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Rebento, São Paulo, n. 10, p. 268-286, junho 2019
Vozes em Luta | SLAM: voz de levante
Resumo |
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Vozes em Luta | SLAM: voz de levante
Situando o poetry slam: contexto atual da cena no Brasil
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registrá-la. O movimento ainda engatinhava no Brasil, e o único slam
existente era o ZAP!. Com a presença de espírito cara aos
documentaristas que conseguem perceber um fenômeno e ter a
perspicácia de registrá-lo no momento em que está acontecendo sem
prescindir de distanciamento histórico, ela embarcou sozinha e com
recursos próprios para Paris, munida de sua câmera, microfones e um
gravador de som.
Como são comumente chamados os/as poetas que participam dos slams.
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situações que revelaram os mecanismos de um poderoso dispositivo de
comunicação poética.
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Esse era o nosso maior desejo: que as pessoas
soubessem que isso existe, e ainda por cima estimular
o surgimento de novos slams. Então, em que medida a
gente deveria deixar poemas na sua duração
completa e em que medida a gente não deveria fazer
um filme que fosse mais um caleidoscópico
mostrando o quanto o slam é contagiante? Eu uso
essa palavra, “contagiante”, porque a vontade de
filmar slam nasceu da primeira vez em que eu fui em
um e falei “nossa, eu não escrevo poesia, mas dá
vontade de escrever...”. Porque eu me sinto
convidada, e quantas pessoas estão começando,
começaram ou começarão a escrever ou a
compartilhar os seus escritos, que estavam lá
guardados, por conta disso? (LOHMANN, 2019, p. 2).4
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Fala colhida durante um debate com estudantes e poetas após a exibição do
filme no Sesc São José dos Campos.
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além disso, por meio dos poemas, trazer depoimentos sobre assuntos
que entendíamos importantes de constar no filme, por dialogarem
diretamente com questões cujo debate é urgente nos tempos em que
vivemos.
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político-poéticos dentro do ambiente dos poetry slams, tendo em vista a
atual e constante proliferação desses espaços e, consequentemente, o
alargamento das produções inseridas em tais meios, bem como seu
constante trânsito.
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Da grande final do SLAM BR, seguimos com Luz para Paris, onde
acompanhamos sua participação na Copa do Mundo de Slam, cenário
onde o filme começa seis anos antes, com a minha participação no
evento. A pele e o discurso ficam mais escuros, e o ritmo mais pungente.
Ter a pele retinta faz com que mulheres negras como Luz passem por
situações de violência das quais mulheres brancas e negras de pele
mais clara são poupadas. O ponto de vista sobre a realidade é cru,
“bruto” como ela mesma diz, e as violências e privações sofridas se
refletem na ferocidade das performances e na ironia dos textos. Assim,
é com genuína raiva que ela se apresenta na semifinal:
[...]
deus
eu ando cansada de ser forte
eu ando cansada de correr
eu ando querendo só andar
[...]
e se ainda assim um dia:
eu retroceder as escadas
e devolver a sua tirada
com um tapa na cara
dirão: – exagero
mas só eu e minhas irmãs sabemos
o que é vestir preto o dia inteiro
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eu não queria te questionar deus
mas eu ainda sou hostilizada
quando eu ando na rua de mão dada
com a minha namorada
sabe como que é, né
duas pretas juntas
faz muito mano mudar de calçada
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"Women respond to racism. My response to racism is anger. I have lived with
that anger, on that anger, beneath that anger, on top of that anger, ignoring
that anger, feeding upon that anger, learning to use that anger before it laid my
visions to waste, for most of my life. Once I did it in silence, afraid of the weight
of that anger. My fear of that anger taught me nothing. Your fear of that anger
will teach you nothing, also [...] Every woman has a well-stocked arsenal of
anger potentially useful against those oppressions, personal and institutional,
which brought that anger into being. Focused with precision it can become a
powerful source of energy serving progress and change. And when I speak of
change, I do not mean a simple switch of positions or a temporary lessening of
tensions, nor the ability to smile or feel good. I am speaking of a basic and
radical alteration in all those assumptions underlining our lives. But anger
expressed and translated into action in the service of our vision and our future is
a liberating and strengthening act of clarification, for it is in the painful process
of this translation that we identify who are our allies with whom we have grave
differences, and who are our genuine enemies". (LORDE, 1981, p. 278-280).
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questão de gênero, como está estabelecida hoje em
dia, é uma grande injustiça. Estou com raiva. Devemos
ter raiva. Ao longo da história muitas mudanças
positivas aconteceram por causa da raiva. Além da
raiva tenho esperança, porque acredito
profundamente na capacidade de os seres humanos
evoluírem (ADICHIE, 2015, p. 24).
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Acho que eu aproveitei muito bem cada um dos três
minutos que me foi dado, sabe? Acho que eu
consegui… Ser menos invisível; meu sonho na vida
sempre foi ser menos invisível assim… Sempre fui
muito invisível. Então, cada vez que eu subo e falo
três minutos e alguém me ouve – e geralmente é mais
de uma pessoa, porque slam consegue concentrar
bastante gente – eu me sinto menos invisível. E eu
gosto de ser menos invisível; não é só tipo porque…
Sei l|, pra aparecer, mas… Porque eu acho que eu
carrego… Acho que eu carrego muita coisa que não é
só minha, sabe? E veio… muitas outras antes de mim,
que carregavam muitas coisas que são minhas
também, e ninguém nunca ouviu. Então, eu me sinto
muito privilegiada por cada um desses três minutos
que eu tenho e eu posso falar por mim. Eu não preciso
esperar que alguém fale por mim (SLAM..., 2017).
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O filme termina com o depoimento de Luz, uma mulher negra; o
que acaba por ser um retrato muito fiel do rosto das comunidades de
slam no Brasil de hoje. É evidente, contudo, que essa é uma visão
parcial de um movimento muito maior. O filme não tem por objetivo
representar por completo o que é o slam no país hoje, o que seria muita
pretensão. Mas ele constitui um ponto de vista que organiza e torna
público um pedaço dessa história que, embora já dure dez anos, apenas
começa.
Referências |
FERREIRA. Jerusa Pires. Vigília das Oralidades. Revista USP, São Paulo,
n. 68, mar-mai. 2006, p. 193-196. Disponível em:
<http://www.revistas.usp.br/revusp/article/view/13524>. Acesso em:
10 jun. 2019.
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Rebento, São Paulo, n. 10, p. 268-286, junho 2019
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LOTMAN, Iúri. La Semiosfera I: Semiosfera de la Cultura y del Texto.
Trad. Desidério Navarro. Madrid: Cátedra S.A, 1996.
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Abstract |
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