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mensal n.o 63 agosto 2017 fundação josé saramago
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3– Editorial
Obrigado, Paraty!
5– Leituras
Sara Figueiredo Costa
12– Estante
Sara Figueiredo Costa
Andreia Brites
84– Saramaguiana
Porque eu sou do
tamanho do que vejo
Sandra Santos 99– Agenda
Talvez tenha sido Ana Martins Marques quem melhor resumiu o às mulheres e aos negros, que em outras edições da Flip estiveram
espanto e a satisfação que todos sentimos com o acolhimento que sub-representados, e demos a conhecer a proposta de Declaração
a Casa Amado e Saramago teve na FLIP (Festa Literária Interna- de Deveres Humanos em que há mais de dois anos a FJS vem traba-
cional de Paraty) deste ano. No sábado, dia 29 de julho, a escritora lhando.
brasileira lançou no espaço montado pela Fundação José Saramago Voltamos de Paraty cheios de energia e de felicidade, com a sensação
e pela Fundação Casa de Jorge Amado o seu livro «Como se fosse a de que nosso trabalho tem relevância e público também do outro
casa», escrito em parceria com o poeta Eduardo Jorge. Após ultra- lado do oceano. E agora, passada a ressaca da festa, já estamos a tra-
passar as dezenas de pessoas que se concentravam na entrada da balhar para que no próximo ano a nossa participação na FLIP não
casa e desviar das que já estavam sentadas no chão, Ana Martins só se repita, mas se amplie.
Marques finalmente chegou até a cadeira que ocuparia. Intriga- Resta-nos dizer muito obrigado, Paraty. E também agradecer,
da, quis saber por que havia tanta gente ali. Estavam todos para nominalmente, a todos que fizeram possível a realização de
escutá-la e para a sessão de leituras de poesia que viria a seguir ao uma casa feita de livros e de amizade: Adelaide Ivanova, Afonso
lançamento do seu livro. «Com tanta coisa acontecendo ao mesmo Borges, Ana Kiffer, Alberto Mussa, Anabela Mota Ribeiro, Ana
tempo em Paraty pensei que viriam Martins Marques, Ana Menegatti, Andrea
só uns seis amigos», disse com a sua Zamorano, Bárbara Bulhosa, Charles e
conhecida timidez.
Nos três dias em que a Casa Amado Obrigado, Paraty! toda a sua equipa da Paratyshow, Clara
Dias, Djaimilia Pereira de Almeida, Dja-
e Saramago esteve aberta foi assim: mila Ribeiro, Edimilson de Almeida Pe-
lotação completamente esgotada em reira, Fred Ferreira, Frederico Lourenço,
todas as sessões, com pessoas sentadas nas cadeiras, no chão, na Giovana Xavier, Janete Santos Ribeiro, Joana Gorjão Henriques,
escada ou de pé; e várias dezenas fora, tentando espreitar pela janela Joselia Aguiar, José António Pinto Ribeiro, José Eduardo Agua-
e portas o que se passava lá dentro, ou simplesmente escutando, da lusa, José Luís Peixoto, Julia Bussius, Lilia Zambon, Lívia Nes-
rua, a conversa que as colunas de som transmitiam para fora. trovsk, Luiz Eduardo Soares, Luiz Schwarcz, Maíra Nassif, Maria
Nem o mais otimista dos envolvidos nesse projeto podia imaginar Cristina Antonio Jerónimo, Marcello Magdaleno, Max Santos,
que o público receberia com tanto interesse e carinho a nossa pro- Núbia Santos, Ondjaki, Paloma Amado, Prisca Agustoni, Schnei-
gramação. Ao homenagear dois dos maiores nomes da literatura der Carpegianni e Valéria Martins. E também à Companhia das
em língua portuguesa, abrimos espaço para escritoras e escritores Letras, ao Ministério de Cultura de Portugal, à Adega Mayor, e à
lusófonos contemporâneos. Também procurámos dar voz e vez organização da Flip.
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Onde estamos Where to find us
Rua dos Bacalhoeiros, Lisboa
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Segunda a Sábado Monday to Saturday
10 às 18h 10 am to 6 pm
funda ç ão
Blimunda 63
agosto 2017
diretor
josé
Sérgio Machado Letria
edição e redação
Andreia Brites
Ricardo Viel
saramago
Sara Figueiredo Costa
revisão
Rita Pais
design
Jorge Silva/silvadesigners
The José
Saramago
Casa dos Bicos
Rua dos Bacalhoeiros, 10
1100-135 Lisboa – Portugal
Foundation
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ANDRÉ CARRILHO
LEITURAS DO MÊS
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LEITURAS DO MÊS
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falar nela. Estão todos dizendo que ela é programação foi mais diversa, com o emergir naturalmente, pois as obras dos
maravilhosa, que preciso ler”, a moça não mesmo número de autores homens e autores convidados refletem a experiên-
se cansava de se espantar. Queria levar mulheres, além da presença de 30% de cia que têm do mundo.»
este espanto todo para suas férias. Fazer escritores negros e negras, em muitos Já a pensar no próximo ano, o El
caber na mala, na bagagem do dia. momentos as discussões tocaram, natu- País procura perceber se as mudanças
Dizem que nunca é tarde para o tudo ralmente, questões como preconceito, desta FLIP vieram para ficar: «O desa-
que veio antes, mas hoje lamento o que diversidade, representatividade. Por fio, a partir de agora, será manter nas
poderia ter sido. mais de uma vez, o discurso de autores próximas edições da Flip a diversidade
Para quem fica, Elvira, venha.» e a reação da plateia também se voltou que essa, inegavelmente, teve. Isso não
contra o Governo de Michel Temer, parece incomodar Joselia, que encara
que, segundo a última pesquisa Ibope é tudo com tranquilidade. «Não é porque
uMA FLIP PARA considerado bom ou ótimo por apenas o Lima Barreto é negro que os autores
RECORdAR 5% da população. “Fora, Temer”, assim, chamados são negros», disse, ao ressal-
foi um grito ouvido em diferentes situa- tar, mais uma vez, que a programação
A 15ª edição da Festa Literária ções – como, aliás, já havia ocorrido no não nasceu para dar uma resposta a uma
Internacional de Paraty marcou uma ano passado. As manifestações e a forte demanda por mais diversidade, mas que
mudança notória na linha programática temática social levantaram críticas na usou da força dessa demanda para criar
deste festival, como destaca a edição Internet: o evento teria deixado de lado um evento que reflete melhor o vasto
brasileira do jornal El País, num artigo a literatura, a arte, para ser apenas um campo da produção literária. Depois
de André de Oliveira. Ecoando as crí- instrumento político.» As novas críti- de elogiar a curadoria, a escritora Con-
ticas que se fizeram sentir nos últimos cas, agora ao carácter social e político ceição Evaristo – um dos destaques da
anos relativamente ao predomínio de da FLIP, foram prontamente recusadas programação – disse em sua mesa deste
escritores homens e brancos, e também pela curadora com uma visão mais domingo: “Não foi uma concessão, esse
de estrelas internacionais do panora- abrangente da literatura e do seu modo lugar é nosso por direito”.»
ma literário, a nova curadoria da FLIP, de se relacionar com a sociedade: «(...)
assumida por Joselia Aguiar. «Como a é claro que a temática mais social iria
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LEITURAS DO MÊS
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Não Digam A Revolução Cultural chinesa tem à medida que a linha temporal se fecha. E
Que Não Temos Nada sido representada em diversos romances se há um tema central, será o da memória
Madeleine Thien contemporâneos, pese embora o filtro enquanto modo de resistir, olhar o mundo,
Relógio d'Água censório que ameaça aquelas narrativas viver.
Tradução de Ana Falcão Bastos que possam escapar do registo histórico Marie Jian, a narradora, é uma criança
cronologicamente mais recuado ou ar- canadiana, filha de pais chineses, quando
A MEMÓRIA ESCOndIdA riscar pontos de comparação com o pre- as imagens de Tiananmen se espalham
dA ChInA sente. O massacre que ocorreu na Praça pelas televisões do mundo e quando o seu
de Tiananmen em 1989, por outro lado, pai regressa à China, mais concretamente
é tema proibido (que o diga Ma Jian e o a Hong Kong (nessa altura, ainda adminis-
seu Beijing Comma, para citar um exem- trado pela coroa inglesa), onde se suicida.
plo literário, ou as muitas contas em redes Pouco tempo depois, Ai-Ming, filha de
sociais chinesas que se veem encerradas um amigo do seu pai, instala-se em casa
assim que referem o dia 4 de junho de de Marie Jian e da mãe, no Canadá, perce-
1989, ainda que de modo disfarçado), pelo bendo-se que terá sido ajudada a fugir da
que talvez o romance de Madeleime Thien, China. Procurando iluminar as causas de
escrito em inglês, possa não conhecer tra- todos estes factos, ao mesmo tempo que
dução chinesa tão cedo. Não é Tiananmen procura as memórias familiares que pode-
o tema central de Não Digam Que Não Te- rão compor a sua identidade, Marie Jian
mos Nada, cujo título ecoa um dos versos recua aos tempos da Guerra Civil chinesa,
de A Internacional, mas os acontecimentos à chegada de Mao Tsé Tung ao poder e
da praça de Pequim atravessam este livro à Revolução Cultural. E se a música é o
como um eixo, que vai ganhando espaço elemento que estrutura a narrativa no que
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LEITURAS DO MÊS
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S A R A F I G U E I R E D O C O STA Luca Argel Marco Taylor
Averno ed. autor
n
Argel, 33 Rotações reúne poemas demorada do mundo que parece sempre
escolhidos dos seus livros até agora mais apressado e com urgência de
publicados no Brasil: Esqueci de Fixar qualquer coisa. Se, todavia os outros se
o Grafite (2012), Topadas no Escuro cansam de esperar, a dada altura isso é
(2014) e Uma Pequena Festa por uma recompensador. Nesta narrativa visual,
Eternidade (2016). Um dos poemas, o autor opta pelo laranja e combina-o
t
intitulado «BAB SEBTA - Frederico Lobo, apenas com o branco e preto, tal como
Pedro Pinho (2008)»: «trancar a porta acontece noutros livros com outras
queimar a foto/da chave./eletrificar cores. Os tons quentes transmitem
o mediterrâneo dizer/que é uma nova um conforto sensorial associado às
modalidade de pesca./lembrar que o experiências da protagonista e conferem
arame farpado/foi primeiro inventado uma espécie de ironia vitoriosa ao seu
e
para controlar o gado.» desvio de comportamento.
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Seis Histórias Tradicionais O Céu Que Nos Protege El Arrecife de las Sirenas
t Portuguesas Paul Bowles Luna Miguel
José Viale Moutinho Quetzal La Bella Varsovia
a Fábula
Reedição do grande romance de Nascida em Madrid, em 1990, Luna
n De um autor que há muito se dedica Paul Bowles, publicado em 1954 e Miguel é uma das vozes sonoras
à reescrita de contos tradicionais, parcialmente escrito no deserto, onde da nova poesia espanhola, não
t adivinhas e outras composições a ação se desenrola. O percurso do apenas pelos livros publicados, mas
populares, a nova chancela da 20|20 casal Kit e Port pelo Sahara é o gatilho igualmente pelo gosto de polemizar
e edita um conjunto de narrativas que que desencadeia uma reflexão dura e pelo trabalho antológico que tem
integram o património oral português. e magistral sobre o mundo moderno, desenvolvido, escolhendo poemas de
Sem se deter em descrições paralelas cruzando corrupção e ausência de outros. Neste novo livro, os temas da
e interpelando o leitor amiúde, José julgamento num texto essencial do (e doença e da morte voltam a surgir,
Viale Moutinho mantém-se fiel à também sobre o) século XX. agora contrabalançados por uma certa
economia narrativa e a um discurso luminosidade e pela reflexão sobre o
oralizante que pauta o ritmo rápido de feminino e o feminismo.
cada história.
13
e
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Exposições
livraria
biblioteca
auditório
Terça a sábado
Abr a Set —
10h às 13h /
15h às 19h
Out a Mar —
10h às 13h /
15h às 18h
NASCI NA AZINHAGA
SENTIMENTALMENTE SOMOS
HABITADOS POR UMA MEMÓRIA
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Paraty,
Brasil
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Dona
Diva
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Já na sessão de abertura, na noite da quarta-feira (26 de raty histórica. A Casa Amado e Saramago, em sua primeira
julho), viu-se (e ouviu-se) que este ano a Flip teria muitas edição, foi luminosa. Vê-la sempre cheia, com uma pro-
vozes. No final do ato, a historiadora Lilia Schwarcz, au- gramação saborosa, ótimos encontros entre lusófonos de
tora da biografia Lima Barreto – triste visionário, e Lázaro vários cantos do mundo, mostrou como ainda há espaço e
Ramos foram até à praça realizar leituras de fragmentos de vontade para ouvir e falar de literatura.»
texto do autor homenageado. Foram recebidos com gritos
de «Fora, Temer», e Lázaro Ramos endossou o protesto: A Flip dos leitores
«Se Lima Barreto estivesse aqui ele também estaria gritan-
do». Foi muito aplaudido. Vale lembrar que em maio de Para Pilar del Río, presidenta da Fundação José Sara-
2016, quando assumiu a Presidência do Brasil, Michel Te- mago, esta edição da Flip teve como principal diferencial
mer formou um governo com 23 ministros. Nenhuma mu- retirar o protagonismo dos autores e passá-lo aos leitores.
lher e nenhum negro. Sinal de um tempo antigo que insiste Talvez porque o autor homenageado, Lima Barreto, era ne-
em perdurar. gro, talvez porque pela primeira vez o número de mulheres
Julia Bussius, editora da Companhia das Letras, definiu participantes era maior do que o de homens, talvez pela
como incomum a Flip de 2017. «Com as mesas principais sensibilidade da nova curadoria, ou simplesmente porque
montadas no interior da Igreja da Matriz e o coração da era chegada a hora, a Flip de 2017 foi cenário de uma in-
festa deslocado para a praça central da cidade, foi bonito vasão de leitores que intercambiavam idéias e livros, iam
ver um público bem mais diverso e conhecer tantas vozes e vinham de uma sessão para outra, e em todas tomavam
ainda pouco vistas no Brasil», conta. «Para além da pro- a palavra de tal forma que uma voz entre o público. Dona
gramação oficial, a Flip fica a cada ano mais rica com as Diva, acabou sendo o resumo de uma grande conversa e
atividades paralelas, que acontecem nas várias casas da Pa- de todo um festival. Passados 15 anos do seu nascimento
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a Festa Literária de Paraty encontrou o seu melhor eu, e cidade ganhou vários centros de dinamismo e todo o am-
isso já não se perderá.» E a «imprevista» presença de José biente da festa ganhou com isso.» Peixoto aponta a Casa
Saramago e de Jorge Amado na Flip foi, para a jornalista Amado e Saramago como exemplo deste novo cenário.
espanhola, uma urgência. «Eles tinham que tinha que estar «Todos os debates e atividades dessa programação tiveram
presentes, e com eles tantos capitães de areia e gente levan- casa cheia e extraordinária pertinência. A amizade entre
tada do chão, como descreveram e lhes fizeram justiça. José Amado e Saramago continua viva em iniciativas como esta,
Saramago e Jorge Amado. Não podiam faltar e não falta- a proximidade entre Brasil e Portugal trabalha-se assim.»
ram. Dito isso com orgulho e de todo o coração.»
O português José Luis Peixoto é já um habitué do en- A Casa Amado e Saramago
contro literário realizado no Brasil. Debutou em 2005, vol-
tou em 2012 e este ano, a convite da FJS, esteve novamente Nas paredes, fotos de Jorge Amado e José Saramago e
em Paraty. «Ao longo dos anos, tive oportunidade de assis- xilogravuras de J. Borges, mestre da literatura de cordel.
tir ao grande crescimento da Festa Literária de Paraty. O E durante três dias conversas sobre feminismo, direitos
interesse do público, o ambiente que se gera em torno dos humanos, edição, tradução, racismo e, claro, literatura e
livros, da literatura e dos autores é a característica principal a relação entre Brasil e Portugal. E falou-se, também, so-
deste encontro que, na sua evolução, não tem perdido o bre amizade, e principalmente sobre a amizade entre dois
carisma que lhe é reconhecido», comenta. Para o autor de grandes nomes da literatura em língua portuguesa: Jorge
Galveias, o mais relevante desta edição foi «a grande força» Amado e José Saramago. Preparado especialmente para ser
das programações paralelas. «A dinâmica das instituições lançado durante a Flip, o livro de correspondência entre os
e a aceitação do público expandiu bastante as atividades a escritores (Com o mar por meio – uma amizade em cartas,
que se pode assistir durante o período da FLIP. A própria editado pela Companhia das Letras) foi uma das atracões
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da festa deste ano, tendo figurado em terceiro lugar na lista que permeou várias das mesas na programação principal
dos mais vendidos. da Flip. Numa delas, a escritora Conceição Evaristo falou
«Penso que além de muito importante, a casa foi uma sobre a importância da união de forças e inteligências para
iniciativa bela. Juntou, pelas letras e pelo nosso mar, dois derrotar o patriarcado, o racismo e machismo – ou seja,
grandes nomes da literatura em língua portuguesa. O re- o velho tempo que insiste em perdurar. «Esse momento
sultado foi magnífico!» opina Ondjaki. Ao lado do músico significa a comprovação da força coletiva. Não estou aqui
brasileiro Marcello Magdaleno, o escritor angolano, Pré- sozinha. E não podemos deixar de afirmar que não foi con-
mio José Saramago de 2013, foi o responsável pelo encer- cessão. Este lugar é nosso por direito.»
ramento da programação da CAS com um concerto-per-
formance em homenagem a Jorge Amado e José Saramago.
Um dia antes, Lívia Nestrovski e Fred Ferreira haviam ofe-
recido um recital de músicas brasileiras que também girou
em torno da Bahia de Amado e de Portugal de Saramago.
Um dos momentos importantes – e representativos
desse novo tempo da Flip – na Casa Amado e Saramago foi
a apresentação do catálogo das Intelectuais Negras Visíveis,
um trabalho organizado pela professora Giovana Xavier e
desenvolvido pelo Grupo de Estudos Intelectuais Negras
da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). A rei-
vindicação de espaço e visibilidade para as mulheres ne-
Fotografias: Iberê Perissé / Flip
gras na área da cultura, objetivo desse catálogo, foi assunto pág. 20: Walter Craveiro
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Joana
Gorjão
Henriques
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Lázaro
Ramos
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André
Mehmari
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Em minha ocupação como editora, sempre que falo vivência individual que por cinco dias tropeçou vertigino-
de livros, lançamentos e projetos diante do atual contexto samente nas pedras das ruas de Paraty. Tento pensar qual
do país sinto uma espécie de deslocamento, de constrangi- foi o seu alcance histórico e sua dimensão de mudança. Não
mento, de sensação de que estou em um mundo paralelo sou ingênua a ponto de desconsiderar o caráter mercadoló-
que não dialoga com nossa tragédia política e não a impli- gico que ali está em jogo, e nem de achar que uma edição
ca de modo direto. de cinco dias represente o todo da literatura contemporâ-
Sei, ao mesmo tempo, que esse meu pensamento é uma nea nacional e internacional, e muito menos de achar que
grande bobagem, pois a dimensão da política não está ape- o valor da literatura se mede pela lógica de sucesso ou fra-
nas na tematização direta, em tomá-la como objeto e con- casso das performances dos autores, de suas vendas e do
teúdo, mas também em salvaguardar e celebrar o próprio frisson momentâneo que podem causar. Entretanto, feitas
gesto da criação, da combinação e recombinação das lin- essas ressalvas, é inegável que a curadoria da Joselia Aguiar
guagens, capazes de deslocar critérios, naturalizações, dis- avançou em pontos essenciais, ao abrir espaço às vozes dis-
cursos e hierarquias, e mesmo apresentar-se como gesto sonantes, periféricas, fora do mainstream ou, em duas pala-
exemplar e metonímia de um novo mundo possível. vras: para a «literatura menor». O que não significa «pior»,
Digo isso ao tentar pensar a Flip e o que ela significou mas muito pelo contrário. A «minoridade» aparece aí como
sob um ponto de vista mais amplo, e não apenas de minha o traço de variação, diferença, não identificação aos câno-
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nes e ao modelo hegemônico. Esses «desvios» da ordem algo desideologizado ou neutro. Se há desconfiança de que
estiveram presentes em vários aspectos: na escolha do ho- esta Flip teve um caráter ideológico e militante, porque não
menageado Lima Barreto, nas performances poéticas dos podemos pensar que as anteriores também o tiveram, só
frutos estranhos, no convite a escritoras e escritores cuja que sob o ponto de vista da manutenção de certos lugares?
forma literária foge aos convencionalismos, no convite a É engraçado ouvir resmungos de que agora o critério de
autoras e autores que fazem parte de grupos minoritários curadoria passou a ser o gênero, a classe ou a cor. Mas não
cujas vozes historicamente não tiveram o alcance devido foi esse desde sempre o critério da história oficial, só que
apesar da qualidade de suas produções, etc. Penso na ideia tendo como protagonistas apenas certos grupos? É como
de «literatura menor» como aquela que tem a capacidade se apenas o desvio da ordem e a desobediência a ela fos-
de invenção de uma língua dentro da língua, que seja capaz sem notados, e não a instauração da própria ordem como
de dizer o vetado que precisa ser dito, ou mesmo a realiza- algo artificioso e historicamente determinado. Penso que
ção do esgarçamento dessa língua maior, como um modo a edição da Flip deste ano foi capaz de nos fazer ver como
de dizer que esta não lhe cabe, não lhe serve e está velha. ideologia o que antes parecia natural. Penso, ainda, que a
Há, em todos esses procedimentos, o fato da invenção, e ficção foi, na verdade, o principal tema da Flip: a própria
a própria política adentrando o recinto pela revelação da ficção dos nossos lugares histórico-sociais e a necessidade
não conciliação, da tensão e da contradição perpétua. de que sejam reescritos
Ideologia, sempre
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Lugar de Fala
Luiz Eduardo Soares Antropólogo e escritor
Paraty é uma festa. A FLIP encanta sempre. Em 2017, a prios grupos que hoje reivindicam o conceito.
Fundação Saramago organizou uma programação paralela Não se trata de desqualificar as elaborações e, sobretudo,
muito rica e diversa, acompanhando o espírito da curado- as boas intenções subjacentes, das quais não duvido e com
ria, que, pela primeira vez, investiu radicalmente na diver- as quais me identifico. O que escrevo a seguir tem o propó-
sidade. Excelente escolha, sobretudo nesse momento bra- sito de ajudar a fortalecer os argumentos favoráveis seja ao
sileiro – e não só –, marcado pela implementação de uma respeito à alteridade, seja ao reconhecimento e à valorização
agenda neo-liberal regressiva e devastadora. Na atual con- dos estigmatizados, oprimidos e vulneráveis. Venho aqui co-
juntura, sairam do armário espectros ultra-conservadores, locar em tela de juízo a noção de «lugar de fala». Quando
quando não fascistas, fortalecendo o obscurantismo, o ra- se critica a ousadia tipicamente autoritária, condescendente
cismo, a homofobia, a misoginia. Impõe-se, portanto, re- e «colonial» de falar «em nome de» – e esta crítica, claro,
sistir. A FLIP e a Fundação Saramago ergueram bem alto faz todo sentido, tanto ética quanto politicamente –, corre-
essa bandeira. -se o risco, entretanto, de sugerir que haja um falar em nome
A aposta necessária na diversidade traz consigo novas próprio ou em próprio nome, o que por sua vez supõe que
experiências, concepções e desafios. Um deles situa-se no haja um lugar justo, correto, exato de fala. Lugar de fala no
conceito, crescentemente empregado, «lugar de fala». Tra- qual, supostamente, ajustar-se-iam, ou corresponderiam um
ta-se, a meu juízo, de um avanço momentâneo, no front ao outro, a fala e seu lugar, a palavra e a voz que a enun-
político, mas, ao mesmo tempo, de um recuo ou, no míni- cia. A voz, nesse paradigma essencialista, é concebida como
mo, de um compromisso com pressupostos conservadores fonte da enunciação, uma espécie de ancoragem ontológica,
que podem cobrar seu preço mais adiante contra os pró- ponto obscuro e fugidio em que o sujeito se encaixa em si,
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Conceição
Evaristo
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Pilar
del Río
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Tukano
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sobrepõem-se a si, encontra-se consigo mesmo, tornando- compraz em projetar sobre o presente – para ilusoriamen-
-se a encarnação perfeita de si mesmo, elidindo a represen- te garantir um futuro previsível, controlável – a descrição
tação pelo paradoxal movimento de confirmá-la e dotá-la disponível do passado. Seríamos, assim, o que supomos ter
de unidade com o representado, chancelando-a –abolindo sido, reassegurando-nos de que não perderemos o eixo que
a alteridade constitutiva do sujeito. Assumindo seu «lugar» liga o passado ao futuro. A carteira de identidade, a respon-
de fala, na cartilha cartográfica e micro-política, na gramá- sabilidade civil e os laços contratados de amor, convívio e
tica dessa curiosa moralidade substantivista, o representado trabalho, atestam a existência fantasmática de um presen-
representa-se a si mesmo e, neste sentido, prescinde da re- te eternizado, que exorciza metamorfoses ou, como diria
presentação como diferença instituinte. Elias Canetti, inibe a emergência do poeta, ou, como talvez
dissesse o genial Robert Louis Stevenson, do criminoso.
A Identidade é conservadora Apesar da instabilidade permanente a que estamos
condenados, acredito que haja aproximações e distancia-
De minha parte, prefiro pensar que não há como mentos, um gradiente de rechaços e imersões – o exemplo
escapar à alteridade constitutiva do sujeito, sujeito enten- extremo do que denomino imersão talvez fosse a partici-
dido como o intervalo em movimento que inscreve tem- pação de que trata Lévy-Bruhl – nos ambientes empáticos
po e diferença na produção de sentido e desejo. Por isso, que chamamos experiência. Em outras palavras, negros em
como dizia Lacan, sou sempre Outro para mim mesmo e sociedades racistas como a nossa, migrantes em sociedades
não estou ali onde me constituo como sujeito, de onde pro- nacionalistas e xenófobas, mulheres em sociedades machis-
vém minha fala. Assim, não há lugar de fala, apenas rasu- tas como a nossa têm mais probabilidade de desenvolver
ras e deslocamentos, errâncias e afastamentos de pontos sensibilidades específicas e percepções agudas e comple-
de fixação, os quais, como ancoragens que apaziguam, são xas sobre a vida humana de negros, migrantes e mulheres,
miragens substancializantes que intoxicam e entorpecem, respetivamente, mais conhecimento, sob esses regimes de
mas não resolvem, a angústia do ser que somos nos atos de violência prática e simbólica, do que homens brancos bra-
fala e desejo. Identidade é uma ânsia conservadora que se sileiros ou europeus, por exemplo.
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interesses privados. Por isso, a cada cidadão exigir-se-ia periência. A relação do enunciado ou da fala com o que se
que votasse, apresentando seu ponto de vista sobre qual chama realidade (ou sua realidade, seu lugar) é problemáti-
seria o bem comum, em cada caso, ou melhor, qual, entre ca e mediada, muito mais construção, prática e discursiva,
as opções em jogo quanto a cada tema, melhor expressa- do que representação. Ninguém é dono de discurso algum,
ria o bem comum. Esse bem comum poderia ser rebatido de lugar nenhum ou da própria pretensão de verdade ou de
sobre a épura da coletividade mais ampla, a sociedade, ou autenticidade. Esse é um campo de articulação e disputa, a
sobre comunidades específicas, indagando-se a si mesma questão é saber, em cada caso, o que está sendo disputado,
sobre as relações entre o bem comum de comunidades e o qual o objeto de desejo.
interesse geral. Rousseau chamava vontade geral a resposta A propriedade privada é um mal até mesmo no domínio
coletiva à pergunta sobre o interesse geral. do discurso. Não porque a coletividade deva reinar sobre a
individualidade, mas porque essa individualidade é fratura-
Ninguém é dono do discurso da: o Outro está fora e dentro de nós, a consciência não co-
nhece nem controla o sujeito, e a experiência dita real não é
Vale a pena explorar o diálogo entre as aporias do mul- transparente, nem mesmo ao sujeito, uma vez que a lingua-
ticulturalismo contemporâneo, o retrocesso implicitamen- gem, sem a qual não há experiência dotada de sentido, não
te essencialista do relativismo (neo-herderiano) e os de- tem centro nem espelha o referente. Por isso, se o processo
safios enfrentados por algumas tradições do pensamento democrático avançar e se radicalizar, como desejo, a legiti-
político. Nada resolvido, muito a pensar. Sobretudo, para midade discursiva será conferida menos a priori, a depender
mim, fica a lição: vale a pena privilegiar a dúvida sobre a de quem o enuncie, e mais a posteriori, a depender das ava-
certeza e recusar todo dogmatismo. Desse modo, pelo me- liações que o discurso conquiste e mereça. De todo modo,
nos o diálogo sempre prossegue, adiando o obscurantismo, não esperemos apaziguamento nessa matéria: o terreno das
a violência, a morte. Eis, em suma, meu ponto de vista: o interpretações é sempre polissêmico, polifônico, polêmico e
enunciado não carrega a verdade do sujeito ou de sua ex- atravessado por contradições, como nós mesmos e a política.
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A CASA DA ANDRÉA
O PA n O d O K A L A F
ANDRÉA ZAMORANO
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A CASA DA ANDRÉA
Tudo havia dado mais do que certo na minha primeira participação na Flip. Naqueles cinco
dias em Paraty, fui cinegrafista, porteira, garçonete e até escritora na Casa Amado e Saramago.
Transmiti “lives” para as redes sociais, controlei a porta quando as filas passavam das duas horas
de espera – devo dizer que o povo se cansava contudo não se impacientava – servi vinho para os
que estiveram no concerto de encerramento, partilhei o palco com José Eduardo Agualusa na
minha vez de ser autora e também dei autógrafos. Ri-me com as suas leitoras que, a seguir à nossa
mesa, se confessavam maravilhadas pela forma simples como eu o tratava: “Zé”. Admiravam-se
pela descoberta da dimensão doméstica de um escritor.
Invadida pela sensação do dever bem cumprido, o meu contentamento era tanto que equi-
vocadamente acreditei estar imune às amplitudes térmicas que se fazem sentir do dia para a noite
naquelas terras do litoral fluminense. Afinal de contas, podia até não parecer, mas era inverno no
estado do Rio de Janeiro. Habituada às agruras da Europa, decidi que não seria uma aragenzinha
húmida de beira de praia que me faria perder a última noite da Flip. Segui em frente me equili-
brando nas pedras carroçudas em forma de amendoim com rapadura.
Foi quando reparei no gesto de Kalaf. Inadvertido quanto à minha frialdade, ele abria a sua
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A CASA DA ANDRÉA
bolsa e retirava lá de dentro um cachecol. Lépida, antes que completasse o movimento de o pôr
no pescoço, subtraí o cachecol das suas mãos. Passei a tira larga de tecido pelas costas sem cons-
trangimento, tratando-a então por écharpe. Kalaf balançou os ombros face às inevitabilidades do
furto e do novo nome.
Quando na manhã seguinte nos encontrámos, já a caminho de regresso para o Rio de Janei-
ro, avisei-o que trazia a écharpe que ele havia sido forçado a me emprestar. Ele agradeceu e lamen-
tou “desconseguir” me oferecer o cachecol por ter sido presente de pessoa de família. Garanti-lhe
não ser preciso, apesar da beleza do tecido. A conversa entabulou nas horas paradas no trânsito,
por fim chegámos à cidade. No entanto, só muito depois do túnel Rebouças, lá em Brás de Pina,
subúrbio carioca da Leopoldina, dei conta que Kalaf havia saído sem a écharpe.
Preocupada, visto ser peça de estima do autor, decidi deixá-la no porta-luvas do carro da
minha mãe – meu carro por aqueles dias – não fosse ter a sorte de me cruzar com o escritor na
cidade. Não aconteceu. Entre lançamentos do meu romance, entrevistas, visitas a parentada e al-
gumas noites de samba com os amigos, acabei descobrindo que a única escola do grupo especial
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A CASA DA ANDRÉA
do Rio de Janeiro comandada por uma presidenta vai apresentar um enredo sobre mulheres no
próximo carnaval – bravo Salgueiro! E nunca mais me lembrei da écharpe, confesso.
Saí da Tijuca para Petrópolis, a cidade imperial – também dava um bom título de enredo –
mais entrevistas, lançamento e, pasmem, uma menção congratulatória na câmara dos vereadores.
Voltei para o Rio cheia de um orgulho de criança escolhida pela professora para distribuir a prova
para os colegas.
A caminho do Santos Dummont, por fim me lembrei da écharpe compartimentada no pai-
nel do carro. Enfiei-a dentro da manga do casaco que levava no braço. Ia para o sul, o frio já me
havia enganado uma vez. Na minha chegada, encontrei-me com o futuro no aeroporto, uma me-
nina ativista negra que recita poesia de intervenção aos seis anos de idade. Anaya foi levada pela
sua avó, a contista Dukarmo. Conhecemo-nos em Paraty, estávamos em Porto Alegre, tal como a
écharpe de Kalaf. A amizade não precisa mais do que corações abertos. Despedimo-nos com troca
de livros, abraços apertados, uma foto em conjunto e a promessa de voltarmos a nos encontrar.
Parti com o motorista para quase trezentos quilómetros de estrada até à Universidade Federal de
Santa Maria. Pus uma garrafa de água e a écharpe de Kalaf no banco traseiro.
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A CASA DA ANDRÉA
A meio da viagem fomos colhidos por uma tempestade. Levamos mais de seis horas para
chegar ao hotel. O motorista descarregou as bagagens e fui de imediato para o quarto onde entrei
em pânico ao me aperceber que a écharpe havia ficado esquecida no carro. Esperei até chegar na
universidade, na manhã seguinte, para conseguir enviar uma mensagem ao motorista que argu-
mentava convicto que a única coisa que havia no carro era uma garrafa da água e um pano. A
felicidade que senti naquela tradução. Não era nem cachecol, muito menos a pretensiosa palavra
que eu usava –écharpe. Tratava-se de um pano de linho com uns sessenta centímetros de largura,
bem vistas as coisas, apenas um pano.
Já passamos por Londrina e estamos em São Paulo, mais uns minutos e estaremos precisa-
mente na Casa das Rosas, o local simbólico marco da minha jornada. Mas o pano não vai não.
Fica aqui em casa do meu tio. Apesar da descomplificação nominal, ficou a responsabilidade.
Na próxima segunda-feira, regressamos a Lisboa – eu e o pano do Kalaf – sigo para Algarve
com recém-renomeado que pano vive no fundo da minha mala à espera do dia que regressará ao
seu dono. Quem sabe na volta...
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mé
ex
co
co
as máscaras que o contam
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Sara
Figueiredo
Costa
Fotografias
José
Frade
as máscaras que contam o méxico
A exposição Do Carnaval à Luta Livre: máscaras e de- dois dos personagens centrais da festa nestas localidades:
voções mexicanas, patente no Palácio Pimenta/Museu de catrines, os dandies europeus, e vaqueros ou charros, os
Lisboa até ao próximo dia 1 de outubro, percorre as festivi- fazendeiros locais. As máscaras constroem-se em madeira
dades tradicionais mexicanas, mostrando como se cruzam ou resina, algumas incorporando olhos de vidro e pestanas
as efemérides cristãs e as narrativas muito anteriores à che- falsas que emprestam aos seus utilizadores uma fisionomia
gada dos espanhóis, as celebrações cosmogónicas e de luta hiper-realista. Na parede, um filme mostra imagens de des-
entre o bem e o mal e os rituais que importavam (histórias files carnavalescos recentes e as máscaras alinhadas frente
europeias, lutas entre cristãos e mouros, santos que vencem ao espelho da sala ganham vida nos rostos dos participan-
demónios, fariseus invadindo praças) para um contexto to- tes. No teto, uma série de guarda-chuvas pretos lembra a
talmente novo. No percurso, a exposição comissariada por coincidência de calendário entre o carnaval e a estação das
Anthony Shelton e Nicola Levell, e inserida na programa- chuvas, essencial para a renovação dos campos e a produ-
ção de Lisboa Capital Ibero-Americana da Cultura 2017, ção agrícola que garante a sobrevivência da comunidade.
inclui a lucha libre, mistura de desporto e representação, Celebrações ancestrais da cultura mexicana e a influên-
elemento fundamental na cultura mexicana contempo- cia das narrativas histórico-religiosas levadas pelos coloni-
rânea. Neste desporto nacional, os lutadores (homens e zadores espanhóis marcam a segunda sala da exposição.
mulheres) caracterizam-se pelas máscaras que usam, assu- As danças e encenações de carácter didático introduzidas
mindo a identidade que estas lhes conferem e encarnando, pelos missionários franciscanos e jesuítas como forma de
assim, personagens que serão também elas protagonistas impor o cristianismo e as suas narrativas cruzaram-se com
de narrativas com uma vertente dramática e, muitas vezes, rituais muito anteriores à presença espanhola, criando ce-
associada à velha disputa entre o bem e o mal. rimónias onde a assimilação parece pesar muito mais do
Na primeira sala da exposição, três fileiras de másca- que o antagonismo entre culturas. Apesar disso, notam-se
ras oriundas dos carnavais de Tlaxcala e Puebla mostram as marcas ancestrais nos rostos esculpidos de demónios e
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seres das profundezas, nos caimões de dentes ameaçadores, No século XVI, as primeiras encenações de batalhas
nas máscaras da morte – estas últimas muito associadas ao entre espanhóis e mouros transportaram o imaginário me-
imaginário europeu sobre o México, dada a importância dieval europeu para o centro do México e aí ganharam no-
do Dia dos Mortos, são muito mais raras do que podería- vas raízes, permanecendo até hoje. A narrativa destes com-
mos imaginar. Na procissão carnavalesca de San Bartolo- bates colocava os espanhóis no papel de heróis e inegáveis
mé de Águas Calientes, os demónios surgem em máscaras vencedores, relegando aos mouros o papel de derrotados
sumptuosas, de um vermelho vivo que predomina sobre a e impondo uma analogia óbvia entre estes e os indígenas
restante decoração, e fazem-se acompanhar de um chicote do território mexicano. A analogia permaneceu como sub-
que vai estalando no chão e afastando os transeuntes. -texto de humilhação e reforço de uma autoridade que não
Do Carnaval à Semana Santa, as máscaras continuam admitia contestação, mas a verdade é que em algumas re-
a ser presença importante nas celebrações comunitárias. O giões de Jalisco e do Vale de Oaxaca as encenações festivas
enforcamento de um judas em plena praça pública surge destas batalhas decorrem com um final alternativo, aquele
enquadrado por uma parafernália de seres demoníacos, em que os mouros vencem sempre os espanhóis.
mas também de fariseus e romanos, e até de máscaras onde Na década de sessenta do século passado, o turismo
se reconhecem os rostos de figuras como Barack Obama e chegou em força ao México. Nas aldeias de Guerrero, onde
Donald Trump, como se vê num dos filmes que vai sendo a madeira era matéria prima abundante e o seu trabalho
exibido nesta sala. A tradição confirma a sua força na atu- um ofício frequente, começaram a esculpir-se máscaras
alização constante levada a cabo pelas comunidades, que para vender aos turistas. De tal modo, como se lê num dos
vão inserindo nos momentos celebratórios as imagens e textos de sala, que a primeira grande investigação sobre
referências significantes do seu dia a dia e da sua mundivi- máscaras mexicanas, da autoria de Donald Cordry (Me-
dência, independentemente da cronologia que lhes subjaz. xican Masks, 1980), não conseguiu separar máscaras mais
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Xis
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Xis
as máscaras que contam o méxico
antigas e cerimoniais das modernas invenções dos artesãos rodeados pelos filhos pequenos, atletas de músculos cheios
dedicados ao turismo. Na terceira sala mostram-se, então, em sofás acetinados, lutadores temidos abraçando familia-
máscaras de temática muito variada, revelando a influência res próximos em salas onde se percebe a intimidade e o
de temas tradicionais mas igualmente a criatividade mo- ambiente aconchegante. O contraste com os cartazes dos
derna de quem se foi dedicando a esculpir novos objetos. muitos filmes (e livros de banda desenhada) dedicados à
Sereias, tritões e animais mitológicos juntam-se a persona- lucha libre, com a figura de El Santo a destacar-se entre os
gens barbudas, lagartos coloridos e representações de pe- mais famosos, é notório, e onde os filmes encenam uma
cados ou virtudes. violência heroica no enfrentamento de bandidos reais ou
A sala que fecha a exposição é dedicada à lucha libre, mitológicos, as imagens de Lourdes Grobet são a acalmia
confirmando a sua imensa importância social e cultural no onde a máscara é apenas um modo de não revelar o rosto,
México contemporâneo. A parede ocupada por dezenas de e já não o símbolo de um modo de luta. No meio, a arena
máscaras ilustra a quantidade de informação que é possível vazia acolhe quem queira ver alguns dos filmes que se exi-
integrar num pedaço de tecido destinado a cobrir o rosto bem num grande écrã, mostrando que o amadorismo e os
dos lutadores. Chifres, elementos aztecas, cores garridas parcos recursos da sua produção – onde há vampiros com
ou letras permitem identificar cada um dos personagens dentes de plástico, explosões sem aparato e perseguições
em confronto na arena, identificando a sua personalida- na estrada onde os carros parecem imóveis – não impedi-
de e modo de lutar. A rodear estas máscaras, as fotogra- ram o género de conquistar seguidores fiéis. Pode ser que
fias de Lourdes Grobet mostram alguns lutadores, com o muitos já não se lembrem de pedir chuva na altura da se-
rosto devidamente coberto pela sua máscara, em contex- menteira, ou de exorcizar demónios ao ritmo das estações,
to familiar, longe da arena e do barulho da multidão que mas as máscaras continuam a cumprir as suas funções nas
costuma assistir aos combates. Há pais e mães de família, estruturas comunitárias e sociais mexicanas.
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As vidas
da «Gata»
Varela, es-
trela do
tango ar-
gentino
Ricardo
Viel 56
«Minha primeira vida foi como fono- adriana varela
audióloga, entre atendimento em con- Aires. Encantado pela voz e atitude da
sultórios e viagens pelo mundo todo cantora no palco, «El Polaco», como
para acompanhar o meu ex-marido, era conhecido, decide apadrinhá-la. E
um jogador de tênis. Depois me sepa- assim termina a vida de Beatriz Adria-
rei e comecei a cantar, e o resto você na Lichinchi, fonoaudióloga e ex-espo-
já sabe», conta Adriana Varela, vestido sa de um jogador de tênis famoso, e
vermelho, sapato de salto alto brilhan- nasce para o mundo da música Adria-
te, sentada tranquilamente num sofá na Varela. «O resto» a que faz referên-
minutos antes de entrar a cantar no cia nesta entrevista à Blimunda, é uma
palco montado no jardim do Palácio Pi- carreira de mais de 25 anos de êxito,
prémios, apresentações nos principais
menta, em Lisboa. A argentina era uma
teatros do mundo, e uma coleção de
das atrações do festival «Soy loco por
fãs que inclui nomes como Vázquez
ti América», programa das festas da
Montalbán, Caetano Veloso e Joaquín
cidade e da capital ibero-americana Sabina. E ainda assim, parece que a
de Cultura. A história da segunda vida fama não subiu à cabeça dessa mina,
de Adriana Varela começa numa noi- como se auto-intitula usando a gíria
te do início dos anos 90 em que Roberto argentina, nascida em 1952. Também
Goyeneche, uma lenda do tango, a escu- é conhecida como «La gata» Varela, e
ta cantar num pequeno bar de Buenos pelo que se sabe, assim como os feli-
nos, também tem mais de uma vida.
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5858
adriana varela
Costumas pensar em como teria sido a sua vida se não humana, e isso é um mecanismo de defesa contra a fama
tivesse sido descoberta por Roberto Goyeneche? muito eficaz.
Não penso nisso, penso demais, mas não nessas coisas.
Talvez se isso tivesse acontecido quando você tinha 15
Penso muito em coisas existenciais, nos filhos, coisas que
anos seria distinto.
têm que ver com o humano e o cotidiano, mas em mim,
Seguramente, seguramente. Além disso eu venho da
como profissional, não costumo pensar.
dureza da medicina, daquilo que é o contrário à loucura.
Algo demasiado racional, eu tive que ficar um pouco louca
Quando vejo os elogios que lhe fazem penso: como fazer
para fazer isso e sentia o murmúrio das pessoas que diziam
pra manter os pés no chão quando Sabina, Serrat e tantos
«está louca, separou-se, como vai cantar tango se nunca
outros se ajoelham diante de si?
gostou?» E no entanto eu não liguei para isso, fiquei louca,
Caetano também (risos). Não me dou conta, não cai
louca tranquila, mas não dei ouvido.
a ficha. Bom, aproveito tudo, parece-me mentira quando
acontece pela primeira vez. São pessoas que eu escutava Como foi isso? Se que você gostava de rock, ouvia Beatles
antes de cantar, gente que significa muito para mim, e de e cantava rock em castelhano, e começa a cantar tango
repente propõe-me algo, querem gravar comigo... Mas de- em alguns lugares até que um dia o Goyeneche está por
pois isso passa, depois eu sou só uma mina que vai pela lá, escuta você cantar...
vida, que toma um táxi etc. Exatamente, no Café Homero, um lugar pequeno mas
onde ia toda a elite europeia. Eu contava outro dia a uma
E que vai parar num livro de Vászquez Montalban. pessoa que uma vez encontrei o Omar Sharif lá, porque ele
Bom, isso sim me emocionou. Mas ao invés de eu sen- era fã do Polaco Goyeneche, e depois fiquei sabendo que
tir-me «creída», eu virei amiga do Manolo. Então imedia- ele comprou uma égua na Argentina e lhe deu o nome de
tamente veio a paridade. Eu o amei muito, era uma relação La Varela, imagina!
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adriana varela
Sentes saudade daquela época do começo? que no tango a mulher é a projeção da mãe. E nós não
Não, isso já passou, eles já não estão. Eu conheci os podemos ser as mães, somos a mulher. Volta para a sua
melhores e eles me abraçaram, como se eu fosse uma fi- mãe, eu não sou a sua mãe! (risos)
lha ou neta. Diziam-me coisas muito bonitas, eram mui-
to engraçados. Diziam: você vem da universidade, o que O fado hoje está na moda de novo, gente jovem canta e
faz aqui? E me contavam sobre aquela Buenos Aires que escuta. Como vai o tango?
não conheci, e eu aproveitei isso. O que resta é recordar, Igual que o fado. Os meus filhos, que são fãs do rock
é contar histórias, que é o mesmo que estar ali com eles. argentino dos anos 80, escutam tango também, porque
E render homenagem. não têm preconceitos. E também escutam fado, por isso
sei que o fado também deu essa volta. Acho que, mais
O mundo do tango é bastante machista, não é? do que com a moda, isso tem a ver com a identidade.
O mundo é machista. Acho que o tango tem uma Acho que é um fenômeno global. As pessoas necessitam
coisa interessante que é não dissimular o machismo, não pertencer, a identidade é algo que se procura na cultura.
o ocultar. Vamos extrapolar o exemplo: se um homem Não é algo dado, é preciso procurar. Está ali, mas não te
mata uma mulher num tango, numa poesia, mata fora contam. Eu quando era miúda também tive que buscar,
porque não pode matá-la dentro. Então o que eu digo é porque na rádio, como agora, tocava merda. Sempre foi
que, tendo conhecido os homens do tango, os heróis, os assim.
maiores, os melhores, sei que jamais fariam uma coisa O tango então também vive um momento de renascimen-
assim. Eles riam dos machistas. E além disso tinham a to?
mulher supra-dimensionada, como todos os homens fa- Totalmente, mas eu, quando me aproximei do tango,
zem. A mulher está tão super dimensionada que alguns foi em 91, ninguém entendia.
ficam loucos e acabam por matá-las. Mas eu notei isso,
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adriana varela
Acho que há algo parecido também entre o tango e o fado respeitosas, não são compulsivos, gente que se aproxima
que é a questão dos puristas. com humor, de uma maneira muito boa. Há muitos jovens
Que sãos os que matam... que vêm falar comigo. Mas a minha fobia não tinha a ver
com a fama, mas com as viagens. Para mim o aeroporto
Com o fado, se alguém coloca percussão numa música já é um limbo, é um Purgatório. Voar não é normal. E além
sai um grupo a dizer que aquilo não é fado. disso, antes, com o meu ex-marido, eu viajei muito, cansei,
É igual lá. Aconteceu com o Piazzolla e continua a odeio viajar. Estou aqui com você, está tudo bem, mas ado-
acontecer, é uma loucura. raria depois de falar com você e cantar, apertar um botão
e estar na minha casa, na minha cama. Eu sou uma pessoa
No Brasil isso não acontece, nunca ouvi ninguém reclamar muito lenta, sou Touro, e demoro para realmente chegar
porque misturaram samba com rap ou música eletrônica. aos lugares, por isso pirei. O avião não me dá medo, não
Sim, mas o Brasil tem um fenômeno que não tem nin- me chateia, o que chateia é o translado, os papéis, a foto,
guém mais no mundo que é a sua música. Para mim Chico a maleta, tira o sapato, passar pelo controle etc. Quando
Buarque é o poeta latino-americano com mais capacidade chego em casa depois de uma viagem digo: que sorte que
de síntese, que é o mais difícil num poeta. Milton Nascimen- cheguei, que sorte!
to é a voz americana. Ele e o uruguaio Ruben Rada são as
duas vozes do continente. E a minha cantora preferida, de
todas, é Elis Regina.
ANDREIA
BRITES 63
nhecer cidades
visitas guiadas
Cidades de há cinquenta anos que um conta ao outro o que viu e mais o surpreendeu. As
ilustrações são detalhadas e obedecem a perspetivas distintas,
Originalmente publicado em 1960, este é um dos vários que permitem ao leitor conjugar a altura dos edifícios com o
guias que o autor checo Miroslav Sasek criou, depois de Isto é rebuliço das ruas, com as lojas e as pontes, ou com a moldura
Paris, Isto é Londres, ambos de 1959 e Isto é Roma, também de de arranha-céus de dia ou de noite. Tudo flui, como num pas-
1960. A editora Civilização publicou este título em 2011, assim seio em que o mais importante é determo-nos e apreciar.
como os três anteriores mas não é fácil encontrá-los hoje em
dia nas livrarias. Apesar do lapso temporal ser grande, os rotei- «A minha cidade»
ros não perderam atualidade, graças à abordagem de Sasek que
em cada volume encontrava um mote e a partir daí chegava a É uma coleção e um bom contraponto à de Sasek. Se a pri-
monumentos, bairros, ruas e avenidas, lojas, habitantes, curio- meira é pensada sob a perspetiva do visitante, esta é pensada
sidades. No caso de Isto é Nova Iorque, o ilustrador foca-se na pelo habitante que a vai desenhar. A primeira relaciona-se
dimensão. Tudo é grande na Big Apple e isso é razão para re- com o leitor pela proximidade do discurso e não por nenhu-
ferir edifícios, ruas, automóveis, engarrafamentos, jornais ou ma implicação subjetiva de quem escolhe os pontos de inte-
o próprio clima. Tudo é apresentado com bastante informali- resse. Quando a Pato Lógico lançou os dois primeiros mapas,
dade e como se de uma curiosidade se tratasse. O pormenor Beja e Edimburgo, em 2016, deixou clara qual a intenção do
que dá identidade ao espaço acompanha referências ao cinema projeto: dar a conhecer cidades, mas eventualmente vilas, a
e outras artes com tamanha naturalidade que nunca se intui partir do olhar de um ilustrador que com elas tivesse uma re-
um pendor didático nas informações avançadas. Para além da lação afetiva, por ali viver, por ser o seu lugar de nascimento,
enumeração sucessiva, há ainda momentos em que o narra- por ali ter estudado ou trabalhado um tempo...
dor se dirige diretamente ao leitor, estabelecendo uma relação O que não muda é a estrutura: um desdobrável em que cada
próxima e cúmplice, como se se tratasse de uma conversa em parte corresponde a um lugar, alcançando-se seis dobras e
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visitas guiadas
doze lugares, frente e verso da extensa folha. Depois de des- Portugal em patchwork
dobrado, estende-se o mapa da cidade, com todos os locais
assinalados, para uma ideia global das distâncias e da forma Portugal para crianças é um livro de atividades editado
como o ilustrador perceciona a urbe. Susa Monteiro não ab- pelo atelier Lupa Design em 2012 que propõe aos mais no-
dica de tons mais escuros e suaves, como o lilaz, o cinza ou o vos partir em busca de pistas sobre a história e os costumes
azul e assim retrata Beja, a sua cidade natal onde continua a portugueses. Há casas típicas a que se podem juntar outras,
viver e trabalhar. Contraria por isso a sensação do branco e desenhadas pelo leitor, cartas para escrever à namorada de
do amarelo das searas e do sol refletido na cal das casas, sen- Camões, uma galeria de retratos de figuras históricas para
sação quente, graças à sua estética. Já Marcus Oakley opta por preencher, pinturas rupestres, mosaicos romanos, monu-
um estilo mais gráfico, com uma paleta maior e mais forte de mentos, plantas, rolhas de cortiça, garrafas de vinho, sempre
cores, e muitos objetos que parecem bailar nas suas geome- com uma atividade associada.
trias e padrões. Edimburgo ganha essa luz e uma alegria que No final do livro a possibilidade de registar os lugares
contrastará com o clima mais sorumbático. Para cada lugar onde se esteve, o que se comeu, o que se viu e ouviu permite
uma pequena entrada diarística, mais ou menos implicada. alargar a ideia num diário de férias, com um mapa para se
Os ilustradores escolhem sítios onde se encontram com ami- assinalarem os nomes das cidades ou regiões. Há ainda es-
gos, onde comem iguarias, livrarias onde se perdem, ou pelo paço para algumas escolhas, direcionadas aos adultos, como
menos perdem a carteira, ciclovias, parques, esplanadas, mu- forma de os dotarem das ferramentas para proporcionarem
seus, bares, mercados... há de tudo um pouco. O de Madrid às crianças as viagens e o acesso a cada sugestão do livro.
é o mais expansivo dos quatro, com maior diversidade de es- Joana Paz e Danuta Wojciechowska conciliam história
paços sempre muito bem justificados na biografia de Manuel com fantasia neste guia trilingue, todo a preto e branco, de
Marsol cujo texto parece mesmo querer convencer o visitante que cada leitor se apropriará como autor. É mais do que um
a experienciar as mesmas sensações.
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visitas guiadas
livro para colorir ou desenhar, já que cada um ali pode ins- seguida, os percursos. Para cada um há um título apelati-
crever a sua própria experiência, de uma assentada ou à me- vo: «Freiras, piratas e cavaleiros: do Mosteiro ao Castelo»
dida que for conhecendo o património e a história do país. é o primeiro. O mapa é o elemento orientador e antecede
As páginas em branco, destinadas a notas, ampliam ainda toda a descrição do caminho a trilhar. Aos exploradores
mais as hipóteses criativas de cada um: ali pode registar-se são dadas todas as orientações para encontrarem os pontos
um diário gráfico, um registo escrito, um pequeno álbum estratégicos a visitar. A propósito pode ser indicado que no
fotográfico ou colagens de bilhetes e outros papéis significa- Museu Alberto Sampaio existe um santo degolado, o que
tivos para a memória afetiva de cada um. parecerá bastante apelativo, ou contada a lenda que deu
origem ao nome do Largo da Oliveira, lugar icónico do cen-
Percorrer a história tro histórico da cidade. O segundo percurso faz-se dentro
do Paço de Guimarães. Complementam-se informações
Quando Guimarães foi Cidade Europeia da Cultura, em sobre objetos de época com comparações com o presen-
2012, a Planeta lançou Guimarães: Guia da Cidade para te, explicam-se comportamentos e tradições e não se deixa
Jovens Exploradores com vários percursos desafiantes para passar em claro a recuperação do Paço, feita durante o Es-
os mais novos. Na verdade, os percursos sugeridos podem tado Novo, como aconteceu com vários castelos em todo o
interessar a qualquer pessoa de qualquer idade, o que dife- país. Lançam-se pistas e remete-se o leitor para a História
re são as estratégias escolhidas para motivar as crianças a que servira de contextualização. Explicam-se os episódios
descobrir a cidade. O guia abre com uma breve história da tecidos nas tapeçarias e de onde elas vinham, bem como o
cidade, desde a presença celta até ao séc. XXI. A cada passo, sentido original de pôr a mesa e como se compunham me-
dá-se nota ao leitor de edifícios, estátuas, ruas, lugares que dicamentos no renascimento. O terceiro percurso é ainda
poderão ser visitados num dos percursos propostos. Em feito dentro das muralhas da cidade antiga, chamando a
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visitas guiadas
atenção para arquiteturas várias, largos, odores e práticas, guia de descoberta de doze pontos chave da cidade do Porto.
como a de lavar a roupa em lavadouros públicos. O quarto A propósito de lanches, horários e uma corte com rainhas e
percurso é fora das muralhas mas no centro da cidade e duquesas, esta Alice chega ao Café Majestic, à Câmara Mu-
acaba na Estação de Caminhos de Ferro. A terminar, um nicipal ou ao Jardim Romântico. Em cada paragem, o leitor
percurso pela natureza que leva os leitores para fora da ci- tem um desafio à espera, que implica a sua própria visita e
dade, até ao Santuário da Penha e convida-os a regressar a experiência dos lugares. No Jardim Romântico, por exem-
na direção do parque da cidade. Todas as informações his- plo, sugere-se que o caminhante apanhe folhas e as cole no
tóricas são complementadas com sugestões práticas, sobre livro. Também há azulejos para desenhar, tendo como inspi-
casas de banho públicas, locais para beber água ou des- ração a Estação de S. Bento, os sons da cidade para registar,
cansar e comer uma merenda. Para além disso, os explora- depois de uma visita à Casa da Música, uma adivinha para
dores são convidados a desenhar, unir pontos, responder resolver na Biblioteca Almeida Garrett ou a receita de uma
a perguntas ou fazer palavras cruzadas. Deixam-se ainda francesinha para encontrar e reescrever.
pistas para pesquisas autónomas, aguçando o interesse so- Texto e ilustração complementam-se entre induções e
bre coincidências, causas para determinado ato ou nome, sugestões. A Ribeira é representada pela icónica varina, o
biografias de monarcas, arquitetos ou artistas, sugerindo Museu de Serralves por molduras e da torre dos Clérigos
sites ou referindo possíveis curiosidades. só se avista o topo. Todavia, Alice não aparece junto a ne-
nhum dos espaços descritos, ao contrários de outras figuras,
Porto maravilha perfeitamente integradas em cada um dos espaços. É do de-
talhe e da ausência de contexto que vive este guia. Procura
Partindo da viagem de Alice ao País das Maravilhas, Adé- assim estimular a curiosidade através dos desafios presen-
lia Carvalho e Cátia Vidinhas criaram Wonderporto, um tes e de pistas lançadas. Wonderporto, editado pela Tcharan
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visitas guiadas
em 2014, começa logo nos elementos paratextuais do título aplicar a ideia a duas cidades: Lisboa e Porto. Para cada uma
e da ilustração da capa a traçar esta linha: uma viagem a um um ilustrador: João Fazenda e Marta Monteiro, respetiva-
mundo de desafios, imaginação e novidade, que tem uma mente. O efeito é semelhante, tendo em conta as cores aber-
Alice e um coelho branco algures no rio, com um cais ao tas, as formas sem contorno, algumas geometrias e o deta-
fundo. O recorte redondo nas páginas iniciais e finais, que lhe na composição. As hipóteses de combinação são tantas
vai ampliando e diminuindo a visão que se tem da página, que cada jogador pode montar a sua cidade colocando lado
para além da referência explícita ao túnel da obra de Lewis a lado monumentos distantes, bairros modernos e antigos,
Carroll, pode igualmente significar a aproximação na chega- rio e colina. Elementos não faltam: elétricos, coretos, pontes,
da à cidade e distanciamento na partida. estátuas, miradouros. Tentar conjugar os cartões de forma a
que a cidade ilustrada esteja o mais próxima possível da ci-
Jogos com nomes de cidade dade real também não é tarefa fácil. O que este jogo traz de
novo na exploração de uma cidade é a hipótese de a ver de
Chama-se myriorama e foi inventado no séc. XIX. Não outra forma, e revê-la nada mais nada menos do que em 20
fosse este um projeto da Bruaá, que conta com um catálogo biliões de panorâmicas. Para quem consiga, é fazer as contas.
rico em pérolas nunca antes editadas cá pelo burgo. O que Podemos jogar com o que conhecemos bem, com o que não
significa? Como se explica muito bem no encarte: paisagem conhecemos e com o que conhecemos parcialmente. Pode
infinita. E é um jogo. Nem mais. São dezasseis cartas e cada ser uma porta de entrada nas cidades, pode simplesmente
uma ilustra uma parte de uma paisagem. O que é desafiante funcionar como reconhecimento. E ainda, tendo em conta a
é que todas as combinações são possíveis porque as margens presença de muitas personagens, pode proporcionar narra-
da ilustração de cada cartão pode ser unidas entre si sem tivas nas cidades desenvolvendo um imaginário associado à
que se perca a ideia de painel coerente. O que a Bruaá fez foi leitura da imagem por cada leitor.
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and the winner is...
AND
Ruta
No ano em que os CILIP awards
comemoram o seu octagésimo aniversário,
a votação dos bibliotecários pendeu para
dois autores dos E.U.A.
Sepetys
e retrata o maior naufrágio da história. Dos
passageiros a bordo do Wilhelm Gustloff
estima-se que tenham morrido 9000
pessoas, na sua maioria refugiados. O júri
do prémio notou a crescente relevância
de temas sociais na formação dos jovens
leitores, como forma de lhes dar a conhecer
realidades e contextos que desconhecem e
não têm meios para compreender.
Lane
coletivos atribuídos a diversos grupos de
animais, incluindo nesses grupos um menino
que os acompanha, tomando partido da sua
morfologia ou comportamento para brincar.
Lane Smith acrescenta sentidos aos nomes
através de um imaginário ora lúdico, ora
poético e muito estilizado.
Smith
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ANDREIA BRITE S Cá dentro, Guia para descobrir o cérebro
ESPELHO MEU Isabel Minhós Martins, Maria Manuel Pedrosa, Madalena Matoso, Planeta Tangerina
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ESPELHO MEU Cá dentro, Guia para descobrir o cérebro
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ANDREIA BRITE S Os Livros do Rei
Na escrita de David Machado reconhece-se, em beijos e música. Precisamente através da estrutura adop-
geral, uma poética própria, que transporta o leitor tada, é possível introduzir uma imensidão temática de
para um mundo paralelo, não necessariamente oní- livros, onde o jovem rei ia beber essas ideias.
rico mas um mundo de possibilidades. Esta cons- O final é surpreendente porque embora fechado se des-
trução situa-se nos limites do real, do exequível, e via de um desfecho óbvio. No entanto, alcança uma moral
do desejo que se almeja sem garantias de sucesso. que defende esse valor precioso da leitura como lugar de
Não que isso importe. descobertas e encontros excepcionais que nos permitem
Relacionar a experiência do quotidiano e o co- ver o mundo com lentes especiais e renovadas.
nhecimento do que nos rodeia com essa dimensão A ilustração de Gonçalo Viana, que já havia feito
resulta numa abertura optimista, num exercício de dupla com o escritor, destaca um sentido lúdico pleno de
imaginação, e isso por si só é suficiente para se viver geometria e cor. Os elementos planos convocam o jogo
melhor, como aliás se comprova nesta narrativa de blocos de madeira e acrescentam uma nova possibi-
infantil. lidade àquelas já avançadas pelo texto: a da recriação infinita. Para
O início segue a tradição dos contos de fada, com a morte do além disso descreve os especialistas – arquitectos, pintores, agricul-
pai. Ou remete para o terramoto de 1755. Ou nada disso, ou tanto tores, pedreiros, botânicos e zoólogos – nas suas pesquisas, captan-
faz, como mais à frente iremos descortinar. O menino, que vivia do os vários momentos com humor. O contraste entre esses mo-
imerso em livros, teve de assumir o trono e reconstruir o reino. mentos e o plano da conversa final com o rei, assim como a decisão
Começam então a suceder-se essas possibilidades imagéticas tomada relativa à construção definitiva do reino corroboram a
que associam sentidos e imagens que devem ser representadas. De surpresa do desenlace, enfatizam a presença dos livros e, na última
onde vêm? Dos livros. página dupla, o resultado final da empreitada parece não desiludir.
David Machado consegue a proeza de, numa narrativa linear e Apesar dos múltiplos registos da esrita de David Machado, mais
fechada, que segue a estrutura repetitiva e aditiva de muitos contos ou menos metafóricos, mais ou menos oníricos, mais ou menos lú-
tradicionais, oferecer uma espacialidade simbólica e não quanti- dicos, mais ou menos narrativos ou aforísticos, é notória a sua voz
ficável. Um espaço de cor, memória, imaginação, aromas e risos, única, consistente e coerente, no panorama da literatura infantil.
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8383
Porque eu
sou do ta-
saramaguiana
manho do
o sentido óbvio e obtuso
q u e ve j o
d’A Maior Flor do Mundo Sandra Santos —
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a maior flor do mundo
O Guardador de Significados
Nas narrativas infantojuvenis deteta-se latente uma dupla dimensão, aplicável ao conto
A Maior Flor do Mundo. Por um lado, a dimensão da ordem ou ordenação, do propósito pe-
dagógico ou da moral e do sentido óbvio. Por outro, a dimensão da desordem simbólica, do
desvio/transgressão e do sentido obtuso.
Em primeiro lugar, a questão da ordem ou ordenação, em que o signo escrito adqui-
re uma grande preponderância no processo cognitivo dos indivíduos, posto que funciona
como elemento fundamental para a organização e estruturação da informação. Essa questão
abre caminho para o propósito pedagógico ou da moral que alude à relação umbilical entre
os textos da literatura infantojuvenil e os da tradição oral; apela à emoção e à transmissão
de bons valores. Por fim, dentro desta primeira dimensão, o sentido óbvio, termo aborda-
do por Roland Barthes (1986:51), que traça uma sequência narrativa clara e compreensível
pelo seu pendor universal. Em segundo lugar, outra das dimensões é a desordem simbólica.
Sugere-se este conceito em contraposição com o da ordem ou ordenação, isto é, se por um
lado, a palavra organiza, por outro, em conjunto com as ilustrações “desarruma” eficazmen-
te a informação, criando e ampliando os significados. O outro vetor é o desvio/transgressão,
pelo qual o leitor se sente atraído, procurando, neste caso, no personagem principal esse es-
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a maior flor do mundo
pelhamento. Por último, o sentido obtuso, também referido por Barthes (1986:51), é descrito
como um sentido com valor acrescentado, algo que o intelecto não consegue imediatamente
processar por completo; liga-se à capacidade de imaginar e sonhar.
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a maior flor do mundo
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a maior flor do mundo
O Guardador de Sentidos
O título deste texto é retirado de um dos versos de Alberto Caeiro que no poema VII, d’
O Guardador de Rebanhos, descreve a visão universal que se alcança desde a «casa no cimo
deste outeiro», ou melhor, desde a sua aldeia. À semelhança do poeta, também o «herói me-
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a maior flor do mundo
nino» viu algo que «era muito maior que o seu tamanho e de que todos os tamanhos».
Ou, nas palavras de Gonçalo M. Tavares (2013: 366), «Quando fecho os olhos sinto-os mais,
eles são mais meus. Quando os abro, eles deixam de me pertencer, saem para o mundo. Vêem.»
Obras analisadas/referidas
Azevedo, Fernando Fraga de (2002). «A maior flor do mundo, de José Saramago: reflexão metatextual acerca do
texto literário para a infância». Actas do IV Encontro Nacional (II Internacional) de Investigadores em Leitura, Li-
teratura Infantil e Ilustração. Braga: Universidade do Minho.
Barthes, Roland (1986). Lo obvio y lo obtuso – Imágenes, gestos, voces. Barcelona: Ediciones Paidós Ibérica, S.A.
Bettelheim, Bruno (2002). A psicanálise dos contos de fadas. Tradução de Arlene Caetano. 16ª Edição. São Paulo:
Paz e Terra.
Costa, J. Almeida; Melo, A. Sampaio (2002). Dicionário da língua portuguesa. Porto: Porto Editora.
Santos, João dos (2009). É Através da Via Emocional Que a Criança Apreende o Mundo Exterior. Lisboa: Assírio &
Alvim.
Saramago, José (2014). A maior flor do mundo. Ilustrações de João Caetano. Porto Editora.
——— (2015). A maior flor do mundo. Ilustrações de André Letria. Porto Editora.
——— (2016). A maior flor do mundo. Ilustrações de Inês Oliveira. Porto Editora.
Tavares, Gonçalo M. (2013). Atlas do Corpo e da Imaginação. Teorias, Fragmentos e Imagens. Lisboa: Caminho.
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Xeral
Cartazes
Cubanos da Lèxic
agosto
familiar O Pequeno
Gurumbé,
Canciones de
Até 17 set OSPAAAL 1960- Até 8 out tu memória
Grande Polegar negra
Primeira exposição do
trabalho do artista 1980 Exposição de obras
26 ago
andaluz Luis Gordillo
em Compostela,
Até 23 set de Paula Rêgo,
percorrendo seis
23 ago
O Trigo Limpo teatro
Inserida na Lisboa ACERT encerra a Exibição do
percorrendo uma décadas de trabalho
– Capital Ibero- digressão de verão documentário de
produção que da pintora, numa
Americana de Cultura, deste espectáculo Miguel Angel Rosales
começou no fim escolha que tem como
a ZDB mostra um comunitário, uma sobre a presença de
dos anos 50. Centro fio condutor o livro de
conjunto de cartazes adaptação muito livre populações africanas
Galego de Arte Natalia Ginzburg que
produzidos entre da história do Pequeno na Península Ibérica
Contemporánea, dá nome à mostra.
1966 e 1980 pela Polegar, na cidade que dos séculos XV e XVIII.
Santiago de La Virreina, Barcelona.
Organização de lhe serve de casa. Centro Cultural, Lagos.
Compostela. Até 17 de
Solidariedade para Tondela, Parque 23 de Agosto.
Setembro.
com os Povos de Urbano.
África, Ásia e América
Latina. Lisboa, Galeria
Zé dos Bois.
Felizmente existem os livros. Podemos esquecê-los numa prateleira ou num
baú, deixá-los entregues ao pó e às traças, abandoná-los na escuridão das
caves, podemos não lhes pôr os olhos em cima nem tocar-lhes durante anos
e anos, mas eles não se importam, esperam tranquilamente, fechados sobre
si mesmos para que nada do que têm dentro se perca, o momento que sem-
pre chega, aquele dia em que nos perguntamos, Onde estará aquele livro
que ensinava a cozer os barros.