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Referência do texto: SCHWARCZ, Lilia M. As barbas do Imperador. 2 ed.

São Paulo:
Companhia das Letras, 1998. pp.11-44.

FICHAMENTO “As barbas do imperador”.

Lilia Schwarcz, em seu livro “As barbas do imperador”, busca realizar uma espécie de
biografia do monarca Dom Pedro II, abrangendo ao máximo suas singularidades pessoais e
suas formas de governo. Ao longo do texto, Schwarcz parece querer responder a pergunta de
como a monarquia se adaptou na América do Sul e como o imperador tornou-se um símbolo
nacional, sendo até os dias atuais enxergado dessa maneira.
O capítulo introdutório começa com a narração de uma lenda da tribo Jê-Timbira, que
diz que Dom Pedro II era o índigena Aukê, que morreu e se transformou em um homem
branco. A autora utiliza dessa peça mitológica para explicar que o imperador era visto de
diversas formas e representava diferentes símbolos no Brasil do século XIX. Pedro II e toda a
realeza são objetos da análise de Schwarcz, que se mantiveram no poder por quase seis
décadas.
A autora analisa diversos aspectos do cotidiano, como as penas de papo de tucano
utilizadas na vestimenta do imperador, que demonstram a adaptação que a monarquia realizou
nas tradições brasileiras; mudanças essas que tendiam a copiar a estética europeia, para que a
família real mantivessem seu status social e afirmassem a hierarquia imperial. Nessa época, a
ideia de progresso, ou seja, de abandono das culturas consideradas inferiores (negra e
indígena) em detrimento da implantação da cultura civilizada (da Europa) estavam intrínsecas
à família real.
Letrado, viajante, amante do progresso, às vezes alheio às solicitações do posto que
ocupava, d. Pedro exibia-se com sua murça de penas de tucano e, de certo modo,
legitimava a tropicalização dos costumes monárquicos; depois, ao trocar o manto
imperial pelas vestes de cidadão, estará de algum modo anunciando a decadência do
Império. (SCHWARCZ, 1998, p. 4)
A monarquia representava também o bem-estar do Brasil, com a justiça estando
sempre atrelada ao imperador; nas repúblicas, aqui se fazia propaganda negativa, vivia-se
como em uma anarquia, onde não existia jurisdição para o povo. Dessa maneira, a autora
responde à pergunta de como a monarquia se manteve por tanto tempo no Brasil.
Outra questão abordada no texto de Lilia é a questão da bandeira do Brasil e sua carga
imagética, que tinha por objetivo criar uma imagem nacional e ser um símbolo que os
brasileiros iriam poder se identificar. Ao contrário do que aprendemos na escola a respeito das
cores da bandeira, o verde na verdade era a cor da família Bourbon, e o “ordem e progresso”
foi uma adaptação do brasão da própria família Bragança. Graças a esses símbolos de
identidade nacional, por muito tempo foi impossível não associar a pátria com a monarquia.
[...] acompanhar passo a passo as trajetórias que envolveram a figura de d. Pedro II,
que de órfão da nação se transforma em rei majestático; de imperador tropical e
mecenas do movimento romântico vira rei cidadão, para finalmente imortalizar-se
no mártir exilado e em um mito depois da morte, com vistas a recuperar não tanto a
sua história, mas antes sua memória, ou melhor, a seleção de determinadas memórias
nacionais. Esse é ao menos o percurso que as imagens convidam a seguir.
(SCHWARCZ, 1998, p. 28)
A autora também aborda em seu texto perspectivas da vaidade de Pedro II, contando
em seu texto o conto escrito por Hans Christian Andersen, em que é oferecido a um rei uma
roupa que só os sábios poderiam ver; nesse conto, o rei aceita a vestimenta, mesmo não
conseguindo enxergá-la, e acaba aparecendo completamente nu para seu reino. Essa história
em específico virou peça de teatro e é extremamente conhecida por contar como a arrogância
leva o ser humano a cometer atrocidades, e não à toa abre o capítulo um do livro de Schwarcz.
Falando à respeito da independência do Brasil, Lilia comenta sobre o episódio
histórico ter se dado por inúmeros fatores, incluindo, óbvio, o desejo de separação para com
Portugal, e de como a permanência da monarquia em um cenário americano de introdução
republicana se deu pelos trabalhos de José Bonifácio, além da criação de memórias da realeza
brasileira. Para os governantes, a monarquia era o que mantinha o Brasil como uma unidade
territorial.
Todos esses aspectos parecem responder às perguntas indiretamente feitas pela autora
no capítulo que abre o livro, desde a criação e permanência de Dom Pedro II como uma figura
simbólica do Brasil, até o motivo da permanência da monarquia no Brasil e os costumes
europeus trazidos em nome do progressismo, tendo em vista também o contexto da Belle
Époque no Brasil.
Em toda a leitura, Schwarcz utiliza de diversas fontes, como as lendas retratadas, mas
também iconografias, com diversas figuras ilustrativas durante o texto, que ajudam a elucidar
as ideias presentes e possuem um caráter didático, visando complementar as palavras escritas.
Utiliza quadros como o “Pano de boca”, de Debret, que ilustra a nova civilização formada
pela lealdade da população negra, mostrando a participação negra nos processos de aceitação
da identidade nacional que foi criada para o Brasil.
Essa ideia de pacifismo e inexistente resistência por parte dos escravizados e homens
negros livres será reproduzida mais de um século depois por Gilberto Freyre, em sua obra
“Casa Grande e Senzala”. A abordagem da escravidão paternalista também tornou-se, com o
tempo, uma espécie de símbolo nacional. Por fim, a linguagem utilizada pela autora é de fácil
entendimento, e as teses da autora ficam claras para o leitor.

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