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Eugenio Carutti
CASA XI
Editorial
Argentina, 1997
Desde um ponto de vista mais geral, cada planeta do sistema solar pode ser
compreendido como parte de um sistema, tendo uma função específica nele.
A partir desta perspectiva, cada corpo do sistema solar ocupa um lugar funcional nele
e tem sua correspondência com certas funções de toda estrutura particular possível.
Cada sistema – corpo, psique, família, sociedade e instituições, organismos vivos –
possuem sua Lua, seu Sol, seu Saturno, seu Júpiter. Ou seja, aquilo que mais tarde a
percepção habitual captará dissociadamente, como elementos separados da realidade
ou como constituintes autônomos em relação à própria consciência, surge de uma
matriz comum – o sistema solar – que se reproduz em todos os níveis e formas de
nossa realidade cotidiana.
Função
No que diz respeito à Lua, não há situação possível em que ela apareça sem o
Sol ou Mercúrio ou Saturno ou qualquer dos outros planetas. É provável que uma
intensidade particular da Lua relegue a um segundo plano a consideração dos demais
corpos do sistema. Mas isto é sempre relativo e somente justificável como uma
simplificação operativa.
O sistema Lua-Sol-Saturno
Por exemplo: dizemos que o útero está simbolizado pela Lua, mas devemos ter
presente que o útero não existe independentemente do resto do organismo e que, em
particular, aparece associado a determinadas características da pélvis. Sem pélvis não
há útero e a pélvis dos corpos femininos está determinada pela presença deste e suas
funções associadas. Ambos constituem uma estrutura. Não existem um sem o outro;
não se manifestam independentemente. Sua correlação astrológica expressa que a
manifestação do lunar se corresponde sempre com uma determinada presença do
saturnino. Saturno e Lua constituem uma relação entre opostos mutuamente
necessários. A vulnerabilidade e indiferenciação lunar “necessitam” a presença de
estruturas saturninas e estas ganham sentido como o complemento daquela; dão-se
com ela. Por outro lado, a manifestação física da Lua é o contrário de suas qualidades
astrológicas. Neste corpo específico que gira em torno de nosso planeta, têm lugar a
máxima mineralização e cristalização de uma entidade sem vida, desligada de todo
processo oxidante ou radioativo.
Do mesmo modo, pode-se dizer que um ovo é “Lua”, mas a casca é seu
Saturno. Ao mesmo tempo, leva dentro de si o Sol da vida nascente que ainda não
pode manifestar-se e necessita ser protegida; ou seja, que tampouco há Lua sem Sol.
Inversamente, não é possível para nós a presença do Sol sem a Lua, no sentido da
proteção necessária com relação à radiação solar. Isto pode estar representado pela
camada de ozônio, pela atmosfera que nos circunda, pelas casas e refúgios ou,
basicamente, pela noite que nos protege do excesso do fogo solar e que se manifesta
ritmicamente de acordo com um tempo e uma medida. A Lua, Saturno e o Sol são uma
estrutura e sempre aparecem unidos ainda que em proporções diferentes. A dinâmica
cíclica destas proporções é aquilo que percebemos como “processo”.
A função lunar
a – A substância
DIGESTIVO
SISTEMA
RESPIRATÓRIO
SISTEMA NERVOSO
ESTRUTURA ÓSSEA
E MUSCULAR
b – A forma
Espelho e reflexo
Como sabemos, a Lua não possui luz própria senão que esta é gerada por um
processo de reflexão. Todavia, sua presença ilumina a noite refletindo a luz solar, ao
tempo que modera os efeitos desta última a fim de aliviar o excesso de radiação. O
espelho, que devolve uma imagem que não é a realidade do refletido, é um clássico
símbolo lunar. Pertence ao mundo de objetos simbolizados pela Lua, mas possui, por
sua vez, uma significação paradigmática em relação à sua função. Com efeito, é
construído a partir de uma fina lâmina de nitrato de prata que recobre a parte
posterior do vidro, sobre o qual se produz a imagem. Esta rede de associações entre
reflexo, espelho, prata e imagem, resulta muito relevante na hora de discriminar uma
das ambivalências fundamentais da Lua: possui esta vitalidade própria ou é inerte? É
criativa ou somente repetitiva?
Em primeiro lugar, a Lua sempre depende de um impulso externo a ela para a
realização de sua função. Sua indiferenciação básica ou sua qualidade reflexo/passiva
não lhe permitem tomar iniciativa nem ter autonomia, pelo menos no início dos
processos em que participa. Ao contrário, não existe processo sem a influência da Lua,
onde quer que haja substância.
A Lua e a memória
Vejamos isto com mais detalhe. Sua enorme sensibilidade e plasticidade fazem
com que o lunar fique marcado por outras funções: radiação solar, impulso marciano,
estrutura saturnina, força formativa jupiteriana, informação mercuriana ou criatividade
uraniana. Mas, sua função específica é, precisamente, proporcionar a substância capaz
de reter a marca, repetindo-a até que fique estabelecida uma forma ou padrão. Isto
ocorre, por exemplo, na pele onde, superado certo limite de estímulo externo, fica a
cicatriz; ou na ostra, suave e vulnerável, recoberta por uma carapaça quase de pedra,
que ao ser ferida secreta automaticamente sua própria substância sobre a laceração e
a partícula agressiva, dando origem à pérola.
A Lua acumula tudo aquilo que se imprime nela e se configura ao seu redor,
seguindo a pauta marcada. É memória no sentido mais extenso da palavra porque
retém todos os impactos externos que a afetam e toma progressivamente a forma dos
sulcos que se abrem nela, alimentando-os com sua vitalidade. Neste sentido, aquilo
que aparece no princípio como o primário, virginal e indiferenciado, se converte com o
tempo em constante acumulação de marcas e incansável repetição do passado,
rechaçando em sua inércia os estímulos do presente. Então, se fecha sobre si mesma e
o crescimento se detém na réplica indefinida do nível alcançado.
Menina e anciã
Como dissemos antes, a Lua jamais existe independente dos outros corpos do
sistema solar. A natureza global do processo fará intervir outras funções e estas, no
seu devido tempo, limitarão os excessos ou complementarão as limitações dos
primeiros passos.
Porém, para a consciência que não compreende ainda a ordem profunda dos
ciclos, a Lua se apresenta às vezes como menina e como ansiã. Recém nascida e
mesmo assim carregada pelos sulcos do tempo. Por um lado fresca, vulnerável, vital e
inocente, cheia de potencialidades e aberta a todas as possibilidades; por esse lado, o
arquétipo reflete a incompletude e a disponibilidade inerentes à sua natureza primária
e indiferenciada. Mas, por outro, a sombra desta mesma qualidade faz com que se
acumule marca sobre marca, acabando sua vitalidade atrapalhada nelas até perder-se
em uma incessante reprodução de formas que drenam toda sua energia. Assim,
sepultada debaixo de uma crosta de construções que impedem toda renovação, se
converte em estéril. Esta anciã, por um lado exibe toda a sabedoria da experiência e
os tesouros da memória, mas ao mesmo tempo leva consigo a rigidez do passado e
suas cristalizações, perdendo toda a capacidade de resposta aos estímulos do
presente. Neste caso, a função lunar tem se identificado por completo com a de seu
complementar, Saturno, em uma esclerose que repete de forma incessante os mesmos
padrões. As regressões que padecem os anciões afetados pela sedimentação de seu
sistema circulatório, expressam a outra cara desta polaridade na anciã/ão que se
converte em menina/o.
Virgem e prostituta
A função protetora
Para que algo se manifeste realmente como novo, deve ter alguma
incompatibilidade com o estado normal do sistema, como ocorre por exemplo em uma
mutação biológica. A alta vulnerabilidade do novo faz com que não possa sobreviver
sem a existência de uma forma que o proteja, e esta deverá ser fornecida pela própria
inteligência do sistema.
A necessidade de proteção das crias, no processo biológico, expressa o exemplo
mais óbvio do que foi descrito anteriormente. Em níveis muito básicos de evolução,
como em muitas espécies de peixes, o processo de reprodução ainda não é
completamente lunar, pelo menos no sentido que estamos defendendo. Nestes casos,
a fecundação não se produz no interior do corpo da mãe, mas fora do mesmo, ficando
expostas as ovas e os alevinos à voracidade do meio. A única proteção para a espécie
reside na enorme quantidade de crias, das quais somente uma ínfima parte
sobreviverá. Ao passar a fecundação para o interior do corpo da mãe – e ao agregar-se
junto o período de gestação, como nos mamíferos – o número de crias possível
decresce enormemente diante dos limites da forma fechada, mas aumenta em sentido
inverso sua segurança. Ovo, ninho, incubação; óvulo, útero, gravidez, amamentação,
cuidado dos progenitores e do grupo social sobre a cria, etc., são todas manifestações
lunares que se estendem logo à educação e preparação da criatura para que esta
possa enfrentar o mundo aberto.
A nova vida que cresce no interior do espaço protetor vai desenvolvendo sua
identidade singular – Sol – na medida em que a forma que lhe corresponde se imprime
sobre – ou se manifesta na – substância lunar que, por um lado, lhe constitui em
quantidade de substância e, por outro, lhe nutre e protege.
Aqui começa um novo ciclo. Cachorro, pinto e bebê deverão aprender a viver
em um meio muito mais vasto e radicalmente diferente daquele de seu estado
embrionário, ao qual se haviam adaptado à perfeição. Agora experimentam uma
vulnerabilidade máxima em relação ao espaço de suas novas experiências, por isso
necessitam da proteção adequada até desenvolver-se em plenitude. Será necessária
uma nova Lua que os alimente, lhes dê contato, calor e afeto, lhes ensine e os prepare
no interior do novo círculo protetor – o novo limite – que neste caso serão o ninho, a
gruta ou o lar.
O importante para nós é constatar que sempre existirá uma borda – um círculo
inquebrantável – que possibilitará o desenvolvimento de uma identidade que precisa
ser protegida e nutrida até completar as experiências dentro do círculo, para logo
atravessá-lo ingressando num sistema mais inclusivo. Este será o mundo do curral
para o frango, ou os sucessivos espaços educativos para o menino. Em todas estas
passagens se manifesta o mesmo padrão:
Diferenciações
orgânicas
Espaço de crescimento
Vejamos este mesmo processo, mas agora do ponto de vista do Sol, a função
singularizante. Esta se encontra latente na substância fecundada (Lua) e confinada
dentro do limite protetor – Saturno – até tanto não se realiza o trabalho necessário
que dá sentido a esse limite.
Células indiferenciadas
Nutrientes
Lua Forma final Identidade Sol
Proteção
Limite (Saturno)
Para o novo indivíduo, tudo aquilo que vem da mãe e do pai – e, através deles,
de toda a humanidade, com suas tensões internas biológicas e psíquicas – são
materiais não elaborados e fragmentários. Esta tensão dos caminhos do passado
constitui o novo ser, o nutre, o protege, e o limita. Mas, ao mesmo tempo, ele deve
ser capaz de imprimir sua marca particular para não desaparecer na torrente das
repetições.
É evidente que este padrão universal de crescimento se faz muito mais difícil de
compreender quando se manifesta nos níveis psíquicos e na trama do destino. Neste
caso nos indica que necessariamente deveremos elaborar e esgotar – consumar –
certo tipo de experiências que nos constituem, nutrem, protegem e limitam, antes de
poder abrir-nos a outros níveis do desenvolvimento da estrutura de nossa casa natal.
O possibilitante e o condicionante
No plano biológico, se por alguma razão não houve energia suficiente para
imprimir a forma requerida à substância, a criatura que terá que nascer será
deformada. Na realidade, será relativamente amorfa; isto é, sem forma suficiente para
como que governar as tendências indiferenciantes da função lunar e sua tendência à
repetição cega das questões do passado.
A trama das formas anteriores pode possibilitar a nova ou, pelo contrário, pode
condicioná-la tanto para impedir sua manifestação: esta é uma tensão inevitável. A
singularidade deve fazer-se carga do passado da vida para manifestar-se como uma de
suas variantes criativas. Esta parecia ser, em definitivo, uma lei que opera em todos os
processos nos quais a Lua participa. Todavia, a insuficiência de vitalidade solar em
relação a vitalidade lunar pode também fazer que a atividade celular não receba a
ordem – em termos de código genético – de seguir diferenciando-se. Logo após adotar
a forma de brânquias, por exemplo, os tecidos do embrião devem seguir configurando-
se até sua forma final de pulmões, as incipientes asinhas devem continuar sua
transformação até converterem-se em mãos, e assim com o resto do corpo até
desembocar em sua forma definitiva. Seguramente existe o risco de que a criatura
estanque em alguma fase de seu desenvolvimento embrionário, em todo ou em
alguma parte de seu corpo, morrendo ou apresentando malformações mais ou menos
graves.
Temor e intimidade
Por sua própria natureza, este núcleo de extrema sensibilidade que configura a
Lua não consegue ser compartilhado com outros, no sentido de estranhos ou
diferentes. A calma do animal em meio a sua manada, o pássaro no ninho e o menino
abraçado em sua mãe, são exemplos desse círculo exclusivo. Então, essa sensibilidade
está disponível; só é possível permanecer em contato com outros se estes são
conhecidos. Ao inverso, a rapidez para registrar o perigo e reagir a ele, é
consubstancial (da mesma natureza) da função lunar.
Mas, ao contrário, não pode existir uma real abertura ao desconhecido que não
inclua a Lua. Caso contrário, os níveis mais vulneráveis buscarão segurança e proteção
e, até não encontrá-los, obrigarão o sistema a dissociar-se para inibir os sinais de
alarme da Lua. Isto poderá durar um tempo mais ou menos prolongado mas, cedo ou
tarde, todo sistema dissociado deverá retornar sobre o relegado para conservar sua
unidade.
O feitiço da Lua
Temos visto que a função lunar é o canal do sistema que cria um espaço
temporariamente fechado dentro de si. Para aquilo que cresce em seu interior,
provisoriamente separado do que que contém, se gera uma ilusão inevitável: que esse
mundo fechado que conhece, é a totalidade da existência.
Neste ponto podemos nos perguntar: a Lua entrega toda sua potência àquilo
que cresceu nela, para que continue exitosamente seu destino? Ou o encanta,
privando-o de sua força e incapacitando-o para crescer em seus novos estados?
Novamente, estamos diante da ambivalência da função lunar que, certamente, não
permite uma resposta linear à interrogação que estabelece. Esta tenção forma parte da
dinâmica global do sistema e não é atribuível a nenhuma de suas partes
separadamente, senão a articulação do conjunto.
Sem
LUA EM CANCER
Assim, uma característica típica das Luas em água é uma grande introversão
amocional e uma marcada renúncia a revelar seu mundo interno. A segurança se
associa ao interior; exteriorizar é perigoso e deixar entrar aquilo que não tem a mesma
qualidade, aterroriza. Nesta primazia avassalante da emoção não há ação, nem
tangibilidade, nem palavra possível que garnatisse o afeto. Os registros “objetivos” são
inseguros e por isso este interior não deve ser entendido – sería quase profaná-lo – e
tampouco tem sentido expressá-lo; é uma substância íntima e intransferível. Como
veremos logo, na Lua em Escorpião este mundo interno apresenta traços defensivo-
agressivo-fusionantes e, por isso, estas pessoas se refugiam em “uma ilha rodeada de
tubarões”. A Lua em Câncer, ao contrário, nos diz: “aqui não entra ninguém, porque só
há lugar para mim e minha mamãe...”, e à mãe não é necessário dizer nada porque
ela já o sabe, mamãe adivinha sem que lhe fale. Esta plenitude do silêncio interno na
qual se conhece pela mãe, é um traço característico da Lua em Câncer que, por sua
vez, na relação posterior com os demais, enlaçará o afeto com a condição de ser
compreendido intuitivamente.
A “mãe”