundavam e escreviam nos jornais, além de formar parte do
restrito público de leitores da província. Entre os “doutores”, o abolicionista
também se chocou e ganhou fiéis inimigos, com suas acusações à justiça
brasileira de ser venal e criminosa, tópico recorrente em vários poemas e
que, no Brasil de hoje (de sempre?), entra governo, sai governo, mantém-se
tristemente atual:

Se temos Deputados, Senadores,


Bons ministros e outros chuchadores
Que se aferram às tetas da Nação
Com mais sanha que o Tigre ou que o Leão;
[...]
Não te espantes, ó Leitor, da pepineira,
Pois que tudo no Brasil é chuchadeira!
[...]
Se a justiça, por ter olhos vendados,
É vendida, por certos Magistrados,
Que o pudor aferrando na gaveta
Sustentam que o Direito é pura peta;
E se os altos poderes sociais,
Toleram estas cenas imorais;
Se não mente o rifão, já mui sabido:
— Ladrão que muito furta é protegido —
É que o sábio, no Brasil, só quer lambança,
Onde possa empantufar a larga pança!24

Posteriormente, o jornalista faria referência a essa longa sátira política e


social, intitulada “Sortimento de gorras para gente do grande tom”, num de
seus polêmicos artigos. Quase vinte anos depois do aparecimento das PTB,
em momento de retrocessos políticos e cisões ideológicas no campo
abolicionista e republicano, Luiz Gama, atacado por defender soluções
drásticas para a emancipação dos escravizados, respondia com acidez às
críticas dos colegas do jornal A Província de São Paulo, lembrando que o
poeta satírico não morrera: “fui, em outros tempos, quando ponteava rimas,
fabricante de sátiras, em forma de carapuças e, ainda hoje, tenho o vezo da
arte”25.
Para deleite dos leitores e fúria dos detratores, em outra ocasião
jornalista e poeta satírico se fundem, um passa o bastão da escrita para o
outro, na construção de um texto híbrido: a descrição em ferinas pinceladas
da metamorfose de um arrogante juiz escravocrata (“águia na ferina altivez
do olhar”, “águia no gênio e na sanha contra os negros”) rapidamente
descamba para a sátira versificada, no melhor estilo e idêntica métrica de
Gregório de Matos, já praticados por Luiz Gama nas PTB. O uso de tal
recurso parecia ser o mais eficaz para retratar, sob os olhos do público, a
baixeza moral da traiçoeira autoridade que fixara uma quantia exorbitante
para uma escrava “comprar” sua liberdade. O fato bastou para que o poeta
satírico tecesse comparação com os trinta dinheiros pagos ao traidor de
Jesus:

Atentem nisto!
A liberdade,
Sem piedade.
Eu vendo como Judas vendeu Cristo.26

O exemplo anterior foi extraído de um dos textos até agora inéditos que se
poderá ler aqui. Obviamente, as condições para se identificar relações
(temáticas, intertextuais) existentes entre os diversos escritos de Luiz Gama
dependem não só do conhecimento ampliado como da possibilidade de
cotejá-los, preocupação que nos perseguiu depois de reunir a obra poética
do autor.
Assim, nos primeiros anos do século XXI, cresceu, dentro e fora do
mundo acadêmico, o número de estudos e discursos “sobre” Luiz Gama,
alguns fidedignos, apoiados em fontes seguras, outros imprecisos, quando
não puramente ficcionais. Aliás, como mostram vários artigos, nosso autor
exasperava-se com notícias falsas e fantasiosas a seu respeito, e reagia
prontamente pelos jornais no intuito de estancá-las, prova da maneira atenta
com que ele – negro, figura notória e formador de opinião pública – zelava
por sua imagem e reputação de homem honesto, virtuoso e sincero (“Esta é
a verdade que profiro sem rebuço, e que jamais incomodará aos homens de
bem”27). Gama buscou, por todas as formas, a autonomia incondicional, o
direito a ter voz, o desejo de ser ouvido. Note-se, igualmente, que sua
biografia excepcional e seus feitos como abolicionista desviaram a atenção
do seu principal legado: seus escritos.
Tal constatação motivou-nos a organizar a coletânea Com a palavra,
Luiz Gama. Poemas, artigos, cartas, máximas (2011), no intuito de oferecer
ao público de hoje uma visão panorâmica e a possibilidade de ler textos
inéditos na íntegra, e não apenas sob a forma de discursos indiretos ou de
breves citações. Conforme anunciava o título, a ideia era acessar
diretamente a palavra do autor, colocando-nos na posição dos leitores de
seu tempo, a fim de apreciar a forma como inscreve sua subjetividade,
coloca sua cor e seu corpo na escrita e no discurso – às vezes numa
encenação teatral –, em particular nos textos jornalísticos, nos quais
reproduz artifícios empregados em sua poesia satírica. Além disso, não
existe texto jornalístico sem a instauração do diálogo ou a interação
explícita com os leitores, destinatários de existência real em relação aos
quais as expectativas podem variar da adesão à rejeição das ideias e
opiniões do redator. Buscávamos, assim, ilustrar a riqueza e a diversidade
de sua produção, tanto do ponto de vista dos gêneros textuais quanto do
leque temático, por meio de uma antologia contendo doze poemas extraídos
da edição anterior das PTB, 31 máximas publicadas n’O Polichinelo (1876),
cinco cartas (correspondência ativa); e dezenove artigos escritos entre 1869
e 1882, dos quais dezesseis foram publicados na imprensa paulistana e três
na imprensa carioca.
De lá para cá, os avanços neste campo foram notáveis e ajudam a
compreender o que muitos consideram a “inexplicável” ignorância dos
escritos de Luiz Gama. Assim, ao “silenciamento” e à invisibilidade da sua
obra jornalística, cujo papel fora minimizado em narrativas oficiais do
abolicionismo triunfante – encabeçadas por homens brancos –,
correspondeu um longo silêncio e invisibilidade a que ficaram confinados
arquivos hoje disponíveis ao garimpo de pesquisadores dispostos a
(re)discutir visões, atores e discursos consagrados daquela história. O
levantamento do corpus jornalístico presente em Com a palavra... fora
feito, em anos anteriores, através de consultas nos arquivos físicos do
Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (IHGSP) e do Arquivo do
Estado de São Paulo (transferido para a nova sede em 2012), que conserva
preciosidades entre os jornais não digitalizados, como a Gazeta do Povo,
folha abolicionista e republicana raramente explorada, porém de
fundamental importância para o estudo da produção jornalística e da
atuação profissional e política de Luiz Gama entre dezembro de 1880 e
agosto de 1882. Por fim, as buscas realizadas na hemeroteca digital da
Fundação Biblioteca Nacional, também criada em 2012, comprovaram
nossa hipótese de ser ali possível levantar novas peças para a montagem do
extenso quebra-cabeça da obra de um “trabalhador incansável do
jornalismo”, que teve, como outros intelectuais no século XIX, a “plena
convicção de ser ator da história”28.
Assim nasceu este livro.
III

Apresentamos aqui uma coletânea de 61 artigos relacionados aos temas


escravidão, abolição e república, de reconhecida autoria de Luiz Gama,
publicados na imprensa de São Paulo e do Rio de Janeiro entre 1864, data
do primeiro texto encontrado, e 1882, ano do falecimento do jornalista.
O recorte temporal enfoca um período determinante da história
brasileira cujas turbulências, no plano coletivo, afetaram a mentalidade e os
destinos da nação e, no plano individual, a vida e a carreira de Luiz Gama,
que se faria conhecer em todo o país como figura de proa de dois
movimentos para ele indissociáveis: abolicionismo e republicanismo,
espinha dorsal de seu ativismo.
O país atravessava “tempos incompreensíveis”, desabafou o jornalista
no artigo de 29 de janeiro de 1867. As tensões provocadas pela Guerra do
Paraguai (1864-1870) ameaçaram fazer ruir o edifício monárquico e
escravista. O conflito trouxera à tona as fragilidades das forças armadas
constituídas às pressas, com efetivos escravos arregimentados sob ilusórias
promessas de liberdade, que “recebiam uma carabina envolvida em uma
carta de alforria, com a obrigação de se fazerem matar à fome, à sede e à
bala nos esteiros paraguaios e [...] morriam, volvendo os olhos ao território
brasileiro”, conforme relembrava Luiz Gama numa carta pública a Ferreira
de Menezes em 16 de dezembro de 1880. O processo de exclusão era
flagrante. O abolicionista provavelmente discordaria de uma interpretação
recente, segundo a qual a experiência coletiva no Paraguai representara o
“maior fator de criação de identidade nacional desde a Independência”29,
quando, na verdade, expôs as chagas e a insustentabilidade do escravismo
brasileiro sobre o qual pairava, igualmente, o fantasma da trágica guerra
civil e o fim da escravatura em 1865 nos Estados Unidos. O Brasil adquiria,
então, a incômoda posição de último regime monárquico e escravista nas
Américas.
Ainda em plena guerra, o fosso entre os dois principais campos
políticos, conservadores e liberais, se acentuava. Em 1868, a séria crise
desencadeada pela queda do gabinete (formado por ministros de Estado)
presidido pelo liberal Zacarias de Góis e Vasconcelos, destituído por d.
Pedro II, representou um divisor de águas: a imagem do Imperador saiu
arranhada, e seus adversários reforçaram as críticas ao uso abusivo do
Poder Moderador, prerrogativa constitucional do monarca para nomear e
destituir o conselho de ministros. Os efeitos da ascensão conservadora se
espraiavam em todos os níveis da vida pública. De julho a novembro de
1868, o Correio Paulistano estampou quase diariamente a lista de
funcionários públicos demitidos, dos parlamentares liberais cassados, das
vítimas de assassinatos políticos. O ex-escravo Luiz Gama não escaparia à
onda de demissões; a sua, motivada por sua coragem, considerada
admirável para uns, mas vista como insolência imperdoável para outros. Em
1880, ele deu sua versão dos fatos:

Em 1856, [...] fui nomeado amanuense da Secretaria de Polícia, onde


servi até 1868, época em que “por turbulento e sedicioso” fui demitido a “bem
do serviço público” pelos conservadores, que então haviam subido ao
poder. [...] A turbulência consistia em fazer eu parte do Partido
Liberal; e, pela imprensa e pelas urnas, pugnar pela vitória de minhas e
suas ideias; e promover processos em favor de pessoas livres
criminosamente escravizadas; e auxiliar licitamente, na medida de
meus esforços, alforrias de escravos, porque detesto o cativeiro e todos
os senhores, principalmente os reis30.

Em 1868, portanto, uma cisão entre os liberais levou à criação do Partido


Radical Liberal, responsável pela rápida difusão dos ideais republicanos
também gestados, em São Paulo, no seio da Faculdade de Direito e da
maçonaria paulista, na qual Luiz Gama se distinguiu como um de seus
principais representantes. Em 1869, o ativo Clube Radical Paulistano
organizou uma série de “conferências públicas” que mobilizaram a cidade.
A primeira delas ficou a cargo de Luiz Gama, que discorreu sobre a
necessidade de se extinguir o Poder Moderador, diante de um público de
mais de quinhentas pessoas, com ampla repercussão nos jornais: “O sr. Luiz
da Gama tanto mais distinguiu-se, quanto se lembram os que o conhecem
ser ele um cidadão que não cursou Academias, o que não lhe impede de
conhecer os direitos da nação, discuti-los e os pedir” (O Ipiranga, 20 de
julho de 1869). A iniciativa antecedeu em mais de dez anos os eventos de
mesmo nome realizados na corte, por iniciativa da Sociedade Brasileira
contra a Escravidão.
No final da década de 1860, assistia-se a uma renovação intelectual e
ideológica sob o influxo de pensadores europeus, especialmente os
franceses Renan, Taine e Comte. Conforme assinalou Silvio Romero, um
“bando de ideias novas” pairou sobre as cabeças de uma nova geração de
brasileiros, ansiosos por reformar o país. A maré republicana cresceu com a
fundação do Partido Republicano na corte, em 1870, e em São Paulo três
anos depois, com a criação do Partido Republicano Paulista, constituído
desde seu nascedouro, para o assombro de Luiz Gama, por fazendeiros
escravocratas. Por cobrar postura ética e coerência ideológica, ele manteria
relações tensas com a agremiação.
A lei de 29 de setembro de 1871, apelidada “Lei do Ventre Livre”,
único texto emancipacionista entrado em vigor durante a vida do
abolicionista, consistiu num passo tímido e, ainda assim, sujeito a violações
em sua aplicação, como avaliaria, quase dez anos depois de sua
promulgação, nosso atento “observador jurídico”:

A lei áurea de 28 de setembro de 1871, imposta ao governo, e


arrancada ao Parlamento [pela] vontade nacional, [...] desde o começo
grosseiramente sofismada, senão criminosamente preterida, em sua
execução; e que, hoje, muito longe está de satisfazer às aspirações, à
civilização e [a]os progressos do país, ainda assim, continua a ser
flagrantemente violada pelo governo, pela Magistratura, pela
monocracia, e pelos donos de escravos31.

Naquele mesmo ano, de março a maio de 1871, a França foi surpreendida


pela Comuna de Paris, insurreição protagonizada por uma classe operária de
orientação socialista, com o objetivo de criar um “governo do povo para o
povo”. No entanto, o movimento foi derrotado por uma repressão sangrenta
na capital francesa, ocupada pelos insurgentes. Hoje seria difícil imaginar
que as repercussões desse movimento, apoiado por Marx e por membros da
Primeira Internacional, no Brasil respingariam no mais ardoroso defensor
dos “trabalhadores” escravizados. Alvo de insinuações caluniosas – de que
seria um dos “agentes da Internacional” empenhados em promover
“insurreições escravas” na província –, em artigo de 10 de novembro de
1871 busca desmenti-las de forma contundente pela imprensa.
Entre 1872 e 1875, um longo debate disciplinar opôs autoridades
tradicionalistas da Igreja à maçonaria e ao governo imperial. Nascida de um
incidente anódino, a “Questão religiosa” ganhou dimensão inesperada e
agravou a união entre o trono e o altar. A Igreja diabolizou a maçonaria, e
os padres foram proibidos de se afiliar a lojas maçônicas, como soía no
Primeiro Reinado; além disso, foram impedidos de casar, batizar, rezar
missas e participar do funeral de maçons. Os bispos de Olinda e Belém
proibiram os maçons de participar das confrarias religiosas e, diante da
recusa em suspender a proibição, foram condenados a trabalhos forçados
pelo Imperador, já que seus poderes suplantavam os das ordens
eclesiásticas. Os bispos foram anistiados em 1875, porém a Igreja jamais
perdoaria as condenações dos religiosos por dom Pedro II, nem sua
tolerância para com a maçonaria à qual seu pai pertencera. Anos antes da
eclosão da Questão religiosa, Luiz Gama, escudando-se num dos principais
“escritores da culta França” – o político, historiador, abolicionista e maçom
Édouard de Laboulaye –, já defendia um “Estado sem religião assalariada
pelo governo e sem padres fidalgos e mercenários”, como se pode ler em
seu artigo de 29 de janeiro de 1867. A desconfiança mútua entre católicos e
maçonaria ainda era viva quando, em 1876, o jornalista anticlerical dedicou
uma máxima chistosa aos religiosos n’O Polichinelo, periódico de sua
propriedade: “Se tão horroroso é o Diabo pintado pelos padres, o que seria
dos padres se os pintasse o Diabo”32.
Desde o final dos anos 1870, o incurável diabetes começava a
fragilizar Luiz Gama, sem jamais abalar sua disposição para a “luta
renhida” contra os senhores e a certeza de que, em breve, estes iriam
“cair”33. Contudo, os amigos mais próximos inquietavam-se com sua saúde,
receando não ter ele condição de alcançar o advento da abolição e da
República. Lúcio de Mendonça, irmão do histórico republicano Salvador de
Mendonça, publicou no Almanaque literário de São Paulo para o ano de
1881 o primeiro ensaio biográfico dedicado a Luiz Gama, elaborado a partir
das informações que esse último lhe enviara por carta alguns meses antes34.
Mas o artigo tinha um segundo objetivo além de enaltecer o velho “mestre”:
Mendonça elegera o exemplo de seu biografado para restaurar a dignidade
de uma família política naquele momento afetada em sua identidade e
corroída por defecções. No início dos anos 1880, o Partido Republicano
possuía baixa representatividade nacional, resultado provável da tênue
fronteira ideológica entre republicanos e liberais. O retorno destes à
presidência do Conselho de Ministros nas eleições parlamentares de 1878
golpeara os republicanos, cuja ascensão tanto conservadores quanto liberais
desejavam conter, aproveitando-se do fato de os republicanos encontrarem-
se divididos – de um lado, uma corrente eminentemente urbana cujos
adeptos idealistas abraçavam as “utopias desprezadas” pela ordem imperial;
de outro, uma corrente rural, descontente com o Imperador, é encarnada por
fazendeiros escravistas e outras categorias dependentes da oligarquia
cafeeira35. O pomo da discórdia girava em torno da escravidão: manter ou
abolir. Porém, alguns republicanos ávidos de ascender rapidamente na
carreira política filiaram-se ao Partido Liberal. Alguns líderes republicanos
deploraram as dissidências que comprometiam a existência do partido.
Oposto a qualquer ideia de aliança, a seus olhos nefasta para a identidade
republicana, Lúcio de Mendonça proclama que um “republicano aliado a
liberais ou há de ser mau republicano ou há de ser mau aliado”36.
Aos embates políticos somava-se a agitação crescente nas fazendas das
zonas cafeeiras. Entre 1880 e 1881, quando se publica o artigo de
Mendonça sobre Luiz Gama, os agricultores escravagistas mobilizam-se
sem trégua para estancar qualquer projeto de emancipação dos escravos e
para conter revoltas nas fazendas, especialmente em São Paulo. Nas linhas
iniciais de seu artigo biográfico, Mendonça colocava como pano de fundo
os dilemas então vividos pelos “republicanos brasileiros, a toda hora
abocanhados pela recordação injuriosa de meia dúzia de apostasias” e, ao
mesmo tempo, enviava um recado discretamente irônico à “nobre província
de São Paulo”, que deveria rejubilar-se com a “biografia gloriosa” do
paradigmático republicano37.
No início dos anos 1880, se o regime escravocrata resistia, não parecia
estar longe a agonia imperial. Aquele ano constituiu um marco para a
propaganda abolicionista, em particular na corte. Os abolicionistas negros
André Rebouças e José do Patrocínio, e outros indivíduos reunidos em
torno de José Nabuco, fundaram a Sociedade Brasileira contra a
Escravidão. Ferreira de Menezes lançou a Gazeta da Tarde, que se tornaria
o principal jornal abolicionista no Rio de Janeiro. Em julho daquele ano,
foram inauguradas as conferências públicas, realizadas sem interrupção até
1881. Dava-se início a uma nova fase do movimento abolicionista, com o
incremento da mobilização e da participação popular de diversas classes
urbanas desde as senzalas.
Este breve contexto “histórico” ficaria incompleto sem aludir ao
incômodo gerado, nesse ambiente, pela condição racial dos abolicionistas
afrodescendentes, “mestiços” em sua maioria, tidos como radicais, razão
pela qual se tornavam alvos de desdém e ofensas racistas. Contribuíram
particularmente para a disseminação do racismo, na segunda metade do
século XIX, as ideias do conde de Gobineau, ex-cônsul da França no Brasil
entre 1869-1870 e autor do Essai sur l’inégalité des races humaines (Ensaio
sobre a desigualdade das raças), de 1853. Para esse sacerdote do racismo, o
cruzamento de espécies diferentes produzia mestiços decadentes,
degenerados e avessos a processos civilizatórios, prenunciando, para um
país miscigenado como o Brasil, não exatamente o “espetáculo”38, mas a
tragédia das raças. Naquele momento, a questão seria discutida e politizada
por eles em seus respectivos escritos jornalísticos (Luiz Gama, José do
Patrocínio) ou em diários (André Rebouças).
Não deixa de surpreender que, até recentemente, em livros e manuais
de comunicação, história, literatura e direito, quando mencionados, os
ativistas negros do século XIX possuam nome, mas não tenham “cor”. Essa
categoria, assim como a raça e o estigma da escravidão, já havia investido o
discurso político e jurídico, mas agora ficava mais patente. Luiz Gama fazia
questão de explicitá-lo: embora o sangue africano corresse nas veias de
todas as camadas da sociedade brasileira, como discorre no poema “Quem
sou eu” (“Se negro sou/ou sou bode,/Pouco importa. O que isto pode?
Bodes há de toda a casta,/Pois que espécie é muito vasta/[...] Aqui, n’esta
boa terra,/ Marram todos, tudo berra!”), as teses raciais pseudocientíficas
nutriram o racismo estrutural ainda lamentavelmente alojado nos corações,
mentes e instituições no país39.
São inúmeros os exemplos presentes nos textos jornalísticos de Luiz
Gama, limitemo-nos aos três que seguem. No final de 1880, assim que leu a
notícia num jornal, Luiz Gama saiu imediatamente em defesa do colega e
ativista José do Patrocínio, insultado durante um comício em Santos,
escrevendo o seguinte:

Ilustrado redator,
Acabo de ler, o contristador escrito [...] contra o distinto cidadão José
do Patrocínio.
Em nós, até a cor é um defeito, um vício imperdoável de origem, o
estigma de um crime; e vão ao ponto de esquecer que esta cor é a
origem da riqueza de milhares de salteadores, que nos insultam; que
esta cor convencional da escravidão, [...] à semelhança da terra, ao
través da escura superfície, encerra vulcões, onde arde o fogo sagrado
da liberdade.
Vim [lembrar ao] ofensor do cidadão José do Patrocínio por que
nós, os abolicionistas, animados de uma só crença, dirigidos por uma
só ideia, formamos uma só família, visando um sacrifício único,
cumprimos um só dever.
José do Patrocínio, por sua elevada inteligência, [...] brios, [...]
patriotismo, [...] nobreza [de] caráter, [...], que não têm cores, tornou-
se credor da estima e é digno dos louvores dos homens de bem.40

Vemos como, em sua argumentação, o autor desconstrói e ressignifica o


polissêmico termo “negro” (≠ “defeito”, “escravo”, escravidão”; =
“riqueza”, “fogo sagrado da liberdade”). O “eu” torna-se “nós” pelo
imperativo de demonstrar solidariedade racial e amplia-se ao “nós” da
igualdade e fraternidade abraçadas por uma comunidade coesa (“uma” só
crença, “uma só família”) e unida por valores éticos e virtudes comuns
(“inteligência”, “brios”, “nobreza de caráter”).
O fino analista, por “pensar-se” e saber “ser visto” como negro, era
capaz de adivinhar o pensamento, o sentimento e a visão do outro, branco e
escravocrata, sobre os escravizados, triplamente estigmatizados pelos
elementos que nos seus corpos se misturam: origem geográfica, condição
social, cor – esta última tornando-se a mais distintiva, e aprisionadora,
diferença: “Os senhores [...] habituados a ver somente a cor negra dos seus
escravos, e a calcular sobre as arrobas de café, veem no país inteiro uma
vasta fazenda [...]”41.
Filho de uma africana, segundo ele, “livre”, Luiz Gama manteve-se
continuamente atento ao destino doloroso de centenas ou milhares de
africanos livres, em condição de extrema vulnerabilidade quando caíam nas
malhas absurdas, quase enlouquecedoras, de decisões judiciais que, longe
de definir-lhes um destino ou situação, atiravam-nos num limbo jurídico em
que ser “livre” e “africano” soava como contradição. Ouçamos seu relato:

Hoje, nos juízos, e nos tribunais, quando um africano livre, para evitar
criminoso cativeiro, promove alguma demanda, exigem os sábios
magistrados que ele prove qual o navio em que veio; qual o nome do respectivo
capitão.

Negros boçais, atirados a rodo, como irracionais no porão de um


navio; como carga, como porcos, desconhecedores até da língua dos
seus condutores, obrigados a provar a qualidade, e o nome do navio em que
vieram; e o nome do respectivo capitão!!

Isto é justiça para negros [...]42.

Para retratar a lógica de um país às avessas, não há recurso de linguagem


mais adequado do que a ironia, em que os sinais também aparecem
trocados, já que o interlocutor, supostamente capaz de apreender os sentidos
implícitos, deve compreender o contrário do que diz o locutor. Além disso,
a ironia carrega a palavra ou o pensamento de outrem com o intuito de
desmascará-lo e tornar visível a verdade a quem tiver olhos para ver. Pois,
nos escritos de Luiz Gama, nem sempre o artifício retórico é facilmente
perceptível, e corre-se o risco de tomar por suas crenças e julgamentos de
uma dada pessoa, de um grupo ou da própria sociedade. No trecho a seguir,
o jornalista, ao narrar dois casos dignos de crônicas policiais, serve-se da
ironia, especialmente na sequência de termos ou expressões qualificativas,
para mostrar como a condição social e racial diametralmente oposta de dois
criminosos – um jovem “negro” e uma jovem “branca” – interferem
diferentemente na apreciação moral e judicial suscitada por seus respectivos
atos:

[Em] Minas Gerais, [...] um negro nascido neste libérrimo país, um


miserável escravo, ininteligente, inculto, estúpido, bruto, sem
costumes, sem caráter, sem bons sentimentos, sem pudor, criado como
coisa, para adquirir a sua liberdade, para fazer-se homem, pegou de um
seu senhor moço, menino, inocente, inofensivo, inconsciente, seu amigo,
e... matou-o!...
Matar um futuro senhor? [...] desfazer a tirania em miniatura?...
em projeto?... sob a fórmula ridícula de pueril criança, para evitar o
cativeiro, no futuro?!...
Este acontecimento espantoso atesta a existência de uma ideia
fixa, perigosa: acusa uma obliteração mental; o seu autor, porém, é um
negro!... [...]

Aquela jovem nobilíssima, paulista distinta, rica, importante, poderosa,


que furtivamente, em erma habitação, dava à luz o filho de um
escravo; que, de concerto com a sua ilustre família, abusando, com
ignomínia, da fraqueza, da sensibilidade de uma mulher escrava, à
noite, mandava sepultar vivo, nas águas do Tamanduateí, o fruto pardo
das suas relações negras; foi vítima de uma fraqueza inevitável: tem
plena justificação nas leis da fisiologia; tem direito à absolvição da
sociedade; não é uma ré, é uma vítima [...]43.

Desde seus primeiro artigos, o jornalista não se intimidou em mostrar os


preconceitos e as desigualdades enraizados na justiça, um dos pilares do
próprio Estado, e o tratamento acintoso do desrespeito aos direitos humanos
como um todo. Suas reflexões e perplexidade assemelham-se às que
atualmente nos afligem, diante dos sórdidos espetáculos a que sem trégua
temos assistido, a ponto de desejar com ele exclamar em coro: “Época
difícil é a que atravessamos para as causas judiciárias”44!
IV

Cumprindo a intenção inicial, este livro amplia consideravelmente o


conhecimento do ativismo exercido por Luiz Gama através da imprensa. Os
artigos são recheados de histórias dramáticas e argumentações irrebatíveis,
bem como também de elementos (auto)biográficos de um autor que faz e se
faz notícia, e instaura um interessantíssimo diálogo com seu
leitor/ouvinte/espectador. Mestre das narrativas e com perfeito domínio da
retórica, Luiz Gama constrói imagens de si, ou éthos, ciente de sua função
como traços fundantes e/ou estruturantes da autoridade, legitimidade e
eficácia discursiva buscadas junto ao público leitor/ouvinte/espectador com
quem estabelece um diálogo interessantíssimo, do qual agora participamos.
Cerca de dois terços dos textos presentes neste volume são inéditos.
Mesmo procurando fazer um levantamento exaustivo, seria arriscado
afirmar que dispomos aqui da totalidade dos artigos do autor, segundo os
recortes definidos. Naturalmente, não foi possível incluir todos os textos da
lavra de Luiz Gama que afloraram nas pesquisas e que versavam sobre os
mais variados assuntos, diferentes do nosso escopo temático. Descartamos,
igualmente, notas ou artigos de quando ele é notícia, o que já se observa a
partir de meados dos anos 1850, ou seja, antes mesmo de sua entrada no
universo letrado em 1859. Investigar esses dois aspectos, além de tentador,
sem dúvida seria útil para complementar o perfil biográfico, bem como o
leque variado da produção de ou sobre um jornalista com forte presença na
imprensa e participação ativa nos meios políticos, culturais e sociais da
cidade e da província.
O corpus, organizado em ordem cronológica, foi recolhido em nove
periódicos, todos de orientação abolicionista e republicana: Correio
Paulistano, Radical Paulistano, O Ipiranga, A Província de São Paulo,
Gazeta do Povo, de São Paulo; e A República, Gazeta da Tarde, O
Abolicionista e Tiradentes, do Rio de Janeiro45. Embora Luiz Gama tenha
iniciado sua atividade jornalística em meados dos anos de 1860 como
redator de Diabo Coxo e do Cabrião46, não foram encontrados escritos que
atendessem aos critérios relativos à autoria e ao recorte temático. Situação
idêntica repetiu-se n’O Polichinelo, semanário ilustrado fundado por Gama
e Pompílio de Albuquerque em 187647.
As tabelas a seguir evidenciam alguns aspectos ainda não destacados
no conjunto da produção jornalística do autor:

TABELA 1

Ano da colaboração Quantidade

1864 1

1867 1

1869 12

1870 7

1871 4

1872 6

1873 3

1874 1

1877 1

1880 9

1881 14

1882 2
Total 61

TABELA 2

Jornal Local Ano/período da Quantidade


colaboração

Correio Paulistano SP 1864-1874 27

Radical Paulistano SP 1869 6

O Ipiranga SP 1869 1

A Província de São SP 1877-1881 4


Paulo

A República RJ 1873 1

Gazeta do Povo SP 1880-1881 7

Gazeta da Tarde RJ 1880-1882 13

O Abolicionista RJ 1881 1

Tiradentes RJ 1882 1

Total 61

Seria impossível, no espaço desta introdução, analisar ou comentar todos os


dados, individualmente ou de forma cruzada. Escolhemos abordar alguns
aspectos que se sobressaem ou iluminam especificidades só evidenciadas
através de uma visão panorâmica, mesmo sob o risco de deixar expostas
algumas lacunas.
Na tabela 1, observa-se uma notável concentração de artigos em 1869
(doze) publicados em três periódicos (especialmente Correio Paulistano e
Radical Paulistano), fato que só se repetiria em 1881 (quatorze artigos, dos
quais oito na Gazeta da Tarde e quatro na Gazeta do Povo, de São Paulo). É
possível igualmente visualizar períodos de atuação mais intensa: entre 1869
e 1872, encontram-se 29 artigos (a partir de 1870, exclusivamente no
Correio Paulistano); e, nos anos finais, de 1880 a 1882, 25 colaborações
(novamente, sobretudo na Gazeta da Tarde e na Gazeta do Povo). De 1864
a 1882, o levantamento efetuado aponta alguns hiatos na produção
jornalística de Luiz Gama, possivelmente relacionados à acumulação de
atividades nos campos familiar, profissional e ativista. Uma hipótese para a
lacuna existente entre 1865 e 1866 é o fato de que, além de chefe de
família, ele passa a trabalhar no serviço público como amanuense da
Secretaria de Polícia e, nas horas vagas, se envolve na redação do Diabo
Coxo e do Cabrião.
Em 1876, já retirando seu sustento unicamente da advocacia, Luiz
Gama lança-se como empresário do jornalismo ao fundar o semanário
político O Polichinelo, ilustrado por Huáscar de Vergara, em formato
tabloide de oito páginas, que circulou de 16 de abril a 31 de dezembro. O
novo periódico surge como órgão independente, desvinculado de partidos e
grupos de interesse, e com o compromisso de ser uma alternativa a uma
imprensa paulistana que, segundo seu fundador, equivocava-se quanto a sua
verdadeira vocação. Quase nunca ou raramente referindo-se à escravidão,
os temas mais recorrentes nos textos e charges do Polichinelo vão do
anticlericalismo e ataques à monarquia à vida política na província
(disputas eleitorais, conflitos partidários, improbidades na administração
pública etc.) e críticas à imprensa local. O redator-chefe prometera vigiar a
todos “com faro de polícia” sem receio de criar polêmicas e ressentimentos
pessoais, em torno da atuação de jornais como o Correio Paulistano e,
sobretudo, A Província de São Paulo. Fundado no ano anterior, este jornal
seria, para Luiz Gama, o triste resultado de uma “decomposição da velha
ordem das coisas”48, por razões que ficarão mais claras em seus artigos a
partir de 1880.
A tabela 2 mostra que mais da metade das colaborações de Luiz Gama
se dá em dois importantes jornais – 27 artigos no Correio Paulistano, de
São Paulo, de 1864 a 1874, e treze na Gazeta da Tarde, do Rio de Janeiro,
de 1880 a 1882. Esses dados refletem, por um lado, o prestígio do jornalista
e a rede de sociabilidade firmada dentro de sua província e na corte,
epicentro dos debates e embates políticos, sociais e econômicos do país.
Chama a atenção o número expressivo de artigos seus estampados nas
páginas de um único periódico. Mas, por trás das estatísticas, descobrem-se
laços de amizade e sociabilidades raramente evocados, apesar de indicarem
o protagonismo do Luiz Gama advogado, jornalista e “maçom” nos meios
jornalísticos e políticos paulistas.
Fundado em 26 de junho de 1854 por Joaquim Roberto de Azevedo
Marques, também proprietário da Tipografia Imparcial, uma das principais
da província, o Correio Paulistano foi o primeiro veículo diário da cidade,
o mais influente da capital por várias décadas, e um dos primeiros
abertamente republicano. Reunia os mais talentosos jornalistas, entre os
quais Luiz Gama, que ali colaborou por mais de doze anos. Porém, em
1874, para salvar o jornal de uma crise financeira, Azevedo Marques o
vende a Leôncio de Carvalho e, a partir de então, torna-se órgão vinculado
ao Partido Republicano Paulista. Talvez por essa razão, a partir daquela data
não se localizem mais artigos de Gama sobre os temas abordados neste
livro.
Os laços de amizade entre Luiz Gama e Azevedo Marques firmavam-
se também pelo fato de pertencerem ambos à loja maçônica América, que
em pouco tempo se tornou a mais importante da cidade e principal centro
irradiador de ideias republicanas e abolicionistas. Instalada por um grupo de
liberais radicais em novembro de 1868, a loja adotou as regras e obrigações
maçônicas segundo o rito escocês antigo e aceito, ordem oficialmente
criada em 1801 no Supremo Conselho dos Estados Unidos. Mui
resumidamente, esse rito constitui uma linha da maçonaria moderna
originada no século XVIII49, divide-se em 33 graus (etapas de
aprimoramento e ascensão iniciática) e se caracteriza, entre outros, por sua
hostilidade ostensiva à Igreja e à sua alta hierarquia. A América nasceu da
iniciativa de um círculo restrito de letrados conscientes de representar uma
“ilha flutuante num oceano de analfabetos”, preocupação que norteou a
missão da loja de “propagar a instrução primária e a emancipação dos
escravos pelos meios legais”, temas caros a Luiz Gama50. O nome da
sociedade não foi escolhido ao acaso e apontava para um norte diferente
daquele que representava o maior modelo das elites de então – a Europa,
em particular a França. Tratava-se, pois, de homenagear a grande nação
que, ao fim da Guerra Civil, se tornara, ao menos teoricamente, uma
república avançada de homens livres e iguais perante a lei. Suas diversas
iniciativas de cunho filantrópico (alforriamento de escravizados, assessoria
jurídica, criação de cursos gratuitos de instrução primária e de biblioteca
popular etc.) eram permanentemente divulgadas no Correio Paulistano,
inclusive os relatórios para controle do governo51.
Os vínculos da loja com a imprensa, ferramenta essencial para
rapidamente formar e informar a opinião pública, explicavam-se pela
presença, entre seus membros, de “profissionais da imprensa” como o
próprio Joaquim Roberto de Azevedo Marques, o afrodescendente José
Ferreira de Menezes (proprietário d’O Ipiranga), Américo de Campos
(redator-chefe do Correio Paulistano) ou, ainda, Rangel Pestana, Américo
Brasiliense, Rui Barbosa, Joaquim Nabuco (que quase nunca se referiu ao
seu passado maçônico52) e o tipógrafo Antonio Lousada Antunes,
responsável pela primeira edição das PTB em 1859. Em princípio, ao
receberem a iniciação, todos fizeram o solene juramento de “manter sigilo
absoluto sobre o trabalho maçônico, praticar a caridade nas palavras e nas
ações, socorrer os infelizes, atender a suas necessidades, aliviar-lhes o
infortúnio, dispensar conselhos, luzes e ajuda material, segundo suas
possibilidades, e, por fim, preferir a todas as coisas a justiça e a verdade”53.
O maçom Luiz Gama cumpriu tais propósitos à risca, assim como seguiu
outro preceito de sua ordem: “trabalha e sê perseverante”, recomendação
que, mesmo sob ameaça de morte, ele transmitira ao filho numa carta com
valor de testamento moral e espiritual, na qual enaltece a instrução (“Faze-
te apóstolo do ensino desde já”)54. Com exceção dele, de um comerciante
africano e do afrodescendente Ferreira de Menezes, os “irmãos” da Loja
América eram em sua maioria homens brancos, letrados e diplomados.
Assim como na vida, Luiz Gama galgou todos os graus e tornou-se
respeitada liderança, sendo eleito “Venerável” – cargo no qual presidia
reuniões e cerimônias, fixava diretrizes, promovia campanhas para levantar
fundos às ações filantrópicas, tomava decisões – por três mandatos
seguidos, entre 1874 e 1881.
Anos antes, usando de sua influência junto a Azevedo Marques, Luiz
Gama desempenhou um papel importante, em geral desconhecido, na
divulgação pela imprensa de ideias e avanços que aconteciam na “melhor
porção da América”, referindo-se ao país que, desde o final da Guerra de
Secessão, suscitava interesse crescente no Brasil e na América do Sul. Em
outubro de 1870, seu amigo José Carlos Rodrigues fundou em Nova York O
Novo Mundo, primeiro periódico em língua portuguesa editado nos Estados
Unidos para distribuição e circulação no Brasil – o que ocorreu até 1879.
Em carta enviada no mês seguinte, Luiz Gama lhe escreve sobre a calorosa
recepção reservada à publicação, que, graças a sua intermediação, teria
parte de seu conteúdo reproduzido no mais importante jornal de São Paulo:

Os poucos e verdadeiros democratas desta cidade[,] onde já existe um


clube e uma loja maçônica que trabalham pelas ideias republicanas
(escuso dizer-te que sou membro de ambos), tomaram-se de sincero
entusiasmo pelo Novo Mundo, plaustro de importantes e úteis
conhecimentos da melhor porção da América, que é e há de ser o farol
da democracia universal.
O Correio Paulistano de propriedade de nosso Joaquim Roberto e de
hoje redigido pelo distinto Dr. Américo Brasiliense de Campos, ambos
republicanos, vai transcrever a maior parte dos artigos do Novo Mundo55.

Essa carta comprova a admiração precoce de Luiz Gama pelo modelo norte-
americano, conforme ele já havia declarado no mesmo jornal em 29 de
janeiro de 1867 e reiterado em escritos posteriores:
O dia da felicidade será o memorável dia da emancipação do povo, e o
dia da emancipação será aquele em que os grandes forem abatidos e os
pequenos levantados; em que não houver senhores nem escravos;
chefes nem subalternos; poderosos nem fracos; opressores nem
oprimidos; mas em que o vasto Brasil se chamar a pátria comum dos
cidadãos brasileiros ou Estados Unidos do Brasil.

Em 1869, quase cem anos antes de Martin Luther King, Luiz Gama volta ao
tema quando confessa ter um “sonho sublime”: “O Brasil americano e as
terras do Cruzeiro, sem reis e sem escravos”56. Muitos ignoram que o
abolicionista negro adianta-se à posição e ao anseio afirmados, um ano
depois, no Manifesto Republicano: “Somos da América e queremos ser
americanos”. Esta era a intenção de homens que desejavam reformar um
país, segundo eles, refém do Poder Moderador que distorcia a monarquia
parlamentar brasileira, teoricamente de inspiração inglesa, mas que se
descompunha como a França de Napoleão III. A admiração pela nação
norte-americana é compartilhada por um grupo de liberais republicanos,
paulistas ou que passaram por São Paulo. O convívio desses indivíduos na
redação dos jornais, nas lojas maçônicas ou em reunião dos partidos
certamente gerou influências recíprocas. Eram seduzidos pelo modelo
federativo de descentralização política e pelas oportunidades oferecidas nos
Estados Unidos ao self made man, que muitos encarnavam e cujo anseio de
ascensão política e social se via frustrado no regime imperial. Nesse
quesito, o ex-escravo, autodidata e mais velho dos abolicionistas negros,
além de ser o único com atuação em São Paulo, distinguia-se ainda mais
pelas superações enfrentadas até o final da vida.
Os primeiros artigos desta coletânea, publicados no Correio
Paulistano, introduzem temas, tramas, tom, personagens e posicionamentos
que serão retomados nos textos posteriores. Em 1864, o futuro abolicionista
alude a sua “obrigação” de recorrer à imprensa e informar a opinião pública
sobre atentados contra os escravizados e sobre calúnias contra si; reporta as
ações judiciais sob sua responsabilidade; o enfrentamento com os senhores
e com a justiça; declara sua condição de ex-escravo e negro (“ombreio com
o infeliz por cujos direitos pugnei”) e sua missão (“o rigoroso dever que me
impus de zelar pelos meus irmãos desvalidos”). No texto de 1867 aparecem
os embates com a imprensa conservadora, o anticlericalismo, a defesa da
“democracia” (por oposição à monarquia) e da separação entre Igreja e
Estado, as críticas à Constituição de 1824 ou à “nossa teocracia”. A partir
de então, a despeito das crises políticas que o atingiriam em cheio, Luiz
Gama ganha voz própria, e, no final dos anos 1860, inicia-se a sua espiral
ascendente, testemunhada por seus escritos na imprensa.
V

Os anos de 1869 a 1872 chamam a atenção por seus números reveladores:


quase metade dos artigos jornalísticos de Luiz Gama (29) foram publicados
durante esse período na imprensa paulistana.
O final dos anos 1860 foram marcantes para Gama, figura já bem
conhecida na cidade de São Paulo: sofreu perseguições políticas, perdeu o
emprego, recebeu ameaças de morte por defender “causas de liberdade”,
envolveu-se em contendas nas quais se misturavam justiça e política e que
eram expostas na imprensa, no corpo a corpo e na retórica, de forma teatral.
Ao mesmo tempo, alcançou projeção e autonomia excepcional para um
homem negro e ex-escravo, que só aumentariam até a sua morte, graças,
entre outros, aos polêmicos artigos nos jornais paulistanos, às iniciativas de
alforriamento de escravos organizadas por ele e pela Loja América. Sua voz
inconfundível se tornou uma das mais ouvidas, influentes, temidas e,
naturalmente, detestadas. Condensava-se em sua figura pública o jornalista,
o advogado dos escravos, o defensor do direito, o maçom, o republicano e o
abolicionista.
Em 1869, ano de considerável produção jornalística (só inferior à de
1881), a atuação política de Luiz Gama foi intensa e marcou-se, igualmente,
pela quebra definitiva dos eventuais laços de dependência com homens
brancos e poderosos que buscavam entravar sua liberdade de ação e de
expressão como “cidadão”. Afinal, numa sociedade escravista, assentada no
princípio de desigualdade e hierarquia racial, como não se incomodar com a
insolência, inteligência e irrefutáveis argumentos de um negro e ex-
escravo? Nesse ano, ele obteve no Tribunal da Relação uma “provisão”,
autorização especial concedida a indivíduos de comprovada idoneidade e
conhecimentos jurídicos para exercer a profissão de advogado em primeira
instância. Assim, desde o mês de maio, leem-se nas páginas do Radical
Paulistano e d’O Ipiranga anúncios dele oferecendo-se para defender,
gratuitamente, “diante de tribunais, todas as causas de liberdade que os
interessados desejarem lhe confiar”. Sua reputação cresceu rapidamente, a
ponto de convertê-lo num dos advogados mais procurados pelos
escravizados de São Paulo e até de províncias vizinhas. Sua atuação nos
tribunais, amiúde exitosa, atraía dezenas de pessoas, entre as quais
estudantes de direito, e era frequentemente noticiada, sobretudo nas páginas
do Correio Paulistano. Com um grupo de advogados da Loja América,
desvendava os labirínticos caminhos para se adquirir ou recuperar a
liberdade, situação que ele mesmo enfrentara. O africano escravizado e seus
descendentes ignoravam as leis e todas as disposições a seu favor, e não
podiam se dirigir diretamente à justiça, razão pela qual precisavam contar
com a ajuda de homens livres de boa vontade que os representassem e lhes
servissem de porta-vozes.
Em julho de 1869, Luiz Gama inaugura a coluna “Foro de...” no
Radical Paulistano, órgão do Partido Liberal Radical, e passa a criticar os
“sapientíssimos” doutores. Ironia após ironia, atento a toda sentença judicial
enviesada, aos erros de jurisprudência, inclusive de terminologia jurídica,
seu objetivo era desmoralizar, frente à opinião pública, juízes incautos,
corruptos ou incompetentes, analisando pormenorizadamente sentenças de
toda ordem, proferidas nos foros da capital ou do interior. Assim, seus
artigos transformavam-se numa espécie de extensão de sua atividade como
advogado dos desvalidos, homens e mulheres pobres, livres ou escravos,
espoliados por magistrados cuja conduta era uma afronta ao próprio direito.
A atuação profissional do advogado complementava-se, pois, com a do
“jornalista e/ou cronista jurídico”, como chamaríamos hoje, que exige
habilidades e competências técnicas, precisas e complexas para relatar
processos e comentar leis, decisões dos tribunais, o sistema judiciário e o
exercício da profissão jurídica. E tal complementaridade, em certo sentido,
repousa sobre um denominador comum entre direito e jornalismo jurídico
(no caso de Luiz Gama, jornalismo jurídico e político), pois ambos são
eminentemente uma questão de discurso, ou de pragmática do discurso, em
que o dizer é o fazer.
Propondo aqui uma breve reflexão, tanto o advogado quanto o
jornalista sabiam que, para obter legitimidade perante seus públicos, era
preciso combinar pertinência e seriedade frente a um conhecimento
específico, ou seja, aspectos éticos e retóricos, conforme a recomendação de
Cícero de que o homem deveria ser vir bonus dicendi peritus, quer dizer,
capaz de associar o caráter moral à capacidade de manejar o verbo. No
entanto, do ponto de vista pragmático, a fim de agir sobre seu auditório, o
orador não deve apenas empregar argumentos válidos (logos) e suscitar
emoções (páthos); ele deve também afirmar sua autoridade e projetar uma
imagem de si (éthos) suscetível de inspirar confiança, aspecto que se
encontra, pois, no âmago da interação e da intersubjetividade, elementos
presentes no conjunto de textos de Luiz Gama. Considerando-se a “mídia”,
a estratégia retórica do comunicador é astuciosa, e não podia falhar a
intenção persuasiva. Apelando para a cumplicidade com os leitores, como
se o discurso fosse uma encenação teatral semelhante à que ocorreria num
tribunal, ele os convida para admirarem com “seus próprios olhos” o
espetáculo deplorável oferecido pelo judiciário brasileiro (“Sentemo-nos de
novo na arquibancada, distintos leitores; vai continuar a interrompida
representação. Agora também faço eu parte dos espectadores57).
Além de agir, ao “jornalista jurídico” era necessário comunicar suas
intenções, firmar o “pacto de verdade e/ou sinceridade” com seus leitores e
lhes comunicar o que se passava nos bastidores da justiça. Para a montagem
da cena enunciativa em seus artigos, o jornalista Luiz Gama servia-se,
então, dos mais variados procedimentos. Como provas de verdade,
transcrevia parcial ou integralmente suas próprias petições, os despachos
dos juízes e às vezes os pareceres de outros juristas, introduzindo em vários
textos uma dimensão polifônica, sempre com destaque para sua própria voz.
Assim, nas páginas dos jornais o público leitor tinha a possibilidade de
acompanhar o trabalho, o raciocínio e as estratégias discursivas (narração,
demonstração, argumentação) de Gama. A ironia dos fatos explicava a
ironia do discurso, que ganhava relevo inclusive através do uso de
elementos paratextuais, como recursos tipográficos, para dar conta da voz
de outrem ou traduzir a indignação do enunciador-jornalista (com passagens
em letras maiúsculas e em itálico), que estabelecia um diálogo e elucidava
seu leitor (com comentários entre parênteses), já que Gama se via obrigado
a dar uma “proveitosa lição de direito” ao dr. Rego Freitas, um dos juízes
com os quais mais se engalfinhou, desmoralizando-o publicamente sem
pudor. Ao final, ele não se privou de lançar-lhe um desafio em tom
estrepitoso e enérgico: “[E]u protesto perante o país inteiro de obrigá-lo a
cingir-se à lei, respeitar o direito e cumprir estritamente o seu dever[,] para
o que é pago com o suor do povo, que é o ouro da Nação”58.
Muitos atribuíam às críticas contumazes aos juízes motivações provocadas
por despeito e frustração por parte de um negro e ex-escravo que, na
verdade, nunca tivera a “pretensão desarrazoada” de cursar a faculdade de
direito, como Luiz Gama mais de uma vez pontuaria, na medida em que os
boatos desviavam a atenção de seus reais propósitos:

Impus-me espontaneamente a tarefa sobremodo árdua de tentar em


juízo o direito dos desvalidos, e de, quando sejam eles prejudicados
por uma inteligência das leis, ou por desassisado capricho das
autoridades, recorrer à imprensa e expor, com toda a fidelidade, as
questões e solicitar para elas o sisudo e desinteressado parecer das
pessoas competentes.
Julgo necessária esta explicação para que alguns meus
desafeiçoados, que os tenho gratuitos e rancorosos, deixem de propalar
que costumo eu, como certos advogados, aliás considerados, clamar
arrojadamente contra os magistrados por sugestões odientas, movido
pelo malogro desastrado de pretensões desarrazoadas.
Fique-se, pois, sabendo, uma vez por todas, que o meu [...]
interesse inabalável que manterei sempre, a despeito das mais fortes
contrariedades, é a sustentação plena, gratuitamente feita, dos direitos
dos desvalidos que correrem ao meu tênue valimento intelectual59.

Luiz Gama detestava, e certamente detestaria ainda hoje, ficções a seu


respeito, especialmente no tocante a sua formação, resultado de seus
estudos particulares, sem passagem pela academia, fato de que se
orgulhava. Tampouco buscava a “celebridade”, consciente de que esse
status coloca armadilhas morais ditadas pela vaidade. Ele não poderia ser
mais claro quando afirmava peremptoriamente, às vezes de forma lapidar,
que não tinha “diplomas”, mas não desconhecia a “ciência” jurídica
aprendida graças aos seus esforços pessoais. O tom é grave, quase agastado,
como sempre carregado de ironia e indignação, como se lê nos seguintes
trechos:

Não sou eu graduado em jurisprudência, e jamais frequentei


academias. Ouso, porém, pensar que, para saber alguma coisa de
direito não é preciso ser ou ter sido acadêmico. Além do que sou
escrupuloso e não costumo intrometer-me de abelhudo em questões
jurídicas, sem que haja feito prévio estudo de seus fundamentos. Do
pouco que li relativamente a esta matéria, colijo que as enérgicas
negações opostas às petições que apresentei, em meu nome e no [do]
próprio detido, são inteiramente contrárias aos princípios de legislação
criminal e penal aceitos e pregados pelos mestres da ciência60.

[A] inteligência repele diplomas como Deus repele a escravidão61.

Não sou jurisconsulto, nem sou douto, não sou graduado em direito,
não tenho pretensões à celebridade, nem estou no caso de ocupar
cargos de magistraturas; revolta-me, porém, a incongruência notória de
que, com impávida arrogância, dão prova cotidiana magistrados
eminentes que têm por ofício o estudo das leis, e por obrigação a justa
aplicação delas62.

Quase vinte anos antes da abolição, o advogado negro, que sofrera na pele a
escravidão de seus ancestrais e dos “milhões” de africanos trazidos ao
Brasil, chama reiteradamente para si a tarefa “desinteressada” de
representar mulheres e homens imprescindíveis para a construção da
riqueza do país63, mas invisíveis aos olhos da nação e, sobretudo, da justiça.
Era preciso mostrar e proclamar o óbvio:
[E] em nome de três milhões de vítimas [...] gravarei[,] nas ombreiras
dos parlamentos e dos tribunais subornados, esta legenda terrível:
Nós temos Leis!
São o tratado solene de 23 de novembro de 1826, a lei de 7 de
novembro de 1831, o decreto de 12 de abril de 1832.
Por efeito destas salutares e vigentes disposições são livres, desde
1831, todos os escravos que entraram nos portos do Brasil, vindos de
fora.
São livres! repetiremos perante o país inteiro, enquanto a peita e a
degradação impunemente ousarem afirmar o contrário64.

Porém, os representantes da justiça mostravam-se surdos ao protesto do


obstinado Luiz Gama, que, depois de tentar por meses salvar um escravo de
seu poderoso porém crudelíssimo senhor, advertia novamente pela
imprensa: “Nós temos leis e eu sei ter vontade”65. Onze anos mais tarde,
quando um advogado tentou reverter a alforria já concedida a um grupo de
escravos pelo próprio senhor, Gama, inamovível em sua determinação,
entoou pela terceira vez seu bordão: “É meu intuito, em face do direito, e da
jurisprudência, fazer com que as alforrias sejam mantidas; porque são
regulares, e irrevogáveis: nós temos lei”66.
A imprensa se tornava, assim, o veículo perfeito para tocar num velho
tabu e revelar à opinião pública, com a intenção proposital de chocá-la, uma
legislação ignorada havia cerca de quarenta anos por “corrompidos
traficantes de carne humana” e pelo próprio Estado, interessados em
perpetuar, sob a pressão distraída dos ingleses, o sistema escravagista67.
Luiz Gama montava suas demonstrações com especial diligência e as
embasava nas “regras da boa hermenêutica” jurídica que sempre observou.
Seus argumentos irrebatíveis provavam que os juízes eram os primeiros a
violar o direito, comprometidos em garantir a propriedade escrava. Tal
realidade manteve-se inalterada até as vésperas de sua morte, levando-o
uma vez mais a concluir que “a magistratura [é] o braço de ferro dos
senhores”, e que “a moral, o direito, a lei, a justiça, estão entregues ao
capricho, às conveniências individuais e inconfessáveis, [...] ao arbítrio, à
má vontade de juízes, que se incompatibilizaram, de há muito, com a boa
razão”68.
Envolvido em histórias cada vez mais complexas por abraçar a causa
dos escravizados, mesmo num clima polarizado e tenso, Gama não se
intimidava em declarar em alto e bom som pelos jornais: “Eu advogo de
graça, por dedicação sincera à causa dos desgraçados; não pretendo lucros,
não temo violências”69. Por essas e por outras, mais uma vez, naquele ano
particular de 1869, não demoraria a ser punido de forma exemplar e,
paradoxalmente, a conquistar novas liberdades. Numa série de artigos
publicados no Correio Paulistano de 20 de novembro a 2 de dezembro, ele
revela as razões de sua exoneração do cargo público que exercia e o
rompimento com seu “ex-protetor e amigo”, o conselheiro Furtado de
Mendonça, chefe da polícia de São Paulo e professor da Faculdade de
Direito, a quem Luiz Gama dedicara a segunda edição das PTB. O gesto
corajoso foi definitivo para sua independência em relação ao paternalismo
daquele homem branco que lhe impunha limites à ação e à consciência. Os
episódios reais e de desfecho dramático, protagonizados por Gama e outros
personagens envolvidos numa trama digna de folhetim, são apresentados
em capítulos recheados de imbróglios e tensões que sem dúvida prendiam o
leitor, tornando-o incapaz de adivinhar o desfecho do conflito entre os dois
homens que simbolizavam antagonismos sociais. O derradeiro artigo –
“Pela última vez” – selou a ruptura e nos faz recordar que “os protetores são
os piores tiranos”, como escreveria Lima Barreto em seu Diário íntimo. O
autor de Triste fim de Policarpo Quaresma compreende, algum tempo
depois da proclamação da República – regime que prometera a igualdade –,
que a proteção encerra dois outros comportamentos inaceitáveis:
autoritarismo e submissão.
Ao romper com Furtado de Mendonça, Luiz Gama matava
simbolicamente o pai. Dali em diante, o ex-escravo e homem letrado que se
reconstruiu social e “discursivamente”, alçando-se ao que considerava ser a
plena condição de “cidadão”, tomaria publicamente a palavra para afirmar a
autonomia de seus atos e de suas opiniões. Em certo sentido, ele ganhou
uma nova liberdade frente ao homem que o introduziu no mundo das letras
e do direito, mas também perante um sistema em que o paternalismo regia
as relações entre negros e brancos, mantendo esses, fossem livres ou
libertos, em posição subalterna. A crise entre os dois homens representou,
em vários níveis, o confronto entre um branco e um negro, o senhor e o
escravo, o mestre e o discípulo, o conservador e o liberal, o escravagismo e
o abolicionismo. O profundo sentimento de honra em Luiz Gama o fez
rejeitar a acusação de “ingrato”, feita por Furtado de Mendonça, ofendido
pela conduta de seu antigo protegido. O artigo mencionado selou a ruptura
com o poderoso chefe de polícia. Princípios e valores não podiam ser
sacrificados em nome da amizade, especialmente se esta tivesse como
pressuposto a subserviência, conduta inaceitável para as convicções
igualitárias de um Luiz Gama “habituado a medir os homens por um só
nível, [distinguindo]-os pelas ações”70. O ex-escravo, que se tornara
personalidade influente, prestou, com ironia e tristeza, uma última
homenagem àquele que transformara o obscuro “discípulo” em cidadão
virtuoso. No texto, de caráter autobiográfico, seu autor registrava que, havia
tempos, “fazia-se conhecido na imprensa como extremo democrata, e
esmolava, [...] para remir os cativos”. A despedida tomou ares de manifesto
abolicionista e republicano, num texto curiosamente escrito em terceira
pessoa, desdobramento enunciativo frequente nas “escritas do eu”. Assim,
ao enunciar-se desta forma, Luiz Gama produz um efeito de distanciamento
em relação àquele outro-ele mesmo, apreciado desde um ponto de vista
exterior, fazendo-se espectador da cena enunciativa por ele construída. Sob
seus olhos desenrolava-se sua excepcional história, feita de obstáculos
heroicamente vencidos:

O ex-soldado hoje, tão honesto como pobre, [...] arvorou à porta da sua
cabana humilde o estandarte da emancipação, e declarou guerra de
morte aos salteadores da liberdade.
Tem por si a pobreza virtuosa, combate contra a imoralidade e o
poder.
Os homens bons do país, compadecidos dele, chamam-no de
louco; os infelizes amam-no; o governo persegue-o.
Surgiu-lhe na mente inapagável um sonho sublime, que o
preocupa: o Brasil americano e as terras do Cruzeiro, sem reis e sem
escravos!
Eis o estado a que chegou o discípulo obscuro do exmo. sr.
conselheiro Furtado de Mendonça.
Enquanto os sábios e os aristocratas zombam prazenteiros das
misérias do povo; enquanto os ricos banqueiros capitalizam o sangue e
o suor do escravo; enquanto os sacerdotes do Cristo santificam o roubo
em nome do Calvário; enquanto a venalidade togada mercadeja
impune sobre as aras da justiça, este filho dileto da desgraça escreve o
magnífico poema da agonia imperial. Aguarda o dia solene da
regeneração nacional, que há de vir; e, se já não viver o velho mestre,
espera depô-lo com os louros da liberdade sobre o túmulo, que
encerrar as suas cinzas, como testemunho de eterna gratidão71.

Nessa passagem em particular, o jornalista escrevia a si e à história,


despontava como arauto e símbolo. Talvez por isso a despedida se tenha
feito pelos jornais, e não num plano privado, diante dos leitores-
espectadores que aguardavam o desfecho, aliás bem urdido, daquele drama
em quatro atos. Naquele momento chave, Luiz Gama fez a declaração
pública de que dispensava padrinhos e porta-vozes, e fincou o éthos de
homem íntegro, movido por valores morais e políticos, e pelo engajamento
maçônico.
No início dos anos 1870, dois artigos retratam a interessante postura de
Luiz Gama no que diz respeito, por um lado, a suas identidades sociais
múltiplas, definidas a partir de seus grupos de pertencimento (maçonaria,
partido), aos quais se prende e é solidário; por outro, à maneira como
esclarece papéis, percebendo que ataques pessoais, sobretudo infundados,
visam não só atingi-lo pessoalmente como também a sua rede, num
momento em que, no pensamento embaralhado de seus iníquos adversários,
amalgamavam-se preconceito “racial” e preconceito “ideológico”. Não
seria a primeira e nem a última vez, embora fosse uma das mais
contundentes ocasiões, em que Gama precisou defender-se publicamente e
corrigir boatos que tinham como objetivo macular tanto a sua reputação
como a dos maçons e republicanos. Vejamos: em novembro de 1871, a Loja
América fora intimada pelo governo provincial a prestar esclarecimentos
sobre a natureza de suas atividades. O ano coincidia com a promulgação da
lei n. 2040 de 28 de setembro, a Lei do Ventre Livre, à qual iriam recorrer
os advogados e “irmãos” reunidos em torno de Luiz Gama. O relatório
publicado no Correio Paulistano era assinado por uma comissão formada
por Américo de Campos, Luiz Gama, Ferreira de Menezes, entre outros, e
enumerava as realizações pioneiras em torno das principais missões da
entidade: o “ensino popular” e a “manumissão de escravos”, em especial a
“libertação de menores”.
Uma vez libertas, aquelas “pessoas” (lembrando, com o advogado
negro, que o escravo não tinha “pessoalidade jurídica”72) continuavam
recebendo orientação da Loja. Assim, coube à maçonaria paulista deflagrar
a instrução popular, contribuindo para isso o papel pioneiro da Loja
América, que criou cursos de alfabetização para crianças e adultos no
período diurno e noturno, montou a primeira biblioteca “popular” (pública)
da cidade e organizou junto a esta debates sobre temas políticos. Durante
alguns anos, os membros da Loja América publicavam regularmente no
jornal de Azevedo Marques informações sobre as “escolas populares”:
perfil dos alunos, disciplinas ensinadas, avaliação e lista de aprovados,
locais de ensino, professores e inspetores (Luiz Gama exerceu as duas
funções)73.
O artigo seguinte é instigante e permite aproximações, inclusive de
ordem léxico-semântica, com a realidade brasileira atual. Há cerca de 150
anos, o “turbulento”, “insolente”, obstinado e destemido abolicionista negro
Luiz Gama foi acusado por seus adversários, conservadores e donos de
escravos, de promover “balbúrdia” na província de São Paulo74. Talvez não
haja mais necessidade de se recorrer ao dicionário para procurar o
significado dessa palavra ressuscitada em 2019 e que, desgraçadamente,
caiu nas graças do atual vocabulário brasileiro, remetendo ao campo do
ensino superior e dos supostos “tumultos”, “confusões”, “algazarras” e
“desordens” provocados por adeptos de ideologias de esquerda. São
curiosas as coincidências: os movimentos estudantis daquela época (leia-se,
da Faculdade de Direito), que perturbavam a vida da pacata cidade,
estariam sendo insuflados por “agentes da Internacional”, entre os quais se
incluiria o ativista negro, e que, imaginava-se, também estaria
“capitaneando uma insurreição de escravos”, assim como outrora sua mãe,
Luiza Mahin, fora presa por ser “suspeita de envolver-se em planos de
insurreições de escravos, que não tiveram efeito”75. Os dois artigos foram
publicados em sequência e na mesma página do jornal, o que sem dúvida
foi proposital, e indicam a complementaridade das respectivas leituras. Para
Luiz Gama, a calúnia de que era vítima brotava de uma confusão de
conceitos, como se lê na passagem que inspirou o título e é a epígrafe deste
livro:

Se algum dia [...] os respeitáveis juízes do Brasil esquecidos do


respeito que devem à lei, e dos imprescindíveis deveres que contraíram
perante a moral e a nação, corrompidos pela venalidade ou pela ação
deletéria do poder, abandonando a causa sacrossanta do direito, e, por
uma inexplicável aberração, faltarem com a devida justiça aos infelizes
que sofrem escravidão indébita, eu, por minha própria conta, sem
impetrar o auxílio de pessoa alguma, e sob minha única
responsabilidade, aconselharei e promoverei, não a insurreição, que é
um crime, mas a “resistência”, que é uma virtude cívica76.

O defensor dos escravos aqui aparece como um defensor do direito.


Recebera a pecha de agente “Internacional”, talvez por seus detratores
assimilarem esta última à maçonaria, sociedade secreta e sem fronteiras,
supostamente aberta a influências alienígenas, que, além de enaltecer,
obrava pela “união de todos os maçons espalhados sobre a superfície da
Terra”. Com as imagens da Comuna de Paris ainda pairando na cabeça de
escravagistas e monarquistas, não era raro se referirem à Loja América
como um “antro de republicanos”. De fato, os maçons apegavam-se aos
valores universais herdados das Luzes, em especial disseminados pela
primeira Declaração dos direitos do homem e do cidadão de 1789, um dos
marcos do fim do Antigo Regime e início da Idade Contemporânea. Assim,
a concepção de Luiz Gama descendia em linha reta de um dos “direitos
imprescritíveis” enunciado no artigo segundo daquele documento seminal:
a “resistência à opressão” – no caso do Brasil, a do “rei-tirano” e a do
“senhor de escravos” (opressão do homem pelo homem).
Os artigos de Luiz Gama na imprensa com o recorte focalizado neste
livro vão se rarefazendo na década de 1870, sobretudo a partir de 1873. Até
o ano anterior, uma série deles, publicados em sua maioria no Correio
Paulistano, retomam os mesmos temas abordados até então; outros tratarão
isoladamente de assuntos não menos importantes, como os preparativos
para a organização do Congresso Republicano em Itu (1872); a liberdade de
imprensa, quando alguns jornais põem em cheque a lisura e a impunidade
do Imperador (1873); a interferência estrangeira no tráfico interprovincial e
uma petição dirigida ao governo imperial (1874); a traição ao ideal
“revolucionário”, aos “princípios” e ao “programa” republicano pelos
colegas d’A Província de São Paulo (1877).
VI

Os amigos da imprensa carioca franquearam a Luiz Gama as páginas de


seus jornais e revistas em seus últimos anos de vida, testemunhando o
prestígio de que gozava no mais importante espaço de debate e de
consagração política. Entre 1880 e 1882, a maioria de seus artigos (treze)
foram publicados na Gazeta da Tarde, principal folha abolicionista da corte,
fato que dá indícios do distanciamento gradual entre o jornalista negro e a
“grande imprensa” republicana representada pelo seu principal órgão, A
Província de São Paulo. As fraturas já haviam sido expostas na “Carta aos
redatores da Província”, em 1877, na qual Luiz Gama (re)afirmava: “Somos
radicais, este é o nosso estandarte. [...] Queremos a reforma pela revolução;
temos princípios, temos programas”. Este pensamento “radical”, que ele
voltaria a afirmar num artigo de 18 de dezembro de 1880 (“eu amo as
revoluções; e julgo ser um ato sublime dar a vida pelas ideias”), era
considerado uma provocação inaceitável e ilegítima para os “republicanos
escravocratas” de São Paulo, esquecidos de que, da parte deles, também
haviam radicalizado suas posições ao projetarem, conforme apontou
ironicamente Luiz Gama em análise da lei de 1871, uma “emancipação
lenta” (a escravidão seria empurrada até início do século XX), “individual”
(aplicável caso a caso, e não à massa escrava como um todo), “com muito
critério, com muita prudência”, a fim de garantir a indenização dos
senhores77. Paralelamente a tais enfrentamentos protagonizados pelo
jornalista-ativista, percebe-se, à luz de seus escritos a partir de 1880, que ele
insistia em chamar seus correligionários a uma revisão autocrítica, em
termos éticos e programáticos.
Dirigir críticas a esses reais “adversários” e comentar os minguados
avanços da emancipação em São Paulo seriam a tônica da série “Trechos de
uma carta” ou de “Cartas a Ferreira de Menezes”, publicadas na Gazeta da
Tarde entre dezembro de 1880 e fevereiro de 1881. No primeiro texto, de 12
de dezembro, ele anunciava o tema ao seu destinatário:

Preciso é que tu saibas o que por aqui se diz relativamente à nobre


cruzada emancipadora.
Não me refiro aos nossos amigos, aos nossos correligionários, aos
nossos companheiros de luta; constituímos uma falange, uma legião de
cabeças; mas com um só pensamento; animados de uma só ideia: a
exterminação do cativeiro e breve.
Tratarei dos nossos adversários, dos homens ricos, dos
milionários, da gente que tem o que perder78.

Apesar do título e do artifício epistolar, aqueles escritos nada tinham de


íntimo e pessoal. Tratava-se na realidade de “cartas abertas”, gênero
destinado ao grande público, apresentando ou debatendo assunto polêmico
no campo político e/ou social. Porém, a escolha do “destinatário” tinha
razão de ser. Os laços entre Luiz Gama e o advogado, jornalista, escritor e
tradutor José Ferreira de Menezes, fundador daquele jornal em 10 de julho
de 1880, eram de amigos diletos, companheiros de ativismo e “irmãos” da
Loja América. Ainda estudante, e um dos raros negros a cursar a Academia,
Ferreira de Menezes e seu colega de turma, Salvador de Mendonça, futuro
líder republicano, tornaram-se, entre 1868 e 1869, os principais redatores do
jornal O Ipiranga, no qual Luiz Gama também escreveu e se exercitou nas
artes tipográficas. Naquela época, as hostilidades entre liberais e
conservadores aguçavam-se, e os jornalistas e políticos reunidos no
Ipiranga eram frequentemente ameaçados. Com frequência, Luiz Gama e
Ferreira de Menezes saíam armados da redação para escoltar o chefe liberal
José Bonifácio, o Moço, até sua residência. Na década de 1870, os dois
primeiros assinariam juntos alguns artigos pela Loja América e pelo partido
republicano. Depois de breve carreira como promotor público, Luiz Gama
retorna em meados dos anos 1870 ao Rio de Janeiro, onde passa a se
dedicar quase exclusivamente ao jornalismo, colaborando em vários jornais,
como o República, ao lado dos históricos republicanos e maçons Quintino
Bocaiúva e Salvador de Mendonça, o Jornal do Comércio e a Gazeta de
Notícias, onde provavelmente deu-se o encontro com José do Patrocínio.
De volta a sua cidade, Ferreira de Menezes deve ter servido de ponte
entre Luiz Gama e abolicionistas “de cor” como André Rebouças e José do
Patrocínio. Por um breve período, a partir de 1880, os quatro trabalharam
em uníssono na Gazeta da Tarde em torno de um objetivo comum: a
abolição imediata sem indenização. O quarteto negro sofreria o primeiro
desfalque com a morte de Ferreira de Menezes em 1881 e, no ano seguinte,
com a de Luiz Gama79.
Em São Paulo, no período examinado, a maior parte das colaborações
de Gama se deram num jornal fundado havia pouco. No entanto, se
observarmos os dados quantitativos presentes nas tabelas, eles não nos
informam sobre a relação privilegiada entre o jornal carioca e a Gazeta do
Povo. Pouco se sabe sobre esse “diário republicano e independente”,
fundado por João da Veiga Cabral em 1879, na capital paulista, e que possui
lugar central na produção jornalística de Luiz Gama, entre dezembro de
1880 e novembro de 1881, por concentrar o segundo maior número de
artigos (sete). Em termos de conteúdo, o intercâmbio entre os dois
periódicos se dava regularmente. Artigos publicados na Gazeta da Tarde
eram quase imediatamente reproduzidos no jornal de São Paulo e vice-
versa. As trocas se davam igualmente em outros planos. De julho a agosto
de 1882, a Gazeta do Povo anunciava aos leitores ser a “agência da folha
fluminense em São Paulo”.
Apesar do frágil estado de saúde, acompanhado com preocupação
pelos colegas da imprensa carioca80, Luiz Gama saía carregado, até os
últimos dias, para tratar da liberdade de seus esbulhados clientes81.
Naquelas condições, é admirável o obstinado abolicionista ter conseguido
redigir artigos de fôlego, magnificados por virtudes literárias e filosóficas,
muitos deles publicados simultaneamente em São Paulo e no Rio de
Janeiro, como “Questão jurídica” (1880), uma peça antológica e quiçá texto
fundador de uma hermenêutica sob a perspectiva de um jurista negro no
Brasil82. Trata-se de um dos textos mais densos da lavra de um autodidata,
àquela altura reconhecida autoridade em jurisprudência sobre escravidão.
Suas análises seguem a estrutura de um parecer jurídico, não muito
diferente do que se pratica hoje: delimitação dos fatos, perguntas a que se
deseja responder, fundamentação com base na legislação vigente e também
em textos de estudiosos do direito etc. Mas a intenção do texto não se
limitava a discussões meramente teóricas. Assim como em “Apontamentos
biográficos”, o ousado “historiógrafo”, como o próprio Luiz Gama se
denominou, propusera uma contrabiografia do “adorado” e mui “caridoso”
bispo d. Antonio Joaquim de Melo, que revogara a liberdade concedida a
sete escravos “vítimas de Sua Santidade”83, em “Questão jurídica” o objeto
de sua desconstrução era ninguém menos do que o conselheiro Nabuco de
Araújo, ex-presidente da província de São Paulo entre 1851-1852,
representante da oligarquia nordestina e um dos homens mais poderosos e
influentes do Império. A imagem que brota dos fatos analisados e das
“provas” apresentadas por Luiz Gama contrapõe-se à do homem biografado
superlativamente por seu filho Joaquim84. O “prestigioso” chefe do partido
conservador, que ostentava “ideias liberalíssimas relativamente aos
africanos escravizados de modo ilícito”, fez vistas grossas e incluiu-se entre
as autoridades anuentes com a ilegalidade daquela situação. Em trabalho
anterior, já havíamos comentado o silêncio mútuo que reina entre Luiz
Gama e Joaquim Nabuco, fato que talvez se origine das críticas do
abolicionista negro ao grande “estadista”, assim descrito por seu filho85. O
ensaio “Questão jurídica” teve grande repercussão e foi reproduzido em
vários órgãos de imprensa do país. Em 1881, O Abolicionista, periódico
mensal publicado na corte, reproduziu este texto em três partes nas edições
de 1º de abril, 1º de maio e 1º de julho, data de uma edição que trazia outra
análise jurisprudencial sua, intitulada “Exercício de hermenêutica”. Ambos
os artigos revelavam a cultura histórica, política e jurídica de Luiz Gama,
essenciais para a interpretação rigorosa das leis, bem como de sua insistente
fé no direito. Àquela altura, eram nítidas as diferenças que separavam o ex-
escravo do aristocrático, “belo” e branco Joaquim Nabuco. No artigo
publicado na Gazeta do Povo em 28 de dezembro de 1880, retomado
integralmente neste volume, o abolicionista e “bom republicano”, como o
chamava Lúcio de Mendonça, não escondia sua impaciência, dispondo-se a
combatê-la, se necessário fosse, por sua conta e risco, através de métodos
revolucionários:

Eu, assim como sou republicano, sem o concurso dos meus valiosos
correligionários, faço a propaganda abolicionista, se bem que de modo
perigoso, principalmente para mim e de minha própria conta.
Estou no começo: quando a justiça fechar as portas dos tribunais,
quando a prudência apoderar-se do país, quando nossos adversários
ascenderem ao poder, quando da imprensa quebrarem-se os prelos, eu
saberei ensinar aos desgraçados a vereda do desespero.
Basta de sermões, acabemos com os idílios. [...]
Ao positivismo da macia escravidão eu anteponho o das
revoluções da liberdade; quero ser louco como John Brown, como
Spartacus, como Lincoln, como Jesus; detesto, porém, a calma
farisaica de Pilatos86.

Os modelos citados não eram fortuitos, e a ideia de um movimento com


participação dos escravizados, suscetível de desorganizar as fazendas e
outros setores da sociedade, repugnavam Nabuco, convencido de que a
tarefa da abolição cabia unicamente aos políticos, a fim de preservar de uma
“vindita bárbara e selvagem” as camadas mais “influentes e poderosas do
Estado”, da qual aliás ele era filho. Sua posição, diametralmente oposta à de
Luiz Gama, não podia ser mais clara:

A propaganda abolicionista [...] não se dirige aos escravos. Seria uma


cobardia, inepta e criminosa, [...] um suicídio político para o partido
abolicionista incitar à insurreição ou ao crime homens sem defesa, e
que ou a lei de Lynch ou a justiça pública imediatamente havia de
esmagar. [...] Seria o sinal da morte do abolicionismo de Wilberforce,
Lamartine e Garrison, que é o nosso, e o começo do abolicionismo [...]
de Spartacus, ou de John Brown87.

Nabuco refere os mesmos nomes que Luiz Gama para, no entanto, rejeitá-
los, na tentativa de desacreditar ações contrárias às suas, como a
empreendida pelo ativista negro e seu grupo em São Paulo. Esses homens
representaram a vanguarda do movimento abolicionista quinze anos antes
da publicação de sua obra O abolicionismo (1883), movimento
testemunhado pelo próprio Nabuco durante o período em que estudou na
Faculdade de Direito de São Paulo, e que, após a morte do advogado dos
escravos, se radicalizaria sob a ação de Antonio Bento e dos caifases.
Contudo, seria ingênuo ignorar que, mesmo alguns abolicionistas brancos
bem-intencionados, como Nabuco, acreditavam na incapacidade
psicológica, moral, política e civil dos negros para decidirem seu próprio
destino.
A resistência escrava sempre existiu, de Palmares à Revolta dos Malês.
E, desde o início dos anos 1870, as condições sociais e físicas dos arredores
da capital, onde a opinião pública acolhia favoravelmente as ideias
abolicionistas, converteram a cidade num dos destinos principais dos
escravizados daquela província e de outras mais distantes. Esses
encontravam ali negros livres ou libertos, dispostos a lhes dar guarida88, a
orientá-los sobre a quem recorrer para auxiliá-los em seus desesperados
anseios. Ecos da propaganda abolicionista feita através da imprensa
chegava às fazendas, e os interessados apressavam-se em conhecer-lhes o
teor89. Os negros escravizados ou ameaçados de perder uma liberdade
prometida ou adquirida a preço exorbitante recorriam cada vez mais à
justiça para recuperar os direitos que lhes eram devidos, atitude em grande
parte inspirada por Luiz Gama. Assim como ele foi agente no resgate de sua
própria liberdade, antes de colocar sua vida e seus talentos a serviço dos
seus, muitos negros ligados ao advogado negro, alforriados por ele ou por
admirarem-no profundamente, não deram as costas aos seus irmãos no
cativeiro. Apoiavam a Caixa Emancipadora Luiz Gama, fundada em 1881 e
que, em apenas três meses de existência, levantou uma soma considerável,
sendo 70% proveniente das contribuições de pessoas escravizadas, livres ou
libertas90. Tais gestos, portanto, refletiam uma grande mudança de
mentalidade em homens e mulheres negras. Pouco a pouco eles aprendiam
a retórica da cidadania e da igualdade, reivindicavam-nas, a fim de se tornar
plenamente cidadãos e ter participação ativa na questão política central do
país: o fim da escravidão91.
Entre dezembro de 1880 e fevereiro de 1881, estampou-se na Gazeta
da Tarde uma série de onze artigos sob o título “Trechos de uma carta” ou
“Cartas a Ferreira de Menezes” que tiveram ampla repercussão – positiva e
admirada, nos meios genuinamente abolicionistas e republicanos do país;
negativa e irada junto aos escravocratas –, reforçada pela particularidade de
alguns deles serem reproduzidos simultaneamente, como já se disse, em
São Paulo e no Rio de Janeiro. Esses textos distinguem-se do conjunto
presente neste livro sob alguns aspectos, a começar pelo fato de se
apresentarem sob forma epistolar, redigidos em primeira pessoa, em geral
incluídos na primeira página do jornal, e destinadas ao seu proprietário.
Remetidas de São Paulo, essas cartas abertas dirigiam-se, em princípio, aos
leitores da Gazeta da Tarde, mas não só, na medida em que,
deliberadamente, visavam tanto a opinião pública da corte como a opinião
pública paulista. Formava-se um leque heterogêneo de destinatários:
“adversários”, adeptos da causa, além das leitoras e leitores que se buscava
sensibilizar com o relato das “cenas de horror” que estavam “na moda”92.
No Brasil, como já demonstrou David Haberly, o discurso
antiescravista foi acompanhado paradoxalmente do discurso
antiescravizado ou antinegro e justificava-se pelo pânico dos senhores de
que, uma vez libertos, os escravizados dariam vazão a incontroláveis ondas
de violência e selvageria93. O melhor exemplo desse pensamento, colhido
na literatura, é As vítimas-algozes: quadros da escravidão (1869), de
Joaquim Manoel de Macedo, um dos mais populares romancistas da época.
A obra, formada por três narrativas, foi por muito tempo impropriamente
considerada “abolicionista”. Numa divisão moral binária e simplista, no
polo positivo, tem-se ali os senhores descritos como pessoas nobres e
generosas; e, no polo negativo, os escravos encarnam seres pérfidos, cruéis
e de instintos assassinos. O senhor é a vítima; o escravo, o algoz, cuja
maldade, inerente a sua natureza, acentua-se com a escravidão. Daí a
necessidade de extinguir a nefanda instituição, a fim de libertar a classe
senhorial, branca, do nocivo convívio com os escravizados ou libertos
negros. Fatos chocantes, a corroborar essa visão, aconteciam na vida real,
como amiúde relatava A Província de São Paulo: no interior paulista,
fazendeiros “caridosos”, “brandos”, “benévolos”, que tratavam seus
escravos “de igual para igual”, eram brutalmente assassinados por escravos
ingratos e traiçoeiros. No entanto, o que se verá na série de “Cartas a
Ferreira de Menezes”, além de uma linguagem e estilo que jamais se
avizinharam tanto da literatura, é que o jornalista abordaria aquelas histórias
da escravidão reais sob ângulo diametralmente oposto ao das notícias
veiculadas nos jornais, quando o assunto girava em torno das relações entre
escravizados e seus senhores: revoltas, fugas, assassinatos de senhores e/ou
membros de suas famílias reforçavam estereótipos negativos sobre os
negros, legitimando teorias racistas em voga desde meados do século XIX.
Para os artigos da Gazeta da Tarde, Luiz Gama escolheu estrategicamente
as histórias mais ilustrativas do mundo da escravidão, feito de luzes e
sombras, dividido entre o Bem e o Mal, a partir de um ponto de vista
ausente de jornais como A Província de São Paulo, alvo de duras críticas,
explícitas ou veladas. Suas narrativas evidenciavam que os africanos, os
escravizados, os negros é que sofriam, em vários níveis, as “torpezas de
branco”94. Luiz Gama oferecia contranarrativas e expunha um mundo às
avessas sobre o qual só ele – ex-escravo, estudioso e pensador negro – era
capaz de enxergar, a partir da “ciência” jurídica que iluminava sua visão da
sociedade e dos fundamentos do Estado brasileiro: “Antes de analisar as
disposições de uma lei[,] manda a boa filosofia estudar as causas essenciais
ou imediatas da sua promulgação; porque uma lei é um monumento social,
é uma página de história, uma lição de etnografia, uma razão de Estado”95.
No campo da historiografia, da antropologia, da literatura, das artes
visuais, não faltam descrições sobre ser escravo no Brasil. Em escritos por
tanto tempo desconhecidos, emerge de alguns parágrafos magníficos a vida
pungente do “animal maravilhoso chamado escravo”, condição na qual
milhões de homens e mulheres subordinaram-se não a senhores caridosos,
mas a verdadeiras “feras humanas”. A linguagem é enxuta, o quadro se
desenha em pinceladas que chicoteiam:

o negro, o escravo, come do mesmo alimento, no mesmo vasilhame


dos porcos; dorme no chão, quando feliz sobre uma esteira; é presa dos
vermes e dos insetos; vive seminu; exposto aos rigores da chuva, do
frio, e do sol; unidos, por destinação, ao cabo de uma enxada, de um
machado, de uma foice; tem como despertador o relho do feitor, as
surras do administrador, o tronco, o vira-mundo, o grilhão, as algemas,
o gancho ao pescoço, a fornalha do engenho, os banhos de querosene,
as fogueiras do cafezal, o suplício, o assassinato pela fome e pela
sede!... E tudo isto santamente amenizado por devotas orações ao
crepúsculo da tarde, e ao alvorecer do dia seguinte96.

Na “Carta a Ferreira de Menezes” de 16 de dezembro de 1880, com seu


extraordinário poder de síntese, Luiz Gama novamente condensa num único
parágrafo mais de três séculos da escravidão no Brasil e o destino de
homens e mulheres nascidos na África, da qual também se sentia filho. O
tom nervoso e dramático traduzia o clamor do único abolicionista negro
brasileiro capaz de falar de uma realidade por ele vivenciada, num
momento duplamente angustioso: a perspectiva de morte em horizonte
próximo num país, em 1880, imune à desonrosa condição de única
monarquia e, ao lado de Cuba, últimos regimes escravistas nas Américas. A
história, a autobiografia (implícita) misturam-se à emoção e à compaixão:

Sim! Milhões de homens livres, nascidos como feras ou como anjos,


nas fúlgidas areias da África, roubados, escravizados, [...] mutilados,
arrastados neste país clássico da sagrada liberdade, assassinados
impunemente, sem direitos, sem família, sem pátria, sem religião,
vendidos como bestas, espoliados em seu trabalho, transformados em
máquinas, condenados à luta de todas as horas e de todos os dias, de
todos os momentos, em proveito de especuladores cínicos, de ladrões
impudicos, de salteadores sem nome; que tudo isso sofreram e sofrem,
em face de uma sociedade opulenta, do mais sábio dos monarcas, à luz
divina da santa religião católica, apostólica, romana, diante do mais
generoso e mais interessado dos povos; que recebiam uma carabina
envolvida em uma carta de alforria, com a obrigação de se fazerem
matar à fome, à sede e à bala nos esteiros paraguaios e que nos leitos
dos hospitais morriam, volvendo os olhos ao território brasileiro, os
que, nos campos de batalha, caíam, saudando risonhos o glorioso
pavilhão da terra de seus filhos; estas vítimas que, com seu sangue,
com seu trabalho, com sua jactura, com sua própria miséria
constituíram a grandeza desta nação, jamais encontraram quem,
dirigindo um movimento espontâneo, desinteressado, supremo, lhes
quebrasse os grilhões do cativeiro!...97

Nas últimas linhas, para quantos o conheciam, o jornalista abolicionista


referia-se a si mesmo, ao seu lugar único e ao papel “messiânico” que lhe
coube desempenhar, quase ao preço da própria vida.
Em artigos e cartas reunidos neste volume, Luiz Gama referiu-se às
ameaças de morte e outras formas de intimidação a ele endereçadas
regularmente havia alguns anos. Em 29 de janeiro de 1881, ele comentava,
em seu artigo da Gazeta da Tarde, continuar recebendo mensagens
anônimas, remetidas do interior paulista, em geral com a finalidade de
insultá-lo. No entanto, uma delas distinguiu-se pelo tom e teor inusitados.
Assinada “Neta de Zambo”, a remetente suscitou vivo entusiasmo e
admiração em Luiz Gama, que, no conjunto de artigos aqui reunidos, quase
nunca evocou a atuação de mulheres no movimento abolicionista, com
exceção da Sociedade Redentora, formada por mulheres pertencentes à
família de maçons, cujas ações filantrópicas foram mencionadas em
relatório da Loja América, do qual ele é um dos signatários, ao governo da
província em 10 de novembro de 1871. Luiz Gama comentou longamente
sem poupar elogios ao documento recebido e pede a Ferreira de Menezes
para divulgar o firme e inspirador depoimento daquela voz feminina, em
sua opinião equiparável à sensível autora de A cabana do Pai Tomás:

[A] carta é escrita por uma senhora, tão inteligente quão delicada [...]
não é uma senhora de escravos: é uma personificação de virtudes [...] uma
brasileira benemérita, uma heroína da liberdade. [...]
Não tem data; e tem por assinatura um nome suposto [...]
Se o estilo é um retrato moral, eu lobrigo através das sombras do
mistério as lindas feições da distinta Neta de Zambo [...]
Envio-te a carta, por cópia: deve ser lida por ti, e pelos nossos
dignos companheiros e amigos [...]
Enfim, podemos exclamar, com os nossos irmãos dos Estados
Unidos da América do Norte:
– Surge radiante a aurora da liberdade; e, no seu ninho de luzes, a
nova HARRIET STOWE.

Atendendo ao pedido do amigo, e antecipando a curiosidade dos leitores,


Ferreira de Menezes publicou, naquele mesmo dia, os trechos daquela
“página de ouro” do abolicionismo no Brasil.
Das Primeiras trovas burlescas ao conjunto da obra jornalística, Luiz Gama
radiografou a sociedade brasileira atravessada por males congênitos.
Contudo, sem medo de lidar com os lados sombrios da vida nacional, o
autor ativista não se rendeu ao pessimismo. Seu “sonho sublime” foi
marcado pela utopia de liberdade e igualdade. Para ele, que não sofreu,
como alguns correligionários, a desilusão com a ordem inaugurada em
1889, a ideia de república como regime virtuoso, logo capaz de inspirar
naturalmente uma conduta ética entre as pessoas, foi acompanhada de
breves lampejos de esperança. Num dos artigos da Gazeta da Tarde, ele
pintou o quadro pernicioso da corrupção estrutural entranhada na sociedade
brasileira, profetizando seu fim e, com este, a instauração de uma utópica
fraternidade entre indivíduos separados pelo abismo social, racial e
econômico. O trecho é eloquente, parece retratar o Brasil de hoje, ainda sem
lugar e condições propícias para que se concretizem a profecia e a
esperança de Luiz Gama:

Os senhores dominam pela corrupção; têm ao seu serviço ministros,


juízes, legisladores; encaram-nos com soberba, reputam-se
invencíveis.
A luta promete ser renhida; mas eles hão de cair. Hão de cair, sim;
e o dia da queda se aproxima.
A corrupção é como a pólvora; gasta-se, e não reproduz-se.
Hão de cair, porque a Nação inteira se alevanta; e no dia em que
todos estivermos de pé, os ministros, os juízes, os legisladores, estarão
do nosso lado [...]
Os próprios senhores – na granja, na tenda, na taverna, ou no
Senado [...] hão de apertar a mão ao liberto; nivelados pelo trabalho,
pela honra, pela dignidade, pelo direito, pela liberdade, dirão, com o
imortal filósofo:
– “Se fosse possível saber o dia em que se fez o primeiro escravo,
ele deveria ser de luto para a humanidade.”98

Em geral artigos longos, as “Cartas a Ferreira de Menezes” mantêm uma


liberdade aparente na organização da matéria epistolar, mas uma análise
mais acurada em cada texto indica elaborada construção no plano formal,
temático e estético. O jornalista esmerou-se nesses escritos em que direito,
jornalismo e literatura (ou escrita literária) se misturam e produzem textos
antológicos igualmente recheados de frases lapidares. Se não fossem
verídicas, as “histórias da escravidão” presentes em seus artigos poderiam
constar no rol das boas narrativas ficcionais do realismo brasileiro.
No penúltimo artigo presente nesta coletânea, destaca-se a contribuição
especialíssima de Luiz Gama para a formação do imaginário republicano,
cujos artífices desejavam plantar os seus lugares de memória, em plena
vigência do Império e na sede da corte. O projeto nascia polêmico. No largo
da Lampadosa (atual praça Tiradentes), onde fora enforcado Tiradentes, no
Rio de Janeiro, previa-se erigir um monumento a d. Pedro I. Os
antimonarquistas mobilizaram-se para contrapor um outro símbolo. Em “À
forca, o Cristo da multidão”, encomendado pelo órgão republicano
Tiradentes (RJ), coube a Luiz Gama fazer o retrato e a reflexão política,
numa linguagem entre mítica e histórica, daquele que, “h[avia] 90 anos,
primeiro propusera a libertação dos escravos, e a proclamação da
República” no Brasil99. Encontramos ali uma das primeiras (se não a
primeira) aproximações entre Cristo e o mártir da Inconfidência, evocada
em imagens sugestivas num texto que, por essa razão, já sob a República,
inspirou pinturas históricas como o “Martírio de Tiradentes” (1893), de
Aurélio Figueiredo de Melo.
Por fim, no artigo que encerra este livro, “Representação ao
Imperador”, datado de 8 de agosto de 1882, possivelmente um de seus
últimos escritos, já que viria a falecer duas semanas depois, o exaurido Luiz
Gama reunia as forças que lhe restavam e passava por cima de seus próprios
brios, disposto a implorar ao próprio Imperador para que intercedesse em
favor da libertação imediata de um grupo de escravos. Embora não se
tratasse propriamente de um artigo, o texto foi divulgado na imprensa
carioca como uma estratégia para reforçar a súplica do advogado dos
escravos. As virtudes do texto seriam louvadas pelo editor da Gazeta da
Tarde, possivelmente Jose do Patrocínio, cujas palavras nos convidam a
descobrir o complexo e instigante conjunto dos artigos de Luiz Gama: “A
representação visa a liberdade de homens ilegalmente retidos na escravidão,
e nos dispensa de acrescentar-lhe comentários. A singeleza da exposição dá
ao leitor conhecimento do assunto e critério para o seu juízo”.
VII

Assim como seus poemas, os artigos de Luiz Gama não são textos simples.
Além da complexidade referencial, refletem estilo elaborado, domínio
retórico e combinação de vários gêneros textuais. Em sua maioria são
escritos em primeira pessoa: o “eu” é narrador e, eventualmente,
personagem, emprego que influi diretamente no ponto de vista ou na
perspectiva adotados. Assim, ocorrem ajustes enunciativos, à medida que se
diversificam os temas, o foco e os destinatários implícitos ou explícitos de
análises e comentários em que os acontecimentos, locais e/ou pessoais,
ganham dimensão política. Do primeiro artigo no Correio Paulistano, em
1864, à “Representação do Imperador”, em 1882, o jornalista não limitou
sua voz: expandiu-a até alcançar “o país inteiro”.
Ao adentrar os textos desta coletânea, sob nossos olhos vão saindo das
sombras pessoas escravizadas a quem Luiz Gama deu nome e visibilidade,
personagens reais de suas narrativas e dos processos intrincados de que se
encarregava com o objetivo de libertá-los. Descobriremos os dramas de
Tomás, Benedito, Narciso, Elias, Joaquina, Marcela, Benedita; dos casais
João e Rita, Paulo e Lucina, Jacinto e Ana; da Parda F.; das 234 “pessoas
livres, ilegalmente escravizadas”, contrabandeadas da Bahia para o Rio num
vapor alemão; dos quatro “Espártacos” linchados por “trezentos cidadãos”;
do crioulo chicoteado e queimado vivo por nutrir o “vício de detestar o
cativeiro”; do preto Caetano; do bebê “mulatinho” filho de um senhor com
uma escrava obrigada a jogá-lo num rio; do ex-escravo José Lopes,
“cocheiro e proletário”; alguns nomes, enfim, dentre as “três milhões de
vítimas” que, até então, “jamais encontraram quem, dirigindo um
movimento espontâneo, desinteressado, [...] lhes quebrasse os grilhões do
cativeiro”100.
A imprensa também serviu para o jornalista negro estampar o nome
dos algozes impunes, pessoas “ricas e poderosas” que cometiam ou
acobertavam crimes sem castigos contra africanos ou seus descendentes
escravizados: Brigadeiro Carneiro Leão; Comendador José Vergueiro, da
Sociedade Democrática Limeirense; os “sapientíssimos” juízes Santos
Camargo, Rego Freitas e Pereira Tomás; conselheiro Furtado de Mendonça,
chefe de polícia de São Paulo; Rafael Tobias Aguiar, filho do brigadeiro
Tobias Aguiar e da marquesa de Santos; conselheiro Nabuco de Araújo, pai
do abolicionista Joaquim Nabuco; o governo imperial, entre outros.
Na escrita jornalística, em que dizer é fazer, Luiz Gama revelou-se um
mestre das narrativas, e estas serviram de fundamento a suas análises e
interpretações jurídicas. Assim, boa parte de seus artigos poderiam incluir-
se num gênero jornalístico semelhante ao da “crônica judicial” que, no
século XIX, atraía uma legião de leitores na imprensa francesa. O advogado
jornalista não hesita em midiatizar as causas judiciais, usa seus dons
retóricos para sensibilizar a opinião pública e aumentar a pressão sobre as
autoridades, já que, para atingir seus objetivos, era preciso intervir nas duas
frentes.
O conjunto de textos reflete as matrizes do pensamento e as “lições de
resistência”, entendidas como dever de “virtude cívica” por nosso primeiro
abolicionista e republicano negro. No entanto, por mais interessante que
sejam esses conteúdos, há dimensões que não podem ser desprezadas, como
a “forma” escolhida – gênero jornalístico de tipo variado ou híbrido
(opinião/comentários jurídicos, formas narrativas, faits divers, retratos...),
com linguagem e características textuais e discursivas próprias, condições
de produção e recepção enraizadas num presente quase efêmero, situado
num passado aparentemente distante. Ademais, Luiz Gama repetiu a
trajetória de outros literatos do século XIX nos quais jornalismo, literatura e
política se interpenetram, e tornou-se dono de um estilo inconfundível. Faço
desde agora essas observações, a fim de sugerir aos interessados que, antes
de entrarem em contato com os textos, disponham-se a refletir sobre uma
experiência de leitura, conscientes de que, se o jornal é “fonte” (de
pesquisa, informação, interesse histórico ou literário etc.), o texto
jornalístico, quando se avizinha da literatura e de sua carga simbólica, é
fruição.
As leitoras e os leitores deste livro encontrarão, sob a pena do
“incansável” jornalista, mais do que o intransigente defensor dos escravos e
dos ideais republicanos, cujos fundamentos têm sido particularmente
nebulosos e enxovalhados nos dias de hoje, a ponto de reabrir feridas no
sentimento de ser este país verdadeiramente uma nação. O debate, para não
dizer o dilema, em torno dessa questão nasceu na aurora da Independência e
foi reexaminado ad nauseam, na política e na literatura, ao longo do século
XIX. Assim, descortina-se, neste conjunto inédito de artigos, uma visão
original, fruto de análises críticas das grandes questões nacionais, das
instituições políticas, dos sistemas econômicos, da estrutura social, das
mentalidades, das ideologias raciais, dos direitos humanos, quando não uma
anatomia do próprio Estado, aspectos que nos permitem situar o pensador
negro Luiz Gama ao lado dos grandes intérpretes do Brasil.
1. Ver “Cronologia”.
2. Gazeta do Povo, 24 de agosto de 1882, in: Com a palavra, Luiz Gama. Poemas, artigos, cartas,
máximas. Organização, apresentações, notas de Ligia Fonseca Ferreira, São Paulo: Imprensa Oficial,
2011, p. 217.
3. Gazeta do Povo, 25 de agosto de 1882, in: Com a palavra, Luiz Gama..., op. cit., p. 220.
4. Gazeta do Povo, 26 de agosto de 1882, in: Com a palavra, Luiz Gama..., op. cit., p. 221.
5. Gazeta do Povo, 24 de agosto de 1882, in: Com a palavra, Luiz Gama..., op. cit., p. 218.
6. Gazeta do Povo, 26 de agosto de 1882, in: Com a palavra, Luiz Gama..., op. cit., p. 222.
7. “Luiz Gama – Homenagens e demonstrações”, Gazeta do Povo, respectivamente 28 de agosto, 4,
13 e 22 de setembro de 1882.
8. Gazeta de Notícias, 25 de agosto de 1882.
9. Gazeta da Tarde, 28 de agosto de 1882, in: José do Patrocínio, Campanha abolicionista: coletânea
de artigos. Introdução de José Murilo de Carvalho; notas de Marcus Venício T. Ribeiro. Rio de
Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional; Depto Nacional do Livro, 1996, pp. 52 e 50.
10. “Luiz Gama – Homenagens e demonstrações”, Gazeta do Povo, 27 de agosto de 1882.
11. “Luiz Gama – Homenagens e demonstrações”, Gazeta do Povo, 24 de setembro de 1882.
12. Cf. Joaquim Nabuco, Minha formação, Rio de Janeiro: José Olympio, 1957, p. 246.
13. Cf. Maria Helena T. Machado, O plano e o pânico, os movimentos sociais na década da
abolição, São Paulo: Edusp, 1994, pp. 151-53; Elciene Azevedo, Orfeu de carapinha. A trajetória de
Luiz Gama na imperial cidade de São Paulo, Campinas: Editora da Unicamp, 1999.
14. Cf. Fernando Góes, “Inatualidade do negro brasileiro”, Tribuna negra, n. 1, 1ª quinzena,
setembro de 1935, apud Mirian Nicolau Ferrara, A imprensa negra paulista (1915-1963), São Paulo:
FFLCH/USP, 1986, p. 141.
15. Cf. Luiz Gama, Obras completas: Trovas burlescas & escritos em prosa. Organização de
Fernando Góes, São Paulo: Edições Cultura, 1944.
16. Cf. Fernando Góes, “Breve notícia de Luiz Gama e seus escritos”, in: Luiz Gama, Obras
completas..., op. cit., p. 8.
17. Cf. Luiz Gama, Primeiras trovas burlescas de Luiz Gama, 3. ed. correcta e augmentada, São
Paulo: Typ. Bentley Júnior & Comp., 1904; Júlio Romão da Silva, Luiz Gama e suas poesias
satíricas. Prefácio de Otto Maria Carpeaux, Rio de Janeiro: Casa do Estudante do Brasil, 1954 (2ª
edição 1981).
18. Cf. Ligia Fonseca Ferreira, “Fortuna crítica”, in: Luiz Gama, Primeiras trovas burlescas & outros
poemas. Organização e introdução de Ligia Fonseca Ferreira, São Paulo: Martins Fontes, 2000, pp.
LXII-LXXI.
19. Cf. Luiz Gama, Primeiras trovas burlescas & outros poemas, op. cit.; e Ligia Fonseca Ferreira,
“Luiz Gama autor, leitor, editor: revisitando as Primeiras trovas burlescas de 1859 e 1861”, Estudos
Avançados, n. 96, maio-ago. 2019, pp. 109-35.
20. Cf. “Carta a José Carlos Rodrigues”, 26 de novembro de 1870. Ver, neste volume, p. 362.
21. Cf. “Farmacopeia”, in: Primeiras trovas burlescas & outros poemas, op. cit., p. 107.
22. Cf. “Luiz G. P. Gama”, Correio Paulistano, 10 de novembro de 1871, p. 198. A maioria dos
artigos de Luiz Gama citados nas notas integram este volume. Se houver exceções, será indicada a
fonte.
23. Cf. “Que mundo é este”, in: Primeiras trovas burlescas & outros poemas, op. cit., p. 128.
24. Cf. “Sortimento de gorras para a gente do grande tom”, in: Com a palavra, Luiz Gama..., op. cit.,
p. 70.
25. Cf. “A emancipação ao pé da letra”, Gazeta do Povo, 18 de dezembro de 1880, p. 267.
26. Cf. “Foro da Capital. Juízo Municipal”, Correio Paulistano, 4 de agosto de 1872, p. 217.
27. Cf. “Luiz G. P. Gama”, Correio Paulistano, 10 de novembro de 1871, p. 198.
28. Cf. José-Luis Diaz; Alain Vaillant, “Introduction”, Romantisme, n. 143, 2009, p. 3. No original, a
sentença está no plural.
29. José Murilo de Carvalho, Pontos e bordados: escritos de história e política, Belo Horizonte:
Editora da UFMG, 1999, p. 246.
30. Cf. “Carta a Lúcio de Mendonça”, p. 366.
31. Cf. “Trechos de uma carta”, Gazeta da Tarde, 28 de dezembro de 1880, p. 291.
32. Cf. O Polichinelo n. 19, 20 de agosto de 1876, in: Com a palavra, Luiz Gama..., op. cit., p. 291.
33. Cf. “Trechos de uma carta”, Gazeta da Tarde, 28 de dezembro de 1880, p. 291.
34. Cf. “Carta a Lúcio de Mendonça”, p. 366; ver também Lúcio de Mendonça, “Luiz Gama”, in:
Com a palavra, Luiz Gama..., op. cit., pp. 263-70.
35. Cf. Raimundo Faoro, Os donos do poder, São Paulo: Globo, 1989, v. 2, p. 453.
36. Cf. Sérgio Buarque de Holanda, História geral da civilização brasileira. São Paulo: Difel, t. 2, v.
5 (Do império à república), 1977, p. 265.
37. Cf. Lúcio de Mendonça, “Luiz Gama”, in: Com a palavra, Luiz Gama..., op. cit., p. 263.
38. Cf. Lilia M. Schwarcz, O espetáculo das raças. Cientistas, instituições e questão racial no Brasil
(1870-1930), São Paulo: Companhia das Letras, 1993, pp. 63-4.
39. Cf. Silvio Luiz Almeida, O que é racismo estrutural, Belo Horizonte: Letramento, 2018.
40. Cf. “Emancipação”, Gazeta do Povo, 1º de dezembro de 1880, p. 256.
41. Cf. “Trechos de uma carta”, Gazeta da Tarde, 1º de janeiro de 1881, p. 297.
42. Cf. “Aresto Notável”, Gazeta da Tarde, 17 de novembro de 1881, p. 350 – grifos do autor.
43. Cf. “Carta ao Dr. Ferreira de Menezes”, Gazeta da Tarde, 22 de janeiro de 1881, p. 317.
44. Cf. “Foro da Capital”, Radical Paulistano, 13 de novembro de 1869, p. 147.
45. Informações mais detalhadas sobre os periódicos serão fornecidas nas notas de fim de texto.
46. Ver “Cronologia”. Assinados por Luiz Gama, aparecem no Diabo Coxo os poemas “Meus
amores” e “Novidades antigas”. No Cabrião, identifica-se através de um de seus pseudônimos
(Barrabrás, formado a partir do nome do ladrão crucificado ao lado de Jesus e do nome do bairro
onde Luiz Gama residiu até o final da vida) apenas a sátira versificada “Epístola familiar”. Para os
textos dos poemas, cf. Primeiras trovas burlescas & outros poemas, op. cit., pp. 220-55.
47. Ver “Cronologia”. Nesse periódico, Luiz Gama publicou cinco poemas satíricos: “Programa”,
“Cena parlamentar”, “Rei-cidadão”, “Espiga”, “O moralista” e o poema lírico “A Maria (epístola
familiar)”. Cf. Primeiras trovas burlescas & outros poemas, op. cit., pp. 256-86.
48. Cf. O Polichinelo n. 1, 16 de abril de 1876.
49. Cf. Daniel Ligou, Dictionnaire de la franc-maçonnerie. Paris: Presses Universitaires de France,
1987, p. 1036.
50. Cf. Boris Fausto. História do Brasil, São Paulo: Edusp, 1994, p. 184; “Loja América”, Correio
Paulistano, 10 de novembro de 1871.
51. Cf. “Loja América”, Correio Paulistano, 10 de novembro de 1871, p. 189.
52. Nabuco foi iniciado na Loja América em 1º de dezembro de 1868, quando ainda era estudante de
direito em São Paulo. Cf. Luaê Carregari Carneiro, Maçonaria, política e liberdade. A Loja
Maçônica América entre o Império e a República, Jundiaí: Paco Editorial, 2016, p. 43.
53. Cf. Gérard Serbanesco, Histoire de la franc-maçonnerie universelle, Beauronne (Dordogne): Les
Éditions Intercontinentales, 1964, v. 2, pp. 140-57 (tradução nossa).
54. Cf. “Carta ao filho, Benedito Graco Pinto da Gama”, p. 361.
55. Cf. “Carta a José Carlos Rodrigues”, p. 362.
56. Cf. “Pela última vez”, Correio Paulistano, 3 de dezembro de 1869, p. 165.
57. Cf. “Ainda o novo Alexandre”, Correio Paulistano, 27 de novembro de 1869, p. 162.
58. Cf. “Foro da Capital”, Radical Paulistano, 13 de novembro de 1869, p. 147.
59. Cf. “Foro da Capital”, Radical Paulistano, 29 de julho de 1869p. 134.
60. Ibidem.
61. Cf. “Pela última vez”, Correio Paulistano, 3 de dezembro de 1869, p. 165.
62. Cf. “Egrégio tribunal da relação”, Correio Paulistano, 12 de março de 1874. Este artigo não
consta neste volume por não atender ao recorte temático aqui proposto.
63. Cf. “Carta a Ferreira de Menezes”, Gazeta da Tarde, 16 de dezembro de 1880, p. 262.
64. Cf. “Carta ao comendador José Vergueiro”, Ipiranga, 21 de fevereiro de 1869, p. 111.
65. Cf. “Coisas admiráveis”, Correio Paulistano, 2 de dezembro de 1870, p. 179.
66. Cf. “Itatiba. Contraprotesto”. A Província de São Paulo”, 4 de janeiro de 1881, p. 301.
67. Cf. “Escândalos”, Radical Paulistano, 30 de setembro de 1869, p. 145.
68. Cf. “Carta ao Dr. Ferreira de Menezes”, Gazeta da Tarde, 4 de janeiro de 1881, p. 302.
69. Cf. Correio Paulistano, 20 de novembro de 1867.
70. Cf. “Processo Vira-Mundo”, Gazeta do Povo, 23 de abril de 1881.
71. Cf. adiante “Pela última vez”, Correio Paulistano, 3 de dezembro de 1869, p. 165.
72. Cf. “Foro da Capital. Questão de Liberdade”, Correio Paulistano, 13 de março de 1869, p. 118.
73. Cf. Correio Paulistano, 3 de abril de 1870 e 20 de fevereiro de 1874.
74. Cf. “Loja América”, Correio Paulistano, 10 de novembro de 1871, p. 189.
75. Cf. “Carta a Lúcio de Mendonça”, p. 366.
76. Cf. “Loja América”, Correio Paulistano, 10 de novembro de 1871, p. 189 – grifo nosso.
77. Cf. Carta a Ferreira de Menezes, Gazeta da Tarde, 1º de fevereiro de 1881 p. 334.
78. Grifo do autor.
79. Cf. Ligia Fonseca Ferreira, “De escravo a cidadão. Luiz Gama, voz negra no abolicionismo”, in:
Tornando-se livre: agentes históricos e lutas sociais no processo de abolição. Organização de Maria
Helena P. T. Machado e Celso Thomaz Castilho, São Paulo: Edusp, 2015, pp. 233-6.
80. Cf. “Aresto notável”, Gazeta da Tarde, 17 de novembro de 1881, p. 350: “Luiz Gama – Em São
Paulo, adoeceu há dias gravemente este nosso amigo, ilustre por muitos títulos da inteligência, do
coração e do caráter. Logo que de tal soubemos, telegrafamos imediatamente para ali e recebemos
hoje a resposta de que Luiz Gama está ainda doente mas de pé. Todos os amigos da liberdade devem
regozijar-se com esta notícia”.
81. Cf. Raul Pompéia, “Última página da vida de um grande homem”, Gazeta de Notícias, 10 de
setembro de 1882, in: Com a palavra, Luiz Gama..., op. cit., pp. 227-36.
82. Cf. Adilson José Moreira, Pensando como um negro. Ensaio de hermenêutica jurídica, São
Paulo: Contracorrente, 2019.
83. Cf. “Apontamentos biográficos”, Radical Paulistano, 24 de maio de 1869, p. 127.
84. Cf. Joaquim Nabuco, Um estadista do Império, São Paulo: Topbooks, 1997, 2 v.
85. Traçamos um paralelo entre Luiz Gama e Joaquim Nabuco em “Luiz Gama: um abolicionista
leitor de Renan”, Estudos Avançados, v. 21, n. 60, São Paulo, 2007, pp. 271-88. Disponível em:
<http://www.iea.usp.br/iea/revista/>. Acesso em: 13 nov. 2019.
86. Além do artigo supracitado, ver também Ligia Fonseca Ferreira, “Luiz Gama: defensor dos
escravos e do direito”, in: Os juristas na formação do Estado-Nação brasileiro. Coordenação de
Carlos Guilherme Mota e Gabriela Nunes Ferreira, São Paulo: Saraiva, 2010, pp. 219-44.
87. Cf. Joaquim Nabuco, O abolicionismo (1883). Recife: Fundaj, 1988, p. 25.
88. Cf. Maria Cristina Cortez Wissenbach, Sonhos africanos, vivências ladinas. Escravos e forros em
São Paulo (1850-1880), São Paulo: Hucitec, 1998, p. 153.
89. Cf. Ronaldo Marcos dos Santos, Resistência e escravismo na província de São Paulo (1885-
1888), São Paulo: Fundação do Instituto de Pesquisas Econômicas, 1980, p. 74.
90. Cf. Elciene Azevedo, Orfeu de carapinha..., op. cit., p. 260.
91. Cf. Célia Maria Marinho de Azevedo, Onda negra, medo branco. O negro no imaginário das
elites (século XIX), Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 183.
92. Cf. “Carta a Ferreira de Menezes”, Gazeta da Tarde, 16 de dezembro de 1880, p. 262.
93. Cf. David Haberly, “Abolitionism in Brazil: Anti-Slavery and Anti-Slave”, Luso-Brazilian
Review, n. 2, IX, Winter 1972, pp. 38-9.
94. Cf. “Trechos de uma carta”, Gazeta da Tarde, 28 de dezembro de 1880, p. 291.
95. Cf. “Carta a Ferreira de Menezes”, Gazeta da Tarde, 7 de janeiro de 1881, p. 309.
96. Cf. “Trechos de uma carta”, Gazeta da Tarde, 28 de dezembro de 1880, p. 291.
97. Carta a Ferreira de Menezes”, Gazeta da Tarde, 16 de dezembro de 1880, p. 262.
98. Cf. Gazeta da Tarde, “Trechos de uma carta”, 28 de dezembro de 1880, p. 291.
99. Sobre o significado desse artigo para os republicanos, cf. José Murilo de Carvalho, A formação
das almas. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, pp. 60-2.
100. Cf. “Carta a Ferreira de Menezes”, Gazeta da Tarde, 16 de dezembro de 1880, p. 262.

Você também pode gostar