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© Telê Ancona Lopez


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T272
Lopez, Telê Ancona.
Leituras, percursos / organização Marcos Antonio de Moraes, Tatiana Longo Figueiredo;
colaboração Leandro Raniero Fernandes, Ligia Rivello Baranda Kimori. - Ebook. - Belo Horizonte
[MG]: Fino Traço, 2021.
368 p.
Inclui índice
ISBN: 978-85-8054-457-2
1. Andrade, Mário de, 1893-1945. 2. Crítica genética. 3. Ensaios brasileiros. I. Lopez, Telê Ancona.
II. Moraes, Marcos Antonio de. III. Figueiredo, Tatiana Longo. IV. Fernandes, Leandro Raniero.
V. Kimori, Ligia Rivello Baranda.

21-73848 CDD: 869.4 CDU: 82-4(81)

Camila Donis Hartmann - Bibliotecária - CRB-7/6472 14/10/2021 15/10/2021

Coleção Estudos Brasileiros | Editora Fino Traço


Coordenadores:
Monica Duarte Dantas
Instituto de Estudos Brasileiros | USP (Brasil)
Marcos Antonio de Moraes
Instituto de Estudos Brasileiros | USP (Brasil)

Conselho Editorial:
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Anthony Pereira
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Diana Gonçalves Vidal
Instituto de Estudos Brasileiros | USP (Brasil)

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Na pancada do ganzá – O prefácio de Mário de
Andrade

Este não é um livro de ciência, evidentemente, é um livro de amor.


Estarão sempre muito enganados os que vierem buscar nele a sistemática dos
fatos musicais e poéticos do Nordeste. Eu não tive nunca, nem poderia ter
pela falta de estudos organizados, a pretensão de ir no rasto dos fenômenos
humanos, até aquele fundo profundo que retrata os homens do nosso tempo
dentro do esquema das coletividades quase imemoriais. Deus me livre de
negar que a ciência seja por sua vez fenômeno de amor, mas “conhecer” no
sentido de decidir da Verdade, é um verbo que me assusta um bocado. Embora
acredite em Deus e não encontre em mim forças bastantes que O neguem,
eu amo a vida. É terrivelmente certo que eu amo bem mais a vida do que a
Deus. Nesse sentido eu sou como os homens das civilizações naturais, que
deixam de lado a Obatalá, ao Deus bom, pois que já é bom por natureza,
e só veneram os deuses ruins. Porque são ruins, são perigosos. Deve ser
mais ou menos nesse sentido que eu amo e acarinho a vida, propiciando
apaixonadamente essa Caapora ruim que pede nosso fumo e esconde a
caça. Por essa maneira de ser, enamoradamente terrestre e muito agnóstica,
conhecer, decidir da Verdade, sempre me repugnou instintivamente. É vaidade
muita para mim. É individualismo, aristocracismo, dos que se encerram no
brasão de filhos de Deus.
De maneira que dou ao verbo conhecer um sentido, se não mais humilde,
pelo menos mais lírico, mais “namorista”, pra falar como o caipira. Eu amo
o Brasil, e no poema inicial do Clã do jabuti, embora sem sistematização,
já disse de que maneira, anticientífica, antipolítica, relumeia o fogo desse
amor. Quem quer que pretenda um conhecimento do povo brasileiro, um
pouco mais íntimo que esse da sua história política e geográfica, sentirá

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imediato aquela precisão que Ambrosetti (175, 20)1 sentiu na Argentina,
de recolher dados e noções capazes de evidenciar mais analiticamente a
entidade nacional. Nesse trabalho é que, com este livro, pretendo colaborar.
O que vale aqui é a documentação que o povo do Nordeste me forneceu.
Procurei recolher esses documentos, da maneira, essa sim, mais cuidadosa,
mais científica. Segui, na colheita folclórica, todos os conselhos e processos
indicados pelos folcloristas bons. Ouvi o povo, aceitei o povo, não colaborei com
o povo enquanto ele se revelava. De resto, trabalhos anteriores já tinham me
dado uma certa prática desse pesadíssimo esforço de recolhedor, e sempre
me estava presente aquela queixa de Hermann Urtel (86, 1)2 dizendo que
em Portugal a etnografia conhecera amplamente as desvantagens e perigos
do diletantismo.
É certo que, depois de realizada a colheita, ela dirigiu em grande parte o
caminho das minhas leituras. E destas, surgiram as notas que guarnecem
o livro. Mas porém com essas críticas, exemplos, variantes, ligações,
não pretendi fazer obra de etnógrafo, nem mesmo de folclorista, que
isso não sou: pretendi foi assuntar, atocaiar com mais garantias a namorada
chegando. Se acaso algumas constâncias me interessam mais, se alguma nova
eu terei fixado, foi sempre por essa precisão que tem o amante verdadeiro,
de conhecer a quem ama. Não tanto pra compreender o objeto amado em
si mesmo, como pra se identificar com ele e melhormente poder servi-lo
e gozar. Eu digo que, apesar de todas as notas ajuntadas pra esclarecer ou
facilitar o caminho dos estudiosos, este livro não chega a ser uma obra de
estudioso, porque é por demais obra de amor. Recolhendo e recordando estes
cantos, muitos deles tosquíssimos, precários às vezes, não raro vulgares, não
sei o que eles me segredam que me encho todo de comoções essenciais, e
vibro com uma excelência tão profundamente humana, como raro a obra
de arte erudita pode me dar. Não sei que apelo tradicional me leva, que
coincidência de afeto, de corpo, de esquecimento de mim; sei mas é que em
vão reconheço este e outro defeito nos cantos. Eles me comovem mais que

1. Nota da pesquisa: AMBROSETTI, Juan B. Supersticiones y leyendas. Buenos Aires: Ed.


La Cultura Argentina, 1917, p. 20.
2. Nota da pesquisa: URTEL, Hermann. Beiträge zur Portugiesischen Volkskunde. Hamburgo:
Universidade de Hamburgo/ L. Friederichsen & Co., 1928, p. 1.

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nada e eu me identifico com eles numa Einfühlung perfeitíssima. Necessária.
Como devem ser necessários todos os gestos humanos.
Estou lembrando duma noite na zona da mata, em Pernambuco. Depois
dum bumba-meu-boi de cinco horas, eu me aproximara dos instrumentistas
pra tirar um naco de conversa. Um deles trazia um violino, feito por ele
mesmo, duma sonoridade a um tempo tão esganiçada e mansa que nem sei!
E o violinista era compositor também. Compositor... descritivo! Não vê que
compunha baianos e varsas, feito os outros! compunha peças características,
descrevendo a vida de engenho e a de sertão. E tocou pra mim escutar uma
espécie de monstrengo sublime, que intitulara A boiada. Às vezes parava
a execução, pra me contar o que estava se passando... no violino. Eram os
bois saindo no campo; eram os vaqueiros juntando o “comboio”; era o trote
miudinho no estradão; o estouro; o aboio do vaqueiro dominando os bichos
assustados... Está claro que a peça era horrível de pobreza, má execução,
ingenuidade. Mas assim mesmo tinha frases aproveitáveis e invenções
descritivas engenhosas. E principalmente comovia. Quando se tem um
coração bem nascido, capaz de encarar com seriedade os abusos do povo,
uma coisa dessas comove muito e a gente não esquece mais3. Do fundo das
imperfeições de tudo quanto o povo faz, vem uma força, uma necessidade
que, em arte, equivale ao que é a fé em religião. Isso é que pode mudar o
pouso das montanhas. É mesmo uma pena, os nossos compositores não
viajarem o Brasil. Vão na Europa, enlambuzam-se de pretensões e enganos
do outro mundo, pra amargarem depois toda a vida numa volta injustificável.
Antes fizessem o que eu fiz, conhecessem o que amei, catando por terras
áridas, por terras pobres, por zonas ricas, paisagens maravilhosas, essa única
espécie de realidade que persiste através de todas as teorias estéticas, e que
é a própria razão primeira da Arte: a alma coletiva do povo. Teriam muito
mais coisa a contar. Conquistariam o direito incontestável do seu Anastácio
que chegou de viagem, o direito que eu tenho agora. Porque não basta saber
compor. Carece ter o que compor.

3. Nota MA: traço à margem, desde o início deste parágrafo para a hesitação: “Talvez
tirar isto”.

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Quando parti para o Nordeste em dezembro de 1928, não tinha a mínima
intenção de construir uma viagem etnográfica. Pretendia sim recolher cantos
populares, e quantos pudesse, porém sem a mais mínima organização.
Recolheria o que topasse em meu caminho. Mas realmente o que fazia esse
caminho era a ventura de gozar o que já amava de longe, me apoiando nos
amigos. E foi de fato a moradia dos amigos que me deu o itinerário. Se fui
ao Rio Grande do Norte é porque lá estavam Antônio Bento de Araújo
Lima e Luís da Câmara Cascudo. A Paraíba me chamava por causa de
Ademar Vidal e José Américo de Almeida e finalmente iria acabar no frevo
carnavalesco de Pernambuco por causa de Ascenso Ferreira e Cícero Dias.
Ora, esses amigos, além de serem apaixonados da coisa popular que nem
eu, com exceção do comunista Antônio Bento e do angélico pintor Cícero
Dias, refletiam mais ou menos a rivalidade cheia de picuinha que existe dum
Estado do Nordeste pra com o Estado imediatamente vizinho. O Rio Grande
do Norte tem birra da Paraíba, a Paraíba tem muita birra de Pernambuco,
Pernambuco tem birra da Paraíba. Isso é um fenômeno mais ou menos
universal, aliás, e mesmo dentro do Brasil surpreendi o mesmo, embora
mais vagamente entre Amazonas e Pará.
Há porém dentro de tudo isso, que se dá entre nós apenas na gente
alfabetizada, que é mais ou menos cômico, não tem importância e não
vai além do falar mal, uma coisa tristonha. É que se todos têm birrinhas
uns dos outros, todos se ajuntam pra ter birra de S. Paulo4. Nisso eles são

4. Nota MA: “Mas que o sentimento estava próximo a se generalizar mesmo no povo, pela
boca dos cantadores, prova o admirável romance de O povo na cruz (59, III, 116) de que
ignoro o autor. Eis as estrofes que interessam:
‘Não há mesmo quem resista
Estes impostos de agora;
Diz o governo: Que tem
Que morra tudo em ũa hora?
Quando o Norte se acabar
Eu boto o bagaço fora.

‘E si não houver inverno,


Como o povo todo espera,
De Pernambuco não fica
Nem os esteios da tapera,
Paraíba fica em nada,
Rio Grande desespera.

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unânimes e eu o afirmo com a autoridade de quem já muito viajou o Brasil.
Em Minas, em 1917 e em 1924, no Pará, no Amazonas, em Mato Grosso, no
Rio de Janeiro, na Bahia, em Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande
do Norte, de sergipanos e piauienses também a bordo, eu surpreendi a vaga
amargura por S. Paulo, pela grandeza de S. Paulo, concretizada então no
tipo ideal do paulista, riquíssimo, secarrão, orgulhosíssimo e desprezador,
que a imaginação sofrida da burguesia brasileira criara, pra poder detestar
ou apenas maldar, com mais razão. Me parece ainda curioso de observar
que esse tipo ideal de paulista (ôh mas quantas e quantas vezes já não fui
enfeitado com a exclamação: Mas você nem parece paulista!...) não é recurso
senão dos Estados mais humildes, dos que a própria lógica da realidade não
permite que se comparem a São Paulo. Pernambuco, Minas, Rio Grande
do Sul, esses não, esses mostram a birra, não direi com mais lealdade, mas
certamente com menos lirismo. Não criam imagens, não criam fantasmas,
não gostam simplesmente, e todos, eles como os paulistas, sabemos
porque não gostam. Aliás é também curiosíssimo de se observar como
sociólogos e historiadores, desde o ex-grande-historiador Capistrano,
estão fantasiando a nossa careta social. Mil e uma razões são inventadas
pra depreciar a função histórica, ou pra explicar a grandeza econômica
de São Paulo. Ora as Bandeiras são dispersivas e prejudiciais à unidade, ora são
displicentemente ajuntadas às subidas frustradas pelo Interior saídas de
outros lugares do país. Ora a grandeza de São Paulo é fruto do imigrante que
já existia aqui em grande quantidade quando veio a Abolição! ora é fruto
exclusivo da amabilidade da terra, sem que nenhum se esqueça de afirmar

‘O Rio de Janeiro hoje


Parece um grande condado,
Ri-se o rico, chora o pobre
Lamentando o seu estado;
Diz o Governo: Eu vou bem,
Tudo vai do meu agrado.

‘São Paulo, o Governo


É primor de criação,
Eu acho parecido
Com sítio da maldição,
Aquele que Judas comprou
Com ouro da traição.’”
Nota da pesquisa: “(59, III, 116)” refere-se aos Fundos Villa-Lobos, volume 3.

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que a terra dele também é amabilíssima... Ou então, descobrimento de última
hora, São Paulo é italiano, São Paulo é turco, São Paulo não é brasileiro, não
guarda passado de comes, bebes e costuminhos... ah! Compreende-se com
toda essa leviandade de historiadores e sociólogos mais admiráveis pela
lucilação intelectual que pela clarividência, vai-se perdendo com facilidade
não apenas o nexo, desculpem, mas o sexo das coisas. E vêm então os paulistas
de aluguel inventar o caso da locomotiva puxando vagões vazios ou dando
ao mesquinho movimento cultural de Pauliceia a superioridade até sobre
o Rio de Janeiro! Tudo lucilações, como se vê. E todo um estaduanismo
corruptor, que seria apenas ridículo se não fosse corruptor.
Bom, não estou minimamente com a intenção de defender São
Paulo e reconheço que em tudo isso existem razões psicológicas de muita
importância. Estou apenas registrando uma verdade indiscutível, a birra geral
do brasileiro por São Paulo. Até pouco faz, essa birra se concretizava no tipo
ideal de paulista, que descrevi atrás, tipo que, como toda criação coletiva,
não é inteiramente destituído de razão, se não nisso de ser a gigantização
sentimental da verdade mais geral. Mas creio que agora esse tipo tende a
desaparecer, da mesma forma com que a birra tende a se generalizar das classes
semicultas e mesmo cultas, ao povo alfabetizado ou não. O avança (em todos
os sentidos) sobre São Paulo em 1930, causara já um enfraquecimento muito
grande do tipo ideal paulista, substituído por outro fantasma que alcançou
as classes populares, o Perrepê, o Perrepismo, o Perrepista. Nos desafios do
Nordeste, contou-me um amigo, a palavra “perrepista” já vem empregada
como insulto, em sentido genérico. São Paulo virou o Perrepê, e o Perrepê
era a infâmia. Infâmia paulista está claro, facilmente esquecidos todos, pois
que a criação fundamentalmente se originava da birra contra a grandeza
econômica de São Paulo, que Perrepê era o Brasil. Foi criado o fantasma
novo que por algum tempo substituirá o primeiro, pela proclamação dos
jornalistas. É tão fácil ser jornalista. Em 1932 a revolução nova, dirigida por
um bando de malucos se aproveitando dos ressentimentos e martírios do
povo paulista, contribuiu decisivamente pra generalizar o ódio contra São
Paulo. Agora ódio e não birra mais. Contribuiu pra muitas outras coisas, está
claro, contribuiu em máxima parte pra fixar o ódio dos paulistas contra os
brasileiros e recriar a ideologia separatista, mas isso não é o meu assunto. A

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birra, com as mentiras espalhadas sem critério na lembrança inesquecível do
povo, com a vinda pra guerra, com as mortes de parentes etc. virou ódio e se
refletiu nas classes pobres. Ou melhor, se generalizou nelas. Virou tradição
talvez. Duvido que possa mais se acabar.
Ora, como eu ia dizendo, o discreto estímulo estaduano que existia em
quase todos os meus amigos nordestinos, contribuiu muito pra que eu de
viajante banzador virasse recolhedor diário de coisas populares. Sem deixar
de passeios, a verdade é que trabalhei ferozmente. Posso dizer mesmo que
heroicamente tal a soma de dificuldades que obstruem a facilidade duma
colheita folclórica no povo nordestino. Mas disso falarei em lugar próprio.
Os da Paraíba queriam que eu recolhesse lá quanto recolhi no Rio Grande
do Norte; em Pernambuco Ascenso Ferreira se multiplicou milagrosamente,
todos incansáveis de dedicação e de entusiasmo. Apenas o que eu recolhera
no Rio Grande do Norte pros paraibanos era paraibano, e a colheita da
Paraíba era pernambucana pra pernambucanos, além da indignação de
Alagoas, porque coco é pra eles propriedade alagoana... Todos absurdamente
esquecidos de que tudo era o Nordeste, mostrando aquela mesma pressa
estaduana da carta de Fran-Pacheco a Teófilo Braga. “Decididamente mato
o Sílvio (Romero). Apesar das colheitas dele trazerem quase todas as marcas
errôneas de Sergipe, quando são da Bahia e do Maranhão embora propagadas
a todo o Brasil!” (11, II, 434)!5 Mudando os nomes dos Estados, essa frase eu
escutei por todo o Nordeste. Mas o resultado de tudo foi o inesperado da
colheita admirável que é a razão deste livro. Parti.
Eu me dirigia diretamente pro Recife, onde esperava passar uns dias
de descanso. A viagem no casquinho frágil do Manaus com apenas duas
mil toneladas, lerdo e movediço, foi de deliciosos interesses. Os passageiros
pouco se deixavam olhar, enjoados nos camarotes. Mas havia, ponhamos,
Laura Moura, que não enjoava, e por ela me apaixonei. Era uma moça do
Piauí, com filhotinho a bordo e coronel à espera lá em casa. No princípio ela
me recebeu com duas pedras na mão, só porque delicadamente lhe perguntei
se o povo do Piauí gostava muito de cantar.

5. Nota da pesquisa: BRAGA, Theophilo. História da poesia popular, 3ª ed. Lisboa: Manuel
Gomes, 1902, p. 434.

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– Então o senhor pensa que o Piauí é a terra do “meu boi morreu”? ela
me cortou, muito irritada. Popularesca e pouco instruída, ela era decerto
como todas essas Polícias do Nordeste que fazem o impossível pros cordões
de Bumbas, Cabocolinhos e Fandangos não saiam nas ruas das cidades, pra
não estragar a civilização. Me afastei de Laura Moura por metade dum dia,
cheio de raiva. Mas não tive raiva pra mais, porque ela era mesmo atraente,
gordinha, muito mulher séria pra se ver assim de longe. Se estabeleceu logo
uma intimidade mais graciosa, em que pudemos os dois viver mas muito bem.

Notas de trabalho de Mário de Andrade.

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