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Atibaia, 22 de janeiro de 2022
O coreto da Matriz
Marcio Zago*
“De que vale consolar um pobre, se tu fazes outros cem?” a fazer um determinado caminho neural quando recebia aquele estí-
mulo. Por exemplo: quando alguém grita comigo, imediatamente gri-
to mais alto ainda. Ou: quando alguém grita comigo, fico paralisada,
Anna Luiza Calixto Ainda de maneira mais acentuada nagogas e nas ruas, para serem não consigo pensar e acabo ficando muda, não respondo nada.
neste período de férias, meninos glorificados pelos homens. A ca- Cada um de nós aprendeu a lidar de maneira única com as situações
Para discutir o e meninas oferecem picolés nas ridade executada somente sob ho- que envolvem conflitos. Isso porque temos histórias de vida tam-
assistencialismo teatral, trago à praias e trabalham como vigias de lofotes revela a verdadeira fome – bém únicas".
baila as aspas publicadas ainda no veículos nas zonas urbanas e tu- a de aplausos. No perfil do Instagram, o casal diz: aqui você aprende a se
primeiro capítulo de uma das obras rísticas. A proposta desta Coluna escutar e reeduca suas palavras. Num dos posts, eles citam o juiz e
mais conceituadas na literatura de A compra de produtos ou não é pedir para que se faça mais, desembargador Leoberto Brancher, em encontro de facilitadores dos
Paulo Freire, Pedagogia do Opri- serviços prestados por crianças e mas para que se faça diferente. De- Círculos da Justiça Restaurativa. "É para isso que trabalhamos –
mido. Freire publica trecho bastan- adolescentes traduz, em termos re- volve a teu semelhante aquilo que para trazer consciência às nossas emoções, saber onde nascem, o
te emblemático do Sermão contra ais, auto complacência. Compre- reclamaste e eu te serei muito gra- que contam sobre nossa história de vida, como agem à nossa reve-
o usuário de São Gregório de endendo a lógica de que a esmola to. A dívida histórica que o Brasil lia e a partir daí aprender a gerenciá-las. São elas que determinam as
Nissa, padre capadócio e teólogo é paliativa e sempre será insufici- carrega para com as populações nossas conversas - mas a maioria de nós não aprendeu sobre isso.
renomado. O fascículo, escrito no ente, perpetu- mais vulnerá- Não conhecemos o lugar onde nascem as nossas palavras mas é
ano de 330 d.C, poderia ser con- ando o ciclo da O Sermão de São Gregório veis é indiscu- através delas que construímos relações saudáveis ou não. Muitas
temporâneo ao passo que reflete miséria e fo- de Nissa na prática da falsa tível. Mas o ca- vezes acabamos reféns das palavras emocionais pra logo depois
sobre a dinâmica social de A escritora e palestrante Anna mentando a solidariedade através da minho que de- cair no arrependimento, na culpa, no isolamento. E sem perceber,
assistencialismo e pretensiosa Luiza Calixto. prática do tra- esmola e do vemos percor- nos desconectamos dos valores que são importantes para a maioria
generosidade dos exploradores, balho infantil, a assistencialismo rer para saciar de nós, como respeito, amizade, honestidade, amor".
através da ilustração da esmola do presentes para populações mar- persistência nossa fome de
opressor, oferecida em ato de con- ginalizadas e até mesmo ceias co- desta prática materializa o que São transformação... Ah, sobre este há * Luiz Gonzaga Neto é jornalista, analista em comunicação da Câmara de
templação e gratificação pessoal, letivas, tudo retorna a seu status Gregório condena: se por trezen- muito o que se discutir. De que Atibaia e blogueiro, autor de brincantedeletras.wordpress.com. Esta coluna
quo e as violências institucionais pode ser lida também no site do jornal O Atibaiense – www.oatibaiense.com.br.
muito mais do que de auxílio fide- tos e sessenta dias exploramos e vale consolar um pobre se tu fa-
digno ao outro, o oprimido. voltam a soar naturais em um es- oprimimos parcela tão expressiva zes outros cem? De que vale apre-
“Talvez dês esmolas. Mas, tado apocalíptico de direitos. de nossa população, minhas es- sentar esmolas àqueles de que
de onde as tiras, senão de tuas O cenário se repete, eviden- molas não são, portanto, ferramen- roubamos tudo? De que vale um
rapinas cruéis, do sofrimento, das temente que com menor intensi- ta para que eu me perdoe e enxer- único pão no país que passa
lágrimas, dos suspiros? Se o po- dade, durante o calendário usual gue em minha postura qualquer fome? De que valem os holofotes
bre soubesse de onde vem o teu e pode ser observado, por exem- humanidade? quando somos escuridão? A
óbulo, ele o recusaria porque teria plo, na compra de produtos A espetacularização da so- pretensa solidariedade mente e, o
a impressão de morder a carne de comercializados por crianças e lidariedade torna-se frequente nos que é ainda mais severo, não re-
seus irmãos e de sugar o sangue adolescentes nas ruas de nossas atos da chamada caridade, em que vela a parte da história que apon-
de seu próximo. Ele te diria estas cidades. Doces, buquês de flores; vastas doações são entregues – ta nossa culpa. Talvez dês esmo-
palavras corajosas: não sacies a serviço de limpeza de veículos (os contanto que o benevolente seja las. Mas elas serão o bastante para
minha sede com as lágrimas de flanelinhas); óculos plásticos e até assistido por câmeras. Ainda no pagar por nossos pecados?
meus irmãos. Não dês ao pobre o mesmo serpentinas no Carnaval. rastro clérigo, aqui cito Jesus Cris-
pão endurecido com os soluços to quando propala que diante de
de meus companheiros de misé- esmolas, doações ou quaisquer
ria. Devolve a teu semelhante aqui- ações de suposta solidariedade,
lo que reclamaste e eu te serei não toque trombetas diante de si,
muito grato. De que vale consolar como fazem os hipócritas nas si-
um pobre, se tu fazes outros
cem?”
O propósito da escolha
desta temática para um mês como
janeiro se dá em razão do panora-
ma que encontramos após as fes-
tividades de encerramento do ano
e o derradeiro espírito natalino. Em
síntese, subsequentemente à en-
trega de cestas básicas;
apadrinhamento de crianças em
situação de vulnerabilidade soci-
al durante o feriado; compra de