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[11.1974. Publicado no jornal Village Voice de New York, em março de 1981 com o título The “Negro” Inside.]
S
egundo a interpretação mitológica da origem do homem, ele conseguiu a sabedoria a partir de
um crime, o de subtraí-la aos deuses. Em princípio o conhecimento é verdade a todo animal, é
o tesouro secreto dos seres onipotentes. Somente um animal, teve a pretensão maior justamente
de negar essa sua condição, e o faz através do conhecimento de si próprio.
Essa faculdade de conhecer, que lhe fora vedada em algum tempo remoto, e que ele usurpou — e
hoje em dia de maneira indecente —, segundo ainda aquelas fontes, trará de encontro ao animal
presunçoso e enlouquecido, o sofrimento e a procura milenar da felicidade perdida. Pena imposta
pelos deuses…
Profundamente consciente e conciliada com o aspecto trágico da vida humana aceito sem maiores
cuidados em toda e qualquer explicação onde a origem do conhecimento esteja relacionada à perda
da felicidade e ao pacto que o homem estabeleceu com o sofrimento. De todo o conhecimento que o
homem busca, o autoconhecimento me parece aquele que justifica o que diz a nossa tradição. Tem-
se que expiar tal crime. Isso me diz muito respeito, na medida em que me aprofundo nas origens das
relações inter-raciais no Brasil, e nas implicações dessas na psique do homem negro
Tomando inescrupulosamente como cobaia eu mesma, isto é, partindo da minha experiência, e
da dos negros mais ligados a mim — minha família, amigos, companheiros de ônibus, nas ruas, nos
estabelecimentos — tento chegar, o mais de como subjetivamente reagimos diante de uma realidade
tão opressora; de como resolvemos as questões que nos fustigam, hoje, nossas mentes, ontem nossos
corpos. Quando pretendo explicar o que se produziu em quatro séculos de repressão, de ausência de
ser, vejo somente uma imensa amnésia coletiva que nos faz sofrer brutalmente. Esta amnésia coletiva