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Obesidade e Exercício

Article  in  Brazilian Journal of Physical Education and Sport · February 2018

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Jose Santos
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XI Congresso Ciências do Desporto e Educação Física
dos países de língua portuguesa

Obesidade e Exercício

Nutrição e Atividade Física


Mesa Redonda
José Augusto Rodrigues dos SANTOS
Faculdade de Desporto, Universidade do Porto, Portugal

Nos dias de hoje a obesidade é um grave problema epidemiológico, A obesidade pandémica é o resultado da abundância em
responsável directa por uma séries de patologias (e.g. diabetes mellitus alimentos ricos em energia, consumidos em excesso a partir de
tipo 2, doenças cardiovasculares, hipertensão, problemas ósteo- campanhas publicitárias agressivas e dum estilo de vida
articulares) e com profundas implicações económicas nos países sedentário que tem a televisão e o computador como formas
ocidentais. Actualmente, no mundo, existem cerca de 150 milhões prevalentes de preenchimento dos tempos livres.
de obesos e perto de 250 milhões de pessoas com excesso de peso, Normalmente, a obesidade está ligada à acumulação
e o panorama tende a piorar segundo todos os observatórios energética derivada do consumo excessivo de nutrientes que
epidemiológicos. O problema é grave a vários níveis, sendo-o também ultrapassam as necessidades diárias do sujeito. O Professor
ao nível da auto-estima das pessoas. Atentemos nos lógicos Willem van Mechelen, suportado por uma série de estudos
sentimentos de revolta da jovem australiana quando viu o seu governo levados a efeito na Holanda e Estados Unidos da América, afirma
impedi-la de adoptar uma criança por ser demasiado gorda. Foi-lhe que a falta de exercício é a causa mais importante para o aumento
dito que não reunia condições motoras e comportamentais para do número de pessoas sofrendo de excesso de peso ou obesidade.
funcionar adequadamente no seu papel de mãe adoptiva. Terrível Pensamos que o mais importante não é o exercício físico por si
libelo social contra a obesidade. só mas a filosofia de vida que corresponde às pessoas activas e
Hoje em dia é difícil de discernir qual é o inimigo número que têm na prática desportiva uma forma de melhoria da sua
um da saúde pública - o tabaco ou a obesidade. qualidade de vida.
De acordo com um estudo que coligiu dados de 3.457 O estilo de vida adoptado pelas sociedades mais evoluídas
voluntários e levado a cabo entre 1948 e 1990, as pessoas que desemboca num sedentarismo patológico que é muito mais
apresentam excesso de peso aos 40 anos de idade, têm uma redução nefasto que os eventuais excessos alimentares. Pensamos que o
de pelo menos 3 anos na esperança de vida quando comparadas desporto, por si só, não resolve o problema do excesso ponderal
com as pessoas magras. Parece que ser gordo na meia-idade é tão e da obesidade, pois nenhum programa desportivo pode
mau como fumar. Segundo o estudo, mulheres obesas não fumadoras contrariar os défices culturais que conduzem a comportamentos
perdem em média 7.1 anos de vida, enquanto os homens, nas mesmas inadequados em termos nutricionais.
condições, perdem 5.8 anos. O Dr. Serge Jabbour, director-clínico Hipocinésia ou excesso de calorias? Qual o factor
no hospital da Universidade Thomas Jefferson, Filadélfia, afirma determinante da obesidade?
que ter excesso de peso aos 30-40 anos, mesmo que se perca peso O conceito tradicional de que o problema do excesso ponderal
mais tarde, comporta um elevado factor de risco de morrer mais deriva directamente do balanço positivo do aporte calórico é
cedo. O fumar piora a situação, já que uma mulher obesa-fumadora questionado por alguns autores. Assim, parece que alguns
morre 7.2 anos mais cedo que uma com peso normal e 13.7 anos alimentos apresentam um superior potencial “engordante” que
mais cedo que uma não-fumadora com peso normal. Nos homens, outros. Num estudo com obesos em regime de restrição de
o panorama é idêntico. gorduras visando a redução do peso corporal, o grupo que
Mulheres obesas têm 100 vezes mais possibilidades de ingeriu amêndoas num regime de dieta moderada em gorduras,
desenvolver diabetes tipo 2 que as que apresentam peso normal. perdeu mais peso que o grupo cuja dieta era baixa em gorduras
O risco nos homens obesos é de 45 vezes superior ao dos homens mas sem amêndoas. Assim, parece que o tipo de gordura tem
normo-ponderais. efeito metabólico específico que se pode reflectir na sua
Hoje em dia, afirma-se que a obesidade, de tão expandida capacidade de assimilação. No caso das amêndoas coloca-se a
que se encontra, representa um desvio evolucionário na forma hipótese, de, em virtude do seu alto teor em fibras, as respectivas
corporal humana. Assim sendo, nada augura de bom para o gorduras não serem totalmente absorvidas.
futuro da humanidade, já que esse cenário tem a doença e a Existem sobejas evidências científicas sobre a base genética
redução da esperança de vida como horizonte. de muitos tipos de obesidade.
Muitas nações, não só ocidentais, já registam mais de 20% da Uma questão crítica na regulação do peso corporal diz
população como clinicamente obesa e cerca de metade respeito à forma como o tamanho das reservas de gordura é
apresentando excesso de peso. A obesidade começa a ganhar assinalada e registada pelo cérebro e outros orgãos. Malgrado a
foros de pandemia em países como a China e Índia, até aqui sua expressão genética seja locus-específica o que torna difícil a
pouco tocados por esta verdadeira doença metabólica. validação absoluta da sua produção, parece ser a leptina o sinal

Rev. bras. Educ. Fís. Esp., São Paulo, v.20, p.161-62, set. 2006. Suplemento n.5. • 161
XI Congresso Ciências do Desporto e Educação Física
dos países de língua portuguesa

que relaciona o cérebro e os adipócitos. A hormona leptina, do adipócito. Em termos de excesso ponderal estas reservas são
responsável pela inibição do apetite quando aumenta a gordura para nós dispiciendas pela reduzida quantidade de gordura que
corporal, quando sofre mutações genéticas está associada à obesidade comportam, embora possam funcionar como charneira
em algumas pessoas. Desvios genéticos ou hormonais são causas metabólica, pois ainda subsistam dúvidas sobre se os ácidos
comprovadas de obesidade. A pulsão básica para o alimento gordos circulantes são directamente oxidados na mitocôndria
determina apetências muito fortes que podem ser difíceis de controlar ou se sofrem antecipadamente uma reesterificação intramuscular.
uma vez instalada a disfunção nutro-comportamental. A pulsão pelo Embora, nenhum estudo evidencie uma deplecção selectiva das
alimento é tão forte como a pulsão para a bebida quando se tem reservas de gordura em função da especificidade do exercício, importa
sede, e, por isso, não pode ser subestimada. referir que essas reservas não são mobilizadas da mesma forma e no
Se isto é verdade, as pessoas gordas não devem ser criticadas pelo mesmo timing. Assim, as gorduras drenadas pela veia-porta, cuja
seu exagerado apetite, já que algumas estão geneticamente posição topográfica é mais favorável à mobilização, entram
tendenciadas a sentir fome. Parece, assim, que a predisposição para o directamente no fígado em concentrações mais elevadas. O fígado
excesso ponderal é o resultado da nossa herança genética que, em transformará os ácidos gordos em excesso em VLDL que podem
períodos de escassez de alimentos, induziu os nossos predecessores ser ou oxidados no músculo, ou transformar-se em LDL
a desenvolver os genes de obesidade que lhes permitiam armazenar (lipoproteínas de baixa densidade) que se podem acumular nos tecidos
energia para os períodos de fome. ou nas paredes dos vasos. Os triglicerídeos transportados nas VLDL
Os mesmos genes que permitiram a subsistência dos nossos devem ser antecipadamente hidrolisados antes de entrarem nos
ancestrais em períodos de fome são hoje, nas sociedades de músculos, o que é feito através da lipoproteína-lipase localizada no
abundância, a causa fundamental da obesidade pandémica e do cortejo endotélio capilar. Esta enzima actua fortemente no músculo e coração
de doenças que lhe está associada. Seria bom que os genes que numa situação de jejum enquanto que numa situação pós-prandial,
comandam o armazenamento energético, por mutação genética actua a nível do adipócito para facilitar a captação dos lípidos exógenos.
acelerada, desaparecessem da matriz básica da espécie humana. Importa referir que as tentativas de aumentar a disponibilidade
Embora a falta de exercício seja uma das causas principais do das gorduras para oxidação através de drogas (cafeína, heparina,
excesso ponderal e obesidade, a sua importância tem de ser carnitina) não encontraram justificação a nível da investigação
relativizada. O exercício, quer pelo aumento da massa magra científica.
que induz a elevação do metabolismo basal quer pelo efeito Conjugando dieta adequada e energético-restritiva com o
deplector de energia, ajuda mas não resolve o problema da exercício, surge, a muitas pessoas a questão da melhor forma de
obesidade. Senão vejamos. Um cidadão português ou brasileiro, levar a efeito o exercício físico. Defendemos o exercício
na meia-idade, sedentário, sem excessos ponderais, tem em média prolongado e de baixa intensidade como o meio mais eficaz
10 kg de gordura acumulada. Isto corresponde a um para queimar as gorduras supérfluas, mas antes temos de atentar
armazenamento de 100.000 kcal no tecido adiposo, sob a forma na condição muscular e articular do sujeito. A obesidade
de triglicerídeos. Um sujeito obeso poderá aumentar muitas vezes corresponde a sobrepeso que, em situações de exercício
esta reserva energética. Se atentarmos que para a realização de prolongado pode ser muito agressivo para os músculos e
uma maratona (42.195 m de esforço) se gastam entre 2200 a articulações. Um programa de redução ponderal por exercício
2400 kcal, vemos que a luta contra o excesso de peso pela via do aeróbio começa, no nosso entender, pelo reforço muscular que
exercício físico, é uma luta perdida pela impossibilidade de, em potencia os mecanismos protectores das articulações,
tempo útil, promover um balanço energético negativo eficaz. principalmente na coluna, joelhos e tornozelos.
Acresce que um sujeito com excesso de peso apresenta limitações Numa situação pós-prandial, os carbohidratos da refeição
motoras, pelo que o panorama se agrava. induzem uma descarga pancreática de insulina. A insulina é a
O exercício físico muito prolongado e de baixa intensidade é a mais importante hormona contra-reguladora da lipólise. Estimula
melhor forma de queimar as calorias armazenadas sob a forma de a fosfodiesterase que promove a clivagem do AMPc em AMP,
gordura; exercícios mais intensos mobilizam em maior quantidade evitando a estimulação da hormona lipase-sensitiva pelo AMPc
as reservas musculares e hepáticas de glicogénio. condicionando, assim, a hidrólise dos triglicerídeos. A
Os lípidos para utilização durante o exercício encontram-se nos: concentração de insulina é suprimida durante o exercício, mas,
triglicerídeos do adipócito (a principal reserva), triglicerídeos após uma refeição rica em carbohidratos, essa supressão não é
musculares e triglicerídeos circulantes, primariamente lipoproteínas conseguida e o efeito anti-lipolítico desta hormona prolonga-se
de muito baixa densidade (VLDL) produzidas no hepatócito bem no tempo.
como quilomícrons que transportam os lípidos pós-prandiais. A partir destes dados, defendemos a possibilidade de, em
Os triglicerídeos musculares são quantitativamente limitados certas condições, os sujeitos obesos ou com excesso de peso se
(10-40 mol/kg/peso húmido) e, embora sejam utilizados parece poderem exercitar em jejum, desde que a intensidade do exercício
que sofrem reesterificação mesmo durante o esforço que pode seja reduzida e a quantidade de exercício progressivamente
estar relacionada com a exagerada mobilização dos triglicerídeos aumentada.

162 • Rev. bras. Educ. Fís. Esp., São Paulo, v.20, p.161-62, set. 2006. Suplemento n.5.

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