Você está na página 1de 423

PROCESSOS

METODOLÓGICOS NA
PESQUISA EM EM EDUCAÇÃO:
dispositivos de produção e análise
de dados em movimento
movimento
Raimundo Dutra de Araújo
Francisco Antonio Machado Araujo
Organização

PROCESSOS
METODOLÓGICOS NA
PESQUISA EM EM EDUCAÇÃO:
dispositivos de produção e análise
de dados em movimento
movimento

2020
Conselho Editorial
Dr. Clívio Pimentel Júnior - UFOB (BA)
Dr. Valdriano Ferreira do Nascimento - UECE (CE)
Drª. Ana Lúcia Gomes da Silva - UNEB (BA)
Drª. Eliana de Souza Alencar Marques - UFPI (PI)
Dr. Francisco Antonio Machado Araujo – UFDPar (PI)
Drª. Marta Gouveia de Oliveira Rovai – UNIFAL (MG)
Dr. Raimundo Dutra de Araujo – UESPI (PI)
Dr. Raimundo Nonato Moura Oliveira - UEMA (MA)
Dra. Antonia Almeida Silva - UEFS (BA)

PROCESSOS METODOLÓGICOS NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO:


dispositivos de produção e análise de dados em movimento

© Raimundo Dutra de Araújo • Francisco Antonio Machado Araujo

1ª edição: 2020

Editoração
Acadêmica Editorial

Diagramação
Wellington Silva

Capa
Acadêmica Editorial

Reprodução e Distribuição
CAJU: Educação, Tecnologia e Editora

Ficha Catalográfica elaborada de acordo com os padrões estabelecidos no


Código de Catalogação Anglo-Americano (AACR2)

P963 Processos metodológicos na pesquisa em educação: dispositivos de produção


e análise de dados em movimento / Raimundo Dutra de Araújo, Francisco
Antonio Machado Araujo, organizadores. – Parnaíba, PI: Acadêmica
Editorial, 2020.

E-book.

ISBN: 978-65-990868-1-6

1. Educação.  2. Pesquisa Científica.  3. Metodologia Científica.  I.


Araújo, Raimundo Dutra de (Org.).  II. Araujo, Francisco Antonio Machado
(Org.).  III. Título.
CDD: 370.7

Bibliotecária Responsável:
Nayla Kedma de Carvalho Santos CRB 3ª Região/1188

DOI: 10.29327/520718
Link de acesso: https://doi.org/10.29327/520718
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO 11
PARTE I – PROCESSOS METODOLÓGICOS COM
PESQUISA E ENTREVISTA NARRATIVAS

CAPÍTULO 1
PROCEDIMENTOS DE ACESSO A
NARRATIVAS NA PRODUÇÃO DE DADOS EM 25
PESQUISAS COM OS COTIDIANOS
Valdriano Ferreira do Nascimento
Isabel Maria Sabino de Farias

CAPÍTULO 2
ITINERÁRIOS METODOLÓGICOS DE UM ESTUDO
SOBRE A ESCOLA COMO ESPAÇO E TEMPO DE
43
PRODUÇÃO DE SABERES E APRENDIZAGENS
Haêde Gomes Silva
Maria da Glória Soares Barbosa Lima

CAPÍTULO 3
PRODUZINDO DADOS COM PESQUISA
NARRATIVA PARA APREENDER A CONSTITUIÇÃO 59
DAS APRENDIZAGENS DO PROFESSOR DE
EDUCAÇÃO INFANTIL
Kelly Karine Sousa Rodrigues Figueiredo
Maria da Glória Soares Barbosa Lima

CAPÍTULO 4
REINVENÇÃO DA RODA: RODA DE CONVERSA,
UM INSTRUMENTO METODOLÓGICO POSSÍVEL
75
Adriana Borges Ferro Moura
Maria da Glória Soares Barbosa Lima
CAPÍTULO 5
PESQUISA NARRATIVA: DESVELANDO
UM CAMINHO METODOLÓGICO
89
Adriana Tolentino Sousa

PARTE II – ASPECTOS METODOLÓGICOS DA


PESQUISA COLABORATIVA EM EDUCAÇÃO

CAPÍTULO 6
PLANO DE ANÁLISE: CAMINHOS ESPIRAIS
NA PESQUISA COLABORATIVA 107
Rosalina de Souza Rocha da Silva
Ivana Maria de Lopes Melo Ibiapina

CAPÍTULO 7
ATELIÊ DE PESQUISA NA CONSTRUÇÃO
COLABORATIVA DO CONHECIMENTO 123
Ana Lúcia Gomes da Silva
Marleide Alves de Oliveira Medeiros

CAPÍTULO 8
O ATO ÉTICO RESPONSÁVEL NA
PESQUISA COLABORATIVA EDUCACIONAL: 141
INVESTIGANDO A TUTORIA NA EAD
Shirlei Marly Alves

CAPÍTULO 9
CONHECIMENTO DE SI NA FORMAÇÃO
DOCENTE: A ANÁLISE DO DISCURSO EM 157
UMA PESQUISA COLABORATIVA
Maria Andréia da Nóbrega Marques

PARTE III – ANÁLISE DE CONTEÚDO: PERCURSOS


METODOLÓGICOS DE PESQUISAS EM EDUCAÇÃO

CAPÍTULO 10
O PERCURSO METODOLÓGICO PARA
COMPREENSÃO DA CLASSE HOSPITALAR: 179
A PRODUÇÃO E ANÁLISE DAS SIGNIFICAÇÕES
DOS PROFESSORES DE UM HOSPITAL INFANTIL
DA REDE PÚBLICA
Ana Rosa Rebelo Ferreira de Carvalho
Marlise A. Bassani
CAPÍTULO 11
METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO:
UM CAMINHAR COM INTERROGAÇÕES E DESAFIOS 199
Georgina Quaresma Lustosa
Maria Teresa Ribeiro Pessoa

CAPÍTULO 12
O MOVIMENTO METODOLÓGICO DA ANÁLISE
DE CONTEÚDO NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO: 215
COMPREENDENDO A EVASÃO E PERMANÊNCIA NA
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
Micksilane Teixeira Prado Chaves
Sheila Cristina Furtado Sales

PARTE IV – PROCESSOS METODOLÓGICOS


PARA O ESTUDOS COM AS SIGNIFICAÇÕES E
SUBJETIVIDADES NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO

CAPÍTULO 13
ENTREVISTA CRÍTICO-REFLEXIVA MEDIADA POR
REGISTROS DA ATIVIDADE DOCENTE (ECRAD):
POSSIBILIDADE DE ACESSO ÀS SIGNIFICAÇÕES
229
PRODUZIDAS POR PROFESSORES SOBRE
AS DETERMINAÇÕES E IMPLICAÇÕES SOCIAIS
DA SUA ATIVIDADE
Lucélia Costa Araújo
Maria Vilani Cosme de Carvalho

CAPÍTULO 14
SENDAS MEANDRANTES DE UMA PESQUISA SOBRE
PRÁTICA DOCENTE EM EDUCAÇÃO DO CAMPO A 245
PARTIR DOS NÚCLEOS DE SIGNIFICAÇÃO
Denílson Barbosa dos Santos

CAPÍTULO 15
OS SENTIDOS SUBJETIVOS E A SUBJETIVIDADE
SOCIAL COMO PROPOSTA METODOLÓGICA 265
EM PESQUISAS QUALITATIVAS
Sérgio Teixeira da Silva
CAPÍTULO 16
A EPISTEMOLOGIA QUALITATIVA E O MÉTODO
CONSTRUTIVO-INTERPRETATIVO COMO VIAS
283
PARA O ESTUDO DA SUBJETIVIDADE NA
PESQUISA EM EDUCAÇÃO
Patrícia Melo do Monte
Ana Valéria Marques Fortes Lustosa

CAPÍTULO 17
EPISTEMOLOGIA QUALITATIVA E PESQUISA
CONSTRUTIVO-INTERPRETATIVA EM
301
PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO
Carlos Eduardo Gonçalves Leal
Ana Valéria Marques Fortes Lustosa

PARTE V – MÚLTIPLOS DISPOSITIVOS


METODOLÓGICOS NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO

CAPÍTULO 18
A TEORIA DO DISCURSO E A NOÇÃO DE DEMANDA
COMO UNIDADE DE ANÁLISE E PRODUÇÃO DE
323
DADOS NAS PESQUISAS EM POLÍTICAS
DE CURRÍCULO
Clívio Pimentel Júnior

CAPÍTULO 19
PROJETO DE PESQUISA EM LINGUÍSTICA APLICADA:
UM GÊNERO ACADÊMICO EM CONSTRUÇÃO 341
Osalda Maria Pessoa

CAPÍTULO 20
ESTUDOS DE REVISÃO SOBRE A JUDICIALIZAÇÃO
NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO NO BRASIL 359
(2000-2010): ASPECTOS METODOLÓGICOS
Diego Bruno de Souza Pires
Antonia Almeida Silva

CAPÍTULO 21
CONDIÇÕES DE LEGITIMAÇÃO, CREDIBILIDADE
CIENTÍFICA E A PESQUISA DOCUMENTAL
377
NO CAMPO DA EDUCAÇÃO
Raimunda Maria da Cunha Ribeiro
CAPÍTULO 22
TRAJETÓRIAS DE UM ESTUDO DE CASO SOBRE
METODOLOGIAS DE ENSINO APRENDIZAGEM NO
391
CURSO DE ADMINISTRAÇÃO
Conceição de Maria Carvalho Mendes

SOBRE OS ORGANIZADORES
E AUTORES
407
APRESENTAÇÃO

O
ato de pesquisar implica buscar, conhecer, movimentar-se e
apreender a realidade, construindo uma visão de mundo com
a pretensão de estabelecer alternativas para a solução das
situações problemáticas vivenciadas no dia a dia. Tratando de forma mais
específica a pesquisa no campo da Educação, os fenômenos educacionais
são investigados com a intenção de se construir um panorama mais amplo
e abrangente sobre eles, buscando uma compreensão dos mesmos de
forma contextualizada, em suas especificidades, considerando-se o trajeto
histórico-cultural dos cenários.
Na área da Educação a pesquisa é realizada possuindo como
lócus tanto os espaços educativos formais como os informais e, no caso
dos estudos que têm como base a perspectiva histórico-cultural, por
exemplo, interessando a todos os sujeitos participantes dos processos,
caracterizando, assim, a relação entre pesquisador e pesquisado, flexível,
dinâmica e dialógica, não comprometendo os requisitos necessários para a
sistematização do conhecimento.
Neste sentido, a produção de dados se dá por meio das interações
que ocorrem durante o processo investigativo, tendo como protagonistas
tanto o pesquisador como os sujeitos pesquisados.
No âmbito desta questão, e em se falando acerca da pesquisa em
educação, pesquisar no contexto educacional requer a circulação do
conhecimento produzido, como também requer a aproximação dialógica
entre quem pesquisa e quem é pesquisado, com o intuito de possibilitar
uma intervenção nos cenários reais em que as pesquisas são realizadas.
Assim, em contraposição às ideias prescritivas, os resultados dos estudos

APRESENTAÇÃO 11
realizados funcionam como pontos de referência para análises e tomadas
de decisão, integrando conversas, práticas, diálogos e consensos.
Lembremo-nos de Paulo Freire que nos diz que “ensinar exige
pesquisa”. E é essa ideia que permeia nosso cotidiano docente, de modo
que a articulação entre o ensinar e o pesquisar ocorra na busca por soluções
para os problemas vivenciados nas escolas, nas universidades, nos espaços
educativos como um todo e na vida social, nos mais diversos contextos
em que acontecem, sempre observando as especificidades e as relações
estabelecidas na multiplicidade de âmbitos histórico-culturais.
E é com o objetivo de proporcionar a circulação de conhecimento
produzido por meio de pesquisas educacionais que apresentamos esta
obra. Os textos que constituem a materialidade desta coletânea evidenciam
a trajetória de pesquisadores da Educação no processo metodológico de
suas teses e dissertações. Neles são abordados os dispositivos de análise e
produção de dados utilizados nessas pesquisas.
O movimento desenvolvido pelos autores em seus textos, ao
socializarem suas vivências nesses processos metodológicos, medeiam
possibilidades para que outros pesquisadores se apropriem dos
dispositivos metodológicos e façam uso em suas investigações. Por isso,
estes textos apresentam discussões que envolvem a relação teoria e prática,
produzindo articulações com o objeto da investigação realizada por cada
pesquisador. Além do mais, este livro é resultado do esforço e colaboração
de pesquisadores de instituições dos estados da Bahia, Piauí, Ceará,
Maranhão, Minas Gerais, São Paulo e de Portugal (UFDPAR, UESPI, UFPI,
UNEB, UEFS, UFOB, IFMA, IFPI, FAT, UECE, UESB, PUC-SP, PUC-MG,
Faculdade de Coimbra).
Na estrutura do livro, reunimos os vinte e dois textos em cinco partes:
Parte I - PROCESSOS METODOLÓGICOS COM PESQUISA E ENTREVISTA
NARRATIVAS; Parte II - ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA
COLABORATIVA EM EDUCAÇÃO; Parte III - ANÁLISE DE CONTEÚDO:
PERCURSOS METODOLÓGICOS DE PESQUISAS EM EDUCAÇÃO;
Parte IV - PROCESSOS METODOLÓGICOS PARA O ESTUDOS COM AS
SIGNIFICAÇÕES E SUBJETIVIDADES NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO;
Parte V - MÚLTIPLOS DISPOSITIVOS METODOLÓGICOS NA PESQUISA
EM EDUCAÇÃO.
No Capítulo 1, intitulado PROCEDIMENTOS DE ACESSO A
NARRATIVAS NA PRODUÇÃO DE DADOS EM PESQUISAS COM OS

12 
COTIDIANOS, os autores, Valdriano Ferreira do Nascimento e Isabel
Maria Sabino de Farias, apresentam procedimentos de acesso a narrativas
indispensáveis a produção de dados na pesquisa com/os cotidianos,
acompanhados das diferentes formas de fazer, focando na interação e
triangulação das percepções dos praticantes para a produção de sentidos.
O estudo se fundamentou na perspectiva teórica de Certeau (1994, 1996),
Ferraço (2003, 2007, 2016), Stake (2016), dentre outros. Conforme os
autores, as narrativas produzidas por meio de procedimentos diversos,
como observações participantes, relatos escritos, grupos de conversa e
entrevistas realizadas em uma pesquisa com/os cotidianos possibilitam
apreender o caráter multidimensional da produção de dados, captando
perspectivas diferentes e semelhantes dos praticantes da pesquisa,
favorecendo a interpretação e produção de sentidos de uma experiência
vivida para a compreensão do currículo formação do pedagogo praticados em
contextos da Universidade Estadual do Ceará (UECE).
O Capítulo 2 foi produzido por Haêde Gomes Silva e Maria da
Glória Soares Barbosa Lima. Neste capítulo intitulado de “ITINERÁRIOS
METODOLÓGICOS DE UM ESTUDO SOBRE A ESCOLA COMO ESPAÇO
E TEMPO DE PRODUÇÃO DE SABERES E APRENDIZAGENS”, as autoras
revelaram o caminho teórico-metodológico de uma pesquisa de mestrado
cujo objeto de estudo foi a formação continuada no contexto da escola de
ensino fundamental dos anos iniciais, compreendida como espaço e tempo
de produção de saberes e aprendizagens compartilhadas.Tem como proposta
metodológica a pesquisa qualitativa de abordagem narrativa, apoiada em
Souza (2004), Nóvoa (1992), Bertaux (2010). Seus interlocutores 06 (seis)
professores do ensino fundamental e 01 (uma) pedagoga, que por meio de
narrativas de formação, via Cartas Pedagógicas, inspiradas em Freire (2014)
e Camini (2012) e de Entrevista Narrativa, segundo Jovchelovich e Bauer
(2015) efetivaram a produção de dados, que se encontram organizados em
três eixos de análises, segundo orientação de Souza (2004), denominados:
Tempo Analítico I – Pré-Análise/Leitura Cruzada; Tempo Analítico II/Leitura
Temática: unidades de análise descritiva e; Tempo Analítico III: Leitura
Interpretativa-Compreensiva, que integra o agrupamento de elementos dos
Tempos I e II.
Com o título “PRODUZINDO DADOS COM PESQUISA NARRATIVA
PARA APREENDER A CONSTITUIÇÃO DAS APRENDIZAGENS DO
PROFESSOR DE EDUCAÇÃO INFANTIL”, o Capítulo 3, produzido por

APRESENTAÇÃO 13
Kelly Karine Sousa Rodrigues Figueiredo e Maria da Glória Soares Barbosa
Lima, Trata-se de uma pesquisa narrativa com apoio em Josso (2004),
Passeggi (2009), Souza (2006a), dentre outros que consideram o método
narrativo uma fonte de conhecimento e de formação, mostrando-se fértil
para produzir reflexões sobre a formação ao longo da vida. Esses aspectos
têm garantido sucesso na sua utilização, segundo reforçam esses autores.
Para a produção dos dados foi empregada a entrevista narrativa, orientada
por Jovchelovicth e Bauer (2010) e o memorial de formação fundamentado
em Passeggi (2010), Josso (2004; 2007) dentre outros, em razão de
propiciar uma reflexão sobre si, descrevendo os processos constitutivos
de aprendizagens docentes em seus percursos formativos e das práticas
pedagógicas na educação infantil. Emprega para análise de dados a técnica
de análise de conteúdo, segundo Bardin (2016).
Para o Capítulo 4, Adriana Borges Ferro Moura e Maria da Glória
Soares Barbosa Lima, produziram o texto “REINVENÇÃO DA RODA: RODA
DE CONVERSA, UM INSTRUMENTO METODOLÓGICO POSSÍVEL”.Nele
é discutida a Roda de Conversa como uma possibilidade de instrumento
de produção de dados na pesquisa Narrativa, considerando que este
tipo de abordagem investigativa busca compreender o sentido que o
grupo social oferece ao fenômeno estudado e decorre dos esforços de
pesquisa que deram causa a tese de doutoramento da autora. Segundo as
autoras, a conversa é um espaço de formação, de troca de experiências, de
confraternização, de desabafo, muda caminhos, forja opiniões, razão por
que a Roda de Conversa surge como uma forma de reviver o prazer da troca
e de produzir dados ricos em conteúdo e significado para a pesquisa na
área de educação. Para elas, no contexto da Roda de Conversa, o diálogo
é um momento singular de partilha, uma vez que pressupõe um exercício
de escuta e fala. As colocações de cada participante são construídas a
partir da interação com o outro, sejam para complementar, discordar,
sejam para concordar com a fala imediatamente anterior. Conversar, nesta
acepção, remete à compreensão de mais profundidade, de mais reflexão,
assim como de ponderação, no sentido de melhor percepção, de franco
compartilhamento.
O Capítulo 5 foi desenvolvido por Adriana Tolentino Sousa, e,
intitulado de “OS MOVIMENTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA
NARRATIVA: DESVELANDO CAMINHOS”. Nele, a autora desenvolve parte
do texto da dissertação produzida no programa de mestrado em educação

14 
da Universidade Federal do Piauí. A dissertação sobre “Constituição de
Feminilidades de Professoras Negras” foi guiada pelas bases teóricas
da metodologia narrativa. A pesquisa foi realizada em duas etapas, na
primeira foram aplicados questionários com cento e setenta professoras
que representam 55,74% do total de docentes pertencentes às redes de
ensino municipal e estadual, isto permitiu a elaboração de panorama
do acesso de mulheres negras à docência, contexto de atuação política-
profissional e a identificação racial das professoras. E, na segunda etapa,
foram realizadas entrevistas narrativas com dez professoras que permitiu
conhecer as trajetórias de formação e a analisar os processos de constituição
das identidades de gênero e raça.
No desenvolvimento do Capítulo 6, “PLANO DE ANÁLISE:
CAMINHOS ESPIRAIS NA PESQUISA COLABORATIVA”, Rosalina de Souza
Rocha da Silva e Ivana Maria de Lopes Melo Ibiapina produziram discussões
sobreos procedimentos da Pesquisa Colaborativa. Foram apresentados os
encontros e observação colaborativa (IBIAPINA, 2008) e (COELHO, 2012)
e o Mensseger (OLIVEIRA, 2009). As autoras explicitaram a criação do plano
de análise para desvelar as práticas das professoras de Artes Visuais (AV) e
estabelecer a relação com os significados e sentidos de ensinar AV que estão
impregnados na sua prática docente.
Com o título “ATELIÊ DE PESQUISA NA CONSTRUÇÃO
COLABORATIVA DO CONHECIMENTO”, o Capítulo 7 foi produzido por
Ana Lúcia Gomes da Silva e Marleide Alves de Oliveira Medeiros. Nele as
autoras apresentam resultados da fase de investigação de campo realizada
na pesquisa intitulada: Ensino de História e Cultura Afro-brasileira, Africana
e Identidade: desafios e Implicações nas Práticas Pedagógicas , através do
dispositivo de construção de dados Ateliês de Pesquisa, o qual constituiu-
se numa importante etapa formativa e auto formativa do processo de
construção colaborativa do conhecimento empírico e científico que
caracterizam os cursos de Mestrados profissionais em Educação. O objetivo
central dos Ateliês foi oportunizar discussões e debates sobre as questões
de identidade e da cultura afro-brasileira com vistas a um processo de auto
formação e intervenção docente no próprio lócus de pesquisa de modo a
contribuir para responder a questão investigativa da pesquisa.
O Capítulo 8 foi desenvolvido pela pesquisadora Shirlei Marly Alves e
intitulado “O ATO ÉTICO RESPONSÁVEL NA PESQUISA COLABORATIVA
EDUCACIONAL: INVESTIGANDO A TUTORIA NA EAD”. Nesse capítulo

APRESENTAÇÃO 15
a autora apresenta as bases epistêmicas e o desenho metodológico da
pesquisa que foi desenvolvida no curso de Doutorado em Linguística acerca
da atividade de tutoria na Educação a Distância (EAD), com o objetivo de
descrever e interpretar as singularidades do trabalho de tutoria na Educação
a Distância, bem como as ressingularizações promovidas no cotidiano dessa
atividade. Descreve os fundamentos da Ergologia, corrente de estudos que
concebe o trabalho humano como atividade situada, no qual se efetiva um
debate entre as normas antecedentes e as contínuas arbitragens promovidas
pelos trabalhadores, e as postulações de Bakhtin e seu Círculo acerca do
dialogismo, constitutivo da atividade de linguagem. Quanto às técnicas
usadas para fazer emergirem os dados da pesquisa, foi usada a produção
de textos pelo sujeito da pesquisa, nos gêneros comentário e instruções de
trabalho, os quais possibilitaram uma compreensão da atividade a partir
do modo como a trabalhadora a discursiviza.
A pesquisadora Maria Andréia da Nóbrega Marques produziu o
CAPÍTULO 9, “CONHECIMENTO DE SI NA FORMAÇÃO DOCENTE:
A ANÁLISE DO DISCURSO EM UMA PESQUISA COLABORATIVA”. O
capítulo apresenta o percurso de análise de dados da dissertação intitulada
“A Constituição da Pessoa na experiência de ser professor: os sentidos do
conhecimento de si na formação docente”, apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Piauí. Foi utilizada
a pesquisa colaborativa e os procedimentos metodológicos questionário,
História de Vida, Versão de Sentido e Sessão Reflexiva. A orientação para
a análise dos dados foi sustentada na análise do discurso, na vertente
crítica. Foram definidas três unidades temáticas que permitiram o acesso
ao discurso: o professor como pessoa e como profissional; os sentidos do
conhecimento de si no desenvolvimento pessoal e na formação profissional;
os sentidos da interação entre as dimensões afetiva, cognitiva e motora no
desenvolvimento pessoal e na formação docente. Posteriormente, foram
definidos os subtemas da pesquisa, nomeados como: o sentido da infância:
relações com familiares, professora, amigos e brincadeiras; o sentido da
adolescência: relações com amigos, primeiro namorado e dificuldades;
e o sentido do início da prática docente: relações com alunos, outras
professoras e a experiência docente.
No Capítulo 10, “O PERCURSO METODOLÓGICO PARA
COMPREENSÃO DA CLASSE HOSPITALAR: A PRODUÇÃO E ANÁLISE
DAS SIGNIFICAÇÕES DOS PROFESSORES DE UM HOSPITAL INFANTIL

16 
DA REDE PÚBLICA”, de Ana Rosa Rebelo Ferreira de Carvalho e Marlise
Aparecida Bassani, as autoras apresentam o significado que as professoras
da Classe Hospitalar, de um hospital público infantil de São Paulo, atribuíram
ao seu trabalho. Participaram da pesquisa, três professoras que atuavam
na Classe Hospitalar de um hospital público infantil. Os dados foram
coletados através de entrevistas semiestruturadas, realizadas na instituição
de saúde, e analisados mediante a perspectiva da abordagem qualitativa,
por meio da análise de conteúdo. A partir dos dados coletados e do objetivo
da pesquisa, foram definidos três núcleos temáticos: significado atribuídos
ao trabalho; perspectivas de futuro; e contexto histórico de formação.
Em “METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO: UM CAMINHAR COM
INTERROGAÇÕES E DESAFIOS” de Georgina Quaresma Lustosa e Maria
Teresa Ribeiro Pessoa, constituindo o Capítulo 11, as autoras desenvolvem
estudos autobiográficos com histórias de vida de professores formadores
da Universidade Federal do Piauí e Universidade de Coimbra. Trata-
se de abordagem de pesquisa que visa entender através de narrativas, a
interpretação que fazemos em nosso percurso de vida com a respectiva
diversidade de experiências e sentimentos vividos. Delimitam como
metodologia investigativa as histórias de vida, por entenderem que ouvir
o professor sobre suas histórias de vida possibilitaa compreensão e
compreensão de si por meio de seu próprio discurso concebido, portanto,
como instrumento de autoconhecimento. Neste entorno, as autoras
dialogam com autores como Freire (1997), Nóvoa e Finger (2010), Dominicê
(2010), Pineau (2010), Pessoa (2007), Josso (2004), entre outros autores
que têm contribuído de forma efetivapara um novo olhar sobre a forma de
fazer pesquisa no campo das ciências da educação.
No Capítulo 12, “O MOVIMENTO METODOLÓGICO DA ANÁLISE
DE CONTEÚDO NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO: COMPREENDENDO A
EVASÃO E PERMANÊNCIA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS”,
de Micksilane Teixeira Prado Chaves e Sheila Cristina Furtado Sales é
desenvolvido texto com base no processo metodológico da dissertação
de mestrado intitulada “Evasão e Permanência na Educação de Jovens e
Adultos: um estudo no distrito rural de São Sebastião-Vitória da Conquista –
BA. Neste estudo foram levadas em consideração as vivências e experiências
de uma pesquisadora, o processo metodológico empreendido na pesquisa
do mestrado, assim como teorias e conhecimentos produzidos sobre essa
temática, como eixo de sustentação argumentativa das análises.

APRESENTAÇÃO 17
Lucélia Costa Araújo e Maria Vilani Cosme de Carvalho desenvolvem
o Capítulo 13, intitulado “ENTREVISTA CRÍTICO-REFLEXIVA MEDIADA
POR REGISTROS DA ATIVIDADE DOCENTE (ECRAD): POSSIBILIDADE
DE ACESSO ÀS SIGNIFICAÇÕES PRODUZIDAS POR PROFESSORES
SOBRE AS DETERMINAÇÕES E IMPLICAÇÕES SOCIAIS DA SUA
ATIVIDADE”. O capítulo tem o objetivo de apresentar a Entrevista Crítico-
Reflexiva mediada por Registros da Atividade Docente (ECRAD) como
possibilidade de acesso às significações produzidas por professores sobre
as determinações e implicações sociais da sua atividade. Tal técnica
consiste em entrevista organizada em etapas que desencadeiam a reflexão
crítica (descrição, informação, confronto e reconstrução), sendo mediada
por imagens gravadas em vídeo, fotografias, projetos, diálogos transcritos,
entre outros registros das ações desenvolvidas pelo professor. A mesma foi
elaborada para atender demandas postas ao desenvolvimento de pesquisa
de doutorado realizada no âmbito do Programa de Pós-Graduação em
Educação (PPGEd) da Universidade Federal do Piauí (UFPI), tendo como
objetivo compreender mediações que constituem possibilidade real da
docência universitária ser práxis criadora. A pesquisa teve seus fundamentos
teórico-metodológicos assentados nos princípios do Materialismo Histórico
Dialético e em categorias da Psicologia Histórico-Cultural e a técnica de
produção de dados foi elaborada com base nas ideias de Smyth (1992),
Liberali (1996; 2010), Magalhães (2002), Ibiapina (2004) e Carvalho
(2012) sobre o potencial da reflexão crítica na pesquisa com professores,
bem como nas ideias de Vigotski (2009) sobre as categorias significado e
sentido. O uso de registros da atividade docente enriqueceu a qualidade
dos dados produzidos e da reflexão desencadeada ao longo das entrevistas,
favorecendo a constituição de vivência transformadora das participantes
dessa atividade de pesquisa, da qual pesquisadoras e pesquisada saem
qualitativamente diferentes porque superaram a si mesmas na construção
do conhecimento da realidade que constituem, podendo contribuir com
processos formativos de professores que desejam e precisam pensar
criticamente sua prática.
No Capítulo 14, de Denílson Barbosa dos Santos, “SENDAS
MEANDRANTES DE UMA PESQUISA SOBRE PRÁTICA DOCENTE EM
EDUCAÇÃO DO CAMPO A PARTIR DOS NÚCLEOS DE SIGNIFICAÇÃO”, é
desenvolvido um recorte do referencial teórico-metodológico da dissertação
“Prática docente de Geografia em Educação do Campo na Escola Municipal

18 
Apolônio Facundes de Sousa do Assentamento Buenos Aires do Município
de Caxias-MA”. O objetivo do autor foi: a) apresentar as sendas percorridas
em uma pesquisa qualitativa sobre prática docente de Geografia no âmbito
da Educação do Campo; b) discutir, a maneira de organização, análise e
interpretação dos dados, a partir dos Núcleos de Significação, propostos
por Aguiar e Ozella (2013; 2006); c) descrever como se deu o processo de
inferência e sistematização dos Núcleos de Significação e, d) explicar como
ocorreu o processo de análise dos núcleos de significação.
O Capítulo 15, de Sérgio Teixeira da Silva e intitulado “OS
SENTIDOS SUBJETIVOS E A SUBJETIVIDADE SOCIAL COMO PROPOSTA
METODOLÓGICA EM PESQUISAS QUALITATIVAS”, o autor faz recorte
de uma pesquisa de mestrado que buscou compreender os sentidos
produzidos por educandos e educandas candomblecistas e umbandistas
da Educação de Jovens e Adultos. O autor propõe demonstrar a
importância das categorias sentidos subjetivos e subjetividade social como
proposta metodológica a ser utilizada por pesquisadores em investigações
qualitativas. O referencial teórico adotado privilegiou teorias voltadas para
os estudos culturais, multiculturalismo crítico e pensamento complexo. A
perspectiva metodológica pautou-se na fenomenologia e na epistemologia
qualitativa proposta por González Rey (2015), na qual possibilita a
compreensão da produção de sentidos subjetivos, permitindo a elaboração
de pré-indicadores, indicadores e núcleos de sentido. Nesse processo, valeu-
se da contribuição de autores como Bogdan e Biklen (1994), González Rey
(2015), Merleau-Ponty (1999), Vygotsky (2000).
O Capítulo 16 é de autoria de Patrícia Melo do Monte e Ana Valéria
Marques Fortes Lustosa. Intitulado de “A EPISTEMOLOGIA QUALITATIVA
E O MÉTODO CONSTRUTIVO-INTERPRETATIVO COMO VIAS PARA
O ESTUDO DA SUBJETIVIDADE NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO”, o
texto apoia-se na Epistemologia Qualitativa e no método construtivo-
interpretativo. O estudo foi realizado com uma professora que atua com
alunos com AH/SD em uma escola regular em Teresina. Para a produção
das informações, foram usados instrumentos escritos e orais, com a
finalidade de oportunizarem processos dialógicos entre pesquisadora e
participantes, como entrevistas, completamento de frases, composição,
caixa de crenças, linha da vida. As informações resultantes do processo
construtivo-interpretativo apontam que a produção coletiva e dialógica do
trabalho pedagógico viabiliza ao grupo de professores a configuração de um

APRESENTAÇÃO 19
espaço de formação mútua; que há organicidade nas ações desenvolvidas
pelos professores da sala comum e do AEE; que há a circulação de elevadas
expectativas de aprendizagem em relação aos alunos; dentre outras.
No Capítulo 17, intitulado “EPISTEMOLOGIA QUALITATIVA
E PESQUISA CONSTRUTIVO-INTERPRETATIVA EM PSICOLOGIA E
EDUCAÇÃO” de Carlos Eduardo Gonçalves Leal e Ana Valéria Marques
Fortes Lustosa, é desenvolvida discussão teórica sobre a subjetividade.
Para os autores, a epistemologia qualitativa se constitui como um caminho
alternativo, representando um novo olhar no campo das ciências sociais,
em especial, da psicologia para o estudo da subjetividade. Os princípios
da epistemologia qualitativa sustentam o modelo de pesquisa construtivo-
interpretativa, definido como simultaneamente teórico e dialógico, o
qual rompe com a moldura formal, instrumental e quantitativa que se
apresenta como o método científico nas ciências sociais. O objetivo do
capítulo é apresentar o percurso metodológico de pesquisa realizada
para o doutorado, partindo do debate sobre a epistemologia qualitativa
de González Rey (2004, 2005a, 2005b, 2007, 2005c, 2011; GONZÁLEZ
REY; MITJÁNS MARTÍNEZ, 2017) e sobre a proposta metodológica que o
autor denominou de pesquisa construtivo-interpretativa (GONZÁLEZ REY;
MITJÁNS MARTÍNEZ, 2017).
No Capítulo 18, “A TEORIA DO DISCURSO E A NOÇÃO DE
DEMANDA COMO UNIDADE DE ANÁLISE E PRODUÇÃO DE DADOS
NAS PESQUISAS EM POLÍTICAS DE CURRÍCULO” de Clívio Pimentel
Júnior, é apresentada com base na teoria do discurso de Laclau e
Mouffe, uma discussão sobre os aspectos teórico-metodológicos acerca
do uso do conceito de demanda como unidade de análise na produção
de dados em uma pesquisa sobre políticas de currículo. Para tanto,
apresenta uma descrição do conceito de demanda presente na teoria do
discurso, focalizando o modo como este conceito permite questionar os
essencialismos das identidades fixas na pesquisa educacional e na política
de currículo. Argumenta que o uso do conceito de demanda como unidade
de análise possibilita ao pesquisador identificar as reivindicações e apostas
curriculares por meio das quais se formam redes de agentes epistêmicos na
busca por significar uma educação de qualidade. O autor discorre, ainda,
sobre os pressupostos teóricos pós-estruturais e pós-fundacionais aos quais
pesquisadores devem permanecer atentos ao utilizar a teoria do discurso na

20 
pesquisa, evitando a produção inconsistente de dados com esse referencial
analítico.
Em “PROJETO DE PESQUISA EM LINGUÍSTICA APLICADA: UM
GÊNERO ACADÊMICO EM CONSTRUÇÃO”, Osalda Maria Pessoa
desenvolve o Capítulo 19 produzindo abordando os aspectos metodológicos
que compõem o projeto de pesquisa na área de Linguística Aplicada: um
gênero acadêmico em construção com seus dispositivos analíticos utilizados
para a coleta de dados. Na sequência desses estudos a autora discorre
sobre a consolidação do enfoque metodológico da pesquisa qualitativa
em estudos da Linguagem e Ensino no contexto da educação brasileira;
descrever-se-á os métodos e abordagens do Projeto, cujo tema versa sobre
a BNCC e os gêneros textuais discursivos na promoção dos letramentos
críticos no 9º Ano do Ensino Fundamental em uma Escola da Rede Seduc– PI;
analisar-se-á como se utiliza adequadamente os dispositivos: as narrativas
autobiográficas, os relatos cursivos, a observação estruturada seletiva e a
entrevista contextualiza nas abordagens sócio-semióticas e discursivas da
linguagem, dentro dos enfoques metodológicos: descritivos, correlacionais
não causais e comparativos, da pesquisa-ação-intervenção, da etnografia
crítica e de cunho quali-quantitativo, considerando as coletas e análise de
dados de forma mais adequada ao enquadro metodológico que a linha e a
área de pesquisa exigem, além de se perceber as contribuições da construção
desse gênero acadêmico para os estudos da Linguagem na promoção dos
letramentos de alta intensidade necessários à formação do leitor crítico.
O Capítulo 20, “ESTUDOS DE REVISÃO SOBRE A JUDICIALIZAÇÃO
NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO NO BRASIL (2000-2010): ASPECTOS
METODOLÓGICOS”, de Diego Bruno de Souza Pires e Antonia Almeida
Silva, analisa os direcionamentos metodológicos adotados em pesquisas
situadas como estudo de revisão e que tem como tema o fenômeno da
judicialização. O objetivo foi articular o delineamento dos estudos de
revisão, os procedimentos adotados e os resultados alcançados quanto às
concepções de judicialização, tomando como corpus teses e dissertações
defendidas em Programas de Pós-graduação em Educação, no período
2000-2010. Quanto à metodologia a pesquisa foi situada como estudo de
revisão, assumindo como referência a noção de estado de conhecimento
cunhada por Vosgerau e Romanowski (2014), em associação com Mainardes
e Tello (2016) no sentido de buscar desenvolver análises com maior nível de
complexidade e teorização dos dados. Deste modo a pesquisa articulou

APRESENTAÇÃO 21
o mapeamento bibliográfico com a respectiva análise epistemológica
das produções selecionadas, as quais foram identificadas pelos seguintes
descritores: Judicialização, Juridicização, Justiciabilidade, Poder Judiciário,
em combinações diferentes com o descritor Educação.
Raimunda Maria da Cunha Ribeiro, desenvolve no Capítulo 21,
“CONDIÇÕES DE LEGITIMAÇÃO, CREDIBILIDADE CIENTÍFICA E A
PESQUISA DOCUMENTAL NO CAMPO DA EDUCAÇÃO”, a discussão
sobre as especificidades do ambiente epistemológico contemporâneo, as
condições de legitimação do campo científico e a credibilidade da pesquisa
no campo da educação. A autora também apresenta as especificidades da
pesquisa documental como abordagem metodológica de investigação em
educação. A metodologia adotada é a abordagem qualitativa, de caráter
bibliográfico, consubstanciado na literatura sobre as principais teorias
acercada do ambiente epistemológico e condições de legitimação da
pesquisa no campo da educação.
Por fim, no Capítulo 22, “TRAJETÓRIAS DE UM ESTUDO DE CASO
SOBRE METODOLOGIAS DE ENSINO APRENDIZAGEM NO CURSO DE
ADMINISTRAÇÃO”, Conceição de Maria Carvalho Mendes utiliza estudo
de caso com aplicação de questionário semi-estruturado para discentes e
docentes do curso de Bacharelado em Administração.
Este livro é indicado para pesquisadores, professores e alunos da Pós-
graduação e da graduação, e, se materializa como valiosa fonte de ensino
e aprendizagem dos processos metodológicos na pesquisa em educação.
Nosso objetivo é que o mesmo possa chegar no maior número possível de
universidades brasileiras e contribua para a produção do conhecimento em
educação.
Desejamos uma excelente leitura!

Prof. Dr. Raimundo Dutra de Araújo


Prof. Dr. Francisco Antonio Machado Araujo

22 
PARTE I
PROCESSOS METODOLÓGICOS COM
PESQUISA E ENTREVISTA NARRATIVAS
PROCEDIMENTOS DE ACESSO A
NARRATIVAS NA PRODUÇÃO DE DADOS
EM PESQUISAS COM OS COTIDIANOS

Valdriano Ferreira do Nascimento


Isabel Maria Sabino de Farias

Introdução

O
s procedimentos de produção de dados destacam-se
entre os desafios que circundam o pesquisador durante
o desenvolvimento de uma investigação científica, em
particular em iniciativas que adotam uma abordagem qualitativa. Não é
incomum que alguns pesquisadores se encontrem confusos ou indecisos,
e ainda sem a escolha e devida clareza dos procedimentos de produção
de dados mais adequados para acessar as perspectivas dos praticantes
que possam incidir na realização de uma análise que favoreça uma melhor
compreensão das questões em estudo.
Diante desta realidade, a nossa pretensão neste texto é apresentar
os procedimentos de produção de dados: observação participante, relato
escrito, grupo de conversa (GC) e entrevista, considerados adequados
para a captação de narrativas juntos aos praticantes de pesquisas com
abordagem qualitativa, a exemplo da pesquisa com os cotidianos. Este
tipo de pesquisa assume dentre suas principais características, a produção
de dados decorrentes da problematização da prática, das criações, das

PROCEDIMENTOS DE ACESSO A NARRATIVAS NA PRODUÇÃO 25


DE DADOS EM PESQUISAS COM OS COTIDIANOS
invenções e das interpretações das diversas formas de saberesfazeres1
cotidianos (CERTEAU, 1994, 1996; FERRAÇO, 2003, 2007, 2016; ALVES,
2002; STAKE, 2016). A realização desses procedimentos analíticos foi
delineada a partir do desenvolvimento de um estudo doutoral que adotou a
pesquisa com os cotidianos. Pesquisa essa que teve como título “O currículo
produzido nas veredas da prática na formação do pedagogo na UECE”, tendo como
objetivo geral: cartografar o currículo em ação em cursos de Pedagogia da
Universidade Estadual do Ceará em busca de elementos que caracterizam,
na diversidade, a formação do profissional pedagogo nessa instituição.
Para efeito deste escrito, retomamos esta investigação para situar
a emergência do uso desses procedimentos, bem como os caminhos
percorridos em todo o processo de sua realização, destacando as
possibilidade de seus usos e de seus potenciais para favorecer a leitura
reflexiva das experiências vividas, a interpretação crítica de narrativas e a
compreensão do mundo vivido.

Procedimentos de produção de dados: observação participante, relato


escrito, grupo de conversa e entrevista

A pesquisa com os cotidianos, fundamentada na perspectiva de


Michel de Certeau (1994, 1996), defende a ideia de que as pesquisas “com”
os cotidianos, relacionam-se diretamente com as dimensões “do lugar”,
“do habitado”, “do vivido”, “do praticado” e “do usado”. Para Certeau
(1996, p. 31), “[...] O cotidiano é aquilo que nos prende intimamente, a
partir do interior. É uma história a meio-caminho de nós mesmos, quase em
retirada, às vezes velada [...]. O que interessa ao historiador do cotidiano
é o invisível [...] não tão invisível assim”. Imbuído por esse mesmo ideário,
Ferraço (2016, p. 29) assume a posição de que,

[...] qualquer tentativa de pesquisa com os cotidianos só se sustenta


enquanto possibilidade de algo pertinente, algo que tem sentido
para a vida cotidiana, se acontece com as pessoas que praticam
esses cotidianos e, sobretudo, também a partir das questões/temas
que se colocam como pertinentes às redes cotidianas. Posto isso,
precisamos considerar, então, que os sujeitos cotidianos, mais do

1 Os termos grafados juntos e em itálico que aparecem neste texto surgem da ideia
de Alves (2017), no entendimento de que as dicotomias criadas do pensamento
científico da modernidade apresentam limites, naquilo que as pesquisas com os
cotidianos buscam compreender.

26  Valdriano Ferreira do Nascimento • Isabel Maria Sabino de Farias


que objetos de nossas análise são, de fato, também protagonistas,
também autores coletivos de nossas pesquisas.

Dito isto, compreendemos que o estudo do currículo produzido nos


cotidianos da formação do pedagogo deve ocorrer em meio às situações
do dia a dia através das experiências vividas pelos sujeitos praticantes da
ação. Postura esta, que se aproxima do conceito de currículo proposto por
Sacristán, ao afirmar que,

[...] Na situação escolar se aprendem mais coisas, dependendo


da experiência de interação entre alunos e professores, ou entre
os próprios (...) Por isso se diz que o currículo real, na prática, é a
consequência de se viver uma experiência em um ambiente prolongado
que propõem – impõem - todo um sistema de comportamento e de
valores, e não apenas de conteúdos de conhecimentos, a assimilar.
Esta é a razão pela qual aquele primeiro significado de currículo
como documento ou plano explicito se desloca para um outro, que
considere a experiência real do aluno na situação de escolarização
(1995, p. 86).

Corroborando com essa visão, entendemos que para a


problematização e compreensão do currículo produzido e vivenciado na
formação do pedagogo, sendo tecido em meio às experiências vividas, é
necessária uma implicação com os sujeitos envolvidos no seu cotidiano,
incluindo além da compreensão dos conteúdos formais, comumente
estudados, as questões de currículo produzidas nas relações estabelecidas
por esses sujeitos, com seus anseios e perspectivas aflorados no contexto da
ação. “Os currículos praticados são processos cotidianos intrinsecamente
enredados, que se determinam mutuamente, não havendo como diferenciá-
los, pensá-los de forma isolada, em meio às tessituras e partilhas das redes
cotidianas de saberes/fazeres” (FERRAÇO, 2007, p. 76).
Assim, assumimos essa perspectiva teórico metodológica de pesquisa
na tentativa de compreender o currículo produzido nas práticas cotidianas,
apostando nos atos da vida cotidiana, meio as narrativas das professoras
e alunos participantes da pesquisa, partilhando com esses sujeitos sociais
dos seus ideários e das suas práticas vividas, seguindo as “veredas” que
possam ser percebidas, sentidas e trilhadas nos contextos de tessitura do
currículoformação do pedagogo na instituição e na realidade que se insere.
Dessa forma, entendemos que a pesquisa com os cotidianos assume
caráter qualitativo por se caracterizar pela descrição e interpretação dos

PROCEDIMENTOS DE ACESSO A NARRATIVAS NA PRODUÇÃO 27


DE DADOS EM PESQUISAS COM OS COTIDIANOS
dados a partir dos pontos de vista dos sujeitos estudados sobre suas
vivências, e considerando a própria experiência do pesquisador como base
para a realização da pesquisa.
A vida cotidiana é um espaço da vida natural, ou seja, um espaço
onde as pessoas estabelecem relações com os fenômenos aos quais a
intencionalidade pode alcançar e dar significados. Significados esses
produzidos pelos sujeitos em suas tramas sociais permeadas pela
diversidade, tensões e contigenciamentos coletivos e pelas idiossincrasias
elaboradas a partir do vivido e do experimentado. Isto pode possibilitar,
nas pesquisas qualitativas, a busca por “novos instrumentais científicos
que permitam acompanhar a complexidade e a processualidade das
formas de subjetivação, tais como se apresentam na atualidade” (PAULON;
ROMAGNOLI, 2010, p. 87).
Tendo como temática de investigação “o currículo em ação na
formação do pedagogo”, a pesquisa com os cotidianos realizada em
contextos da formação do pedagogo na Universidade Estadual do Ceará
(UECE), no período de 2018 a 2019, adequou-se ao estudo por se tratar
de uma perspectiva metodológica crítica, que busca compreender os
fenômenos que ocorrem através da interação dos sujeitos nos locais onde
se desenvolve o conhecimento.
Assim, diante do nosso posicionamento em favor da abordagem
estritamente qualitativa, tendo como pano de fundo a pesquisa com os
cotidianos, deparamo-nos com as primeiras experiências e produção
de dados do currículo produzido nas veredas da prática de formação
do pedagogo, as quais nos levaram à seguinte indagação: quais os
procedimentos de produção de dados mais adequados para a captação de
narrativas dos sujeitos da pesquisa que possam dar conta de anunciar suas
perspectivas para uma interpretação que retrate com qualidade o mundo
vivido por esses praticantes da pesquisa? Com isto, ao assumirmos como
tema deste estudo procedimentos de produção de dados adequado às
pesquisa com/os/dos cotidianos, buscamos na literatura existente, identificar
aqueles alinhados à pesquisas qualitativas, mas favorecedores da captação
de narrativas correspondentes às reais perspectivas dos praticantes, e
ainda, caracterizando-se pela inventividade das diversas maneiras de ver a
temática em estudo, anilisar e compreender.
Com esse intento, fizermos a leitura de alguns prodedimentos de
produção de dados que pudessem dar conta do estudo em andamento, no

28  Valdriano Ferreira do Nascimento • Isabel Maria Sabino de Farias


sentido de problematizar, interpretar, apreender e compreender as práticas
cotidianas nos contextos da pesquisa, para escolher aqueles que melhor
fovorecessem o mapeamento das narrativas dos praticantes. Procedimentos
esses, que foram surgindo também, no decorrer da pesquisa conforme a
nossa necessidade de mapear dados que dessem sentido as questões de
estudo. Entendendo também como Ferraço (2003) que uma metodologia
de produção de dados padronizada e devinida a priori nega a possibilidade
do com, do fazer junto, tentamos escolher esses procedimentos, seguindo
um percurso próprio, com o nosso jeito de fazer e dizer, mas que
pudesse contribuir na percepção de elementos curriculares embutidos no
emaranhado dos dados anunciados nas narrativas dos praticantes sobre
suas perspectivas em relação a produção do currículo cotidiano, fluídos de
suas diversas vozes.
Os procedimentos de produção de dados adotados durante a
pesquisa foram: observação participante em sala de aula, na prática
docente na disciplina de Didática; produção de relatos escritos (textos
livres) pelas professoras e os licenciandos selecionados pelo critério da
experiência docente, versando sobre o currículo produzido na prática
pedagógica, com base nas experiências vivenciadas no curso como um
todo; grupo de conversa (GC) com os licenciandos, tratando dos aspectos
curriculares postos em prática no decorrer de todas as disciplinas cursadas
por eles, acompanhados de seus significados para sua formação, norteado
pelo roteiro estrutural do GC, versando sobre o currículo em ação na
formação do pedagogo na UECE; e entrevista semiestrutura com as
professoras, tratando do currículo produzido em sua prática docente no
curso de Pedagogia.
A intenção, ao adotar esses procedimentos, foi fazer uma triangulação
das informações produzidas, nos diversos instrumentos de produção dos
dados, identificando peculiaridades, convergências e divergências nas
narrativas e observações registradas das falas dos sujeitos, ensejando uma
descrição e interpretação o mais fiel possível da realidade estudada.
Na pesquisa qualitativa, conforme Stake (2016), a triangulação
surge da necessidade de validar a interpretação da realidade estudada,
evidenciando elementos que fortaleçam à veracidade dos dados, forneçam
subsídios que oportunizem obter conclusões com mais rigor.
A triangulação, nesse sentido, possibilita “estudar um problema
sobre diversos ângulos”, sendo seu objetivo, para além de abordar

PROCEDIMENTOS DE ACESSO A NARRATIVAS NA PRODUÇÃO 29


DE DADOS EM PESQUISAS COM OS COTIDIANOS
um problema sobre múltiplas perspectivas, “ampliar a percepção do
pesquisador em relação a novas formas de percebê-lo, de corrigir desvios,
de integrar diferentes perspectivas no decorrer da pesquisa e de aprimorar
os resultados” (HOLANDA; FARIAS, 2019, p. 4).
Diante desse ideário, nossa propositiva com a escolha dos
procedimentos adotados foi de dá sentidos e significados às vozes dos
praticantes, constituídos, também, no momento da produção do relatório
da pesquisa. Os pesquisadores/autores, além de olhar para os dados,
estavam pensando e refletindo sobre os diversos momentos vividos na
interação com os praticantes, na dinâmica de produção dos dados por meio
dos procedimentos diversos, e ainda com a preocupação de entrelaçá-los,
na tentativa de interpretar e registrar as experiências vividas, considerando
as afirmativas e observações que corroborariam para a existência das
práticas efetivadas, que ao serem confrontadas, permitiam a divergencia e
a indicação da existência de outras práticas, ainda presentes no cotidiano
das ações dos sujeitos praticantes.
A observação participante trata de uma maneira de produção de
dados que consiste na participação real e ativa do pesquisador na vida
cotidiana dos sujeitos praticantes da pesquisa, permitindo chegar, neste
estudo, ao conhecimento do currículoformação em produção a partir das ações
vivenciadas por esses sujeitos. Consoante Ludke e André (1986, p. 26), “a
observação ocupa um lugar privilegiado nas novas abordagens de pesquisa
educacional e possibilita um contato pessoal e estreito do pesquisador com
o fenômeno pesquisado”. Para estas autoras, a observação participante
combina simultaneamente com a entrevista na captação de narrativas
proferidas pelos praticantes. Nesta pesquisa, a observação participante
foi fundamental, por permitir acompanhar, em sala de aula, experiências
citadas pelos praticantes em suas narrativas.
Os relatos escritos sobre o currículo em ação na formação do
pedagogo foram produzidos pelas professoras e licenciandos a partir de
solicitação por escrito, de que escrevessem sobre a prática vivenciada no
curso, considerando os aspectos curriculares positivos e negativos e suas
implicações para a formação do pedagogo, com ênfase nas questões
pedagógicas do currículo.
É importante mencionar que a ideia de produção dos relatos escritos
surgiu da necessidade de compreender a experiência de construção do
currículo no cotidiano da formação do pedagogo (CLANDININ; CONNELLY,

30  Valdriano Ferreira do Nascimento • Isabel Maria Sabino de Farias


2015). Esse procedimento adequa-se à pesquisa com os cotidianos por
permitir a produção de dados desde a perspectiva da experiência dos
praticantes do estudo do currículoformação na ação. Concebemos, como
Ferraço (2016), que o uso de narrativas na pesquisa com os cotidianos
favorece a visualização das produções vivenciadas na prática,

[...] destacamos as narrativasimagens produzidas por alunos e


educadores como uma das alternativas para a problematização dos
sentidos dados por eles às noções de conhecimento [...] a partir
de uma multiplicidade de situações vividas nesses cotidianos que,
como já dissemos, vão tecendo/inventando diferentes teoriaspráticas
(FERRAÇO, 2016, p. 38).

Assim, os relatos escritos (narrativas) sobre o currículo em ação


surgiram com a finalidade de problematizar e mapear os elementos
curriculares produzidos na prática da formação do pedagogo, através
da escrita espontânea, em que os sujeitospraticantes da pesquisa puderam
registrar, em linhas gerais, o processo curricular vivido, seja como
professor ou licenciando e os significados e sentidos desse processo para
a formação do pedagogo. Ferraço (2007) apresenta as narrativas escritas
como procedimento de produção de dados que envolvem diferentes
lugares praticados pelos participantes da pesquisa e as diversas relações
estabelecidas por eles no desenvolvimento de suas práticas. “[...] trabalhar
com narrativas coloca-se para nós como uma possibilidade de fazer valer
as dimensões de autoria, autonomia, legitimidade, beleza e pluralidade de
estéticas dos discursos dos sujeitos cotidianos” (FERRAÇO, 2007, p. 86).
A realização do grupo de conversa se justifica por se tratar de uma
“entrevista de grupo” em que as discussões, mediadas pelo pesquisador,
geram as interações e análises pelos participantes, de forma coletiva, das
questões envolvidas no roteiro estrutural da conversa pretendida, em vez
de anunciar a mesma questão a cada integrante do grupo individualmente,
ela é posta em pauta para qualquer membro do grupo falar livremente
sobre o assunto e acrescentar as questões relacionadas a ele que desejar
(WARSCHAUER, 2001).
O grupo de conversa, nesta pesquisa, foi inserido como um espaço
de diálogo, troca de experiências, apontamento de desafios e sugestões,
e de produção de dados necessários ao entendimento das questões em
estudo. Consoante Moura e Lima (2014), consistiu em um procedimento
de participação coletiva de debate acerca do currículo produzido na prática

PROCEDIMENTOS DE ACESSO A NARRATIVAS NA PRODUÇÃO 31


DE DADOS EM PESQUISAS COM OS COTIDIANOS
da formação do pedagogo, em que foi possível dialogar com os sujeitos por
meio da reflexão, com a intenção de socializar experiências, na perspectiva
de produzir novos conhecimentos sobre o tema em estudo.
Além dos procedimçentos citados recorremos, ainda, a entrevista
semiestruturada. Esta surgiu como procedimento comum utilizado na
pesquisa com os cotidianos por se caracterizar pela relação de interação
entre entrevistador e entrevistado e, também, por permitir o encontro com
os elementos curriculares em produção, de forma imediata e coerente com
as narrativas decorrentes das experiências vividas pelas professoras, no
decorrer dos processos formativos pelos quais passaram, e de suas práticas
docentes como produtoras de currículo no curso de pedagogia. Daí a
importância das entrevistas terem sido realizadas com as professoras dos
cursos de Pedagogia que atuam na disciplina de Didática, em cada contexto
da pesquisa, no intuito de compreender as percepções destas sobre o
currículoformação produzido em sua prática docente e seus significados para
a formação do pedagogo na UECE.
Trata-se de um procedimento de produção de dados que se aproxima
de uma conversa, mas norteada por temas e/ou frases e indagações
que impulsionam o surgimento de respostas e conteúdos, ações e
comportamentos ocorridos na experiência vivida e que aparecem nos
dizeres dos entrevistados, com uma linguagem própria, fluída na conversa
em curso. Tedesco, Sade e Caliman (2013, p. 304) ao discorrerem sobre a
entrevista na produção de dados na pesquisa com os cotidianos, asseveram
que “[...] a entrevista visa intervir, por meio do manejo, para fazer com
que os dizeres possam emergir encarnados, carregados da intensidade dos
conteúdos, dos eventos, dos afetos ali circulantes. A fala deve portar os
afetos próprios da experiência”.
Com a realização desses procedimentos, almejamos fazer uma
análise qualitativa dos dados produzidos, na tentativa de ir além, buscando
compreender os sentidos do currículo produzido na vivência dos currículos
praticados, mas tendo possibilidade de interpretar e sintetizar as narrativas
dos praticantes da pesquisa sobre este fenômeno, considerando as relações,
ligações e interseções em torno do fenômeno ou tema estudado, teorizando
a recontextualização dos elementos apontados pelos participantes e
promovendo a sistematização de novos saberes, sempre estabelecendo
um diálogo com outros pesquisadores que discorrem sobre a temática em
estudo.

32  Valdriano Ferreira do Nascimento • Isabel Maria Sabino de Farias


Com esse entendimento, a realização dos procedementos de
produção dos dados ocorreu durante a investigação como um todo, em
momentos distintos e concomitante nos diversos contextos da pesquisa.
Nesses termos, todas as nossas escolhas em relação aos procedimentos
e suas formas de realização tiveram consequências diretas à análise dos
dados, iniciado logo no começo do processo de produção dos dados.
Nesse sentido, dizemos que as narrativas provenientes dos diversos
procedimentos de produção dos dados favoreceram a triangulação dos
dados por nós realizada, se aproximando do protocolo denominado por
Stake (2016), de “triangulação das fontes de dados”, com a finalidade
de verificar se as narrativas proferidas em determinado instrumento de
produção dos dados se repetiam ou eram semelhantes em outros, ou
ainda, se eram relatados de forma diferente, e se isto se confirmava nas
observações participantes. Ao aparecer narrativas e/ou práticas em sala
de aula diferentes daquelas proferidas em outros momentos de produção
dos dados, mas que eram merecedoras de análise por conferir sentido
para a compreensão do tema em estudo, essas também, foram levadas
em consideração. Desse modo, “A triangulação das fontes de dados é um
esforço para ver se o que estamos a observar e a relatar transmite o mesmo
significado quando descoberto em circunstâncias diferentes” (STAKE,
2016, p. 126).
A realização dos diversos procedimentos de produção de dados com
auxílio da triangulação de fontes permitiu o confrontamento dos dados,
chegando à percepção de elementos curriculares semelhantes aos contextos
estudados, mas também constando a presença de elementos distintos,
específicos de cada contexto.
As narrativas proferidas pelos praticantes da pesquisa permitiram
a triangulação, confrontando e comparando narrativas diversas com as
observações da prática docente das professoras, em cada contexto da
pesquisa, sendo levadas para o momento da análise, advindas dos diferentes
procedimentos de produção dos dados para uma análise que foi realizada
mediante diálogo com os principais autores que serviram de base ainda na
elaboração do texto de fundamentação teórica.
Esta produção qualitativa de dados, além de se caracterizar por
um processo indutivo de mapeamento para interpretação de narrativas
inseridas nos diversos procedimentos de produção dos dados, com foco na
fidelidade das informações percebidas do universo de vida cotidiana dos

PROCEDIMENTOS DE ACESSO A NARRATIVAS NA PRODUÇÃO 33


DE DADOS EM PESQUISAS COM OS COTIDIANOS
sujeitos praticantes, caracteriza-se, também, por apresentar as narrativas
que aparecem na organização, interpretação e sentidos dos dados a cada
tema ou subtema analisado, num confrontamento e diálogo permanente
com os autores, possibilitando a realização da síntese que implica em um
fazersaber novo.
Assim, a realização dos procedimentos de produção de dados acima
descritos, visaram apreender o caráter multidimensional dos fenômenos
em sua manifestação natural, bem como captar os diferentes sentidos de
uma experiência vivida, auxiliando na compreensão dos saberesfazeres dos
praticantes no contexto formativo, acompanhado dos seus sentidos e
significados.

Um jeito inovador de realização de diversos procedimentos de produção


de dados

A pesquisa foi desenvolvida em diferentes campi de produção


do currículoformação do pedagogo na UECE. Os sujeitos praticantes da
pesquisa foram as professoras e licenciandos dos cursos de Pedagogia
dessa instituição, em três campi, sendo para cada contexto, as professoras
que estavam atuando na disciplina de Didática, acompanhados de seus
licenciandos que tinham, no início da produção dos dados, pelo menos 01
ano de experiência de prática docente no contexto da escola básica.
Com o procedimento de observação participante, observamos
as aulas de Didática, em cada campi, no decorrer de um semestre e
interagimos com o grupo nas discussões em sala de aula, estabelecendo
um diálogo com os sujeitos da pesquisa, tendo acesso aos elementos
curriculares materializados na prática pedagógica cotidiana, na produção
do currículoformação em ação. Stake (2016) afirma que através da observação
é possível perceber dados vistos, ouvidos e sentidos diretamente pelo
pesquisador, diferente de outros tipos de recolha de dados. “O olho vê
muito”, ao observar “quem, o que, quando, onde e por que”, bebendo
diretamente na fonte, é possível relacionar estas experiências vividas
com as falas dos sujeitos em outros momentos de produção dos dados
e com a questão da pesquisa. Esta perspectiva assume valor inestimável
para a produção de um relatório “acurado” dos resultados da pesquisa,
principalmente, quando o pesquisador afirma ser qualitativo. Stake percebe
uma dialética na observação, e discorre:

34  Valdriano Ferreira do Nascimento • Isabel Maria Sabino de Farias


[...] um “cabo de guerra” por atenção, entre as observações e o tema.
E esses dois elementos se influenciam. Os dados novos algumas vezes
têm efeito sobre a questão de pesquisa, com frequência tornando-a
mais complexa. E, conforme o tema se desenvolve, o significado e o
valor dos dados individuais mudam (STAKE, 2016, p. 103).

Neste sentido, como procedimento de produção de dados, as


observações participantes, além de terem sido bastante intensas, mas
também tranquilas, permitiram a captação de dados imediatos relevantes
que, ao relacioná-los com dados narrados pelos praticantes, ensejaram
a interpretação e compreensão do currículoformação do pedagogo, o mais
próximo da realidade. Isto nos ajudou, como pesquisadores, a registrar
dados singulares e similares, em cada campi observado, que subsidiaram o
confrontamento, a interpretação, a compreensão e a produção do relatório
da pesquisa, com a preocupação de facilitar, também, a compreensão do
leitor.
Em cada campi da pesquisa foram realizadas 08 (oito) observações
participantes de 04 (quatro) horas/aulas, perfazendo um total de 32 (trinta
e duas), totalizando, em todos os campi, 96 (noventa e seis) horas/aulas
observadas.
Com relação às narrativas escritas, foi entregue uma solicitação por
escrito aos alunos selecionados e as professoras de cada campi da pesquisa,
pedindo para narrarem livremente sobre o currículoformação produzido na
prática pedagógica, com ênfase nas experiências vivenciadas durante as
disciplinas já cursadas. Alguns levaram a solicitação para casa e devolveram
na aula seguinte; outros produziram suas narrativas e nos entregaram no
mesmo dia.
Como dito anteriormente, as narrativas escritas foram produzidas
pelas professoras e os alunos selecionados que tinham experiência em sala
de aula. Assim, foram produzidas 21 (vinte e uma) narrativas, sendo 03
(três) pelas professoras, uma de cada campi e 18 (dezoito) pelos licenciandos
de todos os campi, sendo 06 (seis) de cada campi.
Já para a realização dos grupos de convers, elaboramos um roteiro
que serviu de instrumento norteador da conversa, organizado em 07 (sete)
tópicos, assim distribuídos: O primeiro para a acolhida dos participantes
e socialização dos objetivos do grupo de conversa; o segundo para dar os
esclarecimentos sobre a condução e o acordo de trabalho no decorrer da
conversa; o terceiro, apontando elementos curriculares para motivar o início

PROCEDIMENTOS DE ACESSO A NARRATIVAS NA PRODUÇÃO 35


DE DADOS EM PESQUISAS COM OS COTIDIANOS
da conversa; o quarto para tratar das mediações do percurso investigativo,
com ênfase nas concepções e experiências curriculares; o quinto,
direcionando para a finalização do conversa, propondo discutir a prática,
propriamente dita, com sugestões para a melhoria do processo formativo;
o sexto, propondo uma avaliação coletiva da conversa, instigando o grupo
a colocar em pauta outros aspectos curriculares, ainda não citados, e por
último, o sétimo tópico, propondo o encerramento da conversa, deixando
a palavra facultada para quaisquer esclarecimento e/ou complemento de
conteúdos tratados durante o grupo de conversa.
Realizamos 01 (um) grupo de conversa em cada campi, com os
mesmos licenciandos que participaram da produção das narrativas escritas.
A duração dos grupos de conversa, em cada campi foi de aproximadamente
01 (uma) hora, e 30 (trinta) minutos.
As conversas foram gravadas com a permissão dos membros dos
grupos. No momento da conversa fomos identificando, na sequência cada
sujeito que ia se inscrevendo e participando da conversa, conforme a sua
numeração na produção da narrativa. Ao fazer a transcrição da conversa,
fomos realizando o “cara crachá” entre a fala do sujeito na conversa com
a mesma numeração que recebeu em sua narrativa escrita, no intuito de
ajudar na sua identificação na apresentação dos dados para facilitar a
análise.
As entrevistas com as professoras da disciplina de Didática, em cada
campi da pesquisa, foram realizadas no segundo semestre do segundo e
último ano da pesquisa. Inicialmente, explicamos para as professoras a
finalidade da entrevista como procedimento de produção de dados, tendo
uma boa receptividade por parte das entrevistadas, favorecendo a fluidez
do diálogo, que desencadeou na produção de dados relevantes para a
pesquisa. O tempo de duração das entrevistas foram de aproximadamente
01 (uma) hora, em cada campi.
As entrevistas foram todas gravadas em áudio, com autorização das
professoras. E, ao final, elas assinaram o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (TCLE), permitindo o uso e divulgação das falas proferidas por
elas, visando contribuir com a compreensão e produção de novos saberes
sobre a temática em estudo.
Todos os dados produzidos no decorrer da realização dos
diversos procedimentos junto aos praticantes da pesquisa em torno
do currículoformação do pedagogo na instituição pesquisada, tais como:

36  Valdriano Ferreira do Nascimento • Isabel Maria Sabino de Farias


narrativas escritas, narrativas de entrevista, narrativas resultantes dos
grupos de conversa e as narrativas das experiências vividas durante as
observações participantes em sala de aula, foram transcritas em arquivos
distintos, relidos, organizados e separados por temas e subtemas, gerando
novos arquivos com as narrativas das conversas, fragmentos das entrevistas
e registros de observações participantes, que trataram do mesmo tema
para serem material da análise qualitativa. A esse movimento, Alves (2003),
denominou de beber em todas as fontes.
Fizemos a opção por mapear os dados produzidos a partir de
aspectos que permitiram compreender os sentidos da realidade estudada,
estritamente qualitativos, objetivando conclusões provisórias e teorizações
do conhecimento novo, de forma que pudesse possibilitar novas explicações
e interpretações no entendimento do estudo, em busca do alcance dos
objetivos desejados (LUDKE; ANDRÉ, 1986).
No decorrer da pesquisa, foi possível identificar, por meio de
procedimentos de dados inseridos na triangulação, mensagens e observações
contraditórias, em que um praticante apresentou relatos da existência de
determinadas práticas diferentes da forma como outros praticantes disseram
que elas ocorrem. Foram emitidas, também, mensagens por praticante, em
que ele mesmo, entrou em contradição, sobre algumas práticas vividas,
afirmando, por exemplo, na entrevista, que realizava uma prática de uma
forma e, na narrativa escrita presentava outra, sendo constatado durante
as observações, práticas não apontadas por ele no diálogo de produção
dos dados. Isto também nos fez compreender a necessidade de confrontar
informações para fazer as considerações devidas na produção do texto.
Com isso, o processo de realização da análise dos dados só foi
possívelo a partir da produção e escuta dos primeiros dados, com os temas e
subtemas elencados e aqueles que foram surgindo conforme o aparecimento
de novas mensagens proferidas no diálogo com os praticantes, percebidas
durante a produção e leitura das narrativas.
Dessa forma, após a produção dos dados por meio dos instrumentos
escolhidos e construídos, e dos procedimentos realizados, demos
continuidade ao processo de análise de forma mais sistematizada e
consistente, começando pela escuta das gravações em áudio. Em seguida,
realizamos a transcrição de todos os dados, em arquivos separados por
campi onde os dados foram produzidos.

PROCEDIMENTOS DE ACESSO A NARRATIVAS NA PRODUÇÃO 37


DE DADOS EM PESQUISAS COM OS COTIDIANOS
Considerando as proposições de Lüdke e André (1986, p. 45),
realizamos o mapeamento de “[...] todo o material obtido durante a
pesquisa, ou seja, as narrativas das observações, as transcrições de entrevistas
e as demais informações disponíveis” visando uma análise qualitativa
aprofundada, contando com a contribuição dos autores “convidados”
para o diálogo, a fim de compreender o currículoformação produzido nos
contextos da pesquisa. Assim, nos preparamos para a realização da análise
dos dados conforme os temas e subtemas que surgiram em cada contexto
de produção dos dados, visando uma compreensão qualitativa da temática
em estudo, acompanhada de seus sentidos e significados.

A síntese da compreensão e dos sentidos constituidos meio a pesquisa


qualitativa com a realização de diversos procedimentos de produção de
dados

Diante da pretensão deste artigo, em apresentar diversos


procedimentos de captação de narrativas indispensáveis a produção de
dados na pesquisa com/os cotidianos, acompanhados das diferentes
formas de fazer, focando na interação e triangulação das percepções dos
praticantes para a produção de sentidos, procuramos expor o processo
pelo qual surgiu a necessidade de escolher, inovar e aplicar diversos
procedimentos de produção de dados, em uma única pesquisa, em busca
de criar um jeito próprio de mapear narrativas que contribuam com a
identificação, interpretação e analise das falas de sujeitos praticantes da
pesquisa. E ainda, dar clareza sobre o percurso trilhado, com todas as
escolhas e os passos percorridos para o mameamento de narrativas que
retratam as perspectivas e o mundo vivido pelos praticantes no processo de
produção de currículos praticados no cotidiano da formação do pedagogo
em diferentes contextos, problematizando, com ênfase nos aspectos
curriculares vividos na prática docente no processo formativo e elementos
curriculares praticados nesses contextos, que pudessem dar sentido a
formação do profissional pedagogo nessa instituição.
Os procedimentos utilizados, observações participantes, relatos
escritos, grupos de conversa e entrevistas surgiram a partir do ideário
de inovação e realização de procedimentos de produção de dados que
retratassem a complexidade do atual contexto formativo. Com isto,
fomos aprendendo com um jeito próprio de caminhar no processo de

38  Valdriano Ferreira do Nascimento • Isabel Maria Sabino de Farias


produção de dados, recorrendo a nossa forma de olhar, ouvir e sentir os
elementos curriculares que pudessem produzir dados que dessem sentido
a compreensão do tema em estudo rumo a descrição da realidade com
a finalidade de retratar com fidelidade a perspectiva dos praticantes da
pesquisa. Movimento que, aos poucos, foi evidenciando a presença de
elementos curriculares envolvidos na produção do currículoformação do
pedagogo, que acabaram por configurá-los inseridos na perspectiva
de currículo vivido e criado nas veredas da prática (CERTEAU, 1994),
considerando os processos de inventividade tecidos e experimentados
na complexidade (MORIN, 2007) das redes dos saberesfazeres cotidianos
(ALVES, 2002; FERRAÇO, 2003, 2007, 2016).
Nesse sentido, a aproximação e a convivência durante a produção
dos dados junto aos praticantes da pesquisa nos possibilitou ver, sentir e
compreender, com clareza, a criação dos elementos curriculares envolvidos
na produção complexa do currículoformação do pedagogo, estabelecidos
pelas relações entre os praticantes de cada contexto pesquisado e pelas
relações que se processam de um contexto para outro, produzidos na
complexidade que dão sentido ao perfil de formação profissional pensado
para uma atuação que dê conta dos anseios que emergem da problemática
da prática social atual.
Os diversos procedimentos utilizados, com o intuito de facilitar a
triangulação de fontes permitiu o confrontamento dos dados, chegando
à percepção de elementos curriculares semelhantes aos contextos
investigados, mas também constando a presença de elementos distintos,
específicos de cada contexto.
As narrativas de práticas específicas identificadas na diversidade dos
contextos pesquisados, também serviram de reflexão e análise em torno
das ações de planejamento da formação do profissional da educação como
resistência ao atual contexto educacional e profissional, marcado pelas
diversas formas de controle e padronização curricular, no intuito de propor
e criar na inventividade do processo formativo práticas de fazerespensares
coletivas direcionadas para o rompimento e transformação de políticas e
projetos educacionais, em execução, de um sistema educacional atual em
crise, no caso do Brasil. (CERTEAU, 1995).
Com a utilização dos diversos prodecimentos de produção de
dados na caminhada pelas veredas da pesquisa, conseguimos perceber,
nas narrativas, elementos curriculares no âmbito das ações específicas

PROCEDIMENTOS DE ACESSO A NARRATIVAS NA PRODUÇÃO 39


DE DADOS EM PESQUISAS COM OS COTIDIANOS
dos diferentes contextos da pesquisa, com rastros que deixam pistas, que
evidenciam a compreensão do tema em estudo, uma vez que as experiências
vividas nesses contextos se desenvolvem com base na perspectiva de criação
e invenção do saber, considerando a realidade e permitindo a compreensão
da capacidade de formar o profissional da educação, como um sujeito de
possibilidades, preparado para a ação em realidades diversas e de difíceis
condições de atuação, mas com resiliência para reunir as forças necessárias,
internamente e na relação entre os profissionais das instituições formativas,
visando uma prática marcada por mudanças e inovações tanto no contexto
local quanto global.
Nessa perspectiva, recomendamos, com base nesta experiência
vivida de realização desses procedimentos de produção de dados o uso
de diversas formas de captar dados, criando, reelaborado e se apropriado
de instrumentos e/ou procedimetnos adequados às pesquisas de natureza
estritamente qualitativa.
A finalidade é a de colocar à disposição dos pesquisadores
qualitativos, mais alternativas de produção de dados, reinventadas,
no próprio movimento da pesquisa, emergindo da necessidade do
contexto, como procedimentos metodológicos de captação de narrativas,
facilitadores da percepção, interpretação e análise das perspectivas de
participantes de pesquisa. Visto que, o registros das experiências citadas
nas observações participantes e nos outros depoimentos narrados nesta
pesquisa, favoreceram o fortalecimento de propositivas direcionadas para
a compreensão da formação de profissionais da educação, articulada a
criação de ‘espaçostempos’ de estudo e de práticas que permitam a discussão
e troca de experiências vividas, explicitadas pelos sujeitos envolvidos no
processo formativo, através de suas narrativas, proferidas no movimento
e na dinâmica de produção do currículoformação, com todos os elementos
curriculares envolvidos no processo formativo.

Referências

ALVES, Nilda. (Org.). Criar currículo no cotidiano. São Paulo: Cortez,


2002. (SérieCultura, Memória e Currículo, v.1).

______. Sobre movimentos das pesquisas nos/dos/com os cotidianos.


TEIAS: Rio de Janeiro, ano 4, nº 7-8, jan/dez 2003. Disponível em:

40  Valdriano Ferreira do Nascimento • Isabel Maria Sabino de Farias


<file:///C:/Users/usuario/Downloads/23967-76799-1-PB.pdf> . Acesso
em: 17 abr. 2018.

CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano 1: as artes de Fazer.


Petrópolis: Vozes, 1994.

______. A invenção do cotidiano 2: morar, cozinhar. Petrópolis: Vozes,


1996.

______. A revolução do crível. In: ______. A cultura no plural. Campinas:


Papiros, 1995. p.23-40.

CLANDININ, D. Jean; CONNELLY, F. Michel. Pesquisa Narrativa.


Experiência e História em Pesquisa Qualitativa. 2 ed. Uberlândia: EDUFU,
2015.

FERRAÇO, Carlos Eduardo. Eu caçador de mim. In: GARCIA, R. L. (org.).


Método: pesquisa com o cotidiano. RJ: DP&A, 2003.

______. Pesquisa com o cotidiano. Educ. Soc., Campinas, v.28, n.98,


p.73-95, jan./abr. 2007. Disponível em: <http://www.cedes.unicamp.br>.
Acesso em: 22 jan. 2017.

______ (Org.). Currículos em redes. Curitiba: CRV, 2016.

HOLANDA, Gerda; FARIAS, Isabel Maria Sabino de. Estratégia de


triangulação: uma inclusão conceitual. Blumenal: Atos de Pesquisa, 2019.
(Aceito para publicação.

LUDKE, Menga; ANDRÉ, Marli. Pesquisa em educação: abordagens


qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.

MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento Complexo. Porto Alegre:


Sulina, 2007.

MOURA, Adriana Ferro; LIMA, Maria Glória. A reinvenção da roda: roda


de conversa: um instrumento metodológico possível. Revista Temas em
Educação, João Pessoa, v.23, n.1, p.98-106, jan./jun. 2014. Disponível em:
<file:///C:/Users/usuario/Downloads/18338-39759-1-PB%20(1).pdf>.
Acesso em: 13 fev. 2018.

PROCEDIMENTOS DE ACESSO A NARRATIVAS NA PRODUÇÃO 41


DE DADOS EM PESQUISAS COM OS COTIDIANOS
PAULON, Simone Mainieri; ROMAGNOLI, Roberta Carvalho. Pesquisa
Intervenção e cartografia: melindres e meandros metodológicos. Estudos
e Pesquisa em Psicologia, UERJ, Rio de Janeiro, ano.10, n.1, p.85-102,
2010.

SACRISTÁN, J. Gimeno. Currículo e diversidade cultural. In: Silva, T.


T.; Moreira A. F. (Org.). Territórios contestados. Petrópolis: Vozes,
1995.p.xx-xxx.

STAKE, Robert E. A arte da investigação com estudos de caso. Tradução


do original inglês intitulado The Art of Case study Research. 4.ed. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 2016.

TEDESCO, Silva Helena; SADE, Christian, CALIMAN, Luciana Vieira. A


entrevista na pesquisa Cartográfica: A experiência do dizer. Fractal, Rev.
Psicol., [S.l], v.25, n.2, p.2999-322, maio/ago. 2013.

WARSCHAUER, C. Rodas em rede: oportunidades formativas na escola e


fora dela. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 2001.

42  Valdriano Ferreira do Nascimento • Isabel Maria Sabino de Farias


ITINERÁRIOS METODOLÓGICOS DE UM
ESTUDO SOBRE A ESCOLA COMO ESPAÇO
E TEMPO DE PRODUÇÃO DE SABERES E
APRENDIZAGENS

Haêde Gomes Silva


Maria da Glória Soares Barbosa Lima

Notas introdutórias

V
ivemos em um mundo marcado pela necessidade de
mudanças guiado pelas lentes da celeridade de nossas ações,
pela rapidez com que a realidade circundante se modifica e,
em decorrência, nos impele a acompanhar essas rápidas modificações que
se operam na dimensão globalizada. Assim também se verifica no campo
da educação, no cenário escolar de ensino fundamental, de formação
e da prática pedagógica de professores. Diante dessa realidade, que
faculta e inspira essa contextualização introdutória, registramos que esta
comunicação compreende um recorte, com jeito de releitura abreviada, de
pesquisa realizada no Mestrado em Educação. Tem como objeto de estudo:
a formação continuada no contexto da escola de ensino fundamental dos
anos iniciais, compreendida como espaço e tempo de produção de saberes
e aprendizagens compartilhadas.

ITINERÁRIOS METODOLÓGICOS DE UM ESTUDO SOBRE A ESCOLA COMO ESPAÇO 43


E TEMPO DE PRODUÇÃO DE SABERES E APRENDIZAGENS
Pesquisas e discussões, nesse âmbito, têm revelado a necessidade
de se repensarmos o delineamento de um novo paradigma de formação
docente, de reestruturação dos modelos vigentes dos cursos de formação
continuada, que possa atender as especificidades e singularidades do “ser
professor”, de modo que sejam colocadas em realce práticas docentes
participativas, críticas e reflexivas, na medida em que essa postura tem
merecido expressiva discussão como resultado de mudanças significativas
na prática pedagógica.
Esse novo contexto formativo propõe, entre outros aspectos,
a articulação de conhecimentos construídos na academia com os
conhecimentos construídos no exercício da prática docente, perspectivando
que essa relação instaure o necessário diálogo entre formação continuada,
saberes e práticas pedagógicas desses profissionais, bem como o
compartilhamento de experiências com seus pares, situações inerentes ao
processo de ensino-aprendizagem desenvolvido no âmbito escolar.
O professor, então, é colocado no centro das discussões a respeito
da sua formação, no sentido de não se apresentar, apenas, como sujeito
ineficiente, não criativo, que só executa tarefas previamente definidas
nos programas de formação, nas propostas curriculares, mas no intuito
de prover condições a fim de que desenvolva habilidades e técnicas que
possam ser aplicadas em sala de aula, na direção de tornar-se produtor
de seu próprio conhecimento, numa dimensão reflexiva, analítica e crítica
em relação ao trabalho que desempenha, na sua relação com o outro e na
realidade social em que atua.
Essas discussões nos levam ao reconhecimento da escola como
parte integrante da sociedade contemporânea deste século XXI, mutante e
globalizada, por conseguinte, que não está alheia a essas transformações,
uma vez que é na escola, também, que o conhecimento é produzido, discutido
e reelaborado. Portanto, cabe ao professor o desafio de ser mediador
entre a sociedade e a escola, no sentido de levar os alunos a articularem o
conhecimento produzido/adquirido e trabalhado em sala aula com a sua
realidade circundante, com a realidade mais ampla, preparando-os para
viverem numa sociedade informatizada de inovações constantes e céleres,
sem desconsiderar que a escola representa ambiente de formação tanto de
seus alunos quanto de seus professores.
Nesse sentido, o presente texto encontra-se organizado da
seguinte maneira: esta seção primeira, denominada Notas Introdutórias,

44  Haêde Gomes Silva • Maria da Glória Soares Barbosa Lima


contextualiza o estudo assim como delimita a discussão empreendida.
A segunda seção, intitulada Aporte Teórico-Metodológico: breve
caracterização, apresenta discussão que fundamenta e orienta o estudo. A
terceira seção, Das análises: itinerário de estudo, traz um recorte ilustrativo
do exercício analítico empreendido nesta pesquisa baseada em Souza
(2004), que orienta a análise dos dados em apoio a técnica denominada
Tempos Analíticos, articulados em três Eixos. A quarta seção compreende
o encaminhamento à conclusão do texto, registrando, pois, nossas
considerações finais.

Aporte teórico-metodológico: breve caracterização

O cenário político-social dos anos 90 permite registrar em diversos


países, inclusive no Brasil, uma movimentação a favor da qualidade e
equidade da educação, bem como a efervescência dos debates, pesquisas
e produções científicas e valorização de professores, entre outras
questões e termos correlatos. Nesse contexto, surgem discursos voltados
para a implantação e implementação de políticas que possibilitem o
aprimoramento da escola e o acesso de todos à educação igualitária, a de
cursos de formação inicial e continuada em atendimento às necessidades
formativas dos professores em tempos e espaços diferenciados.
Essas discussões nos levam ao reconhecimento da escola como parte
integrante dessa sociedade mutante e globalizada, e que, não está alheia
e muito menos distante de suas transformações, uma vez que é na escola,
também, que o conhecimento é produzido, discutido e reelaborado.
Portanto, cabe ao professor o desafio de ser mediador entre a sociedade
e a escola, no sentido de levar os alunos a articularem o conhecimento
produzido/adquirido e trabalhado em sala de aula com a sua realidade,
circundante, com a realidade mais ampla, preparando-os para a realidade
de uma sociedade informatizada, de inovações constantes e céleres, sem
desconsiderar que a escola pode se tornar ambiente de formação tanto de
seus alunos quanto de seus professores.
Nesse sentido, as proposições de formações devem acompanhar
o dinamismo da sociedade moderna, com o objetivo de preparar
seus professores para lidarem com as complexidades que ela impõe.
Uma formação que contribua para o empoderamento da autonomia
profissional e para a reelaboração de saberes, assim como para aquisição

ITINERÁRIOS METODOLÓGICOS DE UM ESTUDO SOBRE A ESCOLA COMO ESPAÇO 45


E TEMPO DE PRODUÇÃO DE SABERES E APRENDIZAGENS
de competências pedagógicas favoráveis ao exercício pleno da profissão
docente, em tempos de inovações tecnológicas e de relações virtuais.
Diante do exposto, a escola se constitui em espaço de formação
continuada, por ser local de concretude da prática docente, de vivência
profissional e do fazer pedagógico, no qual os professores experimentam,
constroem e reconstroem metodologias referentes à produção e apropriação
do conhecimento por parte dos alunos (ALARCÃO, 2001, 2007; NÓVOA,
1992, 2011; MAGALHÃES, 2004). Constitui tempo porque se reveste
nas experiências adquiridas e construídas em diversas situações ao longo
do exercício docente, no decorrer do qual o conhecimento e os saberes
profissionais são produzidos, elaborados/reelaborados, consolidados e
mobilizados em situações inerentes à prática pedagógica (BRITO, 2006;
GAUTHIER, 1998; TARDIF, 2002; TARDIF; LESSARD, 2008).
No âmbito da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, (n.
9394/96) a formação e atuação de professores no espaço escolar ganha
corpo e legalidade. Em seu artigo 13, inciso V, afirma ser responsabilidade do
professor participar do planejamento, da avaliação e do aperfeiçoamento
profissional e no artigo 67, inciso V, assegura aos professores “período
reservado para estudo, planejamento e avaliação incluído na carga horária
de trabalho”. (BRASIL, 1996). Em complemento, a Lei 11.738/2008,
conhecida como a Lei do Piso, determina em seu artigo 2º, § 4º, que na
composição da jornada de trabalho, observar-se-á o limite máximo de
2/3 (dois terços) da carga horária para o desempenho das atividades de
interação com alunos. Assim, o aparato legal assegura ao professor tempo
destinado à reflexão acerca do fazer pedagógico, inserido em sua jornada
de trabalho, no espaço da escola, em conjunto com seus pares e mediado
pela pessoa do pedagogo ou líder pedagógico.
Nessa perspectiva, a escola, palco de aprendizagens discentes e de
aprendizagens docentes, torna-se também ambiente propício e privilegiado
para a formação dos profissionais que nela atuam. Nesse ambiente,
portanto, os saberes docentes são mobilizados e colocados em prática em
meio às situações adversas; onde a reflexão sobre a prática pedagógica
acontece; onde as trocas se dão e na qual a identidade profissional é
construída afirmando-se ou negando-se (ALARCÃO, 2001).
Diante do exposto estruturamos, desenvolvemos estudo de mestrado
em educação com a proposta metodológica alicerçada na modalidade da
pesquisa qualitativa, com abordagem narrativa, configurando-se como

46  Haêde Gomes Silva • Maria da Glória Soares Barbosa Lima


estudo de natureza descritiva e interpretativa, na perspectiva de investigar:
a formação continuada dos professores no cenário da escola de ensino
fundamental dos anos iniciais, na condição de um processo permeado
pela reflexão, pela produção de saberes e pelo compartilhamento de
aprendizagens. Assim, a escolha por essa modalidade de pesquisa advém da
crença de que essa vertente investigativa propicia certa liberdade teórico-
metodológica, na medida em que dá ao pesquisador condições de traçar
caminhos na efetividade da investigação.
A opção pelo uso da narrativa como uma vertente de investigação
qualitativa justifica-se por ser um método que vem empregado nas pesquisas
em ciências sociais, diante do entendimento de que não há experiência
humana que não possa ser relatada por meio de uma narrativa. Assim, as
narrativas podem ser expressas de várias formas, orais ou escritas, por meio
da música, de imagem, do cinema, de notícias e estão relacionadas com
a própria trajetória da humanidade, na medida em que não há povo sem
história como revelam Jovchelovitch e Bauer, (2015).
Conforme esses autores, narrar acontecimentos implica duas
dimensões: uma cronológica, referente à sequência de fatos e outra
não cronológica que diz respeito à configuração de um enredo. Nessa
perspectiva, nos dizem que “a narrativa não é apenas uma listagem de
acontecimentos, mas uma tentativa de ligá-los, tanto no tempo como
no sentido” (JOVCHELOVITCH; BAUER, 2015, p. 92). É, na verdade, um
enredamento de fatos, acontecimentos, lembranças que têm começo, meio
e fim, que imprimem sentido e coerência à constituição da história, na sua
estruturação, nos seus acontecimentos sequenciais, na sua cronologia.
A narrativa, na compreensão posta, propicia aos sujeitos relatar
suas percepções pessoais, sentimentos e experiências singulares vivenciadas
no decorrer de sua trajetória pessoal e profissional. Nesse sentido, a
pesquisa narrativa “instala um efeito formador e possibilita apreender
conhecimentos específicos sobre as trajetórias individual e coletiva”,
de modo que a potencialidade desse formato de pesquisa é sua função
colaborativa, “[...] na medida em que quem narra e reflete sobre sua
trajetória abre possibilidades de teorização de sua experiência e amplia sua
formação através da investigação-formação de si”. (SOUZA, 2008, p. 169).
A compreensão que emerge, então, é que trabalhar com narrativas
implica de certa forma uma “negociação de poder”, na medida em que
essa prática se assemelha à invasão da vida do nosso interlocutor, a quem

ITINERÁRIOS METODOLÓGICOS DE UM ESTUDO SOBRE A ESCOLA COMO ESPAÇO 47


E TEMPO DE PRODUÇÃO DE SABERES E APRENDIZAGENS
chamamos narrador. Os sujeitos são revestidos das suas próprias histórias,
sentimentos e experiências que, de certo modo, são partilhados com o
outro. Desse fato é possível apreender dos professores, interlocutores da
pesquisa, suas experiências docentes e formativas, o conhecimento sobre
os saberes, sobre o ensino-aprendizagem, sobre o compartilhamento
de experiências e o significado dado por eles a cada um desses aspectos
que representam nossa busca de compreensão da formação continuada
e das aprendizagens compartilhadas no espaço escolar de atuação desses
professores.
Neste sentido, a vida e o trabalho docente são colocados em destaque
como aspectos importantes nas investigações educacionais, por meio de
estratégias que valorizem e coloquem em realce a “voz do professor”, na
medida em que os estudos pautados nessa perspectiva permitem uma fértil
produção de diálogo e dados, bem como proporciona a esses profissionais
seu envolvimento como investigadores e o desenvolvimento de uma atitude
de colaboração junto à pesquisa. “Ouvir a voz do professor devia ensinar-nos
que o autobiográfico, a ‘vida’, é de grande interesse quando os professores
falam do seu trabalho”. (GOODSON, 2007, p. 71).
Sobre o contexto narrativo da ação docente, os professores trazem
para o seio da escola suas histórias pessoais, bem como experimentam
nesse contexto outras histórias que os ajudam a dar significado ao mundo,
portanto, até “o modo como organizam a aula e interagem com os alunos
pode ser visto como o construir e reconstruir a história da sua experiência
pessoal” (GALVÃO, 2005, p. 331). E os professores interlocutores assim o
fizeram, ao produzirem os dados desta pesquisa, para tanto os instrumentos
utilizados foram a Carta Pedagógica e a Entrevista Narrativa.
A Carta, dentre outras possibilidades, revela-se um instrumento
pedagógico de fácil utilização no interior da pesquisa. Comporta destacar
que sua linguagem é determinada pela intenção comunicativa e pela
relação existente entre os pares. Dependendo da intenção, pode ser
descritiva, persuasivo-argumentativa e narrativa. No caso do presente
estudo caracteriza-se como narrativa, comportando, quando necessárias,
nuances descritivas.
Inspiram-se, ainda, nas obras de Paulo Freire, escritas quando
estava fora do Brasil, na condição de exilado, por um período de dezesseis
anos. Nessa oportunidade escreveu três obras importantes, como ressalta
Camini (2012) por ela denominado de “ensaios em formas de cartas”, a

48  Haêde Gomes Silva • Maria da Glória Soares Barbosa Lima


saber: Cartas a Guiné-Bissau (1978); Cartas a Cristina (1994); e Professora
Sim, Tia Não: cartas a quem ousa ensinar (2002). Nesse sentido, com essas
obras, em formato de cartas, o autor, “de forma coloquial, estabelece um
profundo diálogo com o leitor/a e com sua própria prática” (CAMINI,
2012, p. 60).
Por meio dessas obras em que Paulo Freire denominou “Cartas
Pedagógicas”, o autor escreve para os educadores da escola básica, com o
intuito de abrir um diálogo sobre a construção de uma escola democrática
e popular, bem como narra suas experiências com a educação popular,
suas reflexões, indignações e orientações educativas, destinadas não
apenas aos professores e professoras, mas também aos pais e às mães que
buscam respostas as suas inquietudes educativas. O autor em mente, traz
as seguintes considerações sobre as Cartas Pedagógicas:

Fazia algum tempo um propósito me inquietava: escrever umas cartas


pedagógicas em estilo leve cuja leitura tanto pudesse interessar jovens
pais e mães, quem sabe, filhos e filhas adolescentes ou professoras e
professores que, chamados à reflexão pelos desafios de sua prática
docente, encontrassem nelas elementos capazes de ajudá-los na
elaboração de suas respostas. Cartas pedagógicas em que eu fosse
tratando problemas, destacados ou ocultos, nas relações com filhos
e filhas ou alunas e alunos na experiência do dia a dia. Problemas
que, nem sempre, existiram para o jovem pai ou a jovem mãe ou o
jovem professor na experiência quase recente de adolescência ou que,
se existiram receberam diferente tratamento. (FREIRE, 2014, p. 31).

Camini (2012, p. 32), ao falar das Cartas Pedagógicas de Paulo


Freire, registra que se tratam de escritos que “[...] revelam a expressão da
profunda humanidade de Freire” e que se caracterizam como expressivas
narrativas por meio das quais o autor dialoga com pais, educadores,
discutindo problemas contemporâneos, tecendo reflexões sobre o mundo,
sobre a vida, sobre as pessoas, sobre a escola. Essas narrativas falam de
cidadania, de posicionamento político, de indignação, de transformação,
de esperança, no âmbito social educativo. Essa autora informa que,
consubstancialmente, são cartas que proporcionam aprendizagens,
reflexões, imersão no passado, uma forma de liberar tensões ao questionar
o presente numa visão prospectiva.
Na visão da referida autora, as Cartas Pedagógicas são portadoras de
sensibilidade e de sentidos de quem as escreve e têm a intencionalidade de
comunicar, a outrem, questões de caráter pedagógico, relativas a princípios

ITINERÁRIOS METODOLÓGICOS DE UM ESTUDO SOBRE A ESCOLA COMO ESPAÇO 49


E TEMPO DE PRODUÇÃO DE SABERES E APRENDIZAGENS
e valores que permeiam a educação e seus múltiplos cenários, sobretudo
a seus profissionais, no sentido da reflexão acerca de suas experiências
formativas e docentes:

A nosso ver uma carta só terá cunho pedagógico se seu conteúdo


conseguir interagir com o ser humano, comunicar o humano de si
para o humano do outro, provocando este dialogo pedagógico.
Sendo um pouco mais incisivas nesta reflexão, diríamos que uma carta
pedagógica, necessariamente, precisa estar grávida de pedagogia.
Portar sangue, carne e osso pedagógicos. (CAMINI, 2012, p. 70-72).

No que concerne à entrevista narrativa, esta é consignada como uma


modalidade de entrevista em profundidade, possuidora de características
específicas, tendo em vista tratar-se de um formato discursivo, a exemplo
de uma história de vida, que propícia dados de pesquisa, edificando-
se a partir de uma “[...] cadeia de acontecimentos que constroem a vida
individual e social” (JOVCHELOVICH; BAUER, 2015, p. 91). Caracteriza-se
como uma técnica não estruturada, a despeito de sua orientação detalhada,
perspectivando a captação da narrativa dos interlocutores, contendo
aspectos pontuais de sua autobiografia. A utilização deste instrumento é
importante, pois dá ampla liberdade ao pesquisador e aos entrevistados,
de modo que permite desenvolver as questões de maneira livre.
Nessa perspectiva, as narrativas produzidas por estes instrumentos
de produção de dados, oportunizam desvelar as marcas das trajetórias
profissionais e das experiências vivenciadas que favorecem e contribuem
significativamente para apreender sinalizações de aprendizagens docentes,
nas trajetórias de formação continuada na escola, na prática pedagógica
dos professores e do pedagogo, objetivando identificar dentro do cenário
escolar momentos/situações que podem ser reconhecidos como de
formação, de reelaboração de saberes e aprendizagens compartilhadas.
Nesse contexto investigativo, concebemos que o instrumento de
produção de dados constitui peça fundamental na pesquisa, por seu
intermédio são obtidas/produzidas a narratividade dos interlocutores, de
modo que suas informações vão consubstanciando o itinerário investigativo,
dando corpo, forma e visibilidade ao objeto investigado ao propiciar ao
pesquisador uma variada gama de relatos escritos, de reflexões individuais
ou coletivas, que constituem a matéria prima para empreendermos o
processamento analítico dos dados relativos ao estudo, à investigação.
Portanto, justifica-se, desse modo, a relevância desses dispositivos: carta

50  Haêde Gomes Silva • Maria da Glória Soares Barbosa Lima


pedagógica e entrevista narrativa para efetivação da pesquisa, uma vez que
são concebidos como meios legítimos, cada um na sua dimensão, para
produzir informações (GONZÁLEZ REY, 2005).

Das análises: itinerário de estudo

A análise interpretativa dos dados advindos das Cartas Pedagógicas


e das Entrevistas Narrativas, foi organizada em três eixos e subeixos
de análises, segundo a proposta fundamentada em Souza (2004),
denominada “Leitura em três tempos”. Essa proposta considera o tempo
peça importante no ato de lembrar, narrar e refletir sobre acontecimentos
vividos. Mediante essa tríplice leitura, o autor organiza a análise dos dados
dividindo-a em três tempos denominados: Tempo I: Pré-análise/Leitura
Cruzada; Tempo II: Leitura Temática – unidades de análise descritivas;
Tempo III: Leitura interpretativa-compreensiva do corpus. Justificando
que não vê nesse formato analítico, possibilidade de fragmentação entre
esses três comandos orientadores, inclusive porque exigem um retorno às
fontes em seus diferentes momentos: “[...] os três tempos de análise são
tomados numa perspectiva metodológica e mantêm entre si uma relação
de reciprocidade e dialogicidade constantes” (SOUZA, 2004, p. 122).
Explicativamente, o Tempo Analítico I compreende a pré-análise e a
leitura cruzada dos dados, em conformidade com o Eixo 1: Perfil (auto)
biográfico. Ambos deram sustentação à elaboração de perfis (auto)
biográficos de formação dos interlocutores da pesquisa. De acordo
com Sousa (2004), o primeiro Tempo de análise está ligado aos demais,
por possibilitar uma visão geral do grupo e do conjunto das narrativas
produzidas. A organização dos dados nessa primeira fase da pesquisa
possibilitou ainda o entrecruzamento dos relatos viabilizando um melhor
caminhar pelo trânsito analítico. Apesar das narrativas se apresentarem
de modo diversificado, singular e com características individuais inerentes
a cada interlocutor, buscamos visualizar nestas narrativas as recorrências
e paralelismos (BERTAUX, 2010), que são as similaridades dos discursos
produzidos pelos sujeitos.
No Tempo Analítico II, os dados foram organizados de modo a
demonstrar, por meio das leituras e releituras das narrativas produzidas
pelos interlocutores, como refere Souza (2004, p.124), “as regularidades e
irregularidades, particularidades e subjetividades com base na interpretação

ITINERÁRIOS METODOLÓGICOS DE UM ESTUDO SOBRE A ESCOLA COMO ESPAÇO 51


E TEMPO DE PRODUÇÃO DE SABERES E APRENDIZAGENS
e no agrupamento temático e compreensivo dos textos narrativos”. Este
formato de avaliação e interpretação dos dados se integrará ao Eixo
2: Formação, saberes e aprendizagens compartilhas e seus subeixos: a)
Escola: lócus de formação continuada (subeixo1); b) Saberes docentes e
sua produção (subeixo 2); c) Aprendizagens compartilhadas (subeixo 3),
que auxiliaram na organização e análises dos relatos produzidos pelos
interlocutores por intermédio das narrativas de formação.
A análise desenvolvida no Tempo Analítico III: Leitura interpretativa-
compreensiva do corpus- envolve e agrupa elementos dos tempos I e
II, no sentido de pontuar suas interconexões e desse modo realizar a
triangulação de todos os dados analisados, consolidados por meio das
leituras e releituras dos relatos produzidos em busca do desvelamento
das singularidades e dos sentimentos que possibilitam a compreensão do
objeto de estudo e dos objetivos da pesquisa. Com os dados extraídos das
narrativas, empreendemos as análises interpretativas referentes à formação
continuada no espaço da escola de ensino fundamental, aos saberes
produzidos e às aprendizagens compartilhadas, na busca compreensiva e
explicativa do objeto de estudo investigativo da pesquisa realizada.
A utilização deste formato de organização e análise dos dados
em três eixos e subeixos e nos tempos analíticos revelou-se adequado e
produtivo em relação e adequação aos objetivos delineados na pesquisa,
uma vez que, foi possível traçar o perfil dos interlocutores, identificar as
recorrências e os paralelismos, bem como as singularidades e subjetividades
nas narratividades dos professores interlocutores, perspectivando revelar
situações de formação continuada e sua aplicabilidade no espaço da escola,
na prática pedagógica, no que concerne à elaboração e reelaboração de
saberes e ao compartilhamento das aprendizagens.
Ilustrativamente registramos um recorte no qual apresentamos a
organização dos dados, sob a denominação de Tempos Analíticos I, II e III
com inspiração em Souza (2004), conforme expresso no quadro a seguir:

52  Haêde Gomes Silva • Maria da Glória Soares Barbosa Lima


Análise Interpretativa-Compreensiva

EIXOS DE ANÁLISES DINÂMICA ANALÍTICA


Tempo Analítico I:

EIXO 1 Pré-análise/leitura cruzada

Perfil (auto)biográfico Propicia a construção do perfil (auto)


biográfico dos interlocutores e a
articulação entre as narrativas
EIXO 2 Tempo Analítico II: Leitura temática -
unidades de análise descritivas
Formação, Saberes e Aprendizagens
Compartilhadas Trata da organização dos eixos de
Subeixo 1 Subeixo 2 Subeixo 3 análise, em que são avaliados e
interpretados os dados advindos
Escola: lócus Saberes Aprendizagens das narrativas dos professores
de formação docentes e compartilhadas interlocutores, configurando-se em
continuada sua produção um eixo principal e três subeixos de
análises.
Tempo Analítico III: Leitura
interpretativa-compreensiva do corpus

EIXO 3 Integra o agrupamento de elementos


dos Tempos I e II, tendo em vista o
Triangulação das narrativas desvelamento das singularidades
implícitas e explícitas nos dados,
possibilitando a compreensão do
objeto de estudo em questão.
Fonte: Dados da pesquisadora

A organização deste quadro em Eixos e Tempos Analíticos permite


melhor visualização e compreensão do modo como os dados produzidos
foram organizados em eixos de análises. Nesse sentido, acrescentamos que
a realização da tarefa analítica implicou olhares atentos, aprofundados,
compreensão das dinâmicas cotidianas dos interlocutores que exercem,
de alguma forma, influência na sua formação continuada, em termos de
saberes e aprendizagens compartilhadas. Dessa forma: os dados produzidos
nas Cartas Pedagógicas e nas Entrevistas Narrativas, deram margem à
consubstanciação desses eixos principais de análise assim denominados:
Eixo 1: Perfil autobiográfico; Eixo 2: Formação, saberes e aprendizagens
compartilhadas e seus subeixos (Escola: lócus de formação continuada;
Saberes docentes e sua produção; e Aprendizagens compartilhadas) e Eixo
3: Triangulação das narrativas, como ilustrado e explicitado no Quadro
acima.

ITINERÁRIOS METODOLÓGICOS DE UM ESTUDO SOBRE A ESCOLA COMO ESPAÇO 53


E TEMPO DE PRODUÇÃO DE SABERES E APRENDIZAGENS
Notas conclusivas

A opção metodológica utilizada neste estudo, pesquisa qualitativa de


abordagem narrativa, confirma que o uso das narratividades de formação,
como as Cartas Pedagógicas e a Entrevista Narrativa, possibilitaram aos
interlocutores revisitarem seus processos formativos, e que, motivados,
imprimiram em seus registros singulares, subjetivos, pessoais, relacionais e
até mesmo políticos, que na sua totalidade trouxeram respostas às questões
levantadas na pesquisa.
Tanto as Cartas Pedagógicas quanto a Entrevista Narrativa
configuraram momentos importantes de escuta da “voz do professor”,
na medida em que a narratividade expressa nesses dois dispositivos de
produção de dados, colaboram com informações que nos conduziram
ao entendimento de que ouvir os professores no meio de suas narrativas
nos levou a compreensão da escola como lócus deformação continuada
de professores, melhor compreensão sobre os saberes docentes e sua
produção, e ainda sob aprendizagens compartilhadas.
Ao finalizar este artigo, apontamos algumas constatações sobre a
investigação, que deu margem à referida comunicação, que referenda a
escola, cenário da pesquisa, como um espaço formador, como um local em
que os professores, cada um na sua dimensão, investem em sua formação
continuada, no caso, falamos da formação proporcionada pela escola,
o que os levam a reconhecer, igualmente, que a Escola Municipal Galileu
Veloso, cenário deste estudo, colabora com os professores na produção/
mobilização de seus saberes, assim como a reconhecem enquanto lócus de
aprendizagens compartilhadas.
Esse entendimento é atestado pelas narrativas analisadas o que
possibilitaram conhecer o processo formativo dos interlocutores do estudo
e, sua compreensão acerca de como os saberes são elaborados/reelaborados
e consolidados e o modo como compartilham aprendizagens. Diante do
exposto, chegamos ao entendimento, sob o olhar analítico realizado neste
estudo, de que essa modalidade de formação alicerçado no contexto do
espaço escolar é ainda pouco percebida e pouco colocada em prática pelos
que nela atuam, mas que contribui significativamente para reflexão coletiva
dos temas inerentes à escola, às relações estabelecidas entre todos que
fazem esse ambiente educativo, bem como das representações construídas
do ser professor e da sua prática pedagógica.

54  Haêde Gomes Silva • Maria da Glória Soares Barbosa Lima


Desse modo, a dimensão teórica que alicerçou as discussões que
dão sustentação ao estudo realizado proporciona a convicção de que a
formação continuada de professores, conforme perspectivada, atende as
necessidades e singularidades formativas dos professores interlocutores da
pesquisa, caracterizando-se como uma formação que se contrapõe à lógica
tecnicista, visto que não comunga com a ideia de saberes fragmentados e
descontextualizados, e por extensão não comunga com a ideia de conceber
o professor apenas como técnico e transmissor dos conhecimentos
instituídos historicamente.
O diálogo empreendido com os dados analisados, à luz da orientação
teórica do estudo e que consubstanciaram nossa pesquisa, aponta a escola
como ambiente que proporciona também formação de seus professores,
na medida em que se configura como espaço de experiências profissionais,
onde saberes e fazeres são desenvolvidos, relações e aprendizagens são
estabelecidas e o trabalho docente é pensado, planejado, posto em ação
e compartilhado. Aponta que o professor não é apenas um executor
de tarefas preestabelecidas, mas um profissional que reflete sobre o
trabalho que realiza, que produz saberes e que divide com seus pares as
aprendizagens aferidas. O olhar analítico empreendido sob as narrativas
revelou aspectos relacionados à formação continuada, produções de
saberes e aprendizagens compartilhadas no contexto da escola de ensino
fundamental, às relações estabelecidas com seus pares, entre outros que
foram comunicados pelas singularidades e particularidades das narrativas
dos professores interlocutores desta pesquisa.
Pelo contributo das narrativas autobiográficas que, neste estudo
foi possível, ouvir, ler, interpretar, analisar, considerando o lugar de onde
falam seus autores (professores) que permitiram acessar a um lastro
compreensivo que constitui sua trama narrativa, que se converte em
caminho possível e passível de ser integrado ao campo particular do estudo
que desenvolvemos, representa uma arte que diz sobre o viver a formação
continuada, sobre os saberes dos professores e que diz sobre interação e
partilhas de aprendizagem.

Referências

ALARCÃO, I. Escola reflexiva e nova racionalidade. Porto Alegre: Artmed,


2001.

ITINERÁRIOS METODOLÓGICOS DE UM ESTUDO SOBRE A ESCOLA COMO ESPAÇO 55


E TEMPO DE PRODUÇÃO DE SABERES E APRENDIZAGENS
______. Professores reflexivos em uma escola reflexiva. São Paulo: Cortez,
2007.

BERTAUX, D. Narrativas de vida: a pesquisa e seus métodos. São Paulo:


Paulus, 2010.

BRASIL. Ministério da Educação. Lei nº 9.394, de 24 de dezembro de


1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, DF.
Disponível em: <http://www.mec.gov.br/>. Acesso em: 23.06. 2014.

______. Ministério da Educação. Lei nº 11.738, de 16 de julho de 2008.


Lei do Piso salarial profissional dos profissionais do magistério público
da educação básica. Brasília. Disponível em: <http://www.mec.gov.br/>.
Acesso em 05.01.2016.

BRITO, A. E. Formar professores: rediscutindo o trabalho e os saberes


docentes In: MENDES SOBRINHO, J. A. C.; CARVALHO, M. A. (Org.).
Formação de professores e práticas docentes: olhares contemporâneos.
Belo Horizonte: Autêntica, 2006. p. 41- 53.

CAMINI, I. Cartas pedagógicas: aprendizagens que se entrecruzam e se


comunicam. São Paulo: Outras Expressões, 2012.

FREIRE, P. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos.


São Paulo: Paz e Terra, 2014.

GALVÃO, C. Narrativas em educação. Ciências e Educação, v. 11, n. 2,


2005. p. 327-345.

GAUTHIER, C. Por uma teoria da pedagogia: pesquisas contemporâneas


sobre o saber docente. Ijuí. RS: UNIJUÍ, 1998.

GONZÁLEZ REY, F. Pesquisa qualitativa e subjetividade: os processos de


construção da informação. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005.
GOODSON, I. F. Dar voz ao professor: as histórias de vida dos professores
e o seu desenvolvimento profissional. In: NÓVOA, A. Vida de professores.
Porto: Porto Editora, 2007. p. 65 - 78.

56  Haêde Gomes Silva • Maria da Glória Soares Barbosa Lima


JOVCHELOVITCH, S.; BAUER, M. W. Entrevista narrativa. In: BAUER, M.;
GASKELL, G. (Ed.). Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um
manual prático. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015. p. 90 – 113.

MAGALHÃES, M. C. C. (Org.). A formação do professor como


profissional crítico: linguagem e reflexão. Campinas/SP: Mercado das
Letras, 2004.

NÓVOA, A. (Coord.). Os professores e a sua formação. Lisboa: Dom


Quixote, 1992.

______. A. formação de professores e profissão docente. (vídeo). São


Paulo, 2011. 90 min. Disponível em: <www.youtube.com>. Acesso em:
20.10.2015.

SOUZA, E. C. O conhecimento de si: narrativas do itinerário escolar e


formativo de professores. Tese de Doutorado, Faculdade de Educação,
2004. Disponível em: <https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/.../1/
Tese_Elizeu%20Souza.pdf>. Acesso em: 16.01.2015.

______. Modos de narração e discurso da memória: biografização,


experiência e formação. In: PASSEGGI, M. da C.; SOUZA, E. C. (Org.).
(Auto)biografia: formação, territórios e saberes. Natal, RN: EDUFRN;
São Paulo: PAULUS, 2008.

TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis, RJ:


Vozes, 2002.

______; LESSARD, C. O ofício de professor: histórias, perspectivas e


desafios internacionais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.

ITINERÁRIOS METODOLÓGICOS DE UM ESTUDO SOBRE A ESCOLA COMO ESPAÇO 57


E TEMPO DE PRODUÇÃO DE SABERES E APRENDIZAGENS
PRODUZINDO DADOS COM PESQUISA
NARRATIVA PARA APREENDER A
CONSTITUIÇÃO DAS APRENDIZAGENS DO
PROFESSOR DE EDUCAÇÃO INFANTIL

Kelly Karine Sousa Rodrigues Figueiredo


Maria da Glória Soares Barbosa Lima

Introdução

R
egistramos como início deste capítulo algumas premissas
sinalizando a representatividade da pesquisa, inclusive da
narrativa, na constituição das aprendizagens do professor
de educação infantil: a) “A pesquisa científica exige criatividade, disciplina,
organização [...]” (GOLDENBERG, 2015, p. 13), atentando para o fato
de que pesquisar não é só apontar para a processualidade metodológica,
vai além, como refere Oliveira (2007); b) é preciso o desenvolvimento
de atividade científica para com segurança trilhar pelos caminhos de
construção de um novo conhecimento; c) pela pesquisa atualizamos nossa
tarefa de ensinar, visto que pesquisar, de certa forma, vislumbra beneficiar
a escola, o ensino, os professores e os alunos.
Mediante essa compreensão, decidimos pelo emprego da pesquisa
narrativa como método para realização desse propósito. Esse tipo de
pesquisa viabiliza ao sujeito da formação ou da prática pedagógica
reapropriar-se de sua experiência pregressa, entre outros aspectos, para

PRODUZINDO DADOS COM PESQUISA NARRATIVA PARA APREENDER A CONSTITUIÇÃO 59


DAS APRENDIZAGENS DO PROFESSOR DE EDUCAÇÃO INFANTIL
rememorar, na perspectiva autobiográfica, seus trajetos formativos e de
prática profissional.
A compreensão é, por conseguinte, que práticas pedagógicas
inovadoras representam questões socialmente significativas para o cenário
educacional que nos circunda, no sentido de adequar-se à atualidade,
para que se interponha o necessário diálogo teórico que envolve múltiplos
aspectos, conexões e visões de mundo, que demarcam a atitude do
pesquisador, favorecendo perceber, pelo componente analítico, “a realidade
empírica dentre de um conjunto, no qual as partes estão intrinsicamente
imbricadas no todo” (OLIVEIRA, 2007, p. 34), no contexto de uma visão
integral de mundo, a partir de um processo dialético.
Compreendendo-se, também, a representatividade da pesquisa
como instrumento de reflexão que proporciona ao professor uma atitude
crítica sobre sua prática pedagógica, buscando qualidade na sua atuação
profissional. Nesse sentido, este texto elaborado a partir de uma pesquisa
de mestrado no campo da educação, intitulada “Aprendizagens docentes
na educação infantil: vivências pedagógicas e escritas de si”, objetivando
analisar a constituição das aprendizagens que subsidiam a prática
pedagógica do professor de educação infantil, desenvolve-se apoiada na
seguinte estruturação: Introdução; Narrativa como opção metodológica;
Caminhos de produção de dados: memorial e entrevista narrativa; Análise
dos dados narrativos: o conteúdo das mensagens; Conclusão.

Narrativa como opção metodológica

A pesquisa narrativa como método de estudo representa um processo


que viabiliza ao sujeito pensar narrativamente, atentando para os meandros
de sua vida pessoal e profissional, posto que estas duas instâncias podem
ser vividas e explicadas à luz da narratividade, pelas histórias de vida dos
interlocutores da pesquisa (CLANDININ; CONELLY, 2011).
Trata-se de um método que emprega as histórias, as memórias, os
sentimentos que permitem ao pesquisador-professor acessar à compreensão
de aspectos que envolvem a prática docente, os processos de formação do
professor e sua prática profissional. Portanto, considerar sobre esse método
nos leva a evocar autores como Catani (2003) e Souza (2006) que em seus
estudos tratam acerca da constituição da subjetividade docente por meio
de histórias de vida, no campo da educação. Para esses autores, trata-se de

60  Kelly Karine Sousa Rodrigues Figueiredo • Maria da Glória Soares Barbosa Lima
um método de pesquisa que colabora no sentido de que os sujeitos melhor
compreendam seus processos formativos e constitutivos de ser professor no
que tange aos campos de formação e da prática pedagógica.
Partindo desse suporte, evidenciamos o entendimento que as
professoras de educação infantil (interlocutoras da pesquisa) expressam
acerca da constituição de suas aprendizagens docentes. É, na verdade, como
diz Josso (2004) que o exercício de narrar-se agrega, simultaneamente, a
singularidade de dados pessoais, conhecimentos, técnicas nos processos de
pesquisa que envolvem professores e suas práticas profissionais docentes.
O uso da narrativa, nesse aspecto, leva à compreensão de que contar
histórias possibilita revelar novas reflexões sobre as experiências docentes,
sobre as dificuldades encontradas, as estratégias elaboradas para superar
essas dificuldades e os resultados das aprendizagens dos alunos, mostrando
como as aprendizagens docentes são constituídas ao longo da trajetória
pessoal e profissional.
À medida que o professor faz uma retrospectiva de sua história,
em um tempo e lugar, sobre suas experiências vivenciadas como aluno,
na sua formação inicial e continuada, e também em sala de aula, clareia
seu entendimento sobre seu percurso formativo por meio da reflexividade,
possibilitando ressignificação de sua prática docente.
Sob esse entendimento, a pesquisa narrativa ajuda a compreender,
a explicitar, as questões norteadoras desta investigação científica: O que
os professores da educação infantil aprendem sobre o ensinar nos seus
percursos formativos e nas práticas docentes? Em que aspectos estas
aprendizagens subsidiam as práticas docente na educação infantil? Que
contextos de aprendizagens dão suporte à docência na educação infantil?
Assim, compreendemos que o professor constrói sua história a
partir de inúmeras trajetórias que vivencia e compartilha com seus pares
no ambiente escolar e no contexto social: trajetória familiar, trajetória
escolar, trajetória acadêmica, proporcionando reflexões que favoreçam o
desenvolvimento profissional. Ao mesmo tempo em que o sujeito organiza
suas ideias para o relato escrito ou oral, reconstrói sua experiência de forma
reflexiva, fazendo uma autoanálise de sua prática.
Essa compreensão representa um dos ângulos explicativos da
pesquisa narrativa, em razão de seu caráter formativo, pois a escrita de
relatos de si propicia aos indivíduos a possibilidade de articular, por meio
da narratividade que produzem sobre suas histórias, aspirações, ambições,

PRODUZINDO DADOS COM PESQUISA NARRATIVA PARA APREENDER A CONSTITUIÇÃO 61


DAS APRENDIZAGENS DO PROFESSOR DE EDUCAÇÃO INFANTIL
experiências pelas quais passaram, suas trajetórias pessoal e profissional
de sentido, permitindo que as pessoas comecem a refletir sobre sua prática
docente, descobrindo novas estratégias, recursos, novas mudanças no seu
fazer e no seu pensar. A esse respeito, Souza (2006, p. 61) acrescenta:

[...] na escrita da narrativa a arte de evocar e de lembrar remete o


sujeito a eleger e avaliar a importância das representações sobre as
práticas formativas que viveu, de domínios exercidos por outros sobre
si, de situações fortes que marcaram escolhas e questionamentos
sobre suas aprendizagens, da função do outro e do contexto sobre
suas escolhas, dos padrões construídos em sua história e de barreiras
que precisam ser superadas para viver de forma mais intensa e
comprometida consigo próprio.

Implica, ao mesmo tempo, entender que o sujeito organiza suas ideias


para o relato escrito ou oral, reconstrói sua experiência de forma reflexiva
e, portanto, acaba fazendo uma autoanálise compreensiva de sua prática.
O exercício de narrar provoca evocações, mudanças, acerca de passagens
marcantes da vida do narrador, na forma como as pessoas compreendem
a si e aos outros, por isso que comporta afirmar que o relato sobre uma
realidade pode afetar essa mesma realidade. E esse provimento é, também,
compreendido como autoformação, reforçando sobre a importância
da escrita da memória autobiográfica, como é o caso deste estudo que
investiga acerca da constituição de aprendizagens de professores da
educação infantil.
Portanto, as narrativas permitem adentrar num campo subjetivo e
concreto em que os professores possam tecer reflexões sobre o passado e o
presente de sua formação, tornando possível desvendar modelos e princípios
que estruturam discursos pedagógicos que compõem o agir e o pensar dos
sujeitos, descrevendo contextos de sua construção, além de evidenciar os
limites e possibilidades que marcam seus processos formativos, pois o ato
de lembrar e narrar possibilita ao sujeito reconstruir experiências, refletir
acerca de sua trajetória pessoal e profissional, ressignificar sua própria
prática (SOUZA, 2006).
Pelo exposto em relação à narrativa como opção metodológica, nossa
intenção é realçar, no presente artigo, a importância da escolha por uma
tipologia de pesquisa que possibilita aos sujeitos interlocutores narrarem
acerca das experiências vividas e vivenciadas, promovendo um constante

62  Kelly Karine Sousa Rodrigues Figueiredo • Maria da Glória Soares Barbosa Lima
diálogo interior, um autoconhecimento que situa o narrador como sujeito
e como autor de sua história de vida, como detentor de conhecimento de
seus percursos formativos e constitutivos de suas aprendizagens docentes.

Caminhos de produção de dados: memorial e entrevista narrativa

A investigação científica de acordo com a sua natureza requer


uma maneira sistemática de produzir dados, usando métodos e técnicas
apropriadas, tendo em vista buscar respostas às questões elencadas
pela pesquisa, proporcionando contato direto entre o pesquisador e o
sujeito pesquisado e, assim, permitindo maior interação com a realidade
estudada.
Nesse sentido, para concretização da pesquisa sobre aprendizagens
docentes que subsidiam a prática pedagógica do professor de educação
infantil, empregamos o método narrativo, utilizando técnicas que levaram
os sujeitos da pesquisa a reverem, relembrarem, suas experiências de
vida, de formação e de atuação profissional, por meio de memoriais e de
entrevista narrativas. Os memoriais como histórias de vida carregam no seu
interior a potência das narrativas autobiográficas, nos dizeres de Passeggi
(2009), na condição de práticas que viabilizam o exercício autorreflexivo na
formação do professor. As entrevistas narrativas demandaram um tempo
relativo de gravação destinado à rememoração oral das interlocutoras no
que diz respeito, também, a sua caminhada como professora da educação
infantil, exercendo sua reflexão rememorativa em torno desse percurso.
Essas técnicas de produção de dados e seu desenvolvimento
colaboraram com o alcance dos objetivos da pesquisa. A construção
gradativa de cada encontro com os professores permitiu que os caminhos
da pesquisa se orientassem e se reorientassem no decorrer do processo.
Esses contatos favoreceram a construção da confiança entre a pesquisadora
e as professoras participantes.

Sobre o Memorial: narrativas de si desvelando trajetórias

A história é feita com o tempo, com a experiência do homem, com


suas histórias, com suas memórias, razão por que Prado e Soligo (2005, p.
5) referem que:

PRODUZINDO DADOS COM PESQUISA NARRATIVA PARA APREENDER A CONSTITUIÇÃO 63


DAS APRENDIZAGENS DO PROFESSOR DE EDUCAÇÃO INFANTIL
[...] construir o memorial é um processo voltado não apenas para
o passado, mas também para o presente e para o futuro. Ao narrar,
visitamos o passado, na tentativa de buscar o presente, onde as
histórias se manifestam, trazendo à tona fios, feixes que ficaram
‘esquecidos’ no tempo.

A escrita do memorial de formação possibilita ao sujeito da pesquisa


ser, ao mesmo tempo, escritor/narrador/personagem da sua história,
em que os acontecimentos são narrados fazendo referência ao lugar que
ocupa profissionalmente e, quando necessário, lança mão de memórias
relacionadas a outras experiências (de filho, aluno, neto, amigo) que foram
relevantes para seu processo formativo, ressaltando, às vezes, aspectos
positivos e negativos, sucessos e dificuldades, problemas e soluções, que
surgem/surgiram nesse percurso (PRADO; SOLIGO, 2005).
Entendemos, portanto, que o memorial é um tipo de escrita reflexiva
e rememorativa de vida pessoal, formativa e profissional. A escrita do
memorial favoreceu às professoras (no caso do estudo em referência) o
relembramento de suas experiências de vida, de formação e de atuação
profissional. A escrita das memórias viabilizou relatar algo que marcou
sua vida, sua vivência, sua experiência, envolvendo reflexões acerca dos
“acontecimentos”, dos aprendizados professorais.
Assim, à medida que a narrativa vai se processando,
concomitantemente, vai ocorrendo a descoberta de si mesmo. O fascínio
da escrita de si vai se instalando e permitindo o tecimento da vida pessoal
atrelada à vida profissional. Na verdade, vai se desvelando o caminho
percorrido para construir a identidade docente, proporcionando um novo
olhar sobre o percurso de vida, que revela, inclusive, nuances de um novo
fazer pedagógico, uma autoformação, como nos diz Passeggi (2010).
Registramos, desse modo, que a escrita do memorial constituiu-se,
portanto, ferramenta importante que possibilitou às professoras do estudo
compreenderem que o processo de formação representa um conjunto
de aquisições de conhecimento por meio de aprendizagens construídas
individualmente ou em grupo ao longo da vida que, em decorrência, dão
forma e sentido ao seu desenvolvimento profissional. No que concerne a
esse processo, encontramos em Josso (2007, p. 424) a seguinte descrição
de suas múltiplas facetas:

64  Kelly Karine Sousa Rodrigues Figueiredo • Maria da Glória Soares Barbosa Lima
a) Como um processo evolutivo de integração/desintegração de
saber pensar, de conhecimentos, de representação, de valores, de
comportamento, de saber fazer;
b)  Como um processo de dar sentido às aprendizagens formais e
informais, às experiências e aos projetos de si;
c)  Como um processo de tomadas de consciência de si e de suas
potencialidades;
d)  Como um processo de concretização de uma intencionalidade em
projetos;
e)  Como uma transformação permanente.

Dizemos, nesse sentido, que ao trabalharmos com memória, estamos


conscientes de que tentamos capturar o fato, sabendo-o reconstruído
por uma memória seletiva, intencional (ou não), do sujeito. A natureza
temporal tridimensional da narrativa, tendo em vista que rememora o
passado com olhos do presente e permite prospectar o futuro, é razão pela
qual o próprio discurso narrativo não procura necessariamente obedecer a
uma lógica linear e sequencial (ABRAHÃO, 2012).
O memorial, portanto, que ora discutimos, revela-se como uma
expressão da memória. No caso deste estudo, da memória de professoras,
trazendo aspectos importantes de seu processo de formação e de atuação
que pode se constituir num instrumento representativo para a interpretação
da própria vida, tornando a pessoa mais visível para si mesma, podendo,
inclusive, proporcionar transformações e ressignificações de suas práticas
de ensino-aprendizagem na educação infantil. Trabalhar com memória
na pesquisa é proporcionar a (des)construção das próprias experiências,
tanto do pesquisador quanto do sujeito pesquisado, (re)descobrindo os
significados que têm atribuído aos fatos que viveram, compreendendo a si
mesmos (OLIVEIRA, 2010).
As orientações da escrita dos memoriais ocorrem no primeiro
encontro com as interlocutoras da pesquisa, oportunidade em que as
professoras fizeram alguns questionamentos, mas não demonstraram
nenhuma rejeição com relação à sua escrita. Naquele momento entregamos
um caderno personalizado de registro para cada uma, nos quais registraram
suas memórias. Portanto, a utilização do memorial de formação, nessa
pesquisa, objetivou registrar os dados pessoais e a trajetória profissional

PRODUZINDO DADOS COM PESQUISA NARRATIVA PARA APREENDER A CONSTITUIÇÃO 65


DAS APRENDIZAGENS DO PROFESSOR DE EDUCAÇÃO INFANTIL
dos professores-interlocutores, realçando o aspecto constitutivo de suas
aprendizagens relativas a ensinar na educação infantil.
O registro do memorial nesta pesquisa mostrou-se relevante
oportunidade de conhecer os itinerários formativos dos professores da
educação infantil, visando dar sentido e significado às aprendizagens
adquiridas em vários contextos da vida de cada uma, concebidas antes,
durante e depois da escolha profissional.
Reforçamos, desse modo, sobre a importância dos memoriais para
as interlocutoras, na rememoração dos processos formativos, no tempo
de escola, no percurso da vida acadêmica e na sua prática docente. Essas
particularidades foram avivadas por todas elas, ao relatarem que o memorial
proporcionou reviver momentos singulares, notadamente no que concerne
à reflexividade sobre a própria prática, no que diz respeito à revisitação de
suas experiências profissionais e, ainda, no que concerne à possibilidade de
planejar novos caminhos, novos sonhos futuros.

Sobre a entrevista narrativa: para além do esquema pergunta-resposta

Concebemos a entrevista como modo de comunicação em que


determinada informação é passada de uma pessoa a outra. Essas
informações podem ser passadas por meio de narrativa, em que as pessoas
lembram a sequência de determinado fato importante da sua vida e do
contexto social de sua ocorrência, encontrando possíveis explicações para
o fenômeno, construindo dessa forma a cadeia de acontecimentos relativos
ao entorno de sua vida social e individual (JOVCHELOVICTH; BAUER,
2010).
A entrevista narrativa caracteriza-se como técnica não estruturada,
em que o interlocutor não obedece a uma sequência lógica pois, a
pesquisa visa aprofundar aspectos específicos, a partir das histórias de
vida das interlocutoras entrecruzadas no contexto situacional. Para tanto,
elaboramos um roteiro com pontos considerados relevantes, porém sem
uma pré-estruturação a partir de um esquema autogerador, que consiste em
deixar as interlocutoras mais encorajadas e estimuladas para narrarem suas
histórias sobre sua prática pedagógica e sobre suas aprendizagens docentes
produzidas na sua trajetória pessoal e profissional. Jovchelovicth e Bauer
(2010), baseados em Schütze (1987), nos dizem que as narrativas produzidas
nas entrevistas são resultadas de entrelaçamento dos acontecimentos, que

66  Kelly Karine Sousa Rodrigues Figueiredo • Maria da Glória Soares Barbosa Lima
muitas vezes estavam ofuscados ou até mesmo esquecidos nas experiências
da história de vida das interlocutoras.
Portanto, o objetivo da referida técnica nesta pesquisa, é oportunizar
às interlocutoras narrarem um pouco mais sobre as aprendizagens que
subsidiam a prática docente. Essa técnica foi aplicada no decorrer de quatro
encontros individualizados, no respectivo espaço de trabalho, acontecendo
que somente com uma professora a entrevista foi feita em sua residência.
Respeitamos a escolha do espaço e do tempo de cada interlocutora, para
melhor conduzir o processo investigativo. Todas as entrevistas foram
gravadas, cada uma com duração média de 60 minutos. Finalizada a
realização das entrevistas, passamos à etapa de transcrição desse material,
sobre os dados resultantes da entrevista narrativa.
A entrevista narrativa da pesquisa apresenta-se alicerçada de acordo
com as fases e regras consideradas principais por Jovchelovicth e Bauer
(2010): preparação, iniciação, narração central, fase de pergunta e fase
conclusiva. A função de suas fases é orientar o entrevistador a enriquecer
as narrações dos interlocutores, levando os sujeitos a contarem os
acontecimentos importantes sobre o objeto de estudo, que na pesquisa
originadora deste artigo encontra-se, assim, delineado: aprendizagens que
subsidiam a prática docente do professor de educação infantil.
Dessa forma, o pesquisador ao eleger a entrevista narrativa para a
produção de dados, reconhece como necessário ter o domínio da técnica
bem como entender suas particularidades. Desse modo, buscando o
seguimento da técnica, preparamos um roteiro de entrevista com os
seguintes temas geradores: aprendizagens docentes, percurso da formação,
educação infantil, prática docente, compreendendo a primeira fase.
Na segunda fase, inicialmente, solicitamos o consentimento das
interlocutoras para a gravação, explicamos, passo a passo, todos os
procedimentos, inclusive que a entrevista deve ocorrer sem interrupção.
Explicamos que foi formulado um tópico (questão gerativa), o qual foi
aplicado na entrevista como forma de obter as informações necessárias
para compreender o fenômeno social em questão.
Na terceira fase, narração central, momento em que concretamente
a narração começou, foi, então, que solicitamos às interlocutoras que
descrevessem seu percurso profissional, colocando em realce, conforme
fossem lembrando, as aprendizagens adquiridas nesse percurso e as
influências que elas causaram/causam na sua prática docente, bem como

PRODUZINDO DADOS COM PESQUISA NARRATIVA PARA APREENDER A CONSTITUIÇÃO 67


DAS APRENDIZAGENS DO PROFESSOR DE EDUCAÇÃO INFANTIL
aspectos sobre a escolha da profissão, formação e experiências docentes
em geral. Nessa fase, a exemplo das demais fases, tivemos o cuidado de
esclarecer que todos os detalhes eram importantes para análise dos dados,
para a compreensão do objeto de estudo.
Na quarta fase, passamos aos questionamentos, momento em que
buscamos esclarecer alguns tópicos que não ficaram claros durante a
narratividade nas fases anteriores. Cabendo o alerta de que esta fase só se
inicia quando o entrevistador comprova, com clareza, o fim da narração
central. Todas essas fases elencadas, até aqui, foram gravadas com o
consentimento das interlocutoras.
No momento da quinta fase, denominada conclusiva, o gravador
foi desligado e passamos a fazer anotações. Nesse momento ocorreram
discussões interessantes na forma de comentários informais, representando
momentos singulares, importantes, para a interpretação dos dados.

Análise dos dados narrativos: o conteúdo das mensagens

Na consideração de que se trata de uma pesquisa narrativa, indaga


que aprendizagens docentes são constituídas pelo professor da educação
infantil, escolhemos um suporte teórico orientador para que pudéssemos
efetivar o processo analítico dos dados. Nesse sentido, optamos pela
proposta da análise apresentada por Bardin (2016): a análise do conteúdo,
conceituada como um conjunto de técnicas de análise de comunicações
visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do
conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitem
a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção
(variáveis inferidas) dessas mensagens.
Franco (2008) entende que essas mensagens estão vinculadas ao
contexto social ao qual os interlocutores estão inseridos, que envolvem
a evolução histórica da humanidade, as situações econômicas e sócio
culturais, que, a rigor, estão carregadas de componentes cognitivos, afetivos,
valorativos e historicamente mutáveis. Dessa forma, a mensagem expressa
um significado e um sentido, que não são considerados isoladamente.
Para tanto, os autores sugerem um caminho metodológico delineado
em diferentes fases que possibilitam a produção do corpus de informações
e seu desvelamento. Assim, para analisarmos os dados da pesquisa,
privilegiamos a análise de conteúdo conforme propõe Bardin (2016). Esse

68  Kelly Karine Sousa Rodrigues Figueiredo • Maria da Glória Soares Barbosa Lima
caminho analítico envolve as seguintes fases: pré-análise, exploração do
material e o tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação.
A primeira etapa corresponde à pré-análise, fase da organização, na
qual escolhemos trabalhar com os memoriais e depois com as entrevistas
narrativas para serem submetidos ao processo de análise. Fizemos a escuta
atenta, realizamos a transcrição das entrevistas e fizemos a leitura flutuante
principalmente do memorial para conhecer melhor cada narrativa e traçar o
perfil biográfico das interlocutoras e, associado a esses aspectos, encontrar
elementos citados com mais frequência na narratividade das professoras,
relacionadas aos objetivos da pesquisa, favorecendo o estabelecimento dos
indicadores que, progressivamente, orientam a interpretação final.
A segunda etapa, caracteriza-se por ser longa e cansativa, quando
são realizadas leituras e releituras atentas de cada narrativa, buscando,
nas entrelinhas, nas entonações, nas palavras ditas, seus significados, com
objetivo de definir categorias (sistema de codificação) e a identificação das
unidades, iniciando dessa forma o processo de categorização, viabilizando
a processualidade analítica. Os dados brutos do texto são transformados
através de recorte, agregação e numeração de acordo com as questões
norteadoras da pesquisa, levando em consideração as singularidades da
narratividade de cada interlocutora.
Na terceira fase, procedemos ao tratamento dos resultados, inferência
e interpretação. Nessa fase, a pretensão foi realizar a elaboração do quadro
de análises, resultante das interpretações inferenciais. Compreendeu o
momento da análise reflexiva e crítica da pesquisadora, em que analisamos
as contribuições dos participantes, com apoio no quadro teórico definido.
Os dados produzidos na investigação, através dos memoriais e
da entrevista narrativa, resultaram em três eixos categoriais principais:
Aprendizagens sobre o ensinar na educação infantil constituídas no percurso
formativo; aprendizagens docentes no contexto profissional e contextos de
aprendizagens que dão suporte a docência na educação infantil.

Conclusão

A pesquisa narrativa tem como premissa dar voz e vez aos sujeitos
investigados, de modo a viabilizar, entre outros aspectos, a rememoração
de experiências por meio das narrativas de seus trajetos formativos e
de prática profissional, possibilitando uma atitude crítica, buscando

PRODUZINDO DADOS COM PESQUISA NARRATIVA PARA APREENDER A CONSTITUIÇÃO 69


DAS APRENDIZAGENS DO PROFESSOR DE EDUCAÇÃO INFANTIL
qualidade na atuação profissional, como se encontram expressos nas vozes
das professoras, em seus “retalhos narrativos”.
Os achados da pesquisa permitem demonstrar que as aprendizagens
de professores da educação infantil e sua constituição vêm da construção
e da pavimentação de um longo caminho que, paradoxalmente, com o
tempo passa a ser desconstruído, reconstruído, retomado, continuamente.
Revelam desafios e enfrentamentos que incidem em (re)configurações
contínuas nos fazeres e nos saberes dos profissionais que escolhem a
docência como campo de atuação.
No conjunto, as professoras interlocutoras, que trabalham na
educação infantil, revelaram-se aptas a perceberem que a natureza
infantil tem suas complexidades e que é preciso desenvolver uma postura
de observador, bastante apurada, a fim de apreender e aprender o que
é ser criança e como se deve lidar com ela, como compreender o papel
fundamental de uma proposta pedagógica bem elaborada para que sejam
trabalhadas atividades que promovam o desenvolvimento da criança em
todos seus aspectos físicos, emocionais, afetivos e cognitivos da criança.
As professoras, ao rememorarem suas trajetórias, evidenciam a
família como um contexto em que se adquire postura, gosto pelo ensino e
influência pela carreira docente, principalmente a família que tem pessoas
relacionadas à profissão docente, pois o contato é mais intenso. Evidenciam,
também, que os professores da educação básica influenciaram, tanto na
escolha da docência, quanto na maneira de aprenderem a docência.
Na perspectiva analítica deste estudo, as revelações nos fazem entender
que as aprendizagens que subsidiam a prática docente do professor de
educação infantil demandam da aquisição de aprendizagens direcionadas
para o desenvolvimento do trabalho dessa modalidade de ensino. Essas
aprendizagens se constituem em contextos formais e não formais. As
aprendizagens formais são adquiridas por intermédio dos processos de
formação inicial, continuada e em serviço e as aprendizagens não formais
são adquiridas, construídas na prática, com os pares, com as crianças e em
outros contextos a análise do conteúdo narrativo do conjunto de dados do
estudo revelou sobre a constituição das aprendizagens docentes, segundo
as narrativas das interlocutoras que seguem registradas as principais
constatações do estudo:

70  Kelly Karine Sousa Rodrigues Figueiredo • Maria da Glória Soares Barbosa Lima
• Aprendem no curso de formação inicial, o qual possibilita a
aquisição de conhecimentos sobre o ato de ensinar na educação
infantil. Esse conhecimento se consolida quando a teoria está atrelada
com a prática (estágios), por meio da reflexividade, contribuindo
com o modo de ser, pensar e agir docente, transformando-se, assim,
em um contexto de aprendizagens docentes.
• Aprendem nos cursos de formação continuada, que proporcionam
aos docentes momentos de reflexão e compartilhamento de
experiências vividas em sala de aula, norteando e favorecendo o
processo de constituição de suas aprendizagens relativas ao ensinar.
• Aprendem no contexto da sala de aula, que é um espaço de
permanente aprendizagem, pois o professor aprende com a rotina,
com os alunos, com os desafios do dia a dia. O professor revela
habilidades e competências diversas, estabelecendo caminhos,
direções para atender às necessidades infantis.
• Aprendem, também, por intermédio do enfrentamento das
dificuldades no dia a dia da sala de aula, como: choro, falta de
acompanhamento dos pais, crianças com necessidades educativas
especiais, momentos em que o professor, por meio de um trabalho
em equipe, às vezes, solitariamente, reúne saberes para vencer essas
demandas.
• Aprendem com os pares, na troca de experiências e por meio da
observação. Nesse sentido, as interlocutoras apontam que precisam
do apoio do outro para desenvolver-se profissionalmente.
• Aprendem em outros contextos representados pela formação
em serviço, ocorrida muitas vezes nos momentos de horários
pedagógicos, na realização do planejamento didático, em que o
foco principal é o aprendizado da criança, proporcionando assim,
o desenvolvimento do trabalho docente, aprendendo, inclusive, por
meio de internet, livros, palestras, encontros, entre outros.
• Aprendem por meio das experiências - proporciona renovadas
aprendizagens, com ajuda dos pares e das teorias adquiridas ao
longo da vida, atreladas à intencionalidade do professor em querer
questionar, refletir, aprender, compreendendo com mais clareza as
situações enfrentadas no contexto da sala de aula.

PRODUZINDO DADOS COM PESQUISA NARRATIVA PARA APREENDER A CONSTITUIÇÃO 71


DAS APRENDIZAGENS DO PROFESSOR DE EDUCAÇÃO INFANTIL
Diante dessas constatações, referendamos que o conceito de
aprendizagem docente diz respeito a um processo complexo que ocorre ao
longo da carreira profissional, envolvendo diferentes contextos, tempos,
pessoas e experiências. Para tanto, faz-se necessário que o professor deseje
e tenha a necessidade de aprender e reaprender novos conhecimentos,
trilhar novos caminhos de formação continuada.
Nesse sentido, o estudo aponta que os professores interlocutores do
estudo busca tornar proveitosas todas as oportunidades de aprendizagens,
que se apresentava nas suas trajetórias formativas, atualizando-se, refletindo
criticamente sobre sua prática, inovando, ampliando e diversificando seus
conhecimentos e desenvolvendo competências necessárias para ensinar,
para se tornarem professores de educação infantil que hoje são: detentores
e construtores de um aporte de aprendizagens que foram se constituindo
de várias facetas, de várias nuances, que juntas, numa processualidade
explicam, justificam os caminhos constitutivos de aprendizagens docentes.
Assim, as interlocutoras analisam a constituição de suas aprendizagens para
se tornar professor, como uma ação reflexiva, em constante aprimoramento.
Os relatos de vida e seu detalhamento ofereceram significativos dados
para a investigação. A escrita do memorial proporcionou às professoras
reviverem o passado, para entendimento do processo de constituição de
aprendizagens necessárias ao fazer docente na educação infantil, bem
como para prosseguirem planejando seu devir profissional.
Buscamos caracterizar as aprendizagens do professor da educação
infantil sobre o ensinar nos seus percursos formativos e nas práticas
docentes, compreendendo a importância dessas aprendizagens e seus
contextos. Desse modo, dizemos que a aprendizagem do ser professor
decorre de uma construção de um longo caminho que com o tempo passa
a ser desconstruído, reconstruído e consolidado, trata-se de um movimento
e de sua dialeticidade. Permanecendo, por conseguinte, a clareza de que
este é apenas o início de um longo caminho, que lançará sementes para
novas investigações, dado que se constitui inconcluso por facultar novas
possibilidades de estudo com o intuito de ampliar a compreensão sobre
aprendizagens docentes na educação infantil.

Referências

ABRAHÃO, Maria Helena Menna Barreto. Memoriais de formação: a (re)


significação das imagens-Lembranças/recordações-referências para a

72  Kelly Karine Sousa Rodrigues Figueiredo • Maria da Glória Soares Barbosa Lima
pedagoga em formação. Educação, Porto Alegre, v. 34, n. 2, maio/ago.
2012. p. 165-172.

BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2016.

CATANI, Denice Barbara. Lembrar, narrar, escrever: memória e


autobiografia em história da educação e em processo de formação. In:
BARBOSA, Raquel Lazzari Leite (Org.). Formação de educadores: desafios
e perspectivas. São Paulo: Editora UNESP, 2003. p. 119-130.

CLANDININ, Jean; CONNELLY, Michael. Pesquisa narrativa: experiência e


história em pesquisa qualitativa. Uberlândia: EDUFU, 2011.

FRANCO, Maria Laura Puglisi Barbosa. Análise de conteúdo. 3.ed.


Brasília: Líber, 2008.

GOLDENBERG, Mirian. A arte de pesquisar: como fazer pesquisa


qualitativa em ciências sociais. 9. ed. Rio de Janeiro: Record, 2015.

JOSSO, Marie-Christine. A transformação de si a partir da narração de


histórias de vida. Educação, Porto Alegre/RS, n. 3, set./dez. 2007. p. 413-
438.

______. Experiências de vida e formação. São Paulo: Cortez, 2004.

JOVCHELOVICH, Sandra; BAUER, Martin W. Entrevista narrativa. In:


BAUER, Martin W.; GASKELL, George. (Org.). Pesquisa qualitativa com
texto, imagem e som: um manual prático. Petrópolis: Vozes, 2010. p. 90-
113.

OLIVEIRA, Fabrízia Pires de. Memória na formação docente: compreensão


e interpretação. In: CORDEIRO, Verbena Maria Rocha; SOUZA, Elizeu
Clementino de (Org.). Memoriais, literatura e práticas culturais de leitura.
Salvador: EDUFBA, 2010. p. 65-78.

OLIVEIRA, Zilma de Moraes Ramos de. Educação infantil: fundamentos e


métodos. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2007.

PRODUZINDO DADOS COM PESQUISA NARRATIVA PARA APREENDER A CONSTITUIÇÃO 73


DAS APRENDIZAGENS DO PROFESSOR DE EDUCAÇÃO INFANTIL
PASSEGI, Maria da Conceição. Memoriais autobiográficos: escrita de si
como arte de (re)conhecimento. In: CORDEIRO, Verbena Maria Rocha;
SOUZA, Elizeu Clementino de (Org.). Memoriais, literatura e práticas
culturais de leitura. Salvador: EDUFBA, 2010. p. 19-42.

______. Simbolizações do percurso de escrita da narrativa autobiográfica:


da experiência sensível à experiência formadora. In: PERES, Lúcia Maria
Vaz; EGGERT, Edla; KUREK, Deonir Luís. Essas coisas do imaginário.
Diferentes abordagens sobre narrativas (auto)formadoras. Brasília: Liber
Livros, 2009. p.148-161.

PRADO, Guilherme do Val Toledo; SOLIGO, Rosaura. Memorial


de formação: quando as memórias narram a história da formação.
In: ______. Porque escrever é fazer história: revelações, subversões,
superações. Campinas, SP: Graf, 2005. p. 45-59.

SOUZA, Elizeu Clementino. Pesquisa narrativa e escrita (auto)biográfica:


interfaces metodológicas e formativas. In: SOUZA, Elizeu Clementino;
ABRAHÃO, Maria. Helena Menna Barreto (Org.). Tempos, narrativas e
ficções: a invenção de si. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2006. p. 135-147.

74  Kelly Karine Sousa Rodrigues Figueiredo • Maria da Glória Soares Barbosa Lima
REINVENÇÃO DA RODA: RODA
DE CONVERSA, UM INSTRUMENTO
METODOLÓGICO POSSÍVEL

Adriana Borges Ferro Moura


Maria da Glória Soares Barbosa Lima

Para começo de conversa

C
adeiras de espaguetes dispostas em círculo, ou em meia lua,
no terreiro de uma casa de alpendre alto, as pessoas mais
velhas sentadas nas cadeiras e os mais novos no chão, a
ouvir os “causos” contados, vividos e revividos. Era assim que as histórias
iam sendo passadas de geração em geração, era assim que os vizinhos se
conheciam e criavam laços que duravam anos, era assim que os mais novos
forjavam sua cultura, sua identidade, era assim...
O tempo acabou levando com ele este hábito da conversa fácil e,
na era digital, as palavras ouvidas estão dando lugar às palavras lidas
em dispositivos móveis, em relações virtuais, mas a saudade da conversa
audível permanece...
A conversa, na pesquisa que desenvolvemos, é um espaço de formação,
de troca de experiências, de confraternização, de desabafo. A conversa
muda caminhos, forja opiniões, razão por que no processo de escolha dos
instrumentos de produção de dados da nossa pesquisa de doutoramento,

REINVENÇÃO DA RODA: RODA DE CONVERSA, 75


UM INSTRUMENTO METODOLÓGICO POSSÍVEL
a Roda de Conversa surgiu como uma possibilidade de reviver o prazer da
troca e de produzir dados ricos em conteúdo e significado.
Esse método de produção de dados foi utilizado para desenvolver a
pesquisa de doutorado intitulada “Reflexões docentes sobre caminhos que
se entrelaçam com o fazer do professor bacharel na educação superior: (re)
conhecimento da experiência” e apresentada como requisito parcial para a
obtenção do título de doutora em educação da autora ao Programa de Pós-
graduação da Universidade Federal do Piauí. O objetivo geral da pesquisa
era compreender como os docentes bacharéis produzem e reconhecem o
conhecimento da experiência em sua prática educativa.
A escolha das Rodas de Conversas, para o movimento da pesquisa
ocorreu dado o seu caráter de produção coletiva de relatos, momento em
que os sujeitos da pesquisa se encontraram para conversar, para trocar
ideias e falar sobre docência superior e conhecimento da experiência. Diante
desse entendimento, as rodas de conversa foram realizadas sob a luz dos
ensinamentos de Campos (2000), Warschauer (2001, 2002, 2004) e Freire
e Shor (1987), entre outros, que as concebem como uma oportunidade
de vivenciar o diálogo, não apenas de teorizar (WARSCHAUER, 2002).
Essa proposta de produção de dados permite um movimento de diálogo,
em que os discursos se cruzam e se moldam no entremeio entre fala e
escuta (CAMPOS, 2000). Os dados emergem do diálogo, marcado pelo
componente interativo, com limites e contradições (FREIRE; SHOR, 1987).
Este texto, objetiva, entre outras finalidades, contar como tudo
aconteceu, puxe uma cadeira, vamos conversar.

Podemos conversar e pesquisar?

A Roda de Conversa é, dentro da pesquisa narrativa, uma forma


de produção de dados em que o pesquisador se insere como sujeito da
pesquisa pela participação na conversa e, ao mesmo tempo, produz dados
para discussão. É, na verdade, um instrumento que permite a partilha de
experiências e o desenvolvimento de reflexões sobre as práticas educativas
dos sujeitos, em um processo mediado pela interação com os pares,
mediante diálogos internos, e, ainda, no silêncio observador e reflexivo.
A escolha da Roda de Conversa, como instrumento de trabalho,
não se deu sem antes nos deparamos com a necessidade de propiciar à
nossa pesquisa um caráter de cientificidade, o que implica caracterizá-la

76  Adriana Borges Ferro Moura • Maria da Glória Soares Barbosa Lima
de natureza qualitativa e determinar sua posição enquanto abordagem
legítima da busca do conhecimento científico. Esta escolha foi realizada
quando nos propomos a compreender o nosso objeto de estudo, posto que
esse tipo de pesquisa, a pesquisa qualitativa, “[...] é um meio para explorar
e para entender o significado que os indivíduos ou os grupos atribuem a
problema social ou humano.”(CRESWELL, 2010, p. 26).
A pesquisa qualitativa permite um tipo de discussão teórica e
metodológica que é própria das ciências humanas, uma vez que seu campo
de atuação, segundo Martins (1989), não é pré-delineado. Abrangendo
além da vertente educacional e os demais alcances do conhecimento da vida
humana, aspectos como linguagem e relações sociais. Implica dizer que a
denominação qualitativa define-se por adentrar no mundo dos significados
das ações e das relações humanas, que não são passíveis de formatação
em números e equações, mas que se revestem em critérios de observação e
análise que permitem desvendar os seus sentidos e suas significações.
Nesta perspectiva, é que escolhemos a vertente narrativa como método
de trabalho para desenvolver a nossa pesquisa. A narrativa representa um
recurso que permite a reintrodução “da seta do tempo” (COUTO, 2009,
p. 131), apontando espaços e demarcando acontecimentos, em que as
personagens definem lugares e suas ações, porque é assim, que a história
se faz e se conta.
Assim considerado, a dimensão temporal, diferente de guardar sua
linearidade, como é habitual, nas considerações que envolvem tempo
decorrido, não se mostra unilinear, antes se converte e se presentifica no
passado que emerge da realidade (na concepção, no símbolo, inclusive, no
próprio tempo), aspectos que potencializam a contribuição narrativa:

Precisamos de narrativas que contribuam para a compreensão


amplificada do que é e do que pode ser a realidade social na qual
estamos vivendo, escamoteada e tornada invisível a ‘olho nu’ pelas
normas e regulamentos da cientificidade moderna, da hierarquia que
esta estabelece entre teoria e prática e dos textos produzidos segundo
tais ditames (OLIVEIRA; GERALDI, 2010, p. 23).

Trabalhar com narrativas evidencia-se como um estudo em que o


pesquisador busca ter um olhar treinado para a compreensão das categorias
que emergem do discurso dos sujeitos, no nosso caso professores, que são
ouvidos ao longo do trabalho. Pela percepção crítica, contextualizada e
identificada das diversas nuances que o discurso apresenta, tais como o

REINVENÇÃO DA RODA: RODA DE CONVERSA, 77


UM INSTRUMENTO METODOLÓGICO POSSÍVEL
que a fala esconde e o que ela revela, se atende ou não a expectativa do
pesquisador (GHEDIN; FRANCO, 2008).
O sujeito é sempre um narrador em potencial. O fato é que ele não
narra sozinho, reproduz vozes, discursos e memórias de outras pessoas,
que se associam à sua no processo de rememoração e de socialização,
e o discurso narrativo, no caso da roda de conversa, é uma construção
coletiva, é essencial para o pesquisador, no contexto da produção de dados,
compreender que as memórias culturais e individuais estão intimamente
ligadas. E como referem Santamarina e Marinas (1995, p. 273):

Recolher os relatos ou as histórias de vida não é recolher objetos


ou condutas diferentes, mas, sim, participar da elaboração de
uma memória que quer transmitir-se a partir da demanda de um
investigador. Por isto a História de Vida não é só uma transmissão,
mas uma construção da qual participa o próprio investigador.

Abrahão (2004), em seus escritos sobre narrativas, as descreve


como elementos que trazem consigo um forte e acentuado tom pessoal,
articulado, pelo exercício da memória, de verificação de trajetórias, pela
tessitura memorialística, permitindo articular presente, passado e futuro.
Revelando, pois, não exatamente “[...] uma vida como de fato foi, e sim
uma vida lembrada por quem a viveu”, como diz Benjamin (1996, p. 37),
comparando narrativa a uma forma artesanal e secular de comunicação.
A partir destas reflexões, chegou o momento de escolha dos
instrumentos de pesquisa, e emergiu a possibilidade de encontrar a narrativa
do sujeito dentro do contexto da conversa suave, e então, compreendemos
que a Roda de Conversa é um instrumento de produção de dados que pode
produzir relatos recheados de dados, contemplando assim a necessidade
de nossa pesquisa. E começamos a conversar e a pesquisar, evidenciando
aspectos representativos da Roda de Conversa na condição de instrumento
de produção de dados narrativos.

Mas o que é mesmo roda de conversa?

Quando falamos de Roda de Conversa, a imagem inicial que nos


assalta é das conversas informais, conversas familiares, conversas que estão
se perdendo no tempo, a exemplo dos diálogos nascidos ao redor da mesa
de jantar, ou mesmo da mesa da cozinha, enquanto a avó fazia bolo frito

78  Adriana Borges Ferro Moura • Maria da Glória Soares Barbosa Lima
para comermos com um café quentinho, espaço de atualização do que
tinha ocorrido na família, na comunidade, espaço de partilha de alegrias e
tristezas, momento de abertura de alma e de corações.
É assim também as Rodas de Conversa, quando utilizada como
instrumento de pesquisa, uma conversa em um ambiente propício para
o diálogo, em que todos possam se sentir à vontade para partilhar e
para escutar, de modo que o falado, o conversado seja relevante para o
grupo, suscitando, inclusive a atenção na escuta. No contexto da Roda de
Conversa, o diálogo é um momento singular de partilha, porque pressupõe
um exercício de escuta e fala. E na percepção de que uma roda de conversa
agrega vários interlocutores, os momentos de escuta são mais numerosos que
os momentos de fala. As colocações de cada participante são construídas
a partir da interação com o outro, sejam para complementar, discordar,
sejam para concordar com a fala imediatamente anterior. Conversar, nesta
acepção, remete à compreensão de mais profundidade, de mais reflexão,
assim como de ponderação, no sentido de melhor compreensão de franco
compartilhamento, como assim partilha Warschauer (2001, p. 179):

Conversar não só desenvolve a capacidade de argumentação lógica,


como, ao propor a presença física do outro, implica as capacidades
relacionais, as emoções, o respeito, saber ouvir e falar, aguardar a vez,
inserir-se na malha da conversa, enfrentar as diferenças, o esforço de
colocar-se no ponto de vista do outro etc.

Assim, compreendemos que as rodas de conversa permitem a


ressonância coletiva, a construção e reconstrução de conceitos e argumentos
pela escuta e pelo diálogo com os pares e consigo mesmo. E, ao pensar a
forma de adotar e conduzir este instrumento, temos que considerar que o
diálogo construído representa o pensar e o falar de “[...] indivíduos com
histórias de vida diferentes e maneiras próprias de pensar e de sentir, de
modo que os diálogos, nascidos desse encontro, não obedecem a uma
mesma lógica” (WARSCHAUER, 2002, p. 46).
As Rodas de Conversas consistem em um método de participação
coletiva de debate acerca de determinada temática em que é possível
dialogar com os sujeitos, que se expressam, escutam seus pares e si mesmos
pelo exercício reflexivo.
Objetiva, entre outras finalidades, socializar saberes, implementar
a troca de experiências, de conversas, de divulgação de conhecimentos

REINVENÇÃO DA RODA: RODA DE CONVERSA, 79


UM INSTRUMENTO METODOLÓGICO POSSÍVEL
entre os envolvidos, na perspectiva de construção e reconstrução de novos
conhecimentos sobre a temática proposta. A conversa saiu dos alpendres
e chegou à escola como estratégia de ensino, e como caminho natural
alcançou a pesquisa educacionais. Assim, A Roda de Conversa não é algo
novo, a ousadia é empregá-la como meio de produção de dados para a
pesquisa qualitativa. Neste sentido Warschauer (2004, p. 2) explica que
os “[...] trabalhos comunitários e iniciativas coletivas, das mais diversas
naturezas, se desenvolvem de maneira semelhante há muito tempo.”
A Roda de Conversa como proposta e desenvolvida, em nossa
pesquisa decorre de adaptação da proposta de Warschauer (2001, 2002)
quando de sua tese de doutoramento, em que propôs uma formação pela
experiência através das rodas de educadores, e a através da reflexão, buscou
romper com ciclo da reprodução da concepção da escola e de ensino que
os professores possuíam. Falamos em adaptação porque nos inspiramos
em seus estudos sobre rodas de professores (WARSCHAUER, 2002) e
avançamos no sentido de propor o diálogo nascido das interações entre
os professores como um instrumento de produção de dados da pesquisa
narrativa, em uma caminhada coletiva, em que uns pudessem apreender e
refletir com os outros, em um processo de diálogo nascido de histórias de
vidas diferentes, propiciando a autoformação com autonomia e autoria.
Ousamos ao definir e empregar a Roda de Conversa como um
instrumento de produção de dados na pesquisa narrativa, estabelecendo
um núcleo temático para cada edição das rodas, que congregaram três
seções, que passaremos a descrever a seguir.

O nosso café com prosa

Nossos estudos versam sobre Docência Superior e o Conhecimento


da Experiência, objetivando saber como os professores bacharéis, os sujeitos
de pesquisa, utilizavam os saberes experienciais para realizar a atividade
docente, uma vez que na maioria dos casos, estes professores não tem
formação inicial direcionada à docência. Além das Rodas de Conversas,
outro instrumento utilizado para propiciar os achados da pesquisa foi a
entrevista narrativa, no sentido de integração dos dados obtidos. Dito
isto, passamos a descrever como foi a realizada a produção de dados
especificamente nas Rodas de Conversas.

80  Adriana Borges Ferro Moura • Maria da Glória Soares Barbosa Lima
As Rodas de Conversa do nosso estudo ocorreram em três
oportunidades. Cada uma delas foi guiada por uma questão tema que tinha
como propósito suscitar o início do diálogo e a troca de ideias. A partir
desse questionamento inicial os sujeitos foram convidados a conversar,
relatar e trocar experiências. E no desenvolvimento dos diálogos confirmou-
se, como Warschauer (2002, p. 47), que a roda de conversa “[...] é uma
construção própria de cada grupo. [...] Constitui-se em um momento de
diálogo, por excelência, em que ocorre a interação entre os participantes
do grupo, sob a organização do coordenador [...].”
Trata-se de uma técnica que remete às lições de Freire e Shor quando
explicam:

O diálogo não é uma situação na qual podemos fazer tudo o que


queremos. Isto é, ele tem limites e contradições que condicionam o
que podemos fazer... Para alcançar os objetivos de transformação, o
diálogo implica em responsabilidade, direcionamento, determinação,
disciplina, objetivos. (FREIRE; SHOR, 1987, p. 127).

Assim, para atingirmos as metas propostas na pesquisa, planejamos


as Rodas de Conversas a partir de eixos temáticos. E, como foram três rodas
de conversas, três eixos temáticos foram apresentados aos sujeitos por
intermédio de questões temas. Estes temas foram propostos na perspectiva,
já mencionada, que o diálogo pertence ao grupo, e não ao pesquisador,
e por este motivo, que a escolha do eixo temático do diálogo em cada
roda não deve impedir que a conversa flua naturalmente, de modo que as
escolhas se mostram essenciais para garantir a discussão do problema da
pesquisa, elas não podem ser impeditivas do diálogo. (CAMPOS, 2000).
As nossas Rodas de Conversa foram direcionadas pelas seguintes
questões temas: Primeira Roda de Conversa - “Como deve ser o professor
do ensino superior?”, e o objetivo deste primeiro questionamento foi
perceber quais as visões que os sujeitos da pesquisa tinham dos requisitos
necessários para aqueles que querem exercer a docência superior. A segunda
Roda de Conversa teve como questão tema: “Como soluciono as demandas
da minha sala de aula considerando que a atividade docente, mesmo sendo
imprescindível de planejamento, é eivada de ineditismo e improvisação? Os
professores receberam um e-mail em que lembrávamos que para o exercício
da docência não há fórmulas mágicas, com garantia de êxito sempre, mas
que o ensaio, com a possibilidade sempre presente do erro, ainda é o

REINVENÇÃO DA RODA: RODA DE CONVERSA, 81


UM INSTRUMENTO METODOLÓGICO POSSÍVEL
melhor meio de testar as técnicas em sala de aula, na busca de facilitar
a aprendizagem de nossos alunos. Assim, pedimos que, antes da nossa
conversa, tentassem lembrar de acontecimentos de situações inusitadas
e/ou surpreendentes que aconteceram durante o exercício da docência, e
ainda que tentassem recuperar na memória como solucionaram o problema
surgido e se voltaram a fazer uso da solução em outras oportunidades. A
questão tema da terceira Roda de Conversa foi: Quais as contribuições que
recebemos para nossa atuação em sala de aula? Como a prática nos ajuda
no atuar da docência. Também mandamos antecipadamente um e-mail
com o questionamento e a provocação para que lembrassem o que, no dia a
dia da atividade docente, propiciava aprendizados que eram incorporados
no fazer da sala de aula.
Muita coisa aconteceu antes e durante cada Roda de conversa. O
primeiro encontro para nossa conversa foi antecedido de um convite para
um Café com Prosa, e os sujeitos da pesquisa foram convidados por meio
de e-mail para um “batepapo” acompanhado de cafezinho. A partir do
convite nos dedicamos à preparação do que denominamos de Ambiente
de Roda, os sujeitos precisavam se sentir à vontade para conversar, uma vez
que não é normal o diálogo surgir entre desconhecidos.
O Ambiente de Roda começou a ser criado com o cenário da conversa.
Preparamos uma mesa grande, com uma toalha branca simples, destas
que usamos em nossas mesas de jantar, colocamos as cadeiras dispostas
a fim de que todos se acomodassem e pudessem ver-se mutuamente.
Colocamos sucos, café e petisco a vontade. Os interlocutores foram se
acomodando, cumprimentando os que chegavam, sorrisos e pequenos
diálogos esperavam os que estavam por chegar e ajudavam a criar um clima
ameno e descontraído. Todos os nossos interlocutores, de uma maneira ou
de outra, se conheciam, mesmo pertencendo a áreas bastante diferentes,
por trabalhar na mesma instituição de ensino superior e por esta promover
reuniões semestrais entre todos os professores.
Neste primeiro encontro foi realizada uma dinâmica de apresentação
e a explicação da pesquisa e da sua metodologia, inclusive da Roda de
Conversa. E, uma vez que a conversação flui melhor quando os sujeitos
se conhecem e percebem pontos em comum que propicia a empatia,
buscamos construir vínculos de confiança necessários para o diálogo. Para
tanto, os professores começaram falando, um por vez, seu nome, o tempo
de docência e a área que lecionava. Isto ajudava na criação do Ambiente
de Roda.

82  Adriana Borges Ferro Moura • Maria da Glória Soares Barbosa Lima
Ambiente de Roda é, como denominamos, o cenário que propicia o
diálogo, pessoas que não se conhecem tendem a ficar tímidas em desvelar
aspectos do vivido, mas a resposta à primeira provocação suscitou alguns
momentos descontraídos, com falas que evocavam tempos lembrados e
quebravam a sisudez da apresentação formal, em forma de perguntas e
respostas.
Obtivemos a autorização para gravar a nossa conversa. Então o
aparelho gravador foi colocado no centro da mesa, e ligado. Pronto, a
partir de então a conversa começou a se desenvolver. Inicialmente tímidos,
como era de se esperar, os sujeitos esperavam sua vez de falar, e algumas
vezes até levantavam a mão como que pedindo autorização para intervir.
Mas, aos poucos, a conversa começou a fluir com naturalidade e as falas
se intercruzavam na dinâmica própria da conversa em uma “desordem”
equilibrada.
Eram nove interlocutores e a pesquisadora, mas como a proposta
é uma conversa, nos inserimos no contexto, não apenas para impulsionar
o diálogo, mas para participar ativamente dele. Assim, ficamos em
número de 10 “conversantes”, e nossa conversa desenvolveu-se com tanta
espontaneidade, que ao final, quando foi necessário encerrar a Roda, pelo
avançado da hora, lamentamos muito e já combinamos com ansiedade a
próxima conversa.
E a segunda roda de conversa aconteceu alguns meses depois,
uma vez que era necessário que as entrevistas narrativas, com todos os
sujeitos, ocorressem antes dela. A mesa foi posta e quando os professores
começaram a chegar o sorriso largo era retribuído com espontaneidade, e
amenidades eram objeto da conversa antes de começar o diálogo sobre a
questão tema proposta. Os professores foram convidados a refletir sobre o
inusitado em sala de aula, e sua atuação diante destas situações. Os relatos
diante destas situações permearam a conversa, que foi recheada de risos
e comentários dos pares. E novamente, quando chegou o momento da
despedida o lamento foi geral.
A terceira e última roda de conversa aconteceu no mês seguinte à
segunda, e a reflexão proposta girava em torno das influências que os
docentes recebem no seu dia a dia profissional e acreditam ser importantes
no seu fazer em sala de aula: seus alunos, a conversa com os pares na
sala dos professores, a própria instituição de ensino. Os professores
trouxeram vários casos já lembrados, em razão da provocação realizada

REINVENÇÃO DA RODA: RODA DE CONVERSA, 83


UM INSTRUMENTO METODOLÓGICO POSSÍVEL
anteriormente, mas muito relatos memorialísticos surgiram no momento
que algo era falado e a memória era ativada. O falar do outro trazia a tona
lembranças que não surgiriam se não fosse a construção coletiva que a
Roda de Conversa permite.
Como sinalizamos, foram três Rodas de Conversas, todas norteadas
por um eixo próprio que tentavam conduzir o diálogo para as respostas às
questões norteadoras da pesquisa.
Conversar é interagir, “[...] implica um número relativamente restrito
de participantes, cujos papéis não são predeterminados, que gozam, em
princípio, dos mesmos direitos e deveres [...] e não têm outro objetivo
explícito que não seja o prazer de conversar.” (KERBRAT-ORECCHIONI,
2006, p. 13). Neste sentindo é que percebemos que a pesquisa em
desenvolvimento é uma construção coletiva, a partir do diálogo com os
sujeitos, professores do ensino superior, que ao se disporem a participar
da mesma já demonstravam interesse por conversar sobre sua docência e
partilhar suas experiências.

Análise das rodas de conversa

Ao final de cada Roda de Conversa, fizemos os registros das


impressões. Transcrevemos tudo o que foi falado, um trabalho demorado,
mas necessário, para a organização dos eixos de análise.
Neste sentido, para proceder à interpretação dos dados,
primeiramente, estes passaram por várias sessões de leituras e releituras
no sentido de melhor compreendê-los e, assim, seguir para a etapa
de organização e categorização. Na sequência, como última etapa,
empreendemos a análise interpretativa-crítica dos achados mais relevantes
para a compreensão do objeto de estudo.
Tomando a alegoria de Jesus (2003) como suporte, buscamos
garimpar entre cascalhos e resíduos, os metais e pedras preciosas.
Peneirando as narrativas memorialísticas de nossos interlocutores “[...]
algumas lembranças, cenas, fatos, vão cintilando, vão se destacando”
(JESUS, 2003, p. 24).
Buscamos, na Roda de Conversa, os dados advindos da memória
coletiva, mas também as memórias individuais. Os sujeitos da nossa
pesquisa pertenciam a áreas distintas do conhecimento, mas havia algo
que os unia, todos eles eram professores bacharéis, docentes do ensino

84  Adriana Borges Ferro Moura • Maria da Glória Soares Barbosa Lima
superior, então podíamos perceber aquilo que era de pertença do grupo e
aquilo que era próprio de cada sujeito.
Neste sentido, também, compreendemos que a “[...] a memória
não se restringe apenas ao fato vivido, mas também àquilo que poderia ter
acontecido, ou seja, pode ser tomada como uma forma de resistência a um
passado que não se desenrolou tal como o desejado.”( GUEDES-PINTO;
SILVA; GOMES, 2008, p.18). As Rodas de Conversas caracterizavam-se
como rememorações do vivido mas, para a realização da análise dos dados,
precisamos compreender que a memória pode e deve ser apreendida como
possibilidade, e não como algo pronto, estático, acabado.

Fim de conversa

Sentar ao redor da mesa, tomar uma xícara de café, e conversar...


Simples assim. A compreensão de que a narrativa memorialística é rica de
dados foi que nos levou a encontrar no diálogo e na conversa dos sujeitos
da pesquisa um instrumento de produção de dados rico e profícuo.
Conversar despertou a memória, conduziu a discussão, permitiu a
reflexão. Lembranças boas e outras pouco prazerosas foram compartilhadas
e discutidas. A partilha despertou interesse e fez nascer vínculos de
confiança, levando à reflexão. A conversa fluiu.
A Roda de Conversa e sua idiossincrasia conduziram a pesquisa e
tornaram possível a compreensão de dados que, talvez, não viessem à tona
se não fossem despertados pelo interesse no diálogo e na partilha... Assim,
a Roda de Conversa se firma como um instrumento de produção de dados
da pesquisa narrativa, em que é possível a ressonância coletiva na medida
que se cria espaços de diálogo e reflexão.

Referência

ABRAHÃO, Maria H. M. B. Construindo histórias de vida para


compreender a educação e a profissão docente no Estado do Rio
Grande do Sul. In: ______ (Org.). História e histórias de vida: destacados
educadores fazem a história da educação rio-grandense. 2 ed. Porto
Alegre: EDIPUCRS, 2004. p. 13-33

BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: obras escolhidas. São


Paulo: Brasiliense, 1996.

REINVENÇÃO DA RODA: RODA DE CONVERSA, 85


UM INSTRUMENTO METODOLÓGICO POSSÍVEL
CAMPOS, Gastão W. S. Um método para análise e co-gestão de coletivos:
a constituição do sujeito, a produção de valor de uso e a democracia em
instituições: o método da roda. São Paulo: HUCITEC, 2000.

COUTO, Mia. Estórias abensonhadas. Lisboa: Caminho, 2009.

CRESWELL, John W. Projeto de pesquisa: método qualitativo,


quantitativo e misto. Porto Alegre: Artmed, 2010.

FREIRE, Paulo; SHOR, Ira. Medo e ousadia. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1987.

GHEDIN, Evandro; FRANCO, Maria A. S. Questões de método na


construção da pesquisa em educação. São Paulo: Cortez, 2008.

GUEDES-PINTO, Ana L.; SILVA, Leila C. B. da; GOMES, Geisa G.


Memórias de leituras e formação de professores. Campinas: Mercado das
Letras, 2008.

JESUS, Regina F. Sobre alguns caminhos trilhados... ou mares navegados...


Hoje, sou professora. In: VASCONCELOS, Geni Amélia N. (Org.). Como
me fiz professora. 2 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. p. 21-42.

KERBRAT-ORECCHIONI, Catherine. Análise da conversação: princípios e


métodos. São Paulo: Parábola Editorial, 2006.

MARTINS, Joel. A pesquisa qualitativa. In: FAZENDA, Ivani (Org.).


Metodologia da pesquisa educacional. São Paulo: Cortez, 1989. p. 47-58.

OLIVEIRA, Inês B.; GERALDI, João W. Narrativas: outros conhecimentos,


outras formas de expressão. OLIVEIRA, Inês .B. (Org.) Narrativas: outros
conhecimentos, outras formas de expressão. Petrópolis: DP et Alli, 2010.
p.

SANTAMARINA, Cristina; MARINAS, José M. Historias de vida e historia


oral. In: DELGADO, Juan M.; GUTIÉRREZ, Juan (Org.). Métodos y
técnicas cualitativas de investigación en ciencias sociales. Madri: Síntesis,
1995. p. 259-287.

WARSCHAUER, Cecília. Rodas em rede: oportunidades formativas na


escola e fora dela. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 2001.

86  Adriana Borges Ferro Moura • Maria da Glória Soares Barbosa Lima
______. A roda e o registro: uma parceria entre professor, aluno e
conhecimento. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.

______. Rodas e narrativas: caminhos para a autoria de pensamento,


para a inclusão e a formação. 2004. Disponível em : <http: http://www.
rodaeregistro.com.br/pdf/textos_publicados_3_rodas_e_narrativas_
caminhos_para_a_autoria.pdf>. Acesso em: 4 jan. 2014.

REINVENÇÃO DA RODA: RODA DE CONVERSA, 87


UM INSTRUMENTO METODOLÓGICO POSSÍVEL
PESQUISA NARRATIVA: DESVELANDO
UM CAMINHO METODOLÓGICO

Adriana Tolentino Sousa

Introdução

O
processo de escolha da metodologia, que mediará os
caminhos de investigação de um problema científico, exige
de quem vai pesquisar tempo de autoconhecimento e tempo
para conhecer a metodologia. Com foco nestes dois pilares, apresento,
neste artigo, as minhas observações sobre o modo como coloquei minha
pesquisa de Mestrado em movimento, e criei a experimentação da
investigação, apresentando meus acertos e erros no uso da metodologia da
história de vida.
Certamente, quem me lê agora deve se perguntar “por que tempo de
autoconhecimento”, se a maioria dos textos que se lê sobre metodologia
do trabalho científico, no âmbito das ciências humanas, foca apenas na
relação objeto/método de pesquisa? Bem, somo minha voz às autoras e
autores que acrescentam à fórmula citada o conhecimento de si para que
sejam feitas boas escolhas metodológicas.
Para fazer o processo de escolha de uma roupa precisa-se conhecer
bem o corpo, saber o tamanho ideal, tipo de tecido e as cores que funcionam
para cada pessoa, incluindo também as ocasiões adequadas para usá-la.
Uma escolha ruim pode ressaltar partes do corpo que não gosta, e deixar

PESQUISA NARRATIVA: DESVELANDO UM CAMINHO METODOLÓGICO 89


o indivíduo bastante desconfortável ou com sua autoestima em baixa. Esta
lógica se aplica à escolha de uma boa metodologia para a pesquisa. Não
basta apenas conhecer a fundamentação teórico-metodológica, é preciso
saber também o quanto seu perfil e modo de funcionar se adequam à
metodologia.
Trabalhar, por exemplo, com a roupagem da metodologia narrativa,
durante o percurso no Mestrado, desencadeou em mim um processo de
desacomodação dos conhecimentos apreendidos, ao longo da Graduação,
sobre postura científica e produção acadêmica.
Foi necessário dedicar um tempo de autoconhecimento para
mudanças no meu modo de pensar e agir acadêmico, e assim fazer florescer
a pesquisa “constituição de feminilidades de professoras negras” .
Essa pesquisa foi desenvolvida no Programa de Mestrado em
Educação da Universidade Federal do Piauí, com base nos princípios
e procedimentos metodológicos da História de Vida que orientou a
escolha da entrevista narrativa como técnica para colher as narrativas das
professoras (CHIZZOTTI, 2006; SCHÜTZE, 1977; BERTAUX, 2010). O que
permitiu maior aproximação entre as trajetórias de formação e a análise de
processos de constituição da identidade feminina e racial.
A pesquisa foi realizada em duas etapas. Na primeira, foram aplicados
questionários com cento e setenta professoras que representam 55,74% do
total de docentes pertencentes às redes de ensino municipal e estadual,
o que permitiu construir um panorama do acesso de mulheres negras à
docência, do contexto de atuação profissional com auto identificação racial
das professoras. E a segunda etapa foi a realização da entrevista narrativa com
dez professoras. Esta técnica é considerada uma forma de entrevista não
estruturada que vai além do esquema de perguntas e respostas, ao tempo
em que restringe ao máximo a participação e influência da entrevistadora,
permitindo que as entrevistadas se revelassem com profundidade.
Dentre as conclusões da pesquisa, observei que há lições nas trajetórias
educativas descritas acerca da forma como as professoras utilizaram o
acesso à docência como ferramenta para superar dificuldades impostas
pela condição de ser mulher negra. As análises das trajetórias apontaram
também que a autopercepção das professoras sobre feminilidade está
marcada por questões ligadas à espiritualidade, ao controle da sexualidade,
ao patriarcalismo e, especialmente, à forma como a sociedade retrata o
corpo e os cabelos da pessoa negra.

90  Adriana Tolentino Sousa


As reflexões metodológicas que acompanharam o desenrolar do
processo de empiria e das leituras para a materialização da pesquisa
provocaram, por diversas vezes, questionamentos sobre o método que
melhor conduziria os estudos da relação entre feminilidade e trajetórias de
professoras negras.

Trajetórias de vida: as relações entre o método, o objeto e o conhecimento de si

O foco do meu estudo exigiu pensar sobre métodos que permitissem


mergulhar nas trajetórias de vida para fazer emergir os elementos que
encadeiam a constituição da feminilidade e da identidade racial. Portanto,
dois entendimentos orientaram a escolha do método: Primeiro, feminilidade
e raça são tecidas e trazem dentro de si diversos fios que se (inter) relacionam
com a cultura, a história e o poder socialmente construídos; segundo, a
vida individual e social não pode ser considerada um dado estático, mas
uma construção em permanente movimento.
Partindo destes dois pressupostos, passei a buscar metodologias
que pudessem conduzir bem a investigação, e essa não foi uma tarefa fácil
para mim. Como disse anteriormente, precisava encontrar um método
que também estivesse conectado com os princípios educacionais que eu
acreditava. Sabe-se que a pesquisa é uma tarefa lógica e racional, mas sem
dúvida ela também é uma tarefa pessoal que envolve, além do experimento
objetivo, do distanciamento metodológico, a experiência ou a vivência de
quem pesquisa.
Meu encontro com a metodologia História de Vida, vinculado à
análise das práticas e dos processos sociais foi, para mim, primorosa e
bastante desafiadora, porque as leituras foram me obrigando a desagregar
e, por vezes, desconstruir concepções de ciência e do fazer científico
aprendidos ao longo da Graduação.
De acordo com Chizotti (2008), a História de Vida enquanto método
de pesquisa foi desenvolvida na Escola de Chicago (1918), e empregada em
estudos antropológicos como opção à sociologia positivista. O método da
história de vida é uma vertente do método biográfico que tem suas bases
na sociologia, iniciada na França por Daniel Bertaux no começo dos anos
1970. Com iniciativas deste sociólogo francês, foi criado:

Um comitê de pesquisa da Associação Internacional de Sociologia,


intitulado “Biografia e sociedade”, e uma revista especializada, Life

PESQUISA NARRATIVA: DESVELANDO UM CAMINHO METODOLÓGICO 91


stories / Récits de vie. A associação francesa dos sociólogos cria uma rede
de pesquisa de pesquisa temática (RT 22) que explora os vínculos entre
percurso de vida e dinâmica social (PINEAU; LE GRAND, 2012, p. 34).

A compreensão de Bertaux encaixou perfeitamente com os


pressupostos teóricos da minha pesquisa, por considerar a preexistência
de vínculos entre as dinâmicas sociais e os percursos de vida. A pesquisa
que desenvolvi teve como ponto de partida a ideia que o percurso de vida
das professoras negras, as experiências educativas e a dinâmica social
do município a que pertenciam tinha uma relação com o modo como
construíram a feminilidade. O método da história de vida permite captar as
experiências vivenciadas no campo da formação humana, nas experiências
educativas, tanto no âmbito escolar quanto nas organizações e movimentos
da sociedade civil.
Chizzotti (2008) afirma que as Histórias de Vida são como relatos
de práticas sociais do tipo “objetivo” ou socioestruturais que privilegiam
as formas materiais de vida, ou do tipo “subjetivo” ou sócio simbólicos
quando revelam as atitudes, representações e valores individuais que
refletem as relações sociais.
É preciso ressaltar que a História de Vida é classificada e utilizada
como método, como técnica e ora como método e técnica. Essas diferentes
variações se apresentam face ao contexto e campo de utilização (SOUZA,
2006). Quando se utilizada como técnica, os depoimentos são colhidos
oralmente e requerem o uso de entrevistas não diretivas; e quem decide o
que vai ser narrado é o sujeito da pesquisa. Desta forma, estes trabalhos
são situados no campo da história oral.
O apogeu deste método ocorreu nos anos 1930 na Universidade
de Chicago; na década seguinte, houve um declínio, pois “o método foi
eclipsado pelo montante dos métodos quantitativos e por novas condições
do próprio Departamento de Sociologia de Chicago” (2008, p.108).
Na década de 1980, o método biográfico voltou a despertar o interesse
da Sociologia e de outras áreas do conhecimento como a Educação e a
Psicologia. No Brasil:

[...] a utilização da história de vida inscreve-se sob as influências da


História Oral, e sua introdução instaura-se nos anos de 1960 com o
programa de História Oral do Centro de Pesquisa e Documentação
de História Contemporânea do Brasil – Fundação Getúlio Vargas,
com o propósito de colher depoimentos da elite política nacional,

92  Adriana Tolentino Sousa


demarcando produções e expansão nos anos de 1990 […] (SOUZA,
2006, p. 30).

A diversidade terminológica inscrita no interior dos métodos


biográficos provém da sua herança de diferentes campos e disciplinas
do saber humano, configurando-se em uma prática multidisciplinar e
polissêmica, para designar a pesquisa com base nesta metodologia (SOUZA,
2006). Este caráter multidisciplinar é apontado também por Bertaux (apud
CHIZZOTTI, 2008, p. 101) ao afirmar que:

[...] a variedade dos usos da história de vida por diferentes disciplinas


como antropologia, história social, psicologia social, psico-história,
além da Sociologia, educação e de diversas escolas do pensamento
como o empirismo, o marxismo, a fenomenologia, a hermenêutica,
o interacionismo, a teoria dos papéis, dramaturgia e outras,
focalizando os mais diversos objetos teóricos como o vivido, as
trajetórias de vida, os modos de vida, as estruturas de produção, a
imagem de si, os valores, o conflito de papéis etc.

Os estudos sobre o percurso epistemológico dos métodos


biográficos desenvolvidos por Souza (2006, p. 79) apontam que o campo
das Ciências Sociais têm utilizado terminologias, como “autobiografia,
biografia, relato oral, depoimento oral, história de vida, história oral de
vida, história oral temática, relato oral de vida e narrativas de formação”,
para designar a distinção teórico-metodológica dos usos das Histórias de
Vida. E que este conjunto polissêmico é orientado pela mesma perspectiva,
a História Oral.
Na perspectiva de Souza (2006), na área da Educação, o método
narrativo é utilizado com frequência maior, enquanto movimento de
investigação do processo de formação docente. A exemplo do que o autor
fala, destaco importantes obras como Experiências de Vida e Formação (JOSSO,
2004) e L'histoire de vie comme processus de formation (DOMINCÉ, 1996).
Outros autores também escrevem nesta perspectiva, como Gaston Pienau
(2006) e Antonio Nóvoa (1988). No Brasil, os trabalhos de Clementino de
Souza (2006, 2010) têm ganhado destaque; e, no Piauí, as produções da
Profa. Dra. Antonia Edna Brito (2008, 2010) têm produzido importantes
trabalhos no campo da pesquisa narrativa.
Pesquisas que estudam práticas sociais através do uso do método
narrativo, orientado pelos princípios da Etnossociologia não concentram

PESQUISA NARRATIVA: DESVELANDO UM CAMINHO METODOLÓGICO 93


seus esforços em compreender esquemas interiores de representação ou
sistema de valores individuais ou de grupos, mas sim:

[...] estudar um fragmento particular da realidade social-histórica,


um objeto social; de compreender como ele funciona e como se
transforma, destacando as configurações de relações sociais, os
mecanismos, os processos, as lógicas de ação que o caracterizam.
Nesta perspectiva, recorrer às narrativas de vida não exclui [...] outras
fontes, tais como estatísticas, textos regulamentares, entrevistas com
informantes situados em posição “central” ou observação direta dos
comportamentos (BERTAUX, 2010, p. 16).

Com este entendimento, orientei a escuta das trajetórias que me


foram narradas, procurando analisar os processos sociais vivenciados no
percurso escolar e no contexto social do município. Pois, “não podemos
compreender as ações de um sujeito ou sua produção se ignorarmos tudo
sobre os grupos dos quais ele/ela fez parte em algum momento da sua
existência” (BERTAUX, 2010, p. 53). Esta foi a razão para ficar atenta e
identificar a lógica que influenciou a constituição da feminilidade e da
identidade racial. Nos tópicos seguintes, apresentarei a metodologia da
história de vida a partir da pesquisa realizada.

Itinerário da Pesquisa

Uma das questões básicas que se precisa cuidar para iniciar o trabalho
é primar pela construção de um ambiente de confiança com todas as
instituições, grupos e pessoas que intermediaram a identificação e contato
com os interlocutores da sua pesquisa. Gerar um ambiente de confiança é
princípio essencial para qualquer pesquisador ou pesquisadora, em especial,
aos que trabalham com a metodologia da história de vida. Dependendo de
como as pessoas percebam nossa presença ou nossas intenções, toda a
pesquisa pode ser comprometida.
A pesquisa que realizei foi desenvolvida no município de São João do
Piauí, nasci naquele município e vivi lá até os vinte e um anos de idade. Ser
conhecida na cidade facilitou alguns contatos, por outro lado, impôs uma
responsabilidade ainda maior com o fazer da pesquisa, haja vista que, no
âmbito do município, as relações são mais tênues, e, naquele momento, eu
ocupava a posição de ser observada.

94  Adriana Tolentino Sousa


Meu movimento inicial foi escolher uma pessoa na cidade possuidora
de certo conhecimento da realidade, a fim de facilitar os contatos com
as professoras, ao tempo em que gozasse de sua simpatia e confiança,
afinal essa seria a minha porta de entrada. Daniel Bertaux (2010) chama
de “informante central”, aquele ou aquela que o conduzirá aos demais
informantes que ajudarão na indicação de pessoas para entrevistar.
Nas conversas iniciais, minha informante central agendou duas
reuniões com as equipes técnicas da Secretaria Municipal de Educação
e da Gerência Regional de Educação, para que eu apresentasse as duas
equipes o plano da pesquisa e conseguisse o apoio tanto no fornecimento
de informações sobre o corpo docente quanto na intermediação de
contato com as escolas e respectivos diretores. Obtive apoio total das
duas instituições, o que facilitou o acesso a informações sobre o contexto
educacional da cidade e contato com as professoras.

Instrumentos de acesso às trajetórias

Antes de iniciar sua pesquisa é importante que defina quais


instrumentos usará para colher as informações; aproprie-se das técnicas
de cada um, pois isto fará toda a diferença quando estiver executando as
etapas e, especialmente, no momento das análises dos dados. Eu decidi
pelo uso do diário de campo, questionários e entrevistas narrativas. A
seguir, faço o detalhamento de cada um deles.

Diário de Campo

Adotei um diário de campo, entendido como um instrumento


autoformativo por possibilitar o registro de alguns fatos: “o visto” e, de
certa maneira, “o não visto” (emoções, silêncios, fugas) nas narrações de
todas as pessoas que seriam interlocutoras da pesquisa. O diário de campo
permite também a pesquisadora ou pesquisador tomar distância para
analisar as narrações, perceber questões que não foram aprofundadas e
os “seus atos falhos”. As anotações devem ser, especialmente, sobre suas
impressões, inquietações e sentimentos diante das experiências vivenciadas
na busca pelas narrativas de vida, pois:
[...] a prática de escrita do diário de campo possibilita ao pesquisador
compreender como seu imaginário está implicado no labor da
pesquisa; quais seus atos falhos; quais os verdadeiros investimentos

PESQUISA NARRATIVA: DESVELANDO UM CAMINHO METODOLÓGICO 95


que ali estão sendo elaborados. É um esforço para tornar-se cônscio
da caminhada, do processo pessoal e co-construidor da produção,
portanto, é um potente instrumento de formação no campo da
investigação em ciências antropossociais e da educação (MACEDO,
2010, p. 133).

Ao reler as anotações sobre visitas às escolas, observações feitas em


reuniões pedagógicas, critérios que orientaram as escolhas das interlocutoras
e as impressões das entrevistas realizadas, percebi o processo de tomada
de uma outra consciência da pesquisa, que eu presumia ter, antes dessas
vivências. Observei também como algumas entrevistas envolveram-me
mais que outras. Isto me permitiu diferenciar determinadas análises feitas
somente por estar emocionalmente envolvida.
O diário de campo contribuirá especialmente para, na ação, perceber-
se, como pesquisadora ou pesquisador, a fazer distinções, a apurar o olhar
investigativo e reflexivo. As anotações feitas neste instrumento de apoio
serão aquelas que se irá recorrer para escrever o capítulo metodológico e
para analisar as entrevistas colhidas.

Questionários

Utilizei dois questionários como instrumentos de apoio para


adentrar pelo campo de pesquisa, e assim fui tomando conhecimento
sobre a quantidade de mulheres que atuavam naquele momento nas redes
Municipal e Estadual de Educação. Muito mais que saber a quantidade,
o uso dos questionários possibilitou o encontro com professoras, tomar
conhecimento sobre seu pertencimento racial e, assim, selecionar o grupo
de interlocutoras da pesquisa.
O primeiro questionário ficou restrito aos dados da escola: níveis
e modalidades de ensino ofertados, número total de docentes e, deste,
o número de mulheres que atuavam como professoras. Com essas
informações, consegui elaborar dados sobre a quantidade de mulheres
professoras nas duas redes e analisar sua distribuição de acordo com o
nível de ensino e onde estavam concentradas em maior número (urbano
ou rural).
O segundo questionário foi direcionado exclusivamente para as
mulheres professoras de cada unidade escolar, para, na primeira parte,
levantar informações sobre seu pertencimento racial; e, na segunda parte,

96  Adriana Tolentino Sousa


sobre grau de escolaridade, tempo e níveis que já atuaram. Esses dados
permitiram a elaboração de um panorama do acesso de mulheres negras
à docência em São João do Piauí e do contexto de atuação político-
profissional, sintetizando assim o cenário da pesquisa. Mas o principal
resultado deste questionário foi a identificação das dez professoras negras
que formaram o grupo de interlocutoras da pesquisa, e delimitação da
questão gerativa que compôs o roteiro narrativo da entrevista.
Ficou evidente que a pesquisa mobilizou, animou, afetou as pessoas.
Fui tomada por um profundo sentimento de angústia: – Como escolher,
excluir histórias? Apareceu também o medo de frustrar expectativas, e
passei a refletir: – “será que fiz a abordagem correta?”. Naquele momento,
lembrei-me das orientações de Daniel Bertaux:

[...] esqueça qualquer culpa: você não é um ladrão de vidas, você


apenas provoca testemunhos. Você pede ajuda, mas ao fazê-lo,
confere ao sujeito um “conhecimento social” que talvez apenas
muito parcamente lhe tenha sido concedido em outra parte. Vindo
vê-lo, você demonstra que ele conhece coisas que você, como
“universitário”, não sabe. Coisas que a “sociedade” não sabe
(BERTAUX, 2010, p. 82).

Depois de rememorar o trecho acima, fui tomada por um profundo


sentimento de gratidão às professoras; pelo apoio que proporcionou, em
pouco tempo, grandes resultados, um deles a confiança e boa receptividade
do grupo.

Entrevistas Narrativas

De acordo com Schütze (2011), a entrevista narrativa é considerada


uma forma de entrevista não estruturada, de profundidade e com
características específicas. Este tipo de técnica vai além do esquema de
perguntas e respostas, pois restringe ao mínimo a participação e influência
do entrevistador, permitindo ao entrevistado revelar-se de forma espontânea.
Isto ocorre no momento em que o entrevistado fica livre para utilizar a
linguagem própria, de forma espontânea na narração dos acontecimentos.
Com esta perspectiva, as entrevistas narrativas devem ser orientadas
por um roteiro temático, previamente estabelecido, de acordo com os
objetivos do estudo. Na visão de Schütze (2011), este roteiro é denominado
de enredo, principal elemento para formatar uma estrutura narrativa

PESQUISA NARRATIVA: DESVELANDO UM CAMINHO METODOLÓGICO 97


que dê sentido e coerência à história narrada, proporcionando assim um
contexto em que nós compreendemos cada um dos acontecimentos, atores,
descrições, objetivos e suas relações.
Para que as entrevistas tomem a forma narrativa o verbo “contar”
(fazer relato de) é uma parte essencial do roteiro para que a produção
discursiva de seus entrevistados se torne uma narração. Para garantir o
caráter narrativo, a questão gerativa deve ser iniciada com a frase “gostaria
que você me contasse”, porque:

[...] não se trata de um questionário, mas de uma lista de questões que


você tem sobre seu tema de estudo, seus modos de funcionamento,
seus contextos de ação. Durante a entrevista, o roteiro estará a seu
lado [...] mas você o consultará no final, porque vai tentar seguir
o modelo da entrevista narrativa que se compõe de duas partes:
na primeira, a mais importante, você encorajará o entrevistado a
contar sua vida. [...] você deverá identificar o momento de pedir
que desenvolva algum ponto que faz parte de seu roteiro (BERTAUX,
2010, p. 80).

Bertaux chama a atenção para o fato de que o roteiro deve ser


elaborado com apenas uma "questão gerativa", e logo a seguir deve conter
“possíveis” perguntas curtas que funcionarão como estímulos, tanto para
direcionar a narração quanto para retomar alguma linha de raciocínio
que na fala seu entrevistado tenha perdido. Observe-se que as perguntas-
estímulo devem ser usadas com bastante cautela para não transformar a
entrevista em interrogatório. Elaborar apenas uma questão gerativa exigirá
de você um profundo conhecimento do que deseja extrair das entrevistas e
uma grande capacidade de síntese.
A técnica da entrevista narrativa requer maturidade da/o
pesquisadora/or por exigir um exercício profundo de concentração, para
estar-se atenta(o) ao bom andamento da narração. Isto significa saber ouvir,
saber identificar os momentos oportunos, para intervir com perguntas de
profundidade que ajudem a compreender, na história narrada, o objeto em
estudo.
Por esta razão, sugiro que você realize duas entrevistas em caráter de
testagem do roteiro. Isto te ajudará a verificar o nível de compreensão da
questão gerativa, a observar se as questões-estímulo permitem ou dificultam
os relatos, a testar sua capacidade de escuta, a aprender a dominar

98  Adriana Tolentino Sousa


sua possível ansiedade em conduzir e, principalmente, saber escolher o
momento certo de intervir, emitindo confiança ao seu entrevistado.
Um dos pontos centrais da entrevista narrativa é a atenção a todo
o gestual do entrevistado, pois isto também se caracterizará em objeto de
análise. Durante a narração de um fato, o seu entrevistado pode apresentar
possíveis incômodos, emoções e silêncios, isto precisa ser registrado durante
a entrevista e aparecer no texto transcrito.
Neste sentido, todas as entrevistas devem ser gravadas, isto garantirá
uma precisão no registro de tudo o que foi dito durante a entrevista
(OLIVEIRA, 2007). Não se esqueça de testar os instrumentos de gravação
antes do encontro com seu entrevistado. Também não é excesso de zelo
lembrar de que os instrumentos tecnológicos falham, por isso leve mais de
um gravador.
Ao iniciar a entrevista, apresente os objetivos da pesquisa, o
detalhamento de todos os critérios para a participação do entrevistado
justificando as razões que levaram você a selecionar aquele entrevistado.
Em seguida, faça a leitura do "termo livre e esclarecido", dando ênfase
a restrição do uso das informações no trabalho científico, ao sigilo do
nome (caso o entrevistado deseje), a supressão de nomes de terceiros, caso
seja citado, para que nenhuma informação exponha ou comprometa seu
entrevistado nem a liberdade que cada um tem em desistir da participação
a qualquer momento da pesquisa. Isto ajudará a reforçar os laços de
confiança que serão necessários durante a entrevista; sem este vínculo sua
entrevista pode não ser bem-sucedida.
Neste caminho de estreitar os laços de confiança, acrescentei ao
meu termo que todas as entrevistas seriam transcritas e devolvidas a cada
interlocutora para que tomassem ciência do que foi registrado e fizessem
possíveis correções e complementos. E somente depois analisaria o texto e
o usaria na minha Dissertação. Após todos esses cuidados, obtive 100% de
adesão com liberação do uso de imagens e uso dos nomes verdadeiros na
pesquisa.
Durante a entrevista, você deve perseguir o modelo narrativo,
portanto, após fazer a questão gerativa restrinja ao máximo suas
intervenções verbais. Procure emitir interesse pela história narrada através
do olhar focado na entrevistada, acenos de cabeça em sinal positivo,
postura corporal emitindo interesse pela história contada e sinais sonoros

PESQUISA NARRATIVA: DESVELANDO UM CAMINHO METODOLÓGICO 99


que encorajem a narração (hum... ok!... Entendi.). Fique alerta para que
sua postura não atrapalhe ou iniba a narração.
De forma geral, a entrevista narrativa pode afetar você de algum
modo. Em cada escuta das histórias, pode haver relatos que despertem
um olhar para seu objeto a partir de ângulos ainda não percebidos, pode
também reavivar lembranças pessoais que já tenham sido esquecidas e
desencadear sentimentos controversos. Mistura de sentimentos que o autor
Daniel Bertaux (2010, p. 85) descreveu na sua obra ao afirmar que:

[...] este tipo de entrevista é emocionalmente uma provação: algumas


vezes você sairá literalmente “esvaziado”. É necessário que a realidade
afete não só seu intelecto, mas seus nervos, sua sensibilidade para
que ela possa abalar, mesmo em pequeno grau, os preconceitos e
pressupostos que você traz no inconsciente.

Algumas entrevistas podem afetar mais e outras menos,


emocionalmente; a cada entrevista, registre no seu caderno de campo
suas impressões, emoções, questionamentos. Isto ajudará a observar-se, a
tomar distância das histórias no momento das análises, a reorganizar suas
emoções e a viver de modo potente o seu tempo de autoconhecimento.

Procedimentos de organização e análise dos dados

O trabalho com a terminologia Narrativa de Vida é a melhor forma


de distinguir entre a história vivida por uma pessoa e a narrativa que ela faz
de sua vida, Bertaux (2010) afirma que a Narrativa de Vida é resultado do
uso da entrevista narrativa.
Para fazer a análise das narrativas de vida que colhidas, usei como
inspiração o método proposto por Bertaux (2010) e Schutze (2011), que
basicamente se amparam em duas etapas: a análise individual e a análise
coletiva das narrativas.
Dos passos sugeridos por esses autores para a primeira etapa, na
qual se aprecia a narração individual, orientei-me pelos seguintes passos:

100  Adriana Tolentino Sousa


a) Transcrição e retranscrição das narrativas

Esta etapa é entendida por Daniel Bertaux (2010) por duas ações:
o ato de fazer uma primeira transcrição da entrevista e o segundo por
retranscrever o mesmo texto. Tendo em vista que o trabalho com esta
técnica normalmente gera entrevistas com mais de duas horas de gravação,
é possível ao pesquisador dispor de uma equipe que o auxilie neste trabalho.
Logo:

[...] qualquer que seja a pessoa que efetue a primeira retranscrição,


é necessário que o trabalho seja verificado minuciosamente pelo
próprio entrevistador. Escutando de novo a conversa, lendo todo
o texto da transcrição, ele acrescentará as palavras que faltam,
indicará os silêncios e sua duração, as entonações. Acrescentaremos
a esse texto a parte das anotações de campo relativo às entrevistas
(BERTAUX, 2010, p. 91).

Neste contexto, o principal objetivo desta primeira etapa é conseguir


materializar no texto o máximo de emoções expressas pela pessoa
entrevistada. Isto é parte de um termômetro que nos passos seguintes
servirá para identificar ou trazer à tona processos sociais que influenciaram
a narração dos entrevistados ou entrevistadas.
Optei por deliberar para um grupo experiente a primeira transcrição
das minhas entrevistas, e, após receber os textos, procedi com a releitura
das entrevistas ao mesmo tempo em que ouvia novamente os áudios.
Isto foi necessário para demarcar a duração das pausas, os silêncios, os
sorrisos, as mudanças na entonação da voz e os momentos de fuga da linha
de raciocínio por parte da interlocutora. Logo após a retranscrição, os
textos foram devolvidos por email a cada uma das interlocutoras para que
tomassem ciência do que foi registrado, fizessem correções e acréscimos
quando necessário.

b) Encontrar a estrutura diacrônica das histórias

À medida que os textos das entrevistas foram devolvidos pelas


interlocutoras, analisei individualmente cada entrevista, para “eliminar
inicialmente todas as passagens não narrativas e assim [...] ordenar o texto
narrativo puro” (SCHUTZE, 2011, p. 213). Ordenar é o que Bertaux (2010)
chama de encontrar a estrutura diacrônica dos fatos, ou seja, criar uma

PESQUISA NARRATIVA: DESVELANDO UM CAMINHO METODOLÓGICO 101


estrutura evolutiva para as narrativas, tendo como foco os fatos e suas
relações de antes e depois. Assim, é importante ter bastante atenção para
observar como a interlocutora estruturou sua lógica de sucessão dos fatos
e, dentre eles, identificar as experiências e os silenciamentos; estes últimos,
Bertaux (2010) denomina de “zonas brancas”. Em seguida, construir uma
relação entre o tempo histórico coletivo e o tempo biográfico.
c) Abstração analítica e Análise do conhecimento
Esta etapa inclui dois passos orientados por Schutze (2011),
o primeiro é chamado de abstração analítica, no qual o foco é “[...] as
expressões estruturais abstratas de cada período da vida que são colocadas
em relação sistemática umas com as outras, e, a partir desta base, a
biografia como um todo é construída” (SCHUTZE, 2011, p. 214). Isso
significa observar as estruturas dos processos que regeram cada período da
vida da interlocutora. O segundo passo, análise do conhecimento, consiste
em identificar os aportes teóricos que sustentam a argumentação da(o)
entrevistada(o) sobre como sua história de vida foi construída.
Esta fase é guiada pelo espírito comparativo no qual você confrontará
os percursos relatados para encontrar traços comuns ou incomuns
nas histórias. Pois, é na “comparação entre percursos biográficos que
se percebem recorrências das mesmas situações, das lógicas de ação
semelhantes; que se descobre, através de seus efeitos, um mesmo mecanismo
social ou um mesmo processo” (BERTAUX, 2010, p. 121).
Quando executei esta segunda etapa, análise coletiva, foi necessário
agrupar as narrações por temática abordada, ou seja, os relatos onde
predominaram a questão da identidade racial, da feminilidade, da relação
com a carreira docente e assim observar, dentro destas temáticas, como
apareceram os contextos da família, da escola, dos grupos e movimentos,
a relação com a cidade, com a comunidade.
Os encadeamentos de situações, interações, acontecimentos e ações
revelam que a transformação de si mesmo raramente resulta de um processo
puramente subjetivo (BERTAUX, 2010). Neste sentido, os contextos das
experiências são tomados como fios que conduzem à observação dos
movimentos de constituição das dimensões da identidade.

102  Adriana Tolentino Sousa


Para concluir

Os métodos narrativos nos conduzem a valorizar a relação


entrevistador(a)/entrevistado(a), a compreender que roteiro previamente
estabelecido deve guiar a pesquisadora/pesquisador, e não prendê-lo a
um esquema rígido de perguntas, a perceber que é possível a interação
entrevistador(a)/entrevistado, pesquisador(a)/interlocutor(a).
O trabalho com a metodologia da história de vida desafiou meus
sentidos do início da pesquisa ao longo processo de escrita, muitas vezes
turvou minha visão, fazendo-me olhar diversas vezes para o mesmo cenário;
levou-me a ter coragem para escrever o texto científico em primeira pessoa
(algo impensável para mim até aquele momento). A metodologia da
história de vida desconstruiu minhas verdades científicas e me reconstruiu,
tornando-me uma pesquisadora melhor.
Desejo que a leitura deste texto possa ajudar a graduandos e ou
pós-graduandos pesquisadores a compreender a metodologia da história
de vida; e mais, que a minha experiência com os acertos e erros possa ser
útil para auxiliar esse público a tomar a melhor decisão metodológica no
caminho de compreender o fenômeno que se propôs a estudar.

Referências

BERTAUX, Daniel. Narrativas de vida: a pesquisa e seus métodos. Natal:


EDUFRN; São Paulo: Paulus, 2010.

BRITO, Antonia Edna. Professores experientes e formação profissional:


evocações... narrativas... e trajetórias... Linguagens, Educação e
Sociedade, n. 17, p. 29-38, jul./dez. 2007.

BRITO, Antonia Edna. Narrativa escrita na interface com a pesquisa e a


formação. In: MORAES, DeniseZerbinatti; LUGLI, Rosário Silvana Genta
(Org.). Docência, pesquisa e aprendizagem: (auto)biografias como
espaço de formação/investigação. 1 ed. São Paulo: Cultura Acadêmica,
2010. p. 53-67. v. 1.

CHIZZOTTI, Antonio. Pesquisa qualitativa em ciências humanas e sociais.


Petrópolis: Vozes, 2008.

PESQUISA NARRATIVA: DESVELANDO UM CAMINHO METODOLÓGICO 103


DAYRELL, Juarez. A pesquisa de Gênero. In: MELUCCI, Alberto. Por uma
sociologia reflexiva, pesquisa qualitativa e cultura. Petrópolis-RJ: Vozes,
2005.

JOVCHELOVITCH, S; BAUER, M. W. Entrevista narrativa. In: BAUER,


M. W; GASKELL, G. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um
manual prático. 6. ed. Petrópolis/RJ: Vozes, 2007. p. 64-89.

MACEDO, Roberto Sidney. Etnopesquisa crítica, etnopesquisa-formação.


2. ed. Brasília: Liber Livro, 2010.

OLIVEIRA, Inês Barbosa de; GIRALDI, João Wanderley. Narrativas: outros


conhecimentos, outras formas de expressão. Petrópolis, RJ: FAPERJ, 2010.

SOUZA, Elizeu Clementino de. A arte de contar e trocar experiências:


reflexões teórico-metodológicas sobre história de vida em formação.
Natal: Revista Educação em questão, p. 22-39, 2006.

SCHÜTZE, Fritz. Pesquisa biográfica e entrevista narrativa. In: WELLER,


Wivian; PFAFF, Nicolle. Metodologias da pesquisa qualitativa em
educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.

TEIXEIRA, F. dos S.; BRITO, Antonia Edna. Pesquisa Narrativa: interfaces


teórico-metodológicas. Revista FSA (Faculdade Santo Agostinho) , v. 1, p.
9-24, 2010.

104  Adriana Tolentino Sousa


PARTE I I
ASPECTOS METODOLÓGICOS DA
PESQUISA COLABORATIVA EM EDUCAÇÃO
PLANO DE ANÁLISE: CAMINHOS ESPIRAIS
NA PESQUISA COLABORATIVA

Rosalina de Souza Rocha da Silva


Ivana Maria de Lopes Melo Ibiapina

Introdução

A
o iniciarmos este texto, compartilhamos que este artigo
é fruto de uma dissertação defendida em 2016 tendo por
orientadora a professora pós-doutora Ivana Maria de Lopes
Melo Ibiapina na Universidade Federal do Piauí (UFPI) pelo Programa de
Pós-graduação em Educação (PPGEd). Utilizamos o método Materialismo
Histórico Dialético de Marx e Engels (2002), a Psicologia Sócio-histórica
fundamentado teoricamente em Luria (1986), Vigotski (2004, 2009)
e os dispositivos foram a discussão em Pontecorvo (2005) e a pergunta
fundamentada em Ninin (2013). Os procedimentos selecionados na
realização da pesquisa colaborativa foram os encontros e observação
colaborativa (IBIAPINA, 2008) e (COELHO, 2012) e o Mensseger (OLIVEIRA,
2009).
Em conformidade com o exposto, temos como objetivo neste artigo
explicitar a criação do plano de análise para desvelar as práticas das
professoras de Artes Visuais (AV) e estabelecer a relação com os significados
e sentidos de ensinar AV que estão impregnados na sua prática docente.
Entendemos que não é tarefa fácil, mas é necessário o desvelamento

PLANO DE ANÁLISE: CAMINHOS ESPIRAIS NA PESQUISA COLABORATIVA 107


e compreensão dessas práticas a fim de possibilitar a retomada dos
conhecimentos desde a sua origem.
Esta escritura envolve três partícipes, adotamos o pseudônimo Dora,
a professora colaboradora Num-se-pode e a graduanda de Pedagogia que
hoje é mestranda em Educação como Toledo. Esta última aderiu à pesquisa
na fase embrionária, quando apresentávamos a pesquisa no grupo Formar1
que foi fundamental para as compreensões expressas neste texto. Dividimo-
lo em introdução, desenvolvimento, conclusão e referências.

Desenvolvimento

Nesta seção apresentamos o plano de análise criado com base na


Análise Crítica da Interação Social proposta por Pontecorvo (2005).
Esta é entendida como forma social de discurso, produzida nas relações
estabelecidas sócio-historicamente. No movimento e desenvolvimento
com os pares na pesquisa, denominamos de discussões a modalidade de
discurso social produzida nesta investigação.
O entendimento de discurso está fundamentado na supracitada autora,
sendo “[...] determinados pelos contextos e pelo conjunto das condições
em torno das quais se desenvolvem, dando lugar, consequentemente, a
diversas práticas sociais discursivas.” (PONTECORVO, 2005, p. 61). Para
compreender os discursos produzidos socialmente pelas professoras de
Artes Visuais (AV) que atuam na educação profissional técnica de nível
médio (EPTNM), é necessário compreender o processo de construção dos
discursos individuais, relacionando-os aos de seus pares, isto é, levar em
conta que o discurso é formado por meio das relações com os pares.
Na pesquisa, elegemos a discussão como dispositivo teórico, isto é,
como o conceito-chave que subsidia a produção das compreensões. Os
estudos de Ninin (2013) possibilitaram a definição da categoria pergunta
como dispositivo analítico em consonância com o referencial teórico-
metodológico adotado. Ademais, ressaltamos que a discussão e a pergunta
são basilares para a produção das análises da relação dos significados e
sentidos de ensinar Artes Visuais (AV) na educação profissional técnica
de nível médio (EPTNM) com as práticas docentes produzidas pelas

1 Núcleo de estudo e pesquisa liderado por Ibiapina e Bandeira, na Universidade


Federal do Piauí, que significa Formação de Professores na Perspectiva Histórico-
Cultural.

108  Rosalina de Souza Rocha da Silva • Ivana Maria de Lopes Melo Ibiapina
professoras de duas escolas de Parnaíba, e ainda tivemos a contribuição de
uma graduanda de Pedagogia.
No contexto desta investigação, partimos da compreensão de que
a prática “[...] pautada em perguntas nada mais é do que esse momento
em que dois ou mais interlocutores, participantes de um evento discursivo,
buscam reagir em relação aos pontos de vista apresentados” (NININ, 2013,
p. 76-77). Nessa perspectiva, entendemos que as práticas discursivas se
respaldam em perguntas, por meio das quais as professoras demonstram
seus pontos de vista sobre os temas em foco, solicitando ampliar, esclarecer
e/ou induzir o respondente no processo de discussão.
Em conformidade com o exposto, “[...] questionar implica oferecer
oportunidades para que o outro manifeste seu pensamento, fruto de sua
visão de mundo, produto de suas experiências individuais e socioculturais
a serem compartilhadas, impulsionando transformações.” (NININ, 2013,
p. 26). Nessa direção, a pergunta possibilita, no contexto da pesquisa
colaborativa, oportunidade das colaboradoras manifestarem o pensamento
singular, particular e geral, e as práticas docentes empregadas no ensino de
AV, que são produzidas sócio-historicamente. É necessário que elas sejam
analisadas no contexto em que estão inseridas, ou seja, no seu movimento
e desenvolvimento.
A pergunta pode solicitar do respondente afetado, no caso as
professoras de AV que atuam na EPTNM, o compartilhamento de
significados constituídos social e historicamente e dos sentidos que as
motivam a agir com os outros, não só em contexto escolar. As perguntas
são, neste caso, “[...] oportunidades para reflexão e [...] elemento de
desenvolvimento do pensamento crítico.” (NININ, 2013, p. 27). A implicação
com a pergunta requer das partícipes na pesquisa relação respeitosa para
gerar oportunidade de reflexão crítica com/na/pela prática.
A pergunta é a categoria imprescindível na discussão realizada pelas
partícipes que se apropriam e internalizam a realidade com seus valores,
teorias, ideias, práticas, significados e sentidos de ensinar AV. Com base
nesse aspecto, as perguntas funcionam como instrumento-resultado do
pensamento relacionado às práticas docentes empregadas no ensino de AV.
Partindo desse entendimento, Ninin (2013, p. 27) destaca que,
“[...] as situações envolvendo perguntas constituem-se oportunidades
por excelência para a criação de espaços dialógicos, permitindo a cada
participante sair de si para encontrar-se com o outro em um jogo dialético

PLANO DE ANÁLISE: CAMINHOS ESPIRAIS NA PESQUISA COLABORATIVA 109


que se pauta na abertura [...].” A pergunta constitui-se em um jogo dialético
em que o que se pergunta não é totalmente sabido e o conhecimento,
ainda, não foi internalizado pelos envolvidos no contexto que a envolve.
A autora em referência acrescenta que: “[...] nas situações envolvendo
perguntas, os participantes precisam engajar-se na discussão e tomar para
si o objeto, discutido, envolvendo-se com ele para conhecê-lo e apropriar-
se dele.” (NININ, 2013, p. 51). A relação desencadeada com perguntas não
deve ser linear, estruturada, mas deliberativa, respaldada na alteridade,
mutualidade e cuidado com o outro, que se envolve volitivamente no
processo de pesquisa, pois, “[...] a ação de perguntar expõe os sujeitos para
que sejam afetados pelo pensar um do outro [...]” (NININ, 2013, p. 71).
Considerando a relevância de delimitar as categorias para analisar os
dados produzidos no decorrer desta investigação, é importante salientar
que a compreensão de categoria defendida neste texto se respalda em
Cheptulin (2004, p. 59), que a concebe “[...] como graus de conhecimento,
isto é, na ordem em que elas apareceram com base no desenvolvimento da
prática social e do conhecimento do qual ela depende [...]”. As categorias
são organizações de concepções quanto ao conhecimento em ordem,
seguindo o desenvolvimento da prática social refletidos em graus de
evolução dos métodos conhecidos.
Em face das reflexões delineadas, inspiradas em Ninin (2013),
utilizamos as perguntas como categorias analíticas, para examinarmos
os discursos proferidos pelas partícipes nas aulas filmadas, bem como no
transcurso dos encontros colaborativos, das interações produzidas a partir
do Messenger e nas observações colaborativas.
As perguntas, de acordo com Ninin (2013), podem ser classificadas em
perguntas fechadas e abertas. No contexto deste estudo, as denominaremos
de perguntas restritas e amplas. As perguntas restritas direcionam as
respostas, restringindo o campo da resposta, por exemplo, “Qual é o nome
da peça? Quem é o autor?”. Enquanto a pergunta classificada como ampla
proporciona a possibilidade de expansão, visando à liberdade na escolha
de respostas proferidas expressa nas perguntas: “Por que será?”.
Além dessa classificação, criamos uma categoria intermediária
denominada de heterogênea que se caracteriza pela simultaneidade, ou
seja, dependendo do contexto em que as perguntas se apresentam, podem
evidenciar atributos tanto das perguntas restritas quanto das perguntas
amplas. Como podemos exemplificar com as seguintes perguntas; “Aí, tem

110  Rosalina de Souza Rocha da Silva • Ivana Maria de Lopes Melo Ibiapina
um foco principal ou todos levam a mesma iluminação? Tem foco principal
ou não? [...] Será?”.
É salutar destacar que a necessidade de criar a categoria intermediária,
caracterizada pelo duplo caráter, restrito e amplo, simultaneamente,
justifica-se pelo fato de entendermos que na empiria e na vida sócio-
histórico não elaboramos perguntas-respostas puras, todo o tempo. Em
alguns momentos encontramos essa hibridização.
Evidenciamos na Figura 1 os atributos e os indicadores das
subcategorias das perguntas identificadas na pesquisa.

Figura 1 – Síntese: categoria, subcategorias, atributos

Fonte: Criado com base em Ninin (2013).

A Figura 1 sintetiza os atributos da categoria pergunta e suas


respectivas subcategorias, compreendendo as perguntas como
interdependentes no campo do conhecimento, em que a categoria garante
“[...] atividade dialógica, justamente pelo fato de que as perguntas, em

PLANO DE ANÁLISE: CAMINHOS ESPIRAIS NA PESQUISA COLABORATIVA 111


situação real de ação de linguagem, transitam de uma dimensão a outra na
construção da trama discursiva.” (NININ, 2013, p. 101).
Por meio dessa categorização, é possível analisar as discussões
produzidas nas aulas das partícipes, nos encontros e observações
colaborativas, bem como na interação promovida por meio do Messenger.
Dessa forma, no processo de análise, classificaremos as perguntas em
restrita, heterogênea e ampla para evidenciar as características das
perguntas formuladas tanto pelas professoras nas aulas filmadas, quanto
nas perguntas formuladas no processo de formação.
Neste sentido, considerando os princípios de análise fundamentados
no processo e não no produto, priorizamos por explicar em vez de somente
descrever o problema estudado, conforme destaca Vigotski (2007). Com
base nestes princípios, nos comprometemos a explicar o movimento da
pesquisa no processo histórico, expondo os momentos de inter-relação
com as professoras de AV na EPTNM, compreendendo-as como pessoas
humanas que se relacionam sócio-historicamente nos contextos em que
estão inseridas.
Visando a organização das análises, além da categoria analítica,
sistematizamos as concepções de ensino de AV na EPTNM a partir das
categorias interpretativas: significados e sentidos de ensinar AV anacrônicos,
híbridos e ético-afetivos para dinamizar a sistematização da análise das
práticas docentes das professoras de AV.
Os significados e sentidos de ensinar AV na perspectiva anacrônica
caracterizam-se pela centralização na professora, se fundamentam em
texto literário ou livro didático e no processo experimental. As perguntas
que indicam essa concepção de ensino são: “Quais são os personagens?
Quem é o autor? Então, nessa história, aí, B, qual seu personagem? O que
será que Goya quis passar nessa imagem?”.
Os significados e sentidos de ensinar AV produzidos a partir da
concepção híbrida caracterizam-se por valorizar e explorar a leitura, o fazer
e a contextualização; enfatizam as ações nas experiências de diferentes
classes sociais representadas por personagens ou imagens pictóricas. As
perguntas que servem de exemplo de desencadeamento das concepções
híbridas são: “Por que eu tenho que ter essa respiração? Agora nós vamos
tentar fazer um Ma, me, mi, mo, muuuu? Será que o Fidalgo fala assim?”.
Os significados e sentidos de ensinar AV produzidos na perspectiva
ético-afetiva relacionam os conhecimentos adquiridos no processo de

112  Rosalina de Souza Rocha da Silva • Ivana Maria de Lopes Melo Ibiapina
criação de situações-problemas e/ou perguntas-problematizadas. Os
indicadores que se destacam são: “Lembrando, eu quero que cada grupo
defina os personagens, onde é que eles estão, que cenário é esse, qual é
o contexto da história? Então, o que Courbet faz? O que está levando os
idosos a voltarem à ativa?”.
A seguir apresentamos a síntese dos significados e sentidos de ensinar
Artes Visuais.

Quadro 1 – Síntese dos significados e sentidos de ensinar Artes Visuais

SIGNIFICADOS
E SENTIDOS DE
CARACTERÍSTICAS PERGUNTAS
ENSINAR ARTES
VISUAIS
-Quais são os personagens?
-centralização na
professora;
-Quem é o autor?
Então, nessa história, aí, B, qual
ANACRÔNICO -fundamentação em texto
seu personagem?
literário ou livro didático;
-O que será que Goya quis passar
-processo experimental.
nessa imagem?
- explora a leitura, o fazer e -Por que eu tenho que ter essa
a contextualização; respiração?
-enfatiza experiências;
HÍBRIDO -Agora nós vamos tentar fazer um
-experiencia diferentes Ma, me, mi, mo, muuuu?
classes sociais.
-Será que o Fidalgo fala assim?
-Lembrando, eu quero que cada
grupo defina os personagens, onde
- cria situações-problemas é que eles estão, que cenário é esse,
ÉTICO-AFETIVO e/ou perguntas- qual é o contexto da história?
problematizadas; -Então, o que Courbet faz? O quê
está levando os idosos a voltarem
a ativa?
Fonte: Criado pela pesquisadora fundamentado em Diaz (2005), Martins, Picosque, Guerra
(2010), Freire (2011), Fusari e Ferraz (2001), Hernández (2000), Eisner (2002a; 2002b;
1972), Katz e Greiner (2005), Ibiapina (2013; 2014) dentre outros.


Os conhecimentos explicitados no Quadro 1, vislumbram o
desenvolvimento das partícipes envolvidas no processo de forma dinâmica

PLANO DE ANÁLISE: CAMINHOS ESPIRAIS NA PESQUISA COLABORATIVA 113


e fundamental, desvelando os percursos de formação de cada uma, bem
como as práticas docentes exercidas nessa trajetória.
A seguir, sintetizamos as categorias interpretativas relacionando com
os significados e sentidos de ensinar AV, enfatizando a caracterização das
práticas, bem como os indicadores. Depois, respectivamente, apresentamos
a sequência de exemplos das aulas das partícipes.

Quadro 2 – Categorias interpretativas da Prática Docente


SIGNIFICADOS CATEGORIAS
E SENTIDOS DE INTERPRETATIVAS
CARACTERIZAÇÃO DA PRÁTICA
ENSINAR ARTES – PRÁTICA
VISUAIS DOCENTE
- Aula centralizada na Professora;
- Reprodução, memorização e repetição
de sons, respiração e posturas;
ANACRÔNICA ANACRÔNICA
- Perguntas com respostas previsíveis;
- Voz de poder;
- Participação.
- Interpreta personagens de classes sociais
diferentes;
-Voz simultânea:
- De poder e abrangente no mesmo
HÍBRIDA HÍBRIDA contexto.
- Leitura e interpretação de imagens;
- Relaciona experiência visual com
imagens discutidas;
- Cooperação.
- Cria espaço para discussão do trabalho
proposto;
- Estudo em pequenos grupos;
- Relaciona imagens a vida sócio-
histórico;
ÉTICO-AFETIVA ÉTICO-AFETIVA
- Interação do grupo e de pequenos
grupos para responder as perguntas-
problemas formuladas;
- Voz abrangente;
- Colaboração.
Fonte: Adaptado da classificação de Behrens (2010), fundamentado em Fusari e Ferraz
(2001), Iavelberg (2003), Arslan e Iavelberg (2013), Liberali (2012), Ninin (2013) e Batista
(2014), Eisner (2002a; 2002b; 1972), Katz e Greiner (2005), Ibiapina (2013; 2014).

114  Rosalina de Souza Rocha da Silva • Ivana Maria de Lopes Melo Ibiapina
Este plano de análise foi produzido a partir da empiria materializada
por meio das aulas filmadas, dos encontros e das observações colaborativas
e do Messenger, tendo como referência as perguntas formuladas pelas
partícipes, bem como a historicidade da relação dos significados e sentidos
de ensinar AV na EPTNM com as práticas docentes produzidas pelas
professoras de duas escolas em Parnaíba. A seguir, apresentamos as análises
fundamentadas nos significados e sentidos anacrônicos e respectivamente
na prática docente anacrônica.
Cada significado e sentido de ensinar Artes Visuais (AV), na educação
profissional técnica de nível médio (EPTNM), tem determinada prática
relacionada a eles, e esta relação é estabelecida também com outras
existentes na sociedade. A instituição escola não é dissociada do contexto
sócio-histórico e as práticas vivenciadas no seu contexto, seus avanços e
retrocessos vivem em relações sincronizadas com as práticas sociais. Nesse
sentido, a educação técnica de nível médio assume as concepções da
sociedade de seu tempo, com suas inovações e retrocessos.
A compreensão da Num-se-pode sobre essa relação, apresentada
em discussão na pós-observação do dia 14 de fevereiro 2016, ela diz que a
prática docente anacrônica é assim, porque “[...] a sociedade funcionava
assim, porque que a tradicional é assim? Porque a sociedade era assim...”,
é fundamental para entendermos o que acontece no ensino, as alterações
que sucederam, perpassando pela historicidade das partícipes que as
constituem professoras, que seguem o sistema e/ou tentam burlá-lo em
prol da formação de discentes críticos e reflexivos.
A sociedade e as escolas, por mais desenvolvidas que estejam, ainda
perduram características impregnadas de técnicas que condicionam as
ações das professoras a agir mecanicamente, seguindo padrões estipulados
pelo sistema educacional. Os livros didáticos são elaborados por vários
especialistas das linguagens (Dança, Teatro, Música e Artes Visuais),
mas na escola tem somente uma profissional habilitada para uma dessas
linguagens. As professoras são solicitadas a trabalhar as outras linguagens
para as quais não foram habilitadas, o que representa um problema para
este ensino.
Os livros disponibilizados nas escolas pesquisadas são caracterizados
por conter bricolagem de linguagens a serem seguidas pelas profissionais.
Os gestores escolares ainda não compreenderam que a profissional que
eles admitiram é formada apenas em uma linguagem. No caso específico

PLANO DE ANÁLISE: CAMINHOS ESPIRAIS NA PESQUISA COLABORATIVA 115


deste artigo, as professoras são formadas em AV ou (Artes Plásticas), mas
os currículos e livros trazem em seu bojo o sistema de bricolagem.
Nesse sentido, para iniciarmos as análises dos episódios selecionados
é necessário evidenciar a pergunta de pesquisa que viabilizou este artigo:
qual a relação dos significados e sentidos de ensinar AV na EPTNM com a
prática docente produzida pelas professoras de duas escolas em Parnaíba
- Piauí? E para responder a esta pergunta temos, de modo específico, as
seguintes perguntas: que práticas são produzidas pelas professoras na
EPTNM, em contexto escolar? Quais os significados e sentidos de ensinar AV
que as professoras relacionam com suas práticas docentes na EPTNM em
contexto escolar? Quais os significados e sentidos de ensinar AV na EPTNM
produzidas nas práticas docentes das professoras? A fim de responder a
essas perguntas, utilizamos os procedimentos encontro colaborativo,
Messenger e observação colaborativa.
Partindo do que foi exposto, destacaremos neste compêndio os
significados e sentidos de ensinar Artes Visuais Anacrônicos (SSEAVA)
que podem ser caracterizados como reprodução do conhecimento e se
relacionam com as concepções de ensino que se centralizam nas ações das
professoras e seguem a normatização dos livros didáticos e texto literário,
mesmo que não seja adotado pela escola. O processo de ensino se configura
por ser experimental ou essencialista.
Os significados e sentidos de ensinar Artes Visuais anacrônico é a
“[...] prática esvaziada de ingredientes teóricos [...]” (SÁNCHEZ VÁSQUEZ,
2011, p. 242). Essa concepção de ensino se respalda no caráter técnico,
compreendendo a teoria dissociada da prática, sem levar em conta que esse
fazer é impregnado de teoria.
Segundo Liberali (2012, p. 27), a prática que se caracteriza como
técnica preocupa-se fundamentalmente com a “[...] eficiência e a eficácia
dos meios para atingir determinados fins, sendo que esses fins não
estariam abertos à crítica ou à mudança.”. Nessa perspectiva, o ensino
de AV que almeja a técnica não é fundamentado na reflexão crítica. Desta
feita, essa concepção empregada no ensino de AV na EPTNM limita as
possibilidades de expansão dos conhecimentos críticos. Explicitamos a
seguir as características da prática docente anacrônica.

116  Rosalina de Souza Rocha da Silva • Ivana Maria de Lopes Melo Ibiapina
Quadro 3 – Características da prática docente Anacrônica
PRÁTICA DOCENTE ANACRÔNICA
-Aula centralizada na professora;
-Reprodução, memorização e repetição de sons, respiração e posturas;
-Professora segue os conteúdos do livro didático ou literário;
-Perguntas com respostas previsíveis dos estudantes;
-Voz de poder.
Fonte: Adaptada da classificação de Behrens (2010), fundamentada em Fusari e Ferraz
(2001), Iavelberg (2003), Arslan e Iavelberg (2013), Liberali (2012), Ninin (2013) e Batista
(2014).

A prática docente anacrônica é centralizada na professora de AV


da EPTNM que solicita de seus discentes que reproduzam, repetindo seus
comandos, emitindo sons no processo de aquecimento de respiração e de
postura exigidos quando se preparam para encenar e quando perguntam já
vislumbrando as respostas previstas.
Diante do exposto, apresentamos a seguir a descrição do episódio2
1 transcrito que destacamos da aula da Num-se-pode, gravada em áudio
e vídeo. A filmagem desencadeou a interpretação da prática desenvolvida
pela partícipe, tornando possível classificá-la em anacrônica, bem como
relacioná-las com os significados e sentidos de ensinar AV na EPTNM.
Esse movimento foi imprescindível para a organização e o
desenvolvimento das análises das sessões de pós-observação, fundamentadas
nas discussões e na categoria pergunta restrita, heterogênea e ampla. A
filmagem e a observação da aula de Arte da professora Num-se-pode
foram realizadas na tarde do dia 27 de agosto de 2015, na sala do segundo
ano B da educação profissional técnica de nível médio. Estavam em sala
aproximadamente 30 estudantes, com faixa etária entre 15 e 17 anos.
Essa aula contou com a presença das partícipes desta pesquisa, que
filmaram e observaram. As discussões produzidas pelas partícipes com
os estudantes foram evidenciadas e divididas em episódios para compor
a análise. O objetivo da aula descrita foi identificar os personagens em
conflitos no cenário referente à obra A Barca do Inferno e identificar a
mensagem do texto, com a leitura.

2 Conforme explicitado, compreendemos episódio fundamentado em Bakhtin


(2011) como sendo discussão com começo, meio e fim.

PLANO DE ANÁLISE: CAMINHOS ESPIRAIS NA PESQUISA COLABORATIVA 117


A seguir, apresentamos os episódios produzidos nas aulas da partícipe
Num-se-pode que evidencia a relação dos significados e sentidos de ensinar
AV na EPTNM com as práticas docentes anacrônicas.

Episódio 1 - Aula da Num-se-pode caracterizando discussão
com perguntas restritas3

No episódio em destaque Num-se-pode elabora pergunta restrita


emNoqueepisódio emjádestaque
a resposta Num-se-pode
está expressa, como podemoselabora pergunta
observar, quandorestrita
diz em que a
“nojá
resposta teatro
estátem duas questões,
expressa, quais são as
como podemos questõesquando
observar, que não podem
diz “nofaltar
teatro tem duas
para o evento acontecer?”. No exemplo, a professora induz os estudantes
questões, quais são as
a responderem as questões que não
duas perguntas podem faltar
pertinentes para restringindo
ao teatro, o evento acontecer?”.
a No
discussão,
exemplo, contraindoinduz
a professora o diálogo e bloqueando
os estudantes a novos posicionamentos.
responderem as duas perguntas
Perguntas restritas apresentadas neste episódio que iniciam por “quem”,
pertinentes
“qual”,ao teatro,“então”,
“quais”, restringindo
induzema discussão,
a respostas contraindo
preexistentes ooudiálogo e bloqueando
objetivas,
novos restringindo o diálogo entre professora e estudantes, limitando a
posicionamentos. Perguntas restritas apresentadas neste episódio que iniciam
participação dos discentes.
por “quem”, “qual”,
O ensino de AV “quais”, “então”,
centralizado induzem
na professora, a respostas
fundamentado preexistentes ou
em texto
literário ou livro didático e que segue o processo experimental, pode ser
objetivas, restringindo o diálogo entre professora e estudantes, limitando a
caracterizado pelo ensino mecânico centralizado nas docentes que ensinam
participação
por meio dosde discentes.
comandos, repetição e recordação. Essas características de
ensino podem se relacionar com o ensino tradicional, e/ou técnico quando
O ensino de AV centralizado na professora, fundamentado em texto literário
3
ou livro Aula filmada
didático no dia
e que 27 deoagosto
segue de 2015.
processo experimental, pode ser caracterizado pelo
ensino118 
mecânico centralizado
Rosalina de Souza nas
Rocha dadocentes
Silva • Ivana Mariaque
de Lopesensinam
Melo Ibiapina por meio de comandos,

repetição e recordação. Essas características de ensino podem se relacionar com o


ensino tradicional, e/ou técnico quando se torna imprescindível o uso do livro
se torna imprescindível o uso do livro didático, literário ou do aparato
tecnológico, ou ainda, escolanovista quando se valoriza somente a ação
(FUSARI; FERRAZ, 2001). Podemos interpretar que as concepções de
ensino que trazem em seu bojo características tradicionais, técnicas e/
ou escolanovistas compõem os significados e sentidos de ensinar AV
anacrônico.
Este momento da aula em que predomina a centralização na
professora é interpretada como prática docente anacrônica por trabalhar
na perspectiva da reprodução, memorização e repetição de sons, respiração
e posturas, com perguntas restritas e voz de poder em que os discentes se
limitem em participar. As discussões do episódio em tela são caracterizadas
pelos significados e sentidos de ensinar AV anacrônicos. A prática
docente em que as perguntas são restritas limita o campo de respostas
dos estudantes envolvidos na discussão (NININ, 2013). Nesse sentido, é
classificada também como anacrônica.
Nessa direção, Silva (2011) defende o ensino que se respalde na
experiência educativa em John Dewey e na produção da identidade dos
sujeitos envolvidos. Porém, a pesquisa em tela vislumbra que as professoras
devem ir além da experiência, provocando a vivência no processo de ensino.
A vivência com a linguagem artística proporciona “[...] a refundição das
emoções fora de nós realiza-se por força de um sentimento social que foi
objetivado, levado para fora de nós, materializado e fixado nos objetos
externos da arte, que se tornaram instrumentos da sociedade.” (VIGOTSKI,
1998, p. 315). Nesse caso, a vivência cria momentos para afetar e ser afetado
pela relação objetiva e subjetiva, imbricada no conhecimento de Arte.
O episódio em tela trás em seu bojo o conteúdo: teatro, que
foi trabalhado pela professora Num-se-pode, o que implica em uma
contradição, pois a partícipe é formada em Artes Visuais. Mesmo possuindo
afinidade com a temática, por atuar como atriz, a sua formação não lhe dá
respaldo para trabalhar com teatro. O currículo da escola pesquisada inclui
o tema a ser trabalhado pela professora, que não tem formação para tal.
Mas é provocada a trabalhar outras linguagens, que não fazem parte de
sua formação acadêmica. Trabalhar como atriz favorece a ação docente
da professora, mas, por não ter habilitação para tal, acaba ocorrendo a
polivalência no ensino das linguagens da arte.
O ensino de AV, nessa perspectiva, é contraditório haja vista que
Num-se-pode poderia trabalhar o teatro interdisciplinarmente de outra

PLANO DE ANÁLISE: CAMINHOS ESPIRAIS NA PESQUISA COLABORATIVA 119


maneira já que naquele momento da aula, ela é a profissional do ensino e
não a atriz.
Nessa perspectiva, consideramos que, o que a empiria trás é a
realidade do ensino de Arte no Piauí, em que as professoras trabalham
com carga horária limitada e com o currículo que lhes são impostos pelo
sistema. Nesse sentido, segundo Marx e Engels (2002, p. 18): “A maneira
como os homens produzem esses meios de vida, depende, em primeiro
lugar, da natureza dos próprios meios de vida encontrados e que lhes é
necessário produzir.”. Nessa perspectiva, a professora necessita produzir
as circunstâncias para concretizar sua prática docente, partindo do que
tem, no caso, os conhecimentos que possui sobre o teatro trabalhado em
sala de aula. A prática docente em discussão representa que aquilo que
as professoras fazem depende das condições materiais da sua produção.
A priori, as condições da professora exigem que perspective a criação de
circunstâncias, que altere a realidade vivida nas escolas piauienses.
Num-se-pode, ao ter consciência dessa contradição, pode criar
condições para: “[...] a superação do velho, sobre a base das contradições
internas, o resultado do autodesenvolvimento e do automovimento dos
objetos e dos fenômenos.”. Nesse sentido, para realizar nova prática docente,
é necessário ter por fundamento as práticas realizadas anteriormente, como
aduz Afanasiev (1968, p. 138-139) a “[...] negação parte de que o novo não
destrói totalmente o velho, mas conserva aquilo que ele tinha de melhor.
Não só o conserva, como o transforma e eleva a um grau mais alto.”.
Nesse intento, é que compreendemos que a prática realizada por Num-se-
pode, partindo dessa contradição, possa se transformar e desenvolver-se.
É preciso ressaltar que o ensino de Arte é respaldado pela Lei 13.278/2016,
que orienta que o ensino de Arte necessita de profissionais habilitados para
cada linguagem (Teatro, Artes Visuais, Dança e Música).

Conclusão

Para compreendermos o exposto, demandou estudo, descrição,


interpretações, confrontações e reelaborações das discussões das partícipes
e a relação destas com as aulas transcritas para análise. No intuito de
conseguirmos o objetivo deste texto o plano de análise foi fundamental,
pois a escolha dos dispositivos, método, tipo de pesquisa nesse caso a
colaborativa e os procedimentos foram basilares.

120  Rosalina de Souza Rocha da Silva • Ivana Maria de Lopes Melo Ibiapina
Explicitamos a organização do plano de análise, sua composição e
relacionamos a aplicação dele com o objeto de estudo que nos norteou em
todo o processo da pesquisa e utilização do método Materialismo Histórico
Dialético, Psicologia Sócio-histórico e a Pesquisa Colaborativa.
Em conformidade com exposto, concluímos que as lentes que
escolhemos para analisar os dados expressos nesta escritura foram
importantes, pois vislumbrou-nos o conhecimento dos significados e
sentidos de ensinar Artes Visuais na educação profissional técnica de
nível médio (EPTNM) e a prática docente anacrônica, mas carregam
intrinsicamente o indício do devir ético-afetivo desde que ocorra o
compromisso das professoras tornarem-se também ético-afetivas em suas
respectivas práticas docentes em colaboração.

REFERÊNCIAS

ARSLAN, L. M.; IAVELBERG, R. Ensino de Arte. São Paulo: Cengage


Learning, 2013. (Coleção Ideia em Ação).

BATISTA, S. M. M. Práticas avaliativas dinâmicas no ensino jurídico.


Teresina: EDUFPI, 2014.

BEHRENS, M. A. O paradigma emergente e a prática pedagógica. 4. ed.


Petrópolis. RJ: Vozes, 2010.

CHEPTULIN, A. A dialética materialista: categorias e leis da dialética. São


Paulo: Alfa-Omega, 2004.

DIAZ, M. Metodologia do ensino de artes visuais. In: ZAGONEL, B.


(Org.). Metodologia do ensino de arte. Curitiba: Ibpex, 2011. (Série
Metodologias). p. 216-292.

EISNER, E. W. The arts and the creation of mind. London: Yale University
Press/New Haven & London, 2002a.

_________. Estrutura e mágica no ensino da arte. In: BARBOSA, A. M.


(Org.). Arte-educação: leitura no subsolo. São Paulo: Cortez, 2002b. p.
79-96.

________. Educating artistic vision. New York: The Macmillan Company,


1972.

PLANO DE ANÁLISE: CAMINHOS ESPIRAIS NA PESQUISA COLABORATIVA 121


FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 50. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011.

FUSARI, M. F. R.; FERRAZ, M. H. C.T. Arte na educação escolar. 2. ed.


revista. São Paulo: Cortez, 2001. (Coleção Magistério 2º grau. Série
formação geral).

HERNÁNDEZ, F. Cultura Visual, mudanças educativas e projetos de


trabalho. Porto Alegre: Artmed, 2000.

KATZ, H. GREINER, C. Por uma Teoria do Corpomídia. GREINER, C. O


corpo: pistas para estudos indisciplinares. São Paulo: Annablume, 2005.
p. 125-133.

LIBERALI, F. C. Formação crítica de educadores: questões fundamentais.


Taubaté-SP: Cabral Editora e Livraria Universitária, 2012.

IAVELBERG, R. Para gostar de aprender arte: sala de aula e formação de


professores. Porto Alegre: Artmed, 2003.

IBIAPINA, I. M. L. M. A performance na pesquisa em educação:


implicações ético-afetiva e formativa. Texto didático. Seminário: Os
processos de produção de significados e sentidos na perspectiva histórico-
cultural. Teresina: UFPI, 2014.

______. Planejamento performático: potencial para agir além do


previsto. XVII Encontro de educadores Savianos. Teresina: UFPI, 2013.
Comunicação oral.
MARTINS, M. C.; PICOSQUE, G.; GUERRA, M. T. T. Didática do ensino
de Arte: a língua do mundo: poetizar, fruir e conhecer arte. São Paulo:
FTD, 2010. (Coleção Teoria e Prática).

NININ, M. O. G. Da pergunta como ato monológico avaliativo à pergunta


como espaço para expansão dialógica. Uma investigação à luz da
linguística aplicada sobre modos de perguntar. São Carlos: Pedro & João
Editores, 2013.

PONTECORVO, C. Discutindo se aprende: interação social, conhecimento


e escola. Porto Alegre: Artmed, 2005.

122  Rosalina de Souza Rocha da Silva • Ivana Maria de Lopes Melo Ibiapina
ATELIÊ DE PESQUISA NA CONSTRUÇÃO
COLABORATIVA DO CONHECIMENTO

Ana Lúcia Gomes da Silva


Marleide Alves de Oliveira Medeiros

Introdução - Os (des)caminhos da Pesquisa


I
niciamos este texto, delineando de modo panorâmico os (des)
caminhos escolhidos para a realização da pesquisa, haja vista
nosso propósito de responder à questão central recortada para
ser comunicada neste artigo: Quais as principais contribuições do Ateliê
de Pesquisa como dispositivo formativo e auto formativo na pesquisa
colaborativa em educação? Considerando a dimensão investigativa a
situação de qualquer um e de todos nós é a mesma: tem de agir, escrever,
comunicar, pensar e forçar o pensamento a pensar. Deveremos, portanto,
forjar e nos autorizar a autoralmente apresentar os resultados cultivados em
campo como uma forma de expressão e um estilo de atitude. Em pesquisa,
para não somente levantar dados, representar um objeto preexistente e
resolver problemas há necessidade de um esforço para resistir a modelos
que não respondem nem correspondem aos modos de fazer pesquisa em
educação, já que pesquisamos com os sujeitos e não sobre eles e elas.
Portanto, há sempre uma resistência, uma invenção favorável à
expressão de uma experiência ética, estética e política. “Toda a passagem
à expressão modifica e perturba a ordem do mundo num instante dado,

ATELIÊ DE PESQUISA NA CONSTRUÇÃO COLABORATIVA DO CONHECIMENTO 123


porque é uma manifestação de potência.” (GIL, 2005, p. 278). Deste modo,
os (des)caminhos nos forja e nos forma, pois toda pesquisa se objetiva em
uma escrita que, apresenta variadas faces: o percurso da investigação e
seus resultados; a problemática que a provocou e as contribuições dos/
das pesquisadores/as, o referencial teórico-metodológico adotado como
lentes para ler a realidade investigada, as multidimensões e tensões que essa
realidade apresenta e seus efeitos éticos-estéticos-políticos.
Deste modo, a escrita da pesquisa não é mera expressão do processo
de pesquisar, mas o seu fundamento e condição para sua (re)invenção, sua
vigorosidade, bem como do próprio pesquisador/a. Tal afirmação coaduna
com a compreensão de que ao escrever os pensamentos se (trans)formam
e, nesse movimento, transforma-se o próprio escritor/a, seus pensamentos,
suas emoções e sua condição axiológica1. Para Deleuze Guattari [...] escrever
é um caso de devir, sempre inacabado, sempre em via de fazer-se, e que
extravasa qualquer matéria vivível ou vivida. Quem escreve faz suas escolhas
dentre um infindável oceano de palavras possíveis, o que alça o escrever à
condição de posicionamento ético, estético e político. São essas escolhas
que as autoras defendem e delas tomam parte ao apresentarem os resultados
cultivados em campo num processo que se deu colaborativamente com os
docentes e pesquisadoras, conforme apresentaremos a seguir.
A pesquisa de mestrado: “Ensino de História e Cultura Afro-brasileira,
Africana e Identidade : desafios e implicações nas práticas pedagógicas”
foi desenvolvida na cidade de Jacobina -BA, tendo como lócus a escola
municipal de ensino básico Colégio Gilberto Dias Miranda, (CGDM) ou
Comuja, e apresentava como objetivo geral : “Caracterizar a aplicabilidade
da lei 10.639/03 para o ensino de História e Cultura Afro-brasileira no
Ensino Fundamental, anos finais, nas diversas áreas disciplinares, no
CGDM, fomentando as discussões para elaboração de um programa de
formação contínua. Os dois objetivos específicos que trataremos para
atender a questão deste artigo são: Oportunizar ao coletivo docente
reflexões acerca de suas práticas pedagógicas e concomitante ao processo
de investigação da prática pedagógica, elaborar as intervenções de modo
colaborativo com os participantes da pesquisa, acerca do ensino da
História e Cultura Afro-brasileira através do dispositivo de construção de
dados do qual abordamos neste texto: Ateliês de Pesquisa (AP). Descrever,

1 Pressupostos axiológicos (valores sociais e éticos do/a pesquisador/a) que


ativamente interagem, complementam e informam os pressupostos metodológicos,
modo de abordar, apreender e ler a realidade e produzir o conhecimento científico.

124  Ana Lúcia Gomes da Silva • Marleide Alves de Oliveira Medeiros


na perspectiva dos docentes, a importância do ensino da História e Cultura
Afro-brasileira para a formação dos/as estudantes do Fundamental- II.
A fase de pesquisa de campo, segundo Bogdan e Biklen (1994),
compreende, para a maioria dos investigadores, a forma mais apropriada
para construir os dados das pesquisas, pois envolve encontros com os
colaboradores/as no lócus, onde estes desenvolvem suas atividades
cotidianas em ambientes naturais, a fim de estabelecer uma confiança
entre as partes, com menos formalidade e, desta maneira, ocorrer um
engajamento e a espontaneidade no momento das narrativas. (BOGDAN &
BIKLEN, 1994). Os autores sintetizam o que representa estar tecendo uma
nova peça, num ambiente de pesquisa, enredada pela trama e contingências
da realidade e suas demandas.
O campo exige conhecer, observar, atuar de forma ética, respeitando
o lócus de sua rotina cotidiana, em que alterações ocorrem, e às vezes as
atitudes são alteradas para que os resultados sejam construídos por meio
da interação entre pesquisadores/as e colaboradores/as dos seus lugares de
fala de docência que investigam e refletem colaborativamente suas práticas
pedagógicas. Para isso, é condição essencial estabelecer relações pautadas
na confiança, no respeito, no olhar e na escuta atenta aos mínimos e
riquíssimos detalhes da imersão em campo.
Nesse contexto, apresentamos os Ateliês de Pesquisa, como dispositivo
formativo e auto formativo, cujo objetivo foi oportunizar diálogos e
intervenções tecidos com a equipe colaboradora e as pesquisadoras,
com vistas a produzir sentidos, conhecimentos, ou seja, características
importantes, presentes nas pesquisas de cunho qualitativo no cotidiano
escolar.
Como características centrais que fundamentam sistemicamente e
metodologicamente os Ateliês, destacamos as pistas a seguir: 1. Atentar
para a exterioridade das forças que atuam na realidade, buscando
conexões, abrindo para o que afeta a subjetividade; 2. Atuar de modo
rizomático, ligando a subjetividade a situações em campo, ao coletivo, ao
heterogênero; 3. Compor o território existencial e possiblitar a intervenção
com o coletivo; 4. Mapear as conexões, marcas, relações, como elementos
que se estabelecem entre os encontros, romper com os sentidos conhecidos
e fundar outros que não foram pensados; 5. Rastraer linhas duras, o
plano de organização do lócus da pesquisa, do território habitado, das
desterritorializações, da emergência do novo. Saber o que mais se repete
nos discursos dos docentes sobre suas práticas pedagógicas, o que mais

ATELIÊ DE PESQUISA NA CONSTRUÇÃO COLABORATIVA DO CONHECIMENTO 125


fica oculto; 6. Olhar para os dados de pesquisa e para o conhecimento
apostando na produção, divulgação e aplicação do conhecimento em
educação, tendo o pensamento e conhecimento como ato de criação numa
rede de implicações cruzadas nesse jogo de forças; 7. Rigor da pesquisa
qualitativa em educação, considerando que não se trata apenas de
sustentar a singularidade e da invenção, mas também o uso dos conceitos
incorporados a processualidade da pesquisa., incitar leituras e entrecruzar
linhas e pontos, para que sejam reconcetados ou desconectados; 8.
Perceber que as multiplicidades se fazem presentes na realidade e precisam
ser observadas, captadas. (SILVA; SILVA & SOUZA,2019).
A atenção do cartógrafo funciona, pois, como um olhar
caleidoscópico/ lentes caleidoscópicas para ler a realidade e analisar os
dados cultivados em campo. Devemos, pois, estar atentos a tudo sem um
olhar fixo, mas ao mesmo tempo, pousar a atenção para perceber o campo
e selecionar elementos significativos, sem deixar de estarmos atentos e
abertos aos demais acontecimentos. (SILVA, SILVA & SOUZA, 2019).
Desafios lançados, a imersão em campo foi tecida tendo o processo como
resultados emergentes e não apenas o resultado final da pesquisa.

Ateliê de pesquisa: tecendo e construindo colaborativamente o


conhecimento

Mas, por que Ateliê? Em que se constitui este dispositivo?


Assim começam as primeiras indagações sobre esse dispositivo de
construção de dados, que, para além de ouvir falar, lemos atentamente
sua operacionalização em outras experiências científicas. Ateliê como
dispositivo, se fez potente e de trocas colaborativas. Sua concepção foi
tecida por Ana Lúcia Gomes, com outros pares na coautoria, assim como
neste texto, tendo a mesma como orientadora desta pesquisa e como
co autora parceira dessa trajetória investigativa. Em campo, o Ateliê
mostrou-se como uma peça incrível nesta engrenagem, que é a pesquisa
em educação. Foram realizadas amplas discussões, diálogos, narrativas
sinceras, emocionantes e enriquecedoras, troca de experiências, e com
isso nos foi permitido construir coletivamente um novo saber e um novo
conhecimento, fruto de outras teias e conexões que nos envolve como
seres docentes e humanos/as. Discutimos realidades e problemas acerca
do nosso objeto de pesquisa, analisando as práticas pedagógicas para o
Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana.

126  Ana Lúcia Gomes da Silva • Marleide Alves de Oliveira Medeiros


Em meio a tudo isso, na efervescência do debate, soluções e caminhos
foram apresentados, e, assim, Ateliê após Ateliê, foram tecidos os resultados
mais impressionantes da pesquisa em campo. Nele fomos compreendendo
o movimento de tecer coletivamente, de pesquisar e refletir sobre nossas
práticas pedagógicas como espaço formativo e auto formativo.
A pesquisa nos parece real neste momento de troca, de escuta, de
olhar e narrar àquilo que nos move como profissionais educadores/as.
Foi na reflexão que novos direcionamentos se firmaram numa nova ação,
agora, consciente e objetivamente capaz de transformar, mudar e quem
sabe, melhorar uma escola, com ações que como fruto , feitos de artesãos/
ãs juntando todas as ferramentas que nos foi possível apropriar em nossas
mãos de artista, e nos permitiu criar e recriar , atuar e coautuar no universo
que chamamos escola.
O AP é, seguramente, um dispositivo que atende à proposta da
pesquisa-ação colaborativa, sendo condizente com as especificidades de
uma pesquisa de Mestrado Profissional, a qual exige uma intervenção
formativa que oportunize ouvir as vozes dos sujeitos, num movimento
de ação-reflexão-ação, permitindo, desta forma, um construir de saberes
e conhecimentos a partir dos significados apreendidos no grupo de
discussão, além dos sentidos produzidos, em todo o percurso, pela
interação e troca de experiências entre colaboradores/as e pesquisadora.
No tocante à coautoria, outro artifício essencial neste tipo de pesquisa, o/a
pesquisador/a vai construindo no processo os caminhos e desdobramentos
de acordo com as demandas oriundas do coletivo copartícipe e de suas
colaborações. Assim Silva e Filho (2015) definem Ateliê de Pesquisa.
O AP se alicerça na compreensão de um espaço formativo em que se
tece coletivamente, portanto, colaborativamente. É o lugar como espaço-
tempo formativo auto formativo, cujo trabalho será produzido por pessoas/
profissionais com vontade de criar e, onde se pode experimentar, manipular
e produzir produtos resultantes da pesquisa como princípio educativo,
cognitivo, formativo, colaborativo e de reflexão/avaliação constante sobre
a prática pedagógica. (SILVA & FILHO, 2015)
Assim, com a intenção de oportunizar no âmbito escolar um
ambiente motivador para debates e questionamentos, os Ateliês foram
espaços de encontros formativos capazes de proporcionar reflexões acerca
do racismo, preconceitos e discriminações, e tantos outros conteúdos
geradores de análises para nós docentes, atentando para as questões
étnico-raciais destacando e valorizando a identidade negra dos nossos/as

ATELIÊ DE PESQUISA NA CONSTRUÇÃO COLABORATIVA DO CONHECIMENTO 127


estudantes, e sobretudo, reavaliando nossas práticas pedagógicas sobre
temas relacionados ao Ensino da Cultura Afro-brasileira. O AP apresenta os
seguintes princípios: compreender a pesquisa como ato cognitivo, processo
formativo e condição para o exercício crítico da docência; refletir sobre o
modo de operar com o conhecimento a partir da compreensão de várias
perspectivas epistemológicas; distinguir método das abordagens e técnicas
de pesquisa, de modo a compreender suas dimensões, características,
vantagens e limites na operacionalização da trajetória de pesquisa;
apresentar panoramicamente os métodos de pesquisa, seus instrumentos e
alternativas para construção de dados, a partir do objeto de estudo ( SILVA
& SÁ, 2016).
Os Ateliês de Pesquisa como dispositivos de construção de
dados configuraram num instrumento de socialização das experiências
pedagógicas, é formativo-emancipatório, pois é possível articular vivências,
saberes e ações que num processo de colaboração produz transformação e
empoderamento dos sujeitos. A nossa abordagem, neste dispositivo, aos/
às professores/as do COMUJA, buscou descrever, na perspectiva desses/
as docentes, a importância do ensino da História e Cultura afro-brasileira
para a formação dos estudantes do fundamental II.
Os AP, como princípio forjado no coletivo, teve como um dos pontos
relevantes a construção dos dados, pois o olhar e escuta do outro geraram
sentidos aos/as demais participantes, desencadeou ações e sentimentos
diversos e significantes ao individual e ao coletivo, tais como: curiosidade,
contentamento, satisfação, tristeza em refletir sobre o racismo e tê-lo
vivenciado, alegria em compartilhar saberes e aprender mais sobre o
semelhante, pertencimento e liberdade em poder falar o que pensa como
verdadeiro sobre a questão em debate, respeito pela narrativa do/a colega,
e espanto por aquilo o que foi dito ser surpreendente e inesperado. O
encontro como acontecimento, sendo motivo de afetação do\a outro\a.
Foram expostos inicialmente aos\as colaboradores/as os resultados
da pesquisa exploratória, da análise documental e da escala de valores
aplicada na fase inicial da pesquisa, com o objetivo de promover a discussão
e a análise dos dados construídos, bem como propiciar, até o final da etapa
de campo, a elaboração dos Ciclos de formação para o Ensino de História e
Cultura afro-brasileira e Africana. Ao longo das atividades, desenvolvemos
nos demais Ateliês os eixos temáticos ou subtemas que o coletivo docente
considerou como mais relevante para o trato das questões étnico raciais

128  Ana Lúcia Gomes da Silva • Marleide Alves de Oliveira Medeiros


na escola na educação básica, com vistas ao cumprimento efetivo da lei
10.639/03, e que emergiram das próprias discussões em grupo, porque
os primeiros encontros foram delineando e sendo moldados conforme a
dinâmica do coletivo, presente e preponderante nos Ateliês.
Organizamos os Ateliês inspirados no trabalho dos\as autores\as
Silva e Filho (2015) e Silva e Sá (2016). O primeiro encontro contribuiu
para direcionarmos os encaminhamentos dos próximos, em consenso de
datas e horários pertinentes a todos e a todos\as colaboradores/as. Os
nossos Ateliês foram compostos por encontros específicos definidos em
dias que aconteceriam as AC, (Atividades Complementares) a fim de não
gerar demandas extras de tempo aos/as docentes colaboradores/as. Foram
organizados de forma a responder às questões norteadoras e problema
de pesquisa. Totalizamos três encontros formativos presenciais na sala de
multimídia do COMUJA e dois para a finalização do resultado/produto da
pesquisa. Salientamos nesta escrita apenas o primeiro AP, os demais podem
ser apreciados em nosso relatório de pesquisa. Exporemos de modo parcial
o processo e resultado do que foi planejado e realizado, considerando os
ajustes e atendimento às demandas do coletivo.

O Dispositivo Ateliê de Pesquisa - Resultados e Discussões

Ressaltamos e compartilhamos as inquietações como docente


de História na própria instituição escolar, onde também enfrentamos
desafios em trabalhar as questões étnico-raciais em nossa sala de aula,
pois corroboramos do pensamento de Creswell (2014) quanto ao fato de
que devemos estar: “[...] estabelecendo relações apoiadoras e respeitosas
sem estereótipos ou usando rótulos que os participantes não adotam,
reconhecendo quais vozes serão representadas em nosso estudo final e
inscrevendo a nós mesmos no estudo refletindo sobre quem somos e as
pessoas que estudamos” (CRESWELL, 2014, p. 58).
Para que ocorresse esta fase de modo confiante e produtiva, na
construção de dados e todas as demais etapas até a análise dos dados
e a escrita e divulgação dos resultados, foi necessário explicar, além dos
benefícios já citados, outros que destacamos: Participar como coautor/a,
caso manifeste este desejo, de uma construção de um resultado/produto
final colaborativo dos “Ciclos de formação para o Ensino de História e

ATELIÊ DE PESQUISA NA CONSTRUÇÃO COLABORATIVA DO CONHECIMENTO 129


Cultura Afro-brasileira e Africana”2, para ser implementado no lócus da
pesquisa, através de discussões e debates e assim, ampliar os conhecimentos,
através do estudo de materiais teóricos pertinentes e da interação entre
participantes.
Seguindo-se, ocorreu a discussão sobre o racismo no cotidiano escolar.
Expliquei aos/as docentes como chegamos a este primeiro tema, por meio
do resultado de escala de valor, aplicada na fase de aproximação de campo.
Como elemento disparador das discussões, exibimos dois pequenos vídeos:
Racismo, da atriz Taís Araújo3, e um segundo, com a participação de alunos/
as do ensino médio4. Após a exibição, questionamos aos\as colaboradores/
as quais as impressões acerca do racismo na escola, e se havia meios
e caminhos para efetivar a lei 10.639/03, e se já tiveram formação para
trabalhar a cultura afro-brasileira. Se não, como nos mobilizar e nos formar
neste processo?
Todos/as docentes participaram ativamente das discussões,
contribuíram com colocações pertinentes e propuseram respostas às
indagações, resultando em ricas informações nos dados que foram
construídos no desenvolvimento dos Ateliês de Pesquisa. Expomos a seguir, a
tematização dos dados deste primeiro encontro. O procedimento de análise
dos dados foi inspirado na análise temática do conteúdo, mas por razões
de regras de extensão deste artigo, não apresentaremos o procedimento.
Uma das autoras adotada foi Helena Fontoura (2011, 2016)5

2 Os “Ciclos de Formação “foram gestados como desdobramentos das pesquisas


de mestrado de Marleide Medeiros, já citada neste artigo e a pesquisa de autoria
de Jaqueline Valois Rios, intitulada: “Textos no contexto de Ciências: letramento
científico em pauta”. (2018). As pesquisas de mestrados em desdobramento após
defesa, encontram-se disponíveis no site do Programa. www.portal.uneb.br/mped
e foram/estão sendo realizados de modo integrado em 2019 e 2020 com a pesquisa
da Profª. Ana Lúcia Gomes da Silva, intitulada “Profissão docente na Educação
Básica do Piemonte da Diamantina: formação, contextos de diversidade e práticas
pedagógicas. Participaram também os bolsistas de Iniciação Científica (IC), Ádina
Nunes, Fernando Macedo e 2020 também com a bolsista Renata Saane.
3 Vídeo da atriz Taís Araújo sobre racismo. Disponível em: https://www.youtube.
com/watch?v=zqW-90WbElA , Acesso em: 30 maio 2017.
4 Vídeo não publicado, pertence ao arquivo pessoal da autora.
5 Para maior aprofundamento: FONTOURA, Helena Amaral. Tematização
como proposta de análise de dados na pesquisa qualitativa. In: FONTOURA
Helena Amaral. A (Org.) Formação de professores e diversidades culturais:
múltiplos olhares em pesquisa. Niterói: Intertexto, 2011. p. 61-82.

130  Ana Lúcia Gomes da Silva • Marleide Alves de Oliveira Medeiros


Quadro 01 -Análise Temática- Ateliê de Pesquisa I
Ateliê 1-Quais as percepções sobre o racismo em nossa escola?

Trecho selecionado para Essência do trecho Comentário(s)


evidenciar tema (unidade de (unidades de
contexto) significado) Interpretação

Acho que o racismo na escola Os/as professores/ Ocorre a afirmação clara que
é mais entre os próprios as não apresentaram existe racismo no ambiente
alunos, eu pelo menos, nunca em seus discursos escolar. Inicialmente é citado
presenciei professor tratando atitudes racistas que os/as professores/
aluno com discriminação com os alunos, isso as não exercem racismo
racial, eu nunca presenciei. acontece somente na contra os alunos, mas
Já percebi que entre eles relação entre alunos diante da divergência de
há muitas questões de e alunas. ideias, decorrente de nossas
preconceito racial, entre eles, contradições e ainda de uma
os alunos, isso eu percebo, realidade e identidade, pois
agora professor aluno, eu pelo a professora que afirma
menos nunca percebi, eu vejo acontecer o racismo velado,
muito entre os alunos, até por se autodeclara negra, e com
brincadeira, tem um fundo de isso entendemos que, a sua
verdade. (PAULO,2018) percepção é diferente da
O que eu percebo é o Afirma que realidade daquele\a que não se
seguinte, claro que a gente professores/as tem percebe ou não é negro/a.
não tem explicitamente, o sim, atitudes racistas
Racismo na escola existe, e
professor se manifestando
precisa ser combatido.
com atitudes racistas,
mas de forma velada tem-
(SALETE,2018)
Porque é o seguinte: quando Não basta só falar
eu me considero uma que não é racista,
professora não racista, não ou como aquele que
basta só falar que não é combate o racismo,
racista, ou como aquele que que são duas coisas
combate o racismo, que são distintas
duas coisas distintas. Você
não precisa só se intitular, eu É preciso combater o
não sou racista, você precisa racismo na escola.
combater o racismo na escola
(SALETE,2018)

ATELIÊ DE PESQUISA NA CONSTRUÇÃO COLABORATIVA DO CONHECIMENTO 131


É histórica a questão do O Brasil César em sua afirmação
negro no Brasil. O Brasil principalmente é categórica nos permite aqui
principalmente é racista e os racista refletir mais sobre este tema,
brasileiros em si são racistas. já que estamos num país
(CÉSAR,2018) que nega a existência do
racismo, nas escolas ocorre o
silenciamento dessas discussões
e a consequente exclusão dos/
as jovens negro/as.
Tema-Racismo no cotidiano Sub-tema-preconceito na escola
escolar
Fonte: Elaborado pela autora (2018).

Quando o professor César sintetiza essa discussão, afirmando que


o Brasil é racista, nos faz pensar no racismo estrutural e institucional. “O
racismo é parte de uma matriz mais ampla de estruturas institucionais
e discursivas que não podem ser reduzidas a atitudes individuais. [...] A
atitude racista é o resultado de uma complexa dinâmica de subjetividades
que inclui contradições, medos, resistências” (SILVA, 2017, p.102 -103).
O autor ressalta que devemos observar o racismo como algo estrutural,
questionar as atitudes individuais, mas, olhando para a formação social do
racismo, que passa pelos discursos e pelas instituições, em nosso estudo,
o foco principal é a escola. Discutir o racismo institucional na educação
nos aponta o fato dos/as estudantes sofrerem desvantagens no acesso,
inferiorização, estigmas de suas referências culturais, e o consequente
fracasso (LIMA, 2015). Portanto, o currículo crítico antirracista deve
contestar as causas institucionais, históricas e discursivas do racismo, assim
como não pode limitar-se a informações racionais, precisa se preocupar
com as noções de representação e de poder em nossa sociedade (SILVA,
2017).

132  Ana Lúcia Gomes da Silva • Marleide Alves de Oliveira Medeiros


Quadro 02 - Análise Temática Ateliê de Pesquisa I
Ateliê I- Como abordar as questões de Identidade negra?
Essência do trecho
Trecho selecionado para evidenciar Comentários
(unidades se
tema (unidade de contexto) Interpretação
significado)
Que eu enquanto professora, Como o aluno Afirmação de que os /
atuo, como o aluno que pratica que pratica vários as docentes praticam
vários preconceitos, racismo na preconceitos racismo ações preconceituosas,
sala de aula e infelizmente nós na sala de aula e porque não se
professores, tem uns que nem se infelizmente nós identificam como
consideram negros, claro que nem professores, tem uns negro/as e, portanto,
todos vão se considerar negros e que nem se consideram não fazem a devida
negras, porquê cada um vai..., isso negros abordagem dos temas
é muito complexo. Sabemos que Mas professor muitas na sua prática.
não é só questão de cor, é algo vezes não quer
mais profundo em relação a isso, trabalhar, isso não,
mas professor muitas vezes não já ouvi colegas dizer
quer trabalhar, isso não, já ouvi que não existe, de
colegas dizer que não existe, de outras instituições
outras instituições principalmente. principalmente.
(SALETE,2018)
Eu fui criado na minha família, eu Eu sou negro minha Define-se no trecho da
sou negro, eu sou negro, minha família tem herança narrativa a Identidade
família tem herança, nós somos Eu estudava na escola negra docente,
brasileiros, temos essa herança, e as vezes colegas me relacionada a origem
afrodescendente, e assim eu fui desfaziam, familiar e relato de
criado e fui assim eu estudava Identidade docente preconceito racial que
na escola e as vezes colegas me autodeclarada, sofria por isso
desfaziam. (CÉSAR,2018)
[...]muitas vezes tem gente que tem Que tem vergonha de Emergiu o subtema
vergonha de marcar, de colocar marcar, de colocar num identidade negra
num formulário, nossos próprios formulário, nossos discente, no exemplo
alunos, ele tá fazendo a cor da raça próprios alunos, mencionado, o qual
dele e diz: professor eu não sei no Não se encontrou pela associa a negação da
que eu boto não, mas ele sabe, ele sociedade racista que mesma pelo fato dos
se olha no espelho mas ainda não pertencemos, jovens sofrerem diversas
se encontrou pela sociedade racista Revela-se a negação situações de racismo
que pertencemos, e eu já vi serem identitária, como fruto
chamados muitas vezes de piloto do preconceito racial
preto, borra de asfalto, borra de
café, pau de fumo, coisas muito
pejorativas, muito pejorativas!
(CÉSAR ,2018)
Tema-Racismo no cotidiano escolar Sub-tema-Identidade negra
Fonte: Elaborado pela autora (2018).

ATELIÊ DE PESQUISA NA CONSTRUÇÃO COLABORATIVA DO CONHECIMENTO 133


Inferimos, após a exibição dos vídeos, e a partir das discussões que
abordavam o racismo, que é necessário trabalhar as questões de identidade,
sobretudo identidade negra, pois ocorre negação, segundo as narrativas
dos/as docentes, tanto dos professores/as quanto dos/as alunos/as. As
identidades são construídas nas relações sociais, na relação com o outro,
muitas vezes estão descentradas, e mudam de acordo com a interpelação de
sujeito, ou por sua representação. São produzidas pelas práticas discursivas,
na posição em que o sujeito ocupa socialmente, dentro deste mesmo
processo discursivo de formação de identidade (SILVA 2014; HALL, 2002;
MOITA LOPES, 2006). Portanto, evidencia-se, também, que a construção
da identidade negra é um ato elaborado individual e socialmente, também
se estabelece no discurso e nas relações de poder, sendo difícil, portanto,
as afirmações de identidades negras positivas no meio educacional, pois é
um ambiente que reflete as desigualdades, as quais devem ser exatamente
questionadas.
Assim, nos orienta as Diretrizes Nacionais , segundo as quais
devemos compreender os valores e as lutas dos negros/as, sermos sensíveis
ao sofrimento devido às formas de desqualificação e menosprezo por
seus antepassados terem sido escravizados; todo preconceito deve ser
questionado e combatido, a exemplo de “[...] brincadeiras, piadas de mau
gosto sugerindo incapacidade, ridicularizando seus traços físicos, a textura
de seus cabelos, fazendo pouco das religiões de raiz africana. Implica criar
condições para que os estudantes negros não sejam rejeitados em virtude
da cor da sua pele [...]” (BRASIL,2004, p.12). Desta forma, encorajar estes/
as jovens a continuarem seus estudos, sobretudo no que diz respeito à
própria cultura e à comunidade negra, colaborando para uma educação
antirracista, é nosso papel.

134  Ana Lúcia Gomes da Silva • Marleide Alves de Oliveira Medeiros


Quadro 03 - Análise Temática Ateliê de Pesquisa I
Ateliê I-Quais as práticas pedagógicas para a aplicabilidade da Lei 10639/03?

Essência do trecho
Trecho selecionado para evidenciar Comentários
(unidades de signifi-
tema (unidade de contexto) Interpretação
cado)
[...] Cadê as leis que regem o Cadê as leis que regem A colaboradora ressalta
nosso país, que defende o povo o nosso país, que a necessidade de ensinar
negro, qual é o professor que tá defende o povo negro, os direitos e as leis que
trabalhando? Pro aluno de fato qual é o professor que defendem os/as alunos/
ter conhecimento de seus direitos tá trabalhando? as negros/as, para
pra ele saber agir frente a casos Nossos alunos que possam defender-
de injúria racial e do racismo. saberem distinguir se, infere também da
Nossos alunos saberem distinguir racismo, de injúria, necessidade de trabalhar
racismo, de injúria, saber que saber que ele vai dar conceitos pertinentes
ele vai dar queixa que ele vai queixa que ele vai ao Ensino da Cultura e
procurar ministério público tu tá procurar ministério identidade e valorização
entendendo? para onde meu aluno público. do\a negro/a.
negro vai? Se resume ele a uma
comida a uma roupa colorida e
uma dança, só isso. Isso é bonito?
(SALETE,2018)
Enfrentar sem precisar levantar Conscientização[...], Ações para combater
batalhas, na escola, na a gente precisa ao o racismo seriam a
verdade a melhor forma é a de ver, ao perceber que partir da percepção
conscientização[...], a gente tá acontecendo o dos problemas, evitar
precisa ao ver, ao perceber que racismo de alguma a reprodução dos
tá acontecendo o racismo de forma chamar. estereótipos, com
alguma forma chamar! [...] nos Na verdade, negro palavras depreciativas
vícios sociais que temos, por é um coisa ruim. aos\às negros/as.
exemplo: denegrir minha imagem, Denegrir a imagem da
a gente costuma usar: a pessoa gente, a gente vai ficar
quer denegrir minha imagem, feliz
olha, muitas vezes a gente usa
e é normal uma palavra que tá
no dicionário, porém quando a
gente usa, é um termo que não
percebemos, denegrir é tornar
negro. Na verdade, negro é um
coisa ruim. Denegrir a imagem
da gente, a gente vai ficar feliz?
(CÉSAR,2018)
Tema-Práticas Pedagógicas Sub-tema-Temas, ações e técnicas para o Ensino
da Cultura afro-Brasileira
Fonte: Elaborado pela autora (2018).

ATELIÊ DE PESQUISA NA CONSTRUÇÃO COLABORATIVA DO CONHECIMENTO 135


Técnicas de sensibilização e conscientização foram mencionadas,
neste momento da discussão, como estratégias para um reconhecimento
do/a outro/a e da diversidade e o pertencimento étnico-racial. O trabalho
pedagógico deve ser realizado de forma a contribuir para um ensino
pertinente à diversidade e à complexidade. Como afirma Verdun (2013),
a escola deverá, portanto, ser um espaço de socialização e humanização
dos sujeitos, na perspectiva de cooperar para os/as estudantes aprendam a
aprender na convivência com os/as outros/as, deverá também desenvolver
uma postura colaborativa nos indivíduos, (re)avaliando seus contextos
sócio históricos, e manter-se permanentemente em processo de formação.
Nós todos/as, componentes ativos da instituição Escola, fomos compelidos
a trazer para a prática a consciência da necessidade de respeito à diferença,
na convivência e nas pequenas ações do cotidiano, a exemplo de reprodução
de discursos preconceituosos, como o mencionado por César. É estar
sempre na reflexão de nossa docência, em nossas próprias práticas que são
pedagógicas e também sociais.
Dentro desta perspectiva do reconhecimento da sociedade composta
pela diversidade cultural, e por isso requer que se volte o olhar para seu
interior, para perceber os elementos que a determinam como diversa e
pluriétnica, avançando no campo da educação e do currículo para buscar
compreender e alterar, o sistema vigente, que corrobora com um modelo
único de cultura e de ensino, deve permitir aos/as jovens compreender o
seu lugar no mundo, buscando os seus direitos, com conhecimento e senso
crítico.
Assim, em todas essas circunstâncias, a formação docente deve
contemplar múltiplos aspectos. Trabalhar a identidade dos/as docentes,
discutir conceitos, trazer ao debate as raízes históricas e ideológicas do
racismo e o reconhecimento do racismo e sexismo que se manifesta em cada
um. (LIMA, 2015). Encerramos o registro deste AP, momento formativo
e auto formativo, entendendo que assim se faz o caminho, na reflexão
sobre nós mesmos/as e da nossa prática e ação docente, destacando a
importância desse dispositivo para a pesquisa em educação no próprio
lócus dos/das professores\as.

Considerações finais

Os encontros de Ateliês de pesquisa representaram uma experiência


inovadora de auto formação docente, aprofundando e dialogando com as

136  Ana Lúcia Gomes da Silva • Marleide Alves de Oliveira Medeiros


categorias deste, cuja centralidade em campo emergiu de modo recorrente
as práticas pedagógicas, junto com várias subcategorias: racismo no cotidiano
escolar, individualismo, interseccionalidades raça, classe e gênero, preconceito,
candomblé e cultura.
Outra categoria emergente Formação Docente, configurou-se como um
tema recorrente: a necessidade de formação contínua e preparo para trabalhar
em sala de aula de forma fundamentada a lei 10.639/03. Daí consolidamos
o objetivo do resultado/produto desta pesquisa: a elaboração coletiva dos
“Ciclos de formação”, contemplando os eixos temáticos pertinentes: dentre
eles um projeto pedagógico para culminar na semana de consciência negra,
solicitado pelos/as docentes colaboradores/as, o qual se faz necessário
incluir no planejamento e desenvolvimento durante todo o ano letivo, de
modo interdisciplinar. “Não basta o reconhecimento da pluralidade, mas
encontrarmos estratégias concretas, integradas, inclusivas, para traduzi-
las no contexto escolar” (IVENICK, 2015, p.131). Constatamos também
que apenas uma docente participou de um curso de pós-graduação em
Ensino de História e Cultura afro-brasileira, os demais não participaram
de nenhum outro curso formativo para a Lei 10639/03. O que confirma a
ausência de um programa de formação contínua na rede municipal.
Enfim, falar sobre cultura afro-brasileira e sobre negros e negras,
nas escolas, além de desenvolver ações dentro do espaço escolar, tais como
rodas de conversa, seminários, entrevistas, produções a partir de pesquisas,
debates, requer, também, uma análise das mídias e redes sociais. Portanto:
“[...] atentando para as formas como se dão as relações raciais lendo
criticamente a mídia, a política, a cultura, os bairros, os/as trabalhadores/
as, as elites, as imposições, as negações, as invisibilidades como a pessoa
negra é vista e tratada na sociedade” (LIMA,2015, p.69).
Em todos os depoimentos, reitera-se um problema que dificulta
a aplicabilidade da Lei, que é o trabalho individual por parte de alguns/
mas docentes, sobretudo da área de História, que a rigor é o componente
curricular que deve contemplar em seus conteúdos, pois, trabalhos pontuais,
na maioria das vezes se esvaziam e não dão continuidade ao tema de forma
interdisciplinar. A ideia dos “Ciclos de Formação foram delineando-se nos
Ateliês e concretizamos ao longo da pesquisa, pois todos/as docentes
compreenderam a necessidade de formação para a efetivação da Lei, já que
a maioria aponta não ter tido esse preparo na formação inicial.

ATELIÊ DE PESQUISA NA CONSTRUÇÃO COLABORATIVA DO CONHECIMENTO 137


Destacaram que os Ateliês de pesquisa é potente para o exercício
formativo dos/das docentes por se configurar como colaborativo, de
abertura dialógica em que o grupo se gesta de modo autônomo, mas que
precisariam que os mesmos pudessem ser realizados efetivamente nos
horários das Atividades Complementares- AC no planejamento da escola
e não apenas com os/as colaboradores/as da pesquisa, mas sim, como
formação em exercício no lócus da escola.

Referências

BOGDAN, Robert; BIKLEN, Sari. Investigação qualitativa em educação. Porto:


Porto Editora, 1994.

BRASIL, Ministério da Educação. Diretrizes curriculares nacionais para a


educação das relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-
brasileira e africana. Brasília, MEC/SECAD, 2004. Resolução.

CRESWELL, J. W. Investigações qualitativas e projeto de pesquisa: escolhendo


entre cinco abordagens. Porto Alegre: Penso 2014.

DELEUZE, Gilles. Crítica e Clínica. São Paulo: Editora 34, 1997.

FRANCO, Maria Amélia Santoro. Prática pedagógica e docência: um


olhar a partir da epistemologia do conceito. Revista Brasileira de Estudos
Pedagógicos (on-line), Brasília, v. 97, n. 247, p. 534-551, set./dez. 2016.

GIL, J. A imagem-nua e as pequenas percepções: estética e metafenomenologia.


2 ed. Lisboa: Relógio D’Água, 2005.

GOMES, Nilma. Lino. Alguns termos e conceitos presentes no debate sobre relações
raciais no Brasil: uma breve discussão. In: BRASIL. Ministério da Educação.
Educação antirracista: caminhos abertos pela Lei Federal n. 10.639/03.
Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade, 2005. p. 39-62

HALL, Stuart. A. Identidade cultural na pós modernidade. Rio de Janeiro, DP&A


Editora, 2002.

138  Ana Lúcia Gomes da Silva • Marleide Alves de Oliveira Medeiros


IVENICKI, Ana. Políticas Educacionais e Diversidade na Escola: Desafios
da/na Diversidade, In: RIOS, Jane Adriana Vasconcelos Pacheco (Org.).
Políticas, práticas e formação na educação básica. Salvador: EDUFBA, 2015.
p.129-134.

LIMA, Maria Nazaré Mota de. Relações étnico-raciais na escola: o papel das
linguagens. Salvador, EDUNEB, 2015.

MOITA LOPES, L.P. Identidades fragmentadas: a construção discursiva


de raça, gênero e sexualidade em sala de aula. Campinas, São Paulo:
Mercado de Letras, 2006.

SILVA, Ana Lúcia Gomes da; SILVA, Jerônimo Jorge Cavalcante Silva;
SOUZA, Pascoal Eron Santos de. Ateliês de Pesquisa: Tessituras de
métodos e dispositivos de pesquisa engajada em educação. In: SILVA,
Ana Lúcia Gomes da; SILVA, Jerônimo Jorge Cavalcante Silva; SOUZA,
Pascoal Eron Santos de. Ateliês de Pesquisa: tecendo processos formativos
da pesquisa em educação e diversidade. Curitiba, Paraná: Appris, 2019.
p.23-42.

SILVA, Ana Lúcia Gomes da; FILHO; Roberto Santos Teixeira. A


Abordagem da educação sexual nos livros didáticos de biologia. Anais do II
Colóquio Docência e Diversidade Na Educação Básica: políticas, práticas
e formação, p.345-360 19 a 21 de maio de 2015. ISSN: 2358-0151.

SILVA, Ana Lúcia Gomes da; SÁ, Maria Roseli. Mestrado Profissional:
cenários e singularidades em intervenções na educação. Revista Plurais,
Salvador, v. 1, n. 1, p. 59-71, jan. /abr. 2016.Disponível em:http://www.
revistas.uneb.br/index.php/plurais/article/view/2302. Acesso em: 16
jan.2017.

SILVA, Tomaz. Tadeu. A produção social da identidade e da diferença.


In: SILVA, Tomaz. Tadeu. (Org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos
estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2011.

SILVA, Tomaz. Tadeu. Documentos de identidade: uma introdução ao


currículo. 3. ed. 10. reimp. Autêntica: Belo Horizonte,2017.

VERDUM, Priscila. Prática pedagógica: o que é? O que envolve? Revista


Educação por Escrito. PUC-RS, v.4, n.1, p. 91-105, jul. 2013.

ATELIÊ DE PESQUISA NA CONSTRUÇÃO COLABORATIVA DO CONHECIMENTO 139


O ATO ÉTICO RESPONSÁVEL NA
PESQUISA COLABORATIVA EDUCACIONAL:
INVESTIGANDO A TUTORIA NA EAD

Shirlei Marly Alves

“Nosso pensamento e nossa prática, não técnica, mas moral (isto


é nossos atos responsáveis), se realizam entre dois limites: entre as
relações com a coisa e as relações com a pessoa.” (Mikhail Bakhtin)

Introdução

P
or ocasião do curso de Doutorado, nos propusemos
compreender como se constrói a atividade de tutoria na
Educação a Distância (EAD) a partir do olhar filosófico
de Mikhail Bakhtin, o qual enfatiza a relação dialógica e ética que,
necessariamente, se prenuncia nos empreendimentos investigativos
cujo objeto de estudo é o humano, considerando sua condição
imprescindivelmente histórica e social. Nesse sentido, considera-se a relação
intersubjetiva e alteritária entre pesquisador e pesquisado(s) pautada pelo
dialogismo inerente a todo ato de linguagem, prefigurando o humanismo
na ciência, cujo eixo é o cotidiano e a cultura do diálogo (BERMAN, 2007).
Com esse direcionamento, nos lançamos ao campo da pesquisa,
desenvolvendo um estudo de caso apresentado na tese de doutorado
intitulada “A ativid@de tutores na educação a distância: uma análise

O ATO ÉTICO RESPONSÁVEL NA PESQUISA COLABORATIVA EDUCACIONAL: 141


INVESTIGANDO A TUTORIA NA EAD
bakhtiniana do prescrito e do vivido nos ambientes virtuais de
aprendizagem”, defendida no ano de 2013, sob a supervisão da Profa.
Dra. Maria Cristina Hennes Sampaio. Estabeleceu-se como objetivo geral
do estudo descrever e interpretar as singularidades do trabalho de tutoria
na Educação a Distância, bem como as ressingularizações promovidas no
cotidiano dessa atividade pelo seu agente principal.
No estudo, cuja gênese esteve fortemente ligada à nossa própria
experiência em diversas atividades na EAD1, partimos da hipótese de que a
divisão do trabalho docente, a polidocência (MILL, 2006), e as interações
a distância, nos ambientes virtuais de aprendizagem (AVA), preponderam
como fatores determinantes das ressingularizações promovidas pelo tutor.
Teoricamente, para a compreensão da tutoria como um trabalho,
fundamentamo-nos na Ergologia, corrente de estudos que concebe o
trabalho humano como atividade situada na qual se efetiva um debate
entre as normas antecedentes e as contínuas arbitragens promovidas pelos
trabalhadores. O discurso desses sujeitos é o lugar de manifestação de suas
visões, histórias de vida e experiências, as quais dão ensejo ao modo como o
trabalhador se encaminha no seu trabalho e o reconfigura continuamente.
Conforme as postulações de Bakhtin e seu Círculo (1988), o discurso é lugar
de embates ideológicos, de manifestação da socio-história e de relações
necessariamente alteritárias, sendo o dialogismo2 sua marca fundamental.
Essa perspectiva possibilitou-nos a compreensão da atividade de tutoria
sob a ótica da profundidade, ou do mergulho nos meandros da atividade a
partir da perspectiva de quem a vivencia e interpreta nas múltiplas relações
em que se concretiza cotidianamente.
Com essa base heurística, definimos, nos tópicos a seguir, os
procedimentos investigativos que nos possibilitaram alcançar uma
compreensão responsiva do nosso objeto de pesquisa.

1 Cursamos Especialização em Educação a Distância na Universidade de Brasília


(UNB) e atuamos nessa modalidade de ensino como coordenadora pedagógica,
professora formadora e tutora, no âmbito da Universidade Aberta do Brasil
(UA). Também produzimos material didático para cursos ofertados pelo Núcleo
de Educação a Distância (NEAD-UESPI), onde também ministramos cursos de
formação para tutores.
2 Na visão bakhtiniana, o termo não se restringe ao diálogo como somente
a interação entre interlocutores. Refere-se, sobretudo, às relações
interdiscursivas, ou seja, à incorporação de um ou vários discursos em
outro(s), configurando o grande discurso (BRAIT, 1996).

142  Shirlei Marly Alves


A pesquisa colaborativa como ato ético responsável

Quanto ao modo de interpelar a trabalhadora que aceitou participar


da pesquisa, nossa opção foi pela pesquisa colaborativa, a qual, conforme
caracterização feita por Serge Desgagné (1997), tem sido usada, no campo
educacional, como uma forma de superar a distância entre os mundos da
cultura acadêmica e da cultura escolar, sobretudo, pela constatação de que
os conhecimentos científicos, se restritos a uma comunidade específica,
pouco contribuem para a melhoria das práticas efetivadas pelos professores
em seu cotidiano. São, pois, essas práticas que constituem o objeto de
estudo colaborativo, o qual “se baseia na compreensão que os docentes,
em interação com o pesquisador, constroem a partir da exploração, em
contexto real, de aspectos que se referem às suas práticas profissionais.”
(DESGAGNÉ, 1997, p. 371).
Ao destacar que os conhecimentos científicos sobre a prática não
têm contribuído para auxiliar os professores a enfrentar a complexidade
das situações educativas com os quais se defrontam no seu cotidiano,
Desgagné (1997) apresenta as seguintes indagações sobre o que estaria na
gênese dessa problemática: trata-se de problema de difusão de resultados?
De escolha de objetos de pesquisa? De métodos de pesquisa e pertinência
de resultados? O autor observa que, sobre isso, já existe um grande debate,
o qual, inclusive, ultrapassa os limites da profissão docente, visto que o
distanciamento entre teoria e prática também está ligado a outras áreas da
vida humana. Trata-se de um questionamento de ordem epistemológica,
sobre o qual muitos autores têm se posicionado3.
Em nossa pesquisa, consideramos tais questões acerca das relações
entre pesquisador e pesquisado, com base na definição de ato responsável
feita por Mikhail Bakhtin na obra Para uma filosofia do ato responsável4.
Esse ato é marcado pelo dever moral de um eu (singular, único) que,
responsavelmente, decide e age situado em dois momentos: o da cultura e
o do evento único e irrepetível do existir como acontecimento. Postulamos

3 Alguns autores citados por Desgagné (1997) incluem Schön (1997), Paquet et al.
(1991), Saint-Aenaud (1990), Curry et al. (1993).
4 “K filosofii postupka” é o título dado por Sergei Bocahrov ao texto de Bakthin,
datado do início dos anos vinte do século passado, conforme esclarece Augusto
Ponzio, no prefácio da edição em português, com tradução de Miotello e Faraco
(da qual nos valemos em nossa pesquisa), lançada em 2010. Há traduções em
diversas línguas: francês, italiano, inglês, espanhol e alemão.

O ATO ÉTICO RESPONSÁVEL NA PESQUISA COLABORATIVA EDUCACIONAL: 143


INVESTIGANDO A TUTORIA NA EAD
que o ato responsável, tal como o vislumbramos na pesquisa colaborativa,
apresenta-se como uma forma de superar a distância entre os mundos da
cultura acadêmica e o das experiências cotidianas.
Sobre a motivação para essa abordagem, acreditamos, como Amorim
(1996, p. 24), que “os métodos podem nos auxiliar a explicar como o outro
se faz representar em uma pesquisa determinada, enfim, permitem-nos
lançar um primeiro olhar sobre o outro, ir de encontro à (sic) alteridade
através da verificação de seus pontos obscuros”.
No que diz respeito às diferenças entre o objeto do conhecer e
o processo de realização desse conhecimento, considerando o âmbito
das ciências da natureza e o das ciências humanas, no texto intitulado
“Metodologia das ciências humanas”, Bakhtin (2003) tece considerações
acerca da natureza do objeto e da interação que se estabelece entre o
sujeito cognoscente e o cognoscível. Primeiramente, o filósofo distingue
dois tipos de conhecimentos: o da coisa e o do indivíduo, respectivamente,
relativos às ciências da natureza e às ciências humanas, colocando-os
como limites. Diferenciam-se pelo fato de que a coisa, sendo morta (inerte,
destituída de volição), tem apenas aparência, sendo desprovida de um
interior próprio, e, desse modo, só pode ser totalmente revelada para o
outro através de um ato unilateral do sujeito cognoscente. Essa relação é,
portanto, de passividade, já que a ação é praticada apenas pelo indivíduo
que busca conhecer um objeto sempre igual a si mesmo e mudo. Em função
disso, nas ciências exatas, tem-se uma forma monológica do saber, pois as
coisas são contempladas por um intelecto que emite enunciados sobre ela,
impossibilitada de expressar algo sobre si mesma.
O sujeito das ciências humanas, por seu turno, não é mudo nem
inerte, portanto o conhecimento que se tem sobre ele só pode ser dialógico
– porque fala sobre si mesmo e se relaciona com o cognoscente, através de
uma palavra dada e de uma palavra recebida, sendo que, nesse intercâmbio
dialógico, o conhecimento se constrói. A relação, portanto, deixa de
ser unilateral e passa a ser bilateral, pois há necessidade de diálogo, de
interrogação àquele que se busca conhecer. “Deus na presença de Deus”,
conforme expressão de Bakhtin (2003, p. 394). A pergunta do cognoscente
é, assim, dirigida ao próprio cognoscível, e não a terceiros ou a si mesmo,
com a palavra mediando a relação entre duas pessoas: uma indagação
vai em busca de uma resposta. Ocorre, assim, um encontro, com a livre
revelação do indivíduo, o qual possui um núcleo interior “que não pode

144  Shirlei Marly Alves


ser absorvido, consumido, em que sempre se conserva uma distância em
relação à qual só é possível o puro desinteresse”5 (BAKHTIN, 2003, p. 394).
Entretanto, ao abrir-se para o outro, o indivíduo permanece também para
si, ou seja, não se dá, nem é apreendido, como inteiro, acabado, como uma
totalidade.
Nessa relação, portanto, não é a exatidão o aspecto mais importante,
até porque não seria alcançável, em função da natureza do cognoscível
– um indivíduo -, mas, sim, a profundidade do conhecimento, que está
centrado no individual, no que é uniocorrente, singular, contingente, e não
no universal, já que “Eu não coincido sempre comigo mesmo”, isto é, “o ser
não é da ordem do repetível, do que se mantém intacto, mas se modifica”
(BAKHTIN, op. cit. p. 398). “A exatidão pressupõe a coincidência da coisa
consigo mesma, ou seja, o reiterável, a norma, o previsível, ou predizível,
a lei” (BAKHTIN, op. cit. p. 398). A crítica ao teoricismo feita por Bakhtin
se dá principalmente em função da pretensão universalista, com base no
pressuposto de que de um enunciado universal se deduz necessariamente
da ação individual, o que caracteriza o percurso indutivo. Outro alvo da
crítica bakhtiniana é a visão de que asserções universais conseguem dar
conta de uma explicação para cada ato humano, dedutivamente.
Essa heurística se verifica no processo da pesquisa colaborativa,
em que o encontro entre o pesquisador e o professor (um eu e um outro)
constitui um processo de construção de conhecimentos resultante de
atos mutuamente responsáveis e responsivos6. Nesse sentido, conforme
Desgagné (1997, p. 371), a pesquisa colaborativa7 educacional é um processo
de investigação das práticas docentes o qual “supõe a contribuição dos
professores no processo de investigação de determinado objeto de pesquisa

5 A acepção desse termo por Bakhtin é de ausência de uma aproximação interesseira,


egoística.
6 A concepção de responsividade na obra de Bakhtin diz respeito a uma resposta
inerente a todo ato de linguagem, isto é, todo dizer responde a outro que o precede
e prevê uma resposta futura.
7 Fiorentini (2004) esclarece que colaboração tem sentido diferente de cooperação.
Embora tenham o mesmo prefixo: co-, que significa ação conjunta, diferenciam-se
pelo fato de a primeira ser derivada do verbo latino operare (operar, executar, fazer
funcionar de acordo com o sistema), e a segunda, de laborare (trabalhar, produzir,
desenvolver atividade tendo em vista determinados fins). Na cooperação, pode haver
subserviência e hierarquia, enquanto na colaboração todos trabalham conjuntamente
(co-laboram) e se apoiam mutuamente, visando a atingir objetivos comuns negociados
pelo grupo.

O ATO ÉTICO RESPONSÁVEL NA PESQUISA COLABORATIVA EDUCACIONAL: 145


INVESTIGANDO A TUTORIA NA EAD
[...]”. Pesquisadores e professores tornam-se, assim, co-construtores do
conhecimento.
Na definição do objeto de estudo, é fundamental a consideração
do contexto real em que as práticas docentes se realizam, o que requer
a compreensão que o docente tem das situações práticas no interior das
quais ele desenvolve seu trabalho, pois é a partir dessa compreensão
que se constituirá o objeto. Isso significa que o pesquisador procurará,
antecipadamente, entrar em contato com o campo de pesquisa – a
instituição educacional – e com os sujeitos – os professores, a fim de, nessa
interação, delimitar o seu objeto de estudo, que se configura como uma
situação da prática para a qual os professores ainda não têm respostas,
desafiando-os a superá-la.
Desse modo, no processo da investigação colaborativa, interpenetram-
se os saberes científicos e os saberes práticos dos professores, possibilitando
uma nova ordem de saberes teórico-práticos, construídos na ação de
pesquisar a educação e de refletir sobre as ações pedagógicas. A parceria
e a reciprocidade permeiam todas as ações empreendidas, o que exige dos
interagentes (pesquisador e pesquisado) um pacto de colaboração que
considere seus intuitos, suas experiências, seus limites.
A colaboração dos docentes, mais especificamente, consiste em
aceitarem refletir sobre determinado aspecto da sua prática considerado
problemático por eles mesmos, “o que pode levá-los a explorar situações
novas ou prestar atenção à situação que procuram compreender melhor.”
(DESGAGNÉ, 1997, p. 373). Tal atitude propicia não apenas os dados
para o pesquisador, como também situações de formação em serviço, já
que outro fator distintivo da pesquisa colaborativa é que, concomitante
à investigação, ocorre também um processo de formação dos docentes
envolvidos, quando analisam suas práticas e refletem sobre elas, no sentido
de encontrar respostas para os impasses que enfrentam. Desse modo, a
pesquisa colaborativa abarca dois campos: o da pesquisa acadêmica e o
da formação profissional, reconciliando duas dimensões da pesquisa em
educação: a construção dos saberes e a formação contínua dos professores.
O projeto de pesquisa apresenta, então, uma outra face: o planejamento
de um processo de formação (com base na exploração e reflexão sobre as
situações da prática docente).

146  Shirlei Marly Alves


O estudo de caso como itinerário de pesquisa

Na investigação sobre a atividade de tutoria que se realiza no


âmbito da Universidade Aberta do Brasil (UAB), em consonância com a
perspectiva teórico-metodológica e em face dos objetivos estabelecidos,
optamos pela realização de um estudo de caso, que permitiu um contato
adensado entre pesquisadora e tutora. Robert Yin (2001, p. 26) esclarece
que “a essência de um estudo de caso é tentar esclarecer uma decisão
ou um conjunto de decisões: o motivo pelo qual foram tomadas, como
foram implementadas e com quais resultados”. Esse aspecto foi o que,
primeiramente, determinou a opção por essa estratégia de pesquisa, visto
que decisões e motivos são elementos constitutivos do objeto investigado, que
contempla as arbitragens cotidianas promovidas pelo tutor para efetivar a
mediação pedagógica entre professores e alunos, bem como os fatores que
motivam as decisões e atitudes na atividade de tutoria.
Outra característica do estudo de caso o tornou adequado a nossa
pesquisa: é que se trata de estratégia afeita a indagações centradas no
“como” e “por que”, relativas a uma complexa situação humana, quando há
pouco ou nenhum controle do pesquisador sobre os eventos e, ainda,
quando são focados fenômenos contemporâneos inseridos em contextos
da vida real (YIN, 2001). Trata-se, assim, de pesquisa em que se conciliam
atitudes descritivas e explicativas em relação ao objeto.
Todos esses elementos, de modo incontornável, associam-se ao
objeto que investigamos – a atividade mediadora do tutor da educação a
distância. De fato, “a análise de situações de trabalho exige-nos de modo
tal que nela se manifesta toda a complexidade das relações estabelecidas
entre os componentes da atividade (FAÏTA, 2002, p. 49, grifo nosso).
Ademais, buscou-se conhecer uma atividade de trabalho que emerge
com grande força na contemporaneidade, marcada por um acelerado
progresso tecnológico que vem revolucionando as formas de educar, sendo
o e-learning8 uma das marcas dessa revolução. Nesse sentido, a complexidade
do objeto de pesquisa requer que o analista ultrapasse uma compreensão
superficial, sendo que, para isso, é necessário “estabelecer a relação entre
as características observáveis e dedutíveis da atividade verbal e as demais

8 Assim como ensino virtual, ensino digital, formação on-line, e-learning diz respeito a
processos de ensino-aprendizagem que se efetivam via tecnologias digitais, como
ocorre na EAD.

O ATO ÉTICO RESPONSÁVEL NA PESQUISA COLABORATIVA EDUCACIONAL: 147


INVESTIGANDO A TUTORIA NA EAD
dimensões da atividade em geral” (FAÏTA, 2002, p. 49), de modo a se
vislumbrarem explicações.
Quanto à seleção de um caso para estudo, de acordo com Yin (2011),
deve ser feita a partir de critérios, levando-se em conta determinadas
características do caso que tornam pertinente essa metodologia. Quanto
a isso, o autor destaca a “natureza do caso”, o qual pode se apresentar de
três tipos: decisivo, que reúne todas as condições para se testar uma teoria;
raro ou extremo, a partir do qual se pode dar início a uma teoria, e revelador,
“em que o pesquisador tem a oportunidade de observar e analisar um
fenômeno previamente inacessível à investigação científica.” (YIN, 2001, p.
63).
Nessa terceira categoria enquadra-se o caso que estudamos, em
função da própria natureza enigmática e invisível de grande parte dos
componentes da atividade de trabalho. Schwartz (2000), nesse aspecto,
esclarece que é nos atos cotidianos do trabalho que se dão os debates
dos indivíduos com eles mesmos, portanto quem busca conhecimentos
sobre trabalho precisa aventurar-se, “com uma lupa”, por esses meandros
da atividade industriosa, domínio infinitamente amplo e, por vezes,
enigmático, o qual não se pode contornar. Desse modo, “O caso serve
então a um propósito revelador” (YIN, 2001, p. 63), mesmo que não se
restrinja a apenas isso.

Procedimentos de acesso aos dados na pesquisa

a)  Entrevista sobre as prescrições

Segundo as postulações de Bakhtin/Volochinov (1988), a


compreensão é sempre uma reação/resposta a um já-dito, tornando-se essa
resposta também desencadeadora de outras respostas, num infindo fio
discursivo que constitui a história humana. No processo de compreender,
os interlocutores introduzem o objeto a ser compreendido no contexto
potencial da resposta, de modo que a compreensão ativa e responsiva
traduz-se num diálogo que leva à formulação de uma contrapalavra. Assim,
“Toda interpretação é o correlacionamento de dado texto com outros
textos. O comentário. A índole dialógica desse relacionamento” (BAKHTIN,
2003, p. 400).

148  Shirlei Marly Alves


Nesse sentido, elaboramos um roteiro de entrevista semiestruturada,
composto de três questões relativas às condições da mediação pedagógica,
em função das características do ambiente virtual (AVA), do tempo destinado
ao trabalho e do diálogo com professores e tutores. Esses questionamentos
conduziram a um comentário produzido pela tutora participante sobre
as suas atribuições, conforme normatizado pelo documento da UAB,
possibilitando o acesso a uma teoria subjetiva9 da entrevistada sobre a
mediação pedagógica e suas regulações.
Acerca da natureza dos conhecimentos possibilitados por esse
procedimento, também nos orientamos pelas seguintes indicações de Yves
Clot (2007, p. 103):

Nem pré-constituídos no sujeito, nem decretado pelo pesquisador,


o sentido das situações analisadas surge na relação entre uma
situação dada e uma outra situação. Nem explicação externa dada
pelo pesquisador, nem simples descrição do vivido pelo sujeito, a
análise associa explicação e compreensão quando a mesma atividade
é re-descrita num novo contexto. A boa descrição é a re-descrição.
Realizada em colaboração entre o pesquisador e os trabalhadores
envolvidos, ela fornece muitas vezes a explicação esperada.

Foram realizados três encontros: no primeiro, efetivou-se a produção


do comentário pela tutora; no segundo, a escrita do texto de instrução ao
sósia, em diálogo entre a tutora e a pesquisadora, e, no terceiro, a validação
dos dados após as transcrições. Todos esses diálogos foram registrados em
gravador digital e transcritos posteriormente.

b)  Entrevista de instrução ao sósia

Esta técnica, de acordo com Clot (2007), foi desenvolvida a partir


das instruções do sósia, usadas pelo também psicólogo Ivar Odone, em 1970,
em pesquisa com os trabalhadores da Fiat italiana. As instruções são dadas
pelos participantes da atividade ao analista da situação de trabalho em
resposta à pergunta “Suponha que eu seja seu sósia e que amanhã eu deva
substituir você em seu trabalho. Que instruções você deveria me transmitir

9 Teoria subjetiva, de acordo com Flick (2004), refere-se à reserva de conhecimentos


do entrevistado sobre o tópico em estudo. Compõe-se de suposições explícitas e
implícitas, que podem ser articuladas com auxílio metodológico, como a entrevista
semipadronizada.

O ATO ÉTICO RESPONSÁVEL NA PESQUISA COLABORATIVA EDUCACIONAL: 149


INVESTIGANDO A TUTORIA NA EAD
para que ninguém perceba a substituição?” (CLOT, 2007, p. 144). Instaura-
se, então, uma situação dialógica particular que faz com que o respondente
focalize a descrição da ação (o “como”), e não os seus motivos.
O objetivo desse procedimento é que o sujeito, mediante um
deslocamento de suas atividades, obtenha condições para uma
transformação do seu trabalho, já que, no exercício do sósia, o trabalhador
tem a oportunidade de um contato social consigo mesmo, tornando-se um
estranho a si próprio quando se vê diante da necessidade de instruir alguém
que será um sósia seu. “Essa situação em que o sujeito dialoga consigo
mesmo, por meio do diálogo com o outro, o leva a ‘estranhar’ sua própria
experiência, redescobrindo-a para então reorganizá-la sob outro ponto de
vista.” (CLOT, 2007, p.181).
Cunha (2008, p. 175) esclarece ainda que, na instrução ao sósia,
ocorre

[...] a captação de uma imagem do comportamento real, mas não


o comportamento real e total do indivíduo, mas uma representação
que ele faz de seu próprio comportamento. Existe uma distância
entre comportamento descrito e comportamento efetivo, mas existe
uma parcela preenchida pelo controle dos fatos e a testemunha de
outrem, mas o que interessa é o plano-programa servindo de guia
para a ação de cada um. Há um esforço de parte daquele que dá a
instrução para clarear suas formas de fazer, processo inesgotável que
não permite ser finalizado, está sempre em aberto.

Clot (2007, p. 176) ressalta que “Estudando detalhadamente aquilo
que os trabalhadores fazem, aquilo que eles dizem do que fazem, mas
também aquilo que eles fazem do que eles dizem, nós desembocamos num
reconhecimento singular: aquele das possibilidades insuspeitadas pelos
próprios trabalhadores”.
Esse procedimento possibilitou-nos comparar as autoprescrições
(que a trabalhadora impõe a si mesma, a partir de suas concepções e
condições de vida no trabalho) às normas antecedentes, estabelecidas pela
instituição. Desse modo, pudemos identificar o grau de distanciamento
entre o prescrito e o vivido no cotidiano da atividade de tutoria, conforme
o objetivo geral desta pesquisa.
Com esse intuito, solicitamos à tutora que nos instruísse sobre o que
deveríamos fazer no caso de assumirmos seu lugar na próxima disciplina em
que ela atuaria, de modo que os demais não se percebessem a substituição.

150  Shirlei Marly Alves


Mantivemos o foco na mediação pedagógica, solicitando à tutora,
durante a instrução, que nos orientasse em relação a como efetivá-la nas
interlocuções com alunos e professor10.

Procedimentos de análise

É textual-discursivo o objeto de nosso estudo, isto é, a atividade de


tutoria que investigamos é a que se discursiviza nos textos da instância
institucional e naqueles produzidos pelo próprio trabalhador tutor, quando
realiza sua atividade e quando se reporta a ela. Trata-se, assim, de eventos
discursivos desencadeados a partir de outros eventos discursivos, isto
é, os textos analisados no transcurso da pesquisa configuram respostas
a outros ditos. Nesse encadeamento de discursos, buscou-se desvelar
as singularidades da atividade de tutoria, verificando-se quais fatores
preponderam nessas singularizações e ressingularizações. Desse modo,
reiteramos, não é uma coisa muda o que investigamos, mas, sim, um
sujeito falante, que constrói discursos e, portanto, sua abordagem só pode
ser dialógica. (BAKHTIN, 2003).
O postulado básico adotado é de que todo enunciado pressupõe
uma resposta a outro, trazendo também em si a previsão de uma resposta,
de acordo com a definição de dialogismo de Bakhtin e o Círculo. Assim, com
base nessa diretriz central – o dialogismo e conceitos associados (alteridade,
responsividade), empreendemos a análise das normas institucionais e das
falas da tutora participante da pesquisa.
Consideramos, primeiramente, o discurso institucional-prescritivo,
visando identificar as outras vozes nele presentes – dialogismo
interdiscursivo – e a forma como se dá esse diálogo. Também foi analisado
o diálogo da instituição com o tutor, instaurado naquele documento, a fim
de se identificar como esse sujeito trabalhador é instituído discursivamente.
Desse modo, no bojo dessa relação eu-outro, é que vislumbramos descrever
e interpretar a atividade da tutora no contexto do programa UAB.
Em seguida, no comentário da tutora sobre as prescrições, analisamos
como essa trabalhadora, em diálogo com a instituição, responde aos

10 É interessante observar que, em função do ambiente virtual, é perfeitamente


possível acontecer de alguém substituir o tutor, já que ele não se mostra fisicamente,
mas, sim, nos textos que produz. Desse modo, caso realmente resolvesse instruir
um terceiro para substituí-lo por certo tempo, a troca talvez não fosse notada tão
facilmente.

O ATO ÉTICO RESPONSÁVEL NA PESQUISA COLABORATIVA EDUCACIONAL: 151


INVESTIGANDO A TUTORIA NA EAD
enunciados normatizadores, ou seja, o que, em sua contrapalavra (a
sua compreensão responsiva), ela revela de sua atividade. No fórum em
que dialogam professor e tutora, analisamos como esses sujeitos se
constituem através da palavra, buscando compreender de que modo a
tutora ressingulariza sua atividade a partir das considerações desse outro
com quem compartilha a responsabilidade pedagógica na EAD. Já nos
comentários sobre a tarefa, analisamos o diálogo entre tutora e alunos,
com propósito igual ao citado acima, procedimento também adotado
no conjunto de instruções ao sósia, dadas pela tutora à pesquisadora,
considerada, no momento da interlocução, como um par – possível
substituta da trabalhadora.
Em suma, iluminar essa malha discursiva, constituída de diferentes
discursos em diálogo foi a opção feita nesta pesquisa para se compreender
a atividade de tutoria em EAD, em suas prefigurações e em suas realizações,
sendo que, para uma melhor elucidação, organizamos os resultados nas
seguintes categorias:

• Prefiguração da atividade no primeiro registro – das normas


institucionais;
• Renormalizações da atividade no diálogo com as prescrições;
• Renormalizações da atividade no diálogo com o professor;
• Renormalizações da atividade no diálogo com os alunos e
• Renormalizações da atividade no diálogo com “outro tutor”.

Por fim, ressaltamos o fato de nossa pesquisa ter se desenvolvido em


um diálogo entre pesquisadora e tutora, com todas as consequências que
essa situação traz para a constituição dos enunciados acerca da atividade.
Como adverte Clot (2007, p. 135), “a mudança de destinatário da análise
modifica a análise”, desse modo, a verbalização que o trabalhador faz varia
conforme se dirija a um especialista ou a outros (os pares, por exemplo).
Disso não poderíamos nos eximir, com o risco de falsear uma relação
dialógica em que estão implicados os horizontes sociais dos interlocutores:
os nossos, que se situam no âmbito acadêmico, e os da tutora, que se
inserem na esfera do seu trabalho.
Clot (2007), na mesma linha de raciocínio, enfatiza que a palavra do
sujeito não se volta apenas para o objeto – no caso, a situação de trabalho
– mas também para a atividade daquele com quem interage, ou seja, a

152  Shirlei Marly Alves


atividade de linguagem tem uma dupla via de direção: para o que se diz e
para quem se diz. Dessa forma, se o entrevistado tem diante de si um colega
de trabalho ou um pesquisador (que supõe dotados de diferentes níveis
de conhecimentos sobre o seu trabalho), esse fator repercute no modo de
discursivizar sua atividade.
Essa dissonância entre horizontes, segundo o autor, não se
configura como um obstáculo, pelo contrário, pode constituir um recurso
metodológico, pois, na ação sobre esse outro (estranho ao seu trabalho),
“ele [o trabalhador] luta contra uma compreensão incompleta de sua
atividade por seus interlocutores, suspeita que haja neles essa compreensão
insuficiente e deseja evitá-la.” (CLOT, 2007, p. 135). Nesse sentido, passa a
ver sua atividade na perspectiva de outra atividade, a do outro com quem se
encontra no momento da pesquisa, e procura elucidar suas ações, decisões,
anseios, razões, temores etc. de forma mais nítida, o que vem a beneficiar
a si mesmo por poder colocar-se diante de si mesmo sob o foco de outra
visão.
Quanto aos conhecimentos derivados desse diálogo entre o
especialista e o trabalhador, não se pode desconsiderar a concepção de
linguagem que permeia todo o trabalho: de um lugar de ação social, sendo
os sentidos co-construídos na interação. Assim, o conhecimento trazido
pela pesquisa não será apenas o do trabalhador, ou o do pesquisador, mas
o que foi construído a partir desse encontro.
Considerando que, na análise discursiva, a realidade não se configura
com um dado a priori que se discursiva nos enunciados, mas, sobretudo,
como um conjunto de discursos enunciados em que as relações sociais
se constroem e reconstroem, ideologicamente, é necessário assumir, no
âmbito da pesquisa social, o devir como um componente incontornável
dos conhecimentos produzidos. Ou não alimentar a ilusão de que a
figura do pesquisador como interlocutor do pesquisado, configurando
a singularidade de uma determinada situação enunciativa, não afetará o
modo como o discurso-realidade se concretizará.

Considerações finais

O objeto da pesquisa que aqui descrevemos emergiu de nossas


experiências e inquietações sobre o que, de fato, significa ser tutor em
EAD, sendo que, para aceder a uma compreensão sobre esse objeto,

O ATO ÉTICO RESPONSÁVEL NA PESQUISA COLABORATIVA EDUCACIONAL: 153


INVESTIGANDO A TUTORIA NA EAD
nos desafiamos a ir aos íntimos meandros da atividade. Nesse sentido,
estabelecemos como objetivo descrever e interpretar essa atividade no
modo como se manifesta nos enunciados alusivos a ela, buscando os
dados relativos à forma como é prefigurada, bem como ao modo como
uma tutora interpreta e ressignifica sua atividade, renormalizando-a, nas
relações dialógicas estabelecidas entre seu discurso e outros e ainda nos
diálogos com professor e alunos, ou seja, nas sinergias inerentes ao seu
trabalho.
Apoiamo-nos na démarche ergológica, cuja concepção de trabalho
é a de atividade em constantes embates entre normas antecedentes e
renormalizações promovidas pelos trabalhadores, bem como nas diretrizes
do dialogismo bakhtiniano, cuja centralidade está nas relações entre o eu e
o outro como constitutivas da linguagem e da consciência humana. Nessa
perspectiva, fizemos uma aproximação desse universo de relações múltiplas
e complexas, guiando-nos por uma hipótese, construída ao longo de nossa
experiência profissional e acadêmica com a temática, de que, pelo fato de
o trabalho docente na EAD ser dividido, notadamente, entre professores
(conteudista, formador) e tutor, e ainda de as interações ocorrerem a
distância, mediadas pelas tecnologias digitais, tais fatores contribuem para
que o tutor reconfigure continuamente sua atividade. A via de acesso a essa
atividade foram os enunciados produzidos sobre e na atividade.
No desenho metodológico, optamos pela pesquisa colaborativa,
na qual a atitude do pesquisador é compatível com um ato responsável
conforme descrito por Bakhtin (2010). Nesse âmbito, destaca-se o fato
de que a geração de conhecimentos no mundo contemporâneo requer
uma ação que considere os diversos saberes e experiências dos sujeitos
investigados, a fim de se alcançar uma compreensão mais profunda acerca
dos impasses e das necessidades dos homens e mulheres que o habitam.
Há, portanto, que se ter em conta suas perspectivas, vivências, concepções,
pois aí estão os dados fundamentais do existir enquanto eventos que
compõem o todo da vida humana.
Desse modo, o conteúdo-sentido dos juízos teóricos precisa ir ao
encontro do cotidiano, em muitos aspectos, inapreensível em um postulado
genérico ou universalizante. Para isso, o ato de quem pesquisa assume
uma demarcação epistemológica que inclui o encontro com o outro e a
consideração de seu existir concreto, singular, insubstituível, sem que isso
implique na desconsideração da cultura em que vive e nos paradigmas de

154  Shirlei Marly Alves


pensamento em que marca sua posição e age. O que significa estabelecer
pontes entre o dito e os dizeres; entre passado, presente e futuro; entre
a cultura que se cristaliza e o que está em constante movimento, sem
hierarquização de valor entre o saber acadêmico e o saber das práticas
construído no dia-a-dia. Essa atitude não deve levar a pensar que as ciências
sociais e humanas devem abrir mão da sua precisão, mas ter em conta que
a precisão de uma ciência está vinculada ao modo como constrói e lida com
seu objeto. Como esclarece Bakhtin (2003, p. 409), “nas ciências humanas,
a precisão é a superação da alteridade do alheio sem sua transformação no
puramente meu.”
Cremos que a pesquisa colaborativa e outras formas de investigação
cujo princípio epistemológico é considerar a vida vivida não como objeto
a ser abstraído, mas como o lugar em que a abstração faz sentido, se
configuram como um ato responsável que faz avançar o conhecimento no
encontro entre pesquisador e pesquisado(a).

Referências

AMORIM, Marília. A contribuição de Mikhail Bakhtin: a tripla articulação


ética, estética e epistemológica. In: FREITAS, Maria Tereza; SOUSA,
Solange Jobim; KRAMER, Sônia. Ciências Humanas e Pesquisa: leituras de
Mikhail Bakhtin. São Paulo: Cortez, 2003.

BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. 4. ed. São Paulo:


Hucitec, 1988.

BAKHTIN, Mikhail. Para uma filosofia do ato responsável. Tradução:


Valdemir Miotello e Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João
Editores, 2010.

BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Tradução: Maria Emsantina


Galvão G. Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

BERMAN, Marshall. Tudo o que é sólido desmancha no ar. Tradução:


Carlos Felipe Moisés e Ana Maria L. Ioratti. São Paulo: Companhia das
Letras, 2007.

BRAIT, Beth. A natureza dialógica da linguagem: formas e graus de


representação dessa dimensão constitutiva. In: FARACO, Carlos Alberto;

O ATO ÉTICO RESPONSÁVEL NA PESQUISA COLABORATIVA EDUCACIONAL: 155


INVESTIGANDO A TUTORIA NA EAD
TEZZA, Cristóvão; CASTRO, Gilberto de. Diálogos com Bakhtin. Curitiba:
Editora da UFPR, 1996.

CLOT, Yves. A função psicológica do trabalho. Tradução: Adail Sobral.


Petrópolis: Vozes, 2007.

CUNHA, Daisy. Linguagem entre a experiência (de trabalho) e o conceito.


Eutomia, ano IV, n. 8, p. 161-178, dez. 2011.

DESGAGNÉ, Serge. Le concept de recherché collaborative: I’idée d’um


rapprochement entre cherceurs universitaires et praticiens enseignants.
Reveu des Sciences de L’Education, v. 23, n. 2, p 371-393, 1997.

FAÏTA, Daniel. Análise das práticas linguageiras e situações de trabalho:


uma renovação metodológica imposta pelo objeto. In: SOUZA-E-SILVA,
Maria Cecília P; FAÏTA, Daniel. Linguagem e trabalho: construção de
objetos de análise no Brasil e na França. São Paulo: Cortez, 2002. p. 45-
60.

FIORENTINI, Dario. Pesquisar práticas colaborativas ou pesquisar


colaborativamente? In: BORBA, Marcelo de Carvalho; ARAÚJO, Jussara
de Loiola (org.). Pesquisa qualitativa em educação matemática. Belo
Horizonte: Autêntica, 2004. p. 24-38.

FLICK, Uwe. Introdução à metodologia da pesquisa: um guia para


iniciantes. Tradução: Magda Lopes. Porto Alegre: Penso, 2013.

MILL, Daniel. Educação a distância e trabalho docente virtual: sobre


tecnologia, espaços, tempos, coletividade e relações sociais de sexo na
Idade Mídia. 2006. 322 fl. Tese (Doutorado em Educação) — Faculdade
de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte,
2006.

YIN, Robert. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 3. ed. Porto


Alegre: Bookman, 2001.

156  Shirlei Marly Alves


CONHECIMENTO DE SI NA FORMAÇÃO
DOCENTE: A ANÁLISE DO DISCURSO EM
UMA PESQUISA COLABORATIVA

Maria Andréia da Nóbrega Marques

Introdução

E
ste texto tem por objetivo apresentar o percurso de análise de
dados da dissertação intitulada “A Constituição da Pessoa na
Experiência de Ser Professor: os sentidos do conhecimento de
si na formação docente”, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal do Piauí, para obtenção do título de
Mestra em Educação, sob orientação da Prof.ª Dr.ª Ivana Maria Lopes de
Melo Ibiapina1.
A pesquisa foi sobre o conhecimento de si, entendido como processo
e estudado sob o ponto de vista do seu desenvolvimento na formação
docente. Sabe-se que, devido à supervalorização do conhecimento
no contexto educacional, há a focalização do domínio cognitivo nas
práticas de formação docente, e os domínios afetividade e movimento
são desconsiderados ou pouco realçados. Assim, a profissão docente
é pensada e construída com ideias e ações orientadas para a aquisição,
a elaboração e a transmissão do conhecimento do meio. Desse modo, a

1 A dissertação completa pode ser consultada em Marques (2009).

CONHECIMENTO DE SI NA FORMAÇÃO DOCENTE: 157


A ANÁLISE DO DISCURSO EM UMA PESQUISA COLABORATIVA
formação do professor está voltada para o que está fora de si, com sua
totalidade dinâmica e o conhecimento de si quase sempre esquecidos no
processo de construção dessa formação.
A visão de totalidade dinâmica do professor traduz o entendimento de
integração entre os domínios cognitivo, afetivo e motor da pessoa, e desta
com o meio com o qual que se relaciona. Tal visão remete à importância de
acrescentar ao valor já estabelecido ao cognitivo o papel da afetividade e do
movimento no processo da vida psíquica, sua expressão e a interferência no
processo de ensino-aprendizagem, assim como a compreensão de como as
condições concretas de existência criam características específicas à pessoa
participante desse desenvolvimento (MAHONEY; ALMEIDA, 2007).
Com esse entendimento, e com base nas ideias de Nóvoa (1995)
acerca da importância do desenvolvimento pessoal na formação dos
professores, surgiu a mobilização para maior compreensão acerca do
conhecimento de si na formação docente, que partiu do seguinte problema:
de que maneira o conhecimento da constituição do professor como pessoa
interfere no desenvolvimento da formação profissional? O problema
motivou a realização da pesquisa, que foi planejada e desenvolvida a
partir do objetivo geral de investigar as relações que se estabelecem entre o
autoconhecimento do professor como pessoa e seu processo de formação
como profissional.
Quanto à seleção de teorias, procedimentos e instrumentos para
subsidiar as pesquisas da educação, Alves-Mazzotti (2006, p. 31-32) realça
que, frequentemente, os pesquisadores recorrem aos conhecimentos
gerados em outras áreas. Para a autora, essa prática:

[...] não constitui necessariamente um problema: essa ‘tradução’


de teorias para o campo da educação pode resultar em abordagens
originais e de grande potencial heurístico, desde que não se assuma
uma posição reducionista (psicologizante, socializante ou outra),
perdendo de vista a natureza mais ampla do fenômeno educacional.

A autora acrescenta que “[...] a utilização de conceitos ou constructos


pertencentes a teorias diversas para dar conta da complexidade dos
fenômenos observados em um estudo requer cautela [...]” e a necessidade
de segurança de que as teorias utilizadas não apresentem contradições
entre seus pressupostos e relações (ALVES-MAZZOTTI, 2006, p. 32).
Seguindo essas ideias, para este estudo, foram integrados conceitos de

158  Maria Andréia da Nóbrega Marques


autores como Bakhtin (2003), Cooper (2008), Leontiev (2004), Magalhães
(2004), Nóvoa (1995), Vigotski (2000) e Wallon (2007).
Leontiev (2004), Vigotski (2000) e Wallon (2007) propõem o estudo
do ser humano e de seus fenômenos psicológicos com a superação da
perspectiva mecanicista, que é pautada na ideia do funcionamento regular
do mundo e que crê em relações de causa-efeito para a existência dos
fenômenos. Essas teorias possibilitam a superação das visões dicotômicas
de homem, ao compreendê-lo de forma integral e crítica. Encontra-
se, também, nessas teorias, a concordância de que o desenvolvimento
do homem é dinâmico, acontece durante toda a história humana e é
potencializado por suas atividades.
Para a leitura da apropriação histórica do conhecimento de si, os
aportes foram os conceitos de apropriação, infância, adolescência e
trabalho de Leontiev (2004). Utilizou-se a perspectiva teórica de Vigotski
(2000) para subsidiar a ideia de produção dos sentidos do conhecimento de
si. O construto teórico integração da pessoa, de Wallon (2007), subsidiou
a ideia de construção integral do professor, com suas dimensões afeto,
cognição e movimento.
Durante o estudo, os conceitos auto-informe-confissão, de Bakhtin
(2003), e imagem profissional, de Cooper (2008), deram suporte à
construção dos retratos que as colaboradoras fizeram de si e à descoberta
de como se reconhecem como pessoa e como profissional. Para Bakhtin
(2003), auto-informe-confissão é a forma que o indivíduo fala de si
mesmo. Imagem profissional, segundo Cooper (2008), é a aparência do
profissional, o modo como ele se mostra. Para revelar o autoconhecimento
das professoras, utilizou-se o conceito exotopia, de Bakhtin (2003), que
diz haver uma diferença entre a maneira como o indivíduo se vê e o que se
pode ver dele.
O conceito de colaboração, de Magalhães (2004), subsidiou a ideia
da partilha e da reflexão crítica acerca dos sentidos do conhecimento de
si, no desenvolvimento pessoal e na formação profissional, favorecendo
a reelaboração do conhecimento de si pelas colaboradoras. Mediante
a colaboração, investigou-se os sentidos do conhecimento de si,
considerando o processo estudado em constante transformação, e os
conhecimentos construídos refletindo o tempo-espaço específico vivido
pelas colaboradoras na construção da formação docente.

CONHECIMENTO DE SI NA FORMAÇÃO DOCENTE: 159


A ANÁLISE DO DISCURSO EM UMA PESQUISA COLABORATIVA
Nóvoa (1995) ressalta as dimensões pessoais e profissionais do
professor e reconhece necessidade de espaços de interação entre essas
dimensões em que os professores possam se apropriar do seu processo
de formação, dando-lhe sentidos. Para o autor, as dimensões pessoais
representam a vida e a pessoa do professor, enquanto que as profissionais
sinalizam a maneira de ser professor dessa pessoa. Nessa perspectiva,
utilizou-se os conceitos dimensões pessoais e profissionais do professor
para o reconhecimento dessas dimensões das colaboradoras, mediante os
sentidos da constituição histórica de si e da experiência de ser professor.
Para a operacionalização do estudo, foi utilizada a pesquisa
colaborativa. Segundo Ibiapina (2008, p. 55), “Os processos de
pesquisa construídos colaborativamente oferecem um potencial que
auxilia o pensamento teórico, fortalece a ação e abre novos caminhos
para o desenvolvimento pessoal e profissional”. Por meio da pesquisa
colaborativa foi possível compartilhar significados e negociar sentidos na
construção da formação docente e, dessa forma, investigar as relações que
se estabeleceram entre o autoconhecimento do professor como pessoa e
seu processo de formação como profissional. O grupo colaborativo foi
formado por nove alunas do curso de Licenciatura Plena em Pedagogia da
UESPI, matriculadas na disciplina Prática de Ensino Fundamental. Todas as
alunas estavam na formação e na experiência docente.
Os procedimentos metodológicos da pesquisa foram: questionário,
usado para obter informações iniciais sobre o perfil das colaboradoras e
direcionar o modo de sua identificação no relatório; História de Vida, para
acessar a constituição histórica de si; Versão de Sentido (construída após a
leitura da História de Vida), para expressar o sentido do conhecimento da
constituição histórica de si; Versão de Sentido (construída após atividade
docente desenvolvida), para expressar o sentido da experiência de ser
professor; Sessão Reflexiva, para construir sentidos do conhecimento de
si no desenvolvimento pessoal e na formação docente; e Versão de Sentido
(construída após cada sessão reflexiva), para expressar o sentido do vivido
em cada Sessão Reflexiva e favorecer a reelaboração do conhecimento de si.
A seguir, está apresentado, especificamente, o percurso de análise
do conhecimento de si e dos seus sentidos, com a perspectiva de análise
do discurso da vertente crítica. Na contextualização da análise dos dados,
considerou-se a linguagem como espaço do conhecimento de si, o diálogo
como produtor dos sentidos e do discurso na construção de si. Com a

160  Maria Andréia da Nóbrega Marques


produção do discurso, as colaboradoras constroem-se enquanto constroem
sentidos. O discurso analisado possibilitou-nos identificar o conhecimento
de si e seus sentidos.

Percurso da Análise do Discurso

A orientação para a análise dos dados foi sustentada na análise do


discurso, na vertente crítica. A análise crítica caracteriza-se por sua recusa
à neutralidade da investigação e do investigador; define seus objetivos em
termos políticos, sociais e culturais, tratando a linguagem como prática
social e ideológica; e tem como ponto primordial de interesse o texto
(VIEIRA, 2002).
Segundo Vieira (2002, p. 157), a análise do discurso na vertente
crítica propõe que a prática discursiva, que é alicerçada na prática
social, seja utilizada para identificar a atuação dos processos sociais no
discurso. Encontra-se na prática discursiva a reprodução da sociedade, das
identidades sociais, das relações sociais, dos sistemas de conhecimento e
de crenças. Dentre as perspectivas da análise do discurso crítica, encontra-
se a defesa da alteração das práticas discursivas como forma de estimular
mudanças na prática social:

O discurso quer falado quer escrito pode provocar mudanças


sociais. Ao estudá-lo criticamente, haverá modificações das práticas
discursivas e, com ela, mudança na prática social. O discurso
resultante deverá ser vigoroso, fortalecedor e emancipatório. Enfim,
deverá dar voz aos sujeitos envolvidos no processo [...]

A análise do discurso das colaboradoras evidenciou o conhecimento


de si e seus sentidos antes e após as reflexões colaborativas, o que favoreceu
a observação da alteração das práticas discursivas e a inferência de alteração
na prática social relacionada a esse conhecimento e seus sentidos. Desse
modo, a análise de discurso institui-se como:

[...] uma escuta particular que tem como característica ouvir no


que é dito o que é dito ali ou em outro lugar, o que não é dito e o
que deve ser ouvido por sua ausência necessária. Isto resulta no que
chamamos compreensão em análise de discurso que é o movimento
pelo qual apreendemos o processo de produção dos sentidos e dos
sujeitos (ORLANDI, 2006, p. 28).

CONHECIMENTO DE SI NA FORMAÇÃO DOCENTE: 161


A ANÁLISE DO DISCURSO EM UMA PESQUISA COLABORATIVA
Os estudos da análise do discurso crítica “[...] têm por objeto explicitar
o encoberto no discurso que, por alguma razão, não é imediatamente
percebido. [...] deseja dar visibilidade àquilo que antes era invisível e
considerado natural.” (VIEIRA, 2002, p. 153). Esse autor acrescenta que o
sujeito, ao produzir os enunciados, deixa marcas de sua presença ao longo
do discurso e que, em sua análise, “[...] vai-se revelando ao longo da cadeia
discursiva, permitindo a sua identificação, apesar de sua dispersão ao
longo do discurso.” (VIEIRA, 2002, p. 147).
Com base nessa perspectiva, na análise do discurso das colaboradoras,
identificou-se o conhecimento de si e seus sentidos, não só a partir do que
foi dito por todas elas, mas também do contexto imediato ao da produção
desse discurso, e considerando, também, o que não foi dito, a experiência
sócio-histórica, suas relações com outros sujeitos e com outros sentidos.
Na análise do discurso, a palavra incorpora os conteúdos intelectuais
e afetivos de quem a fala e passa a ter diferença em seu significado. Nesse
sentido, existe a construção do sentido com a absorção do significado em
contexto mais amplo. Considerando esse aspecto, Vigotski (2000, p. 466)
afirma:

A palavra só adquire sentido na frase, e a própria frase só adquire


sentido no contexto do parágrafo, o parágrafo no contexto do livro,
o livro no contexto de toda a obra de um autor. O sentido real de
cada palavra é determinado, no fim das contas, por toda a riqueza
dos momentos existentes na consciência e relacionados àquilo que
está expresso por uma determinada palavra.

Na análise do discurso, o texto é a unidade de análise e é apreendido


“[...] como um todo, como constituindo uma totalidade coerente
[...]”, produzido por um só locutor ou atribuído a vários locutores. A
heterogeneidade é característica do texto que se manifesta por meio
da diversidade de vozes, da associação de signos linguísticos e de signos
icônicos (fotografias, desenhos etc.) e da diversificação das técnicas de
gravação e de reprodução da imagem e do som (MAINGUENEAU, 2002).
O discurso analisado a partir da escrita das Versões de Sentido
das colaboradoras foi considerado como desenvolvido ao máximo e que
expressa o que, para estas, fez sentido. Em relação ao discurso escrito,
Vigotski (2000, p. 452) fala:

162  Maria Andréia da Nóbrega Marques


[...] é um discurso feito na ausência de interlocutor. Por isso é um
discurso desenvolvido ao máximo, nele a decomposição sintática
atinge o apogeu. Ali, graças à divisão dos interlocutores, raramente
são possíveis a compreensão a meias palavras e os juízos predicativos.
Na linguagem escrita, os interlocutores estão em diferentes situações,
o que exclui a possibilidade de existência de um sujeito comum em
seus pensamentos.

Vale ressaltar a diversidade das escritas das Versões de Sentido


em relação à quantidade de palavras. Acerca disso, destaca-se a fala de
Vigotski (2000, p. 462): “[...] quando a consciência tem um único sentido,
o papel das estimulações verbais se reduz ao mínimo (a iniciais de palavras)
e a compreensão transcorre sem erro”. O autor afirma, ainda, que “[...]
o momento da reflexão no discurso escrito é muito forte; muito amiúde
falamos primeiro para nós mesmo e depois escrevemos [...]” (p. 457). Dessa
forma, pode-se inferir que o escrito pelas colaboradoras, não importando
a quantidade de palavras utilizadas para isso, é resultado do momento de
acentuada reflexão.
Em relação ao discurso falado, o diálogo pressupõe “[...] a percepção
acústica de todo o aspecto entonacional da fala. [...] aquela compreensão
a meias palavras, aquela comunicação através de insinuações [...]”. Existe,
pois, uma tendência da linguagem falada para a abreviação. (VIGOTSKI,
2000, p. 454). Quanto ao aspecto entonacional da fala, Vigotski (2000, p.
455) diz que é possível “[...] exprimir todos os pensamentos, sensações e até
reflexões profundas com uma palavra. Isto é possível quando a entonação
transmite o contexto psicológico interior do falante, o único no qual é
possível que a palavra conscientizada seja entendida”.
Na análise do discurso realizada, a partir das falas nas sessões
reflexivas, considera-se o dito em muitas palavras ou em uma apenas,
e o que não foi dito, mas que foi percebido pela entonação da fala.
Considerando essas especificidades acerca da linguagem, o discurso escrito
e falado nas Versões de Sentido e nas sessões reflexivas formou o texto da
pesquisa, considerado como todo e submetido à análise, para estudar o
conhecimento de si e os sentidos dados a esse conhecimento.
No método de análise de pesquisa, na visão sócio-histórica, há o
desmembramento da “[...] unidade complexa do pensamento discursivo
em unidades várias, entendidas estas como produtos da análise que [...]
contêm, em sua forma primária e simples, aquelas propriedades do todo
em função das quais se empreende a análise.” (VIGOTSKI, 2000, p. 397).

CONHECIMENTO DE SI NA FORMAÇÃO DOCENTE: 163


A ANÁLISE DO DISCURSO EM UMA PESQUISA COLABORATIVA
Nessa perspectiva, com o propósito de decompor o texto em unidades
para favorecer a análise dos dados, a partir dos objetivos desta pesquisa,
definiu-se três unidades temáticas que permitiram o acesso ao discurso: O
professor como pessoa e como profissional; Os sentidos do conhecimento
de si no desenvolvimento pessoal e na formação profissional; Os sentidos da
interação entre as dimensões afetiva, cognitiva e motora no desenvolvimento
pessoal e na formação docente.
Para Vigotski (2000, p. 9), a unidade de análise é generalização e “[...]
reflete a realidade de modo inteiramente diverso daquele como esta é refletida
nas sensações e percepções imediatas”. Assim, as unidades temáticas de
análise da pesquisa comunicam a realidade de modo generalizado, ou seja,
refletem categorias teóricas relacionadas ao conhecimento de si. A unidade
de análise, enquanto generalização, comunica a especificidade, o que
ocorre enquanto vivência individual. Em relação a isso, Vigotski (2000, p.
13) diz que “[...] a verdadeira compreensão e a comunicação só irão ocorrer
quando eu conseguir generalizar e nomear o que estou vivenciando”. Com
base nessa afirmativa, identificou-se, no texto, a partir da generalização
das unidades temáticas de análise, relações entre essas unidades e vivências
das colaboradoras, o que favoreceu a definição dos temas, identificados
com frases representativas dessas relações.
Na análise do discurso, identificou-se enunciados que refletiam
especificidades das experiências das colaboradoras, constituindo,
dessa forma, os subtemas de análise, que manifestam as vivências das
colaboradoras, o que foram por elas compreendidas e comunicadas em
relação ao conhecimento de si. Utilizou-se para a análise, a partir dos
subtemas, a ideia do discurso de enunciação da subjetividade, que se
estrutura com “[...] fatos de natureza subjetiva: as experiências vividas pelo
sujeito e suas sensações, sentimentos e pensamentos relativamente a essa
mesma vivência” (PAULILLO, 1994, p. 93).
Segundo Paulillo (1994), na estrutura enunciativa do discurso de
enunciação da subjetividade, existem três tipos de enunciados: narrativos
– que expressam as experiências vividas pelo sujeito; declarativos –
que expressam sentimentos, pensamentos, desejos presentemente
experimentados pelo sujeito; de comentários – que funcionam como
comentários realizados pelo sujeito em relação aos enunciados narrativos e
aos enunciados declarativos.

164  Maria Andréia da Nóbrega Marques


Os enunciados narrativos e declarativos funcionam como espaço de
sustentação das autorrepresentações do eu. Em se tratando dos enunciados
de comentários, estes atravessam os enunciados narrativos e declarativos e
se constituem por avaliação cognitiva em que o sujeito julga, avalia o dito.
Assim, os enunciados de comentários representam o não dito comentado,
manifestando, portanto, o sujeito enquanto ser da linguagem, pontuando
o seu caráter de construções representativas (PAULILLO, 1994).
Nessa análise, considerou-se os enunciados narrativos como expressão
do conhecimento de si, por parte das colaboradoras; e os enunciados
declarativos como os sentidos desse conhecimento. Já os enunciados de
comentários foram reconhecidos como participantes do conhecimento de
si e dos seus sentidos, que sugerem a apropriação da experiência sócio-
histórica, durante a constituição histórica dessas colaboradoras e que
sinalizam a presença da ideologia no discurso.
Com o propósito de identificar de que forma o professor reconhece-
se como pessoa e como profissional e considerando-o como um ser
unitário, fundamentou-se a análise a partir da ideia de que o conhecimento
de si se constrói nas relações que a pessoa estabelece com os outros que
lhe são significativos e com a história social que o permeia ao longo de sua
história de vida, inclusive em sua vivência de ser professor. Dessa forma,
as colaboradoras versaram os sentidos da sua história de vida e de uma
atividade docente. Esses sentidos foram analisados mediante o conceito de
sentido de Vigotski (2000).
Essas duas Versões de Sentido, ao serem analisadas em conjunto,
revelaram episódios históricos e relacionais que marcaram o percurso
da apropriação do conhecimento de si pelas colaboradoras, assim
como revelaram pensamentos e sentimentos vivenciados a partir do
reconhecimento desses episódios de apropriação. Dessa forma, identificou-
se a partir de quais episódios as colaboradoras reconhecem-se como
pessoa e como profissional, assim como o sentido dado no presente a
esses episódios do passado. Para essa análise, utilizou-se os conceitos de
enunciados narrativos e enunciados declarativos, de Paulillo (1994), e os
conceitos de apropriação, infância, adolescência e trabalho de Leontiev
(2004).
Primeiramente, o procedimento analítico consistiu em dividir cada
texto (constituído das duas Versões de Sentido de cada colaboradora)
em partes, com cada parte contendo um episódio histórico e relacional

CONHECIMENTO DE SI NA FORMAÇÃO DOCENTE: 165


A ANÁLISE DO DISCURSO EM UMA PESQUISA COLABORATIVA
no discurso. Posteriormente, verificou-se o que havia de comum entre as
partes de cada texto com as dos outros textos analisados, identificando
os episódios mais evidenciados nos discursos das colaboradoras. Ao
identificar esses episódios, definiu-se os subtemas da pesquisa.
Esses subtemas expressam, pois, sentidos das colaboradoras de
episódios históricos e relacionais vivenciados por estas no processo de
apropriação do conhecimento de si, e foram nomeados como: O sentido
da infância: relações com familiares, professora, amigos e brincadeiras;
O sentido da adolescência: relações com amigos, primeiro namorado e
dificuldades; e O sentido do início da prática docente: relações com alunos,
outras professoras e a experiência docente.
Ao compreender a Versão de Sentido como versão da pessoa que a
produz considerou-se que a Versão de Sentido, construída após a leitura
da história de vida, revela como essa pessoa se reconhece hoje, a partir
do conhecimento do seu passado. Em se tratando da Versão de Sentido
construída após o desenvolvimento de atividade docente, considerou-se
esse relato como manifestação da vivência de ser professora, revelando,
também, como a pessoa reconhece-se a partir dessa situação.
Segundo Bakhtin (2003, p. 136), a leitura do auto-informe-confissão
é realizada a partir do acréscimo da posição axiológica de distância em
relação ao sujeito que diz e inserindo uma série de elementos transgredientes:

[...] damos importância de acabamento ao final e a outros


elementos (pois estamos temporariamente de fora), lançamos
o fundo (percebemos tudo na determinidade da época e da
situação histórica, se isso é do nosso conhecimento, e, por último,
simplesmente percebemos sobre o fundo daquilo que conhecemos
melhor), colocamos no espaço abrangente elementos particulares da
realização, etc.

Para captar de que forma cada colaboradora reconhece-se, deu-se


continuidade à análise do discurso e identificou-se a imagem refletida de
cada colaboradora, o que é possível ver do retrato que faz de si, conjugando
essa leitura com os conceitos de auto-informe-confissão e exotopia, de
Bakhtin (2003), assim como com o conceito imagem profissional, de
Cooper (2008).
Por meio das sessões reflexivas, as Versões de Sentido de cada
colaboradora foram partilhadas com o grupo, houve a reflexão crítica e a
construção de outra Versão de sentido após colaboração. Com o objetivo

166  Maria Andréia da Nóbrega Marques


de compreender os sentidos do conhecimento de si no desenvolvimento
pessoal e na formação profissional, analisou-se o discurso das
colaboradoras a partir dos conceitos de diálogo e alteridade, de Bakhtin
(2003); e do conceito de colaboração, de Magalhães (2004). Essa análise
possibilitou apreensão da relação eu-outro no conhecimento de si por parte
das colaboradoras, que foram representados nos subtemas da pesquisa: O
outro na constituição de si: participação e conflito; e Colaboração: conflito
eu-outro na reelaboração do conhecimento de si.
Objetivando analisar os sentidos da interação entre as dimensões
afetiva, cognitiva e motora no desenvolvimento pessoal e na formação
docente, deu-se continuidade à análise do discurso das colaboradoras
por meio dos conceitos de pessoa, afetividade, ato motor e conhecimento,
de Wallon (2007), e dos conceitos de sentido e historicidade, de Vigotski
(2000).
Assim, foram identificados os sentidos da interação entre as
dimensões afetiva, cognitiva e motora, bem como do conhecimento de
si no desenvolvimento pessoal e na formação profissional do professor.
Esses sentidos foram apresentados a partir dos subtemas Repressão e
expressão das emoções: significações de dureza e fraqueza; Conhecer o
outro: mudanças afetivas, motoras e cognitivas em si; e Conhecimento de
si: sentidos de mudança, continuidade, bem-estar e segurança.
O Quadro 1 apresenta as unidades temáticas de análise utilizadas
para o acesso ao discurso na pesquisa, com respectivos temas, subtemas e
categorias analíticas.

CONHECIMENTO DE SI NA FORMAÇÃO DOCENTE: 167


A ANÁLISE DO DISCURSO EM UMA PESQUISA COLABORATIVA
Quadro 1 – Unidades temáticas de análise, temas,
subtemas e categorias analíticas
Unidades
Temáticas de Temas Subtemas Categorias Analíticas
Análise
- As versões das
colaboradoras: do sentido
Versando sobre Sentido (VIGOTSKI,
da sua história de vida
si 2000)
e do sentido de uma
atividade docente.
- Episódios da infância das
colaboradoras; Apropriação, infância,
O professor A apropriação - Episódios da adolescência e trabalho
como pessoa do adolescência das (LEONTIEV, 2004);
e como conhecimento colaboradoras; Enunciados narrativos
profissional de si - Episódios do início e enunciados declarativos
da prática docente das (PAULILLO, 1994).
colaboradoras;
Auto-informe-confissão
O e exotopia
- Retratos de si feitos pelas
reconhecimento (BAKHTIN, 2003);
colaboradoras.
de si Imagem profissional
(COOPER, 2008).
Os sentidos do
- O outro na constituição
conhecimento Diálogo e alteridade
Relação eu- de si: participação e
de si no (BAKHTIN, 2003);
outro no conflito
desenvolvimento Colaboração
conhecimento - Colaboração: conflito
pessoal e na (MAGALHÃES,
de si eu-outro na reelaboração
formação 2004).
do conhecimento de si
profissional
- Repressão e expressão
Os sentidos da das emoções: significações
interação entre de dureza e fraqueza;
Pessoa, afetividade, ato
as dimensões O conhecimento - Conhecer o outro:
motor e conhecimento
afetiva, cognitiva de si como mudanças afetivas,
(WALLON, 2007);
e motora no pessoa e na motoras e cognitivas em
Sentido e Historicidade
desenvolvimento experiência de si;
(VIGOTSKI, 2000).
pessoal e na ser professor - Conhecimento de si:
formação sentidos de mudança,
docente continuidade, bem-estar e
segurança.
Fonte: Pressupostos teóricos de Bakhtin (2003), Cooper (2008), Leontiev (2004), Magalhães
(2004), Nóvoa (1995), Paulillo (1994), Vigotski (2000) e Wallon (2007).

168  Maria Andréia da Nóbrega Marques


A título de exemplo, neste texto, registra-se, a seguir, trechos da
análise do discurso de uma das colaboradoras da pesquisa, de iniciais G.
M. B., 26 anos, 1 ano e 9 meses de experiência docente.

O Professor como pessoa e como profissional

Foram reconhecidos três temas representativos da forma como a


colaboradora reconhece-se como pessoa e como profissional antes da
colaboração do grupo: versando sobre si, a apropriação do conhecimento
de si e o reconhecimento de si. A partir de cada tema, identificou-se
subtemas mediante seu discurso.
Em relação ao primeiro tema, versando sobre si, acerca da sua história
de vida, G. M. B. narrou sua infância, sua adolescência, a aprovação no
vestibular, a experiência com o primeiro namorado e com os amigos.
Relatou uma atividade docente, ressaltando a presença dos alunos.
A partir da leitura acerca do conceito de apropriação de Leontiev
(2004) e das transcrições da Versão de Sentido, foram identificados
episódios históricos e relacionais, da sua história de vida e da sua experiência
de ser professora, considerados participantes do seu processo de apropriação
do conhecimento de si.
A seguir, trechos da análise do discurso de G. M. B. realizada a partir
dos subtemas: O sentido da infância: relações com familiares, professora,
amigos e brincadeiras; O sentido da adolescência: relações com amigos,
primeiro namorado e dificuldades; e O sentido do início da prática docente:
relações com alunos, outras professoras e a experiência docente.

[...] naquela época ele [o pai] sempre estava presente nos momentos
que considerava importante [...], todos nós (minha mãe, meus
irmãos, minha tia) saíamos para nos divertirmos. Me recordo da
minha infância por causa das brincadeiras, pois brinquei bastante,
era uma criança que me diverti e aproveitei cada momento dessa
etapa. Ao ler o início da minha história de vida me senti muito feliz,
porque as lembranças da minha infância foram boas, [...]. Através
do meu grupo de jovens, acreditei na força de Deus [...] Ainda me
recordo do meu 1º namorado, aquele que marcou a minha vida.
[...] por sentir cheia de complexos. [...] descobri que as atitudes das
pessoas que passaram em minha vida são perdoáveis. [...] Lembro-
me de quando passei no vestibular depois de tanto sofrimento [...]
passei no vestibular depois de tanto sofrimento, agora sinto-me
aliviada por saber que eu fui capaz, tenho a sensação de bem-estar, de

CONHECIMENTO DE SI NA FORMAÇÃO DOCENTE: 169


A ANÁLISE DO DISCURSO EM UMA PESQUISA COLABORATIVA
autoconfiança. [...] ainda assim tenho raiva de mim por sentir cheia
de complexos. [...] Após a atividade desenvolvida em sala de aula,
percebi o quanto devo melhorar como profissional, pois me angustio
quando vejo meus alunos desanimados, desmotivados. Acho muito
difícil fazer com que meus alunos se tornem mais participativos
nas aulas, eles são calados, entendo, porque eles vêm do trabalho:
cansados e com sono.

A partir dessas reflexões, identificou-se que a colaboradora se


reconhece a partir da infância e das relações que foram estabelecidas
com pai, mãe, irmãos, tia e com as brincadeiras. Leontiev (2004, p. 332)
afirma que “As relações com o mundo circundante em que entre a criança
são, por natureza, relações sociais. Pois é a sociedade que constitui a
condição real e primeira da vida da criança, lhe determina o conteúdo e a
motivação”. Em relação às brincadeiras, Leontiev (2004, p. 313) contribui
com a compreensão de que, nas relações das crianças, a “[...] criança
participa com prazer e interesse na vida do grupo, seus jogos e ocupações
são plenos de sentido para ela [...]”. O reconhecimento das relações que
foram estabelecidas na infância, juntamente com os sentimentos e os
pensamentos apropriados a partir desse reconhecimento, sinalizam os
sentidos da infância, para a colaboradora.
Os enunciados mostram a adolescência da colaboradora marcada por
relações diferentes das estabelecidas no período da infância. Identificou-se
relações com grupo de jovens e com o primeiro namorado. Diferentemente
dos enunciados da infância, nos da adolescência, não narra suas relações
com pessoas da família. Em outros enunciados declarativos do discurso
da colaboradora, identificou-se, em relação à adolescência, as sensações
atuais de alívio e bem-estar, assim como sentimentos de autoconfiança.
Considerou-se, pois, que o reconhecimento das relações com outros jovens,
com o primeiro namorado e com as dificuldades da adolescência, junto
com as sensações, os sentimentos e os pensamentos que foram apropriados
a partir desse reconhecimento indicam os sentidos da adolescência para a
colaboradora.
Em relação às suas dificuldades na experiência docente, G. M. B.,
além de narrar fatos que influenciaram relacionados aos alunos e aos
professores tradicionais, aponta também os relacionados a si: “Até eu
mesma fico desanimada, sonolenta, [...]. Às vezes acredito que deveria
utilizar outras estratégias com essa aluna [...]”. Após narrar sobre prática
docente, declara o pensamento de que precisa melhorar como profissional:

170  Maria Andréia da Nóbrega Marques


“Após a atividade desenvolvida em sala de aula, percebi o quanto devo
melhorar como profissional, [...]. Reconheço que tenho que ser mais
dinâmica nas minhas aulas [...]”.
Em se tratando do reconhecimento de si, a forma como o professor
se reconhece como pessoa e como profissional é a imagem pessoal e
profissional que este tem de si, é a autoimagem, como reconhece suas
potencialidades, suas dificuldades, suas ideias, seus sentimentos, suas
atitudes, entre outras qualidades. Esses reconhecimentos são “[...] sempre
instantâneos, fotografias, RX de si mesmo, um retrato momentâneo que
cada ser humano faz sobre si, como nunca está totalmente pronto, deve ser
(re)construído continuamente, depende da auto-aceitação e da aceitação
pelos demais” (MOSQUERA, 2006, p. 5). Compreende-se que o retrato
não revela a dinamicidade e a totalidade do conhecimento de si, por parte
da colaboradora, e, sim, o perfil que serve para sua identificação.
Em suas versões de sentido, G. M. B. narrou sua infância como boa,
ressaltando sua família e as brincadeiras. Da adolescência, relatou suas
amizades, seu primeiro namorado e a aprovação no vestibular. Ao versar
sobre uma atividade docente, expôs sua percepção sobre as dificuldades
da sua prática e sobre as atitudes dos alunos. O retrato que faz de si é
de uma pessoa que teve uma infância satisfatória, principalmente pelas
relações familiares e as brincadeiras. Mostra sua adolescência com amigos,
vestibular, primeiro namorado e demonstrando que gostaria de ter
vivenciado essa fase de sua vida de uma forma diferente, relacionando-se
com mais pessoas, correndo mais riscos e sem se sentir cheia de complexos.
A imagem que faz de si, como profissional, é da vivência da angústia e das
estratégias utilizadas diante do desânimo e da desmotivação dos alunos.
O retrato de G. M. B. mostra uma pessoa que, ao refletir sobre sua
história, reconhece as dificuldades em seus relacionamentos interpessoais
e as possibilidades de superá-las: sendo mais humilde, compreendendo
e aceitando mais as pessoas. Revela, em sua imagem profissional, que
reconhece sua influência no comportamento dos alunos e a intenção que
tem de melhorar como professora para possibilitar a eles mais motivações
em sala de aula e para que aprendam mais. Mostra-se assumindo suas
responsabilidades nas suas relações com as pessoas, e, em especial, com
seus alunos.

CONHECIMENTO DE SI NA FORMAÇÃO DOCENTE: 171


A ANÁLISE DO DISCURSO EM UMA PESQUISA COLABORATIVA
Os sentidos do conhecimento de si no desenvolvimento pessoal e na
formação docente

Os sentidos do conhecimento de si no desenvolvimento pessoal e na


formação profissional e os sentidos da interação entre as dimensões afetiva,
cognitiva e motora no desenvolvimento pessoal e na formação docente
foram compreendidos com a definição de dois temas que expressam
relações entre essas unidades temáticas e as vivências da colaboradora:
relação eu-outro no conhecimento de si e o conhecimento de si como
pessoa e na experiência de ser professor.
A análise do discurso da colaboradora, na versão de sentido,
construída após leitura da história de vida, e que foi partilhada no grupo,
revelou a presença dos outros na constituição de si. Em relação à presença
do outro na memória do passado, Bakhtin (2003, p. 140) diz que “Em
nossas lembranças habituais do nosso passado, o frequentemente ativo
é esse outro, em cujos tons axiológicos recordamos a nós mesmos [...]”.
Dessa forma, foi possível identificar a relação eu-outro no conhecimento de si.
A relação com o outro é representada por G. M. B. revelando o
social constituinte de si e as condições de tensão inerentes a essa relação:
“[...] na vida as comparações que fazemos com os outros nos traz
angústia, medo e outros sentimentos”. No discurso da colaboradora,
encontrou-se a declaração da necessidade do conhecimento do outro
para o autoconhecimento: “fato marcante durante essa sessão foi que
é extremamente necessário conhecer o aluno para o desenvolvimento
da prática docente”. A análise do discurso da colaboradora revelou a
colaboração como espaço de relação e conflito eu-outro, em que é possível
a expressão de pensamentos e sentimentos, o conhecimento do outro e a
reelaboração do conhecimento de si.
Quanto ao conhecimento de si como pessoa e na experiência de ser
professor, sabe-se que as emoções são a exteriorização da afetividade do
sujeito. Elas sofrem transformações em sua forma de expressão durante
o processo de desenvolvimento e mediante determinada situação social.
Na relação eu-outro, há o conflito entre externalizar e represar emoções
e, no desenvolvimento do sujeito, esse conflito muda à medida que haja
interferência das consequências da expressão das emoções, da aquisição
da capacidade de autocontrole e de redução da emoção, e de outras

172  Maria Andréia da Nóbrega Marques


situações que dependem da representação, ou conhecimento, e da pessoa
(WALLON, 2007).
O conflito entre o emocional e o racional é mediado pelo outro, com
sua presença ou ausência. G. M. B. narrou situação em que se emocionou
e seu choro foi contido em sala de aula, na presença dos alunos: “Assim,
porque geralmente no Natal, a gente podia imaginar que eles fossem pedir
brinquedo, bicicleta, mas tudo gerou dentro da família [...]”. No entanto,
ao relatar o fato no grupo colaborativo, e na ausência dos alunos, expressou
a emoção vivida.
Ao versar sobre o sentido do vivido, G. M. B. falou de sua descoberta
em relação à importância de conhecer o aluno para o desenvolvimento
da prática docente e as repercussões desse desenvolvimento para a
satisfação e o desenvolvimento pessoal: “[...] conhecer o aluno para o
desenvolvimento da prática docente que a partir disso me provocou uma
sensação de alívio e de conhecimento pessoal”. O discurso da colaboradora
revela o reconhecimento de mudanças no autoconhecimento durante
esta pesquisa e a ideia de que essas mudanças irão sempre acontecer.
O discurso de G. M. B. expressa, pois, os sentidos de mudança e de
continuidade do conhecimento de si: “[...] através dessa pesquisa pude
ter o autoconhecimento que até então continua, pois, como minha amiga
Mônica disse: O autoconhecimento é um processo contínuo”.
Em relação à vida pessoal, as alterações percebidas em si, a partir das
mudanças do autoconhecimento, referem-se ao bem-estar e à segurança,
e consequentes influências na relação eu-outro, conforme demonstrou
o discurso de G. M. B.: “Muitas foram as contribuições que adquiri:
segurança, compreensão em relação ao que os outros pensam sem tentar
ter um julgamento, aprendi que não se pode mudar ninguém”.
Em se tratando da experiência de ser professora, as alterações
percebidas em si, após colaboração e mudanças no autoconhecimento,
relacionam-se à segurança, especialmente nas escolhas para a vida
profissional e na prática docente:

Com relação à minha prática docente, muitos foram os aprendizados:


adquiri mais autoconfiança, pois quando se está na sala de aula é
necessário confiança, a vontade de se fazer um bom trabalho; que para
ser um bom profissional é necessário que haja o autoconhecimento
para que as coisas que possa te barrar que atrapalhem a sua vida
sejam, então, solucionadas.

CONHECIMENTO DE SI NA FORMAÇÃO DOCENTE: 173


A ANÁLISE DO DISCURSO EM UMA PESQUISA COLABORATIVA
O discurso da colaboradora revelou que, a partir da colaboração,
há reelaboração do conhecimento de si e construção de sentidos desse
conhecimento: mudança contínua mediante a relação eu-outro, bem-
estar e segurança. A singularidade como característica da construção
dos sentidos do conhecimento de si foi refletida nas mudanças vividas,
percebidas e relatadas pela colaboradora. Nesse sentido, o conhecimento
de si é processo histórico-social e favorece mudança e singularidade no
desenvolvimento pessoal e na formação docente.

Conclusão

Na análise, os dados foram produzidos a partir de procedimentos


metodológicos diversos e foram analisados mediante relações entre si e com
outros textos que deram sustentação teórica à pesquisa. Vale ressaltar que
a análise do discurso não representou demonstração fiel do discurso das
colaboradoras da pesquisa, nem forma única de leitura, mas, sim, forma
singular de interação entre a subjetividade e esse discurso, naquele contexto
específico de investigação e com as influências do contexto sócio-histórico
mais amplo.

Referências

ALVES-MAZZOTTI, A. J. A “revisão da bibliografia” em teses e


dissertações: meus tipos inesquecíveis – o retorno. In: BIANCHETTI,
L.; MACHADO NETTO, A. M. (Org.). A bússola do escrever: desafios e
estratégias na orientação e escrita de teses e dissertações. 2. ed. São
Paulo: Cortez, 2006. p. 25-41.

BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes,


2003.

COOPER, A. A. Imagem profissional. São Paulo: Cengage Learning, 2008.

IBIAPINA, I. M. L. de M. Pesquisa colaborativa: investigação, formação e


produção de conhecimentos. Brasília: Líber Livro, 2008.

LEONTIEV, A. O desenvolvimento do psiquismo. 2. ed. São Paulo: Centauro,


2004.

174  Maria Andréia da Nóbrega Marques


MAGALHÃES, M. C. C. A linguagem na formação de professores como
profissionais reflexivos e críticos. In: MAGALHÃES, M. C. C. (Org.).
A formação do professor como um profissional crítico: linguagem e reflexão.
Campinas, São Paulo: Mercado de Letras, 2004. p. 59-85.

MAINGUENEAU, D. Análise de textos de comunicação. 2. ed. São Paulo:


Cortez, 2002.

MAHONEY, A. A.; ALMEIDA, L. R. de. A dimensão afetiva e o processo


ensino-aprendizagem. In: ALMEIDA, L. R. de; MAHONEY, A. A. (Org.).
Afetividade e aprendizagem: contribuições de Henri Wallon. São Paulo:
Loyola, 2007. p. 15-24.

MARQUES, M. A. B. A constituição da pessoa na experiência de ser


professor [manuscrito]: os sentidos do conhecimento de si na formação
docente. 2009.

MOSQUERA, J. J. M. et al. Universidade: auto-imagem, auto-estima e


autorealização. Unirevista, Rio Grande do Sul, v. 1, n. 2, abr. 2006.

NÓVOA, A. Os professores e as histórias da sua vida. In: NÓVOA, A.


(Org.). Vidas de professores. 2. ed. Porto: Porto, 1995. p. 11-30.

ORLANDI, E. P. Introdução às ciências da linguagem: discurso e textualidade.


Campinas, SP: Pontes Editores, 2006.

PAULILLO, R. O discurso do eu na(s) fala(s) do sujeito. Cadernos de


Subjetividade, São Paulo, v. 2, n. 1 e 2, p. 87-99, mar./ago. – set./fev. 1994.

VIEIRA, J. A. As abordagens críticas e não-críticas em análise do discurso.


In: SILVA, D. E. G. da.; VIEIRA, J. A. (Org.). Análise do discurso: percursos
teóricos e metodológicos.
Brasília: Plano, 2002. p. 143-161.

VIGOTSKI, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo:


Martins Fontes, 2000.

WALLON, H. A evolução psicológica da criança. São Paulo: Martins Fontes,


2007.

CONHECIMENTO DE SI NA FORMAÇÃO DOCENTE: 175


A ANÁLISE DO DISCURSO EM UMA PESQUISA COLABORATIVA
PARTE I I I
ANÁLISE DE CONTEÚDO: PERCURSOS
METODOLÓGICOS DE PESQUISAS EM EDUCAÇÃO
O PERCURSO METODOLÓGICO PARA
COMPREENSÃO DA CLASSE HOSPITALAR:
A PRODUÇÃO E ANÁLISE DAS
SIGNIFICAÇÕES DOS PROFESSORES DE UM
HOSPITAL INFANTIL DA REDE PÚBLICA

Ana Rosa Rebelo Ferreira de Carvalho


Marlise A. Bassani

Apresentação do Tema

O
novo conceito de saúde proposto pela Organização
Mundial de Saúde (OMS) como o completo bem-estar
biopsicossocial, ultrapassa a relação entre saúde e a simples
ausência de doenças ou sintomas. Desta forma, é possível e necessário
perceber a saúde relacionada com as diversas esferas da vida do indivíduo,
como família, relações sociais e educação.
O adoecer afeta aspectos que vão além do orgânico, interfere na rotina
do paciente e de sua família. e quando requer internações ou tratamentos
prolongados, muitas vezes exige que os pacientes deixem suas cidades de
origem e o conforto de seus lares, familiares e amigos, colocando partes da
vida em suspensão.
Tratando-se do adoecimento de crianças e adolescentes, é possível
perceber que o tratamento medicamentoso, além de doloroso, implica,

O PERCURSO METODOLÓGICO PARA COMPREENSÃO DA CLASSE HOSPITALAR:


A PRODUÇÃO E ANÁLISE DAS SIGNIFICAÇÕES DOS PROFESSORES DE 179
UM HOSPITAL INFANTIL DA REDE PÚBLICA
muitas vezes, na perda de uma parte saudável da vida: a vivência escolar, que
constitui um vínculo com a “normalidade” anterior à doença, e a esperança
de continuidade da vida durante e após o tratamento e hospitalização.
Afinal, a escola tem um papel de fundamental importância na vida da
criança e do adolescente, contribuindo, não só com a educação formal, mas
também com a socialização, construção da autoimagem, desenvolvimento
da autonomia e identificação com seus pares, por meio do convívio escolar.
Dessa forma, a ausência escolar pode provocar consequências em todas as
áreas de desenvolvimento do ser humano e por isso necessita de um olhar
especial.
A humanização e a busca da minimização dos efeitos da
hospitalização (BRASIL, 2001), tem sido temas recorrentes em diversas
publicações, entretanto, percebe-se que na maioria dos hospitais não
existe a preocupação com o abandono escolar e com a importância e
necessidade da continuidade dos estudos. O direito à escolarização durante
o tratamento hospitalar foi garantido pela Resolução 41 do Estatuto da
Criança e do Adolescente Hospitalizado, de 1995, e pela Lei no. 9. 394,
Lei de Diretrizes Básicas da Educação Nacional, de 1996. A temática da
Classe Hospitalar foi retomada nas Diretrizes Nacionais para a Educação
Especial no Brasil (BRASIL, 2002) no documento intitulado Classe hospitalar
e atendimento pedagógico domiciliar: estratégias e orientações, que explicitou
ações políticas de organização do sistema de atendimento educacional em
ambientes hospitalares e domiciliares.
A Classe Hospitalar surgiu, como forma alternativa de acesso aos
diferentes níveis de ensino e, segundo terminologia do MEC/SEESP, refere-se
ao atendimento pedagógico-educacional a crianças e jovens hospitalizados
(BRASIL, 2002). Em 2018, o presidente do Brasil em exercício Dias Toffoli
sancionou a Lei 13.716, de 24 de setembro de 2018, que alterou a Lei n.
9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional) para assegurar o atendimento educacional ao aluno da educação
básica internado para tratamento de saúde em regime hospitalar ou
domiciliar por tempo prolongado.
Consideramos a Classe Hospitalar como uma proposta diferenciada
da Pedagogia Tradicional, uma vez que é realizada no próprio ambiente
hospitalar e objetiva construir conhecimentos sobre esse novo contexto de
aprendizagem, de forma que possa contribuir para o bem-estar da criança
ou do adolescente enfermo. Essa modalidade de ensino vai ao encontro das

180  Ana Rosa Rebelo Ferreira de Carvalho • Marlise A. Bassani


propostas de humanização hospitalar e exige que a interdisciplinaridade
seja exercida na prática diária, incluindo o professor entre os membros da
equipe de saúde.
Contudo, tal prática ainda é pouco conhecida, e ainda não
está presente em todos os hospitais pediátricos brasileiros. Segundo
levantamento realizado por Fonseca em 2015, o Brasil contava somente
com 155 hospitais com escolas. Destacamos que, nas regiões Sudeste e Sul,
todos os Estados apresentavam hospitais com classes hospitalares, sendo
que na Região Nordeste, a maior concentração de hospitais com escolas
estava na Bahia (14), enquanto o Maranhão contava apenas com 1(um)
hospital e o Piauí não possuía nenhuma classe hospitalar.
O presente capítulo é fruto da dissertação de mestrado12, realizada
em 2008 em São Paulo, que teve por enfoque compreender o significado
que as professoras da Classe Hospitalar, de um hospital público infantil de
São Paulo, atribuíam a seu trabalho. Após ter-se transcorrido onze anos
de sua conclusão, percebemos que se trata de uma realidade distante para
o estado do Piauí, uma vez que somente em 22 de Outubro de 2019, o
Governo do Piauí, por meio da Secretaria de Estado da Educação (Seduc),
firmou parceria com a Associação Piauiense de Combate ao Câncer (APCC)
mediante assinatura do termo de cooperação para execução do projeto
“Educação Hospitalar e Atendimento Pedagógico Domiciliar”, previsto
para iniciar em 2020.
Dessa forma, este capítulo busca preencher lacunas existentes na
literatura tanto acerca da Classe Hospitalar como sobre as repercussões
desta modalidade de ensino no ambiente hospitalar. Além disso, pretende
contribuir para a disseminação e descentralização do Projeto de Classe
Hospitalar, em atenção às políticas educacionais e, principalmente, às
crianças e adolescentes hospitalizados em nosso País.

1 Texto desenvolvido a partir da dissertação de mestrado: A classe hospitalar sob o


olhar de professores de um hospital público infantil. Programa de Estudos Pós-
Graduados em Psicologia Clínica da PUC/SP, São Paulo, 2008. Orientação: Profa.
Dra. Marlise Aparecida Bassani. Apoio CAPES.
2 Comitê de Ética em Pesquisa PUC/SP: Protocolo de Pesquisa Nº 132/2007.

O PERCURSO METODOLÓGICO PARA COMPREENSÃO DA CLASSE HOSPITALAR:


A PRODUÇÃO E ANÁLISE DAS SIGNIFICAÇÕES DOS PROFESSORES DE 181
UM HOSPITAL INFANTIL DA REDE PÚBLICA
O caminho percorrido: o método

Adotou-se na presente pesquisa a abordagem qualitativa, que propicia


a possibilidade de descrever a complexidade de uma determinada hipótese
ou problema experimentado por um grupo social, a partir da interpretação
das particularidades dos comportamentos ou atitudes dos indivíduos, em
um maior grau de profundidade (OLIVEIRA, 1999). Para tanto, utilizou-se
o estudo de caso que tem por objetivo compreender a realidade por meio
de discussão, análise e tentativa de solução de um problema da vida real
Gil (2002).
A pesquisa foi realizada em um hospital público infantil localizado
na cidade de São Paulo, vinculado à Secretaria de Estado da Saúde. Tal
instituição é considerada referência hospitalar especializada e modelo para
as Unidades Básicas de Saúde do Estado de São Paulo. É também referência
no tratamento de doenças crônicas de média e alta complexidade e tem em
suas dependências físicas um espaço destinado ao atendimento da Classe
Hospitalar, seguindo as orientações do MEC/SEESP, que propõe a existência
de um espaço próprio para o funcionamento da Classe Hospitalar (BRASIL,
1994).
A população-alvo desta pesquisa foi formada por professores da
Classe Hospitalar que trabalhavam com crianças internadas nesse hospital.
Após o contato inicial com a Instituição, e apresentação dos objetivos
da pesquisa, dez professoras se ofereceram para participar de forma
voluntária e gratuita. Entretanto, a amostra foi composta somente por três
participantes, que atenderam ao critério de inclusão de tempo mínimo de
um ano de trabalho em Classe hospitalar nessa instituição.
As participantes são do gênero feminino, todas com formação
em pedagogia, formadas havia entre 10 e 41 anos, e com experiência de
trabalho nesse hospital com Classe Hospitalar, de mínimo de 10 anos e
máximo de 12 anos. Elas costumavam trabalhar os conteúdos acadêmicos
a partir de atividades temáticas, de modo a explorar a proposta curricular
adotada pela escola, de forma criativa, respeitando as individualidades e
as dificuldades de cada aluno/paciente, utilizando diversos recursos, como
jogos pedagógicos, programas de computador, vídeos, brinquedos e livros
infantis, que servem como auxiliares das atividades de cunho educacional.
O método de coleta utilizado foi a entrevista semiestruturada, que
foi realizada individualmente e gravada, após a assinatura do Termo de

182  Ana Rosa Rebelo Ferreira de Carvalho • Marlise A. Bassani


Consentimento Livre Esclarecido (TCLE), de acordo com a disponibilidade
das participantes, em local que garantiu sigilo e privacidade, a partir de
questões abertas, com o objetivo de compreender o significado que elas
atribuíam a seu trabalho na Classe Hospitalar, levantando-se os seguintes
dados: história pessoal e profissional das entrevistadas; o motivo da escolha
em trabalhar em Classe Hospitalar; rotinas dentro do hospital; avaliação de
sua atuação; conceitos de Classe Hospitalar; possíveis relações entre Classe
Hospitalar e qualidade de vida da criança hospitalizada; e características
essenciais ao professor de Classe Hospitalar. No entanto, estes temas não
apresentavam rigor em relação à forma com que foram introduzidos e a
ordem de apresentação, não limitando as entrevistadas em suas respostas,
e possibilitando à pesquisadora desenvolver as questões com liberdade,
mas exercendo certo tipo de controle sobre a conversação.
É importante mencionar, que a presente pesquisa apresentou riscos
baixos às participantes por envolver apenas entrevista, propiciando-lhes a
oportunidade de poder expressar os significados de sua vivência no trabalho.
Contudo, foi previsto que, caso houvesse necessidade, as participantes que
tivessem conteúdos e/ou questões mobilizadas em decorrência da pesquisa
seriam encaminhadas para atendimento psicoterápico. Tal previsão de
cuidado, contudo, não foi necessária.
As entrevistas foram transcritas na íntegra e submetidas a análise
de conteúdo que, segundo Bardin (2004), constitui um conjunto de
técnicas de análise das comunicações, mediante procedimentos objetivos e
sistemáticos de descrição do conteúdo e mensagens, por meio dos quais se
obtém indicadores capazes de inferir conhecimentos relativos às condições
de produção/recepção dessas mensagens. Assim, buscamos compreender
os conteúdos manifestos e ocultos, as significações, ultrapassando o
olhar imediato das aparências, estudando o problema a partir da própria
expressão dos indivíduos.
A análise de conteúdo desta pesquisa se desenvolveu em três
fases, baseada em Minayo (1999): pré-análise, exploração do material e
tratamento dos resultados obtidos e interpretação. Na primeira fase, que
consistiu na organização do material a ser analisado, foi realizada uma leitura
flutuante, ou seja, a leitura exaustiva, relacionando o conteúdo encontrado
com as hipóteses e os objetivos iniciais da pesquisa, considerando algumas
normas de validade, como: exaustividade, devendo incluir todos os
aspectos levantados no roteiro; representatividade do universo abordado;

O PERCURSO METODOLÓGICO PARA COMPREENSÃO DA CLASSE HOSPITALAR:


A PRODUÇÃO E ANÁLISE DAS SIGNIFICAÇÕES DOS PROFESSORES DE 183
UM HOSPITAL INFANTIL DA REDE PÚBLICA
homogeneidade, com uso de critérios precisos; e pertinência com os
objetivos do trabalho.
A fase de exploração do material consistiu na codificação das
mensagens, isto é, na transformação sistemática do conteúdo em
agrupamentos de unidades que permitem uma descrição representativa das
características relevantes do conteúdo. Para tanto, adotamos o tema como
unidade de registro, identificando os núcleos de sentido que compõem a
comunicação e cuja presença ou frequência de aparição podem significar
alguma coisa para o objetivo analítico escolhido (BARDIN,2004).
Com o objetivo do trabalho como referência – “compreender o
significado da Classe Hospitalar atribuído pelas professoras” –, os dados
foram, então, agrupados em subtemas, mediante análise de similaridade
de ideias, até atingirmos uma unidade maior de registro, os temas.
Mantendo coerência com os objetivos da pesquisa, buscamos compreender
os significados presentes nas respostas analisadas e nos conteúdos
manifestos, identificando as vivências e percepções das participantes
acerca de sua experiência. Desta forma, foi feito um recorte do material
criando as seguintes unidades temáticas de registro: significados atribuídos
ao trabalho; perspectivas de futuro; e contexto histórico de formação.
Na terceira fase realizamos a interpretação e a inferência dos
resultados da pesquisa, com base no quadro teórico e bibliográfico da
literatura, com o intuito de desvendar o conteúdo subjacente ao que foi
manifesto (MINAYO, 1999).

Articulando possíveis compreensões: dialogando com os resultados

Com o intuito de compreender o significado que as professoras


da Classe Hospitalar de um hospital infantil de São Paulo atribuíam a
seu trabalho, a análise desta pesquisa foi configurada em três núcleos
temáticos. Salientamos que esta é apenas uma divisão didática, visto que
as ideias centrais desses núcleos se entrelaçam entre si, como por exemplo,
o aspecto relacionado às dificuldades que as professoras das Classes
Hospitalares apresentavam em seu trabalho, cuja importância o fez ser
ponto-chave para análise nos três núcleos temáticos.
A apresentação dos resultados desta pesquisa foi realizada de forma
a descrever e contrastar os depoimentos das três participantes. A fim de

184  Ana Rosa Rebelo Ferreira de Carvalho • Marlise A. Bassani


fundamentar os referidos eixos temáticos, serão apresentados excertos das
transcrições das entrevistas3.

Significados atribuídos ao trabalho - Nossa eu vou trabalhar num lugar que


morre criança!

Na análise dos depoimentos das professoras que atuam em classes


hospitalares, foi possível perceber três principais enfoques que às vezes
coexistem, traduzindo o significado que elas atribuíam ao seu trabalho:
o sentimento de realização e reconhecimento, de atuar em um trabalho
gratificante; a dificuldade de atuar junto ao paciente/aluno; e o exercício
de uma função que extrapola a de professor de escola regular.
O sentimento de realização e de reconhecimento em atuar em
um trabalho gratificante relatado pelas participantes, em relação aos
alunos/pacientes, familiares e profissionais de saúde, corrobora com os
resultados da pesquisa realizada por Barros e Sousa (2007), em Salvador–
BA, que constataram que 60% se sentem felizes e respeitadas, ajudando
pessoas, quando estão na Classe Hospitalar, além de relatarem um grande
crescimento pessoal, apesar de pontuarem que a atuação destes docentes
é dificultada pela falta de interação com os profissionais de saúde,
sendo necessárias algumas estratégias para sanar esta dificuldade, como
seminários, reuniões ou encontros, de modo a reunir todos os profissionais
que atuem no hospital. Esta pode ser uma boa alternativa para a instituição
em questão, uma vez que nenhuma das três participantes relatou participar
de reuniões Inter ou multidisciplinares.

Hoje o hospital tem outro olhar para os professores aqui dentro (...).
Veem a gente como profissional mesmo, que faz parte do hospital
(...). Teve médico que até me pediu para eu ensinar a mãe da criança
a ler e escrever porque a mãe não sabia e precisava dar o remédio
para o filho (Ana).

Os depoimentos das professoras apontam ainda que elas


consideravam importante ter seu trabalho reconhecido pelos profissionais
de saúde do hospital. Além disso, percebemos que na referida instituição
o reconhecimento por parte dos profissionais de saúde relaciona-

3 Os nomes das professoras participantes da pesquisa, citados no presente


trabalho, são fictícios, atendendo aos critérios éticos da pesquisa.

O PERCURSO METODOLÓGICO PARA COMPREENSÃO DA CLASSE HOSPITALAR:


A PRODUÇÃO E ANÁLISE DAS SIGNIFICAÇÕES DOS PROFESSORES DE 185
UM HOSPITAL INFANTIL DA REDE PÚBLICA
se diretamente a características dos setores do hospital, e ao tipo de
adoecimento e tratamento aos quais as crianças são submetidas, sendo
possível inferir que para os profissionais de saúde a função da Classe
Hospitalar é mais importante para aquelas crianças que ficam afastadas
por muito tempo da escola, sendo possível um acompanhamento contínuo,
que muitas vezes favorece a própria adesão ao tratamento.
Para Ortiz e Freitas (2001), independentemente do tempo de
internação, as Classes Hospitalares devem realizar atividades cognitivas
e socio afetivas, com ações pedagógicas, com o objetivo de suprir os
problemas de aprendizagem que a criança possa apresentar. Nas entrevistas,
percebemos que as professoras seguiam esse objetivo independentemente do
tempo de internação, realizando uma avaliação da criança para determinar
as suas principais necessidades. Mas, em geral, elas demonstraram fazer
uso de complemento pedagógico, quando o aluno permaneceria muito
tempo no hospital e reforço escolar, quando este tempo seria curto, assim
como proposto por Linheira (2006), ao enfatizar que o tipo de atividade a
ser realizada com uma criança hospitalizada é influenciada pelo tempo de
internação previsto individualmente.
Apesar do sentimento de realização e de reconhecimento profissional,
as dificuldades diretas e indiretas em atuar junto a um aluno que também é
paciente influenciavam o significado que essas professoras atribuíam a seu
trabalho, incluindo os sentimentos de tristeza, angústia e impotência diante
da dificuldade em lidar com a doença, a dor e a perda de uma criança,
visto que esta era uma possibilidade real para elas, resultado semelhante
aos relatados na pesquisa de Barros e Sousa (2007), em que 90% das
professoras que já atuaram em classe hospitalar se sentiam em situação de
impotência frente ao óbito.

Acho que, tirando esse problema, as perdas, eu me sinto realizada,


realizada mesmo, trabalhando aqui (Ana).

A única participante que não considerou o trabalho gratificante


e que intensificou o sentimento de tristeza em seu trabalho foi Joana,
entretanto ela mesma justificou este sentimento de tristeza relacionando-o
ao atendimento de crianças com câncer e à sua própria idade.

Eu não acho gratificante, acho muito triste (...). Em casa a gente


chora. É difícil, estou fazendo das tripas coração (...). Eu já estou

186  Ana Rosa Rebelo Ferreira de Carvalho • Marlise A. Bassani


numa idade em que, não que esteja pensando na morte, mas já estou
num ciclo da minha vida que já está “mais pra lá do que pra cá”.
Então eu acho que no quinto andar [onde têm pacientes com câncer]
precisa de uma pessoa mais jovem, porque o jovem não pensa tanto
na morte (Joana).

Pudemos sugerir, neste estudo, que eram muitas as dificuldades


no trabalho referidas pelas participantes, mas que todas convergiam
para o mesmo fato: a atuação junto a alunos/pacientes que representam
um público mais flutuante e peculiar, considerando o pouco tempo de
internação de alguns, o risco eminente de morte de outros e a presença de
um estado físico e emocional mais instável que acompanha a maioria. Neste
sentido Rodrigues e Noguez (2005) também afirmam que o planejamento
das atividades da Classe Hospitalar deve apresentar um plano de ensino
diferenciado do paradigma escolar, considerando fatores como: tempo de
internação, receptividade, condições clinicas, diversidade de faixas etárias,
grau de escolaridade e número de alunos.

É lógico que a gente tem limites aqui (...). Se a criança está com dor,
ou se a criança está tomando uma quimioterapia, ou se a criança não
quer fazer nada (Ana).

Constatamos assim, que o professor dessa classe deve permitir que o


aluno tenha autonomia para decidir se irá participar da aula e proporcionar
liberdade para deixar a sala por motivos de dor, desconforto, exames e
procedimentos médicos ou para receber visitas (LINHEIRA, 2006), sendo
sensível para reconhecer, respeitar e aceitar os sentimentos dos pacientes/
alunos durante as atividades.
Diante desses aspectos, indicamos que as participantes desta
pesquisa atribuíram ao significado de ser professor de Classe Hospitalar uma
função que extrapolava o papel de professor porque deviam proporcionar
as crianças: formação de vinculo e sentimento de segurança; aumento da
autoestima; melhora da socialização; e estimulação de bons hábitos. Esta
percepção também foi constatada na pesquisa de Barros e Sousa (2007),
em que as professoras estudadas reconheciam que sua função estava
relacionada também a: possibilidade de tornar o hospital menos agressivo,
desenvolver atividades lúdicas que as faziam esquecer da doença, interagir
com a criança e sua história de vida, dar significado à vida das crianças,
passar esperança, ser um pouco mãe, amiga, transmitir alegria e segurança

O PERCURSO METODOLÓGICO PARA COMPREENSÃO DA CLASSE HOSPITALAR:


A PRODUÇÃO E ANÁLISE DAS SIGNIFICAÇÕES DOS PROFESSORES DE 187
UM HOSPITAL INFANTIL DA REDE PÚBLICA
às crianças, divulgar o trabalho de classe hospitalar a outros professores e
ajudar as mães a enfrentarem o problema de saúde dos filhos. Vasconcelos
(2005), acrescenta ainda o papel de relembrar que aquele corpo sofrido e
machucado da criança abriga um indivíduo hábil a aprender e a desenvolver
suas habilidades e capacidades intelectuais, demonstrando que a atuação
escolar pode acontecer em qualquer lugar, fruto do contato do professor
com o aluno.

Eu sou boa ouvinte. Então eu estou sempre pronta para ouvir


(...) eu acho que isso é importante. Muita gente vem conversar,
pedir conselhos, apoio, falar problemas. Então eu acho que isso é
importante, as mães também precisam desse carinho, desse afago,
desse aconchego (Joana).

Este vínculo entre professores e alunos também pode estimular


uma função bastante importante no professor de classe hospitalar: a
escuta pedagógica, considerada por Ceccim (2000) a principal atitude
do professor que atua neste ambiente, e que significa apreensão ou
compreensão das expectativas e dos sentidos das palavras, levando em
conta, além das palavras, os gestos, as condutas e as posturas de quem fala.
Consideramos que, para uma escuta eficaz, é necessária a criação de um
vínculo que demonstre amizade e segurança, e isto foi bastante perceptível
nas entrevistas realizadas.
Percebemos a importância da extensão deste vínculo afetivo também
para a família da criança. Estas participantes acreditam que a família as
enxergas como um profissional próximo da criança, mas fora da área de
saúde, ou seja, que não está́ relacionado à doença e às dores que tanto
afligem as crianças, e por isso o consideram um amigo.
A somatória destes aspectos, segundo as participantes, faz com
que as Classes Hospitalares tenham uma função essencial sobre a vivência
da hospitalização, sendo perceptível nos relatos das professoras que sua
atuação proporciona aos alunos/pacientes uma distração, ao esquecer,
mesmo que momentaneamente, da doença, e segundo Fontes (2006), a
sala de aula no hospital é referida pelas crianças como um espaço seguro,
que proporciona prazer, proteção, onde podem brincar distanciando-se da
identidade de paciente.
Em uma análise mais minuciosa, percebemos, ainda, que os relatos
das três participantes, também, apontavam a importância da classe

188  Ana Rosa Rebelo Ferreira de Carvalho • Marlise A. Bassani


hospitalar para o aumento da autoestima destas crianças e no convívio
social, conforme levantado por Vasconcelos (2000) ao sustentar que, para
uma criança enferma, as intervenções educativas buscam restituir a auto-
estima, reforçando a vontade de viver por meio da volta à escola, e podemos
inferir que isto ocorre em razão da possibilidade de o paciente desenvolver
atividades relacionadas a uma “normalidade” anterior à doença.

Já está lá de cabelinho molhado, perfumado, tem uns que querem


que eu cheire para ver se realmente está cheiroso, porque tem que ir
pra escola (Ana).

Percebemos ainda que as professoras tinham certa dificuldade em


se auto conceituar como docentes. Acreditamos que este fato possa ser
decorrente dos aspectos por elas atribuídos como diferenças entre as
Classes Hospitalares e as escolas regulares.

Às vezes tem criança que acha que eu sou professora mesmo, quer
dizer, que eu sou professora eles sabem (...) (Ana).

Perspectivas de futuro - O governo precisa tomar consciência de que não precisa


só montar escola, pode montar escola dentro do hospital

Em relação ao futuro das atividades das Classes Hospitalares,


as professoras participantes demonstraram expectativas em ter maior
reconhecimento da escola de origem do escolar e de alguns dos profissionais
de saúde, além da necessidade de apoio psicológico que lhe ajudassem a
lidar com a doença e com a morte do aluno/paciente.
No tocante à escola de origem das crianças, as tentativas se
assemelhavam às mencionadas pelo Ministério da Educação (BRASIL,
2002), pois as docentes sempre entravam em contato com as escolas
de origem do aluno/paciente, quando se trata de hospitalizações ou
tratamentos prolongados, no entanto, na maioria das vezes, não obtinham
retorno e colaboração.

Chega criança nova, eu faço uma pré-avaliação (...). E a escola


é avisada que eles estão treinando e que vão fazer um tratamento
por no mínimo dois anos (...) a carta é protocolada direitinho e o
hospital espera uma resposta de escola, geralmente não vem nada,
então a gente começa aqui, a partir dessa pré-avaliação, nós vamos
continuando, dando andamento [às atividades escolares] (Ana).

O PERCURSO METODOLÓGICO PARA COMPREENSÃO DA CLASSE HOSPITALAR:


A PRODUÇÃO E ANÁLISE DAS SIGNIFICAÇÕES DOS PROFESSORES DE 189
UM HOSPITAL INFANTIL DA REDE PÚBLICA
Salientamos que esse contato entre as professoras da classe hospitalar
e a escola de origem das crianças era feito somente por meio de carta
protocolada, mas, diante da falta de retorno, as participantes utilizavam
outras estratégias com o intuito de sensibilizar as professoras das escolas
regulares do aluno/paciente.

Quando as crianças começam a escrever a gente faz com que elas


mandem uma cartinha para professora. Para ver se muda, para a
professora também se interessar mais um pouco, mandar mais
alguma coisa (Joana).

Enfatizamos também que os professores e diretores das escolas


regulares necessitam conhecer a importância da Classe Hospitalar para a
reinserção escolar desses alunos. Segundo Moura e Travessas (2005), este
tipo de atendimento deve ser considerado como integrante do ano letivo,
pois as crianças hospitalizadas que participam das Classes Hospitalares,
mesmo não frequentando a escola regular, não perderão o ano por excesso
de faltas. Consideramos este fato crucial para a criança, visto que ela
poderá retomar a sua vida em condições mais próximas às que tinha antes
da doença.
A dificuldade de um contato mais direto com a escola de origem
do aluno/paciente é justificada em razão da dimensão da cidade de São
Paulo e da diversidade da naturalidade do público que o hospital atende.
Nessa situação, é essencial a articulação conjunta entre os docentes da
Classe Hospitalar e a família da criança, para que os professores tenham
ferramentas que os façam traçar uma estratégia mais eficaz e dirigida às
necessidades da criança. Contudo, mesmo que a escola não mantenha
contato com os professores do hospital, os docentes dessa Classe
Hospitalar enviam à escola, por meio da família ou do aluno, quando este
recebe alta, o material que foi desenvolvido durante a internação hospitalar
do paciente/aluno. Este fato aponta que as participantes são cientes da
importância de uma ação conjunta com a escola regular e fazem o possível
para concretizá-la.

Quando a mãe e a família cooperam é uma beleza, não tem problema


nenhum. Uma mãe atuante, uma mãe participante, é tranquilo, ela
leva o caderno para escola. Eu falo para a mãe: “fala pra professora
que se ela quiser que a gente veja alguma coisa específica que ela deu
em sala de aula, manda pra mim” (Joana).

190  Ana Rosa Rebelo Ferreira de Carvalho • Marlise A. Bassani


No tópico anterior, as participantes referiram que o forte vínculo e a
proximidade com as crianças poderiam acarretar algumas dificuldades em
lidar com um aluno/paciente e seus familiares, principalmente diante da dor
e da perda, o que fez com que as professoras demonstrassem necessidades
e expectativas de uma estrutura para o cuidado da própria equipe.

Não tem nenhum serviço de apoio (...). É difícil! Eu aprendi a lidar


nesses dez anos sozinha com a situação mesmo. Teve um mês que eu
perdia uma criança por dia, eu chegava para trabalhar e a criança
morreu. (...) (Ana)

Percebemos, assim, que as professoras das Classes Hospitalares


apresentavam necessidade de um apoio profissional, de forma a estarem
emocionalmente preparadas para enfrentarem a realidade do hospital,
geralmente carregado de sofrimento e angustia. Sobre este aspecto, ainda
salientamos a importância de uma formação que lhes ajude a lidar com
estas situações, assunto que será aprofundado no tópico a seguir.

Contexto histórico de formação - Eu nem sabia o que era, nem imaginava o quê
que era trabalhar dentro do hospital

Em relação à formação acadêmica, as três participantes possuíam


graduação em Pedagogia com experiência apenas em escolas estaduais,
antes de iniciarem o trabalho no hospital e não possuíam conhecimento
sobre o trabalho realizado neste contexto. Entretanto, o MEC recomenda
que o professor da Classe Hospitalar tenha formação em Educação
Especial, em Pedagogia ou Licenciatura e que tenha noções sobre as
doenças e condições psicossociais vivenciadas pelos alunos/pacientes e
suas características (BRASIL, 2002).

A gente fez um estágio (...) aprendemos como é o trabalho, como é


dentro de um hospital, que não é igual como uma sala de aula, mas
a gente só vai aprender a trabalhar mesmo na questão do dia-a-dia
mesmo (Maria).

Ao serem questionadas sobre as características que um professor


precisaria ter para atuar em hospital, as participantes mencionaram aspectos
relacionados ao ensino, destacando os psicológicos e emocionais e, apenas
uma participante mencionou a necessidade de formação específica.

O PERCURSO METODOLÓGICO PARA COMPREENSÃO DA CLASSE HOSPITALAR:


A PRODUÇÃO E ANÁLISE DAS SIGNIFICAÇÕES DOS PROFESSORES DE 191
UM HOSPITAL INFANTIL DA REDE PÚBLICA
(...) bastante sensibilidade para poder lidar com essas adversidades
que a gente encontra aqui. Habilidade, paciência, e saber ouvir
também a criança e a mãe (...) (Maria).

Ratificamos que todas as características citadas são fundamentais a


qualquer professor, mas que as condições peculiares dos alunos/pacientes
as tornam essenciais. Na pesquisa de Ortiz e Freitas (2001), os professores
enfatizaram aspectos semelhantes como características importantes para
este trabalho: predisposição para formação de vínculo afetivo, sensibilidade
às condutas físicas e emocionais infantis e maturidade emocional.
Consideramos que estes aspectos estejam relacionados à dificuldade
em lidar com o adoecimento que, muitas vezes, acarreta sentimentos de
angústia e impotência por não conseguirem impedir o prosseguimento da
doença e a consequente morte; além da ausência de um apoio psicológico
profissional, já destacado.
Entretanto, incluímos também a importância de uma formação que
capacite as professoras a lidar melhor com estas situações, uma vez que o
trabalho junto a um aluno/paciente exige do professor um conhecimento
a respeito da rotina hospitalar, dos medicamentos e das diferentes
enfermidades, assim como da forma de atuar integrado com os demais
profissionais que trabalham no hospital. Para isso, estes professores
precisam se apropriar de saberes que extrapolam as práticas de um docente
de escola regular, e não fazem parte do currículo de formação deste
profissional.
Ainda sobre este assunto, uma das participantes considerou sua
experiência como professora de Classe Hospitalar tão importante quanto
uma formação específica, além de não ter mencionado nenhuma indicação
neste sentido por parte da coordenação do projeto em que atuava. Barros
e Souza (2007) também sustentam que na ausência de uma formação
acadêmica que contempla estes fatores a formação de um professor de
Classe Hospitalar acaba por se tornar contínua sendo atualizada pelas
experiências cotidianas da prática profissional.

(...) acho que com os dez anos que eu estou aqui, eu posso ir dar
aula na faculdade para as alunas que estão fazendo pedagogia.
(...) a gente aprendeu, aqui no dia-a-dia mesmo, foi trabalhando,
descobrindo (Ana).

192  Ana Rosa Rebelo Ferreira de Carvalho • Marlise A. Bassani


A Pedagogia Hospitalar está crescendo, e assim vão surgindo cursos
específicos. No entanto, acreditamos que há necessidade de estabelecer
uma ponte entre as universidades e os hospitais, para que haja intercâmbio
de informações que reúnam o conhecimento de natureza acadêmico-teórica
com o de natureza prática-vivencial. Neste sentido, retomamos Vasconcelos
(2005), ao afirmar que o trabalho institucional é uma atividade educacional
e, por isso, estimula os profissionais a fazerem pesquisas, discussões,
mesas redondas etc., para retratar a aprendizagem adquirida; para ela, os
professores que trabalham em hospitais transmitem uma experiência que
não tem modelo.

Algumas breves considerações....

A escola tem um papel essencial na vida da criança e do adolescente,


que não se restringe à educação, mas também engloba a socialização,
construção da autoimagem, desenvolvimento da autonomia e identificação
com seus pares, por meio do convívio escolar e do contato com colegas.
Estas funções se tornam ainda mais significativas quando relacionadas às
crianças ou adolescentes hospitalizados que são impedidos de frequenta-
la, visto que se torna o elo entre o paciente e a vida saudável, anterior à
doença.
Salientamos que a educação em ambiente hospitalar é um direito
de toda criança ou adolescente hospitalizado, apesar de infelizmente, nem
todas as crianças poderem usufruir desse direito em virtude do número
reduzido de hospitais que oferecem esse atendimento. Diante dessa
realidade, o presente estudo buscou compreender o significado que as
professoras da Classe Hospitalar, de um hospital público infantil de São
Paulo, atribuíam a seu trabalho e, através dos dados coletados, possibilitou
uma análise das vivências destas profissionais, a partir das quais foi possível
conhecer os pensamentos, sentimentos e percepções das participantes da
pesquisa, identificando suas opiniões e posturas.
O contato com as participantes e suas narrativas nos permitiu conferir
credibilidade, respeito, confiança e admiração ao trabalho realizado por
estas pedagogas no ambiente hospitalar e, mediante a análise dos dados,
foi possível perceber que as professoras atribuíam a seu trabalho o papel
de importantes figuras de apoio a seus alunos/pacientes e às mães e/
ou acompanhantes, atribuindo a seu ofício uma função que extrapola o

O PERCURSO METODOLÓGICO PARA COMPREENSÃO DA CLASSE HOSPITALAR:


A PRODUÇÃO E ANÁLISE DAS SIGNIFICAÇÕES DOS PROFESSORES DE 193
UM HOSPITAL INFANTIL DA REDE PÚBLICA
papel de professor. Entretanto, as participantes relataram que se sentiam
gratificadas e reconhecidas pela função exercida, apesar das dificuldades
em lidar com a possibilidade de óbito de alguns destes pacientes, afetando-
as nas esferas profissional, pessoal e familiar, fazendo com que seu trabalho
se tornasse, muitas vezes, desgastante.
Ao mesmo tempo, identificamos que em alguns momentos as
professoras demonstravam dificuldade em se perceberem como docentes,
dado suas ações geralmente não seguirem o padrão de escola regular.
Nesse contexto, apontamos a necessidade de discussão sobre a formação
do profissional de educação que irá atuar no ambiente hospitalar, uma
vez que percebemos a necessidade de formação inicial e continuada para
exercer a docência em um ambiente tão diferenciado da escola tradicional:
o hospital.
A partir do contato com o trabalho pedagógico realizado no hospital,
percebemos a existência de duas grandes demandas: a necessidade dos
professores possuírem conhecimentos sobre diferentes tipos de doenças,
bem como sobre os tratamentos e procedimentos apropriados a cada
patologia, e a necessidade de os profissionais da saúde considerarem o
professor como participante da equipe, para que houvesse integração entre
os diferentes enfoques e olhares existentes na instituição hospitalar. Tais
indicações puderam ser apreciadas pelo hospital em questão e, várias delas,
implementadas pela Direção e equipe de Psicologia, como decorrência
dessa pesquisa.
Dessa forma, esperamos que nosso trabalho contribua para a
aproximação e integração entre as áreas da saúde e da educação, favorecendo
ações para a promoção da saúde de crianças e adolescentes em situação
de internação. Além disso, apontamos para mais uma área de importante
atuação do profissional de Psicologia, abordando tanto a psicologia da
saúde e hospitalar quanto a educacional, proporcionando atendimento
aos alunos/pacientes, aos professores e às famílias. Pontuamos, ainda,
a necessidade de estudos e pesquisas que proponham identificar meios
que possibilitem o intercâmbio entre as Classes Hospitalares (a escola no
hospital) e as escolas regulares. Do mesmo modo, nos atrevemos a sugerir
que, quando possível, as professoras das Classes Hospitalares contem
com uma equipe de apoio que viabilize um contato mais direto com as
escolas de origem. Consideramos fundamental que esses docentes sejam
estimulados a realizar pesquisas, para divulgação de seu trabalho cotidiano

194  Ana Rosa Rebelo Ferreira de Carvalho • Marlise A. Bassani


de educação e para produção de conhecimento, ainda desconhecido para
muitos professores e instituições de ensino, e até mesmo para o Estado.

Referências bibliográficas

BARDIN, L. Análise de conteúdo. 3. ed. Lisboa: Edições 70, 2004.

BARROS, A.; SOUSA, T. M. O papel e o alcance da percepção subjetiva na


dinâmica de trabalho de professoras de classes hospitalares da cidade de
Salvador/Bahia. In: VII Educere e V Encontro Nacional Sobre Atendimento
Escolar Hospitalar, 2007, Curitiba. Anais do VII Educare, 2007.

BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação


Especial. Política Nacional de Educação Especial. Brasília: MEC/SEESP,
1994.

BRASIL. Ministério da Justiça. Direitos da Criança e do Adolescente


Hospitalizado. Resolução n° 41, Diário Oficial da União, n.199, 1995.

BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Lei de Diretrizes e Bases


da Educação Nacional. Brasília, 1996.

Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Assistência à Saúde Programa


Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar. Brasília: Ministério
da Saúde, 2001.

BRASIL. Ministério da Educação. Classe Hospitalar e atendimento


pedagógico domiciliar – estratégias e orientações. Brasília: MEC/SEESP,
2002.

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. . Lei nº 13.716,


de 24 de setembro de 2018.

CECCIM, R. B. A escuta pedagógica no ambiente hospitalar. Conferência


apresentada no I Encontro Nacional de Classe Hospitalar. Rio de Janeiro,
jul. 2000. Disponível em: <http://www2.uerj.br/~escolahospitalar/anais.
htm>. Acesso em: 15 jul. 2008.

O PERCURSO METODOLÓGICO PARA COMPREENSÃO DA CLASSE HOSPITALAR:


A PRODUÇÃO E ANÁLISE DAS SIGNIFICAÇÕES DOS PROFESSORES DE 195
UM HOSPITAL INFANTIL DA REDE PÚBLICA
FONSECA, E. S. Escolas em hospitais no Brasil. 2015. Disponível em.
Acesso em 01 novembro 2019.

FONTES, R. S. As possibilidades da actividade pedagógica como


tratamento sócio-afectivo da criança hospitalizada. Rev. Port. de
Educação, v.19, n. 1, p. 95-128, 2006.

GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisas. São Paulo: Atlas, 2002.

LINHEIRA, Caroline Zabendzala. O ensino de ciências na classe hospitalar:


um estudo de caso no hospital infantil Joana de Gusmão. 2006.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC),
Florianópolis.

MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento. 6. ed. São Paulo: Hucitec,


1999.

MOURA, Lione Marize dos Santos; TRAVESSAS, Silva Regina Vassian.


Competências do pedagogo em espaços não-escolares. Cadernos
FAPA, n. 2, 2.º sem. 2005. Disponível em: <http: //www.fapa.com.br/
cadernosfapa>.

OLIVEIRA, S. L. Tratado de Metodologia Científica: Projetos de Pesquisas,


TGI, TCC, Monografias, Dissertações e Teses. São Paulo: Thomson, 1999.

ORTIZ, L. C. M.; FREITAS, S. N. Classe hospitalar: um olhar sobre sua


práxis educacional. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 82, n.
200/201/202, p. 70-77, jan.-dez. 2001.

RODRIGUES, C. O.; NOGUEZ, R. C. Visita a um hospital de Porto Alegre-


RS: apoio pedagógico em um espaço não-escolar. Cadernos FAPA, n. 2,
2.º sem. 2005 Disponível em: <http:<www.fapa.com.br/cadernosfapa>.
Acesso em: 23 ago. 2008.

VASCONCELOS, S. M. F. Classe Hospitalar no mundo: um desafio à


infância em sofrimento In: Reunião Anual Da Sociedade Brasileira Para
O Progresso Da Ciência – SBPC, 2005, Fortaleza. Anais Eletrônicos. São

196  Ana Rosa Rebelo Ferreira de Carvalho • Marlise A. Bassani


Paulo SBPC/UECE. Disponível em: <http://www.sbpcnet.org.br>. Acesso
em: 13 dez. 2005.

______. A psicopedagogia hospitalar para as crianças e adolescentes.


Apresentado na Semana da Psicopedagogia da Universidade Estadual
do Ceará, 2000. Disponível em: <http://www.psicopedagogia.com.br/
artigos/artigo.asp?entrID=241>. Acesso em: jan. 2007.

O PERCURSO METODOLÓGICO PARA COMPREENSÃO DA CLASSE HOSPITALAR:


A PRODUÇÃO E ANÁLISE DAS SIGNIFICAÇÕES DOS PROFESSORES DE 197
UM HOSPITAL INFANTIL DA REDE PÚBLICA
METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO:
UM CAMINHAR COM INTERROGAÇÕES
E DESAFIOS

Georgina Quaresma Lustosa


Maria Teresa Ribeiro Pessoa

Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar


uma alma humana, seja apenas outra alma humana.

Carl Jung (1968).

R
efletimos bastante sobre como começar a delinear a
trajetória metodológica deste estudo de tese sobre as
histórias de vida de professores formadores. Tivemos uma
infinidade de pensamentos e de ideias sobre como seria o começo desta
caminhada metodológica. Começar é sempre difícil! Começar causa medo,
insegurança, dúvidas, incertezas e alguns caminhos. Mas que caminho
seguir? Não necessariamente temos que saber o caminho, mesmo porque
não existe o caminho, mas caminhos uma pluralidade deles e alguns
desconhecidos. Contudo, é necessário escolher algum. E escolher é sempre
um risco, um desafio. E recorremos a Castaneda (1994, p. 67) quando diz:

Olhe cada caminho com cuidado e atenção. Tente-o tantas vezes


quantas julgar necessárias. Então, faça a si mesmo uma pergunta:
Possui este caminho um coração? Em caso afirmativo o caminho é
bom, caso contrário, esse caminho não possui importância alguma.

METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO: UM CAMINHAR 199


COM INTERROGAÇÕES E DESAFIOS
O risco que estamos correndo é escolher o caminho metodológico de
pesquisar com os sentidos da sensibilidade que “toca a alma humana” com
os seus conflitos, contradições e implicações no ritmo do existir humano.
Este caminho, acreditamos, possui um coração, porque procuramos
conhecer as teorias e as técnicas dos modos de pensar, ser e fazer em
pesquisa com linguagem prenhe de intensidades dos fenômenos humanos,
compreendendo que estes fenômenos são constituídos de heterogeneidades,
de ambiguidades e paradoxos peculiares à existência humana.
Morin e colaboradores (2004, p. 16) compreendem “o método como
caminho, como atividade pensante do sujeito vivo, não abstrato. Um sujeito
capaz de aprender, de inventar e de criar sobre e durante o seu caminho”.
Diante das considerações de Morin, torna-se mais fácil delinear algumas
linhas sobre a forma de fazer pesquisa com a alma. Somos sujeitos vivos e
concretos, capazes de aprender, de inventar e de criar. Capazes, portanto,
de buscar caminhos metodológicos de pesquisar tocando a alma humana
com aceitação das interrogações e desafios postos pela investigação-
formação com as histórias de vida. Trata-se muito concretamente, como
assinala Morin (2004, p. 11) “de um método de aprendizagem na errância
e na incerteza humana”.
Buscamos, portanto, nesta investigação, aprender na “errância e
na incerteza humana”. Compreendemos que o pesquisador deve aceitar
que a errância e a incerteza o torna aberto e vulnerável a dúvida e que,
portanto, o desafia a interrogar-se. O desafia a experimentar novas ideias
numa cultura em que os erros devem ser vistos como “caminhos para a
aprendizagem” como nos fala Hargreaves (1998, p. 26). Numa cultura
de pesquisa onde os aprendentes (atores da investigação) possam errar e
buscar acertar despertando a curiosidade e o gosto de aprender a ser e a
tornar-se professor pesquisador.
O pesquisador deve ser um sujeito flexível, compreensivo e humilde
ao tocar a alma humana, também humilde no trato com os seus erros,
reconhecendo as suas limitações e as limitações dos sujeitos/atores da
investigação. Como sugere Botter, “a humildade, em que se reconhece
a falibilidade pessoal não como falha, mas como uma condição do ser
humano” (Botter, 1996, cit. por Day, 2004, p. 54). Somos assim, sujeitos
errantes na busca de aprender acertar e nos tornar melhores em nossa
condição de ser inacabado.

200  Georgina Quaresma Lustosa • Maria Teresa Ribeiro Pessoa


Metodologia de investigação

A construção de uma investigação científica implica necessariamente


uma escolha metodológica e epistemológica do caminho a percorrer, do
como pensar e fazer a investigação, assim como, o modo de abordar a
temática, como conceber a investigação. Este momento do estudo traz à
luz os motivos pela escolha da metodologia e epistemologia adotadas neste
fazer e ser da investigação. Tentamos também buscar a coerência entre o
objeto do estudo que definimos com a seguinte interrogação: Como e
quando, ao longo da trajetória profissional, os formadores de professores
da Universidade Federal do Piauí e da Universidade de Coimbra vão
ressignificando o ser e o tornar-se professor?
A proposta metodológica adotada assentou na abordagem
qualitativa, por viabilizar de forma mais inteira a compreensão de como
pensar e fazer pesquisa. A escolha da abordagem qualitativa foi determinante
para compreender o objeto proposto e os caminhos desta investigação.
Considerando que a pesquisa qualitativa, conforme o pensamento de
alguns autores com os quais vamos dialogar em seguida, expressa o
procedimento que nos leva a busca de pistas para as suas indagações a
respeito da história de vida dos professores. Como postulam os autores
Bogdan e Biklen (1994, p. 51):

Os investigadores qualitativos em educação estão continuamente


a questionar os sujeitos de investigação, com o objeto de perceber
aquilo que eles experimentam, o modo como eles interpretam as
suas experiências e o modo como eles próprios estruturam o mundo
social em que vivem.

O pensamento destes autores fortalece o nosso interesse pela


compreensão das ações e sentimentos vividos pelos seres humanos, no caso,
os formadores de professores, a partir de suas experiências, de suas histórias
de vida, dos significados que atribuem às coisas, à vida, à profissão, à
educação, aos outros, enfim, tudo que os cercam no seu contexto histórico.
Aqui, neste estudo, buscamos especificamente, compreender como e
quando ao longo da trajetória profissional, os professores formadores de
professores estão ressignificando o ser e o tornar-se professores.
Sabemos que investigar no âmbito da educação não é uma tarefa
de fácil execução, considerando a especificidade do fenômeno educativo.

METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO: UM CAMINHAR 201


COM INTERROGAÇÕES E DESAFIOS
A educação é a ciência do humano e isso acarreta variados sentidos e
significados complexos. A reflexão sobre a problemática epistemológica das
ciências da educação nos sugere tomar como ponto de partida uma questão
colocada por Boavida e Amado (2008, p. 79): “é possível fazer ciência do
humano”? Nós, fundamentados em Jung (1978), acrescentaríamos outra
indagação: é possível fazer pesquisa tocando a alma humana?
Abordar o humano enquanto objeto de investigação científica nos
faz refletir sobre os princípios lógicos das metodologias que sustentam os
pilares da ciência tal como foi pensada no decorrer do século XIX e parte
do século XX, ou seja, “objetivas, rigorosas, matematizáveis e universais”
como expressam Boavida e Amado (2008, p. 79). É difícil compreender o
possível enquadramento das ciências do humano com o rigor metodológico
exigido pelas ciências objetivas, rigorosas e matematizáveis, como foram
concebidas.
No que concerne à investigação qualitativa, Amado (2013) realça
que se trata de uma modalidade de investigação que exige características
especificas do investigador, nomeadamente a capacidade de empatia
com os sujeitos atores da investigação. Barbier (1998, p. 59) amplia esta
perspectiva dizendo que as ciências humanas não podem prescindir do que
ele denomina de “escuta sensível”, que não é um simples escutar, mas ter
o pesquisador a capacidade de “[...] sentir o universo afetivo, imaginário
e cognitivo do outro para compreender do interior as atitudes e os
comportamentos, o sistema de ideias, de valores, de símbolos e de mitos”.
Isso significa a necessidade de o pesquisador abrir sua alma ao
outro, comunicar seus sentimentos, emoções, dúvidas e interrogações.
Mas, essa comunicação deve passar por uma escuta sensível que não cabe
julgamento, não mede, não compara e não censura.
A abordagem qualitativa de pesquisa na concepção de Lüdke e André
(1996, p. 66) tem despertado atenção especial na literatura das ciências
humanas e sociais. Inúmeras são as vantagens do uso de dados qualitativos
na pesquisa de cunho educacional. Podemos apontar, segundo as autoras,
“que os dados qualitativos permitem apreender o caráter complexo e
multidimensional dos fenômenos humanos em sua manifestação natural”.
E esses dados, conforme pensam as autoras, buscam também os diversos
significados das experiências vividas, auxiliando na compreensão das
relações entre os sujeitos atores em seus contextos e ações.

202  Georgina Quaresma Lustosa • Maria Teresa Ribeiro Pessoa


O que é central nesta abordagem de investigação pensada pelos
autores supracitados é a preocupação com o processo, a compreensão das
intenções, significações, perspectivas e sentimentos que os seres humanos
colocam em suas ações em relação aos outros e com os contextos em que
vivem, trabalham e sonham.
Desse modo, o investigador deve compreender o que na realidade
faz sentido para os sujeitos em suas experiências de vida, nas dinâmicas
subjetivas da sociedade e da cultura. Compreender as realidades complexas
e múltiplas a partir das perspectivas dos participantes, e dele mesmo,
enquanto investigador e construtor do mundo por ele estudado e vivido.
No pensamento de Minayo (2008, p. 54) a pesquisa qualitativa vem
explicitar que sua preocupação nas ciências humanas e sociais é com o
nível de realidade que não pode ser quantificado em consequência do seu
universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, “o
que corresponde a um espaço mais profundo das relações com os processos
e com os fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de
variáveis”.
Com as contribuições destes autores e outros, entendemos a
necessidade de fugir das linhas duras da linguagem formal, dos significados
estabelecidos pela ciência moderna e buscarmos a criação de novos modos
e territórios de expressão e possibilidades de fazer pesquisa em educação
tocando a alma no existir humano.
Com o referencial destes autores pensamos que o processo de
validação e credibilidade da pesquisa qualitativa nas ciências humanas
e sociais não está se construindo sem conflitos, críticas, divergências e
resistência de alguns setores das ciências lógico-formais. De certo modo é
compreensivo, considerando a tradição de nossa cultura ocidental, onde
este modelo foi instituindo processos civilizatórios de saber racional. A
respeito desta compreensão, Cassirer (1997, p. 25) destaca: “O pensamento
racional, lógico e metafísico só são capazes de compreender os objetos
que estão livres de contradição e que tenham uma natureza e uma verdade
coerentes. Contudo, é precisamente essa homogeneidade que nunca
encontramos no homem”.
Na cultura do existir humano é importante a presença da
racionalidade instrumental como senso que potencializa a criticidade
do pensamento, como capacidade de discernimento e das indagações
humanas. Mas, compreendemos a necessidade de uma razão como

METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO: UM CAMINHAR 203


COM INTERROGAÇÕES E DESAFIOS
possibilidade de dialogar com outras formas de conhecimento, de uma
razão que cria sentidos. Não precisamos de uma racionalidade desvinculada
da sensibilidade humana, como se fosse a única forma de conhecimento
verdadeiro. Dessa maneira a razão incide em processos que desqualificam
o poder criativo e a complexidade intensiva da inteireza humana.
Entendemos que a ciência moderna baseada nos pilares da
cientificidade instrumental ignora, nos processos de investigação em
educação, as sensações, os sentidos, as crenças, os valores, os sentimentos.
Ela separa a razão da sensibilidade, como se fosse possível separar a ação
do pensar e do sentir. Pensamos e sentimos que a ciência dogmatizada
nos últimos séculos, embasada em metodologias e técnicas positivo-
quantitativas rigorosas precisa ser descontruída. A nova ciência deve ser
construída sobre os pilares da competência instrumental e técnicas formais,
mas que a elas não se limite, porém se complete nos aspectos humanos,
seja uma ciência que toque a alma humana, de conteúdos políticos, sociais,
éticos e estéticos a serviço das pessoas, a serviço do ser, a serviço da vida.

O contexto e as questões da investigação

A investigação que realizamos, nesta tese de doutoramento,


realizada e defendida na Universidade de Coimbra – Portugal com o
título: Trajetórias Profissionais na Construção do Ser Professor: Histórias
de Vida de Formadores de Professores da Universidade Federal do Piauí
e da Universidade de Coimbra. Com a seguinte questão investigativa:
Como e quando, ao longo da trajetória profissional, os formadores de
professores da Universidade Federal do Piauí e da Universidade de Coimbra
vão ressignificando o ser e o tornar-se professor? Nosso interesse é, pois,
compreender como os formadores de professores no decorrer das suas
trajetórias profissionais e de vida vão ressignificando suas práticas docentes
o ser e o tornar-se professor.
Acreditamos que para o contexto das discussões atuais sobre a
formação de professores e práticas docentes, a realização deste estudo
se justifica diante da possibilidade de repensar o nosso trabalho como
formadores de professores e, de forma significativa, contribuir com as
discussões relativas à prática docente e à ressignificação do ser e o tornar-
se formadores de professores destas instituições supracitadas.

204  Georgina Quaresma Lustosa • Maria Teresa Ribeiro Pessoa


No decorrer de nossa trajetória acadêmica, sempre nos interessou
compreender como os formadores de professores, em seus percursos
formativos e trabalhos docentes, estão redimensionando suas práticas e
suas vivências docentes. Este interesse nos estimulou a escolha do tema,
a delimitação do objeto de estudo, a definição do contexto empírico, a
escolha dos sujeitos e da modalidade de investigação que desenvolvemos
neste estudo de doutoramento.
A atual sociedade da informação e do conhecimento nos coloca
frente ao desafio de problematizar questões relacionadas com a formação
de professores, com suas histórias de vida, suas trajetórias profissionais
e com os modos de ser e tornar-se professor. E este repensar passa pelo
reconhecimento de que o sujeito professor se constitui no interior de
sua história profissional e pessoal com todas as suas implicações e
dimensões humanas. Estabelecemos, portanto como objetivo do estudo:
Analisar experiências e vivências da trajetória profissional que promovem
nos formadores de professores da Universidade Federal do Piauí e da
Universidade de Coimbra a ressignificação de ser e tornar-se professor.
Partindo destas concepções e do objetivo do estudo, elencamos as
questões norteadoras da investigação, do material de base das entrevistas
e de todo processo de análise dos dados produzidos, tais como:

• Que episódios e vivências mais significativas das trajetórias


profissionais contribuem nas práticas docentes?
• Que fatores e dinâmicas provocam mudanças qualitativas na
trajetória profissional?
•  Quais os investimentos formativos foram realizados na perspectiva
de consolidar a ressignificação do saber, do saber- ser e do saber-
fazer?
•  Que sentimentos foram provocados pelas mudanças significativas
na trajetória profissional?

Os sujeitos do estudo: formadores de professores

Quanto aos sujeitos deste estudo somos 08 (oito)1 formadores


de professores tendo como contexto empírico os cursos de formação de

1 Informo que sou também sujeito de minha pesquisa. Minha implicação como
sujeito da pesquisa me levou a “automaiêutica implicacional” de Le Grand (1992).

METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO: UM CAMINHAR 205


COM INTERROGAÇÕES E DESAFIOS
professores da Universidade Federal do Piauí – Brasil e da Universidade de
Coimbra – Portugal. Os participantes da UFPI são 04 (quatro) formadores
de professores dos Cursos de Licenciaturas das áreas de Filosofia, Pedagogia
e Ciências Sociais com diferentes anos de experiências. Na Universidade de
Coimbra, também 04 (quatro) formadores de professores, 02 da Faculdade
de Letras, dos Cursos de História e Filosofia, e 01 (um) da Faculdade
de Ciências e Tecnologia do Departamento de Matemática; 01 (um) da
Faculdade de Ciências da Natureza do Departamento de Geologia, com
diferentes anos de experiências.
A seleção dos sujeitos/atores deu-se através da observação de alguns
critérios, primeiro que cada sujeito teria que ser formador de professores,
em segundo, e não menos importante, no que diz respeito à abertura
demonstrada pelos professores convidados no sentido de revelar as
particularidades de suas trajetórias profissionais e de vida, disponibilizando-
se a colaborar com a investigação. Na concepção de Minayo (2001, p. 18)
“A amostra ideal é aquela que reflete as múltiplas dimensões do objeto de
estudo”.
Com a autora temos o entendimento que na definição dos
participantes em uma investigação, é importante saber quais os atores
sociais têm uma vinculação mais significativa com o objeto investigado.
Pensando assim, fomos pesquisar quais os formadores de professores
da Universidade de Coimbra e da Universidade Federal do Piauí que
se disponibilizariam a colaborar com o nosso estudo e, juntos destes,
formulamos convites que prontamente foram aceitos.

Técnicas e instrumentos de produção de dados

Temos a consciência de que realizar investigação qualitativa não é


um fazer que se limite apenas à aplicação de uma técnica ou um conjunto
de técnicas. A investigação de natureza qualitativa carrega consigo uma
visão do mundo, dos sujeitos e da ciência, que influencia a escolha e está
presente na aplicação de qualquer técnica ou procedimento investigativo.
Pensando desta forma, dentre outras técnicas e procedimentos que
poderíamos trabalhar, particularmente, escolhemos a técnica da entrevista
autobiográfica para produzir os dados de nossa investigação. A técnica

Vejo-me implicada existencialmente como investigadora e pessoa que sente, pensa


e vive a docência e como a educação é pensada no meu país.

206  Georgina Quaresma Lustosa • Maria Teresa Ribeiro Pessoa


da entrevista, nas suas mais diversas modalidades é a técnica de produção
de dados mais utilizada no quadro das mais diversas formas de se pensar e
fazer investigação, principalmente, dentro da perspectiva de pesquisa com
histórias de vida desenvolvida neste estudo de doutoramento.
A entrevista autobiográfica é um instrumento básico para a produção
de dados, dentro da perspectiva de investigação com histórias de vida. Aliás,
a entrevista de maneira geral é uma das principais técnicas de trabalho em
quase todos os tipos de pesquisa utilizados em ciências humanas e sociais.
A entrevista desempenha importante papel, não apenas nas atividades
científicas, como em muitas outras atividades humanas.
A grande vantagem da entrevista sobre outras técnicas é que ela
ganha vida logo no inicio do diálogo entre o pesquisador e o entrevistado,
permitindo, assim, a produção imediata e corrente da informação desejada.
Conforme comentam Lüdke e André (1996, p. 35), há algumas exigências e
cuidados que devem ser observados no ato da efetivação da entrevista. Por
exemplo, deve haver um grande respeito do pesquisador pelo entrevistado,
pelo seu mundo, suas concepções e crenças. Desse modo, frisam as autoras,
“(...) ao lado do respeito pela cultura e pelos valores do entrevistado, o
entrevistador deve desenvolver uma grande capacidade de ouvir (...) e de
estimular o fluxo natural de informações”.
Entendemos que essa estimulação não deve forçar o rumo das
respostas para determinada direção. Deve apenas garantir um clima de
confiança, além de estabelecer uma situação em que o entrevistado se sinta
à vontade para expressar livremente os seus sonhos, angústias, insegurança,
medos, desejos, enfim, contar sua história de vida de forma livre e confiante.
Em relação à concepção teórico-metodológica das entrevistas
autobiográficas conforme Bolívar (2002) é uma investigação que vem se
instituindo numa perspectiva especifica de investigação educacional na
metodologia qualitativa. E esta maneira de investigar altera a forma de se
entender o conhecimento em ciências humanas e sociais. As entrevistas
autobiográficas, além de instrumentos teórico-metodológicos, revelam-se
como uma abordagem de pesquisa importante que possibilita a inclusão
no processo de formação, da voz do professor, de sua história pessoal e
profissional, como elementos de conhecimento capazes de contribuir para
um redirecionamento da formação do ser e tornar-se professor.
As entrevistas autobiográficas nos fornecem narrativas de vida
que constituem significados que estruturam formas visiveis e invisiveis de

METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO: UM CAMINHAR 207


COM INTERROGAÇÕES E DESAFIOS
representar o mundo e compartilhar a realidade social, compartilhar ao
mesmo tempo, sonhos, desejos e sonhos. Sendo assim, os professores,
através de suas vozes e pelo exercicio de ver, rever, dizer e narrar fragmentos
de suas vidas e suas práticas profissionais, ressignificam experiências a
partir de outras formas de ler, pensar e teorizar o vivido.
E este movimento da entrevista autobiográfica, da leitura e releitura
do vivido, passa por um exercicio autopoiético que se caracteriza do ponto
de vista da formação, conforme Dominicê (2010, p. 146), “como um
processo de apropriação de cada um do seu próprio poder de formação”.
Assim, entendemos que narrar às histórias de vida promove ao professor
sistematizar ideias e reconstruir experiências, abrir espaços para uma
autoanálise e criar bases para compreensão do seu próprio processo
formativo.
Neste estudo, juntamente com Amado (2013), Minayo (2008),
Bolívar (2002) e outros, estamos entendendo a entrevista autobiográfica
como uma conversa intencional entre dois interlocutores. Uma conversa
guiada por questões específicas, mas que oferece ao sujeito entrevistado
condição de construir o seu conteúdo, contar a sua história de forma
livre e aberta. Trabalhamos com esquemas livres, menos estruturados,
facultando-nos a possibilidade de compreender o modo de cada sujeito/
ator da investigação olhar para o mundo, para a sua trajetória profissional
e sua história de vida.

Caminhos metodológicos: produção de dados com as entrevistas

A realização das entrevistas foi o momento mais próximo e mais rico


que tivemos com os sujeitos/atores da investigação. Agendamos datas com
cada um, respeitando os seus horários disponíveis e todas as entrevistas
foram realizadas em seus gabinetes nas próprias universidades. Local
escolhido pelos próprios professores, sugestão que foi aceita por nós, por
entendermos que naquele local eles se sentiriam mais à vontade, por ser seu
ambiente natural de trabalho. Com Ruquoy (1997, p. 102) entendemos que
“expor a sua vida implica desgastes emocionais que podem ser agravados se
o espaço em que é feito oferecer alguns constrangimentos”.
No momento de cada entrevista, tivemos o cuidado de conversar
com cada sujeito/ator, fornecendo uma explicação geral da natureza
e objetivos do estudo, informando que o registro da entrevista seria

208  Georgina Quaresma Lustosa • Maria Teresa Ribeiro Pessoa


gravado com a finalidade de ser utilizado em nosso trabalho. Facultamos,
portanto, aos sujeitos/atores a opção de aceitar ou não que gravássemos
suas falas em áudio. Não houve recusa, desconfiança ou outra atitude
de constrangimento. Pelo contrário, apesar do acúmulo de trabalho de
cada professor, houve interesse e disponibilidade para estarmos juntos na
realização/gravação das entrevistas. Informamos, ainda, a possibilidade
da identificação através de nomes fictícios no sentido de preservar suas
identidades. Mas, alguns deles quiseram o seu próprio nome revelado nas
entrevistas, outros, porém, fizeram opção por pseudônimos no sentido de
preservar o seu anonimato.
Realizamos as entrevistas com duração aproximada entre 60 a 120
minutos. Posteriormente, todas elas foram transcritas na íntegra produzindo
dossiês individuais. Em seguida, enviados para cada colaborador olhar,
fazer leituras, corrigir, cortar ou acrescentar alguma coisa, enfim, para
efetiva validação. As entrevistas foram dirigidas de modo a estabelecer
a máxima espontaneidade, permitindo pacientemente o caminhar da
conversa e tratando com atenção os espaços de silêncio. No percurso das
entrevistas o interesse maior era alcançar o pensamento dos professores, a
maneira como eles veem a si próprio e ao mundo, bem como o significado
que atribuem às suas experiências e a vida.
Em alguns momentos, no decorrer das entrevistas, surgiram à
liberação de sentimentos em forma de confidência. São relatos emocionados
que fornecem material extremamente rico para a análise. Nestes casos, é
importante deixar a pessoa falar, se expressar calmamente, pois poderá,
em alguns momentos, deflagrar choro, o que é perfeitamente normal,
considerando que nós, enquanto profissionais da educação convivemos
com sentimentos, afetos pessoais, fragilidades e subjetividades humanas.

Tratamento dos dados: a análise de conteúdo das entrevistas

Que caminhos seguir no movimento de análise e interpretação


dos dados produzidos em entrevistas autobiográficas? Começamos pelo
processo de realização e transcrição das entrevistas, organização das
narrativas dos sujeitos através de leituras e releituras atentas de todo o
corpus de entrevistas e seguido parâmetros fundamentados em autores como
Bardin (2008), Esteves (2002), Guerra (2010), Poirier (1999) e outros,
fomos evidenciando as categorias e subcategorias do estudo surgidas no

METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO: UM CAMINHAR 209


COM INTERROGAÇÕES E DESAFIOS
decorrer do processo da investigação do contexto empírico anteriormente
explicitado.
Nossa intenção é fornecer indicações práticas do modo que fomos
efetuando a análise e interpretação do corpus de dados produzidos através
das entrevistas por nós realizadas. Trata-se, portanto de apresentarmos
instrumentos de análise que permita efetuar as operações destinadas à
interpretação de um corpus de dados recheados de informações singulares e
diversificadas. O problema maior desta questão, no nosso entendimento,
reside precisamente em dar sentido a este conjunto de dados singular
e multiforme sem reduzir a riqueza das significações das narrativas
autobiográficas dos sujeitos.
Para efetivação da análise do corpus de dados de nossas entrevistas
tomamos como referencial as técnicas de análise de conteúdo numa
abordagem qualitativa, considerando o conceito de Bardin (2008, p. 40), “a
análise de conteúdo é um conjunto de técnicas de análise das comunicações
que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo
das mensagens”. Este conceito nos leva a refletir sobre os procedimentos
“objetivos” assinalados pela autora. Será que os procedimentos objetivos
não vão negar ou subestimar as riquezas das significações das falas dos
sujeitos?
Mas, a autora (2008, p. 38) acrescenta ao seu conceito que “(...)
o interesse da análise de conteúdo não reside na descrição objetiva dos
conteúdos, mas sim no que estes nos poderão ensinar após serem tratados”.
Assim, fica explicitado que a análise de conteúdo, conforme a autora,
embora a descrição seja parte integrante e indispensável do processo de
análise, o interesse não se reduz à mera descrição do conteúdo de forma
objetiva, mas na compreensão a partir das falas dos sujeitos como são em
sua existencialidade.
Nesta mesma linha de pensamento Poirier (1999, p. 111) teoriza sobre
a superação dos pressupostos de objetividade e de verificação de hipóteses
no trabalho com histórias de vida considerando que “as histórias de vida
não constituem de modo algum, um inquérito, não visam nem estabelecer
leis, nem hipóteses; têm por função recolher testemunhos, elucidá-los e
descrever acontecimentos vividos”.
É com o pensamento de Bardin (2008), Poirier (1999) e outros, que
queremos descrever, analisar e interpretar os acontecimentos vividos pelos
sujeitos parceiros deste estudo. Assim, podemos entender a dialogicidade

210  Georgina Quaresma Lustosa • Maria Teresa Ribeiro Pessoa


da investigação e da experiência formativa nos espaços de trocas, no valor
das interações e intersubjetividades das narrativas dos sujeitos que ganham
diferentes contornos e dimensões no percurso da investigação.
Neste sentido, a análise de conteúdo que efetuamos é uma análise
aberta, não partiu de estruturas de produção de dados fixadas a priori.
A análise e a interpretação dos dados põem em evidência os fenômenos
que são constituídos de heterogeneidades e ambiguidades constantes nas
dimensões das histórias de vida. Como compreende Ghiglione e Matalon
(2008, p. 3) de que “não se trata de uma prática teórica e/ou técnica fechada
sobre si mesma, mas um momento da pesquisa social que a determina”.
A análise de conteúdo, como entendemos, pressupõe a realização de
inferências pelo investigador, inferências essas que possam ser questionadas,
contrariadas por outros procedimentos de produção e tratamento de
dados. O importante é que o investigador tenha acesso a intervir com
sentido no texto, ou conjunto de textos, sem a preocupação primeira com
o estatuto da objetividade na investigação.
Pensamos como Esteves (2002, p. 108) que “a objetividade não pode
ser entendida como uma característica geral e abstrata”. A investigação
com histórias de vida é um processo complexo e reflexivo para ser analisado
sob a visão objetivista oferecendo resultados frios e neutros, com as vozes
dos protagonistas (investigador e investigados) que aparecem silenciadas
numa mera transcrição de dados. Toda análise de conteúdo decorre de um
material humano, caso contrário, seria um exercício sem sentido.
A análise de conteúdo começa por um trabalho de ordenamento do
material produzido (no nosso caso através das entrevistas autobiográficas).
A história de vida de cada sujeito deve ser cuidadosamente classificada e
organizada, de maneira a não perdermos as informações significativas ao
longo da análise e interpretação dos dados.
O que compreendemos com Poirier (1999) é uma proposta de análise
diferenciada, autônoma e própria de narrativas de vida. Considerando a
evidência que as narrativas têm como resultado um relatório descritivo,
portanto, devem ser mantidas as vozes dos atores da investigação,
não impondo análises com cunho meramente objetivo em narrativas
humanamente construídas no sentir, pensar e agir da realidade dos sujeitos.
Consideramos, portanto, as histórias de formadores de professores
como construções sociais, dando um significado específico para os fatos
e, como tal devem ser analisadas de forma autônoma e humana. Com

METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO: UM CAMINHAR 211


COM INTERROGAÇÕES E DESAFIOS
a confiança que a possibilidade de termos acesso ao modo como cada
professor vive, trabalha, sonha e se forma é termos em conta a singularidade
de sua história e, sobretudo, a maneira como age, reage e interagem com os
seus textos e contextos. Gostaríamos de pontuar que, infelizmente, o espaço
deste texto nos limita prosseguimos na expansão e análise das ferramentas
utilizadas no dimensionamento categorial da pesquisa.

Referências

AMADO, J. (Ed.). Manual de investigação qualitativa em educação.


Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2013.

BOAVIDA, J; AMADO, J. Ciências da educação – Epistemologia,


Identidade e Perspectivas. Coimbra: Imprensa da Universidade de
Coimbra, 2008.

BARBIER, R. A pesquisa-ação. Brasília: UNB, 1998.

BOGDAN, R.; BIKLEN, S. (1994). Investigação qualitativa em educação.


Uma introdução à teoria e aos métodos. Porto: Porto Editora, 1994.

BOLIVAR, A. “Denobis ipsis silemus”? Epistemologia de la investigación


biográfico-narrativa em educación. Revista Eletrônica de Investigación
Educativa, 4 (1). 2002. Disponível em: http://redie.uabc.max/vol4no1/
contenido-bolivar.html. Acesso em: 23 de jun. 2014.

BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2008.

CASSIRER, E. Ensaio sobre o homem: introdução a uma filosofia da


cultura humana. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

CASTANEDA, C. A arte de sonhar. Rio de Janeiro: Record, 1994.

DAY, C. A paixão pelo ensino. Porto: Porto Editora, 2004.

212  Georgina Quaresma Lustosa • Maria Teresa Ribeiro Pessoa


DOMINICÊ, P. A biografia educativa: instrumento de investigação para a
educação de adultos. In A. Nóvoa & M. Finger (Eds.) (2010), O método
(auto) biográfico e formação. São Paulo: Paulus, 2010, P. 143-153.

ESTEVES, M. M. A investigação enquanto estratégia de formação de


professores. Um estudo. Lisboa: IIE, 2002.

GHIGLIONE, R.; MATALON, B. O inquérito: teoria e prática. Oeiras:


Celta, 1992.

GUERRA, I. C. Pesquisa qualitativa e análise de conteúdo – sentidos e


formas de uso. Cascais: Princípia, 2010.

HARGREAVES, A. Os professores em tempos de mudança: trabalho e


cultura dos professores na idade moderna. Lisboa: Mc Graw-Hill, 1998.

HARGREAVES, A. O ensino na sociedade do conhecimento: educação na


era da insegurança. Porto Alegre: Artmed, 2004.

JUNG, C. Memórias, sonhos, reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,


1978.

LÜDKE, M.; ANDRÉ, M.E.D. Pesquisa em educação: Abordagens


qualitativas. São Paulo: EPU, 1996.

MINAYO, M. C. S. Pesquisa social: teoria, método e criatividade.


Petrópolis/RJ: Vozes, 2001.

MINAYO, M.C.S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em


saúde. São Paulo: HUCITEC, 2008.

MORIN, E.; MOTTA, R.; CIURANA, E. R. Educar para a era planetária:


o pensamento complexo como método de aprendizagem no erro e na
incerteza humanos. Lisboa: Instituto Piaget, 2004.

POIRIER, J. Histórias de vida: teoria e prática. Lisboa: Celta, 1999.

METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO: UM CAMINHAR 213


COM INTERROGAÇÕES E DESAFIOS
RUQUOY, D. Situação de entrevista e estratégia do entrevistador. In:
AIBARELLO, L.; CRISTIAN, M.; D. FRANÇOISE, D.; H. JEAN-PIERRE H.;
SAINT-GEORGES, P. Práticas e métodos de investigação em Ciências
Sociais. Lisboa: Gradiva, 1997, p. 84-116.

214  Georgina Quaresma Lustosa • Maria Teresa Ribeiro Pessoa


O MOVIMENTO METODOLÓGICO DA ANÁLISE
DE CONTEÚDO NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO:
COMPREENDENDO A EVASÃO E PERMANÊNCIA
NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

Micksilane Teixeira Prado Chaves


Sheila Cristina Furtado Sales

Introdução

A
realização de uma pesquisa surge muitas vezes pela
necessidade de se conhecer algo ou até mesmo do desejo de
adquirir o conhecimento com vistas a fazer algo de maneira
mais eficiente ou eficaz (GIL, 2010), todavia nem sempre o pesquisador
consegue alcançar os objetivos almejados, apresenta dificuldade em delinear
um percurso teórico- metodológico que tenha relação com o objeto em
estudo e que responda aos questionamentos propostos na pesquisa. Nesse
universo surgiu a seguinte questão problema: Qual a relação entre o dispositivo
analítico e o objeto da investigação numa pesquisa em educação?
Para responder esta questão o presente estudo objetivou analisar
a relação do dispositivo analítico com o objeto da investigação numa
pesquisa em educação.
O trabalho que ora se apresenta se fundamentou na dissertação de
mestrado em educação intitulada “Evasão e Permanência na Educação de
Jovens e Adultos: um estudo no distrito rural de São Sebastião-Vitória da

O MOVIMENTO METODOLÓGICO DA ANÁLISE DE CONTEÚDO NA PESQUISA


EM EDUCAÇÃO: COMPREENDENDO A EVASÃO E PERMANÊNCIA NA EDUCAÇÃO 215
DE JOVENS E ADULTOS
Conquista – BA”, defendida pela Universidade Estadual do Sudoeste da
Bahia (UESB), com a orientação da Profa. Dra. Sheila Cristina Furtado
Sales, no ano de 2017.
A obra apresentou como objeto de estudo a evasão e permanência
escolar nas turmas da EJA do Segmento I no Distrito de São Sebastião de
2013 até 2016. Para tanto, foi proposto como objetivo geral: compreender
as causas da evasão escolar e da permanência do jovem e do adulto
nas turmas da EJA Segmento I no Distrito de São Sebastião, Vitória da
Conquista- Bahia, de 2013 até 2016. Para desenvolver o trabalho foi
empregado o método materialismo histórico-dialético e realizada uma
pesquisa qualitativa documental e de campo, com realização de entrevistas
com 16 (dezesseis) discentes entre evadidos e permanentes e com 02 (dois)
docentes e empreendida a análise de conteúdo.
Na dissertação foram usadas obras de autores, como: Bardin (2011),
Bauer e Gaskell (2003), GIL, (2010), Konder (2008), Lombardi (2006),
Lessa e Tonet (2011), Ludke e André (1986), Marx (1985), Marx e Engels
(1998), Richardson (2012), Triviños (1987); que possibilitaram delinear o
percurso teórico- metodológico a ser adotado para alcançar os objetivos
propostos e responder a questão problema da pesquisa.
O presente estudo se propõe a abrir discussões sobre a relação do
dispositivo analítico com o objeto da investigação numa pesquisa em
educação, levando em consideração as vivências e experiências de uma
pesquisadora, o processo metodológico empreendido numa pesquisa
de mestrado, teorias e conhecimentos produzidos sobre essa temática,
como eixo de sustentação argumentativa das analises. Para tanto, foi
utilizada a pesquisa qualitativa que possibilita a compreensão detalhada
de significados e de características situacionais retratadas (RICHARDSON,
2012).
Como informações específicas do objeto de estudo, foram analisadas
obras de autores, como: Demo (1995), Gamboa (2012), Gil (2010),
Marconi e Lakatos (2003), Triviños (1987), a fim de possibilitar a analise
da relação do dispositivo analítico com o objeto da investigação numa
pesquisa em educação.
Neste capítulo são apresentadas algumas reflexões de uma
pesquisadora em relação ao percurso teórico-metodológico adotado
em sua pesquisa de mestrado, dispositivos de análise de informações

216  Micksilane Teixeira Prado Chaves • Sheila Cristina Furtado Sales


empreendidos no trabalho e a relação teoria e prática do dispositivo
analítico com o objeto da investigação numa pesquisa em educação.

Algumas reflexões sobre percurso teórico-metodológico

A minha experiência como pesquisadora começa a se efetivar de


fato em março de 2016 quando ingressei no programa de Pós- graduação
da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), para iniciar o
Mestrado em Educação. Tinha interesse em ser especialista na Educação
de Jovens e Adultos (EJA), fui orientada pela Professora Dra. Sheila Cristina
Furtado Sales. A partir de então passei a vivenciar situações desconhecidas,
saí da minha zona de conforto que era a sala de aula, para adentrar num
mundo desconhecido, o de pesquisadora, durante o curso enfrentei muitos
desafios para que fosse possível efetivar a minha pesquisa; foram necessárias
muitas leituras e o delineamento de qual seria o objeto a ser pesquisado.
Inicialmente passei a cursar a disciplina “Seminário de Dissertação”,
a qual foi imprescindível para que entendesse como deveria ser organizado
um projeto. Analisei projetos de colegas, passando a perceber pontos
necessários para estruturação de um projeto consistente e viável; realizei
a leitura de obras de diversos autores que tratavam sobre metodologia da
pesquisa científica e assim passei a ter uma visão mais ampliada sobre a
pesquisa científica. Conforme Lakatos e Marconi (2003, p.17):

A leitura constitui-se em fator decisivo de estudo, pois propicia a


ampliação de conhecimentos, a obtenção de informações básicas
ou específicas, a abertura de novos horizontes para a mente, a
sistematização do pensamento, o enriquecimento de vocabulário e o
melhor entendimento do conteúdo das obras.

Quando cursava esta disciplina fui solicitada a realizar um estudo


da produção do conhecimento sobre EJA do Campo, especificamente do
objeto em estudo que era a evasão e permanência escolar, foi realizado um
mapeamento das publicações científicas teses e dissertações defendidas
em programas de pós-graduação em educação e áreas afins que tratassem
sobre a temática. Esses trabalhos estavam disponibilizados no Banco de
Teses e Dissertações da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações
do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT) do
período de 2010 até 2015.

O MOVIMENTO METODOLÓGICO DA ANÁLISE DE CONTEÚDO NA PESQUISA


EM EDUCAÇÃO: COMPREENDENDO A EVASÃO E PERMANÊNCIA NA EDUCAÇÃO 217
DE JOVENS E ADULTOS
A pesquisa realizada no IBICT agregou uma variedade de informações
sobre a Educação de Jovens e Adultos do Campo, especificamente sobre o
objeto evasão e permanência escolar. Por meio do levantamento verificou-
se a necessidade de realização de pesquisas que tratavam da temática,
pois em nenhuma das produções consideradas se estudou a evasão e a
permanência escolar na EJA do Campo. Conclui que a pesquisa pretendida
era relevante, já que se fazia necessário a realização de estudos e discussões
sobre a temática.
Nesse momento como o objeto já estava delimitado foi necessário
estruturar o caminho a ser percorrido para realizar o estudo. Assim,
como estava cursando a disciplina “Pesquisa em Educação”, foi possível
uma reflexão sobre o que seria método. No primeiro momento me senti
totalmente confusa sobre qual método seria adequado ao trabalho. Vivi
momentos de tensão, mas quando entendo que o método precisava estar
alinhado com o objeto em estudo e passo a realizar as leituras de obras
sugeridas pelos professores da disciplina e por minha orientadora, tais
como a de: Lombardi (2006), Ludke e André (1986), Marx (1985), Marx e
Engels (1998), Richardson (2012), Triviños (1987); é que começo a entender
qual método deveria ser usado na pesquisa.
Percebi que para alcançar os objetivos propostos seria necessário
empregar o método do materialismo histórico-dialético e realizar uma
pesquisa qualitativa documental e de campo.
Inicialmente fiz uma seleção de documentos que tratavam sobre as
políticas educacionais brasileiras em nível nacional e municipal (Vitória da
Conquista) para EJA do campo. Posteriormente realizei um levantamento
nos documentos da secretaria da escola em estudo (cadernetas e pastas dos
alunos) em relação a evadidos e permanentes na EJA Segmento I de 2013
até 2016. Assim, estabeleci uma amostra de 10% sobre o total em cada
ano, considerando uma aproximação para o maior número de sujeitos.
Perfazendo um total de 16 (dezesseis) alunos a serem entrevistados.
Após o levantamento dos discentes a serem entrevistados, realizei
a dos docentes, levando em consideração à atuação nas turmas da EJA
Segmento I do Distrito de São Sebastião de 2013 até 2016, um total de 02
(dois) professores.
Elaborei um roteiro para entrevista com os alunos permanentes,
outro para os evadidos e um roteiro de entrevista para os docentes da
EJA Segmento I. Em seguida iniciei a pesquisa de campo com educandos

218  Micksilane Teixeira Prado Chaves • Sheila Cristina Furtado Sales


e professores. Para realização da entrevista com os discentes foi necessário
ir várias vezes até a localidade onde moravam, visto que nem sempre era
possível estabelecer contato com os mesmos; Já com os docentes consegui
marcar um horário por telefone. As entrevistas foram gravadas para que
nenhuma informação fosse desconsiderada e posteriormente foram
realizadas as transcrições das falas.
Cada etapa delineada e proposta no percurso teórico- metodológico
foi necessária para responder a questão problema e de alcançar os
objetivos propostos na pesquisa do mestrado. Caminho cheio de percalços
e redefinições no qual a todo o momento era necessário trazer o objeto do
estudo para o centro das discussões.

Dispositivo analítico empreendido na pesquisa em educação



Na pesquisa de mestrado intitulada “Evasão e Permanência na
Educação de Jovens e Adultos: um estudo no distrito rural de São Sebastião-
Vitória da Conquista – BA” foi empregada a análise de conteúdo, porque se
utiliza de material de qualquer comunicação, habitualmente documentos,
periódicos, entre outros, para se realizar estudos comparativos. De maneira
geral descreve o texto segundo a forma e o fundo. Para analisar a forma
estuda os símbolos empregados e a freqüência em que aparecem, no caso
dos temas se faz necessário interpretar frases classificando em categorias.
Na análise de fundo estuda as referências dos símbolos, tendência do
conteúdo e verifica a adequação da comunicação (RICHARDSON, 2012).
Para a análise das informações obtidas na pesquisa foi necessário
tomar como referência Bardin (2011). De acordo com esse autor “As
diferentes fases da análise de conteúdo, tal como o inquérito sociológico
ou a experimentação organizam-se em torno de três pólos cronológicos: 1)
a pré- análise; 2) a exploração do material; 3) o tratamento dos resultados,
a inferência e a interpretação” (BARDIN, 2011, p. 125):
Ainda conforme Bardin (2011) a pré-análise é a fase de organização,
período de intuições, todavia com o objetivo de tornar operacionais e
sistematizadas as ideias iniciais, a fim de conduzir para um esquema
preciso do desenvolvimento das operações seguintes, num plano de
análise. A exploração do material consiste em operações de codificação,
decomposição ou enumeração, em função de regras previamente
formuladas. Na pesquisa do mestrado as informações foram tratadas de

O MOVIMENTO METODOLÓGICO DA ANÁLISE DE CONTEÚDO NA PESQUISA


EM EDUCAÇÃO: COMPREENDENDO A EVASÃO E PERMANÊNCIA NA EDUCAÇÃO 219
DE JOVENS E ADULTOS
maneira a se tornarem significativas e válidas e empreendida a análise
categorial das informações obtidas nas entrevistas, pois a mesma funciona
em operações de desmembramento do texto em unidades e categorias de
reagrupamentos analógicos.
Para obtenção de uma base de informações sobre evasão e
permanência escolar dos educandos da escola pesquisada foram usados
documentos da secretaria da escola, cadernetas de 2013 até 2016 e pasta
dos alunos matriculados nesses anos. Foram elaborados gráficos que
possibilitaram obter informações iniciais que permitissem caracterizar o
estudante que evade e permanece na EJA Segmento I dessa Escola. Além de
possibilitar a obtenção de informações pertinentes para o estabelecimento
de contato com os sujeitos (CHAVES, 2017).
No estudo foi necessário traçar um perfil do aluno que evade e
permanece na EJA, a partir das informações colhidas nas entrevistas em
relação (sexo, idade, estado civil, escolaridade, renda familiar).
Foram exploradas as informações referentes à entrevista com
evadidos e permanentes levado-se em consideração questões referentes
à: escola (quando começou estudar, fatos marcantes que ocorreram na
escola, relação com os professores); infância (onde e com quem morava,
o que gostava de fazer e de estudar), o trabalho (quando começou a
trabalhar e qual trabalho realizava, trabalho atual e em que gostaria de
trabalhar) e o colégio da EJA Segmento I (como eram as salas de aula, os
banheiros, o pátio, os livros, a merenda, o transporte escolar e o que achava
dos professores e das aulas; o que mais gostava no colégio, melhorarias
necessárias, o que fez sair ou permanecer na escola, se tinha pretensão de
retornar aos estudos ou de dar continuidade aos estudos.
Com relação às informações relatadas pelos docentes da EJA
Segmento I levou-se em consideração: formação básica (aspectos
positivos, o que precisa melhorar nos cursos de formação de professores
para Educação Básica, se aconteciam discussões sobre a EJA do campo),
formação continuada (cursos realizados), trabalho (após a formação onde
trabalhou, motivo que levou ao ingresso na Educação de Jovens e Adultos
do Campo e como foi a experiência de trabalhar na EJA do Campo), outra
questão foi a EJA ( se já houve participação em curso específico para EJA,
quando aconteceu e como foi a experiência; quantidade de anos que trabalha
com EJA do Campo, dificuldades vivenciadas, diferenças do trabalho com
crianças e com jovens e adultos, mudanças necessárias para EJA do Campo,

220  Micksilane Teixeira Prado Chaves • Sheila Cristina Furtado Sales


se havia participação do professor em atividades complementares (ACs)
e como eram as ACs, se havia disponibilização de materiais específicos e
como era o material). Nas palavras de Lakatos e Marconi (200, p.27-28):

A análise de um texto refere-se ao processo de conhecimento de


determinada realidade e implica o exame sistemático dos elementos;
portanto, é decompor um todo em suas partes, a fim de poder efetuar
um estudo mais completo, encontrando o elemento-chave do autor,
determinar as relações que prevalecem nas partes constitutivas,
compreendendo a maneira pela qual estão organizadas, e estruturar
as idéias de maneira hierárquica.
É a análise que vai permitir observar os componentes de um conjunto,
perceber suas possíveis relações, ou seja, passar de uma idéia-chave
para um conjunto de idéias mais específicas, passar à generalização
e, finalmente, à crítica.

No tratamento dos resultados foram realizadas as análises das


informações obtidas nas entrevistas, se utilizando de categorias de análise
para falas dos sujeitos e se contrapondo com legislações e referencial teórico
para que fosse possível a realização de considerações sobre o trabalho e
levantamento de questões para pesquisas futuras (CHAVES, 2017).

Dispositivo analítico e o objeto da investigação em educação

Para o desenvolvimento de uma pesquisa é necessário o concurso


dos conhecimentos disponíveis e a utilização cuidadosa de métodos,
técnicas e outros procedimentos científicos. Um longo processo que
envolve inúmeras fases, desde a adequada formulação do problema até a
satisfatória apresentação dos resultados (GIL, 2010).
A pesquisa em educação não se reduz a uma série de instrumentos,
técnicas e procedimentos. Estes fazem parte do método científico, na
qual concepções de objeto, sujeito e sua mútua relação se explicitam
entre si. Inexistindo uma teoria do conhecimento sem ontologia, sem uma
concepção do real e sem uma cosmovisão (GAMBOA, 2012).
Conforme Demo (1995) antes de qualquer definição do que se
entende por dados e/o materiais é necessário que o pesquisador tenha
clareza, ao iniciar uma pesquisa, de que dados será aquilo que procurará,
essencialmente, em torno do fenômeno (objeto) que se pensa estudar.
Compreensão preliminar que é alheia às mudanças que por ventura venha
existir, pelo surgimento de novas hipóteses no processo de desenvolvimento

O MOVIMENTO METODOLÓGICO DA ANÁLISE DE CONTEÚDO NA PESQUISA


EM EDUCAÇÃO: COMPREENDENDO A EVASÃO E PERMANÊNCIA NA EDUCAÇÃO 221
DE JOVENS E ADULTOS
da investigação. Na qual a flexibilidade do processo de pesquisa é requisito
essencial da mentalidade do investigador. Não significando a ausência de
informação ampla sobre o assunto a ser estudado; mas que o conhecimento
aprofundado do fenômeno, permitirá ampla visão e movimentação
intelectual adequada as circunstâncias que se apresentam. Para GIL (2010,
p.134):

[...] é necessário que o pesquisador ultrapasse a mera descrição,


buscando acrescentar algo ao questionamento existente sobre o
assunto. Para tanto, ele terá que fazer um esforço de abstração,
ultrapassando os dados, tentando possíveis explicações,
configurações e fluxos de causa e efeito. Isso irá exigir constantes
retomadas às anotações de campo e ao campo e à literatura e até
mesmo à coleta de dados adicionais.
Para que um estudo de campo tenha valor, é necessário que seja
capaz de acrescentar algo ao já conhecido. Isso não significa, porém,
que deva obrigatoriamente culminar num conjunto de proposições
capazes de proporcionar nova perspectiva teórica ao problema.
Um estudo de campo pode ser reconhecido como válido quando
se mostrar capaz de levantar novas questões ou hipóteses a serem
consideradas em estudos futuros.

Atualmente se questiona, entretanto, o tipo de método utilizado nas


investigações educativas e a forma de abordar os problemas, questiona-
se a investigação empírica que privilegia algumas formas de investigar a
multifacetária e contraditória realidade educativa; se fazendo necessário
uma reflexão sobre o contexto da investigação de onde se obtém sentido.
Em que o trabalho de pesquisa não pode existir desligado de uma visão de
mundo. No qual o cientista trabalha com pressupostos teórico- filosóficos
que orientam seu fazer; à medida que os sistematiza e reflete sobre suas
implicações, tomando consciência deles, tornará o trabalho mais rico e
articulado (GAMBOA, 2012). Para Lakatos e Marconi (2003, p. 163):

A seleção do instrumental metodológico está, portanto, diretamente


relacionada com o problema a ser estudado; a escolha dependerá
dos vários fatores relacionados com a pesquisa, ou seja, a natureza
dos fenômenos, o objeto da pesquisa. os recursos financeiros, a
equipe humana e outros elementos que possam surgir no campo da
investigação.
Tanto os métodos quanto as técnicas devem adequar-se ao problema
a ser estudado, às hipóteses levantadas e que se queira confirmar, ao
tipo de informantes com que se vai entrar em contato.

222  Micksilane Teixeira Prado Chaves • Sheila Cristina Furtado Sales


Nas palavras de Demo (1995, p. 19) “Na realidade social há no fundo
coincidência entre sujeito e objeto, já que o sujeito faz parte da realidade
que estuda. Assim, não há como estudar de fora, como se fosse possível sair
da própria pele para ver-se de fora”.
Ainda conforme esse autor é preciso reafirmar que a metodologia é
instrumental para a pesquisa e não a pesquisa que é instrumental. Existe
dificuldade de se adequar a preocupação metodológica com a criatividade
científica, é necessário definirmos como construção para além da tautologia,
da repetição, insistindo-se na espontaneidade, mais que cerceamentos,
sendo capaz de ver no método uma potenciação do inventivo.

Conclusão

Neste capítulo, o dispositivo analítico e o objeto da investigação


numa pesquisa em educação, foram abordados com base em uma pesquisa
de mestrado e obras de autores que discutiam a temática. No estudo ficou
evidente que o pesquisador precisa aliar teoria com a prática numa pesquisa
em educação.
O percurso teórico-metodológico é um caminho a seguir, que pode
ser revisto para fique em consonância com a realidade e seja possível
responder a questão problema e os objetivos do estudo, uma pesquisa não
pode ser repetitiva e instrumental. É necessário que o dispositivo analítico e
o objeto da investigação se interrelacionem
Foi possível observar que o pesquisador enfrenta desafios no
desenvolvimento da pesquisa, se fazendo necessário trazer o objeto
em estudo para o centro das discussões, a fim de que se desvende o
imperceptível e tenha uma visão para além do que é proposto. O objeto e
o sujeito partem de uma realidade que precisa ser levada em consideração.
Na pesquisa tomada como campo de estudo para este trabalho
verificou-se que o método não pode estar alheio ao que se pretende
pesquisar, que o pesquisador precisa ter clareza das suas pretensões sociais
para com a pesquisa. Os instrumentos utilizados vão ser apenas os meios
para atingir os objetivos da pesquisa.
Contudo, se observou a partir de obras de alguns autores que existem
muitos estudos em educação que instrumentalizam a pesquisa, tornando-a
engessada e sem um fim social, na qual teoria e prática não possuem
relação. Dessa forma, se faz necessário estudos articulados que permitam

O MOVIMENTO METODOLÓGICO DA ANÁLISE DE CONTEÚDO NA PESQUISA


EM EDUCAÇÃO: COMPREENDENDO A EVASÃO E PERMANÊNCIA NA EDUCAÇÃO 223
DE JOVENS E ADULTOS
ampliar a visão de mundo, com utilização de dispositivos analíticos que
possibilitem a integração com o objeto em estudo.

Referências

BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo; tradução Luís Antero Reto,


Augusto Pinheiro. São Paulo: Edições 70, 2011.

BAUER, Martin W; GASKELL, George (editores). Pesquisa qualitativa


com texto, imagem e som: Um manual prático. Tradução de Pedrinho A.
Guareschi. 2. ed- Petrópolis, RJ: Vozes, 2003.

CHAVES, Micksilane Teixeira Prado. Evasão e permanência na Educação


de Jovens e Adultos: um estudo no distrito rural de São Sebastião. Vitória
da Conquista- BA. Vitória da Conquista: UESB/BA: Dissertação de
Mestrado, 2017.

DEMO, Pedro. Metodologia científica em ciências sociais. 3.ed. São


Paulo: Atlas. 1995.

GAMBOA, Silvio Sánchez. Pesquisa em educação: métodos e


epistemologias. 2. ed. Chapecó: Argos, 2012.

GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São


Paulo: Atlas, 2010.

KONDER, Leandro. O que é dialética. São Paulo: Brasiliense, 2008.


LESSA, Sergio; TONET, Ivo. Introdução à filosofia de Marx. – 2. ed- São
Paulo: Expressão Popular, 2011.

LOMBARDI, José Claudinei, CASIMIRO, Ana Palmira Bittencourt Santos,


MAGALHÃES, Lívia Diana Rocha (Org.). História, Cultura e Educação.
Campinas, SP: Autores Associados, 2006.

LUDKE, Menga e ANDRÉ, Marli E. D. A. Pesquisa em educação:


abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.

224  Micksilane Teixeira Prado Chaves • Sheila Cristina Furtado Sales


MARCONI, M. de A.; LAKATOS, E. M. Fundamentos de metodologia
científica. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

MARX, Karl. Capítulo XXIII - A Lei Geral da Acumulação Capitalista. In: O


Capital – critica da economia política. 2. ed. Livro Primeiro, Tomo 2. São
Paulo: Nova Cultural, 1985.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia Alemã. [introdução de Jacob


Gorender]; tradução Luis Claudio de Castro e Costa. São Paulo: Martins
Fontes, 1998.

TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo Silva. Introdução à pesquisa em ciências


sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987.

RICHARDSON, Roberto Jarry. Pesquisa social: métodos e técnicas. – 3ª


ed. – 14ª. reimpr. – São Paulo: Atlas, 2012.

O MOVIMENTO METODOLÓGICO DA ANÁLISE DE CONTEÚDO NA PESQUISA


EM EDUCAÇÃO: COMPREENDENDO A EVASÃO E PERMANÊNCIA NA EDUCAÇÃO 225
DE JOVENS E ADULTOS
PARTE I v
PROCESSOS METODOLÓGICOS PARA O ESTUDOS
COM AS SIGNIFICAÇÕES E SUBJETIVIDADES
NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
ENTREVISTA CRÍTICO-REFLEXIVA
MEDIADA POR REGISTROS DA ATIVIDADE
DOCENTE (ECRAD): POSSIBILIDADE DE
ACESSO ÀS SIGNIFICAÇÕES PRODUZIDAS POR
PROFESSORES SOBRE AS DETERMINAÇÕES E
IMPLICAÇÕES SOCIAIS DA SUA ATIVIDADE

Lucélia Costa Araújo


Maria Vilani Cosme de Carvalho

Introdução

F
azer pesquisa em educação nos leva a estudar objetos que, em
alguma medida, revelam aspectos da relação dialética entre
as dimensões singular, particular e universal da realidade. Isso
significa que, muitas vezes, mesmo quando investigamos um objeto de
estudo que diz respeito a particularidades de determinado grupo social,
como uma política pública, por exemplo, é possível termos acesso ao
mesmo por meio das singularidades, isto é, pelas formas como isso se
manifesta em cada escola, em cada sala de aula, na atividade docente de
cada professor. Dessa maneira, se desdobra à nossa frente o desafio de
fazer uso e/ou produzir técnicas de produção de dados que nos permitam
ter acesso às significações produzidas pelos sujeitos do processo educativo

ENTREVISTA CRÍTICO-REFLEXIVA MEDIADA POR REGISTROS DA ATIVIDADE DOCENTE


(ECRAD): POSSIBILIDADE DE ACESSO ÀS SIGNIFICAÇÕES PRODUZIDAS POR 229
PROFESSORES SOBRE AS DETERMINAÇÕES E IMPLICAÇÕES SOCIAIS DA SUA ATIVIDADE
que concretizam os projetos educacionais na dinâmica cotidiana das
instituições escolares, sejam na educação básica ou na educação superior.
Assim, o presente capítulo consiste em apresentação de técnica
de produção de dados elaborada para atender demandas postas ao
desenvolvimento de pesquisa de doutorado realizada no âmbito do
Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEd) da Universidade
Federal do Piauí (UFPI), tendo como objetivo compreender mediações que
constituem possibilidade real da docência universitária ser práxis criadora.
Tal pesquisa, conduzida sob orientação da professora Maria Vilani Cosme
de Carvalho, resultou no relatório em forma de tese intitulada “‘Tem que
fazer sentido’: docência universitária como práxis criadora mediada por
ensino, pesquisa e extensão na UFPI” e teve seus fundamentos teórico-
metodológicos assentados nos princípios do Materialismo Histórico
Dialético e em categorias da Psicologia Histórico-Cultural.
A técnica elaborada consiste na Entrevista Crítico-Reflexiva mediada
por Registros da Atividade Docente (ECRAD) fundamentada nas ideias de
Smyth (1992), Liberali (1996; 2010), Magalhães (2002), Ibiapina (2004)
e Carvalho (2012) sobre o potencial da reflexão crítica na pesquisa com
professores, bem como nas ideias de Vigotski (2009) sobre as categorias
significado e sentido.
Com o objetivo de apresentar a Entrevista Crítico-Reflexiva mediada
por Registros da Atividade Docente (ECRAD) como possibilidade de
acesso às significações produzidas por professores sobre as determinações
e implicações sociais da sua atividade, o capítulo está organizado em
duas partes. A primeira parte apresenta o movimento de pensamento que
orientou a elaboração da técnica e na segunda parte consta de modo mais
detalhado os procedimentos metodológicos da sua aplicação.

Movimento de elaboração da ECRAD: da reflexão à reflexão crítica

Vigotski (2009) explica a relação entre linguagem e pensamento,


tomando a palavra como instrumento psicológico que é fundamental na
formação do pensamento e afirmando que a mesma, embora nomeie os
objetos, nunca se refere a um objeto isolado, mas a todo um grupo ou
classe de objetos da realidade. Portanto, a palavra supõe sempre uma
generalização que reflete o real, mas de maneira transformada. Isso porque,
conforme o autor prossegue, “[...] o pensamento reflete a realidade na

230  Lucélia Costa Araújo • Maria Vilani Cosme de Carvalho


consciência de modo qualitativamente diverso do que o faz a sensação
imediata” (VIGOTSKI, 2009, p. 10). O que existe em nossa mente não é,
portanto, cópia real do que vivenciamos, mas um conteúdo que articula
aspectos subjetivos e objetivos acerca do que sentimos, presenciamos,
vivemos. O pensamento é, portanto, constituído por significações que
produzimos a respeito do mundo.
Na análise das relações entre pensamento e linguagem, Vigotski
(2009) chega a categoria significado e defende a tese de que este é a unidade
do pensamento e da linguagem. Para o autor, o significado da palavra,
sempre supõe uma generalização acerca de elementos da realidade, sendo
um fenômeno pertencente tanto ao reino da linguagem quanto ao reino
do pensamento. Assim, “sem significado a palavra não é palavra, mas som
vazio” (VIGOTSKI, 2009, p. 10).
Contudo, no âmbito do psiquismo, o uso da linguagem interna
não ocorre apenas por meio dos significados. Vigotski (2009), também,
descobriu que a semântica dessa linguagem contém suas especificidades e
uma delas é que os sentidos sobressaem aos significados. O teórico se baseia
em Paulham para esclarecer que o sentido de uma palavra se refere aos
fatos psicológicos que ela desperta em nossa consciência, sendo dinâmico,
fluido, complexo. Portanto, contempla de maneira mais específica as
relações singulares do indivíduo com os elementos da realidade. Assim,
quando utilizamos o termo significação nos referimos ao processo dialético
de produção de significados e sentidos por parte do sujeito.
No que se refere ao nosso objeto de estudo, consideramos algumas
questões: a docência universitária tem o mesmo sentido para os professores
que a realizam? O que cada um deles entende por ensino, pesquisa,
extensão? Como os significados e sentidos sobre a relação teoria e prática
determinam o desenvolvimento de ensino, pesquisa e extensão? Isso nos
remete ao potencial da reflexão, entendida como exercício que favorece a
compreensão por parte do professor sobre aquilo que determina seu modo
de ser na profissão.
De acordo com Liberali (2010), a reflexão implica um processo de busca
interior que pressupõe um distanciamento de si e das ideias elaboradas no
senso comum. Essa busca por compreender o que é comum, isto é, familiar,
como algo estranho, alheio a nós, sugere um desenvolvimento crítico, uma
crescente consciência de si e do mundo, mediada por conhecimentos que
permitem avançar para além da aparência dos fenômenos. É preciso que

ENTREVISTA CRÍTICO-REFLEXIVA MEDIADA POR REGISTROS DA ATIVIDADE DOCENTE


(ECRAD): POSSIBILIDADE DE ACESSO ÀS SIGNIFICAÇÕES PRODUZIDAS POR 231
PROFESSORES SOBRE AS DETERMINAÇÕES E IMPLICAÇÕES SOCIAIS DA SUA ATIVIDADE
os praticantes da reflexão vejam a si mesmos como outros, o que demanda
certo distanciamento.
Nas pesquisas em educação é crescente a tendência de valorização
da voz dos professores na produção do conhecimento científico sobre o
fenômeno educacional. Tal tendência tem contribuído para elaboração de
técnicas por meio das quais os professores podem não apenas manifestar
significações relativas aos fatores que determinam sua prática, mas também
refletir acerca desses elementos e das possibilidades de transformação
da realidade escolar e de si mesmos. A entrevista consiste em técnica de
produção de dados que ocupa lugar de destaque nessas pesquisas.
De acordo com Szymanski (2004) é relevante a constatação de que
a entrevista face a face é, fundamentalmente, uma situação de interação
humana, em que estão em jogo as percepções do outro e de si, expectativas,
sentimentos, preconceitos (por que não?) e interpretações acerca de
diferentes aspectos constitutivos do problema colocado em pauta pelo
entrevistador. Assim, no planejamento da pesquisa recorremos a ideias
dessa autora sobre um tipo bem específico de entrevista.
De acordo com a mesma, esse processo interativo pode ter caráter
reflexivo, pois o entrevistado tem a oportunidade de organizar, isto é,
sistematizar seu pensamento de forma inédita sobre processos que fazem
parte do seu cotidiano e sobre os quais ainda não havia lançado olhar de
distanciamento. Partindo dessa constatação e da evidência do caráter
subjetivo dessa prática, Szymanski (2004) aponta para a possibilidade de a
entrevista ser momento de construção de novos conhecimentos, nos limites
da representatividade da fala. Por isso, a autora apresenta a proposta de
uma entrevista denominada de reflexiva “[...] tanto porque leva em conta
a recorrência de significados durante qualquer ato comunicativo quanto a
busca de horizontalidade” (SZYMANSKI, 2004, p. 15).
Com base nisso, Szymanski (2004) propõe que a entrevista reflexiva
seja conduzida considerando sua organização em dois grandes momentos:
o contato inicial e a condução da entrevista propriamente dita. No primeiro
momento ocorre a apresentação mútua dos participantes dessa atividade,
incluindo esclarecimentos sobre os objetivos da pesquisa e os direitos
do entrevistado, entre outros que favoreçam o desenvolvimento de uma
relação mais confiável e segura.
O segundo momento, o da condução da entrevista, inclui algumas
etapas: aquecimento – um diálogo mais livre que visa apreender algumas

232  Lucélia Costa Araújo • Maria Vilani Cosme de Carvalho


informações do sujeito; questão desencadeadora – que contempla o
objetivo da pesquisa, mas é ampla o suficiente para dar mais liberdade ao
sujeito nas suas elaborações; expressão da compreensão – apresentação
de indicativos de que a fala do sujeito está sendo acompanhada; sínteses
– quando o entrevistador faz alguns intervalos para dar um panorama
do que foi produzido pelo entrevistado; questões – que têm o objetivo de
esclarecer algumas informações e aprofundar significações que pareceram
superficiais; e devolução – que ocorre pela disponibilização do material
produzido ao entrevistado.
Essa sistematização elaborada por Szymanski (2004) reforça o
caráter complexo da reflexão. Liberali (1996, p. 22) nos ajuda nesse sentido
quando ressalta o caráter social de desenvolvimento da consciência, visto
que tal processo ocorre na relação com os outros. Nessa perspectiva, de
acordo com a autora, “a reflexão precisa de ‘outros’ como mediadores”.
Por isso, não pode ser concebida como atividade isolada, a mesma possui
caráter social e histórico. No entanto, entendemos que a entrevista
reflexiva, conforme sistematizada por Szymanski (2004) não destaca o
potencial crítico que a reflexão pode atingir para sinalizar possibilidades de
transformação da atividade social do professor.
Segundo Ibiapina e Ferreira (2003), refletir criticamente significa
perceber-se em ação, perceber-se na história e saber-se participante das
atividades sociais, tendo alto poder transformador das práticas. De fato,
em outra oportunidade, Ibiapina (2004) afirma que a partir da década de
1990, com o advento da epistemologia da prática, surgem os chamados
“autores reflexivos” que passam a defender a reflexão como eixo central dos
processos de formação de professores.
No entanto, a mesma autora informa que disso decorrem
basicamente duas posturas diante da reflexão no processo formativo. A
primeira delas, que está ancorada sobretudo nas ideias de Schön, defende
a prática reflexiva como possibilidade de preparar os professores para agir
eficazmente em circunstâncias imprevistas e complexas que emergem na
prática cotidiana da docência. Esse tipo de reflexão apareceu de maneira
predominante nos trabalhos analisados em nossa revisão de literatura. Tal
reflexão parte das situações problemáticas que os professores enfrentam,
fazendo-os analisarem o que pensam, sentem e fazem, de forma a
reconstruir sua prática. A outra postura diz respeito exatamente à reflexão
crítica cujo diferencial está na forma questionadora de compreensão do

ENTREVISTA CRÍTICO-REFLEXIVA MEDIADA POR REGISTROS DA ATIVIDADE DOCENTE


(ECRAD): POSSIBILIDADE DE ACESSO ÀS SIGNIFICAÇÕES PRODUZIDAS POR 233
PROFESSORES SOBRE AS DETERMINAÇÕES E IMPLICAÇÕES SOCIAIS DA SUA ATIVIDADE
contexto social, pois os praticantes da reflexão crítica “[...] não a reduzem
ao âmbito dos problemas pedagógicos que geram as ações particulares
realizadas em sala de aula, já que a docência é desenvolvida por meio de
uma série de ações pedagógicas e, estas, não podem ser compreendidas em
um contexto isolado” (IBIAPINA, 2004, p. 3).
Carvalho (2012) concorda com Ibiapina (2004) e, por sua vez,
expressa que, contrária às tendências do professor técnico e do prático
reflexivo, a racionalidade crítica considera a necessidade de a reflexão ser
crítica contemplando não apenas a prática em sala de aula, mas também o
contexto social e político em que essas práticas são desenvolvidas. Segundo
a mesma autora, a reflexão crítica pode ser concebida como instrumento e
como resultado da formação docente. Como instrumento porque vai mediar
a formação, impulsionando o desenvolvimento profissional do professor.
Como resultado porque “[...] torna-se capacidade cognitiva e afetivo-
volitiva do desenvolvimento psicológico desse profissional, possibilitando a
ressignificação da profissão docente” (CARVALHO, 2012, p. 101).
Disso decorre a constatação de que este não é um processo que
pode ocorrer de qualquer forma, isto é, não se dá espontaneamente. Nas
discussões de Liberali (1996; 2010), Magalhães (2002), Ibiapina (2004),
Ibiapina e Ferreira (2003) e Carvalho (2012), encontramos referências à
proposta de Smyth (1992) sobre as ações que constituem o processo
reflexivo: descrição, informação e confronto, que desencadeiam uma
quarta: reconstrução.
Na descrição, o sujeito responde à pergunta “o que faço?”
(CARVALHO, 2012) por meio da descrição detalhada de suas ações, o que
só é possível acontecer no exercício de distanciamento. No momento da
informação a pergunta norteadora é “qual a fundamentação teórica para
a minha atuação?” (CARVALHO, 2012), o que evidencia o significado das
escolhas feitas pelo professor, bem como as relações que ele estabelece entre
aquilo que pretende realizar e o que de fato se concretiza. Esse momento
permite compreender o que de fato acontece naquela atividade e os
significados produzidos no processo de ensino e aprendizagem (IBIAPINA,
2004).
O terceiro momento diz respeito ao confronto. Conforme salienta
Magalhães (2002), este é um momento crucial da reflexão crítica. A
pergunta que norteia os questionamentos dessa etapa é “como me tornei
assim?” ou “quero ser assim”? (CARVALHO, 2012). Aqui buscamos uma

234  Lucélia Costa Araújo • Maria Vilani Cosme de Carvalho


compreensão maior do significado de nossas práticas para a manutenção
ou transformação das condições sociais e históricas em que elas ocorrem
(IBIAPINA, 2004). Portanto, por meio do confronto é possível alcançar
aquele nível macro da reflexão que extrapola as paredes da sala de aula e os
elementos estruturantes da atividade de ensino na relação com os alunos.
O confronto evidencia o acirramento das contradições que existem entre
as finalidades sociais da atividade que realizo e o que tenho conseguido
alcançar com o meu trabalho.
Finalmente, o momento da reconstrução parte do questionamento
“como posso agir de forma diferente?” (CARVALHO, 2012), resultando em
possibilidade de intervenção na nossa atividade. Nisso reside o potencial
da reflexão crítica em auxiliar os professores na reformulação de seus
pensamentos e de seus planos (IBIAPINA, FERREIRA, 2003). Trata-se,
portanto, do momento em que podemos evidenciar nossas significações
produzidas a respeito dos nossos modos de pensar, sentir e agir no exercício
da docência.
Reconhecemos a importância dessa proposta e seu potencial
formativo. Por isso, o roteiro que orientou a entrevista realizada em nossa
pesquisa contemplou as etapas aqui descritas como características da
reflexão crítica. Os autores que seguem essa direção geralmente fazem uso de
sessões reflexivas e lançam mão de recursos complementares para garantir
mais objetividade, sobretudo à etapa de descrição. Ibiapina e Ferreira
(2003), por exemplo, optam pelo uso do vídeo que permite aos sujeitos a
oportunidade de atingir maior distanciamento e, consequentemente, nível
de análise mais profundado. As autoras ainda informam que o uso mais
comum desse dispositivo se dá pela projeção de aulas gravadas para que
um grupo de professores proceda à análise crítica das ações do professor.
Sabendo da diversidade de ações que constituem a docência
universitária e aquelas que foram contempladas em nosso objeto de
estudo – ensino, pesquisa e extensão –, optamos por contar com o suporte
de diversos registros da atividade docente, visto que as ações de ensino,
pesquisa e extensão podem ser desenvolvidas em diferentes tempos e
espaços.
Assim, sentimos a necessidade de elaborar outra técnica e propomos
a realização de uma Entrevista Crítico-Reflexiva mediada por Registros da
Atividade Docente (ECRAD). O que isso significa? Significa que optamos
por adotar a entrevista como principal técnica de produção de dados nas

ENTREVISTA CRÍTICO-REFLEXIVA MEDIADA POR REGISTROS DA ATIVIDADE DOCENTE


(ECRAD): POSSIBILIDADE DE ACESSO ÀS SIGNIFICAÇÕES PRODUZIDAS POR 235
PROFESSORES SOBRE AS DETERMINAÇÕES E IMPLICAÇÕES SOCIAIS DA SUA ATIVIDADE
relações com a professora participante do estudo, estruturada de maneira
a desencadear seu potencial reflexivo e crítico pelo uso de imagens gravadas
em vídeo, fotografias, projetos, diálogos transcritos, entre outros que
contemplassem as ações em foco. O uso de tais registros implica afirmar
que o processo de produção dos dados se inicia bem antes da efetivação
da entrevista propriamente dita, o que será abordado na apresentação dos
procedimentos metodológicos na seção a seguir.

Sobre a produção de dados por meio da ECRAD

Os momentos nos quais pesquisador e participante da pesquisa se


encontram para compartilhar suas significações acerca de um tema, de um
problema específico intencionalmente inserido no diálogo nunca ocorre
despretensiosamente. Não ocorre aí um processo neutro. Pelo contrário, é
um encontro determinado não apenas pelo objetivo que rege a investigação,
mas por diversos outros fatores.
O sujeito que está aceitando o desafio de colocar-se em parceria
com o outro nessa atividade tem seus próprios motivos para fazê-lo. Dessa
maneira, mesmo que a pesquisa vise, em certa medida, produzir uma
explicação objetiva sobre determinado objeto ou processo da realidade,
não podemos desconsiderar a dimensão subjetiva desse momento e as
possibilidades de transformação que nele se engendram. Se partimos do
pressuposto de que o ser humano, ao mesmo tempo que transforma o
meio, transforma a si próprio, precisamos reconhecer que pesquisador e
demais participantes da pesquisa não saem de uma situação como essa da
mesma forma que chegaram.
O mesmo ocorreu nas vivências constituídas ao longo do processo de
produção dos dados da pesquisa aqui apresentada. Seu objetivo principal
consistiu em compreender mediações que constituem possibilidade
real da docência universitária ser práxis criadora. Para o alcance deste,
delimitamos os seguintes objetivos específicos: conhecer os motivos que
orientam o professor no desenvolvimento das ações de ensino, pesquisa
e extensão; interpretar as significações produzidas pelo professor sobre
as ações constitutivas da docência universitária; analisar as condições
materiais que determinam as ações realizadas pelo professor no exercício da
docência universitária; analisar as relações teoria e prática mobilizadas no
desenvolvimento das ações de ensino, pesquisa e extensão. A participante

236  Lucélia Costa Araújo • Maria Vilani Cosme de Carvalho


da pesquisa foi uma professora que atua no Curso de Licenciatura em
Educação do Campo (Ledoc), na Universidade Federal do Piauí (UFPI),
Campus de Picos. Sua formação acadêmica se deu inicialmente em Curso
de Bacharelado na área de Ciências Biológicas (2002) e, posteriormente,
mestrado e doutorado em áreas técnicas afins.
Mas, como se deu a concretização da ECRAD na produção dos
dados? Em primeiro lugar, precisamos destacar que por ser mediada por
registros da atividade docente a realização da ECRAD propriamente dita
foi precedida pela observação das ações de ensino, pesquisa e extensão
desenvolvidas pela professora. Isso ocorreu não apenas porque a pesquisa
está fundamentada na Psicologia Histórico-Cultural, partindo da análise
da estrutura da atividade docente com base em Leontiev (1978) para
compreender os modos de pensar, sentir e agir da professora no exercício da
docência, mas também para garantir a produção de registros que pudessem
mediar a realização da entrevista, visto que nem sempre a professora tinha
disponibilidade para compartilhar arquivos de seus planejamentos e
projetos conosco.
O roteiro da observação contemplou: ações de ensino, pesquisa e
extensão desenvolvidas pela professora; condições materiais disponíveis
para o desenvolvimento dessas ações; tempo e espaços em que ocorrem as
ações de ensino, pesquisa e extensão realizadas pela professora. Dependendo
da natureza das ações, as mesmas foram áudio gravadas, filmadas e/ou
fotografadas. As ações áudio gravadas e/ou filmadas tiveram parte de seus
diálogos transcritos e utilizados como registros mediadores na ECRAD.
Além disso, nos foram disponibilizados pela professora arquivos
contendo: plano de ensino, roteiro com orientações de pesquisa que
seria realizada pelos discentes, documentários exibidos em sala de aula,
informações básicas acerca de projetos de pesquisa e de extensão, Trabalhos
de Conclusão de Curso, vídeos, entre outros.
Outro aspecto que merece destaque se refere à necessidade de
realizar mais de uma entrevista, especialmente em virtude da densidade de
informações que a ECRAD mobiliza. O planejamento previa a realização
de uma primeira entrevista constituída de questão desencadeadora
(SZYMANSKI, 2004), como consta no Quadro 1, que objetivou conhecer
os motivos orientadores da atividade realizada pela professora no âmbito
da universidade.

ENTREVISTA CRÍTICO-REFLEXIVA MEDIADA POR REGISTROS DA ATIVIDADE DOCENTE


(ECRAD): POSSIBILIDADE DE ACESSO ÀS SIGNIFICAÇÕES PRODUZIDAS POR 237
PROFESSORES SOBRE AS DETERMINAÇÕES E IMPLICAÇÕES SOCIAIS DA SUA ATIVIDADE
Quadro 1 – Questão desencadeadora da entrevista
A universidade é uma instituição de educação superior que se caracteriza, entre
outros aspectos, pela indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Conside-
rando os objetivos dessas ações e as especificidades que medeiam a prática educa-
tiva de cada professor, compartilhe conosco sua trajetória profissional no contexto
universitário desenvolvendo ensino, pesquisa e extensão. Você pode começar pelo
seu ingresso na docência universitária e pelo que você pensa a respeito dessas ações.
Fonte: ARAÚJO (2019)

Posteriormente foram realizadas três entrevistas, sendo uma entrevista


para cada uma das ações desenvolvidas pela professora e observadas ao
longo da produção dos dados. Cada entrevista seguiu um roteiro contendo
as quatro etapas desencadeadoras do movimento de reflexão crítica, por
meio de questões voltadas especificadamente para a ação realizada pela
professora, como consta no Quadro 2.

Quadro 2 – Questões apresentadas na ECRAD


1ª Etapa: Descrição
Qual(is) o(s) objetivo(s) dessa ação?
Qual o tema em pauta?
Qual o contexto de realização dessa ação? Por quê?
Que estratégias foram desenvolvidas?
Quem foram os participantes? Por que os participantes foram estes?
Que função(ões) você desempenhou nessa ação?
Que função(ôes) foi(oram) desempenhada(s) pelos demais participantes?
2ª Etapa: Informação
Que resultados essa ação tem apresentado? Como isso pode ser verificado?
Que aspectos foram determinantes para esse resultado?
Que tipos de conhecimentos foram mobilizados por você e pelos demais participan-
tes?
Como a ação desenvolvida foi realizada pelos participantes do grupo?
Como você caracteriza o envolvimento dos participantes na realização das ações
propostas?
Que necessidades surgiram ao longo do processo?
Que possibilidades surgiram ao longo do processo?

238  Lucélia Costa Araújo • Maria Vilani Cosme de Carvalho


3ª Etapa: Confrontação
Como essa ação contribui para a formação dos participantes? Qual a importância
dessa iniciativa?
Como você vê a(s) relação(ões) dos conhecimentos mobilizados com a realidade
social, econômica e cultural dos participantes?
Como os conhecimentos mobilizados se relacionam com a (futura) prática social
dos participantes?
Que sociedade essa ação pode contribuir para formar? Em especial as pessoas que
nela estão inseridas.
Essa ação atende a que interesses (pessoais, institucionais, sociais)?
Como você se sente diante do desenvolvimento e dos resultados dessa ação?
4ª Etapa: Reconstrução
Se fosse desenvolver essa ação novamente, o que você mudaria? Como? Por quê?
Quais seriam as condições necessárias para desenvolver essa ação da maneira que
você gostaria?
Que transformações você pensa que seriam provocadas nos resultados da ação
como você gostaria de fazer?
Você encontra possibilidades de realizar outras ações que atendam a esses objeti-
vos? Quais?
Fonte: ARAÚJO (2019)

Vale a pena destacar que os registros da atividade docente foram


utilizados para mediar sobretudo as etapas de confrontação e de
reconstrução, a fim de favorecer a reflexão acerca das condições vivenciadas
pela professora no desenvolvimento das ações e das possibilidades de vir a
ser de outra forma no desenvolvimento da sua atividade.
Foi possível verificar o potencial que tais registros revelam como
desencadeadores do processo de reflexão por parte da professora. Por
exemplo, em uma das entrevistas a ação contemplada pelas questões foi
o TCC elaborado por uma de suas discentes a respeito das preferências
alimentares de abelhas nativas seguido de visita realizada pelo seu grupo
de estudos à comunidade de Paulistana-PI para fazer a devolutiva dos
resultados dessa pesquisa. Na etapa de confrontação apresentamos à
professora algumas fotografias dessa ação, sendo uma delas a que consta
na Imagem 1.

ENTREVISTA CRÍTICO-REFLEXIVA MEDIADA POR REGISTROS DA ATIVIDADE DOCENTE


(ECRAD): POSSIBILIDADE DE ACESSO ÀS SIGNIFICAÇÕES PRODUZIDAS POR 239
PROFESSORES SOBRE AS DETERMINAÇÕES E IMPLICAÇÕES SOCIAIS DA SUA ATIVIDADE
Imagem 1 – Iniciativa para criação racional de abelhas nativas

Fonte: ARAÚJO (2019)

Ao se deparar com as fotos, além de manifestar afetação positiva a


professora trouxe à sua fala aspectos daquela ação que, aparentemente,
não seriam destacados em sua narrativa caso não tivéssemos a mediação
desse registro:

Tá vendo? Olha, isso aqui é interessante. Isso aqui tem que ser falado. Agora que eu vi
essa foto eu pensei nisso. Na hora eu pensei também, mas esqueci. Eu vou falar até isso
para os alunos hoje!
Tá vendo essas colmeias? Isso aqui não tinha da primeira vez que a gente foi lá. [...]
Mas, olha, desde que a gente começou a andar lá, ele já está começando a querer
criar elas [abelhas nativas] racionalmente. O que pode representar uma renda pra
eles, o que pode representar mesmo a colheita do mel, que esse mel é medicinal, é
um alimento, é medicinal, ele pode ter e sem prejudicar a abelha. Olha aqui. Porque
ele não está quebrando a árvore pra tirar o ninho. Ele está usando atrativos para que
elas mesmas entrem na caixinha. E assim elas ficam até mais protegidas, né. Então,
a meliponicultura, que é a criação de abelhas sem ferrão, ela contribui muito na
preservação das abelhas e ele já está virando um meliponicultor, olha. Isso aqui é
muito legal.
[...] Fico muito feliz porque é sinal de que o conhecimento que a gente está levando lá
[...] já muda uma história toda (Professora).

240  Lucélia Costa Araújo • Maria Vilani Cosme de Carvalho


O que temos, portanto, é um indicativo de que a mediação dos
registros da atividade docente favoreceu, ao longo da entrevista, o
reconhecimento de que aquele sujeito da comunidade passou a realizar
transformações na natureza sendo mediado pelos conhecimentos
aprendidos nas ações promovidas pelo grupo de estudos da professora.
A apropriação do conhecimento científico promovido nas ações tem
contribuído para o desenvolvimento de atividades produtivas mais
conscientes e coerentes com a preservação da natureza, extrapolando os
muros da universidade. Igualmente ricas foram as significações produzidas
mediante registros de diálogos que a professora manteve com seus discentes
e outros participantes das ações que a mesma desenvolveu, evidenciando
a possibilidade de a reflexão contemplar criticamente aspectos que dizem
respeito às implicações afetivas e sociais da atividade profissional realizada
pelos indivíduos, indo além da própria prática.
Em outro momento, quando da conclusão da produção dos dados,
a professora compartilhou conosco:

Bom, eu estou gostando muito de fazer parte desse trabalho, não é só de fazer parte,
mas de ser confrontada com essas coisas. Me faz pensar também nisso. Porque às
vezes também a gente vai fazendo e não vai pensando e você está me provocando pra eu
pensar sobre isso. E está sendo bom assim, estou vendo umas coisas legais. Foi bom, está
acabando, né. Acho que é isso, eu queria te agradecer por ter me chamado pra fazer isso
porque está sendo legal pra mim e eu estou gostando. Eu estou aprendendo coisas, até
mesmo sobre mim (Professora).

Nesse trecho de fala podemos verificar mais uma vez o potencial


reflexivo da técnica adotada na produção dos dados e por que não dizer
do seu potencial formativo? A professora vivenciou a chance de refletir não
apenas sobre sua atividade, mas também sobre si mesma. Interessante se faz
destacar que a fala da professora nos remete ao fato de que a dinâmica do
trabalho cotidiano, muitas vezes, não nos permite parar para pensarmos a
respeito das determinações da nossa atividade e de suas implicações sociais,
econômicas, éticas e políticas. Para superar essa condição precisamos da
colaboração do outro e de técnicas que favoreçam o desencadeamento
desse processo de reflexão crítica, pois segundo Vigotski (1999, p. 82),
“temos consciência de nós mesmos porque a temos dos demais e pelo
mesmo procedimento através do qual conhecemos os demais, porque
nós mesmos em relação a nós mesmos somos o mesmo que os demais em

ENTREVISTA CRÍTICO-REFLEXIVA MEDIADA POR REGISTROS DA ATIVIDADE DOCENTE


(ECRAD): POSSIBILIDADE DE ACESSO ÀS SIGNIFICAÇÕES PRODUZIDAS POR 241
PROFESSORES SOBRE AS DETERMINAÇÕES E IMPLICAÇÕES SOCIAIS DA SUA ATIVIDADE
relação a nós”, em seguida, complementa que “tenho consciência de mim
mesmo somente na medida em que para mim sou outro”.

Algumas considerações

A Entrevista Crítico-Reflexiva mediada por Registros da Atividade


Docente (ECRAD) não foi elaborada com a pretensão de resolver todas às
demandas postas ao desafio de produzir dados na pesquisa qualitativa em
educação. No entanto, foi técnica que elaboramos como síntese de outros
instrumentos e técnicas já disponíveis na área e que permitem aproximação
às significações produzidas por professores acerca do pensam, sentem e
fazem no desenvolvimento das suas atividades.
Partindo de tais técnicas conseguimos organizar um tipo de entrevista
que nos permitiu alcançar os objetivos propostos à nossa investigação,
considerando a dinâmica e a complexidade da atividade docente realizada
pelo professor na universidade. Não obstante, reconhecendo a valorosa
contribuição de autores como Liberali (1996; 2010), Magalhães (2002),
Ibiapina (2004) e Carvalho (2012) empreendemos o esforço de sistematizar
a entrevista de modo que contemplasse as etapas da reflexão crítica, como
proposta por Smyth (1992), ampliando as possibilidades de termos acesso
a significações que extrapolam o âmbito da própria prática, favorecendo
esse movimento de pensamento por parte do professor.
Além disso, o uso de registros da atividade docente enriqueceu a
qualidade dos dados produzidos e da reflexão desencadeada ao longo
das entrevistas, favorecendo a constituição de vivência transformadora
das participantes dessa atividade de pesquisa, da qual pesquisadoras
e pesquisada saem qualitativamente diferentes porque superaram a si
mesmas na construção do conhecimento da realidade que constituem.
Diante disso, sugerimos a ECRAD não apenas como técnica de produção
de dados nas pesquisas em educação, mas também e especialmente, como
técnica que pode contribuir com processos formativos de professores que
desejam e precisam pensar criticamente sua prática.

Referências

ARAÚJO, Lucélia Costa. “Tem que fazer sentido”: docência universitária


como práxis criadora mediada por ensino, pesquisa e extensão na UFPI.

242  Lucélia Costa Araújo • Maria Vilani Cosme de Carvalho


293 f. 2019. Tese (Doutorado em Educação) – Centro de Ciências da
Educação, Universidade Federal do Piauí, Teresina, 2019.

CARVALHO, Maria Vilani Cosme de. Formação crítica de educadores e


desenvolvimento do professor como ser para-si. In: IBIAPINA, Ivana Maria
Lopes de Melo; LIMA, Maria da Glória Soares Barbosa; CARVALHO,
Maria Vilani Cosme de (Orgs.). Pesquisa em educação: múltiplos
referenciais e suas práticas. v. 2. Teresina, PI: EDUFPI, 2012.

IBIAPINA, Ivana Maria Lopes de Melo. Reflexividade: estratégia de


formação de professores. In: Encontro de Pesquisa em Educação do
PPGED/UFPI, 3, Teresina, 2004. Anais... Teresina: UFPI, 2004. p. 1-8.

IBIAPINA, Ivana Maria Lopes de Melo; FERREIRA, Maria Salonilde.


Reflexão crítica: uma ferramenta para a formação docente. LES –
Linguagens, Educação e Sociedade. Teresina, n. 9, p. 73-80, jan.-dez.
2003.

LEONTIEV, Alexis. O Desenvolvimento do psiquismo. São Paulo: Editora


Moraes, 1978a.

LIBERALI, Fernanda Coelho. O desenvolvimento reflexivo do professor.


the ESPecialist, v. 17, n. 1, p. 19-37, 1996.

LIBERALI, Fernanda Coelho. Formação crítica de educadores: questões


fundamentais. Taubaté, SP: Cabral Editora e Livraria Universitária, 2010.

MAGALHÃES, Maria Cecília Camargo. Sessões reflexivas como uma


ferramenta aos professores para a compreensão crítica das ações na
sala de aula. Trabalho apresentado no 5º Congresso da Sociedade
Internacional para Pesquisa Cultural e Teoria da Atividade. Amsterdam:
Vrije Universiteit, 2002.

SMYTH, John. Teachers’ work and the politics of reflection. American


Educational Research Journal, v. 29, n 2, p.167-300, 1992.

ENTREVISTA CRÍTICO-REFLEXIVA MEDIADA POR REGISTROS DA ATIVIDADE DOCENTE


(ECRAD): POSSIBILIDADE DE ACESSO ÀS SIGNIFICAÇÕES PRODUZIDAS POR 243
PROFESSORES SOBRE AS DETERMINAÇÕES E IMPLICAÇÕES SOCIAIS DA SUA ATIVIDADE
SZYMANSKI, Heloísa. Entrevista reflexiva: uma olhar psicológico sobre
a entrevista em pesquisa. In: SZYMANSKI, Heloísa. ALMEIDA, Laurinda
Ramalho de; BRANDINI, Regina Célia Almeida Rego (Orgs). A entrevista
na pesquisa em educação: a prática reflexiva. Brasília: Líber Livro, 2004.

VIGOTSKI, Lev. A construção do pensamento e da linguagem. 2. ed. São


Paulo: Martins Fontes, 2009.

244  Lucélia Costa Araújo • Maria Vilani Cosme de Carvalho


SENDAS MEANDRANTES DE UMA PESQUISA
SOBRE PRÁTICA DOCENTE EM EDUCAÇÃO
DO CAMPO A PARTIR DOS NÚCLEOS
DE SIGNIFICAÇÃO

Denílson Barbosa dos Santos

Considerações iniciais

P
esquisar prática docente em escolas do campo exige que se
reflita sobre a escola pensada pelos movimentos sociais e a
escola que não tem influência desses movimentos sociais e, isso
buscou-se fazer ao longo da pesquisa do mestrado. Isto posto, entende-se
que a escola e a prática docente, têm sentidos e significados distintos para
cada professor, já que todos nós somos seres sociohistóricos únicos e com
personalidades únicas. Assim, este texto é um recorte do referencial teórico-
metodológico percorrido no processo de produção da dissertação de
mestrado em Geografia/PPGGEO/UFPI em 2017/2018, intitulada “Prática
docente de Geografia em Educação do Campo na Escola Municipal Apolônio Facundes
de Sousa do Assentamento Buenos Aires do Município de Caxias-MA”, considerando
desde o início o cenário da Educação do Campo, da escola e da prática
docente de Geografia em Caxias-MA, sob a lupa da Geografia Humana
e das evidências empíricas, buscamos respostas ao seguinte problema de
pesquisa: Qual o papel da Escola Apolônio Facundes de Sousa e da prática docente de
Geografia no Assentamentos Buenos Aires do Município de Caxias-MA?

SENDAS MEANDRANTES DE UMA PESQUISA SOBRE PRÁTICA DOCENTE 245


EM EDUCAÇÃO DO CAMPO A PARTIR DOS NÚCLEOS DE SIGNIFICAÇÃO
Para tanto, de maneira ampla a dissertação supracitada, consistiu em
analisar o papel da Escola Apolônio Facundes de Sousa e da prática docente
de Geografia no Assentamentos Buenos Aires do Município de Caxias-MA.
Por entender ser necessário, um estudo desta natureza, para compreensão
da prática docente de Geografia desenvolvida no Assentamento Buenos
Aires do município de Caxias-MA, por um professor que não é da Educação
do Campo, bem como a contribuição de tal prática para formação
emancipadora e autônoma dos seus educandos camponeses.
De igual modo, especificamente, buscou-se, verificar como o
professor que não é da Educação do Campo, se percebe enquanto docente
de Geografia, o que o move a trabalhar e permanecer atuando na escola do
Assentamento Buenos Aires em Caxias-MA; Caracterizar a prática docente
de Geografia desenvolvida na escola do Assentamento Buenos Aires e, por
fim, identificar os fatores que favorecem ou dificultam o desenvolvimento
da prática do professor de Geografia em Educação do Campo na escola
deste assentamento, bem como o sentido e o significado atribuído por ele
ao papel da escola e da sua própria prática docente.
Portanto, neste texto, especificamente, apresenta-se as sendas
percorridas em uma pesquisa qualitativa em Geografia no âmbito da
Educação do Campo. Discute-se, a maneira de organização, análise e
interpretação dos dados, apoiando-se nas orientações de Aguiar e Ozella
(2013; 2006), que propõem a sistematização de Núcleos de Significação
para o procedimento de análise do discurso do interlocutor de uma pesquisa
dentro da abordagem sócio histórica, utilizando para tal as categorias
sentido, significado e mediação. Por conseguinte, descreve-se como se deu
o processo de inferência e sistematização dos Núcleos de Significação e,
por fim, explica-se o processo de análise dos núcleos de significação. Dessa
maneira, ressalta-se que ao longo da produção da dissertação, considerou-
se, os sentidos e significados atribuídos pelo Prof. Francisco José (nome
fictício), ao papel da escola e à sua própria prática docente desenvolvida no
Assentamento Buenos Aires do município de Caxias (MA), a partir da sua
interface com o mundo, com o contexto sócio histórico no qual se constitui
o seu modo de pensar, sentir e agir como professor de Geografia no âmbito
da Educação do Campo.

246  Denílson Barbosa dos Santos


Sendas percorridas em uma pesquisa qualitativa

Com base em um aporte teórico sólido, buscou-se demarcar


cientificamente a senda teórico-metodológica com vista a produção da
dissertação de mestrado em Geografia produzida no PPGGEO/UFPI em
2017/2018, intitulada “Prática docente de Geografia em Educação do Campo
na Escola Municipal Apolônio Facundes de Sousa do Assentamento Buenos Aires do
Município de Caxias-MA” (SANTOS, 2019). Para tanto, apoiou-se em Minayo
(2004; 2000); Spósito (2004); Valverde (2006); Marafon et al. (2013) e
Aguiar e Ozella (2013; 2006), dentre outros, para construção do percurso
metodológico desta pesquisa.
Nosso interesse, muito embora, considerando as idas e vindas, tem
sido desde o início, o de estudar a questão da prática docente de Geografia
em Educação do Campo, buscando, analisar o papel da Escola Apolônio
Facundes de Sousa e da prática docente de Geografia no Assentamentos
Buenos Aires do Município de Caxias-MA.
Isso porque, um estudo desta natureza, é necessário para compreensão
da prática docente de Geografia desenvolvida no Assentamento Buenos
Aires do município de Caxias-MA, por um professor que não é da Educação
do Campo, bem como a contribuição de tal prática e da escola como um
todo para e na formação emancipadora e autônoma dos seus educandos
camponeses, de forma que o conhecimento geográfico, seja trabalhado
como processo e, deste modo, contribua para a formação humana
integral na perspectiva da emancipação intelectual, social e política dos
educandos camponeses, favorecendo o exercício da cidadania, a melhoria
da qualidade de ensino e o direito de apreender daqueles que estão sob a
responsabilidade dos professores: os educandos camponeses.
Contudo, sem nenhuma pretensão de esgotar a temática nem de
ter a resposta definitiva, após várias idas ao campo lócus da pesquisa e,
com base nos aspectos revelados na realidade empírica, reconheceu-se a
necessidade de se estabelecer o tipo de pesquisa, a abordagem e o método
para definição dos passos metodológicos perseguidos para produção
deste trabalho científico, calcada na Geografia Humana. Optou-se fazer
desta forma, por entender que “O método só pode se construir durante a
pesquisa; ele só pode emanar e se formular depois, no momento em que
o termo transforma-se em um novo ponto de partida, desta vez dotado de
método [...]” (MORIN, 2005, p. 36).

SENDAS MEANDRANTES DE UMA PESQUISA SOBRE PRÁTICA DOCENTE 247


EM EDUCAÇÃO DO CAMPO A PARTIR DOS NÚCLEOS DE SIGNIFICAÇÃO
Desse modo, o método, neste trabalho é entendido “[...], para além
de sua função instrumental, como algo que nos permite penetrar no real,
objetivando não só compreender a relação sujeito/objeto, mas a própria
constituição do sujeito, produzindo um conhecimento que se aproxime do
concreto, síntese de múltiplas determinações” (AGUIAR; OZELLA, 2013, p.
300-301).
A luz desse entendimento, deixamos claro que análise do discurso
do professor de Geografia, interlocutor dessa pesquisa, pautou-se em uma
perspectiva que tem no empírico seu ponto de partida, mas não seu fim,
pois estávamos desde o início cientes de que é extremamente essencial
irmos para além das aparências, da mera descrição dos fatos, sendo preciso
buscar a explicação do processo de constituição do objeto estudado,
estudá-lo em seu processo histórico, pois é impossível construir um método
alheio a uma concepção de homem (AGUIAR; OZELLA, 2013).
Nesse sentido, ciente das possibilidades e limites do método
materialismo histórico e dialético, esta pesquisa, tendeu-se a fazer parte da
abordagem qualitativa. A escolha por esse método, neste estudo geográfico,
justifica-se, porque “[...] o método materialista histórico dialético permite
compreender o campo enquanto local e território de vida, não somente
destinado ao monocultivo e ao agronegócio de modo geral [...]” (ROSSI,
2014, p. 240). Por conseguinte, igualmente, “[...] podemos refletir sobre
as práticas e reflexões presentes na raiz da educação do campo, enquanto
uma educação da classe trabalhadora que vai além do destino encarado
como certo, finito e acabado [...]” (ROSSI, 2014, p. 250).
Esta escolha metodológica, deve-se ainda, ao fato de que
comungamos do entendimento de Pontuschka (1999) quando assevera
que o método materialismo histórico e dialético, por ser revolucionário,
é capaz de questionar a realidade. E no processo de ensino-aprendizagem
de Geografia pode possibilitar a produção de conceitos de forma
conjunta, professores e alunos, partindo da realidade do sujeito-estudante
camponês. A esse respeito, esta autora explica que em uma prática docente
de Geografia norteada pelo materialismo histórico e dialético, “[...] não se
transmitia o conceito ao aluno, a partir da realidade concreta de sua vida,
o conceito seria construído” (PONTUSCHKA, 1999, p. 129).

248  Denílson Barbosa dos Santos


Ademais, em se tratando de métodos de pesquisa científica
voltada para a Educação do Campo, indiscutivelmente, o Construtivismo
Sociointeracionista ou abordagem histórico-cultural (VYGOTSKY, 2003a;
2003b), a Pedagogia Libertadora Freireana e a Pedagogia do Movimento,
assim como a Geografia Crítica, incorporam o materialismo histórico
e dialético marxista que prima pela ideia de movimento, dinâmica e
contradição no processo, concebe o indivíduo como ativo, sujeito do
processo de produção do conhecimento, a exemplo dos educandos
camponeses. Contudo, deve-se esclarecer o seguinte: “[...] O que está
em discussão é o meio, isto é, o método. Tanto o Construtivismo quanto
o materialismo histórico incorporam a idéia de processo, ou seja, de
movimento, dinâmica e contradição. [...]” (STRAFORINI, 2004, p. 73).
Aliado a escolha do método supracitado, adotou-se a abordagem
qualitativa como perspectiva desta pesquisa porque, conforme Minayo
(2004), pesquisas qualitativas são capazes de incorporar o significado e
a intencionalidade como inerentes aos atos, às relações e às estruturas
sociais, sendo estas últimas tomadas tanto em seu advento quanto em sua
transformação como construções humanas significativas.
Assim, a senda metodológica escolhida nos apresentou inúmeras
possibilidades, inclusive a de lançar mão de métodos distintos. Contudo,
compreende-se que “a pesquisa científica deve ser norteada por um
método, um caminho a seguir, procurando-se as distintas concepções, não
se encerrando numa única” (FEYERABEND, 1977, p. 29-33), pois a ciência
é processual, dinâmica, provisória, questionável, um devir. Em síntese,
Feyerabend (1977, p. 17-26) sugere “conhecermos os vários métodos, mas
escolher um caminho”. Esse entendimento nos fez refletir sobre o fato de
que “o ecletismo é uma auto-frustação, não porque haja somente uma
direção a percorrer com proveito, mas porque há muitas e, é necessário
escolher” (GEERTZ, 1989, p. 15). Comungando desse entendimento,
demarcamos cientificamente este trabalho sem perder de vista a cultura e
os saberes locais e que o senso comum, “é ele próprio uma forma válida de
conhecimento” (DEMO, 1985, p. 31).
Neste ínterim, ao optarmos pela interpretação geográfica à luz do
método materialismo histórico e dialético agregamos teoria e prática no
conhecimento de nosso objeto de pesquisa, pois “[...] o materialismo
histórico dialético torna-se uma importante ferramenta para transformar a
realidade sob outras bases, sem a exploração humana, como se propõem

SENDAS MEANDRANTES DE UMA PESQUISA SOBRE PRÁTICA DOCENTE 249


EM EDUCAÇÃO DO CAMPO A PARTIR DOS NÚCLEOS DE SIGNIFICAÇÃO
a desenvolver os que lutam por terra e demais direitos no campo [...]”
(ROSSI, 2014, p. 250-251).
Nessa intencionalidade, registra-se que o trabalho de campo foi,
essencial a essa produção para confrontar a entrevista semiestruturada
do professor de Geografia interlocutor desta pesquisa com os aspectos
registrados no diário de campo quando da realização de observação
participante, porque entendemos que:

O instrumento mais importante que o geógrafo leva para o campo


é o próprio cérebro. Lá, ele não se limita a olhar, pois que assim o
fazem todos os que viajam: turistas, viajantes. O geógrafo precisa ver,
que significa olhar, associado ao ato inteligente de refletir; observar,
enfim (VALVERDE, 2006, p. 7).

Esse exercício ou encaminhamentos recomendados por Valverde


(2006), foi seguido em diversos momentos no campo de pesquisa para
realização de entrevistas, observações, registros fotográficos e escrito, seja
no Assentamento Buenos Aires, seja na escola U.I.M. Apolônio Facundes
de Sousa para observação participante do cotidiano e dos aspectos do
ambiente escolar, inclusive as observações de aulas do Prof. Francisco José,
sempre na intenção de analisar o papel da escola e da prática docente de
Geografia desenvolvida neste assentamento. No campo da Geografia, o
uso da pesquisa qualitativa é viável porque:

As reflexões teóricas metodológicas se fazem presentes na geografia,


visto que nós, pesquisadores, temos o objetivo de aprimorar nossos
conhecimentos e superar os desafios que nos são lançados. Quando
optamos pelos estudos qualitativos, estamos lidando com uma
dupla obrigação: em primeiro lugar, com nossos compromissos de
pesquisa; e, em segundo, com as pessoas pesquisadas. Estas deixam
de ser meramente “objetos de pesquisa” para ser protagonistas de
nossos estudos, “sujeitos da pesquisa” que interagem e dão voz
(SOUZA, 2013, p. 63).

Endossando esse entendimento sobre o que caracteriza uma pesquisa


qualitativa, enfatiza-se o fato de que, a preocupação com o processo é
muito maior do que com o produto, isso se deve por que o “[...] interesse
do pesquisador ao investigar um determinado problema é principalmente o
de verificar como ele se manifesta nas atividades, nos procedimentos e nas
interações cotidianas” (LUDKE; ANDRÉ, 2001, p. 12).

250  Denílson Barbosa dos Santos


Destarte que ao estabelecer um paralelo entre as afinidades políticas
com as tensões teórico-metodológicas que demarcam as pesquisas
acadêmicas e científicas, Louro (2007) e Grossi (1992), afirmam em seus
escritos, que o modo como pesquisamos, como conhecemos e como
escrevemos é marcado por nossas escolhas teóricas, políticas e afetivas.
Concordo com as duas pesquisadoras, pois pesquiso, o papel da escola e
da prática docente em Educação do Campo de um professor de Geografia,
porque estive inserido durante muitos anos e continuo na militância e no
trabalho da e com a Educação do e no Campo e isso ofereceu importante
contribuição para o desenvolvimento da pesquisa e para a ampliação do
entendimento de questões centrais do trabalho.
Desse modo, este trabalho tem como um dos princípios básicos,
a consideração do Prof. Francisco José, interlocutor da pesquisa, como
sujeito protagonista de sua ação docente e não como mero executor de
atividades ou técnicas em sala de aula. Isto se deve por entender que:

[...]. Ao se definir o professor como produtor de conhecimento que é,


julga-se necessário refletir como ele se (re) apropria de conhecimento
que permita reconstruir continuamente a sua prática docente. Isso
vai supor, sem dúvida, uma alteração na forma como é organizado o
trabalho pedagógico na escola hoje, que tende a desvalorizar o saber
do professor e que o priva de uma reflexão crítica sobre a ação escolar
como um todo e sobre a sua ação em particular. Reconhece-se, desse
modo, que a mudança não pode ficar só no nível do professor, mas
deve se estender à unidade escolar como um todo (ANDRÉ, 1995,
p. 107).

Consciente disso, reconheço que, muito embora, a produção final da


dissertação supracitada, não se deu solitariamente, entretanto, considero
como gênese desta pesquisa o exercício solitário de reflexões, de minha
prática docente como professor de escolas localizadas em assentamento
rural e em comunidade quilombola e de ações pedagógicas, por estar a priori
vinculado intimamente, nos últimos cinco (5) anos com as atividades que
desde 2013 vinha desenvolvendo como coordenador e formador em serviço
de professores nas Redes Municipais de Ensino de Caxias-MA e Matões-MA
e, posteriormente, por me permitir a problematizar uma prática docente de
Geografia no âmbito da Educação do Campo.

SENDAS MEANDRANTES DE UMA PESQUISA SOBRE PRÁTICA DOCENTE 251


EM EDUCAÇÃO DO CAMPO A PARTIR DOS NÚCLEOS DE SIGNIFICAÇÃO
Contudo, nas sendas percorridas ou nos meandros desta pesquisa,
em hipótese alguma, desconsidero as sugestões de leituras, os diálogos,
as orientações, encaminhamentos que obtive de outras pessoas na
realização deste trabalho e, não foram poucas, mas cada um, ao seu
modo, foi incorporado a minha escrita, encontrando-os diluídos ao longo
da dissertação produzida. Isto posto, entendo que a produção de uma
dissertação, assim como de todo trabalho científico é fruto de escolhas. A
escrita da minha dissertação, seguramente, configura-se como o resultado
de escolhas que fui cotidianamente tecendo aqui e acolá, não importando
o ambiente em que estava presente, se fazia algum sentido ou apresentava
alguma correlação com a temática, caneta e papel na mão, era registro certo
e, reflete consideravelmente, o percurso de minha formação acadêmico-
profissional e sobretudo, a história de minha vida.
Problematizar ou melhor, perguntar, como meu orientador Prof.
Dr. Raimundo Wilson Pereira dos Santos, corriqueiramente ao longo dos
nossos encontros de orientação, após ler a escrita das seções que iriam
compor a dissertação, olhava-me firmemente e, exclamava “- como você gosta
de perguntar, fazer questionamentos!”. E eu lhe respondia tranquilamente, “- as
questões que faço ao escrever têm uma razão de ser, elas me fazem pensar, refletir e
visualizar melhor os cenários ou os contextos situacionais que ora escrevo a respeito
ou estou envolvido”. E não foram poucos os questionamentos levantados
até chegar naquele que configuraria como o problema cientifico de nossa
pesquisa, saber: qual o papel da Escola Apolônio Facundes de Sousa e da prática
docente de Geografia no Assentamentos Buenos Aires do Município de Caxias-MA?
Assim entre idas e vindas ao campo lócus da pesquisa, escrita e reescrita,
continuava a saga de leitura e fichamento em diversos contextos implícitos
e explícitos, parafraseando Michel Certeau (1994), “como uma “operação
de caça”, na tentativa consciente e intencional de dirimir as dúvidas e traçar
as sendas percorridas, mas sem jamais esquecer os meandros teórico-
metodológicos marcantes e que também serviram para produção deste
estudo.

Organização, análise e interpretação dos dados

Na organização, análise e interpretação dos dados apoiou-se nas


orientações de Aguiar e Ozella (2013; 2006), que propõem a sistematização
de Núcleos de Significação para o procedimento de análise do discurso
do interlocutor de uma pesquisa dentro da abordagem sócio histórica,

252  Denílson Barbosa dos Santos


utilizando para tal as categorias sentido, significado e mediação. Para
tanto, é necessário a discussão, ainda que brevemente, sobre implicações
conceituais das categorias supracitadas. O uso da categoria mediação
“[...] não tem, portanto, a função de apenas ligar a singularidade e a
universalidade, mas de ser o centro organizador objetivo dessa relação [...]”
(AGUIAR; OZELLA, 2013, p. 301-302).
Contudo, esse entendimento dos autores, reforça a compreensão
de que subjetividade e objetividade, externo e interno, na perspectiva ora
exposta, não são dicotômicos e imediatos, mas são elementos diferentes
que se constituem mutuamente, favorecendo a existência do outro numa
relação de mediação (AGUIAR; OZELLA, 2013). Ademais é preciso “[...]
apreender as mediações sociais constitutivas do sujeito, saindo assim
da aparência, do imediato, indo em busca do processo, do não dito, do
sentido” (AGUIAR; OZELLA, 2013, p. 303).
Ao passo que a categoria mediação somada as categorias significado
e sentido, entre outras mutuamente articuladas, nos permitem compreender
o homem, a exemplo do professor interlocutor dessa pesquisa, como
sujeito histórico. A esse respeito, esclarece que “Apesar de optarmos por
iniciar pela discussão da categoria significado, faz-se necessário explicitar
que essas duas categorias, apesar de serem diferentes, de não perderem sua
singularidade (fato que nos leva a discuti-las separadamente), não podem
ser compreendidas deslocadas uma da outra, pois uma não é sem a outra”
(AGUIAR; OZELLA, 2013, p. 304).
Para Vigotski (2003b), o significado, no campo semântico, refere-
se às relações que a palavra pode encerrar; por outro lado, no campo
psicológico, é uma generalização, um conceito. Este autor, ressalta que o
que internalizamos não é o gesto como materialidade do movimento, mas
a sua significação, a qual tem o poder de transformar o natural em cultural.
Em outros termos, destaca-se que “[...] a atividade humana é sempre
significada: o homem, no agir humano, realiza uma atividade externa e uma
interna, e ambas as situações (divisão esta somente para fins didáticos)
operam com os significados. [...]” (AGUIAR; OZELLA, 2013, p. 304).
Sob esta ótica, compreendemos que o sentido é mais amplo que o
significado, pois o “[...] sentido refere-se a necessidades que, muitas vezes,
ainda não se realizaram, mas que mobilizam o sujeito, constituem o seu
ser, geram formas de colocá-lo na atividade. A categoria sentido destaca a
singularidade historicamente construída (AGUIAR; OZELLA, 2013, p. 304-

SENDAS MEANDRANTES DE UMA PESQUISA SOBRE PRÁTICA DOCENTE 253


EM EDUCAÇÃO DO CAMPO A PARTIR DOS NÚCLEOS DE SIGNIFICAÇÃO
305). Assim, pode-se inferir que “falar de sentidos é falar de subjetividade,
da dialética afetivo/cognitivo, é falar de um sujeito não diluído, de um
sujeito histórico e singular ao mesmo tempo” (AGUIAR et al., 2009, p. 65).
Quanto aos procedimentos necessários para análise do discurso
do interlocutor da pesquisa através dos Núcleos de Significação, os
autores propõem o trabalho com entrevistas, entendidas “[...] como um
instrumento rico que permite acesso aos processos psíquicos que nos
interessam, particularmente os sentidos e os significados” (AGUIAR;
OZELLA, 2013, p. 308).
Esses autores chamam atenção para algumas características que
marcam este instrumento e que, podem interferir no seu potencial de
captação ou apreensão dos sentidos e significados buscados, quando
explicam que “As entrevistas devem ser consistentes e suficientemente
amplas, de modo a evitar inferências desnecessárias ou inadequadas [...]
Elas devem ser recorrentes [...] recomenda-se um plano de observação, no
processo das entrevistas [...]” (AGUIAR; OZELLA, 2013, p. 308).
Neste interim, como este trabalho consistiu em analisar o papel
da escola e da prática docente de Geografia em Educação do Campo
desenvolvida na U.I.M. Antônio Facundes de Sousa do Assentamento
Buenos Aires do município de Caxias-MA, bem como os sentidos e os
significados produzidos por um professor de Geografia acerca de sua
prática docente realizada no assentamento supracitado, com base em
Aguiar e Ozella (2013; 2006), foram inferidos e sistematizados núcleos de
significação, reveladores do modo de pensar, sentir e agir do Prof. Francisco
José, interlocutor desta pesquisa, no movimento dialético de sua atividade
docente.
Para tanto, inicialmente, procedeu-se a transcrição dos áudios das
entrevistas concedidas em 2017 e em 2018 pelo Prof. Francisco José a este
pesquisador, após digitadas, foram impressas e todas passaram pelo crivo
do interlocutor entrevistado, que após ler, emitiu devolutiva favorável a
publicação de seus relatos na dissertação, possibilitando assim, a criação
de 38 pré-indicadores; 12 indicadores e 5 Núcleos de Significação que
auxiliaram no conhecimento e aprofundamento do problema estudado,
cuja preocupação teve-se como cerne, o estudo dos processos descritos e
não de produtos ou objetos, conforme constam descritos a seguir.

254  Denílson Barbosa dos Santos


Processo de inferência e sistematização dos núcleos de significação

Reiteramos, que o processo de inferência e sistematização dos


Núcleos de Significação deste trabalho de pesquisa seguiu as orientações
metodológicas de Aguiar e Ozella (2013; 2006). Para tanto, inicialmente,
realizou-se “leituras flutuantes” das entrevistas, o que possibilitou a
produção de inventário de palavras que se destacam no discurso do Prof.
Francisco José. Dessas palavras, as quais são sempre significadas em seu
contexto, vêm à tona os diferentes pré-indicadores ou temas que constituem
a realidade socio histórica do sujeito investigado.
Os 38 pré-indicadores inferidos a partir da fala do Prof. Francisco
José são apresentados no Quadro 1 e, igualmente, colocamos em relevo
os trechos do discurso desse professor, nos quais os pré-indicadores estão
contidos/constituídos. Este procedimento adotou-se inicialmente, para que
os pré-indicadores “[...] não fossem deslocados do conjunto do discurso,
garantindo-se, assim, a compreensão dos significados e, no decorrer da
análise” (AGUIAR; OZELLA; 2013, p. 312) dos sentidos atribuídos pelo
Prof. Francisco José às palavras denominadas de pré-indicadores. Registra-
se ainda que esses pré-indicadores foram organizados em grupo, em
conformidade com os critérios de similaridade, complementaridade e
contradição, propostos por Aguiar e Ozella (2013; 2006), favorecendo dessa
forma, a organização, posteriormente, dos indicadores e seus conteúdos.

Quadro 1 - Alguns dos 38 Pré-Indicadores inferidos a partir


do discurso do Prof. Francisco José.
Pré-Indicadores Trecho do discurso do Prof. Francisco José
Reconheço que não sai pronto pra ser professor, porque na UEMA conhecemos
uma escola e quando passamos a trabalhar como professor, descobrimos que na
12 Professor
realidade, existe outra escola diferente daquela estudada nos livros de Geografia
inacabado
ou nas disciplinas pedagógicas, isso nos dar uma sensação ruim, de frustação e de
desespero, sobre o que fazer agora em sala de aula
[...]. É o momento que realizo o meu trabalho pedagógico de ensinar
meus alunos, mas também é o momento em que eu reflito sobre o que,
para que, para quem e como estou fazendo, avalio aos alunos e me auto
26 Prática avalio, e também aprendo muito, para se ter uma ideia hoje posso dizer que sou
docente um professor muito melhor do que quando comecei em 2015, quanta coisa aprendi,
pois hoje compreendo que de fato nos tornamos professores no exercício da
docência. Na realidade a prática docente materializa as múltiplas e complexas
atividades inerentes ao ato de ensinar e aprender. [...].
Fonte: Pesquisa Direta, março a maio de 2018. Dados organizados por SANTOS, D. B. dos (2018).

SENDAS MEANDRANTES DE UMA PESQUISA SOBRE PRÁTICA DOCENTE 255


EM EDUCAÇÃO DO CAMPO A PARTIR DOS NÚCLEOS DE SIGNIFICAÇÃO
Finalizada essa primeira fase, procedeu-se a aglutinação dos pré-
indicadores, ou seja, dos diferentes temas trazidos à tona no discurso
do Prof. Francisco José, considerando os critérios de similaridade,
complementaridade e contradição, propostos por Aguiar e Ozella (2013;
2006), o que possibilitou a inferência e sistematização dos indicadores. Em
tempo, esclarecemos que cada indicador contém sentidos e significados
que somente podem ser compreendidos a partir da leitura e interpretação
das palavras do Prof. Francisco José em seu contexto sócio historicamente
determinado.
Desse modo, o resultado da inferência e sistematização dos
indicadores, encontra-se descrito no Quadro 2 a seguir.

Quadro 2 - Sistematização dos Indicadores a partir da aglutinação dos Pré-


Indicadores

Pré-Indicadores Indicadores
1 Formação Acadêmica; 2 Identidade 1) O aperfeiçoamento pessoal e
docente; 3 Formação Continuada; 4 profissional como necessidade do
Aprendizagem; 5 Trajetória profissional trabalho docente e melhoria do
docente; 6 Assentamento Buenos Aires aprendizado discente
2) Gosto pela escola e pelo trabalho
7 Ambiente de trabalho; 8 Trabalho
docente de Geografia no Assentamento
Docente de Geografia
Buenos Aires
3) Consciência do papel docente e o
9 Aprendiz docente; 10 Satisfação ensino-aprendizagem como um processo
de via dupla
11 Saberes mobilizados; 14 Aprendizado
4) Atuação do professor de geografia: um
Docente; 15 Trocas de Experiências; 16
intercruzamento de saberes, experiências,
Saberes não consolidados; 18 Experiência
frustações e superações
adquirida; 19 Saberes e a Prática Docente
12 Professor inacabado; 13 Graduação em 5) Condições dialéticas em que acontece
Geografia; 17 Busca pessoal; 20 Encontros a formação inicial e continuada e a
formativos em serviço prática docente
21 Formação cidadã dos alunos; 22 6) Formação dos alunos, sentimento
Escola Apolônio Facundes de Sousa; 23 de pertencimento e enfrentamentos dos
Enfrentamento das dificuldades da escola problemas escolares
7) Todos os educandos camponeses são
24 Experiência de vida e mediação capazes de aprender: quando
docente; 25 Os indiferentes, silenciados e o currículo vivido dialoga com o currículo
invisibilizados escolar, esse processo ganha sentido e o
aprendizado acontece facilmente

256  Denílson Barbosa dos Santos


26 Prática docente; 27 Educação do
Campo; 28 Diretrizes Operacionais para a 8) Concepções teóricas norteadoras da
Educação Básica nas Escolas do Campo; 29 prática docente de Geografia
Geografia Escolar; 30 Ensinar e aprender
31 Abordagem histórico social e Pedagogia 9) Epistemologia marcante da prática
Libertadora; 32 Estratégias metodológicas docente de Geografia em Educação do
de ensino Campo
10) Fatores que facilitam e que dificultam
33 Facilidades e Dificuldades a prática docente de Geografia em
Educação do Campo
11) Uma nova perspectiva de ensinar e
34 Prática docente de Geografia; 35 A voz
aprender em Geografia: trabalhar com e
discente
não para os alunos
36 Ser professor de Geografia no campo; 12) O que move e dar sentido a prática
37 Compromisso Político Pedagógico; 38 docente de Geografia em Educação do
Professor da escola Campo
Fonte: Pesquisa Direta, março a maio de 2018. Dados organizados por SANTOS, D. B. dos (2018).

Findada a segunda fase, ou seja, o processo de aglutinação dos


pré-indicadores em indicadores, iniciou-se a terceira fase, consistindo
na inferência e sistematização dos Núcleos de Significação, produto da
articulação dos indicadores e seus conteúdos presentes no modo de
pensar, sentir e agir do sujeito. Para tanto, mais uma vez, considerou-
se nesse processo, igualmente, os conteúdos temáticos que apresentam
similaridade, aspectos complementares ou contenha alguma contradição.
Ademais, ressalta-se que como um critério principal para organização
dos núcleos, esses indicadores devem, além de exprimirem aspectos
relevantes do interlocutor, contribuir para que se atinja o objetivo da
pesquisa. Dessa forma, nesse processo de inferência e sistematização dos
Núcleos de Significação considerou-se o espaço social onde o sujeito, a
partir de suas relações histórico-sociais, produz sua subjetividade. Por isso
optei por mesclar parte da fala do Prof. Francisco José e compor uma nova
frase para substantivar cada um dos 5 Núcleos de Significação descritos no
Quadro 3 a seguir.

SENDAS MEANDRANTES DE UMA PESQUISA SOBRE PRÁTICA DOCENTE 257


EM EDUCAÇÃO DO CAMPO A PARTIR DOS NÚCLEOS DE SIGNIFICAÇÃO
Quadro 3 - Sistematização dos Núcleos de Significação a partir da articulação
dos Indicadores

Indicadores Núcleos de Significação


1) O aperfeiçoamento pessoal e
profissional como necessidade do trabalho
docente e melhoria do aprendizado 1) “[...] busco fazer bem feito o meu trabalho
discente [...]”: O ser professor de Geografia em
2) Gosto pela escola e pelo trabalho assentamento rural como uma atividade
docente de Geografia no Assentamento focada na qualidade do trabalho docente
Buenos Aires e da aprendizagem discente significativa e
3) Consciência do papel docente e o transformadora
ensino-aprendizagem como um processo
de via dupla
4) Atuação do professor de geografia: um 2) “[...] não saí pronto pra ser professor [...],
intercruzamento de saberes, experiências, isso nos dar uma sensação ruim, de frustação e
frustações e superações de desespero, sobre o que fazer agora em sala
de aula”: Saberes docentes consolidados e
5) Condições dialéticas em que acontece a não consolidados, o exercício da docência
formação inicial e continuada e a prática e o ser professor de Geografia no âmbito
docente da fase inicial do ciclo de vida profissional
3) “Eu já vivi isso, quando eu era criança, tinha
dificuldade para aprender [...] minha mãe me
7) Todos os educandos camponeses são dizia sempre [...] você vai aprender, meu filho, e
capazes de aprender: quando o currículo assim eu ia feliz pra escola com muita vontade de
vivido dialoga com o currículo escolar, esse aprender”: As aulas de Geografia na Escola
processo ganha sentido e o aprendizado Apolônio Facundes de Sousa: momentos
acontece facilmente indissociáveis entre a experiência vivida,
saberes cotidianos e os saberes escolares
do docente e dos discentes
8) Concepções teóricas norteadoras da 4) “[...]. Ensinar é processo de mão dupla
prática docente de Geografia [...] é poder contribuir na formação dos alunos
9) Epistemologia marcante da prática como cidadãos [...], é não negar a eles o
docente de Geografia em Educação do direito de aprender. Ensinar é coisa muito séria
Campo [...]”: Prática docente de Geografia em
Educação do Campo como práxis, fonte
10) Fatores que facilitam e que dificultam de conhecimento e geradora de novos
a prática docente de Geografia em conhecimentos
Educação do Campo
6) Formação dos alunos, sentimento de
pertencimento e enfrentamentos dos 5) “[...] não posso negar aos outros e
problemas escolares principalmente aos meus alunos camponeses,
11) Uma nova perspectiva de ensinar e aquilo que me foi negado ao longo do meu
aprender em Geografia: trabalhar com e processo de escolarização na educação básica e
no próprio ensino superior [...]” - O papel da
não para os alunos escola e da prática docente de Geografia
12) O que move e dar sentido a prática na formação dos educandos camponeses:
docente de Geografia em Educação do Uma apreensão dos sentidos e significados
Campo
Fonte: Pesquisa Direta, março a maio de 2018. Dados organizados por SANTOS, D. B. dos (2018).

258  Denílson Barbosa dos Santos


Análise dos núcleos de significação

Concluída a articulação dos 12 indicadores, isso nos permitiu


inferirmos e sistematizarmos os 5 Núcleos de Significação expostos
anteriormente no Quadro 3, dessa forma deu-se prosseguimento ao
processo de aproximação dos sentidos constituintes do Prof. Francisco
José, interlocutor desta pesquisa com relação ao papel da escola e a sua
prática docente de Geografia desenvolvida no Assentamento Buenos Aires
do Município de Caxias -MA. Para tanto, consideramos que “[...] para
compreender a fala de alguém, não basta entender suas palavras; é preciso
compreender seu pensamento (que é sempre emocionado), é preciso
aprender o significado da fala” (AGUIAR, 2001, p. 130, grifo da autora).
Destarte que compreendemos como pensamento o “[...] processo
psicológico, não somente por seu caráter cognitivo, mas por seu sentido
subjetivo, pelas significações e emoções que se articulam sua expressão”
(GONZÁLEZ REY, 2003, p. 235, grifo nosso). Dessa maneira, nesse trabalho,
consideramos, os sentidos e significados atribuídos pelo Prof. Francisco
José ao papel da escola e à sua própria prática docente desenvolvida no
Assentamento Buenos Aires, a partir da sua interface com o mundo, com o
contexto sócio histórico no qual se constitui o seu modo de pensar, sentir e
agir como professor de Geografia no âmbito da Educação do Campo.

Considerações finais

A organização, análise e interpretação dos dados, a partir, dos


Núcleos de Significação, propostos por Aguiar e Ozella (2013; 2006),
pode-se inferir que no caso específico do Prof. Francisco José, o significado
da sua prática docente (práxis) é formado pela finalidade da ação ou
do ato de ensinar, em outros termos, pelo seu objetivo e pelo conteúdo
concreto efetivado por meio das estratégias ou operações realizadas
conscientemente por ele diante das condições reais e objetivas que dispõe
na condução ou mediação do processo de construção ou apropriação do
conhecimento geográfico pelos seus educandos camponeses na U.I.M.
Apolônio Facundes de Sousa. Levando em consideração este significado da
prática docente atribuído pelo Prof. Francisco José, ao longo da pesquisa
fomos percebendo que o sentido, o que motivava, o incitava este professor
a realizar sua prática docente da forma que vinha desenvolvendo, era e é
justamente, com a intenção de não negar aos seus educandos camponeses

SENDAS MEANDRANTES DE UMA PESQUISA SOBRE PRÁTICA DOCENTE 259


EM EDUCAÇÃO DO CAMPO A PARTIR DOS NÚCLEOS DE SIGNIFICAÇÃO
o que fora negado a ele durante o seu próprio processo de escolarização na
Educação Básica, por isso faz de tudo para garantir o direito de aprender
de seus educandos.
Além do mais, em se tratando da prática docente, ganha uma
responsabilidade maior, devido ao compromisso político pedagógico
do professor de Geografia com a qualidade do aprendizado dos seus
educandos camponeses. Nesse aspecto, esse professor, é consciente de
sua responsabilidade e da própria escola Apolônio Facundes de Sousa, na
formação humana integral dos seus educandos e na construção de uma
sociedade brasileira, maranhense e caxiense mais justa, igualitária, com
mais educação e desenvolvimento em todas suas dimensões. Entretanto,
deve-se esclarecer que a prática docente, tem significados diferentes para
cada professor, já que todos nós somos seres sócio-históricos únicos e com
personalidades únicas.
Portanto, é relevante esclarecer que neste momento, pela exiguidade
do tempo, reconheço que não fazemos um estudo tão minucioso sobre
o papel da escola e da prática docente de Geografia em Educação do
Campo, logo não esgotaremos as discussões acerca dessa temática,
sendo necessários futuros estudos pra aprofundamento ou abordagem
sob outra perspectiva. Tomamos sim, os conceitos de prática docente,
Geografia Escolar, Educação do Campo, assentamento rural e escola,
a partir de estudos de teóricos que são autoridades nesses respectivos
assuntos, com base nesse referencial teórico buscamos analisar e discutir
os dados empíricos colhidos ao longo desta pesquisa com vista responder
ao problema científico, as questões norteadoras e aos objetivos propostos
neste trabalho, sem jamais perder de vista que o ponto de partida de análise
desses dados, sempre foi a apreensão dos significados e sentidos atribuídos
pelo interlocutor desta pesquisa acerca do objeto investigado. Por isso
mesmo, podemos afirmar que a Educação do Campo e a Geografia Escolar
apresentam relevância social, pois, entre outras contribuições, priorizam a
formação humana integral e cidadã dos educandos camponeses.

Referências

AGUIAR, Wanda Maria Junqueira de. et al. Reflexões sobre sentido e


significado. In: BOCK, Ana Mercês B.; GONÇALVES, Maria da Graça M.
(Orgs.). A dimensão subjetiva da realidade: uma leitura sócio-histórica.
São Paulo: Cortez, 2009, p. 54-72.

260  Denílson Barbosa dos Santos


______. A pesquisa em psicologia sóciohistórica: contribuições para
o debate metodológico. In: BOCK, A. M. B.; GONÇALVES, M. G. M.;
FURTADO, O. (Orgs.). Psicologia sócio-histórica: uma perspectiva
crítica em psicologia. São Paulo: Cortez, 2001, p.129-140. Disponível
em: <http://www.academia.edu/14968451/Psicologia_s%C3%B3cio-
hist%C3%B3rica_uma_perspectiva_cr%C3%ADtica_em_psicologia>.
Acesso em: 10 ago. 2018.

______.; OZELLA, Sergio. Apreensão dos sentidos: aprimorando


a proposta dos núcleos de significação. Revista Brasileira de
Estudos Pedagógicos [online]. 2013, vol.94, n.236, p.299-322.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S2176-
66812013000100015&script=sci_abstract&tlng=pt>. Acesso em: 10 ago.
2018.

______. Núcleos de significação como instrumento para a apreensão


da constituição dos sentidos. Psicologia Ciência e Profissão, v. 26,
n. 2, 2006, p. 222-246. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.
php?pid=S1414-98932006000200006&script=sci_abstract &tlng=pt>.
Acesso em: 10 ago. 2018.

ANDRÉ, Marli Eliza. Etnografia da prática escolar. São Paulo: Papirus,


1995.

CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. Petrópolis-RJ: Vozes,


1994.

DEMO, Pedro. Introdução à metodologia da ciência. São Paulo: Atlas,


1985.

FEYERABEND, Paul. Contra o Método. Tradução de Octanny S. da Mata;


Leonidas Hegenberg. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1977. Disponível em:
<https://soife.files.wordpress.com/2009/06/paul-feyerabend-contra-o-
metodo.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2017.

GEERTZ, Clifford. Uma Descrição Densa: por uma interpretação das


culturas. In: GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de
Janeiro: Guanabara, 1989. Disponível em: <https://moodle.fct.unl.pt/
pluginfile.php/122511/mod_resource/content/0/Leituras/Geertz01.pdf>.
Acesso em: 10 abr. 2017.

SENDAS MEANDRANTES DE UMA PESQUISA SOBRE PRÁTICA DOCENTE 261


EM EDUCAÇÃO DO CAMPO A PARTIR DOS NÚCLEOS DE SIGNIFICAÇÃO
GONZÁLEZ REY, Fernando. Sujeito e Subjetividade – uma Aproximação
Histórico-cultural. São Paulo: Ed. Thomson, 2003.

GROSSI, Miriam. Trabalho de campo e subjetividade. Florianópolis:


PPGAS/UFSC, 1992.

LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação: das afinidades


políticas às tensões teórico-metodológicas. Educação em Revista, n. 46,
dez. 2007. Belo Horizonte: FAE/UFMG. Disponível em: <http://www.
scielo.br/pdf/edur/n46/a08n46>. Acesso em: 2 jan. 2017.

LÜDKE, Menga; ANDRÉ, Marli E. D. A. Pesquisa em educação:


abordagens qualitativas. São Paulo: E.P.U., 2001.

MARAFON, Glaucio José; RAMIRES, Julio Cesar de Lima; RIBEIRO, Miguel


Angelo; PÊSSOA, Vera Lúcia Salazar. Pesquisa qualitativa em Geografia:
reflexões teórico-conceituais e aplicadas. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2013,
542 p.

MYNAYO, Maria Cecília de Souza. Ciência, técnica e Arte: o desafio da


pesquisa social. In: MYNAYO, Maria Cecília de Souza (Org.). Pesquisa
social: teoria, método e criatividade. 23. ed. Petrópolis-RJ: Vozes, 2004.

MINAYO, Maria Cecília de Sousa. O desafio do conhecimento: pesquisa


qualitativa em saúde. 5. ed. Rio de Janeiro: Hucitec, 2000.

MORIN, Edgar. O método 1: a natureza da natureza. 2. ed. Tradução Ilana


Heineberg. Porto Alegre: Sulina, 2005.

PONTUSCHKA, Níbia Nacib. Geografia: pesquisa e ensino. In: CARLOS,


Ana Fani Alessandri (Org.). Novos caminhos de Geografia. São Paulo:
Contexto, 1999, p. 112-125.

ROSSI, Rafael. Materialismo Histórico Dialético e Educação do Campo.


Revista OKARA: Geografia em debate, v.8, n.2, p. 249-270, 2014. ISSN:
1982-3878, João Pessoa, PB, DGEOC/CCEN/UFPB. Disponível em:
<http://www.okara.ufpb.br>. Acesso em: 10 set. 2018.

SANTOS, Denílson Barbosa dos. Prática docente de geografia em


educação do campo na escola municipal Apolônio Facundes de Sousa do
Assentamento Buenos Aires do município de Caxias-MA. 2019. 276 f.
Teresina-PI: UFPI/PPGGEO, 2019.

262  Denílson Barbosa dos Santos


SOUZA, Angela Fagna Gomes de. Saberes dinâmicos: o uso da etnografia
nas pesquisas geográficas qualitativas. In: MARAFON, Glaucio José;
RAMIRES, Julio Cesar de Lima; RIBEIRO, Miguel Angelo; PÊSSOA, Vera
Lúcia Salazar. Pesquisa qualitativa em Geografia: reflexões teórico-
conceituais e aplicadas. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2013, p. 55-68.

SPOSITO, Eliseu Sevério. Geografia e Filosofia: Contribuição para o


ensino do pensamento geográfico. São Paulo: Editora UNESP, 2004.

STRAFORINI, Rafael. Ensinar Geografia: o desafio da totalidade-mundo


nas séries iniciais. 2. ed. São Paulo: Annablume, 2004.

VALVERDE, Orlando. Metodologia da Geografia Agrária. Campo-


Território: Revista de Geografia Agrária, Uberlândia, v. 1, n. 1, p.
1-16, fev. 2006. Disponível em: <http://www.seer.ufu.br/index.php/
campoterritorio/article/viewFile/11777/6892>. Acesso em: 30 jun. 2017.

VYGOTSKI, Lev Semenovitch. A formação social da mente. 6. ed. São


Paulo: Martins Fontes, 2003a.

______. Pensamento e linguagem. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes,


2003b.

SENDAS MEANDRANTES DE UMA PESQUISA SOBRE PRÁTICA DOCENTE 263


EM EDUCAÇÃO DO CAMPO A PARTIR DOS NÚCLEOS DE SIGNIFICAÇÃO
OS SENTIDOS SUBJETIVOS
E A SUBJETIVIDADE SOCIAL COMO
PROPOSTA METODOLÓGICA EM
PESQUISAS QUALITATIVAS

Sérgio Teixeira da Silva

E
ste artigo é um recorte da dissertação de mestrado
intitulada “Os/AS EDUCANDOS/AS CANDOMBLECISTAS
E UMBANDISTAS DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS:
sentidos atribuídos ao processo de escolarização”. O principal objetivo
da pesquisa foi compreender os sentidos que educandos e educandas
candomblecistas e umbandistas da Educação de Jovens e Adultos
atribuem ao processo de escolarização. Para tanto, foram selecionados
06 estudantes, sendo três homens e três mulheres, três umbandistas e três
candomblecistas. Suas idades oscilavam entre 26 e 59 anos.
O referencial teórico da pesquisa privilegiou as abordagens teóricas
e conceituais próprias dos Estudos Culturais, do Multiculturalismo Crítico
e do Pensamento Complexo. Além de colocar em relevo conceitos como
identidades e diferenças.
Neste artigo apresenta-se a epistemologia qualitativa proposta
por González Rey (2015) como perspectiva metodológica, em que, as
categorias de subjetividade social e sentido subjetivo estão inseridos.
Além da perspectiva metodológica mencionada, utilizou-se também da
fenomenologia. O percurso metodológico valeu-se das contribuições de

OS SENTIDOS SUBJETIVOS E A SUBJETIVIDADE SOCIAL 265


COMO PROPOSTA METODOLÓGICA EM PESQUISAS QUALITATIVAS
autores como Bento (2012), Bogdan e Biklen (1994), Bourdieu (2008),
Ghedin, Almeida e Oliveira (2008), Gil (2008), Merleau-Ponty (1999),
Stake (1999), Vygotsky (2000).
Destaca-se que, os resultados da pesquisa evidenciaram quatro
núcleos de sentidos atribuídos pelos educandos/as umbandistas e
candomblecistas na Educação de Jovens e Adultos: a) o primeiro
relacionou-se aos processos de exclusão e subjugação dos/as educandos/
as. A escolarização foi percebida como fonte de vergonha e de sofrimento;
b) o segundo evidenciou às formas de resistências, por meio da afirmação
da identidade e demarcação das diferenças. Tanto as crenças como as
simbologias religiosas foram percebidas como fonte de orgulho e de
enfrentamento à exclusão; c) o terceiro núcleo de sentido diz respeito à
carência de estudos sobre a História e Cultura da África no espaço escolar,
especialmente no que se refere às religiosidades de matrizes africanas; d) o
quarto núcleo de sentido abordou à demarcação religiosa de matriz cristã
no espaço escolar. Por meio de imagens, crucifixos e rituais, as escolas
públicas evidenciam seu caráter monocultural, o que produz sofrimento
e discriminação de outros grupos religiosos, especialmente os adeptos de
religiosidades de matrizes africanas.
Portanto, o artigo busca demonstrar a proposta metodológica
adotada na pesquisa, estando organizado em três partes, na primeira fez-
se uma breve apresentação das categorias sentido subjetivo e subjetividade
social, a partir da epistemologia qualitativa. Na segunda tratou-se dos
caminhos percorridos e das alternativas metodológicas que nortearam
a pesquisa. Na terceira demonstrou-se a construção do processo de
categorização dos dados, bem como uma breve descrição dos núcleos de
sentidos encontrados.

Sentidos subjetivos e subjetividade social implicados na pesquisa

A categoria sentido subjetivo1 foi pensada a partir da perspectiva


elaborada por González Rey (2007), que ampliou o conceito de sentido
proposto por Vygotsky (2000), ao considerar a abordagem histórico-

1 De acordo com González Rey (2003), “a categoria de sentido subjetivo permite


a representação de cada experiência do sujeito em sentidos diferentes. O sentido
é subversivo, escapa ao controle, é impossível de predizer, não está subordinado
a uma lógica racional externa. O sentido impõe à racionalidade do sujeito.”
(GONZÁLEZ REY, 2003, p. 252).

266  Sérgio Teixeira da Silva


cultural. Segundo González Rey (2007), a definição da categoria sentido
subjetivo,

orienta-se a apresentar o sentido como momento constituinte


e constituído da subjetividade, como aspecto definidor desta,
enquanto é capaz de integrar formas diferentes de registro (social,
biológico, ecológico, semiótico, etc.) numa organização subjetiva
que se define pela articulação complexa de emoções, processos
simbólicos e significados, que toma formas variáveis e que é suscetível
de aparecer em cada momento com uma determinada forma de
organização dominante. (GONZÁLEZ REY, 2007, p. 171).

Na perspectiva de González Rey (2003), os sentidos que os sujeitos


atribuem a determinados fenômenos estão intrinsecamente relacionados
com suas emoções, pensamentos e com significados que concedem a algo.
Assim sendo, é interessante considerar que os sentidos estão presentes nos
processos de significação e não o oposto. A definição de sentido subjetivo
está pautada numa “relação inseparável entre o emocional e o simbólico,
onde um evoca o outro sem ser sua causa” (GONZÁLEZ REY, 2003, p. 168).
Para o autor, a subjetividade individual se organiza, para cada sujeito,
a partir da identidade e da personalidade, sendo que a personalidade se
configura como um subsistema que organiza o sujeito para se expressar.
Contudo, o conceito de subjetividade social vai além do caráter individual,
uma vez que esta se caracteriza por “produções sociais carregadas de sentido
subjetivo que estão configuradas por processos emocionais e simbólicos
produzidos nas mais diferentes esferas da sociedade” (GONZÁLEZ REY,
2007, p. 172). Essa maneira de compreender as configurações de sentidos
subjetivos não reduz o individual em função do coletivo, pois considera
que ambos se complementam. Assim, a subjetividade social inter-relaciona
fenômenos sociais como

mitos, humor, formas habituais de pensamento, códigos morais,


organização do sentido comum, os códigos emocionais de relação,
a organização social dos repertórios de resposta, a linguagem,
as representações sociais, os discursos, os comportamentos
institucionalizados, etc. A especificidade do conceito de subjetividade
social é gerar visibilidade sobre as complexas e ocultas inter-relações
das diferentes instituições e processos subjetivos da sociedade, por
detrás das quais estão as relações de poder, as formas de organização
sócio-econômica, as diferenças sociais, a organização dos processos
de marginalização, os códigos jurídicos, os critérios de propriedades,

OS SENTIDOS SUBJETIVOS E A SUBJETIVIDADE SOCIAL 267


COMO PROPOSTA METODOLÓGICA EM PESQUISAS QUALITATIVAS
etc. Definir como estas instâncias, e muitas outras, em suas complexas
inter-relações desencadeiam processos de sentido, que aparecem por
trás dos processos parciais de subjetivação de uma sociedade, entre
eles os jogos, os padrões de vida familiar, a violência, o consumo de
drogas, etc., é uma perspectiva essencial no emprego da categoria
subjetividade social. (GONZÁLEZ REY, 2003, p. 131).

Na pesquisa realizada, tratou-se a subjetividade social como um


sistema complexo que organiza o sujeito em sua expressão ativa, produtiva
e reativa. Para captar os sentidos que os sujeitos candomblecistas e
umbandistas atribuíram aos fenômenos pesquisados, considerou-se as
histórias de vida narradas por eles durante as entrevistas. Nas narrativas,
os sujeitos resgataram momentos vividos em tempos e espaços diferentes,
sobretudo, aqueles vividos no ambiente escolar, espaço considerado
como lócus dos estudos. Os sentidos foram captados de forma indireta
e processual, em consonância com as expressões, narrativas, gestos, e
emoções percebidas em função do contato com os sujeitos. Por isso,
buscou-se romper com concepções estritamente positivistas adotadas
pela ciência clássica, tendo em vista a compreensão apreendida sobre os
sentidos que os sujeitos atribuem a determinados fenômenos que permeiam
a subjetividade.
A subjetividade social propõe que os fatos sociais não devem ser
tratados como coisas estritamente quantificadas e experimentadas,
pois estes, “são produzidos por seres que pensam, agem, sendo capazes,
portanto, de orientar às situações de diferentes maneiras” (GIL, 2008, p.
05). Trabalhar com subjetividades implica também compreender que o/a
pesquisador/a não é um ser neutro incapaz de se envolver com o objeto de
estudo e com os sujeitos da pesquisa, uma vez que é dotado de interesses
particulares, preferências, conceitos e pré-conceitos. Segundo Gil (2008),
o envolvimento do/a pesquisador/a com os sujeitos pesquisados rompe
com o positivismo, pois leva em consideração a complexidade nas relações
humanas.
É importante ressaltar que os estudos que envolvem a subjetividade
são recentes no Brasil e que esse campo do saber foi durante determinado
período relegado às margens do conhecimento. Isso ocorreu, principalmente,
pelo fato de que a realidade era traduzida por meios de teorias e métodos
exclusivamente cartesianos, pelo qual a ordem, o controle e a previsibilidade
eram determinantes para a certificação de pesquisas acadêmicas; assim,

268  Sérgio Teixeira da Silva


todo conhecimento que não estivesse voltado para o caráter dominante
do positivismo era contestado e desconsiderado. Contudo, debates
epistemológicos ocorridos ao longo do século XX deram visibilidade às
pesquisas de caráter subjetivo.
Segundo González Rey (2015), as pesquisas científicas que enfatizam
a subjetividade devem considerar, a priori, o conhecimento construtivo-
interpretativo, ou seja, uma produção de conhecimento que ultrapasse
os procedimentos estatísticos e experimentais de verificação. Através do
conhecimento construtivo-interpretativo o/a pesquisador/a considera a
especulação para interpretar e construir ideias, uma vez que

aonde há pensamento devem existir especulação, fantasia, desejo


e todos os processos subjetivos envolvidos na criatividade do
pesquisador como sujeito. Sentir medo da especulação é um fato
institucionalizado e público de um medo oculto na instituição
científica e acadêmica: o medo das ideias. A especulação é uma
operação do pensamento que nos permite novos acessos ao aspecto
empírico da realidade estudada. A especulação é parte inseparável da
construção teórica, e a partir dela retornamos ao momento empírico
e passamos a desenvolver sensibilidade para novos elementos nesse
nível, os quais somente poderão adquirir inteligibilidade graças a uma
representação teórica que nos permita visibilizá-los. (GONZÁLEZ
REY, 2015, p. 08).

Além de considerar a especulação nas pesquisas subjetivas, para a


interpretação dos dados coletados, é importante ter em mente que, para
produzir zonas de sentidos sobre problemas estudados, deve-se considerar
aspectos como a cultura, as vivências, a história, a espiritualidade, as
crenças, a memória e as emoções dos sujeitos da pesquisa. Isso porque a
subjetividade é formada por alguns sistemas complexos do sujeito e estes se
encontram em suas diferentes dimensões sociais, conforme demonstrado
na figura 1:

OS SENTIDOS SUBJETIVOS E A SUBJETIVIDADE SOCIAL 269


COMO PROPOSTA METODOLÓGICA EM PESQUISAS QUALITATIVAS
:

FiguraFigura
1 – A1constituição
– A constituiçãoda
da subjetividade
subjetividade social do sujeito
social do sujeito

Cultura

Emoções Vivências

Subjetividade
social do
sujeito
Memória História

Crenças Espiritualidade

Fonte: Elaborado pelo autor a partir da perspectiva de subjetividade proposta


Elaborado pelo autor a Rey
por González partir da perspectiva de subjetividade proposta por González Rey (2015)
(2015).

Para a produção do conhecimento e para a aquisição de sentidos, o


processo
Para a produçãocontrutivo-interpretativo
do conhecimento que o/a pesquisador/a
e para elabora
a aquisição de precisa
sentidos, o proces
considerar a interação dos elementos que permeiam a subjetividade. Para
vo-interpretativo que o/a
tanto, é necessário quepesquisador/a
se crie um clima deelabora precisa
confiança em queconsiderar
o sujeito da a interação d
pesquisa possa se expressar sem receio de ser censurado. Segundo González
os que permeiam a subjetividade.
Rey (2015), nas pesquisas de cunhoPara tanto, o/a
qualitativo é necessário queprecisa
pesquisador/a se crie um clima
considerar a pesquisa como um processo de comunicação, uma vez que é por
ça em que o sujeito da pesquisa possa se expressar sem receio de ser censurad
meio dela que o sujeito poderá expor suas diferentes expressões simbólicas
sobreRey
o González os temas em estudo.
(2015), nas Assim, cria-se oportunidade
pesquisas de cunho de captar com mais
qualitativo o/a pesquisado
facilidade as subjetividades nas respostas dos sujeitos uma vez que

a comunicação será a via em que os participantes de uma pesquisa


se converterão em sujeitos, implicando-se no problema pesquisado
a partir de seus interesses, desejos e contradições. Na pesquisa
positivista, o princípio da neutralidade levava a considerar o

270  Sérgio Teixeira da Silva


outro um objeto das aplicações de instrumento do pesquisador,
com o qual a comunicação era vista essencialmente como efeito
perturbador que conspirava contra a objetividade dos resultados.
A pesquisa representa, nas ciências antropossociais, um espaço
permanente de comunicação que terá um valor essencial para os
processos de produção de sentido dos sujeitos pesquisados nos
diferentes momentos de sua participação nesse processo. A pessoa
que participa da pesquisa não se expressará por causa da pressão
de uma exigência instrumental externa a ela, mas por causa de uma
necessidade pessoal que se desenvolverá, no próprio espaço da
pesquisa, por meio dos diferentes sistemas de relação constituídos
nesse processo. (GONZÁLEZ REY, 2015, p. 14-15).

Segundo González Rey, o/a pesquisador/a só conseguirá perceber os


sentidos subjetivos dos sujeitos se estes estiverem implicados na pesquisa
e se os espaços de pesquisa forem de fato espaços de sentido para eles.
Questões como quem pergunta, de que lugar se pergunta e de que lugar
se responde devem ser consideradas a partir dessa perspectiva. Apenas a
produção intelectual do/a pesquisador/a não faz dele um sujeito, pois,
esta produção precisa estar em consonância “com o processo de sentido
subjetivo marcado por sua história, crenças, representações, valores e
todos aqueles aspectos em que se expressa sua constituição subjetiva.”
(GONZÁLEZ REY, 2015, p.36).

Os caminhos da pesquisa: instrumentos e procedimentos metodológicos


utilizados para coleta e análise dos dados

Nos caminhos percorridos pela pesquisa, buscou-se compreender quais


foram os sentidos que sujeitos candomblecistas e umbandistas atribuíram
ao processo de escolarização em uma sociedade hegemonicamente cristã.
Como se sabe, “as pesquisas qualitativas privilegiam, essencialmente, a
compreensão dos comportamentos a partir da perspectiva dos sujeitos
da investigação.” (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 16). A pesquisa qualitativa
também “destaca a compreensão das relações complexas entre tudo o que
existe”, conforme aponta (STAKE, 1999, p. 42).
Com base neste entendimento, o fator mais importante para a
pesquisa foi considerar, a priori, os sentidos que os sujeitos atribuíram
aos fenômenos pesquisados. Através dos relatos obtidos, analisou-se
as correlações das conversas realizadas com os sujeitos participantes da
pesquisa com os objetivos propostos pela investigação. Neste sentido,

OS SENTIDOS SUBJETIVOS E A SUBJETIVIDADE SOCIAL 271


COMO PROPOSTA METODOLÓGICA EM PESQUISAS QUALITATIVAS
a intenção esteve voltada para as percepções que os sujeitos possuem
sobre o objeto em estudo, uma vez que “a investigação qualitativa foca o
modelo fenomenológico no qual a realidade é enraizada nas percepções
dos sujeitos, o objetivo é compreender e encontrar significados através das
narrativas verbais e observações.” (BENTO, 2012, p. 01).
Trabalhar com o método fenomenológico, produção de sentidos e
com interpretações, conduz os pesquisadores a compreenderem como se
processam as subjetividades nas pesquisas qualitativas.
Os instrumentos metodológicos utilizados para a consecução dos
objetivos da pesquisa realizada foram revisão bibliográfica, questionário
semiestruturado e entrevista em profundidade. Como dispositivos de
registros, utilizou-se de um caderno de campo e um gravador de áudio.
Por meio do questionário semiestruturado, propôs-se dois objetivos:
o primeiro diz respeito à busca de elementos que pudessem contribuir
com a formação de indicadores de sentidos subjetivos2, expressos pelos
participantes; o segundo diz respeito à possibilidade de construção de
indagações que fomentassem a entrevista em profundidade.
A entrevista em profundidade se pautou pelo caráter dialógico, a fim
de que a conversa entre entrevistador e entrevistado pudesse fluir. Buscou-
se, assim, estabelecer uma comunicação não violenta com os sujeitos. Esse
tipo de comunicação contribui para “tentar esclarecer o sentido que o
pesquisado faz da situação, da pesquisa em geral, da relação particular
da qual ela se estabelece, dos fins que ela busca e explicar as razões que o
levaram a participar da troca.” (BOURDIEU, 2008, p. 695). Por isso, antes
de iniciar a entrevista, explicou-se para os sujeitos os objetivos da pesquisa,
as justificativas que pautaram a investigação, os benefícios do estudo e os
possíveis desconfortos que eles poderiam sentir no momento da realização
da entrevista.
Bogdan e Biklen (1994) propõem, como procedimento metodológico,
entrevistas em profundidade que permitam ao pesquisador interagir com

2 Para González Rey (2014), “o processo de configuração de indicadores é um


processo de interpretação que se realiza apoiado por uma multiplicidade de
informações obtidas por instrumentos diferentes e pela constante intervenção
intelectual do pesquisador. O caráter de processo que é usado para designar esta
forma de interpretação se apóia no fato de que ela sempre se realiza em relações
de continuidade, onde um momento condiciona a entrada em outro, o que leva
constantemente ao desenvolvimento de novas “zonas de sentido” sobre o objeto
estudado.” (GONZÁLEZ REY, 2014, p. 30).

272  Sérgio Teixeira da Silva


os sujeitos de maneira natural, como se estivesse em meio a uma conversa
informal. Pois,

se as pessoas forem controladas como sujeitos de investigação,


comportar-se-ão como tal, o que é diferente do modo em que
normalmente se comportam. Como os investigadores qualitativos
estão interessados no modo como as pessoas normalmente se
comportam e pensam nos seus ambientes naturais, tentam agir de
modo a que as atividades que ocorrem na sua presença não difiram
significativamente daquilo que se passa na sua ausência. De modo
semelhante como os investigadores neste tipo de investigação se
interessam pelo modo como as pessoas pensam sobre as suas vidas,
experiências e situações particulares, as entrevistas que efetuam são
mais semelhantes a conversas entre dois confidentes do que a uma
sessão formal de perguntas e respostas entre um investigador e um
sujeito. Esta é a única maneira de captar aquilo que é verdadeiramente
importante do ponto de vista do sujeito. (BOGDAN; BIKLEN, 1994,
p. 68-69).

A entrevista em profundidade, conforme aponta os autores, traz em


si, estratégias bastante significativas para a investigação qualitativa. Para
os autores, esse tipo de abordagem oferece ao investigador oportunidades
de introduzir-se no mundo dos investigados, possibilitando melhor
conhecê-los, e a partir daí, ganhar sua confiança. “O caráter flexível deste
tipo de abordagem permite aos sujeitos responderem de acordo com a sua
perspectiva pessoal, em vez de terem de se moldar a questões previamente
elaboradas.” (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 17).
Durante as entrevistas com os sujeitos, buscou-se romper com
procedimentos metodológicos centrados no binômio pergunta-resposta e
recorreu-se a uma perspectiva que toma como referência o que González
Rey (2015) designa como sistemas conversacionais, isto é, uma interação
dinâmica entre entrevistador e entrevistado, marcado por negociações,
relações de trocas e compartilhamento de saberes. Mesmo tendo em mãos
um roteiro norteador utilizado durante as entrevistas, não houve estímulo
apenas às respostas, restringindo a conversação, pois, se assim o fosse, não
seria obtida interação, naturalidade e autenticidade dos/as participantes. É
importante ressaltar que esse tipo de procedimento conversacional

gera uma co-responsabilidade devido a cada um dos participantes


se sentirem sujeitos do processo, facilitando a expressão de cada um
por meio de suas necessidades e interesses. Cada participante atua

OS SENTIDOS SUBJETIVOS E A SUBJETIVIDADE SOCIAL 273


COMO PROPOSTA METODOLÓGICA EM PESQUISAS QUALITATIVAS
nas conversações de forma reflexiva, ouvindo e elaborando hipóteses
por intermédio de posições assumidas por ele sobre o tema de que
se ocupa. Nesse processo, tantos os sujeitos pesquisados como o
pesquisador interam suas experiências, suas dúvidas e suas tensões,
em um processo que facilita o emergir dos sentidos subjetivos no curso
das conversações. A conversação vai tomando formas distintas, nas
quais a riqueza da informação se define por meio de argumentações,
emoções fortes e expressões extraverbais, numa infinita quantidade
de formas diferentes, que vão se organizando em representações
teóricas pelo pesquisador. (GONZÁLEZ REY, 2015, p. 45-46).

No decorrer das entrevistas, procurou-se fazer intervenções, quando


necessário, de forma espontânea, crítica e reflexiva, sem, contudo,
interromper a fala dos sujeitos. Manteve-se o interesse nas falas e o respeito
em escutá-los. Essa ação gerou um clima amistoso entre o pesquisador
e os participantes da pesquisa. Esse tipo de inter-relação é importante,
pois, representa uma das características fundamentais das entrevistas em
profundidade, uma vez que, durante o processo de conversação, minimiza
e pode até mesmo sanar alguma dificuldade de inter-relação entre o sujeito
pesquisador e o sujeito pesquisado.
As entrevistas, bem como os demais instrumentos de coleta de
dados foram imprescindíveis para a análise das informações obtidas. As
anotações provenientes do caderno de campo foram importantes para a
caracterização dos sujeitos da pesquisa e para captar sentidos subjetivos.
Nele, foram anotadas algumas de suas características, bem como
informações não captadas pelos questionários e entrevistas, por exemplo,
estados emocionais, expressões faciais, corporais e a entonação de voz em
diferentes momentos do diálogo. As informações registradas no caderno
de campo foram interpretadas e demarcadas como indicadores de sentido.
Todos os questionários foram lidos e analisados separadamente. Alguns
dados dos questionários foram utilizados para a composição de quadros
que complementaram as informações sobre os sujeitos. Outras informações
derivadas dos questionários foram aliadas aos dados obtidos pelas
entrevistas, o que contribuiu para melhor entendimento dos fenômenos
estudados.
Para melhor interpretar os sentidos que os/as educandos/as
atribuíram à própria escolarização, adotou-se o método fenomenológico.
Esse método foi utilizado para perceber o significado e a interpretação dos

274  Sérgio Teixeira da Silva


fenômenos vividos pelos sujeitos da pesquisa. Segundo Mansini, por meio
do método fenomenológico,

o pesquisador irá descrever o que está em sua frente, como se


apresenta. Estando interessado na experiência do aluno, vai
registrando o que ele diz, como diz, a entonação de sua voz, seus
gestos, sua expressão, enfim, tudo que o aluno mostrar em diferentes
situações junto a ele (pesquisador), ou a outras pessoas. A descrição
é considerada em Fenomenologia um caminho de aproximação do
que se dá da maneira que se dá e tal como se dá. Refere-se ao que
é percebido, ao que se mostra. Não se limita à enumeração dos
dados como o positivismo, mas pressupõe alcançar a essência do
fenômeno. Os dados registrados levam o pesquisador a refletir sobre
o esforço para apreender o sentido ou essência do vivido. (MANSINI,
1993, p.76).

O método fenomenológico “consiste, sobretudo em suspender


o juízo, os preconceitos e os modelos teóricos e práticos subjacentes
que normalmente, direcionam e unilateralizam o olhar do pesquisador”
(GHEDIN; ALMEIDA; OLIVEIRA, 2008, p. 71). É importante ressaltar
que ao utilizar o método fenomenológico, o pesquisador deve, segundo
González Rey (2015), superar a imagem de coletor de dados, pois as ideias
precisam estar integradas em um tecido dinâmico e articulado pela reflexão
do pesquisador aonde a construção teórica se articule com as informações
obtidas pelos instrumentos de coleta de dados. A utilização do método
fenomenológico é interessante nas pesquisas qualitativas quando

considera a intersecção de minhas experiências com aquelas do


outro, pela engrenagem de umas nas outras, portanto inseparável da
subjetividade e da intersubjetividade que formam sua unidade pela
retomada de minhas experiências passadas em minhas experiências
presentes, da experiência do outro na minha. (MERLEAU-PONTY,
1999, p.18).

Considerar a intersubjetividade3 na pesquisa é importante porque,


assim, busca-se o estabelecimento continuo do diálogo, da inter-relação
entre os sujeitos, bem como a inter-relação destes com o objeto de estudo.

3 “A intersubjetividade implica o caráter relacional dos sujeitos em seus diversos


momentos interativos não apenas com outros sujeitos, mas também com os
espaços sociais em que essas relações são produzidas.” (GONZÁLEZ REY, 2015, p.
24).

OS SENTIDOS SUBJETIVOS E A SUBJETIVIDADE SOCIAL 275


COMO PROPOSTA METODOLÓGICA EM PESQUISAS QUALITATIVAS
Tanto a subjetividade quanto a intersubjetividade podem ser percebidas
através da dinâmica conversacional estabelecida na entrevista. Isso porque,
a conversação

é um processo cujo objetivo é conduzir a pessoa estudada a campos


significativos de sua experiência pessoal, os quais são capazes de
evolvê-los no sentido subjetivo dos diferentes espaços delimitadores
de sua subjetividade individual. A partir desses espaços, o relato
expressa, de forma crescente, seu mundo, suas necessidades, seus
conflitos e suas reflexões, processo esse que envolve emoções que, por
sua vez, facilitam o surgimento de novos processos simbólicos e de
novas emoções, levando à trama de sentidos subjetivos. (GONZÁLEZ
REY, 2015, p. 126).

Para analisar os dados da pesquisa, buscou-se acessar espaços de


produções subjetivas e intersubjetivas nas falas dos sujeitos que pudessem
representar os momentos vividos no espaço escolar, bem como em outros
espaços sociais. Por meio da interpretação das conversas, procurou-
se ultrapassar o nível descritivo das expressões e captar processos de
configuração de pré-indicadores que se encontravam implícitos nos relatos.
Os pré-indicadores apontaram semelhanças, aproximações, contradições e
complementaridade nas falas dos sujeitos. Esses pré-indicadores revelaram
também indicadores, que foram aglutinados. A partir da aglutinação,
sugeriu-se núcleos de sentidos4. Com base na categorização dos núcleos
de sentido a interpretação ganhou contornos teóricos. A definição de
categorias é importante porque,

elas representam formas de concretização e de organização do


processo construtivo-interpretativo. Sem categorias a processualidade
pode-se desfigurar diante da falta de organização do processo
construtivo. Devemos conceber as categorias não como entidades
rígidas e fragmentadas, mas como momentos de organização e
visibilidade de uma produção teórica, em cujo processo as categorias
se mantêm em constante movimento dentro das construções em que
se articulam entre si. (GONZÁLEZ REY, 2015, p. 138).

4 Os núcleos de sentido ou sentidos centrais conforme aponta González Rey (2015)


surgem a partir de passagens que são extraídas das falas dos sujeitos da pesquisa.
Representam configurações aprofundadas tanto no diálogo estabelecido nas
entrevistas quanto em outros instrumentos utilizados pelo pesquisador.

276  Sérgio Teixeira da Silva


Extrair categorias das narrativas não é uma tarefa fácil. Primeiro,
porque exigi muita concentração nas várias escutas dos áudios gravados
durante as entrevistas; segundo, porque requer um árduo processo de
transcrição das falas cuja tradução deve ser ipsis verbis5 às narrativas dos
sujeitos e, terceiro, porque, elencar hipóteses e impressões no decorrer das
falas e posteriormente analisá-las e interpretá-las representa uma tarefa
bastante complexa.
Após encontrar os pré-indicadores e indicadores, propôs-se quatro
núcleos de sentidos, a saber: (i) sobre as identidades e as diferenças no
contexto das desigualdades, desumanização e exclusão dos educandos
candomblecistas e umbandistas na escola; (ii) sobre as formas de
resistência e luta como possibilidades de enfrentamento ao silenciamento, à
discriminação, à intolerância e ao racismo religioso; (iii) sobre a importância
da escola como espaço sociocultural para a formação cidadã do sujeito e
(iv) sobre a necessidade de descolonização religiosa da escola.

Construção e categorização dos dados da pesquisa

Os quadros 1 e 2, demonstram a construção do processo de


categorização e evidenciam os principais pontos detectados a respeito
dos sentidos que os/as educandos/as candomblecistas e umbandistas da
Educação de Jovens e Adultos atribuem à escolarização.
Especificamente, o quadro 1 informa os pré-indicadores extraídos
das falas dos sujeitos. A partir deles, os indicadores de sentido subjetivo
foram organizados.

5 Ipsis verbis é uma expressão latina que significa “pelas mesmas palavras”.

OS SENTIDOS SUBJETIVOS E A SUBJETIVIDADE SOCIAL 277


COMO PROPOSTA METODOLÓGICA EM PESQUISAS QUALITATIVAS
Quadro 1 - Organização dos indicadores a partir dos pré-indicadores

Pré-indicadores Indicadores
1)  Revelava minha identidade religiosa, mas era
rejeitado;
2)  Revelava minha identidade religiosa, mas era
criticado;
3)  Revelava minha identidade religiosa, mas era
1)  Identidade e diferenças
julgado;
4)  Revelava minha identidade religiosa, mas sofria por
ser diferente;
5)  Omitia a identidade religiosa por vergonha e por
medo do preconceito.

6)  Sentia-me desigual por me verem como doente;


7)  Sentia-me desigual por não me entenderem como
pessoa;
8)  Sentia-me desigual porque mulheres e pobres
sofrem mais preconceito;
2)  Desigualdade e exclusão
9)  Sentia-me desigual porque o normal é ser cristão;
10)  Sentia-me desigual porque perdia o orgulho de ser
o que sou;
11)  Sentia-me desigual por ser motivo de piadas,
chacotas e deboches.

12)  Eu não era aceito nos grupos;


13)  Não compartilhavam comida comigo;
14)  Sentiam nojo de mim; 3)  Desumanização e
15)  Pensavam que eu era filho do diabo; satanização do sujeito
16)  Viam-me como a imagem do mal;
17)  Sentia-me satanizada.
18)  É preciso ter atitude de enfrentamento;
19)  É preciso confrontar as pessoas;
4)  Estratégias de
20)  É preciso afastar para resistir;
resistência para enfrentar a
21)  É preciso engajamento político;
discriminação, a intolerância
22)  Às vezes é preciso silenciar;
e o racismo religioso
23)  É preciso contar com a família para resistir;
24)  É preciso dialogar.

25)  É preciso lutar para garantir direitos;


26)  É preciso encontrar no outro a força para lutar;
27)  É preciso lutar para ser aceito;
5)  A importância da luta
28)  A gente sofre, mas a gente luta;
29)  Tentam nos calar, mas vamos continuar lutando
pelos nossos direitos.

278  Sérgio Teixeira da Silva


Pré-indicadores Indicadores
30)  A escola não trabalha a cultura africana;
31)  A escola não visibiliza a África;
32)  A escola desconsidera as diversidades;
33)  Na escola, os professores só contavam a história 6)  Carência de ensino da
dos negros, falavam sobre colheita e escravidão; cultura africana e afro-
34)  Na escola, os professores que não eram do brasileira nas escolas
Candomblé ou da Umbanda, não falavam nada sobre a
cultura e nem sobre a religião, só uma professora que é
da Umbanda que falava.

35)  A escola precisa considerar as culturas africanas


para diminuir o preconceito;
36)  A escola deve formar as pessoas para a paz;
7)  O papel da escola para a
37)  A escola deve seduzir os alunos;
educação cidadã
38)  A escola não pode omitir informações sobre a
cultura africana;
39)  A escola deve “abrir a mente” dos alunos.

40)  A escola não é laica;


41)  Quando a escola ensina, a igreja evangélica nega;
42)  Os temas trabalhados pelos professores tinham
8)  Hegemonia cristã na
foco cristão;
escola
43)  Na escola tinha um grupo de louvava e outro que
rezava;
44)  A escola não abordava todas as religiões.

45)  Imagens de santos católicos são vistas na escola;


46)  Na escola o cristianismo é evidenciado nas festas
(Páscoa, Natal e Festa Junina);
47)  A escola deve adotar símbolos de todas as 9)  Colonização religiosa da
religiões; escola
48)  A escola não aceita imagem de orixá;
49)  O Terreiro é um patrimônio rico que pode ajudar
a escola.
Fonte: elaboração própria a partir da Epistemologia Qualitativa proposta por González Rey (2015).

No Quadro 2, procurou-se delinear a organização de núcleos de
sentido a partir dos nove indicadores aglutinados em quatro núcleos de
sentidos.

OS SENTIDOS SUBJETIVOS E A SUBJETIVIDADE SOCIAL 279


COMO PROPOSTA METODOLÓGICA EM PESQUISAS QUALITATIVAS
Quadro 2 - Organização de Núcleos de Sentido a partir dos Indicadores

Indicadores aglutinados Núcleo de sentido


1)  Identidade e diferenças 1)  Identidades e diferenças:
2)  Desigualdade e exclusão desigualdade, desumanização e
3)  Desumanização e satanização exclusão dos sujeitos
2)  Resistências e lutas como
4)  Estratégias de resistências para
possibilidades de enfrentamentos
enfrentar a discriminação, a intolerância e
ao silenciamento, ao sofrimento, à
o racismo religioso
discriminação, à intolerância e ao
5)  A importância da luta
racismo religioso
6)  Carência no ensino da cultura africana
3)  A escola como espaço
e afro-brasileira nas escolas
sociocultural para a formação cidadã
7)  O papel da escola para a educação
do sujeito
cidadã
8)  Hegemonia cristã na escola 4)  A necessidade da descolonização
9)  Colonização religiosa da escola religiosa da escola
Fonte: elaboração própria a partir da Epistemologia Qualitativa proposta por González Rey (2015).

Relacionado aos núcleos de sentido encontrados, cabe ressaltar


que, no primeiro núcleo de sentido – Sobre as identidades e diferenças
no contexto das desigualdades, desumanização e exclusão dos sujeitos
–, indicou-se os sentidos que os/as educandos/as atribuíram às relações
estabelecidas na escola com os/as colegas e educadores/as. Demonstrou-
se que os sujeitos ao expressarem suas identidades e seus pertencimentos
religiosos, têm seus direitos humanos desrespeitados e são desvalorizados
por suas diferenças.
No segundo núcleo de sentido – Sobre o processo de resistência e luta
como possibilidades de enfrentamento ao silenciamento, ao sofrimento,
à discriminação, à intolerância e ao racismo religioso –, apontou-se os
sentidos que os/as educandos/as atribuem à importância da luta por
reconhecimento de suas identidades e também identificou-se as estratégias
utilizadas por eles/as para superar situações de silenciamento, sofrimento,
discriminação, intolerância e racismo religioso sofridas dentro e fora do
ambiente escolar.
No terceiro núcleo de sentido – Sobre a escola como espaço
sociocultural para a formação cidadã do sujeito –, indicou-se os sentidos
atribuídos pelos/as educandos/as em relação ao processo de conhecimento
estabelecido na escola, bem como sobre o descaso percebido no tocante
aos estudos que envolvem cultura africana e afro-brasileira.

280  Sérgio Teixeira da Silva


No quarto núcleo de sentido – Sobre a necessidade da descolonização
religiosa da escola –, abordou-se os sentidos que os/as educandos/
as atribuem à predominância cristã na escola em relação à presença de
símbolos, imagens e estruturas que evidenciam o cristianismo. E, por fim,
apresentou-se os sentidos conferidos pelos sujeitos às dificuldades de
aceitação por parte das escolas em mostrar ícones relativos às religiões de
matrizes africanas, bem como sobre a questão da laicidade nas instituições
de ensino que frequentaram.
Acredita-se que a perspectiva metodológica adotada na pesquisa e
apresentada neste artigo, representa uma possibilidade para pesquisadores/
as que desejam abordar as categorias sentidos subjetivos e a subjetividade
social em pesquisas qualitativas.

Referências

BENTO, Antônio Maria Veloso. Investigação quantitativa e qualitativa:


dicotomia ou complementaridade? Revista JA (Associação Acadêmica da
Universidade da Madeira), nº 64, ano VII (pp.40-43). ISSN: 1647-8975.
2012.

BOGDAN Roberto C.: BIKLEIN Sari K. Investigação qualitativa em


educação. Porto (Portugal): Porto editora, 1994.

BOURDIEU, Pierre. A miséria do mundo. 7ª ed. Petrópolis, Rio de Janeiro:


Vozes, 2008.

GHEDIN, Evandro. ALMEIDA, Whasgthon A. de. OLIVEIRA, Elisangela, S.


de. Estágio com Pesquisa. São Paulo: Cortês, 2008.

GIL, Antônio Carlos. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. 6. ed. São


Paulo: Atlas, 2008.

GONZÁLEZ REY. Fernando Luis. As categorias de sentido, sentido pessoal


e sentido subjetivo: sua evolução e diferenciação na teoria histórico-
cultural. Psicologia da Educação, São Paulo, 24, 1º semestre de 2007. PP.
155-179. Disponível em: <http://www.fernandogonzalezrey.com/images/

OS SENTIDOS SUBJETIVOS E A SUBJETIVIDADE SOCIAL 281


COMO PROPOSTA METODOLÓGICA EM PESQUISAS QUALITATIVAS
PDFs/producao_biblio/fernando/artigos/teoria_da_subjetividade/As_
categoridas_de_sentido_pessoal.pdf > acesso em: 20 jan. 2019.

GONZÁLEZ REY, Fernando Luis. Pesquisa qualitativa e subjetividade:


os processos de construção da informação. [Tradução: Marcel Aristides
Ferrada Silva] – São Paulo: Cengage Learning, 2015.

GONZÁLEZ REY, Fernando Luis. Sujeito e subjetividade: uma aproximação


histórico-cultural. [Tradução: Raquel Souza Lobo] – São Paulo: Pioneira
Thomson Learning, 2003.

GONZÁLEZ REY, Fernando Luis; MARTINEZ, Albertina Mitjàns;


NEUBERN, Maurício; D. Mori, Valéria. (Orgs.). Subjetividade
Contemporânea: discussões epistemológicas e metodológicas. - Alínea,
2014

MANSINI, Elcie F. Salzano. Algumas noções sobre a fenomenologia


para o pesquisador em educação. Revista da Faculdade de Educação
de São Paulo. V.19, nº1, p.71-78. Jan/jun. 1993. Disponível em:
<https://www.google.com.br/search?q=algumas+no%C3%A7oes+de
+fenomenologia+mansini&ie=utf-8&oe=utf-8&client=firefox-b&gws_
rd=cr&ei=igh5WfGVFYWhwgSgirfoCw.> Acesso em: 15 Jan. 2019.

MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. São Paulo:


Martins Fontes, 1999.

STAKE, Robert. Investigación com estúdio de casos. 4 ed. Madrid:


Morata, 2007.

VYGOTSKY, Lev Semyonovich. Pensamento e linguagem. São Paulo:


Martins Fontes, 2000.

282  Sérgio Teixeira da Silva


A EPISTEMOLOGIA QUALITATIVA E O
MÉTODO CONSTRUTIVO-INTERPRETATIVO
COMO VIAS PARA O ESTUDO DA
SUBJETIVIDADE NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO

Patrícia Melo do Monte


Ana Valéria Marques Fortes Lustosa

Introdução

A
pesquisa possibilita aproximação e entendimento da
realidade a investigar, como processo permanentemente
inacabado (FONSECA, 2002). O seu desenvolvimento
demanda escolhas importantes e incursão por trilhas nem sempre
conhecidas, que levam o pesquisador a aproximações sucessivas da
realidade, fornecendo subsídios para intervenção no real. Uma dessas
trilhas consiste no método, que precisa abarcar a complexidade do objeto e
dar liberdade para o processo criativo dos diferentes sujeitos que compõem
o cenário de pesquisa.
Neste capítulo, apresentaremos a pesquisa intitulada “Os processos
subjetivos de professores no trabalho pedagógico com alunos com altas
habilidades/superdotação”, resultante do estudo de doutoramento
da primeira autora, sob orientação da segunda, no Programa de Pós-
graduação em Educação, da Universidade Federal do Piauí, defendida no
ano de 2018. A ênfase deste capítulo recai sobre o referencial epistemológico

A EPISTEMOLOGIA QUALITATIVA E O MÉTODO CONSTRUTIVO-INTERPRETATIVO 283


COMO VIAS PARA O ESTUDO DA SUBJETIVIDADE NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
e metodológico adotado neste estudo, pautado nos fundamentos da
Epistemologia Qualitativa e no método construtivo-interpretativo.
A pesquisa que realizamos buscou investigar os processos subjetivos
de professores no trabalho pedagógico com alunos com altas habilidades/
superdotação no contexto da escola regular. O sistema teórico que orientou
esta pesquisa foi a Psicologia Cultural-Histórica, e de forma mais específica,
a Teoria da Subjetividade, desenvolvida por González Rey, que nos permitiu
maiores espaços de interlocução e avançar sobre uma lógica causal, linear
e reducionista. Nesse estudo, investigamos a subjetividade humana como
um sistema amplo e complexo, em seus processos individuais e sociais,
superando a fragmentação dos saberes representativa da objetividade
científica
Considerando que a constituição da subjetividade do professor
tem sido, com frequência, ignorada nos processos de formação inicial e
continuada e no cotidiano escolar (ROSSATO; MATOS; PAULA, 2018),
esse estudo tem o valor heurístico de ampliar as perspectivas de análise da
prática pedagógica, redimensionando esse conceito ao discuti-lo a partir da
subjetividade em uma dimensão complexa, e favorecer a compreensão dos
processos subjetivos do professor e do espaço escolar e as suas implicações
sobre o trabalho desenvolvido.
A pesquisa foi desenvolvida no contexto de uma escola regular,
da rede privada, na cidade de Teresina – PI, a partir, principalmente, do
trabalho pedagógico de uma professora, que atua no Ensino Fundamental
Maior, e que, dentre os seus alunos, há pessoas que foram diagnosticadas
com AH/SD. Houve ainda a colaboração de professores de sala comum,
coordenadora pedagógica, psicólogos e de uma professora que oferece
Atendimento Educacional Especializado (AEE) na construção das
informações.
A escolha por estudar professores de alunos com altas habilidades/
superdotação (AH/SD), deu-se, entre outros motivos, por reconhecer muitas
fragilidades na política de inclusão escolar. Tratando da área das AH/SD,
de forma específica, as dificuldades se avolumam. Na implementação das
políticas públicas educacionais, de forma recorrente, a ênfase recai sobre
as deficiências, ratificando a invisibilidade dos alunos com AH/SD e os
processos de exclusão que eles vivenciam (PÉREZ, 2003; PÉREZ; FREITAS,
2014). Deparamo-nos frequentemente com o despreparo dos contextos
escolares comuns e, principalmente, dos professores ao desenvolverem

284  Patrícia Melo do Monte • Ana Valéria Marques Fortes Lustosa


práticas docentes que não examinam e não favorecem as necessidades
específicas desses alunos. O que explica a desatenção em relação a esses
alunos? Pérez e Freitas (2014) denunciam que há um preconceito velado em
relação aos estudantes com AH/SD e a seu atendimento diferenciado, que,
em tese, seria um privilégio em relação ao oferecido na sala de aula comum.
Dessa maneira, justificamos o interesse por desenvolver esse estudo, a fim
de compreender processos subjetivos essenciais para o entendimento do
seu modo de ensinar.

Posicionamento epistemológico para a construção da informação

A ciência moderna teve no positivismo uma das principais correntes


de pensamento que conduziu a sua lógica de produção de conhecimento.
O paradigma positivista, preconizado por Comte (1978), inaugurou um
modo de fazer ciência pautado em um raciocínio indutivo, a fim de que,
pela descrição que segue à observação dos fatos, reconhece-se a sua
regularidade e, a partir dela, é possível alcançar uma lei geral que os explique.
Parte, assim, do princípio de que o objeto da ciência é somente aquele
passível de observação e experimentação, como anuncia Comte (1978, p.
39): “Todos os bons espíritos repetem, desde Bacon, que somente são reais
os conhecimentos que repousam sobre fatos observados”. Dessa forma,
buscava-se alcançar a realidade, por meio de instrumentos padronizados e
seguros e sob o olhar neutro de um cientista.
O “instrumentalismo corrompeu o objetivo da ciência e levou à
reificação do empírico, provocando profundas deformações ao usar
a teoria” (GONZÁLEZ REY, 2005, p.3). Com essa afirmação, o autor
propõe uma reflexão sobre o culto aos instrumentos, considerados, nesse
paradigma, vias de produção de informações que, por sua regularidade,
são associadas a determinadas categorias, rígidas e preestabelecidas, as
quais ganham significação dentro de um conjunto de saberes já construído.
Uma das deformações apontadas por González Rey refere-se exatamente à
anulação do pesquisador em relação à teoria, que deveria ser dada a partir
do objeto.
Assim, a ciência positivista assume um “caráter estritamente formal,
empírico e ateórico” (GONZÁLEZ REY; MITJÁNS MARTÍNEZ, 2017, p.
15), e a predição, a descrição e o controle são princípios que garantem
a objetividade nesse tipo de produção, afastando qualquer fragmento

A EPISTEMOLOGIA QUALITATIVA E O MÉTODO CONSTRUTIVO-INTERPRETATIVO 285


COMO VIAS PARA O ESTUDO DA SUBJETIVIDADE NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
de subjetividade humana. A subjetividade, à luz da ciência moderna,
era considerada um agrupamento de componentes, como emoções e
sentimentos, que pertenciam ao universo privado do indivíduo, inacessível
à compreensão científica, portanto, insignificantes.
Alinhando-se a esse pensamento, Figueiredo e Santi (1997) comentam
que, em decorrência dessa concepção, havia a tentativa de um efetivo
controle das emoções e forte pressão social, no sentido da uniformização
do social. Mancebo (2002) acrescenta à ideia dos autores que a extrema
preocupação em relação à interioridade do sujeito gerou uma nítida
fragmentação do sujeito, em uma dimensão pública e privada. Assim
sendo, os fenômenos humanos passíveis de aplicação das leis da ciência
reuniam-se sob a categoria comportamento, em um domínio público, e,
para compreendê-lo, seria necessário fragmentá-lo e isolar as variáveis
determinantes de sua realidade (FIGUEIREDO, 1996). Percebemos,
portanto, que havia a intenção de explicar os fenômenos pela busca de
relações lineares, estáveis e previsíveis.
Em relação à Educação, tanto no campo da pesquisa quanto no
da prática, percebemos influência significativa da matriz positivista. Na
área da pesquisa, constata-se na escolha do objeto de investigação, na
supressão dos aspectos subjetivos na análise dos processos e contextos
educativos, dentre outros. Nas práticas docentes, constatamos no padrão
científico instituído, como a organização de um currículo fragmentado, a
hierarquização de conteúdos, a desvinculação da prática pedagógica em
relação à prática social e a avaliação do processo de aprendizagem a partir
de fundamentos quantitativos e de reprodução dos conteúdos transmitidos
(GOES; BRANDALISE, 2015). Acrescentamos, ainda, que esses princípios
se fazem presentes em outros aspectos do trabalho pedagógico, como
na relação professor-aluno, que requer hierarquia, distanciamento e
neutralidade.
González Rey, associando-se ao pensamento de outros autores
contemporâneos, como Allport (1978), Morin (2011) e Bachelard (2006),
desafia as convicções da ciência moderna. De modo subversivo, confrontam
as certezas, a previsibilidade, a ordem da ciência. Entendem que a ciência
não se alimenta de simplismos e constâncias. Fazer ciência implica produzir
conhecimentos e essa produção ultrapassa a função de coletor de dados
para, posteriormente, relacioná-los a uma teoria e escrever um relatório.
Fazer ciência é atuar como sujeito ativo e reflexivo na construção do

286  Patrícia Melo do Monte • Ana Valéria Marques Fortes Lustosa


conhecimento, e nessa elaboração, a interação com os participantes é
legítima e necessária.
Em resposta à fragmentação dos saberes imposta pela ciência
moderna e a simplificação da realidade, Morin (2011) discute o
pensamento complexo como alternativa para a sobrevivência da ciência. A
Epistemologia Qualitativa surge, pois, sobre esses alicerces. González Rey,
como epistemólogo, cria condições dentro de uma perspectiva científica
para o estudo da subjetividade, concebida como um sistema simbólico-
emocional, complexo, produzido de forma simultânea nos níveis social e
individual, que integra sistemas e espaços sociais diferentes situados em
dimensões espaço-temporais distantes (GONZÁLEZ REY, 2011, 2017;
GONZÁLEZ REY; MITJÁNS MARTÍNEZ, 2017; ROSSATO, 2009). Por
conseguinte, estudar a subjetividade requer que adentremos nos modos
profundamente complexos de constituição do sujeito e sigamos na
produção de conhecimento por caminhos que não são lineares e tampouco
explícitos (PINTO; PAULA, 2018).
A teoria é considerada um processo vivo, que está em constante
desenvolvimento, e sua construção exige que o pesquisador ocupe um
lugar de sujeito de reflexão, portanto, autor. Seu trabalho deve pautar-se,
portanto, em três princípios basilares: o reconhecimento da singularidade
como nível legítimo da produção do conhecimento; o conhecimento
sobre a subjetividade como uma produção construtivo-interpretativa;
e a compreensão da pesquisa como processo de comunicação dialógica
(GONZÁLEZ REY, 2005; GONZÁLEZ REY; MITJÁNS MARTÍNEZ, 2017).
Na Epistemologia Qualitativa, o singular alcançou status
epistemológico, por representar “informação diferenciada que se
fundamenta no caso específico que toma significado em um modelo teórico
que o transcende” (GONZÁLEZ REY; MITJÁNS MARTÍNEZ, 2017, p. 29).
Nesse modo particular de investigação, ressaltamos o valor da qualidade
da informação, que é produzida a partir de expressões diversas do sujeito.
O autor explica que o singular foi preterido das construções
teóricas dominantes por impossibilitar a generalização indutiva a partir da
regularidade dos resultados de fenômenos semelhantes. De acordo com
Mitjáns Martínez (2014), o singular é legítimo na investigação científica
pela “congruência e a viabilidade do próprio modelo na sua capacidade de
produzir significados que se fundamentem na diversidade das informações
empíricas” (p. 64), ou seja, a legitimação da singularidade se define pela sua

A EPISTEMOLOGIA QUALITATIVA E O MÉTODO CONSTRUTIVO-INTERPRETATIVO 287


COMO VIAS PARA O ESTUDO DA SUBJETIVIDADE NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
contribuição para a construção do modelo em desenvolvimento no curso
da pesquisa, que amplia novas zonas de sentido sobre o tema estudado.
Como visto, o objetivo da pesquisa sob o referencial da Epistemologia
Qualitativa é gerar campos de inteligibilidade sobre o fenômeno estudado,
devendo ter um alcance para além da descrição, ou seja, assumindo um
caráter explicativo. Esse posicionamento epistemológico não pretende que
o saber esgote a complexidade da questão estudada, pois essa rede de
sentidos subjetivos gerados e organizados pela sua configuração subjetiva
transcende as nossas possibilidades de compreensão; entretanto, vale
realçar que esse saber, mesmo limitado, acessa uma dimensão do processo
estudado que historicamente foi ignorada pela psicologia (GONZÁLEZ
REY; MITJÁNS MARTÍNEZ, 2017)
Na construção teórica sobre a subjetividade, o pesquisador assume
notável lugar na investigação. Ele interpreta as informações, a fim de dar
sentido às expressões do sujeito estudado, dado que a subjetividade, como
concebida nesse estudo, não se manifesta explicitamente nas expressões
do sujeito. Para interpretar, o pesquisador deve integrar, reconstruir e
apresentar diversos indicadores obtidos durante a pesquisa.
Neste tipo de pesquisa, consideramos pesquisador e participante
sujeitos produtores de conhecimento. Essa maneira de entender a relação
pesquisador-participante permite a consideração de que todo o sistema de
comunicação humana fornece situações significativas para o conhecimento;
tratando-se, assim, de uma construção baseada em processos dialógicos.
Nesse entendimento, a própria pesquisa torna-se um privilegiado espaço
social, no qual múltiplos processos de comunicação acontecem, nem
sempre programados. Dessa forma, há espaço para a espontaneidade e a
imprevisibilidade, que podem assumir grande relevância para a pesquisa.
Os instrumentos e procedimentos usados na pesquisa se tornam
dispositivos dialógicos por possibilitarem abertura para novas indagações
e reflexões do pesquisador e dos participantes, orientadas a maiores
descobertas sobre as expressões que neles surgem. O diálogo favorece a
emergência da subjetividade dos participantes e também a do próprio
pesquisador. Compreendemos, então, que esse tipo de pesquisa pressupõe
uma simetria das relações entre pesquisador e participantes e a revelação
subjetiva de ambos, a fim de que se estabeleçam verdadeiros espaços
dialógicos.

288  Patrícia Melo do Monte • Ana Valéria Marques Fortes Lustosa


Cenários, trajetórias e passos da pesquisa construtivo-interpretativa

Na perspectiva da Teoria da Subjetividade, entendemos que os


sentidos subjetivos emergem no curso da experiência do sujeito (GONZÁLEZ
REY, 2005; GONZÁLEZ REY; MITJÁNS MARTÍNEZ, 2017). Considerando os
objetivos da pesquisa, deveríamos, pois, atender a essa condição e escolher
um local cujos professores atuassem com alunos diagnosticados com AH/
SD. Em função de conhecimento prévio sobre investigação realizada por
pesquisadora de nosso grupo de pesquisa, envolvendo a identificação de
criança com AH/SD, chegamos à instituição escolar a fim de verificar a
permanência dos alunos outrora identificados e propor a pesquisa junto
aos professores. A localização acessível da escola e a presença de psicólogos
escolares conhecidos que facilitaram o contato com o grupo de professores
também foram fatores de grande importância para essa escolha.
A instituição escolar onde foi desenvolvido o estudo é privada e
localiza-se na região central de Teresina. Foi fundada há 74 anos, oferece
como níveis de ensino a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e o
Ensino Médio. Há uma década, destaca-se nacionalmente, a partir dos
indicadores de desempenho do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira – INEP, vinculado ao Ministério da Educação
– MEC. O currículo da escola é abrangente, com carga horária de sete
horas diárias. Esse estudo envolveu a participação de uma professora de
sala regular, do Ensino Fundamental Maior, a quem chamamos de Lia, e
outros 11 colaboradores (professores de sala comum, professora de AEE,
psicólogos, coordenadora pedagógica, coordenadoras do Serviço de
Inclusão e do Serviço de Psicologia).
Após contato inicial com a instituição, com o fim de autorização
da pesquisa, e aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa da
Universidade Federal do Piauí, sob o número CAAE: 55849116.0.0000.5214
e número do parecer 1.827.626, estabelecemos contato com os professores
dos alunos identificados com AH/SD, a fim de apresentarmos a proposta
do estudo, firmar compromisso com os participantes, buscar a sua
assinatura no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE e agendar
os encontros, de acordo com a disponibilidade deles.
Com a finalidade de construirmos o cenário social da pesquisa,
agendamos encontros na escola. Para González Rey (2005), esses
momentos consistem em favorecer um clima de comunicação que facilite

A EPISTEMOLOGIA QUALITATIVA E O MÉTODO CONSTRUTIVO-INTERPRETATIVO 289


COMO VIAS PARA O ESTUDO DA SUBJETIVIDADE NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
a participação ativa do sujeito e a criação de vínculos com o pesquisador.
Ao reconhecer necessidades e criar expectativas, o sujeito pode manifestar
interesse em participar do contexto da pesquisa.
A criação do cenário social é um momento criativo do pesquisador,
não se limita a informações ou explicações. Constitui etapa essencial do
processo de pesquisa, uma vez que cria condições para o desenvolvimento
de relações dialógicas necessárias ao desenvolvimento do estudo. Fui
recebida de forma acolhedora pela equipe e entrei em contato com relatos
em relação a dificuldades do grupo de profissionais com alguns alunos
específicos e manifestações de expectativas de que a pesquisa pudesse
ajudar nesse sentido.
O contato com a escola ocorreu durante o período de 18 meses, não
contínuos, e nos permitiu inúmeras descobertas, a construção de vínculos,
bem como uma compreensão acerca das expressões subjetivas presentes
naquele espaço social, que integradas às da pesquisadora se configuraram
na constituição dessa pesquisa. As informações produzidas a partir de
instrumentos diversos e de diferentes fontes, em tempos e espaços variados,
demandavam aprofundamentos, foram aproximadas e confrontadas para
a construção de indicadores, que figuram como hipóteses sobre aquela
realidade social. Nesse contínuo movimento, não-linear, flexível e reversível,
buscou-se inteligibilidades sobre o problema de pesquisa.
Na pesquisa com método construtivo-interpretativo, o estudo
de caso é um recurso de grande importância, ao permitir a organização
teórica dos processos em estudo. Ao analisar o caso singular, o pesquisador
entra em contato com os processos subjetivos que acontecem de maneira
diferenciada nos indivíduos e, a partir desses estudos, emergem modelos
teóricos que permitem novas construções sobre o processo estudado.
Nesse tipo de estudo, o conhecimento não se legitima pela quantidade de
sujeitos a serem estudados, mas pela qualidade de sua expressão.
González Rey (2005, p.110) afirma que, na pesquisa qualitativa, a
definição dos participantes acontece “em função das necessidades que
vão aparecendo no transcorrer da pesquisa, e a primeira atitude a ser
tomada antes de selecionar alguém é envolver-se no campo para observar,
conversar e conhecer, de forma geral, as peculiaridades do contexto em que
a pesquisa será desenvolvida”. Para o autor, a definição dos participantes
não acontece ao acaso, mas eleitos entre os que tiveram uma participação
mais significativa em relação aos objetivos da pesquisa.

290  Patrícia Melo do Monte • Ana Valéria Marques Fortes Lustosa


O estudo foi realizado a partir da experiência da professora Lia,
nossa principal interlocutora. Ao percebermos o caráter indissociável de
sua voz à de outros que participavam daquele contexto, decidimos revisitar
a produção inicial do grupo e inclui-la, considerando-os colaboradores da
pesquisa. Lia assumiu este lugar na pesquisa porque atendia aos critérios
de estar atuando como docente na instituição há mais de dois anos e era
professora de alunos com AH/SD. Além disso, nas reuniões, Lia apresentou
disponibilidade, facilidade de comunicação, envolvimento e disposição
para conversar sobre o tema. Esteve presente nas reuniões coletivas e foi
extremamente solícita ao responder aos convites da pesquisadora para as
interlocuções individuais.
Compreendidos como “formas diferenciadas de expressão e que
adquirem sentido subjetivo no contexto social da pesquisa” (GONZÁLEZ
REY, 2005, p.42), os instrumentos representam, dessa maneira, uma via
legítima de estímulo à reflexão e construção do sujeito. O uso de diferentes
instrumentos permite-nos construir, revisar ou refutar nossas ideias ao
longo do estudo (GONZÁLEZ REY, 2002), o que torna possível revelar a
tensão permanente entre o individual e o social, momento essencial para
a produção de conhecimentos sobre ambos os níveis de constituição da
subjetividade.
Durante a pesquisa, utilizamos instrumentos orais e escritos, e a
combinação dos instrumentos visou, sobretudo, a criação de diferentes
possibilidades para que, por meio delas, os participantes pudessem refletir
e se expressar. Em todos os encontros, exceto na primeira reunião com o
grupo, o recurso da gravação de áudio foi utilizado, mediante autorização
dos participantes.
Fizemos uso do Diário de campo, a fim de registrar nossas
expectativas, impressões, sentimentos e descobertas diante dos eventos
formais e informais da pesquisa. Consideramos importante ressaltar que a
Epistemologia Qualitativa valida as informações obtidas na informalidade,
que têm o mesmo valor e a mesma legitimidade que aquelas que foram
obtidas por meio dos instrumentos planejados (GONZÁLEZ REY; MITJÁNS
MARTÍNEZ, 2017). Para esse registro diário, utilizamos o gravador do celular
antes ou depois das atividades da pesquisa. Essas informações e todas as
outras produzidas a partir de instrumentos orais foram, posteriormente,
transcritas. Voltar aos registros nos possibilitou recuperar momentos de
conflito e de tensão no grupo, momentos de partilha e de troca, momentos

A EPISTEMOLOGIA QUALITATIVA E O MÉTODO CONSTRUTIVO-INTERPRETATIVO 291


COMO VIAS PARA O ESTUDO DA SUBJETIVIDADE NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
de complementaridade e de divergência entre os participantes. Algumas
falas registradas ecoaram por algum tempo e foram importantes na
interpretação das informações, por possibilitarem reflexões sobre as crenças
e valores de alguns participantes, contribuindo, assim, para aproximações
em relação à subjetividade social da escola.
Os Sistemas conversacionais buscam a expressão espontânea e
compromissada do sujeito que conversa (GONZÁLEZ REY, 2005). É um
recurso que favorece a expressão subjetiva dos participantes por meio de
um processo ativo e dialógico entre participantes e pesquisador. Nesta
pesquisa, foram divididos entre conversações informais, com os psicólogos
e professores, e as entrevistas, visando a comunicação e a criação de
indicadores no processo construtivo-interpretativo.
As conversas foram estimuladas por meio de perguntas geradoras,
com o objetivo de envolver os participantes nos temas, despertando
curiosidades, necessidades e interesses. Nesse processo, foram importantes
os registros das falas e dos comportamentos não-verbais, a fim de apreender
as mensagens não expressas em palavras, mas comunicadas de forma
indireta. É na confrontação dessas expressões do indivíduo ou do grupo
com atitudes ou outras falas surgidas em outros momentos da pesquisa,
que alcançamos a compreensão dos sentidos subjetivos (ROSSATO;
MARTINS; MITJÁNS MARTÍNEZ, 2014).
As entrevistas foram realizadas de forma semiestruturada, com
questões abertas, visando à criação de um espaço dialógico e reflexivo
entre pesquisadora e participante, a partir de um roteiro organizado de
acordo com os objetivos da pesquisa. Consideramos que, durante a
pesquisa, as entrevistas foram meios privilegiados de acesso ao outro, pois
a comunicação estabelecida favoreceu o compartilhamento de emoções e
valores entre participantes e pesquisadora.
As Observações correspondem ao envolvimento imediato do
pesquisador com o contexto de pesquisa, que lhe permite compreender
os aspectos intencionais e os não-intencionais relacionados ao processo
investigativo por meio dos comportamentos, emoções e rituais constitutivos
na trama social (GONZÁLEZ REY, 2005). No trânsito da pesquisa,
participamos como observadora de reuniões pedagógicas, o que foi
significativo, pois possibilitou a inserção junto ao grupo e a compreensão
da complexidade da instituição (rotinas, do sistema avaliativo, de processos
de formação continuada, de demandas mais comuns em relação aos

292  Patrícia Melo do Monte • Ana Valéria Marques Fortes Lustosa


alunos e às famílias, compreensão do papel da psicologia junto à equipe
pedagógica, entre outras informações).
A Caixa de crenças correspondeu a um instrumento elaborado por
nós a fim de investigar as concepções dos professores acerca da inclusão
escolar, das AH/SD, do bom professor, da boa escola. Consistiu em dispor,
dentro de uma caixa, frases afirmativas para que os participantes reflitam
e expressem sentimentos, reflexões ou atitudes em relação ao texto. A caixa
foi repassada para os participantes no grupo, após a exposição de cada um.
As frases serviam como indutores para que o participante se posicionasse,
resgatando memórias, imaginando possibilidades pedagógicas ou entrando
em contato com suas necessidades formativas. Favoreceu a criação de um
espaço dialógico, de complementaridade e confronto de ideias. Alguns dos
indutores que utilizamos foram construídos a partir dos mitos comuns
acerca das AH/SD, identificados por Pérez (2003).
Existem mais homens do que mulheres com altas habilidades/superdotação.
Os alunos com AH/SD devem receber Atendimento Educacional Especializado.
A identificação das AH/SD fomenta atitudes de vaidade e menosprezo em
relação aos outros
Ao longo da pesquisa, sentimos a necessidade de melhor compreender
a história da instituição, que emergia nos relatos dos participantes, nos
símbolos espalhados pela escola, na manutenção de alguns rituais. A
análise de documentos, como o Projeto Político Pedagógico da Escola,
jornais eletrônicos, notícias divulgadas no site institucional, galeria de fotos,
regulamentos de gincanas e projetos, depoimentos no site institucional e
em sites locais, foi valiosa por nos ajudar na confrontação das informações
e por permitir acesso ao discurso oficial da instituição em relação aos seus
modos de funcionamento, importante aspecto que integra a subjetividade
social da escola. A análise destes documentos também contribuiu para
conhecermos aspectos históricos, estruturais e aspectos pedagógicos que
fundamentam a ação docente na instituição.
A Composição consistiu no desenvolvimento escrito de um tema
aberto. Em sujeitos motivados e envolvidos com o tema, consiste em
excelente meio de expressão da subjetividade (GONZÁLEZ REY, 2005).
Nesta pesquisa, a participante compôs dois textos, que foram úteis para
elaboração de indicadores sobre os seus modos de subjetivação em relação
à escola e a outras dimensões de sua vida; e sobre o seu modo de perceber

A EPISTEMOLOGIA QUALITATIVA E O MÉTODO CONSTRUTIVO-INTERPRETATIVO 293


COMO VIAS PARA O ESTUDO DA SUBJETIVIDADE NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
o aluno com AH/SD e subjetivar a sua relação com ele. Os temas foram: A
escola em que trabalho e Como vejo o meu aluno com AH/SD.
O Completamento de frases é um instrumento que apresenta
indutores curtos, os quais devem ser preenchidos pelo participante da
pesquisa, o que permite o seu deslocamento em diferentes temáticas,
facilitando a expressão de sentidos subjetivos diferenciados. Para González
Rey (2005), o completamento de frases é uma rica fonte de indicadores e
seu valor como instrumento está na possibilidade de elaborar um sistema de
hipóteses que se integram e marcam o curso da produção de informação. O
autor ressalta que, na construção das hipóteses, as informações não devem
ser consideradas tal como se apresentam explicitamente, mas devem ser
associadas a outros indicadores do instrumento ou de outros, confrontadas
e, dessa forma, interpretadas.
Na organização dos indutores, priorizamos neste estudo temas
específicos relacionados aos objetivos da pesquisa, como: No trabalho...
O aluno com AH/SD... Na escola, eu... Minha família... Meu maior sonho... e
indutores indiretos, como Eu... Gostaria... Lamento... Nesta pesquisa surgiram
indicadores que remetem a conflitos em sua vida atual, que não surgiram
em outros instrumentos. Foi possível ainda perceber indícios sobre o
trabalho pedagógico desenvolvido, sobre sua relação com o aluno com
AH/SD, sobre o seu lugar na escola e sobre sua família, entre outros.
A Linha da vida foi um instrumento utilizado com a finalidade de
resgatar memórias significativas para a participante e, a partir disso,
conectá-las às suas experiências atuais, a fim de identificar sentidos
subjetivos que se configuram e se expressam em sua ação docente. Nessa
técnica, a professora foi estimulada a refletir sobre sua história, seu momento
presente e suas projeções futuras. Solicitamos que Lia marcasse pontos
importantes em sua trajetória de vida, refletindo sobre suas lembranças –
pessoas significativas, eventos, sonhos de infância - e projetos. Essa técnica
representou importante recurso de produção de emocionalidades.
Sob os fundamentos deste método, o pesquisador constrói a
pesquisa ao longo do processo, considerando os imprevistos de um
sistema comunicativo, em que o inesperado pode redirecionar o percurso
da pesquisa e é significativo para a compreensão do fenômeno. Ele não
se propõe a uma neutralidade guiada por procedimentos e hipóteses pré-
elaboradas.

294  Patrícia Melo do Monte • Ana Valéria Marques Fortes Lustosa


Podem ser relevantes na construção de indicadores elementos como
a forma adjetivada ou personalizada de narrar as experiências com os
outros, a maneira pela qual aparecem organizados no relato tempos
da vida de seu autor, as emoções, os silêncios, a excessiva ênfase
sobre algo em detrimento de outros aspectos possíveis no relato,
a relação entre esses aspectos, assim como podem surgir também
como indicadores olhares, posturas, comportamentos. Enfim,
os indicadores resultam do significado que o pesquisador gera
acompanhando os diferentes modos de expressão dos participantes
de uma pesquisa. O indicador nunca é uma definição isolada. A
abertura de um indicador deve remeter a outros indicadores que o
pesquisador deve, de forma ativa, procurar, pois é esse o processo
em que emerge o modelo teórico (GONZÁLEZ REY, MITJÁNS
MARTÍNEZ, 2017, p. 111).

O indicador não tem valor para a pesquisa se estiver isolado,


representa o princípio de uma busca por uma maior compreensão sobre
o objeto de investigação. É na articulação com outros indicadores que ele
revela seu valor heurístico, podendo alimentar um modelo teórico ou ser
descartado. Para González Rey; Mitjáns Martínez (2017), todo o curso da
pesquisa pode ser considerado processo de construção da informação,
pois a informação que vai sendo relevante para o problema estudado
não aparece diretamente da resposta dos participantes, nem de sua fala
explícita, mas nas hipóteses que vão ganhando força, organizadas pelos
indicadores que o pesquisador constrói fundamentado nas expressões dos
participantes nos mais diversos momentos e contextos da pesquisa.

O progresso na construção teórica sempre vai implicar o desenho


de novos instrumentos, de novos momentos na conversação,
a elaboração de novos caminhos e novas questões a serem
desenvolvidas com o participante, por isso a tremenda importância
de avançar no processo de construção de informação como parte
inseparável do trabalho de campo, pois é a partir dele que novas
opções serão desenvolvidas no curso da pesquisa (GONZÁLEZ REY,
MITJÁNS MARTÍNEZ, 2017, p.148).

Com a articulação dos indicadores, surgem as hipóteses, as quais não


se constituem a priori, e tampouco devem ser levadas à experimentação; mas
são consideradas vias nas quais o modelo teórico vai ganhando capacidade
explicativa. O autor denominou essa forma de trabalhar a informação
de lógica configuracional, por se apresentar em um jogo contínuo de
indicadores em relação.

A EPISTEMOLOGIA QUALITATIVA E O MÉTODO CONSTRUTIVO-INTERPRETATIVO 295


COMO VIAS PARA O ESTUDO DA SUBJETIVIDADE NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
A seguir apresentaremos as construções teóricas da pesquisa, que
surgiram a partir da articulação de indicadores, os quais possibilitaram a
emergência de hipóteses, organizadas em dois eixos temáticos: A subjetividade
social da escola e Os processos subjetivos configurados na ação pedagógica de uma
professora junto a seus alunos com AH/SD, em uma escola regular.
No primeiro eixo temático, a escola é apresentada em seus vários
arranjos e processos, a fim de compreendê-la em uma dimensão complexa.
A instituição é analisada a partir de sua história e de sua cultura. Em seguida,
a partir do estudo de um caso específico, desenvolvemos o segundo eixo
temático.
Na subjetividade social da escola investigada, compreendemos que
há altas expectativas de aprendizagem, elevada ênfase nos resultados,
valorização do esforço individual, exigências de organização e elevada
produtividade. A cultura do desempenho coexiste com uma educação
humanista, em que são ressaltados os valores de coletividade, solidariedade,
acolhimento e respeito às diferenças, bem como estímulo à criatividade e
aperfeiçoamento pessoal.
O modelo adotado pela escola afasta-se de um modelo comum de
docência como jornada solitária (ARROYO, 2000) e intuitiva. É realizado,
com frequência, um trabalho coletivo, que se fundamenta nas necessidades
surgidas no contexto escolar e se caracteriza pelo debate, pela troca de
saberes, por experimentações, pela processualidade e continuidade das
ações. Nas entrevistas com os professores e nas dinâmicas conversacionais
com o grupo, encontramos indicadores de que o funcionamento grupal
mobiliza emoções e processos simbólicos dos professores, facilitando o seu
envolvimento nesse contexto.
A produção coletiva e dialógica do trabalho pedagógico viabiliza
ao grupo a vivência de compartilhamento de saberes teóricos e técnicos
e configura-se como espaço de formação mútua, no qual cada professor
coloca-se, ao mesmo tempo, como formador e aprendiz. Percebemos
ainda organicidade e corresponsabilização nas ações desenvolvidas pelos
professores da sala comum e do AEE na elaboração de alternativas didáticas
direcionadas aos alunos público-alvo da Educação Especial.
Por outro lado, percebemos também que não há espaço para o
erro nesse contexto escolar. O erro frequentemente é subjetivado pelos
professores como fracasso, sendo, portanto, indesejável. Então nos
questionamos: O que implica o erro do aluno? O que é considerado erro no

296  Patrícia Melo do Monte • Ana Valéria Marques Fortes Lustosa


trabalho do professor? A escola nos últimos anos mostra que tem ampliado
espaços, ações e saberes em relação à inclusão do aluno com deficiência,
mas não percebemos o mesmo movimento em relação ao aluno com AH/
SD. Apesar da excelência do espaço formativo que a escola oferece aos
professores, com dialogicidade, colaboração e construção de saberes e
práticas; e do currículo enriquecido oferecido aos alunos, não se discute
sobre essa condição entre os professores e, dessa forma, eles desconhecem
as necessidades de seus alunos com AH/SD. Se os educandos com AH/SD
não são identificados, podemos concluir que a escola não legitima suas
características e se mostra indiferente às suas especificidades e necessidades
identitárias, emocionais, sociais e morais, colocando em evidência o caráter
cognitivo do aluno.
A escola estaria evitando o rótulo de pessoa com AH/SD? Por
que admite outros? Que crenças explicariam essa evitação? Algumas
justificativas possíveis seriam o desconhecimento sobre o campo; a
crença de que a identificação fomenta a redução do sujeito; o fato de
não compreender a expressão das AH/SD como algo situacional; de não
compreender o valor do ambiente nessa expressão, ou mesmo crenças de
que a identificação poderia gerar sentimentos de superioridade no aluno
com AH/SD ou menos-valia nos demais. Em relação aos alunos com AH/
SD, a escola tem pautado suas práticas sobre uma base de ideias errôneas
e uma formação aprofundada sobre o campo se faz necessária.
A inter-relação entre a subjetividade individual e a subjetividade social
nos possibilitou a compreensão das configurações subjetivas da ação da
professora junto a seus alunos com AH/SD. A professora Lia, em particular,
valoriza o aluno como sujeito e a sua capacidade de produzir ideias sobre o
que estuda, inclusive sua possibilidade de transcender aquilo que é dado, o
que demonstra que, pelo menos, parcialmente valida as altas habilidades;
mas não identifica as dificuldades e as necessidades dele, além de uma
dimensão intelectual.
Neste estudo, pudemos perceber que, ao ensinar, Lia produzia
sentidos subjetivos de prazer e satisfação. O trabalho para ela não está
circunscrito a um espaço ou a um tempo específico, mas se configura
subjetivamente de forma a atravessar diversas experiências. Está no centro
de suas expressões afetivas. O reconhecimento de seu potencial pela escola,
alunos e famílias e a autovaloração são fatores que facilitam a organização
de seu trabalho pedagógico. A professora percebe os alunos com AH/SD

A EPISTEMOLOGIA QUALITATIVA E O MÉTODO CONSTRUTIVO-INTERPRETATIVO 297


COMO VIAS PARA O ESTUDO DA SUBJETIVIDADE NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
como facilitadores do trabalho pedagógico, uma vez que eles facilitam a
aprendizagem dos colegas e, muitas vezes, direcionam o pensamento dela
para pontos relevantes e de interesse para a faixa etária deles. Em relação
à instituição, a professora produz sentidos subjetivos de pertencimento,
de valorização profissional, de identificação de valores, de respeito e
lealdade, e sobre esse tecido subjetivo constrói uma prática que possibilita
aprendizagem e expressão criativa dos alunos.
A pesquisa nos permitiu compreender a expressão da condição de
sujeito da professora no desenvolvimento de seu trabalho pedagógico
quando demonstra em suas ações seu posicionamento criativo, reflexivo,
intencional, sua ânsia por aprender e seu desejo de ensinar cada vez melhor,
enfrentando criticamente suas dificuldades, e sua postura crítica, criativa
e dialógica em sua prática profissional abre caminhos para que o aluno
assuma o protagonismo em seu processo de aprender.

Conclusão

As principais contribuições desta pesquisa estão relacionadas a


compreender o trabalho pedagógico além das estratégias instrumentais
e procedimentais, bem como superar a concepção de linearidade que o
envolve, dirigindo um olhar para o professor como indivíduo que, em sua
ação profissional, integra processos históricos, culturais e emocionais,
os quais implicam na constituição complexa de sua subjetividade.
Compreender o trabalho pedagógico na perspectiva histórico-cultural
remete a uma valorização dos aspectos históricos, sociais e emocionais que
se realizam na escola. A pesquisa nos possibilitou ainda perceber o caráter
complexo da ação docente, que se fundamenta em saberes, instrumentos e,
de forma muito importante, fundamenta-se em processos subjetivos.
A perspectiva teórica, epistemológica e metodológica de González
Rey tem como recurso básico a pesquisa, e exige lidar com um sistema
teórico vivo, em que os conceitos teóricos se movimentam e se reconfiguram
continuamente; requer do pesquisador implicação, capacidade de diálogo,
compreensão reflexiva, criatividade e capacidade de construção e de
reconstrução. Exige a compreensão da subjetividade em seu caráter móvel
e plástico. Na teoria não há conteúdos substancializados, estáticos, não há
dados que podem ser coletados. O que essa experiência me proporcionou?
O diálogo, o estabelecimento de relações, a reflexão sobre o que vemos na

298  Patrícia Melo do Monte • Ana Valéria Marques Fortes Lustosa


escola e sobre o que está oculto nesse espaço, o refletir sobre nós mesmos e
o entendimento de que os processos subjetivos, em seu caráter individual e
social, são constituintes do trabalho pedagógico e a expressão do professor
como sujeito pode facilitar a criação de espaços sociais propiciadores de
desenvolvimento a alunos com AH/SD, por possibilitar a expressão criativa
e emocional destes. Os fundamentos da Teoria da Subjetividade e o método
construtivo-interpretativo foram essenciais nessa construção.

Referências

ARROYO, M. G. Ofício de Mestre: Imagens e autoimagens. Petrópolis:


Vozes, 2000.

BACHELARD, G. O novo espírito científico. Rio de Janeiro: Tempo


Brasileiro, 2000.

FIGUEIREDO, L. C.; M. SANTI, P. L. R. Psicologia uma (nova) introdução:


Uma visão histórica da psicologia como ciência. São Paulo: Educ. 1997.

FIGUEIREDO, L. C. Revisitando as psicologias: Da epistemologia à ética


das práticas e discursos psicológicos. São Paulo: Educ, Petrópolis: Vozes,
1996.

FONSECA, J. J. S. Metodologia da pesquisa científica. Fortaleza: UEC,


2002.

GOES, G.T.; BRANDALISE, M.A.T. Avaliação educacional: influências do


positivismo, da fenomenologia e da teoria crítica. UEPGPR EDUCERE,
2015.

GONZÁLEZ REY, F.L. O Valor Heurístico da Subjetividade na Investigação


Psicológica. In: GONZÁLEZ REY, F. L. Subjetividade, Complexidade e
Pesquisa em Psicologia. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005.

GONZÁLEZ REY, F.; MITJÁNS MARTÍNEZ, M. Subjetividade: Teoria,


Epistemologia e Método. Campinas: Alínea, 2017.

A EPISTEMOLOGIA QUALITATIVA E O MÉTODO CONSTRUTIVO-INTERPRETATIVO 299


COMO VIAS PARA O ESTUDO DA SUBJETIVIDADE NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
MORIN, E. A noção de sujeito. In D. F. SCHNITMAN (Org.), Novos
paradigmas, cultura e subjetividade (pp. 45-58). Porto Alegre: Artes
Médicas, 1996.

MORIN, E. Educação e complexidade: os sete saberes e outros ensaios. 4.


ed. São Paulo: Cortez, 2007.

PÉREZ, S. G. P. B. Mitos e crenças sobre as pessoas com altas habilidades:


alguns aspectos que dificultam o seu atendimento. Revista Educação.
Santa Maria, nº 22, 2003.

PÉREZ, S. G. P. B.; FREITAS, S. N. Políticas públicas para as Altas


Habilidades/ Superdotação: incluir ainda é preciso. Revista Educação
Especial, v. 27, n. 50, set./dez. 2014

PINTO, J. F.; PAULA, A. P. P. Contribuições da epistemologia qualitativa


de González Rey para estudos transdisciplinares. Psicologia & Sociedade,
30, 2018.

ROSSATO, Maristela. O movimento da subjetividade no processo de


superação as dificuldades de aprendizagem escolar. 2009. 257 f., il.
Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade de Brasília, Brasília,
2009.

ROSSATO, M; MATOS, J.F.; PAULA, R.M. A subjetividade do professor e


sua expressão nas ações e relações pedagógicas. Educ. rev. [online]. 2018,
vol.34, e169376. Epub Jan 18, 2018.

300  Patrícia Melo do Monte • Ana Valéria Marques Fortes Lustosa


EPISTEMOLOGIA QUALITATIVA E PESQUISA
CONSTRUTIVO-INTERPRETATIVA
EM PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

Carlos Eduardo Gonçalves Leal


Ana Valéria Marques Fortes Lustosa

A
educação escolar é um processo complexo que se constitui
como objeto de estudo dos mais diferentes campos
disciplinares, entre eles, a psicologia. É nesse cenário que a
psicologia da educação emerge como disciplina científica que investiga o
fenômeno psicológico vinculado aos processos educacionais, em especial, à
educação escolar. Na teoria da subjetividade de González Rey (1998, 2004,
2005a, 2005b, 2005c, 2007a, 2007b, 2011, 2012, 2013, 2017), situada
em um marco histórico-cultural das teorias psicológicas, o fenômeno
psicológico é compreendido com o conceito de subjetividade, o qual
amplia o olhar sobre a existência humana, desvelando processos e formas
essencialmente diferentes que constituem a realidade. No marco teórico
em questão, os processos subjetivos se integram à educação escolar,
manifestando-se não somente nas configurações subjetivas individuais,
mas também nas configurações subjetivas dos espaços sociais nos quais a
educação escolar se desdobra.
O conceito de subjetividade que orientou a construção do modelo
teórico e a ação da pesquisa que realizamos para o doutorado tem
implicações epistemológicas e metodológicos, as quais denotam uma

EPISTEMOLOGIA QUALITATIVA E PESQUISA 301


CONSTRUTIVO-INTERPRETATIVA EM PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO
nova forma de produzir conhecimento científico no domínio das ciências
sociais, sobretudo, da psicologia. Deste modo, este capítulo apresenta o
percurso metodológico da pesquisa realizada, partindo do debate sobre a
epistemologia qualitativa de González Rey (2004, 2005a, 2005b, 2007, 2005c,
2011; GONZÁLEZ REY; MITJÁNS MARTÍNEZ, 2017) e sobre a proposta
metodológica que o autor denominou de pesquisa construtivo-interpretativa
(GONZÁLEZ REY; MITJÁNS MARTÍNEZ, 2017). A ideia é apresentar uma
alternativa epistemológica e metodológica para o estudo científico da
subjetividade no cenário social da educação, em especial, da educação
escolar.

Epistemologia Qualitativa

Na pesquisa do doutorado, propomo-nos a investigar como


a subjetividade social da escola é vivenciada na prática educativa de
professores com os alunos público-alvo da educação especial. Partimos de
uma questão teórica que tem implicações epistemológicas e metodológicas:
o que é a subjetividade e de que modo se diferencia de outros processos e
formas de organização da existência humana. Com o autor, entendemos a
subjetividade como um sistema complexo que demanda uma nova forma
de produzir conhecimento científico, uma forma que se expressa como
alternativa ao modelo empírico-instrumental presente na pesquisa em
psicologia. Em nossa investigação, partimos da epistemologia qualitativa de
González Rey (GONZÁLEZ REY, 2004, 2005a, 2005b, 2007, 2005c, 2011;
GONZÁLEZ REY; MITJÁNS MARTÍNEZ, 2017) e do modelo de pesquisa
construtivo-interpretativa desenvolvido pelo autor (GONZÁLEZ REY; MITJÁNS
MARTÍNEZ, 2017).
González Rey e Mitjáns Martínez (2017, p. 26) afirmam:

[...] longe de pensar uma epistemologia capaz de orientar uma


metodologia diferenciada para um tema diferenciado, a psicologia
importou rótulos filosóficos gerais para justificar procedimentos
metodológicos isolados orientados aos mais diversos temas de
pesquisa. Nesse processo, longe de aprofundar as possíveis formas
que a fenomenologia, o marxismo ou a hermenêutica poderiam
tomar nos fundamentos epistemológicos de um novo modo de
fazer pesquisa, os psicólogos banalizaram esses posicionamentos
filosóficos através de pesquisas que não explicitavam a relação entre
essas filosofias e o fazer metodológico desenvolvido nas pesquisas.

302  Carlos Eduardo Gonçalves Leal • Ana Valéria Marques Fortes Lustosa
A citação nos mostra que o debate filosófico no âmbito da
ciência psicológica não possibilitou, de igual modo, o desenvolvimento
epistemológico do campo, refletindo a dissociação entre teoria,
epistemologia e metodologia na produção do conhecimento científico.
Ainda que a pesquisa qualitativa tenha surgido na psicologia como uma
alternativa à pesquisa quantitativa dominante, pautada no positivismo
lógico, o debate tem ignorado as bases epistemológicas que sustentam
os estudos, o que os mantêm nos limites de um enfoque puramente
instrumental. O qualitativo, na perspectiva aqui defendida, não se limita aos
aspectos metodológicos da pesquisa, uma vez que representa a expressão
de uma nova epistemologia para a produção de conhecimento científico
sobre a subjetividade (GONZÁLEZ REY, 2004, 2005a, 2005b, 2007, 2005c,
2011; GONZÁLEZ REY; MITJÁNS MARTÍNEZ, 2017).
Deste modo, para González Rey (2005a, 2005c, 2011), a produção
de conhecimento científico pela psicologia sobre a subjetividade humana
deve contemplar uma reconstrução epistemológica, considerando que
a pesquisa psicológica tradicional, dentre as quais algumas propostas
qualitativas que se configuram como expressão de perspectivas filosóficas na
ciência psicológica, como a fenomenologia, por exemplo, têm se mostrado
limitada na compreensão de campos complexos da existência humana,
uma vez que a opção metodológica, com frequência, não é acompanhada
de reflexões a respeito dos princípios epistemológicos que fundamentam a
produção científica. O debate tem mostrado que a tradição de pesquisa na
psicologia e nas demais ciências sociais tem se caracterizado pela moldura
formal, instrumental e quantitativa que se apresenta como o “método
científico” nessas ciências, e que, pela ausência de debate epistemológico
nas metodologias qualitativas alternativas, também está presente, de algum
modo, nesses modelos (GONZÁLEZ REY; MITJÁNS MARTÍNEZ, 2017).
Ainda na experiência do mestrado, nosso contato com a epistemologia
qualitativa (GONZÁLEZ REY, 2005a, 2005c, 2011), proposta epistemológica
desenvolvida pelo autor, ocorreu sob o argumento de que retrata uma
alternativa à epistemologia hegemônica na psicologia e aos modelos
disponíveis de pesquisa qualitativa, reflexões que puderam ser aprofundadas,
posteriormente, no doutorado. A construção teórica sobre a subjetividade,
que a compreende como um processo qualitativamente distinto, que
expressa uma realidade diferenciada, uma forma de registro particular que
não se manifesta de maneira direta em nenhuma das expressões humanas

EPISTEMOLOGIA QUALITATIVA E PESQUISA 303


CONSTRUTIVO-INTERPRETATIVA EM PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO
e que não é determinado mecanicamente por qualquer processo biológico
ou social, exige uma proposta epistemológica que supere os pilares da
certeza da ciência moderna (MITJÁNS MARTÍNEZ, 2005). É nesse cenário
que a epistemologia qualitativa se constitui como um caminho alternativo,
representando um novo olhar no campo das ciências sociais, em especial,
da psicologia.
O uso do termo qualitativo na proposta epistemológica de González
Rey tem uma razão. Quando a terminologia foi definida, no ano de 1997, a
principal inquietação do autor era a forma como os psicólogos se utilizavam
da pesquisa qualitativa, ou seja, como um recurso meramente instrumental,
metodológico, sem nenhuma consciência teórica ou epistemológica
(GONZÁLEZ REY; MITJÁNS MARTÍNEZ, 2017). A epistemologia qualitativa abre
o debate epistemológico na pesquisa em psicologia e define os princípios
que devem orientar a produção de conhecimento científico no domínio da
subjetividade humana. O principal alvo de críticas do autor é o positivismo
lógico e a maneira como se consolidou no campo das ciências sociais e, em
particular, na psicologia, sustentando o modelo empírico-instrumental de
pesquisa ainda fortemente presente em grandes centros de produção de
conhecimento psicológico no País. A quantificação de processos subjetivos,
o caráter a-teórico das produções científicas, a ênfase no empírico e o forte
instrumentalismo, aspectos já apontados anteriormente, são princípios
positivistas questionados pela epistemologia qualitativa.
A pesquisa orientada pela proposta epistemológica de González
Rey se constitui como um processo de construção teórica, por meio do
qual o pesquisador, compreendido como sujeito no processo de produção
do conhecimento, deve construir um modelo teórico a respeito das
configurações subjetivas da questão estudada. Isso fica evidente na citação
de González Rey e Mitjáns Martínez (2017, p. 113), quando afirmam que:

Em termos epistemológicos e metodológicos, as configurações


subjetivas representam modelos que devem ser construídos no
curso da pesquisa, o que cria uma relação inédita entre conceitos
que orientam e que, ao mesmo tempo, precisam ser construídos ao
longo dela, num processo que toma infinitas formas singulares que,
nessa diversidade, permitem a construção da configuração subjetiva
da questão em investigação.

Em nossa pesquisa de doutorado, a questão investigada foi a forma


como professores vivenciam a subjetividade social da escola na prática

304  Carlos Eduardo Gonçalves Leal • Ana Valéria Marques Fortes Lustosa
educativa com alunos público-alvo da educação especial. Nesse sentido,
o modelo teórico produzido na pesquisa deve dar conta da configuração
subjetiva dessa prática no cenário social concreto no qual é desenvolvida.
Isso significa dizer que o foco principal é construir informações sobre o fluxo
de sentidos subjetivos que se integra ao momento de ação do professor
com os alunos em questão, dando maior ênfase aos sentidos subjetivos
com origem nas configurações subjetivas sociais da escola e a forma como
são vivenciados pelo participante. Na epistemologia qualitativa, o modelo
teórico deve sempre expressar as ideias e construções do pesquisador na
forma individualizada e singularizada de sua produção, sem qualquer
dependência de uma lógica externa de pensamento, como acontece nas
pesquisas hipotético-dedutivas.
A respeito da centralidade do pesquisador no processo de produção
de conhecimento, os autores (GONZÁLEZ REY; MITJÁNS MARTÍNEZ,
2017, p. 111) argumentam:

É pelo caráter vivo desse processo, sempre cheio de imprevistos,


que o pesquisador precisa estar o tempo todo se posicionando e
acompanhando caminhos diferentes frente às múltiplas informações
que recebe, o que me levou a definir esta forma de trabalho como
‘lógica configuracional’, pois se configura num jogo permanente de
indicadores e ideias que aparecem sem outro apoio que a própria
construção do pesquisador, que é um aspecto central desse processo.

O resgate do sujeito como categoria epistemológica na produção


do conhecimento científico é coerente com a perspectiva teórica
desenvolvida pelo autor, que elege a categoria de sujeito como uma das
principais categorias da teoria da subjetividade. A lógica configuracional,
que orienta as formas de pensamento do pesquisador, colocando-o em
um lugar central, e as operações intelectuais que levam à construção do
conhecimento científico a respeito da questão investigada, foi um dos
pontos mais difíceis de compreender em nossa primeira aproximação
com o sistema epistemológico de González Rey, uma vez que nos colocava
diante de duas problemáticas: como deveríamos nos relacionar com a
teoria da subjetividade no momento empírico da pesquisa, considerando
que este emerge como momento de construção teórica, e de que forma
o conhecimento científico construído por nós poderia ser legitimado e
generalizado.

EPISTEMOLOGIA QUALITATIVA E PESQUISA 305


CONSTRUTIVO-INTERPRETATIVA EM PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO
Sobre o primeiro ponto, González Rey e Mitjáns Martínez (2017, p.
37) destacam:

As teorias são geradoras de modelos de pensamento que oferecem


meios para a produção teórica dos pesquisadores, porém as teorias
não podem fornecer os significados singulares que emergem nas
pesquisas concretas. Os conceitos teóricos representam modelos
a serem construídos no curso das pesquisas. Quando isso não
acontece, as teorias correm o risco de se transformarem em dogmas
e serem usadas como significados que se impõem ao processo de
pesquisa.

Os principais conceitos da teoria da subjetividade são: sentido


subjetivo, configuração subjetiva, sujeito, subjetividade social e subjetividade
individual. Os conceitos teóricos são sistemas de inteligibilidade que
possibilitam a aproximação do pesquisador com o campo, mas que,
em si, não significam o campo. Os conceitos permitem ao pesquisador
explicar como os participantes da pesquisa produzem subjetivamente suas
experiências sociais e culturais em um momento historicamente situado,
mas eles precisam ser construídos, visto que não oferecem o conteúdo
concreto dessa produção subjetiva, uma vez que não encerram significados
substancializados, como acontece em outras teorias psicológicas.
Na teoria da subjetividade, os conceitos são, portanto, sistemas
abertos e, deste modo, o pesquisador, no momento empírico, não rastreia
elementos universalizados pelo sistema teórico. O processo investigativo
sempre envolve a construção teórica, que se articula de forma mais
imediata com o momento empírico e, em outro nível, com a macroteoria
que fundamenta o estudo (GONZÁLEZ REY, 2005a). Isso demarca a
processualidade da teoria, a qual não reflete um conjunto de categorias
estáticas e naturalizadas, mas um sistema de inteligibilidade que assume
formas múltiplas na ação da pesquisa científica.
Em relação ao segundo ponto, que envolve a legitimidade e a
generalização do conhecimento produzido, González Rey (2011) propõe
um modo particular de entender esses processos. Estamos acostumados
a pensar sobre eles com base nos preceitos empírico-instrumentais da
epistemologia positivista, com a qual a legitimação e a generalização
ocorrem com base em critérios estatísticos dos mais diversos, como, por
exemplo, a validação de instrumentos, a busca de evidências experimentais
com grupo controle, a triangulação de instrumentos ou dados, a seleção

306  Carlos Eduardo Gonçalves Leal • Ana Valéria Marques Fortes Lustosa
de amostras representativas, entre outros. Como o conhecimento é
representado como um reflexo de uma realidade definida com base na
ideia de fato, a ênfase é dada à constatação, ao empírico, o qual aparece
como dado, não à construção reflexiva e teórica do pesquisador.
Na epistemologia qualitativa, por outro lado, “[...] a generalização
é um processo teórico que permite integrar em um mesmo espaço de
significação elementos que antes não tinham relação entre si em termos de
conhecimento” (GONZÁLEZ REY, 2011, P. 164). Isso significa que à medida
que ampliamos o potencial explicativo do modelo teórico, construindo
e articulando diferentes conceitos e categorias, ampliamos também o
seu potencial de generalização e garantimos a sua legitimidade como
conhecimento científico.
González Rey e Mitjáns Martínez (2017, p. 104-105), ao debaterem
a respeito da metodologia de pesquisa construtivo-interpretativa, que parte da
epistemologia qualitativa, sintetizam a reflexão anterior na seguinte afirmação:

Se esta é compreendida como um processo de construção teórica,


está implícito que os critérios de legitimidade e generalização não
podem responder a processos que acontecem no plano empírico-
instrumental alheio a qualquer construção teórica. O resgate
ao valor da teoria na pesquisa implica construir sua relevância e
especificidade na compreensão da pesquisa como produção teórica
em todos os processos que nela se organizam, incluindo uma
compreensão diferente dos processos de legitimação e generalização
do saber produzido.

O debate anterior, que enfatiza o resgate epistemológico do sujeito


na produção do conhecimento científico e, diferentemente da pesquisa
empírico-instrumental, atribui um papel central à teoria, sustenta-se em
três princípios que orientam a pesquisa científica com base na epistemologia
qualitativa, quais sejam: a singularidade é um nível legítimo para a construção
do conhecimento científico; o conhecimento é uma produção construtivo-
interpretativa; a pesquisa é um processo de comunicação dialógica. Os
princípios se inter-relacionam em toda a ação da pesquisa e dotam de
originalidade o estudo da subjetividade humana, abrindo caminhos até
então não contemplados pela pesquisa psicológica tradicional.
No processo evolutivo da nossa espécie e na história social humana,
como já apontavam os primeiros teóricos do enfoque histórico-cultural,
houve um salto qualitativo, que não nos permite estabelecer uma relação de

EPISTEMOLOGIA QUALITATIVA E PESQUISA 307


CONSTRUTIVO-INTERPRETATIVA EM PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO
identidade entre o ser humano e os animais. A subjetividade emerge como
uma nova forma de registro e produção da experiência, que descola o ser
humano da sua condição biológica, dotando de singularidade a existência de
cada indivíduo. A subjetividade, portanto, não é psique, porque é cultural,
social, histórica, mas, sobretudo, subjetiva, ou seja, é uma produção ao
mesmo tempo simbólica e emocional que organiza e singulariza a nossa
existência e que possibilita a processualidade da vida individual e social.
Embora a cultura seja um sistema fundamental para compreender os
processos subjetivos, estes não podem ser confundidos com os artefatos
culturais, os quais dão conta de uma dimensão construtiva da realidade
social, que, em si, não expressam plenamente a subjetividade.
A emocionalidade, que demarca o caráter singular da produção
subjetiva de um agente ou um sujeito em particular, exprime um aspecto
essencial da subjetividade, ideia que traz importantes implicações
epistemológicas e metodológicas, considerando que os processos subjetivos
se expressam somente quando ela está presente, ou seja, quando há
reflexividade e implicação emocional com o que se produz. A relação entre
processos simbólicos e emocionais se define pela recursividade, portanto,
as emoções não são um epifenômeno do pensamento e da linguagem, os
quais demarcam o simbólico na existência humana particular, e, nem tão
pouco, expressam-se, de maneira direta, nesses sistemas. Uma pessoa pode
falar por horas e a subjetividade pode não emergir nessa fala.
Sobre isso, González Rey e Mitjáns Martínez (2017, p. 23) afirmam:

A subjetividade, que traz emoção como parte essencial dos processos


humanos criadores desse mundo de ficção, tem um papel essencial
em definir as realidades do homem como subjetivas e não apenas
discursivas. Por isso, os processos de produção de conhecimento
sobre a subjetividade impõem exigências que estão para além da
hermenêutica e que não estão na linguagem nem no discurso, mas
nas múltiplas formas que tomam os processos humanos.

É com base nesse debate quanto aos processos subjetivos que


González Rey defende os princípios discutidos. Não é possível estudar a
subjetividade sem reconhecer o status epistemológico da singularidade,
que foi historicamente excluída da pesquisa psicológica por representar
um obstáculo para a generalização indutiva dos resultados dos estudos
(GONZÁLEZ REY; MITJÁNS MARTÍNEZ, 2017). A pesquisa empírico-
instrumental universaliza e, ao fazer isso, esvazia os participantes daquilo

308  Carlos Eduardo Gonçalves Leal • Ana Valéria Marques Fortes Lustosa
que os define como humanos, uma vez que os compreende como entidades
objetivadas. Destacando, em particular, a pesquisa qualitativa tradicional,
embora ela legitime o singular como procedimento, por meio, do estudo
de caso, ao utilizar os métodos de triangulação, com a finalidade de
generalizar empiricamente os resultados, nega a legitimidade do singular no
nível epistemológico, já que a comparação entre fontes, experimentadores
ou instrumentos, ao se constituir como um critério externo de validação,
descarta formas expressivas que não se repetem.
Em crítica, González Rey (2011) argumenta que a consistência de uma
informação produzida na ação da pesquisa, mais do que uma constatação
empírica reiterada em diferentes momentos, aparece como uma construção,
que segue a lógica do próprio pesquisador, como discutido anteriormente.
Na proposta do autor, a singularidade é diferente de unicidade, ela
representa “[...] informação diferenciada que se fundamenta no caso
específico que toma significado em um modelo teórico que o transcende”
(GONZÁLEZ REY; MITJÁNS MARTÍNEZ, 2017, p.29). Logo, a singularidade
não indica um obstáculo para a ciência psicológica, mas uma necessidade
para o estudo dos processos subjetivos humanos.
O singular é uma das expressões da subjetividade, e qualquer tentativa
de aniquilá-lo no plano epistemológico significa o distanciamento da
questão em estudo e a produção de um conhecimento sobre qualquer coisa,
mas não sobre os processos subjetivos. A produção subjetiva diferenciada,
singularizada, dos agentes ou sujeitos a respeito das experiências sociais e
culturais encontram lugar na epistemologia qualitativa, uma vez que pode se
tornar significativa para o modelo teórico em construção do pesquisador.
Em termos práticos, o singular na pesquisa não se expressa somente no
método adotado, na definição dos participantes, na escolha do cenário
de investigação, mas em toda a ação da pesquisa, inclusive, nas expressões
particulares, irrepetíveis, dos participantes ao longo da investigação. São
os indicadores construídos pelo pesquisador no curso da pesquisa que
permitirão avaliar a relevância da qualidade das informações geradas para
a questão em estudo. 
A reflexão anterior nos permite entender o segundo princípio, que
define o conhecimento como uma produção construtivo-interpretativa.
Não é possível estudar a subjetividade sem legitimar o caráter construtivo-
interpretativo do conhecimento científico. Na pesquisa empírico-
instrumental, baseada em epistemologias realistas que operam sob a

EPISTEMOLOGIA QUALITATIVA E PESQUISA 309


CONSTRUTIVO-INTERPRETATIVA EM PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO
exigência da objetividade, a ciência é realizada com base na acumulação
de dados, o que denota a forte ênfase no empírico. A questão é que os
processos subjetivos não podem ser observados, testados, quantificados,
considerando que não aparecem diretamente nas expressões humanas
(GONZÁLEZ REY, 2011; GONZÁLEZ REY; MITJÁNS MARTÍNEZ, 2017).
Sem um movimento ativo e reflexivo do pesquisador, na elaboração de
indicadores, indiretamente gerados na ação da pesquisa, e na construção
de ideias que se integram ao modelo teórico, o estudo da subjetividade se
torna comprometido quanto a sua legitimidade.
A respeito da importância dos indicadores para a compreensão do
caráter construtivo-interpretativo do conhecimento, González Rey e Mitjáns
Martínez (2017, p. 30) argumentam:

A ideia da pesquisa como processo teórico, interpretativo, que


progride no decorrer de construções hipotéticas, cuja consistência vai
aos poucos emergindo, tem como unidade principal os indicadores
— base sobre a qual elas organizam —, isto é, os significados que
o pesquisador elabora sobre eventos, expressões ou sistemas de
expressões, os quais não aparecem explícitos, em seu significado,
pelos participantes de uma pesquisa.

Os indicadores são significados construídos pelo pesquisador com


base em diferentes modos de expressão dos participantes, além daquilo
que produzem em termos de fala, dentro de um sistema de significação
que representa o modelo teórico em construção. No momento empírico, o
pesquisador não coleta dados, ele ativamente constrói informações que se
tornam relevantes para seu estudo, já que não aparecem diretamente na fala
dos participantes, as quais são integradas ao seu sistema de inteligibilidade.
A ideia de que os indicadores não aparecem explícitos em seu significado
pelos participantes reitera a compreensão de que a subjetividade não pode
ser confundida com a linguagem, com o discurso, entre outros sistemas
defendidos por propostas metodológicas diversas. Aquilo que o participante
diz a propósito de uma determinada experiência consiste somente parte
de como essa experiência está configurada subjetivamente, e, talvez, a
fala nem expresse os processos subjetivos, considerando o contexto da
relação interpessoal no qual essa fala é produzida. É por esse motivo que
González Rey e Mitjáns Martínez (2017, p. 42) apontam a importância do
pesquisador apreciar na ação investigativa “[...] as formas em que o sujeito

310  Carlos Eduardo Gonçalves Leal • Ana Valéria Marques Fortes Lustosa
e a subjetividade aparecem em suas diversas expressões e não apenas como
o conteúdo explícito e direto da fala ou da escrita [...]”.
Assim, percebemos que o caráter construtivo-interpretativo do
conhecimento está intimamente relacionado ao terceiro princípio,
tornando-o também relevante para a produção de ciência sobre os
processos subjetivos. Com base na Epistemologia Qualitativa, a pesquisa
é compreendida como um processo de comunicação dialógica. O diálogo
representa a via para a reflexividade e a emocionalidade dos participantes
na ação da pesquisa, sem as quais a subjetividade não se expressa. Esse
princípio supera a epistemologia da resposta (GONZÁLEZ REY, 2011),
presente na pesquisa empírico-instrumental, redefine o lugar do pesquisador
e do participante e transforma a pesquisa, como asseguram González Rey
e Mitjáns Martínez (2017), em um espaço social que passa a ser marcado
por processos de comunicação múltiplos, inesperados, espontâneos, logo,
significativos para a construção de indicadores e de modelos teóricos
a respeito dos processos e formas de organização da subjetividade. A
importância do diálogo na ação da pesquisa é reiterada na citação abaixo:

Os indivíduos ou grupos são agentes ou sujeitos do processo de


diálogo inaugurado pela pesquisa. Somente nessas condições eles
são capazes de superar os posicionamentos descritivos associados
a linguagem normativa cotidiana, envolvendo-se em reflexões
configuradas subjetivamente, sem as quais o próprio diálogo não irá
acontecer, pois todo diálogo é um processo construtivo daqueles que
dele participam e diálogo implica contradições, rupturas, abertura
de caminhos, onde novos processos do relacionamento aparecem
associados a novas produções subjetivas dos indivíduos em diálogo
(GONZÁLEZ REY; MITJÁNS MARTÍNEZ, 2017, p. 29).

Como destacado, o diálogo favorece a emergência da subjetividade no


processo de investigação, visto que retira o caráter formal da relação entre
pesquisador e participante, proporciona a formação de vínculo e, por envolver
uma troca comunicativa que se expressa na provocação, questionamento
e aprofundamento por parte do pesquisador, promove reflexões pelos
agentes ou sujeitos em diálogo, mas, sobretudo, pelos participantes do
estudo. Sendo assim, não é mais a aplicação do instrumento que define
o momento empírico, situação que caracteriza a pesquisa psicológica
tradicional, mas as trocas comunicativas que antecedem ou sucedem
essa aplicação, podendo, inclusive, o próprio diálogo, em particular, a

EPISTEMOLOGIA QUALITATIVA E PESQUISA 311


CONSTRUTIVO-INTERPRETATIVA EM PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO
dinâmica conversacional (GONZÁLEZ REY; MITJÁNS MARTÍNEZ, 2017),
retratar o instrumento de construção de informações na ação da pesquisa.
A qualidade da relação entre pesquisador e participante define a qualidade
das informações construídas e, consequentemente, o potencial explicativo
do modelo teórico gerado.
No próximo tópico, apresentaremos a metodologia que adotamos
na ação da pesquisa, orientada pelo debate epistemológico proposto.

Pesquisa Construtivo-Interpretativa

Seguindo os princípios definidos por González Rey no domínio da


epistemologia qualitativa, realizamos um estudo qualitativo, do tipo explicativo,
por meio do modelo de pesquisa construtivo-interpretativa (GONZÁLEZ REY;
MITJÁNS MARTÍNEZ, 2017). Embora nossa investigação tenha partido de
momentos antecipatórios, como a formulação do problema de pesquisa,
a definição dos objetivos e instrumentos, entre outros, os quais refletem
as próprias exigências do curso de doutorado, a ação da pesquisa, em
especial, o início do trabalho de campo, ao nos colocar em comunicação
dialógica com os participantes, abriu um espaço de imprevisibilidade que
nos provocou a repensar o desenho da pesquisa. A ação da pesquisa na
proposta construtivo-interpretativa não se expressa na passividade da
coleta de dados, mas na postura ativa do pesquisador, marcada pela
contínua construção teórica e dialógica no trabalho de campo, que pode
redefinir caminhos.
Enfrentamos um primeiro desafio em relação ao problema de pesquisa
que havíamos formulado inicialmente. A primeira questão que levantamos,
que antecedeu o momento empírico, não permitia entender a complexidade
da forma como a subjetividade social da escola e a subjetividade individual
dos professores configuravam a prática educativa com os alunos da educação
especial. O problema, em sua fase inicial, era: como a subjetividade social
da escola influencia a prática educativa dos professores com os alunos
em questão? Essa formulação, todavia, gerava duas problemáticas, uma
de ordem teórica e a outra, como desdobramento da primeira, de ordem
metodológica, as quais se mostraram mais significativas com o curso da
pesquisa e os desafios produzidos no momento empírico.
Do ponto de vista teórico, a subjetividade social aparecia como um
elemento, ou um conjunto de elementos, que a partir de uma externalidade,

312  Carlos Eduardo Gonçalves Leal • Ana Valéria Marques Fortes Lustosa
influenciaria a prática dos professores com os alunos em questão. Todavia,
os diálogos com a orientadora, as bancas de qualificação, as releituras dos
textos de González Rey e, sobretudo, o início do trabalho de campo nos
permitiram refletir sobre os limites do problema de pesquisa inicialmente
formulado. A subjetividade social e a subjetividade individual, que se
organizam por meio de configurações subjetivas sociais e individuais,
respectivamente, as quais integram sentidos subjetivos com origem em
diferentes zonas da realidade social, mantêm uma relação dialética e
dialógica, na qual uma se expressa na outra de forma singularizada. A
respeito disso, González Rey e Mitjáns Martínez (2017, p. 64) afirmam:

Os sentidos subjetivos de cada um desses níveis não se relacionam


como se fossem externos entre si, influenciando-se por meio de uma
externalidade. Cada nível está intrinsecamente organizado no outro,
na especificidade de sua produção singular de sentido subjetivo.

Com o início do trabalho de campo, a afirmação anterior se tornou


mais clara. Nos diálogos, construímos indicadores a respeito da expressão
de processos sociais mais amplos – configurados subjetivamente no
cenário social da escola – nas subjetividades individuais dos participantes.
Percebemos que esses processos são vivenciados de forma diferenciada
no curso da ação com os alunos da educação especial, o que pode afetar,
indiretamente, o próprio desenvolvimento das configurações subjetivas
sociais da escola. A subjetividade social, portanto, não é uma entidade
supraindividual, mas um processo vivo, simbólico-emocional, que expressa
o envolvimento dos agentes ou sujeitos com os cenários sociais aos quais
estão vinculados institucional e subjetivamente.
Deste modo, não é possível estudar os dois níveis nos quais se
integram a subjetividade como momentos distintos, como sugeria o
problema de pesquisa inicial, o que se constitui como uma importante
questão metodológica. A citação de González Rey e Mitjáns Martínez (2017,
p. 81) mostra a interdependência entre os dois níveis e suas implicações
metodológicas:

A subjetividade social como questão a ser estudada exige os mesmos


recursos que o estudo das configurações subjetivas individuais,
que, aliás, são material importante para o estudo da subjetividade
social, uma vez que cada indivíduo concreto expressa processos da
sociedade em que vive por meio de seus próprios sentidos subjetivos

EPISTEMOLOGIA QUALITATIVA E PESQUISA 313


CONSTRUTIVO-INTERPRETATIVA EM PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO
gerados pela configuração subjetiva individual de suas experiências
de vida.

A pesquisa construtivo-interpretativa, delineada como simultaneamente


teórica e dialógica (GONZÁLEZ REY; MITJÁNS MARTÍNEZ, 2017), supera
o enfoque roteirizado e fechado em relação ao projeto de pesquisa e as
etapas delimitadas em sua construção. A proposta da pesquisa expressa de
antemão o modelo teórico do pesquisador em sua fase embrionária, com
reflexões, especulações, construções, entretanto, a imersão no campo abre
novas possibilidades, assim como define os limites do que se encontrava
previamente elaborado. Isso nos autorizou a repensar o nosso problema de
pesquisa, construindo-o sob uma perspectiva que não simplifica a questão
estudada.
De acordo com González Rey e Mitjáns Martínez (2017, p. 23):

[...] o problema está dado por um conjunto de ideias, interrogações


e curiosidades que o pesquisador irá integrar numa representação
inicial sobre o que pretende pesquisar. Porém, essa definição não é
simples nem reduzida a uma pergunta. Assim como o processo de
pesquisa em seu caráter dialógico-teórico, que integra a condição
dialógico-subjetiva do pesquisador [...], o problema vai se desenvolver
no curso da própria pesquisa.

O problema de pesquisa, desta maneira, não é uma formulação


fechada ao passado de sua definição, mas um processo vivo, presente,
integrado à experiência atual da investigação científica e ao tecido
relacional que a torna possível. É no cenário da comunicação dialógica, ou
seja, em um espaço social favorável, que os indicadores, as hipóteses e as
afirmações teóricas vão sendo construídos, propiciando o esclarecimento,
o aprofundamento e o desdobramento do problema na ação da pesquisa.
O entendimento de que a pesquisa se configura como um espaço social
que exprime a essencialidade das relações dialógicas entre pesquisador e
participantes resulta na urgência de se construir o cenário social da pesquisa
no trabalho de campo. A respeito disso, González Rey e Mitjáns Martínez
(2017, 91) afirmam:

[...] o cenário social de pesquisa representa parte essencial do


próprio processo de pesquisa, pois é uma importante etapa para
o desenvolvimento do tecido relacional que permitirá o caráter
dialógico da pesquisa. O diálogo não é algo dado, ele é produzido

314  Carlos Eduardo Gonçalves Leal • Ana Valéria Marques Fortes Lustosa
desde os primórdios da pesquisa, pelo que representa na curiosidade
e no interesse dos participantes.

O cenário social da pesquisa significa o espaço social que mobiliza


emocionalmente os participantes para se integrarem, de forma ativa e
reflexiva, no processo investigativo. Como destacado na citação, o diálogo
não é algo que naturalmente surge no trabalho de campo, em especial,
o diálogo a respeito da questão em estudo. A comunicação dialógica se
constrói com base naquilo que a pesquisa mobiliza na subjetividade dos
agentes ou sujeitos, o que coloca a qualidade da relação entre pesquisador
e participantes como ponto-chave para a definição da qualidade dos
indicadores que são construídos na ação da pesquisa. Sem uma implicação
emocional dos participantes, os processos subjetivos não se manifestam e a
pesquisa produz um amontoado de dados irrelevantes para a compreensão
da produção simbólico-emocional dos agentes ou sujeitos e dos cenários
sociais aos quais se vinculam.
González Rey (2011, p. 56) argumenta que:

A qualidade e a complexidade da informação produzida pelos


sujeitos pesquisados, condições essenciais para a construção
do conhecimento sobre a subjetividade, só são alcançadas pela
implicação daqueles nas redes de comunicação desenvolvidas pela
pesquisa.

É importante compreendermos que a construção do cenário social


não pode ser confundida como um momento de informação sobre os
tópicos e as etapas da pesquisa. Apresentar para os participantes o
problema, os objetivos, a metodologia, entre outros elementos do projeto
de pesquisa, em si, não os mobiliza para a integração reflexiva ao estudo.
Na ação da pesquisa que conduzimos, por exemplo, participamos do
cotidiano da escola, envolvendo-nos em atividades coletivas e individuais,
algumas sem qualquer relação direta com o nosso estudo, e em momentos
informais de conversação com diferentes atores da instituição.
Com os professores, realizamos uma atividade formal que impactou
significativamente na condução da pesquisa, uma roda de conversa com
o tema “Gestão de Sala Aula: um olhar sobre os processos subjetivos”.
Com base em uma metodologia problematizadora, abordamos questões
diversas, como a cultura da aprendizagem na sociedade contemporânea,
a desigualdade social, a fragilidade da formação docente, as justificativas

EPISTEMOLOGIA QUALITATIVA E PESQUISA 315


CONSTRUTIVO-INTERPRETATIVA EM PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO
ideológicas para o fracasso escolar, a gestão de sala aula em um contexto
inclusivo, entre outras, debate que foi sucedido pela informação de que
estávamos conduzindo uma pesquisa na instituição. A atividade permitiu
que nos reposicionássemos no tecido relacional da escola e, a partir dela,
alguns profissionais da instituição passaram a nos procurar para dialogar
a respeito de questões diversas, dentre as quais, as experiências com os
alunos público-alvo da educação especial.
A comunicação dialógica e a construção de um cenário social
que viabiliza a expressão da subjetividade colocam os participantes da
pesquisa construtivo-interpretativa em contato com suas produções simbólico-
emocionais, em um contexto seguro que se desdobra em reflexividade,
emocionalidade e mudança. Assim, a proposta de González Rey supera a
dicotomia entre pesquisa científica e prática profissional, como é possível
notar na citação:

A pesquisa construtivo-interpretativa pressupõe um nível de


envolvimento dos participantes com suas próprias experiências e com
o processo de relação em que as estão vivendo no curso da pesquisa
que, de fato leva a que a pesquisa possa se tornar uma experiência
relevante para a vida dos participantes, transformando-se num
processo de desenvolvimento para ele, que implica a inseparabilidade
da pesquisa, o diagnóstico e uma prática profissional educativa de
valor terapêutico (González Rey, 1993, 1997) [...]” (GONZÁLEZ REY;
MITJÁNS MARTÍNEZ, 2017, p. 96).

A pesquisa construtivo-interpretativa não significa somente um momento


de construção de informações a respeito da questão estudada, sem
qualquer impacto para os participantes e o cenário social na qual é
conduzida, exprimindo também um espaço social que promove a reflexão,
a experiência vivencial, os processos de mudança, enfim, o desenvolvimento
da subjetividade nos dois níveis em que se integra, o que a aproxima das
propostas metodológicas que se sustentam no caráter participativo e
na promoção da mudança social, como a pesquisa-ação, a título de
exemplo. Diferencia-se, todavia, pela ênfase na construção dialógica e na
emocionalidade e pela reflexão epistemológica que a sustenta, criando
oportunidades para a expressão de processos subjetivos antes não pensados,
refletidos e integrados à experiência consciente. A própria metodologia de
pesquisa pode se configurar como prática profissional quando pensamos
a atuação do psicólogo em um contexto clínico ou em uma instituição

316  Carlos Eduardo Gonçalves Leal • Ana Valéria Marques Fortes Lustosa
escolar conduzindo processos de formação continuada com professores,
por exemplo.
A metodologia de pesquisa orientada pela epistemologia qualitativa,
marcadamente teórica e dialógica, traz uma nova apreensão sobre a forma
como o pesquisador deve se relacionar com o instrumento. No domínio da
pesquisa construtivo-interpretativa, o instrumento se constitui como uma fonte
de informações a respeito da questão em estudo, todavia, essas informações
adquirem sentido somente no contexto geral da pesquisa, com base no
sistema de significação do pesquisador (GONZÁLEZ REY, 2005c, 2011). O
instrumento não produz o resultado do estudo fora da construção teórica
do pesquisador e do espaço social de comunicação dialógica que representa
a ação da pesquisa, sem os quais a própria produção de conhecimento
científico a respeito da subjetividade humana estaria comprometida.
O instrumento, nesse sentido, assume um caráter dialógico e a
presença do pesquisador em sua utilização consiste em um momento
essencial, devendo estar aberto às trocas comunicativas com os
participantes, conforme as necessidades que emergem no curso da ação da
pesquisa (GONZÁLEZ REY; MITJÁNS MARTÍNEZ, 2017). Os participantes
expressam a sua subjetividade por meios dos instrumentos, possibilitando
a construção de indicadores e hipóteses pelo pesquisador, que, ao
progredirem para a conversação, são integrados a outros instrumentos ou
momentos de ação da pesquisa, abrindo novas possibilidades investigativas.
Como afirmam os autores (GONZÁLEZ REY; MITJÁNS MARTÍNEZ, 2017,
p. 95):

O instrumento deve ser um momento de um relato que vai percorrendo


vias diferentes no conjunto de expressões dos participantes da
pesquisa e que é provocado de forma constante pela participação
ativa do pesquisador, cujo roteiro são as necessidades que aparecem
no processo de construção teórica que é um processo essencial no
andamento da pesquisa.

Como aponta o trecho acima, os instrumentos vão se integrando


à ação da pesquisa a partir das necessidades que surgem no processo de
construção teórica, portanto, não são determinados por um momento
antecipatório, e se tornam via de diferentes expressões dos participantes,
com as quais o pesquisador, em um cenário social de diálogo, produz
significados que orientam o trabalho de campo. Este pode levar o
pesquisador a integrar novos instrumentos, não abrangidos pelo projeto de

EPISTEMOLOGIA QUALITATIVA E PESQUISA 317


CONSTRUTIVO-INTERPRETATIVA EM PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO
pesquisa inicial, bem como abandonar instrumentos que não adquiriram
significação na ação da pesquisa. Em nosso estudo, por exemplo, a dinâmica
conversacional assumiu um lugar que não havíamos imaginado nos momentos
de planejamento da pesquisa que antecederam a imersão na escola.
González Rey (2005a) apresenta alguns pontos que caracterizam
a definição de instrumento para a epistemologia qualitativa, são eles: o
instrumento representa um meio de expressão do sujeito, a qual deve ser
aberta e comprometida; o instrumento é uma fonte de informação isenta
de sistemas teóricos prévios para significá-la; as informações obtidas por
diferentes instrumentos se relacionam umas com as outras, constituindo um
sistema único de informação; os instrumentos baseiam-se em expressões
simbólicas diferenciadas, sendo considerado como as vias preferenciais
de expressão de cada sujeito; os instrumentos devem possibilitar o
envolvimento emocional, o que facilita a expressão de sentidos subjetivos;
e, por fim, a padronização na construção de instrumentos não constitui um
elemento essencial.
A comunicação dialógica, que se apresenta na continuidade
da utilização do instrumento e em todos os momentos de ação da
pesquisa, é organizada pela capacidade teórica do pesquisador, isto é,
pela capacidade de construir significados que se configurem, do ponto
de vista da complexidade, como um sistema crescente de inteligibilidade
sobre a configuração subjetiva da questão estudada, a partir do qual
os diálogos são gerados no curso da investigação. Na pesquisa construtivo-
interpretativa, dessa forma, a construção de informações, com a produção
de indicadores, hipóteses e afirmações teóricas, é um processo contínuo,
não um momento que tem início após a coleta de dados, como na pesquisa
empírico-instrumental.

Considerações finais

A epistemologia qualitativa abre novos caminhos para a psicologia e


demais ciências sociais, tornando possível, do ponto de vista epistemológico
e metodológico, estudar cientificamente os processos subjetivos humanos
com base em uma perspectiva complexa. A proposta epistemológica
produz desafios diversos, alguns dos quais enfrentamos no curso da nossa
investigação, como, por exemplo, o abandono de velhos hábitos associados
à prática de pesquisa. Mesmo que a nossa trajetória com a teoria,

318  Carlos Eduardo Gonçalves Leal • Ana Valéria Marques Fortes Lustosa
epistemologia e metodologia de González Rey tenha tido início no mestrado,
a obra do autor, por inverter a lógica do que se discute e produz em grande
escala na ciência psicológica, e por ser marcada pela processualidade, pela
mudança, continua sendo um grande desafio, a ponto de destacarmos que
nossa formação como pesquisador para trabalhar com a perspectiva ainda
se encontra em aberto.

Referências

GONZÁLEZ REY, Fernando Luis. As categorias de sentido, sentido pessoal


e sentido subjetivo: sua evolução e diferenciação na teoria histórico-
cultural. Psic. da Ed., n. 2, São Paulo, 2007b.

______. La cuestión de la subjetividade em um marco histórico-cultural.


Psicol. Esc. Educ. (Impr.), vol. 2, n. 3, Campinas, 1998.

______. La subjetividade em una perspectiva cultural-histórica: avanzando


sobre um legado inconcluso. Revista CS, n. 11, pp. 19-42, Cali, 2013.

______. O social como produção subjetiva: superando a dicotomia


indivíduo-sociedade numa perspectiva cultural-histórica. Estudos
Contemporâneos da Subjetividade, vol. 2, n. 2, pp. 167-185, 2012.

______. O sujeito, a subjetividade e o outro na dialética complexa do


desenvolvimento humano. In: MITJÁNS-MARTÍNEZ, A.; SIMÃO, L. M. O
outro no desenvolvimento humano: diálogos para a pesquisa e a prática
profissional em psicologia. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2004.

______. Pesquisa qualitativa em psicologia: caminhos e desafios. São


Paulo: Cengage Learning, 2011.

______. Pesquisa qualitativa e subjetividade: os processos de construção


da informação. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005a.

______. Psicoterapia, subjetividade e pós-modernidade: uma aproximação


histórico-cultural. São Paulo: Thomson Learning, 2007a.

EPISTEMOLOGIA QUALITATIVA E PESQUISA 319


CONSTRUTIVO-INTERPRETATIVA EM PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO
______. Subjetividad social, sujeto y representaciones sociales. Revista
Diversitas, vol. 4, n. 2, pp. 225-234, 2008.

______. Sujeito e subjetividade: uma aproximação histórico-cultural. São


Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005b.

GONZÁLEZ REY, Fernando Luis; MITJÁNS MARTÍNEZ, Albertina.


Subjetividade: teoria, epistemologia e método. Campinas, SP: Editora
Alínea, 2017.

MITJÁNS-MARTÍNEZ, A. A Teoria da Subjetividade de González Rey:


Uma Expressão do Paradigma da Complexidade na Psicologia. In: In:
GONZÁLEZ REY, F. (Org.). Subjetividade, Complexidade e Pesquisa em
Psicologia. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005.

320  Carlos Eduardo Gonçalves Leal • Ana Valéria Marques Fortes Lustosa
PARTE v
MÚLTIPLOS DISPOSITIVOS METODOLÓGICOS
NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO NA PESQUISA
EM EDUCAÇÃO
A TEORIA DO DISCURSO E A NOÇÃO DE
DEMANDA COMO UNIDADE DE ANÁLISE E
PRODUÇÃO DE DADOS NAS PESQUISAS EM
POLÍTICAS DE CURRÍCULO

Clívio Pimentel Júnior

Introdução

N
este texto, busco apresentar de que forma venho utilizando
a noção de demanda presente na Teoria do Discurso
(TD) de Laclau (2013) e Laclau e Mouffe (2015), para
produzir e interpretar dados na pesquisa em políticas de currículo. Mais
especificamente, apresento de que forma utilizei esta teoria para produzir
dados em uma tese de doutorado, na qual um dos meus objetivos foi
compreender as articulações políticas envolvidas na hegemonização
dos significantes Natureza da Ciência e Qualidade da Educação Científica nas
políticas de currículo voltadas à educação científica (PIMENTEL-JÚNIOR,
2019). Destaco de início, que minha intenção, neste texto, é descrever uma
experiência de pesquisa, sem a intenção de prescrever caminhos teórico-
metodológicos acerca da utilização da TD e da noção de demanda nas
pesquisas em políticas de currículo. Isso porque acredito que a diversidade
de formas de utilização da TD ultrapassam os limites deste texto – como
de qualquer texto –, e o campo das possibilidades de uso deve permanecer
sempre aberto ao diferir e à criatividade do pesquisador, na trajetória

A TEORIA DO DISCURSO E A NOÇÃO DE DEMANDA COMO UNIDADE DE ANÁLISE E 323


PRODUÇÃO DE DADOS NAS PESQUISAS EM POLÍTICAS DE CURRÍCULO
analítica da pesquisa. Além disso, usos criativos e vigorosos da TD na
produção de dados na pesquisa em política de currículo podem ser
conhecidos em diversas obras que abordam a incorporação do pensamento
laclauniano nas pesquisas em educação, como em ciências sociais e políticas
(MENDONÇA; RODRIGUES, 2014; LOPES; OLIVEIRA; OLIVEIRA, 2018).
Com base na TD, é possível compreender que a tentativa de
constituir discursos hegemônicos nas políticas de currículo se dá mediante
um processo que envolve articulações de demandas diversas na formação
de uma identidade coletiva, firmada por intermédio de um antagonismo
a uma dada representação de currículo, ensino, qualidade, educação,
entre outros, que se busca superar. Nesse sentido, a presente conjuntura
de políticas curriculares para a educação científica pode ser entendida
como discursos que se constituem mediante a formação de uma rede de
solidariedade unida, provisória e contingencialmente, em torno de certos
desejos por ressignificações curriculares, canalizados ao espaço público,
na busca por alcançar uma dada representação de qualidade na educação
científica. Ao se solidarizarem mediante as demandas que projetam para
o currículo, permitem a investigação dos seus posicionamentos por meio
da análise dessas mesmas demandas que articulam e formam a identidade
coletiva – comunidade epistêmica de Ensino de Ciências, neste caso.
A incorporação da TD na pesquisa em políticas de currículo vem
permitindo questionar os essencialismos nas abordagens sociológicas de
cunho identitário e determinista sobre agentes e grupos políticos, na medida
em que desloca o foco das investigações dos sujeitos para as demandas
mediante as quais os sujeitos articulam-se em identidades coletivas
(MACEDO, 2014; LOPES, 2018; PIMENTEL-JÚNIOR, 2018; LOPES, 2019).
O foco volta-se aos processos articulatórios que mobilizam sujeitos a
fazerem apostas em uma específica direção na política de currículo,
buscando alcançar aquilo que, comumente, significam como educação
de qualidade. Nesse sentido, o modo como esta chave interpretativa
permite compreender o horizonte dos fenômenos políticos curriculares
busca evitar tanto o essencialismo como o individualismo que tendem a
fixar sujeitos e demandas nas agendas políticas, enrijecendo as fronteiras
simbólicas que demarcam espaços sociais na política de currículo, levando
a fundamentalismos que, supostamente, sustentam identidades fixas.
Comumente, as apostas curriculares que formam conjuntos de
demandas a partir das quais emergem espaços e grupos políticos em uma

324  Clívio Pimentel Júnior


identidade coletiva na política de currículo, se firmam mediante a ideia de
progresso, isto é, de superação das condições deficitárias daquilo que já é
realizado. Supondo que a prática do que é projetado poderá suprir a falta do
que se deseja para a educação de qualidade, as demandas atuam formando
uma rede de agentes em torno da defesa de investimentos na política de
currículo, comumente articulados em torno de alguns significantes chave
que representam os esforços do grupo. Nesse movimento, e com o aporte
da TD, podemos compreender que significantes representativos – como
Natureza da Ciência e Qualidade da Educação científica, por exemplo –
envaziam-se de significado, e passam a assumir a condição de representação
de uma dada identidade coletiva, sendo o ponto de ancoragem de
diversos investimentos produzidos por uma determinada comunidade. É
justamente por intermédio desse processo de esvaziamento que demandas
são articuladas nas políticas de currículo, aglutinando diferentes apostas e
sujeitos nas lutas políticas. É esse movimento de articulação de demandas
que me interessa explorar neste texto, focalizando o modo como esse
aparato conceitual da TD permitiu-me produzir alguns dados na pesquisa
de doutorado acerca das disputas discursivas que se travam na significação
por uma educação científica de qualidade.
Para desenvolver este texto, decidi estruturá-lo da seguinte forma:
primeiro, discorro sobre a estruturação do espaço político na TD,
focalizando especificamente o papel das articulações de demandas na
estruturação de hegemonias na política. Em seguida, explicito o modo
como os aspectos teórico-epistemológicos da TD orientaram a produção
de dados na pesquisa desenvolvida durante o desenvolvimento da pesquisa
de doutorado, buscando mostrar seus aspectos interpretativos arredios
a demarcações categóricas e fixação de sujeitos e identidades. Por fim,
concluo defendendo que a incorporação da TD nas pesquisas em políticas de
currículo permite produzir dados de modo interpretativo e livre de amarras
categoriais fixas e realistas1, possibilitando desenvolver interpretações
complexas e fluidas nas pesquisas, na medida em que desloca o foco
investigativo para as demandas e não para os sujeitos, desviando o foco da

1 Diferentemente das abordagens realistas, nas quais o pesquisador assume uma


postura de descobrimento em relação a uma realidade extradiscursiva à qual ele se
debruça mediante modelos científicos, na abordagem pós-estrutural do discurso,
assume-se que todo e qualquer objeto é objeto do discurso, o que implica em
aceitar que toda produção de dados na pesquisa é uma produção significativa,
sempre dependente de um campo discursivo.

A TEORIA DO DISCURSO E A NOÇÃO DE DEMANDA COMO UNIDADE DE ANÁLISE E 325


PRODUÇÃO DE DADOS NAS PESQUISAS EM POLÍTICAS DE CURRÍCULO
identidade individual para as identificações contingentes forjadas na luta
política.

Articulações de demandas na teoria do discurso e a formação de hegemonias

Acredito que seja importante destacar que a TD e suas construções


conceituais nos facultam operar uma análise fundamentalmente
interpretativa do problema de estudo, não excessivamente metódica, em
análise de discurso. As próprias noções e operadores conceituais da TD
nos fornecem uma chave de leitura dos fenômenos da política e do social
que são capazes de orientar a análise por caminhos específicos, a partir
do seu modo de compreender a formação de redes de sociabilidade em
torno de questões sociopolíticas. Convém destacar, também, que não se
trata de um referencial teórico neutro de análise do discurso, mas de um
referencial marcado pela desconstrução de essencialismos, determinismos
e fundamentalismos no que diz respeito à compreensão de formações de
identidades políticas coletivas.
Nessa direção, operar por teorização combinada tendo em vista a TD
envolve um estudo prévio dos seus pressupostos ontológicos pós-estruturais
e pós-fundacionais, de modo a evitar a tradução das meditações teóricas
e analíticas em estratégias investigativas e usos de técnicas de pesquisa
inconsistentes com esses mesmos pressupostos; sobretudo, deve-se evitar a
ideia de que o conhecimento produzido na pesquisa é uma forma de acesso
à realidade em si mesma, uma realidade extradiscursiva independente da
linguagem à qual devemos envidar esforços em nossas pesquisas no sentido
de descobrir as coisas mesmas (LACLAU; MOUFFE, 2015; LOPES, 2018;
OLIVEIRA; OLIVEIRA; MESQUITA, 2013). Com isso, não quero inibir a
possibilidade de diálogo da TD com outras abordagens e tradições teórico-
metodológicas de pesquisa em Educação, mas provocar o debate sobre a
viabilidade de certas teorizações combinadas nas pesquisas.
A TD, acolhendo radicalmente os pressupostos ontológicos pós-
estruturais e o entendimento do espaço social como um espaço significativo,
permite compreender qualquer formação social e política como um
construto discursivo. Laclau entende discurso como “qualquer complexo
de elementos no qual as relações entre eles desempenham um papel
constitutivo” (LACLAU, 2005, p. 68). O discurso, nesse registro, seria
uma espécie de terreno primário de constituição do social, sendo que os

326  Clívio Pimentel Júnior


objetos não pré-existem ao discurso, mas são constituídos no discurso.
Nesse sentido, o discurso “pode ser definido como o horizonte dentro do
qual o ser dos objetos é constituído” (HOWARTH; STAVRAKAKIS, 2000,
p. 3). Assim, defendo que operar com a TD é assumir que toda produção
de dados em pesquisa educacional é sempre uma criação, envolve sempre
uma decisão que exclui, inevitavelmente, outras possibilidades, e jamais
se refere a algo plenamente exterior à linguagem, fora das construções
argumentativas que o pesquisador lança mão para inventar seu problema,
fundamentar suas análises e defender suas conclusões.
Assumir uma ontologia discursiva do social significa, também,
que a investigação acerca da formação de uma unidade sociológica –
comunidade epistêmica de Ensino de Ciências, neste caso – só é possível,
nessa perspectiva, mediante a investigação das relações discursivas, isto é,
das articulações de demandas discursivas que permitiram com que uma
determinada identidade coletiva se formasse e pudesse ser identificada no
social2. Essa formação se dá, de acordo com Laclau (2005), sempre tendo
em vista o investimento em um ou alguns nomes – Natureza da Ciência e
Qualidade da Educação Científica, por exemplo – contra algo identificado
como uma ameaça – a baixa qualidade da educação. Como dito acima,
esses nomes, esvaziados de significado literal único, formam superfícies
de investimentos e atuam como pontos aglutinadores formando grupos
sociais.
De modo a evitar o essencialismo de abordagens sociológicas
focadas nos agentes sociais, Laclau (2005) sugere que, nessas investigações,
focalizemos as demandas pelas quais as identidades coletivas lutam em suas
agendas políticas como unidades de análise. Essa sugestão de mudança de
foco na TD decorre não só de uma crítica ao individualismo sociológico
nas metodologias, como também da crítica à ideia de sujeito centrado e de
uma identidade plenamente sólida e independente do sujeito.

2 Convém pontuar que a relação entre demandas e as articulações discursivas na TD


se dão em sentido equivalencial, e não apagam as particularidades das identidades
dos sujeitos em uma identidade coletiva. Para a investigação realizada na tese que
aqui relato, isso implicou assumir que os agentes públicos articulados em uma
dada comunidade epistêmica – Ensino de Ciências – não formam uma identidade
coletiva pautada na mesmidade e igualdade de propósitos em relação às políticas
curriculares defendidas para o ensino de ciências, mas que se articulam tendo
em vista a relação de equivalência que se estabelece em relação ao antagonismo
comum à ausência de qualidade da educação científica.

A TEORIA DO DISCURSO E A NOÇÃO DE DEMANDA COMO UNIDADE DE ANÁLISE E 327


PRODUÇÃO DE DADOS NAS PESQUISAS EM POLÍTICAS DE CURRÍCULO
De acordo com Laclau (2005), o conceito de demanda pode ter
um sentido ambíguo, podendo ser entendido tanto como um pedido,
solicitação, expectativa, como também por reivindicação. Apesar
da ambiguidade, a transição entre ser um pedido, uma solicitação e
uma reivindicação é, segundo Laclau, algo que pode ser explorado no
entendimento da formação de identidades coletivas no social. Para ele,
demandas podem ser caracterizadas como solicitações que, ao não serem
atendidas, podem vir a formar redes de equivalência com outras demandas
de sujeitos sociais, transformando-se em reivindicações de um determinado
grupo, agora, articulado em equivalência, contra uma dada ordem.
Como essas demandas são construções sempre socialmente
formadas, nem sempre se tratam de questões plenamente conscientes para
o sujeito. Nesse sentido, para Laclau (2005), demandas envolvem também
desejos, processos de identificação com outros, formação na linguagem, etc.
As demandas envolvem, portanto, sempre uma dimensão coletiva, nunca
passível de ser plenamente isoladas em um único indivíduo. Há sempre uma
dimensão contextual da demanda em sua formação com o outro, uma
relacionalidade incontornável. Através das demandas pode-se identificar
uma série de aspectos socio-históricos de um grupo, as características
socioculturais de uma época, suas lutas e prioridades políticas.
É justamente nesse aspecto que as demandas não podem ser
identificadas como essências dos sujeitos, vinculando-os definitivamente
a uma dada agenda política. As demandas são da ordem da consciência e,
ao mesmo tempo, da ordem da relacionalidade social que excede qualquer
sujeito, envolve identificações nem sempre claras e transparentes ao sujeito,
bem como desejos nem sempre plenamente conscientes dos seus vínculos
afetivos. Isso não significa que haja investimento inconsciente na política, só
significa que as demandas excedem o indivíduo em sua unidade, remetendo
a processos sociais de identificação marcados pela complexidade, o
estar junto, extraindo a formação da identidade do sujeito de uma visão
individualista, proprietária e fixista em relação aos seus aspectos subjetivos,
anseios e interesses políticos.
Nessa mudança de enfoque, a unidade de uma identidade coletiva
firmada na relação estruturante de uma hegemonia é sempre o resultado
de uma articulação de demandas. De acordo com Laclau (2005), essa
articulação nunca é uma configuração estável e positiva, tanto por
questões que vão desde a identidade do sujeito, até questões que envolvem

328  Clívio Pimentel Júnior


a formação relacional da identidade coletiva contra uma dada ordem e/ou
estado de coisas. Ou seja, se as condições externas e internas da identidade
coletiva não são fixas, tampouco a articulação equivalente de demandas
o é, muito menos as fronteiras que delimitam pautas e espaços na luta
política. Isso significa dizer que demandas são sempre flutuantes, nunca
fixadas de uma vez por todas em uma formação política identitária, o que
inviabiliza dizer se uma dada demanda será sempre parte da reivindicação
ou parte daquilo contra o que se luta. Com essa mudança de enfoque
proposta pela TD, a unidade de análise que passei a adotar em minha tese
bem como em minhas atuais investigações em política de currículo foi a das
demandas produzidas por comunidades epistêmicas de ensino, e o modo
como hegemonizam determinados sentidos na política de currículo. Em
meus estudos e pesquisas, venho explorando a capacidade descritiva que a
ideia de demanda da TD fornece ao pesquisador em política de currículo.
Por meio deste aparato conceitual, venho tentando compreender a ação
política, as articulações de demandas e a forma como vem, historicamente,
se configurando a comunidade epistêmica de ensino de ciências, mediante
a hegemonização de reivindicações curriculares que defendem na busca por
instituir uma educação científica de qualidade. Esse caminho investigativo
tem me levado a produzir dados na pesquisa em política de currículo
primando pela identificação e entendimento de como as demandas
articulam-se na hegemonização de sentidos de qualidade da educação
científica, bem como aquilo que nomeiam como ameaça e inimigo a ser
enfrentado para atingir o referido patamar de qualidade almejado para a
educação científica. Passo a explorar, a seguir, a forma como a TD permitiu
criar categorias para o trabalho e os dados, bem como interpretar os
resultados.

Demandas nas políticas de currículo e a produção de dados na pesquisa

Embora focalize o conceito de demandas neste texto, a pesquisa


desenvolvida combinou outros recursos teóricos pós-estruturais no sentido
de mobilizar políticas de currículo e produzir dados para a efetivação e
exequibilidade do trabalho. Conforme discuti em outra oportunidade
(PIMENTEL-JÚNIOR, 2018) a TD e as teorias curriculares desenvolvidas por
Lopes e Macedo (2011) facultaram ampliar sentidos de política para além da
ideia de que elas se restringem a textos oficiais assinados pelo Ministério da

A TEORIA DO DISCURSO E A NOÇÃO DE DEMANDA COMO UNIDADE DE ANÁLISE E 329


PRODUÇÃO DE DADOS NAS PESQUISAS EM POLÍTICAS DE CURRÍCULO
Educação ou outros órgãos oficiais. Partindo desses referenciais, é possível
entender que discursos interessados em produzir uma ordem curricular
para um determinado campo de prática de ensino, antagonizando-se a
outros discursos, podem ser entendidos como políticas curriculares. Assim,
publicações periódicas produzidas por agentes públicos de destaque na
produção de conhecimento são entendidas como superfícies de inscrição
na cena da política curricular. Outra teorização que participou na produção
de dados na pesquisa diz respeito ao conceito de comunidade epistêmica
e sua recepção em ambiente pós-estrutural (PIMENTEL-JÚNIOR, 2018b).
Trata-se de um referencial que me possibilitou identificar aspectos
característicos das linguagens de diferenciação cultural desenvolvidas
por agentes epistêmicos de ensino de ciências, sem, no entanto, incorrer
essencialismos na pesquisa.
As políticas curriculares trabalhadas na pesquisa de doutorado foram
reunidas a partir de uma visada (auto)biográfica sobre o meu próprio
percurso formativo como estudante na graduação e na pós-graduação. A
partir do critério (auto)biográfico, levantei textos que estavam declarados
nas ementas de componentes curriculares cursados nesses programas,
focalizando especificamente aqueles que tratavam de políticas curriculares
voltadas ao ensino de ciências baseadas no significante Natureza da Ciência,
por percebê-lo como forte atuante na criação de uma rede de solidariedade
em torno da qualidade da educação científica. Nesse percurso, precisei me
debruçar sobre a discussão acerca da compatibilização de uma estratégia
(auto)biográfica em enquadramento teórico pós-estrutural (PIMENTEL-
JÚNIOR; CARVALHO; SÁ, 2017), visando harmonizar os referenciais
utilizados na produção de dados. A partir do olhar lançado para o próprio
percurso formativo, elenquei os textos abaixo listados que formaram o
material empírico a partir do qual investiguei as demandas curriculares da
comunidade epistêmica de ensino de ciências. Chegar a esses textos exigiu,
ainda, a adoção de outros critérios debatidos em outro lugar (PIMENTEL-
JÚNIOR; DIAS; CARVALHO, 2019), sobre os quais não vou me debruçar
detidamente neste momento, voltando meu foco ao modo como o conceito
de demanda me permitiu identificar aspectos curriculares específicos nos
textos.

330  Clívio Pimentel Júnior


Tabela 1. Políticas curriculares cujas demandas foram analisadas. Destacam-se os
seguintes dados das publicações: título, autores, ano e veículo de publicação.
VEÍCULO DE
TÍTULO DO ARTIGO AUTOR(ES) ANO
PUBLICAÇÃO
Tres paradigmas básicos en la Enseñanza de las
1 Gil Pérez, D. 1983
enseñanza de la ciencia Ciencias
Science teachers’ conceptions
of the nature of science: Do Lederman, N. G.;
2 1987 Science Education
they really influence teaching Zeidler, D. L.
behavior?
Students and teachers
Journal of Research
3 conceptions of the nature of Lederman, N. G. 1992
in Science Teaching
science: a review of the research
História, Filosofia e Ensino de Caderno
4 Ciências: a tendência atual de Matthews, M. 1995 Catarinense de
reaproximação Ensino de Física
An Exploratory Study of the
Abd-El-Khalick, Journal Of Research
5 Knowledge Base for Science 1997
F.; Boujaoude, S. In Science Teaching
Teaching
Journal of Research
6 Whose nature of science? Alters, B. J. 1997
in Science Teaching
In Defense of Modest Goals
Journal of Research
7 When Teaching about the Matthews, M 1998
in Science Teaching
Nature of Science
The nature of science and Abd-El-Khalick,
8 instructional practice: Making F.; Bell, R. L.; 1998 Science Education
the unnatural natural Lederman, N. G.
The nature of
The role and character of the McComas, W. F.;
science in science
9 nature of science in science Clough, M. P.; 1998
education. Springer
education Almazroa, H.
Netherlands
The nature of
The principal elements of the
science in science
10 nature of science: Dispelling the McComas, W. F. 1998
education Springer
myths
Netherlands
The nature of
The nature of science in
McComas, W. F., science in science
11 international science education 1998
& Olson, J. K. education Springer
standards documents
Netherlands.
Avoiding de-natured science: The nature of
Lederman, N. G.
Activities that promote science in science
12 & Abd-El-Khalick, 1998
understandings of the nature of education Springer
F.
science Netherlands
The nature of
Assessing understanding of the Lederman, N.,
science in science
13 nature of science: A historical Wade, P., & Bell, 1998
education Springer
perspective R. L.
Netherlands

A TEORIA DO DISCURSO E A NOÇÃO DE DEMANDA COMO UNIDADE DE ANÁLISE E 331


PRODUÇÃO DE DADOS NAS PESQUISAS EM POLÍTICAS DE CURRÍCULO
Gil Pérez,
Cómo evaluar si se hace ciencia
14 D.; Martínez 1999 Alambique
en el aula?
Torregrosa, J.
Teachers’ understanding of the
nature of science and classroom Journal of Research
15 Lederman, N. G. 1999
practice: Factors that facilitate in Science Teaching
or impede the relationship
Uma revisão de pesquisas nas
concepções de professores sobre Investigações em
16 Harres, J. B. S. 1999
a natureza da ciência e suas Ensino de Ciências
implicações para o ensino
Para uma imagem não
17 deformada do trabalho Gil Pérez, D. 2001 Ciência & Educação
científico
Tomada de decisão para ação
Santos, W. L. P.;
18 social responsável no ensino de 2001 Ciência & Educação
Mortimer, E. F.
ciências
“It’s the nature of the beast”:
The influence of knowledge Schwartz, R. S.; Journal of Research
19 2002
and intentions on learning and Lederman, N. G. in Science Teaching
teaching nature of science
Views of nature of science
Lederman, N. G.,
questionnaire: Toward valid
Abd‐El‐Khalick, Journal of Research
20 and meaningful assessment of 2002
F., Bell, R. L., & in Science Teaching
learners’ conceptions of nature
Schwartz, R. S.
of science
Investigações em
21 Crise no ensino de ciências? Fourez, G. 2003
Ensino de Ciências
Controvérsias Sócio-Científicas
Reis, P.; Galvão, Investigações em
22 e Prática Pedagógica de Jovens 2005
C. Ensino de Ciências
Professores
Research on Nature of Science: Asia-Pacific
23 reflections on the past, Lederman, N. G. 2006 Forum on Science
anticipations of the future Education
Handbook of
Nature of Science: past, present
24 Lederman, N. G. 2007 research on science
and future
education
Praia, J.; Gil-
O papel da natureza da ciência
25 Pérez, D.; Vilches, 2007 Ciência & Educação
na educação para a cidadania
A.
A Discussão de Controvérsias
Galvão, C.; Reis,
26 Sociocientíficas na Formação de 2011 Ciência & Educação
P.; Freire, S.
Professores
Fonte: o autor

332  Clívio Pimentel Júnior


A partir desse critério (auto)biográfico de levantamento e produção
de dados iniciais na pesquisa, passei a ler cada texto em específico e a
listar as demandas curriculares específicas defendidas pela comunidade
epistêmica de ensino de ciências, visando compreender o modo como se
articulavam na hegemonização da Natureza da Ciência como fiador da
qualidade da educação científica. Nesse sentido, a partir do referencial
da TD, algumas questões me orientaram, sendo algumas delas: quais as
orientações epistemológicas contidas na ideia de Natureza da Ciência?
Como elas são traduzidas em orientações e demandas para o ensino
de ciências? Contra que diagnóstico e estado de ordem das coisas na
educação científica escolar, as demandas da comunidade são colocadas em
antagonismo? O que a comunidade nomeia como inimigo a ser enfrentado?
A partir disso, passei a listar as demandas focando as seguintes categorias:
(i) demandas epistemológicas baseadas na ideia de natureza da ciência;
(ii) demandas curriculares baseadas na ideia de natureza da ciência; (iii)
demandas curriculares de formação da identidade dos estudantes nas
relações educativas, justificadas por finalidades de transformação social;
(iv) diagnósticos e condições contra as quais as demandas articuladas
se colocam em oposição. A tabela a seguir apresenta as demandas
epistemológicas que, nas políticas curriculares, devem orientar as práticas
de ensino baseadas na Natureza da Ciência:

Tabela 2. Demandas epistemológicas baseadas na ideia de Natureza da Ciência,


produzidas pela comunidade epistêmica de Ensino de Ciências, identificadas e
elencadas a partir das políticas curriculares investigadas na pesquisa.

DEMANDAS EPISTEMOLÓGICAS BASEADAS NA NATUREZA DA CIÊNCIA

(I) a ciência requer e repousa sobre evidências empíricas;


(II) a produção do conhecimento na ciência inclui diversos aspectos comuns e o
compartilhamento de modos de pensar;
(III) o conhecimento científico é aproximado, mas confiável e durável;
(IV) leis e teorias estão relacionadas, embora se tratem de tipos distintos de
conhecimento científico;
(V) ciência é um empreendimento altamente criativo e contém elementos subjetivos;
(VI) há influências históricas, culturais e sociais na ciência;
(VII) ciência e tecnologia impactam uma sobre a outra, mas não são a mesma coisa;

A TEORIA DO DISCURSO E A NOÇÃO DE DEMANDA COMO UNIDADE DE ANÁLISE E 333


PRODUÇÃO DE DADOS NAS PESQUISAS EM POLÍTICAS DE CURRÍCULO
(VIII) a ciência e seus métodos não podem responder a todas as perguntas;
(IX) novos conhecimentos precisam ser aberta e claramente comunicados aos
membros das comunidades científicas.
Fonte: o autor

Essas demandas epistemológicas emergem nas políticas curriculares


a partir do movimento da comunidade na busca por critérios gerais que
caracterizem a natureza do empreendimento científico, presente nos mais
variados pensamentos sobre a epistemologia da ciência. Trata-se da busca
de um consenso na comunidade epistêmica de ensino de ciências visando
elencar aspectos considerados nucleares do empreendimento científico,
que passam a servir de parâmetro para o delineamento de objetivos
universais niveladores da qualidade almejada para a educação científica.
Manifestam, nessa direção, desejos de ressignificação curricular por meio
da padronização das características da ciência. Essas demandas convertem-
se, por sua vez, em demandas curriculares para o ensino de ciências tal
como listado na tabela abaixo.

Tabela 3. Demandas Curriculares oriundas das orientações epistemológicas


baseadas no significante Natureza da Ciência.

DEMANDAS CURRICULARES BASEADAS NA NATUREZA DA CIÊNCIA


(I) necessidade de promoção de uma proposta curricular escolar com preponderante
preocupação com os aspectos históricos, filosóficos e sociais da Natureza da Ciência;
(II) necessidade de promoção de uma proposta curricular para a formação inicial
e continuada de professores das ciências com notável sensibilidade às questões
históricas e filosóficas da ciência;
(III) necessidade de fomento à produção de tecnologias didáticas e materiais
instrucionais que atendam corretamente aos aspectos conceituais, procedimentais e
atitudinais da ciência, validados a partir de amplo consenso entre pares escolares e
acadêmicos;
(IV) garantia de efetiva aprendizagem dos conhecimentos científicos pelos alunos;
(V) necessidade de um conhecimento menos elitista do universo cultural da ciência e
mais próximo do mundo cultural dos alunos;
(VI) necessidade de uma apresentação explícita do mundo cultural da ciência, com
seus efeitos políticos, tecnológicos, sociais e ambientais claramente trabalhados,
garantindo engajamento e ação;
(VII) necessidade distribuição de conhecimentos científicos de forma igualitária a
todos, em todos os níveis de ensino.
Fonte: o autor

334  Clívio Pimentel Júnior


As demandas curriculares, por sua vez, conectam-se a finalidades
formativas específicas, supostamente capazes de serem alcançadas e
manifestadas pelos estudantes a partir da adequada aprendizagem do
conhecimento científico, em sua forma mais aproximada à natureza da
ciência. Nessa direção, perfis de estudantes são projetados baseados
em demandas identitárias supostamente conectadas, de modo direto,
aos efeitos educativos dos conhecimentos da natureza da ciência. Tais
demandas identitárias são justificadas, nas políticas, a partir da defesa
da necessidade de perfis de sujeitos para a vida em sociedade que sejam
capazes de participar de modo mais ativo sobre questões sociocientíficas,
desenvolvendo uma condição de cidadania mais ativa e marcada pela
tomada de decisão social responsável. Desta forma, vinculam-se fortemente
aspectos que tem alguma relação nos processos educativos: Ensino –
Aprendizagem – Identidade e Exercício da Cidadania. Em outras palavras,
busca-se, mediante a instrumentalização com o conhecimento científico,
projetar a identidade do outro no tempo e no espaço, de modo a torná-lo
um agente social implicado com a agenda sociocientífica elencada. Coloca-
se sobre o conhecimento científico a demanda por fixação da identidade
do sujeito.

Tabela 4. Demandas identitárias e sociais identificadas nas políticas curriculares


investigadas. As demandas identitárias caracterizam-se pela projeção de perfis
de sujeito que se espera formar mediante a aprendizagem do conhecimento da
natureza da ciência, vinculados às demandas de cidadania e participação social
dos sujeitos.

DEMANDAS IDENTITÁRIAS PARA O ENSINO DE CIÊNCIAS

(I) necessidade de compreensão sofisticada de questões sociais que envolvem ciência


e tecnologia, desenvolvendo capacidades de opiniões independentes de especialistas,
permitindo, assim, maior controle público dos rumos da ciência;
(II) necessidade de perfis de estudantes que tomem decisões sociais responsáveis, que
pensem e levem em conta os resultados e consequências das ações sociais tomadas
no dia a dia;
(III) necessidade de desenvolver sujeitos capazes de agir em prol de uma sociedade
plenamente justa e democrática, diminuindo desigualdades estruturais;
(IV) necessidade de desenvolvimento de valores morais, pragmáticos e democráticos
que fundamentam as decisões e condutas sociais, visando engajamento e ativismo
por um estado de bem estar social mais amplo.
(V) necessidade de exercer uma cidadania socialmente ativa, responsável e universal.
Fonte: o autor

A TEORIA DO DISCURSO E A NOÇÃO DE DEMANDA COMO UNIDADE DE ANÁLISE E 335


PRODUÇÃO DE DADOS NAS PESQUISAS EM POLÍTICAS DE CURRÍCULO
Todas as demandas acima descritas articulam-se na política curricular
de ensino de ciências mediante o antagonismo àquilo que consideram
deficitário no ensino de ciências. Como dito acima, supõe-se que se o
ensino de ciências nas escolas conseguir realizar as orientações e demandas
emitidas pelas comunidades epistêmicas de ensino de ciências será
possível superar o quadro de características indesejáveis, historicamente
diagnosticadas, do ensino escolar de ciências. Há, portanto, no processo
de articulação política, um movimento de sintomatizar a superação das
características abaixo listadas como aquilo que falta para a educação
científica de qualidade, ampliando a aposta nas demandas produzidas
como possíveis reparadores dos problemas educacionais diagnosticados.
As principais representações antagonísticas diagnosticadas nas políticas de
currículo de ensino de ciências estão descritas na tabela abaixo.

Tabela 5. O antagonismo na política de currículo. A tabela apresenta as


características diagnosticadas nos trabalhos sobre o ensino de ciências nas
escolas. Trata-se de condições do ensino contra as quais as demandas articuladas
se colocam em oposição.
REPRESENTAÇÕES ANTAGONÍSTICAS NAS POLÍTICAS DE ENSINO DE
CIÊNCIAS
(I) o ensino empírico-indutivista, mecânico e deformador da Natureza da Ciência nas
escolas;
(II) o ensino ateórico e rígido da ciência, passando a ideia de ciência como conhecimento
infalível;
(III) o ensino aproblemático e anistórico, descaracterizando a própria epistemologia
e a necessidade de um problema geo-historicamente contextualizado como propulsor
de pesquisa;
(IV) o ensino acumulacionista, elitista e neutro da ciência, descaracterizando a
complexidade do fazer científico, e passando a imagem de que o mesmo é feito por
gênios e pessoas dotadas de capacidades cognitivas inalcançáveis;
(V) o ensino propedêutico e mecanizado da ciência, apresentando-a unicamente
mediante os seus produtos e desconsiderando os desafios postos em sua produção;
(VI) o ensino desumanizado e desvinculado de questões culturais e socioambientais
da ciência, propagando uma imagem da ciência que lida unicamente com questões
desligadas do cotidiano dos estudantes.
Fonte: o autor

Nas investigações em políticas de currículo empreendidas no trabalho


descrito neste texto, o movimento teórico-metodológico de análise deu-
se a partir da identificação das práticas articulatórias, das equivalências,
das demandas e dos antagonismos mediante os quais as comunidades
epistêmicas de ensino de ciências produziam orientações normativas para

336  Clívio Pimentel Júnior


o currículo escolar. Em enquadramento pós-estrutural e pós-fundacional,
tal como facultado pela TD e pelas teorias pedagógicas e curriculares
com as quais trabalhei, foi possível conduzir o trabalho analítico pela
desconstrução dos vínculos determinísticos estabelecidos entre Educação
– Ensino – Aprendizagem – Identidade – Cidadania – Corpo Social, como
se fosse possível conferir ao conhecimento científico a centralidade da
formação política do sujeito. Também nesse trabalho analítico, foi possível
questionar a tese comum de que políticas de currículo voltadas aos espaços
e tempos escolares são simples e diretamente implementadas pelos
professores, mostrando que as escolas são espaços produtores de políticas
e atuam articulando, desarticulando e rearticulando novos sentidos para
o que lhe é, explícita ou implicitamente, imposto por orientações externas.

Considerações finais

Ao utilizar a TD como orientação teórico-metodológica na


produção de dados, combinada a outras teorizações pós-estruturais, foi
possível construir dados e enveredar por interpretações que se pautavam
na identificação das demandas por meio das quais se formavam redes
de solidariedade entre sujeitos epistêmicos na produção de políticas
curriculares. Como busquei argumentar, esse tipo de abordagem
possibilita ao pesquisador fugir dos essencialismos comumente
expressos em investigações sobre políticas de currículo, cujo foco recai,
preponderantemente, sobre sujeitos atuantes na produção de políticas,
remetendo a um individualismo sociológico insustentável em análises de
políticas educacionais (LOPES; MACEDO, 2011; BALL; MAGUIRE; BRAUN,
2016). Além disso, o vínculo ontológico aos pressupostos pós-estruturais
da TD, a meu ver necessário em qualquer trabalho que a tome como
forma de condução do processo analítico, possibilitou também a crítica ao
determinismo educativo, aos universalismos produzidos para o currículo,
ao finalismo identitário expresso nas políticas educacionais analisadas, e à
redução da educação a processos de socialização dos sujeitos em mundos
e entendimentos da natureza da ciência pré-estabelecidos. Isso significa
que não há como fixar, mediante a instrumentalização com conhecimentos
científicos, a posição dos sujeitos e suas lutas e agendas políticas, bem como
não há como garantir a retidão das condutas sociais de uma vez por todas.
Pela TD é possível compreender que lutas políticas são sempre da ordem do

A TEORIA DO DISCURSO E A NOÇÃO DE DEMANDA COMO UNIDADE DE ANÁLISE E 337


PRODUÇÃO DE DADOS NAS PESQUISAS EM POLÍTICAS DE CURRÍCULO
incalculável, isto é, emergem de modo mais ou menos imprevisível, mediante
articulações de demandas contextuais, sempre provisórias e contingenciais.
Por fim, ressalto que tomar a demanda como unidade de análise nas
pesquisas e operar o levantamento delas nas políticas de currículo em
nada significa uma interpretação inequívoca dos textos acessados. Como
um dos pressupostos da TD é justamente a ideia de um terreno primário
da linguagem no qual construímos pactos hermenêuticos firmados por
relações de poder sem fundamento sólido algum que possa sustentá-los
em última instância, a própria interpretação e identificação das demandas
é uma operação, também ela, em constante disputa narrativa. O que fiz no
trabalho desenvolvido na tese foi, portanto, argumentar por uma forma de
apresentação dessas demandas e como elas estruturam espaços políticos,
formando redes de solidariedade em torno de pautas e agendas políticas
para o ensino de ciências.

Referências

BALL, S. J.; MAGUIRE, M.; BRAUN, A. Como as Escolas Fazem as


Políticas: atuação em escolas secundárias. Ponta Grossa: Editora UEPG,
2016.

HOWARTH, D.; STAVRAKAKIS, Y. Introducing Discourse Theory and


Political Analysis. In: HOWRATH, D.; NORVAL, A.; STAVRAKAKIS,
Y. Discourse Theory and Political Analysis. Manchester: Manchester
University Press, 2000. p. 1-37. Disponível em: http://cscs.res.in/
dataarchive/textfiles/textfile.2010-08-04.2518463068/file. Acesso em: 12
fev. 2020.

LACLAU, E. On Populist Reason. London: Verso, 2005.

LACLAU, E.; MOUFFE, C. Hegemonia e Estratégia Socialista: por uma


política democrática radical. São Paulo: Intermeios, 2015.

LOPES, A. C.; MACEDO, E. Teorias de Currículo. São Paulo: Cortez, 2011.

338  Clívio Pimentel Júnior


LOPES, A. C. Políticas de Currículo em um enfoque discursivo: notas de
pesquisa. In: LOPES, A. C.; OLIVEIRA, A. L; OLIVEIRA, G. G. A Teoria do
Discurso na Pesquisa em Educação. Recife: Ed. UFPE, 2018. p. 133-167.

LOPES, A. C.; OLIVEIRA, A. L; OLIVEIRA, G. G. A Teoria do Discurso na


Pesquisa em Educação. Recife: Ed. UFPE, 2018.

LOPES, A. C. Articulações de demandas educativas (im)possibilitadas pelo


antagonismo ao “marxismo cultural”. Arquivos Analíticos de Políticas
Educativas, v. 27, n. 109, p. 1-21, set., 2019. Disponível em: https://doi.
org/10.14507/epaa.27.4881. Acesso em: 12 fev. 2020.

MENDONÇA, D. de.; RODRIGUES, L. P. (Orgs.). Pós-estruturalismo


e Teoria do Discurso: em torno de Ernesto Laclau. 2ª ed. Porto Alegre:
EDIPUCRS, 2014.
OLIVEIRA, G. G; OLIVEIRA, A. L; MESQUITA, R. G. A Teoria do Discurso
de Laclau e Mouffe e a Pesquisa em Educação. Educação & Realidade.
Porto Alegre, v. 38, n. 4, p. 1327-1349, out./dez., 2013. Disponível em:
http://dx.doi.org/10.1590/S2175-62362013000400017. Acesso em: 12 fev.
2020.

PIMENTEL-JÚNIOR, C. Currículo, Diferença, Política: disputas discursivas


pela significação da natureza e da qualidade da educação científica.
2019. 270f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação,
Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2019.

PIMENTEL-JÚNIOR, C. A Estruturação do Espaço Político na Teoria do


Discurso e a Investigação de Políticas Curriculares para o Ensino das
Ciências. In: PIMENTEL JUNIOR, C.; SALES, M. A.; JESUS, R.M.V. (Orgs.).
Currículo e Formação de Professores: Redes acadêmicas em (des)
articulação. Campinas: Pontes Editores, 2018.

PIMENTEL-JÚNIOR, C. Políticas curriculares, diferença, pertencimento:


ponderações sobre o uso do conceito de comunidades epistêmicas em
chave pós-estrutural. Revista Linhas. Florianópolis, v. 19, n. 41, p. 213-
241, set./dez. 2018b. Disponível em: http://dx.doi.org/10.5965/19847238
19412018213. Acesso em: 12 fev. 2020.

A TEORIA DO DISCURSO E A NOÇÃO DE DEMANDA COMO UNIDADE DE ANÁLISE E 339


PRODUÇÃO DE DADOS NAS PESQUISAS EM POLÍTICAS DE CURRÍCULO
PIMENTEL-JÚNIOR, C.; CARVALHO, M. I. S. S.; SÁ, M. R. G. B. Pesquisa
(Auto)Biográfica em Chave Pós-estrutural: conversas com Judith Butler.
Práxis Educativa, v. 12, n. 1, p. 203-222, jan/abr, 2017. Disponível em:
http://dx.doi.org/10.5212/PraxEduc.v.12i1.0011. Acesso em: 12 fev. 2020.

PIMENTEL-JÚNIOR, C.; DIAS, R. E.; CARVALHO, M. I. S. S. Significações


de Qualidade e Crise da Educação Científica nas Políticas Curriculares
para o Ensino de Ciências. Investigações em Ensino de Ciências, v. 24, n.
3, p. 147-168, 2019. Disponível em: http://dx.doi.org/10.22600/1518-
8795.ienci2019v24n3p147. Acesso em: 13 fev. 2020.

340  Clívio Pimentel Júnior


PROJETO DE PESQUISA EM LINGUÍSTICA
APLICADA: UM GÊNERO ACADÊMICO
EM CONSTRUÇÃO

Osalda Maria Pessoa

Introdução

D
esde os Anos Finais do Ensino Fundamental realiza-se um
letramento de baixa intensidade e de baixas competências
leitoras nas escolas brasileiras. Mesmo que já se desenvolvam
os campos, competências e habilidades previstas na Base Nacional Comum
Curricular BNCC - 2017, ainda há muito que se melhorar nas práticas de
leitura/escrita/oralidade/análise semiótica nos Anos Finais do Ensino
Fundamental, da mesma forma muito há o que se adequar os aspectos
metodológicos sobre os gêneros textuais na promoção dos letramentos
críticos, evitando-se arcabouços gerais de Projetos de Pesquisa em
Linguagem e Ensino que prestigiem métodos gerais da pesquisa científica
advindos das Ciências Naturais ou das Ciências Sociais e Humanas, não
adequados às ciências da Linguagem, ao ensino de seus conteúdos e
metodologias.
São realizadas pesquisas recentes no Ensino Fundamental para a
solução dos problemas sobre o ensino dos gêneros textuais e os letramentos
críticos, pesquisas estas menos voltadas para as práticas sociais de
linguagem com base em Fairclough (2001), na dialogia de Bakhtin (2006)

PROJETO DE PESQUISA EM LINGUÍSTICA APLICADA: 341


UM GÊNERO ACADÊMICO EM CONSTRUÇÃO
e demais teóricos críticos da Linguagem que visem à promoção dos
letramentos críticos de alta intensidade. Um bom trabalho científico, que
utiliza a metodologia mais próxima da realidade a ser pesquisada, deve ser
aquele que propicia ao/à pesquisador/a “colocar-se no lugar do outro”,
ou seja, compreender a realidade pela visão dos/as pesquisados/as como
forma de aproximação entre a vida e o que vai ser investigado. Para tanto,
ainda há um melhor caminho que é através da pesquisa qualitativa como
metodologia que visa a compreender as questões de linguagem e ensino
inseridas no interior das práticas sociais.
Neste contexto, faz-se necessário definir como objetivo geral desses
estudos, abordar os aspectos metodológicos que compõem um projeto de pesquisa
na área de Linguística Aplicada como um gênero em construção e os dispositivos
utilizados para a coleta de dados, que versem sobre a temática “BNCC e os
gêneros textuais/discursivos na promoção dos letramentos críticos no 9º
Ano do Ensino Fundamental em uma Escola da Rede Seduc- PI”, para que
docentes e pesquisadores/as que atuam na linha da Didática da Língua
e na área de Linguística Aplicada incorporem em seus estudos e nas suas
práticas de leitura/escrita/oralidade/análise semiótica, em sala de aula,
as perspectivas sócio-semióticas e sócio-discursivas, utilizando de forma
adequada os aspectos metodológicos da pesquisa em Linguagem e Ensino,
evitando-se um mero rearranjo de dispositivos isolados e desconexos que
atendam estes ou aqueles aspectos das práticas discursivas e de letramentos
dos/as estudantes de maneira incipiente. Projeto este que faz parte do
Doutoramento em Ciências da Educação pela Universidad Internacional
Iberoamericana do México – Unini/2020, de enfoque quali-quantitativo,
baseado nos estudos de Sampieri et al (2013), de natureza descritiva,
pautado nos estudos correlacionais de Moroz e Gialfaldoni (2002) e de
caráter comparativo em Marconi e Lakatos (2012).
Para esta coletânea: Aspectos metodológicos na pesquisa em educação:
dispositivos analíticos em movimentos, o Projeto a ser apresentado contemplará
aspectos da pesquisa-ação-intervenção, da etnografia crítica, de fontes
documentais primárias, dos aprofundamentos teóricos, de narrativas
autobiográficas, da observação seletiva com roteiro estruturado e da
Entrevista contextualizada. As pesquisas qualitativas em Análise de Discurso
Crítica tem base na etnografia crítica que impossibilita a neutralidade
analítica (Resende 2009), já que o processo de interpretação crítica deve
ser realizado com e para os/as colaboradores/as da pesquisa.

342  Osalda Maria Pessoa


Geraldi et al (1998) reforçam que a pesquisa-ação exige uma postura
colaborativa do professor. As fontes documentais primárias têm base meramente
qualitativa, interpretativa e subjetiva para que o/a investigador/a não se
perca ‘na floresta das coisas escritas’ (MARCONI e LAKATOS, 2012). Sobre
o aprofundamento teórico em livros, artigos, revistas, jornais etc., Eco (2002,
p. 42) diz que “organizar uma bibliografia significa buscar aquilo cuja
existência ainda ignora.” As narrativas autobiográficas representam um Mar
de Fios de História, como dispositivo de pesquisa e formação que permite
a produção e a reorganização de experiências que expressem as trajetórias
diferenciadas do ser (IBIAPINA, 2008).
A observação estruturada com chek-list, como dispositivo de coleta de
dados, servirá para captar os eventos de letramentos não escolares em
função das categorias elaboradas a partir do próprio material dos relatos
cursivos dos/as estudantes (Viana 2003), coletando os aspectos mais
significativos para se cumprir com os objetivos da pesquisa. Para Ludke
e Andre (1994, p. 16) a Entrevista contextualizada tem vantagem sobre os
outros dispositivos: “é que ela permite a captação imediata e coerente das
informações desejadas, praticamente com qualquer tipo de informane e
sobre os mais variados tópicos”.

Desenvolvimento dos estudos

A partir da definição do objetivo geral de abordar os aspectos


metodológicos que compõem um projeto de pesquisa na área de Linguística
Aplicada: um gênero acadêmico em construção com seus dispositivos
analíticos utilizados para a coleta de dados, na sequência destes estudos
discorrer-se-á sobre a consolidação do enfoque metodológico da pesquisa
qualitativa em estudos de Linguagem e Ensino no contexto da educação
brasileira; descrever-se-á os métodos e abordagens do Projeto, cujo tema
versa sobre a BNCC e os gêneros textuais discursivos na promoção dos letramentos
críticos no 9º Ano do Ensino Fundamental em uma Escola da Rede Seduc – PI; analisar-
se-á como se utiliza adequadamente os dispositivos como as narrativas
autobiográficas, análises documentais, observação estruturada seletiva e
a entrevista contextualiza nas abordagens sócio-semióticas e discursivas da
linguagem, dentro dos enfoques metodológicos: descritivos, correlacionais
não causais e comparativos, da pesquisa-ação-intervenção e da etnografia
crítica, considerando as coletas e análise de dados de forma mais adequada

PROJETO DE PESQUISA EM LINGUÍSTICA APLICADA: 343


UM GÊNERO ACADÊMICO EM CONSTRUÇÃO
ao enquadro metodológico que a linha e a área de pesquisa exigem, além de
se perceber as contribuições da construção desse gênero acadêmico para
os estudos da Linguagem na promoção dos letramentos de alta intensidade
necessários à formação do leitor crítico.

Enfoque metodológico da pesquisa qualitativa em estudos de Linguagem


e Ensino

Durante as décadas de 1960-1970 houve mais preocupação com o


método do que com os problemas a serem investigados no contexto da
educação brasileira, perdurando a concepção positivista tradicional da
educação ao lado da subjetivista idealista da linguagem. Nos finais dos
anos 1970 esse paradigma de ciência passa a receber severas críticas
filosóficas, políticas e técnicas. O alvo dessas críticas direcionou-se para
a aplicabilidade dos modelos das Ciências Naturais às Ciências Sociais e
Humanas, cujos princípios teóricos separavam os fatos dos seus contextos
histórico-culturais.
Esse modelo de pesquisa começou a modificar-se nas décadas
de 1980-1990, um tipo de crítica ao paradigma quantitativo vigente. As
pesquisas a serem levadas a cabo deveriam levar em conta as dimensões
sociais, culturais e institucionais, dando lugar a dispositivos como: a
observação, as entrevistas, a etnografia, os relatos, as fotografias, as
gravações, etc. Um exemplo do impacto dessas mudanças ocorreu no
artigo “A abordagrm etnográfica: uma nova perspectiva na avaliação educacional”,
de André (1978).
Em 1976 aconteceu também a publicação do livro Explorations
in Classroom Observation de Michel Stubbs e Sara Delamont, que faz uma
crítica aos estudos em sala de aula baseados na interação e, no entanto,
ignoram o contexto espacial e temporal das ocorrências e dos eventos neste
espaço. A partir de então, começou-se a postular que os acontecimentos
em sala de aula só podem ser entendidos no contexto em que ocorrem e
são permeados por uma multiplicidade de significados que, por sua vez
fazem parte de um universo cultural e de jogos de interações que devem ser
estudados pelos/as pesquisadores/as.
Outros eventos de suma importância para a consolidação da pesquisa
qualitativa foram os Seminários de Pesquisa em Educação da Região Sudeste (1980
e 1983) realizado em Belo Horizonte, onde ocorreu a Mesa-Redonda “A

344  Osalda Maria Pessoa


Pesquisa qualitativa e o estudo da escola”, que tratou sobre as possibilidades e
limites do uso de métodos qualitativos. Estes estudos de André (1984) e
Gonçalves (1984), dentre outros, foram publicados na Revista Cadernos de
Pesquisa (1984).
Ainda na fase de aproximação dos métodos qualitativos com a
pesquisa em Educação, em 1983, o pioneiro das abordagens qualitativas
em Educação, Robert Stake – pesquisador e coordenador do CIRCE (Center
for Instructional Research and Curriculum Evaluation), localizado na
Universidade Illinois - USA, realizou várias reflexões em várias universidades
brasileiras (USP, PUC – RJ, UFES, UFRGS), o que possibilitou uma ampla
discussão do potencial das abordagens qualitativas em Educação.
Tais eventos e iniciativas comprovam que para compreender e
interpretar as questões e os problemas da área de Linguística Aplicada
será necessário recorrer a diferentes enfoques entre múltiplas disciplinas e
campos teóricos. Ganha força com a democratização da educação pública
e o acesso das camadas populares à escola, a propagação de metodologias
e técnicas de estudos do tipo etnográfico, estudo de caso, pesquisa-ação,
análise do discurso e narrativas, estudos da memória, história de vida
história oral, nos estudos da Linguagem.
Portanto, no início dos anos de 1980, ao lado de uma descrença nas
soluções técnicas para resolver problemas, tais estudos mudam o perfil
da pesquisa, propiciando reflexões mais críticas. “Busca-se não mais a
Psicologia e a Filosofia, mas à Antropologia, à História, à Linguística, à
Filosofia da Linguagem e à Análise de Discurso Crítica, para se abordar os
fenômenos de Linguagem e Ensino. Mas quando surgiram os estudos de
Linguística Aplicada, dentro dos enfoques sócio-semióticos e discursivos de
caráter predominantemente qualitativo, especificamente sobre os gêneros
textuais e os letramentos críticos? Desde 1980, quando da democratização
do ensino surgiram estudos voltados para o o sociointeracionismo de
Bakhtin (2006), ampliando-se o enfoque subjetivista idealista da linguagem.
“Não é a atividade mental que organiza a expressão verbal, mas é a expressão
verbal que organiza a atividade mental, que a modela e determina sua
orientação” (BAKHTIN, 2006 p. 112), defendida em sua obra Marxismo
e Filosofia da Linguagem desde 1929. Anteriormente, predominavam as
correntes da linguagem como expressão do pensamento e linguagem como
instrumento de comunicação com a utilização de métodos experimentais
na sociolíguística variacionista, no gerativismo, na fonética e fonologia e

PROJETO DE PESQUISA EM LINGUÍSTICA APLICADA: 345


UM GÊNERO ACADÊMICO EM CONSTRUÇÃO
nos estudos morfossintáticos tomando o morfema e as palavras isoladas
como unidade de estudo.
Mas quando surgiram os estudos da Linguagem como prática social?
Norman Fairclough cunhou o termo Análise de Discurso Crítica - ADC –
em 1985 no Journal of Pragmatics – como estudo da linguagem em uso.
“O estudo da linguagem é entendido como ações que produzimos com
textos no interior das atividades sociais” (RIBAMAR Jr et al 2018 p. 08). A
ADC é um grande guarda-chuva no qual se abriga diferentes abordagens
e perspectivas, tais como: a linguística sistêmico-funcional, a análise de
discurso multimodal, a análise da narrativa, a análise do discurso mediada,
a análise do discurso baseada em corpus, dentre outros.
Se nas décadas de 1960-1970, o interesse se localizava nas situações
controladas de experimentação nos estudos da Linguagem, nas décadas de
1980-1990 o exame de situações reais do cotidiano da escola e da sala de
aula é que constituiu uma das principais preocupações do/a pesquisador/a.
Se o papel do/a pesquisador/a era sobremaneira o de um sujeito “de fora”
nos últimos vinte anos, tem havido uma grande valorização do olhar “de
dentro” surgindo muitos trabalhos de pesquisa em que se analisam as
experiências do/a pesquisador/a ou em que este/a desenvolve a investigação
com a colaboração dos/as participantes, como é o caso deste Projeto de
Pesquisa que servirá como objeto de análise dos Aspectos metotodológicos na
educação: dispositivos analíticos em movimentos, para compor a Série Mediação
Acadêmica.

Descrição dos métodos e das abordagens do Projeto em Linguística


Aplicada: um gênero acadêmico em construção

Considera-se que o tema BNCC e os gêneros textuais/discursivos na


promoção dos letramentos críticos no 9º Ano do Ensino Fundamental de uma Escola da
Rede Seduc – PI é de grande relevância social porque se pretende incorporar
nas práticas de leitura/escrita/oralidade/análise semiótica, aspectos
das abordagens sócio-semióticas (Bakhtin, 2006) e sócio-discursivas
(Faircoulgh, 1985, 2001, 2003, 2006), a partir desses teóricos críticos da
Linguagem e demais, no enfoque quali-quantitativo de pesquisa de acordo
com Sampieri et al (2013). Rodrigues (2005) insiste que para compreender
a noção de gênero na perspectiva de Bakhtin é necessário aprender o seu
lugar no conjunto de suas formulações, na concepção histórica, ideológica

346  Osalda Maria Pessoa


e semiótica da linguagem. Bakhtin (2006, p.123) diz que “a verdadeira
substância da língua é constituída por um sistema abstrato de formas
linguísticas não pela enunciação monológica e isolada nem pela atividade
mental de sua produção, mas pelo fenômeno da interação verbal”.
Esta concepção pode ser ampliada, fazendo-se a interface com a
análise de discurso crítica (ADC) de vertente sócio-discursiva, tomando a
linguagem como prática social transformadora, tendo seu expoente Noam
Fairclough (1985). Segundo Rodrigues (2005), em função da crítica à
escolarização dos gêneros textuais, os aspectos explorados (eventos sociais,
práticas sociais/discursivas e estruturas sociais) pela perspectiva sócio-discursiva
ganharam força e entende-se a partir de então que o ensino-aprendizagem
com base nas práticas sociais de leitura/escrita como interação verbal,
dialógica e social deve colocar os gêneros textuais/discursivos na centralidade
dessas práticas. Entretanto, a sistematização das ideias de Bakhtin causou
um impasse: se os termos gêneros textuais e os gêneros discursivos recobrem
um mesmo conceito ou se são intercambiáveis, conceitualmente.
No modelo de análise social ou transdisciplinar de Fairclough (2006),
os textos e os discursos migram para dentro da análise social, e a análise
é iniciada pelo social, investigando os elementos da análise textual em três
níveis: eventos sociais (textos) – vocabulário, gramática, estrutura e modos de
organização; práticas sociais, onde estão inseridas as práticas discursivas, ou ainda,
a produção, distribuição e consumo dos gêneros nos contextos sociais –
tipos dos atos de fala, coerência e relações intertextuais; análise das estruturas
sociais, onde as práticas sociais são analisadas com base nas ideologias e
hegemonia. De acordo com o problema, perguntas e objetivos propostos
para o Projeto foram escolhidas as seguintes:

1.  Eventos sociais (textos) – vocabulário (lexicalização e significação);


gramática (forma como as palavras são combinadas em frases e
orações); coesão (ligação entre orações e frases); estrutura textual
(modos de organização dos textos).
2.  Práticas sociais/práticas discursivas – tipos de atos de fala (se promessa,
se pedido, se ameaça); coerência (harmonia entre fatos e ideias);
intertextualidade e interdiscursividade (relações com outros textos ou
com outros discursos).
3.  Análise das estruturas sociais - ideologia (sentidos, pressuposições e
metáforas); hegemonia (dominação por alianças, incorporação de

PROJETO DE PESQUISA EM LINGUÍSTICA APLICADA: 347


UM GÊNERO ACADÊMICO EM CONSTRUÇÃO
grupos subordinados e geração de consentimentos; orientações
econômicas políticas culturais e ideológicas).

Essas três categorias (eventos sociais, práticas sociais/discursivas e análise


das estruturas sociais) com suas subcategorias aqui apresentadas - permitem
investigar e revelar como a linguagem atua na vida social e possibilita
expor a universalização, a naturalização de discursos e a vinculação
de textos particulares a ideologias específicas. Nesta direção, alia-se a
ADC à Sociologia, Filosofia, História, Linguística, Educação, Semiótica,
Pragmática e à Comunicação, daí seu caráter transdisciplinar, tendo em
vista às abordagens sócio-semióticas e discursivas da linguagem. A pesquisa-
ação-intervenção, a etnografia crítica, os estudos descritivo-explicativos,
correlacionais não causais e comparativos, compõem os principais aspectos
metodológicos para a coleta de dados utilizados neste Projeto de Pesquisa
com os fundamentos teóricos oriundos da Dialogia e da ADC.
Para se trabalhar o tema do Projeto, a Pesquisa-Ação-Intervenção
será a mais adequada porque as teorias não se validam de forma
independente para aplicá-las logo mais na prática, senão através da prática.
Geraldi et al (1998, pp. 167-168) reforçam que “a Pesquisa-Ação exige uma
postura colaborativa do profesor”. A prática educativa não é uma criação
isolada dentro de ambientes institucionais. Os professores-pesquisadores,
ao refletirem suas práticas, trabalham-nas, dialogicamente, com seus
colegas e não deixam de lado a influência das estruturas curriculares. A
separação entre ensino e pesquisa implica uma separação entre ensino e
desenvolvimento do currículo. No entanto, a ideia de desenvolver os campos,
competências e habilidades de leitura/escrita/oralidade/análise semiótica
observando a Base Nacional Comum Curricular de Língua Portuguesa –
BNCC 2017, tendo em vista aspectos dos eventos sociais, práticas sociais/
discursivas e estruturas sociais, nesta investigação, a partir do ensino no 9º
Ano, pressupõe um conceito unificado de ensino como prática reflexiva.
Ao refletirem sobre sua prática, os/as profesores/as não só
desenvolvem suas estratégias docentes como também compreendem melhor
os objetivos e princípios que devem levar a essa prática. Nessa perspectiva,
os/as profesores/as articulam problemas práticos e propostas de solução,
não podendo haver desenvolvimento de currículo sem desenvolvimento de
profesores/as e de seus estudantes. O conhecimento não pode reduzir-se
a informações e regras expressas em forma proposicional, mas deve ser

348  Osalda Maria Pessoa


como um repertório de narrações de caso, chamado por Elliott (1993, p.
74) de “estrutura de competência”, que tornará profesores/as e estudantes,
através destes estudos, sujeitos de linguagem capazes de mudarem os
quadros de alfabetismos funcionais e de letramentos de baixa intensidade,
em uma Escola da Rede Seduc - PI.
Para Geraldi et al (1998, p. 167) a Pesquisa-Ação “integra ensino,
desenvolvimento dos/as profesores/as e estudantes, do currículo e avaliação,
da pesquisa e reflexão filosófica em uma concepção holística de prática
reflexiva educativa”. Da perspectiva da Pesquisa-Ação, o aperfeiçoamento
do ensino e o desenvolvimento de profesores/as e de estudantes fazem parte
do desenvolvimento da BNCC de Língua Portuguesa, e o desenvolvimento
da BNCC 2017, em si mesmo, constitui um processo de desenvolvimento
de profesores/as e alunos/as. Professores/as e estudantes do 9º Ano não
precisam desenvolver-se primeiro, para depois implementarem a Nova
Base de Língua Portuguesa, mas vão se fazendo e refazendo, enquanto
sujeitos inseridos em práticas sociais de linguagem e enquanto isso vão
implementando-a em suas vivencias.
Muitos autores concebem a Pesquisa-Ação como um posicionamento
e reposicionamento realista da ação, sempre seguida por uma ação
autocrítica e objetiva e de uma avaliação de resultados. Não há ação sem
investigação nem investigação sem ação. Tanto para Elliott (1993, p. 95),
como para outros autores, a característica marcante da Pesquisa-Ação é a
de ser um processo que se modifica continuamente em espirais de reflexão-
ação, onde cada espiral inclui:

• aclarar e diagnosticar uma situação prática ou um problema


prático que se quer melhorar ou resolver;
•  formular estratégias de ação;
•  desenvolver essas estratégias e avaliar sua eficiência;
•  ampliar a compreensão da nova situação (situação resultante);
•  proceder com os mesmos passos para a nova situação prática.

Ao invés de limitar-se a utilizar um saber existente, a Pesquisa-


Ação procura uma mudança no contexto concreto e estuda as condições
e os resultados da experiência efetuada. É um processo em que tanto os
atores sociais como a situação de alfabetismos e letramentos devem se
modificar, num processo sistemático de aprendizagem dos/as estudantes

PROJETO DE PESQUISA EM LINGUÍSTICA APLICADA: 349


UM GÊNERO ACADÊMICO EM CONSTRUÇÃO
de tal modo que as práticas de linguagem se convertam em uma ação
criticamente informada e comprometida. Esse tipo de pesquisa assume
grande importância hoje por oferecer uma via significativa para superar
o binômio: teoria-prática, educador-investigador. Para Elliott (1993, p.
105), as características mais relevantes da Pesquisa-Ação podem ser assim
descritas:

•  ser uma estratégia associada à formação de pessoas envolvidas


nela;
•  centrar-se sobre situações históricas e sociais que são percebidas
pelos professores como problemáticas e passíveis de mudanças;
•  compreender o que está ocorrendo a partir dos que estão implicados
no processo: gestores, professores, estudantes, documentos, gêneros
de textos e discursos, letramentos, avaliações, resultados.
• reelaborar discursivamente as contingências da situação e
estabelecer inter-relações.

Elliotti (1993, p. 68) afirma que a”relação entre processos e resultados,


em circunstâncias concretas, constitui uma característica fundamental
do que Schon denomina de prática reflexiva, e ele e outros denominam
de Pesquisa-Ação”. Para Schoen (1992), a autorreflexão possui duas
instâncias: reflexão na ação e reflexão sobre a ação. Reconhecer a importância
da reflexão na ação e sobre a ação é reconhecer que os contextos sociais das
práticas de linguagens são instáveis e que os problemas que surgem neles
podem ser originais e únicos e são, definitivamente, passíveis de mudança.
As pesquisas qualitativas em ADC também tem uma forte base na
Etnografia crítica, sendo seu principal material de estudo os textos verbais,
visuais e verbo-audio-visuais. A combinação entre ADC e a Etnografia pode
ser útil para ambas. De um lado, a vivência da ADC através da Etnografia
crítica, por requerer do (a) pesquisador (a) uma presença sistemática e
prolongada no contexto investigado, oferece a ADC um conhecimento que
extrapola o texto, “que é o conhecimento sobre os diferentes momentos
da prática social, seus aspectos materiais, seus processos e suas relações
sociais, assim como as decisões, valores e desejos dos participantes”
(Chouliaraki; Fairclough, 1999, p. 62). Por outro lado, a Etnografia se
benéfica da ADC no sentido “da reflexividade, pois os dados materiais
não devem ser considerados como descrições fiéis do mundo externo,

350  Osalda Maria Pessoa


mas como formações discursivas que são agregadas para construir uma
dada perspectiva do mundo social” (Chouliaraki; Fairclogh, 1999, p. 62).
Ademais, a ADC, assim como a Etnografia crítica, “assume a impossibilidade
da neutralidade analítica” (Resende, 2009, p. 55), pois ambas entendem
que a pesquisa é um processo de interpretação que deve ser realizado com
e para os /as colaboradores/as da pesquisa.
O/a pesquisador/a pode adotar a Etnografia crítica, que permite
uma postura engajada e comprometida com questões de desigualdades
sociais, forçando-o/a a desenvolver o trabalho de investigação, que vai
além da descrição e interpretação de significados, propondo-se a realizar
a pesquisa em um processo reflexivo sobre as alternativas conceituais que
lhe são apresentadas e sobre o juízo de valor dos significados e métodos,
problematizando as diversas formas de atividade humana, assim como a
própria pesquisa, com especial destaque para questões ideológicas e de
hegemonia de poder (THOMAS, 1993).
Nesse sentido, torna-se profícuo a utilização da Etnografia como
metodologia, oriunda da Antropologia e da Sociologia, que utiliza um
conjunto de dispositivos para coletar dados, para focar “representações de
mundo, relações sociais, identidades, opiniões, atitudes e crenças ligadas a
um meio social” (Resende, 2009, p. 57), como propõe a ADC como ciencia
crítica da Linguagem. Entretanto, apesar de toda a sua potencialidade para
a coleta e geração de dados em estudos críticos dos textos e discursos,
a pesquisa Etnográfica crítica, poderá se tornar problemática, segundo
Wielewocki (2001, p. 29), se os sujeitos “continuarem assujeitados e
falando através do outro – o (a) pesquisador (a)”. É necessário mudar
as relações de poder tradicionais entre pesquisador/a e pesquisados /
informantes, de modo que os/as estudantes sejam atores sociais ativos/
as no processo de coleta e geração de dados e não percebidos/as como
objetos do conhecimento, mas como sujeitos ativos com os quais os/as
pesquisadores/as estabelecem conversações recíprocas e a quem eles devem
recorrer para auxiliar e até mesmo para validar as interpretações.
Em relação ao Projeto de investigação em construção, a metodologia
adotada também é de natureza descritiva, correlacional não causal e comparativa.
Conforme Moroz e Gianfaldoni (2002, p. 53) “a aplicação de critérios
estatísticos aos resultados permite ao pesquisador afirmar se há (ou
não) relação entre as variáveis estudadas; no entanto, como não haverá
manipulação, devida a predominância dos aspectos qualitativos, não

PROJETO DE PESQUISA EM LINGUÍSTICA APLICADA: 351


UM GÊNERO ACADÊMICO EM CONSTRUÇÃO
se poderá estabelecer relações causais”, mas poder-se-á estabelecer
comparações dos resultados obtidos entre os dois grupos. Nestes estudos,
as variáveis vão se cumprir de forma indireta, que Marconi e Lakatos
(2012) denominaram a esse tratamento de ‘experimentação indireta’, ou seja,
sem manipulação de grupo experimental versus grupo de controle. Uma
vez os dados coletados serão analisados através de sínteses, inferências e
metainferências, atividades que procuram dar significados mais amplos,
em relação ao tema e objetivos propostos.
Os estudos descritivos abordados no Projeto, buscam especificar “as
características e os perfis de pessoas, grupos, processos, comunidades e
sociedades” (SAMPIERI et al, 2013, p. 102) ou qualquer outro fenômeno
que poderá ser submetido à análise. Pretende unicamente medir, coletar
informações ou relatar fatos de maneira independente ou conjunta sobre as
variáveis a que se referem e não indicar como estas se relacionam. Neste tipo
de estudo o/a pesquisador/a deve ser capaz de definir o que será medido
ou valorado e sobre o que ou quem os dados serão coletados. Pode-se, por
exemplo, abordar as narrativas (auto)biográficas de alunos e as análises
da BNCC 2017, do livro didático, da proposta pedagógica e do plano de
curso de Língua Portuguesa do 9º Ano de forma descritivo-narrativa sem
manipulação de variáveis.
Os estudos correlacionais não causais “tem como finalidade conhecer a
relação ou o grau de associação existente entre duas ou mais variáveis em
um contexto específico” (SAMPIERI, 2013, p. 103). Prevê a aplicação de
critérios estatísticos aos resultados e permitirá ao/à pesquisador/a afirmar
se há (ou não) relação entre as variáveis estudadas, podendo estabelecer
comparações de resultados entre grupos, apesar de não dar o direito de
afirmar se é a BNCC e os gêneros discursivos (variável independente) que causa
efeitos na variável dependente - promoção dos letramentos críticos no 9º Ano do
Ensino |Fundamental em uma Escola da Rede Seduc – PI, mas pode-se chegar a
conclusões das relações de uma interferindo na outra, dos impactos de
uma sobre a outra. Poderá se concluir (ou não) que uma influencia a outra
na elevação das capacidades leitoras, dos alfabetismos e dos letramentos
críticos dos estudantes do 9º Ano. Ao avaliar o grau de associação entre
duas ou mais variáveis, observa-se cada uma delas e depois se analisa o
vínculo, sendo na maioria dos casos as mensurações ou valorações das
variáveis correlacionadas provenientes dos mesmos participantes.

352  Osalda Maria Pessoa


Análise e resultados dos dispositivos analíticos em movimentos do Projeto
de Lingüística Aplicada: um gênero académico em construção

Será aplicado como dispositivo de coleta de dados as narrativas


(auto)biográficas através de relatos escritos sobre os gêneros lidos, produzidos
ou não pelos/as estudantes representando um Mar de Fios de Histórias,
como procedimento de pesquisa e formação que permite a produção e a
reorganização de experiências que expressam as trajetórias diferenciadas
do ser. O pesquisador estimula os depoentes a “narrarem integralmente
sobre suas vidas, destacando fatos que marcaram sua infância, a família,
os amigos, a juventude, o trabalho, os problemas, conflitos, sonhos e
realizações” (IBIAPINA, 2008, p. 87). Serão destacados estes aspectos e
outros na caracterização das amostras desta pesquisa, com levantamentos
de dados autobiográficos acerca dos/as estudantes envolvidos, bem como sob
forma de relatos escritos ou depoimentos, na tomada de posicionamentos ou
reposicionamentos como atores sociais ativos ou passivos, que articulam
outras relações de poder mais simétricas frente aos gêneros e discursos
lidos, como se comprometem com aquilo que asseveram, que juízos de
valor emitem, que sentidos, pressuposições e metáforas fazem (ideologia),
que dominação por alianças, que incorporações de grupos subordinados
e geração de consentimentos, que orientações econômicas, políticas,
culturais e ideológicas adotam, acerca dos temas propostos nos gêneros
debatidos e estudados em sala de aula.
A Observação seletiva como dispositivo em movimento com roteiro
estruturado, traduz-se em geral em relatos e será aqui utilizada nos relatos
cursivos sobre a vida cotidiana dos estudantes do 9º Ano, por um semestre
letivo, para captar os eventos de letramentos não escolares, em função
das categorias elaboradas a partir do próprio material dos relatos cursivos
(o que leem, sobre o que leem, quando e com que materiais impressos ou
verbo-áudio-visuais leem, onde leem, quem os influenciam, que gêneros
acessam). A Observação estruturada seletiva emprega um cheque-list e o/a
observador/a “sabe perfeitamente o que observar no grupo, os aspectos
mais significativos para os objetivos de seu trabalho de pesquisa e, desse
modo, traça um planejamento para coleta e registro das observações que
irá analisa-las” (Viana, 2003, p. 21), podendo utilizar-se de teorias ou de
análise de conteúdos de acordo com Bardin (2009), em função das categorias
elaboradas a partir dos próprios relatos cursivos.

PROJETO DE PESQUISA EM LINGUÍSTICA APLICADA: 353


UM GÊNERO ACADÊMICO EM CONSTRUÇÃO
Ao realizar a investigação científica através dos métodos qualitativos
à luz da dialogia bakhtiniana e da análise de discurso crítica, não se investiga
em razão de resultados, mas para construir e obter “a compreensão do
comportamento a partir da perspectiva dos sujeitos da investigação”,
correlacionando-os com o contexto de que fazem parte. (BODGAN;
BIKLEN, 1994, p. 16). No Projeto, a Entrevista será aplicada aos docentes
do 9º Ano do Ensino Fundamental de uma Escola da Rede Seduc – PI para
se saber detalhes sobre suas práticas com os gêneros textuais/discursivos e
que tipos de letramentos promovem com os/as estudanates/as, além de se
perguntar sobre a usabilidade da BNCC 2017, do livro didático, da proposta
pedagógica e como estruturam o plano anual de trabalho e o plano de
aulas, que orientações seguem. Ludke e André (1986, p. 34), colocam que
a vantagem da Entrevista sobre outros dispositivos é que “ela nos permite a
captação imediata e coerente da informação desejada, praticamente com
qualquer tipo de informante e sobre os mais variados tópicos”.
Para esse modelo de dispositivo, as questões formuladas previamente
para a realização de pesquisa não são estruturadas, mas se orientam para a
compreensão dos fenômenos em sua máxima complexidade. Nesse sentido,
acredita-se que esse dispositivo proporciona uma consistente contribuição
científica da investigação desejada, com fidedignidade e validade, e
também, para o/a entrevistador/a que a considera conhecedor/a do
mecanismo e do procedimento, no seu proceso de desenvolvimento, em
campo. A Entrevista torna-se uma estratégia mais adequada para “construir”
dados descritivos na linguagem do prório sujeito no ato da mesma. Todo
o contexto do processo é fundamental quando se deseja mapear crenças,
valores e universos sociais específicos, mais ou menos bem delimitados, em
que os conflitos e contradições não estejam claramente explicitados.
A Entrevista, na pesquisa qualitativa, é marcada pela dimensão dos
contextos interpretativos em que o sujeito está inserido. Não se reduz a uma
troca de perguntas e de respostas previamente preparadas, mas é concebida
como uma produção de linguagem, portanto, dialógica. Os sentidos são
criados na interlocução e dependem da situação vivenciada das práticas de
leitura/escrita e dos letramentos, dos horizontes espaciais ocupados pelo/a
pesquisador/a e pelos/as entrevistados/as. As enunciações acontecidas
dependem da situação concreta em que elas se realizam, da relação que
se estabelece entre os/as interlocutores/as, ou seja, depende de com quem
se fala. Na Entrevista é o sujeito que se expressa, mas sua voz carrega o tom

354  Osalda Maria Pessoa


de outras vozes, refletindo a realidade de seu grupo, gênero, etnia, classe,
momento histórico e cultural.
O Projeto em Lingüística Aplicada também se apoiará em um Roteiro e
Sínteses para análise das fontes documentais primárias, exploradas pela primeira
vez, através das análises da BNCC, do livro didático, da proposta pedagógica
e do plano de curso de Língua Portuguesa do 9º Ano, análises essas de base
meramente qualitativa, interpretativa e intersubjetiva. Marconi e Lakatos
(2012 p. 176) colocam que “talvez o excesso seja de documentação. Para
que o/a investigador/a não se perca na ‘floresta’ das coisas escritas,
deve iniciar seus estudos com a definição clara dos objetivos para poder
julgar que tipo de documentação e informações serão adequadas às suas
finalidades”. Ainda será feito o aprofundamento de bibliografias em livros,
revistas, jornais artigos, sites para ampliar e dar novo enfoque ao tema. De
acordo com Eco (2000 p. 42) “organizar uma bibliografia significa buscar
aquilo cuja existência ainda ignora”.
Resumos e mapas conceituais serão os dispositvos utilizados como
aprofundamento bibliográfico ou das teorias críticas de Linguagem. No aspecto
qualitativo o valor das teorias “é mediano, detectam-se conceitos-chave
e melhora-se a clareza das interpretações” (SAMPIERI, 2013, p. 381-
382), porém convém destacar que nos aspectos quantitativos a revisão
da literatura “fornece uma direção racional para o estudo no sentido de
confirmar ou não as previsões prévias emanadas das teorias” (SAMPIERI,
2013, p. 381-382).
Nesta direção, as análises e sínteses dos índices das avaliações de
Rede (Saepi), dos diagnósticos antes e pós Oficinas de Textos que serão
aplicadas através de um Projeto Didático, análises de 04 (quatro) avaliações
das aprendizagens durante um semestre, incluindo como parâmetros os
Níveis I, II, III e IV de letramentos, com a intenção de aferir sobre os campos,
competências e habilidades de leitura/escrita/oralidade/análise semiótica
dos/as estudantes do 9º Ano, tendo em vista os aspectos contidos nos
eventos sociais (textos), nas práticas sociais/discursivas e nas estruturas
sociais, possuem cunho quali-quantitativo.

Conclusões dos estudos

A partir desse trabalho bibliográfico de análise e síntese, inferências


e metainferências, constatou-se que a pesquisa em Linguagem e Ensino,

PROJETO DE PESQUISA EM LINGUÍSTICA APLICADA: 355


UM GÊNERO ACADÊMICO EM CONSTRUÇÃO
através das abordagens qualitativas desenvolveram-se conforme novas
fundamentações teórico-epistemológicas a partir das década de 1980
– 1990. Contudo, torna-se pertinente pontuar que o fio condutor desse
Projeto na área de Lingüística Aplicada não exclui outras perspectivas a
serem problematizadas em trabalhos científicos.
Além da trajetória de consolidação da pesquisa qualitativa em
Linguagem e Ensino, conclui-se que o foco deste tipo de pesquisa é a análise
interpretativa e não a quantificação dos resultados, portanto destaca-se
o processo e não os resultados em si e per si. Busca-se uma compreensão
contextualizada no sentido de que as atitudes e as situações dêem lugar
às representações das experiências com a BNCC 2017 e com os gêneros
textuais/discursivos na promoção dos letramentos críticos dos/as
estudantes do 9º Ano em uma Escola da rede Seduc – PI.
Ao enfocar a fundamentação metodológica (abordagens sócio-
semióticas e sócio-discursivas dos estudos de Linguagem, pesquisa-
ação-intervenção, etnografía crítica, métodos descritivos, correlacionais
não causais e comparativos) e os dispositvos analíticos em movimentos
(narrativas autobiográficas e relatos das histórias de vida; sínteses e mapas
conceituais das análises documentais; observação seletiva estruturada e
relatos cursivos, além da Entrevista contextualizada), neste artigo discorreu-
se sobre a consolidação da pesquisa qualitativa nos estudos da Linguagem,
descreveu-se os métodos qualitativos em um Projeto de Pesquisa na área
de Línguística Aaplicada, um gênero acadêmico em construção e, por fim
analisou-se seus dispositivos como mecanismos pertinentes para se dar lugar
à palavra do outro, a fim de se construir um Projeto de Pesquisa na linha
da Didática da Língua. Do ponto de vista metodológico, a melhor maneira
para captar a realidade é aquela que possibilita ao pesquisador/a “colocar-
se no papel do outro”, vendo o mundo pela visão dos/as pesquisados/as.

Bibliografia de referência

ANDRÉ, M. E. D. A; LUDKE, M. A pesquisa em Educação: abordagens


qualitativas. São paulo: EPU, 1984.

ANDRÉ, M. E. D. A. Pesquisa em Educação: buscando rigoe e qualidade.


Cadernos de Pesquisa, FCC n. 113, p. 51 -64, 1984.

356  Osalda Maria Pessoa


BAKHTIN, M; VOLOCHINOV. Marxismo e filosofia da linguagem:
problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem.
Tradução: M. Lahud, Y. F. Vieira, São Paulo: Hucitec, 2006.

BARDIN, L. Análise de conteúdo. 4ª ed, Lisboa, Portugal: Edições, 2009.

BATISTA Jr, J. R. L; SATO, D. T. B; MELO, I. F. Análise de discurso crítica


para linguistas e não linguistas. São Paulo Brasil: Parábola, 2018.

BODGAN, R. C; BIKLE, S. K. Investigação qualitativa em educação: uma


introdução á teoria e aos métodos. Portugal: Porto Editora, 1994.

BRASIL, Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília –


DF, 2017.

CHOULIARAK, J; FAIRCLOUGH, N. Discourse in late modernity.


Rethinking critical discourse analysis. Edimburgo: Edinburgh University
Press, 1999.

ECO, H. Como se faz uma tese. São Paulo Brasil: Editora Perspectiva,
2000.

ELLIOTTI, J. El cambio educativo desde la investigación-acción. Madrid:


Morata, 1993.

FAIRCLOUGH, N. Critical and descriptive goals in discourse analysis.


Journal of Pragmatics, 1985.

______ Discurso e mudança social. Tradução I. Magalhães. Brasília DF:


Editora da Universidade de Brasília, 2001.

FILHO, O. K. Pesquisa e análise estatística. Rio de Janeiro, Brasil:


Companhia Editora Forense pp. 36-47, 2010.

FUNIBER. Metodologia da Investigação Científica. Barcelona: Editora


Funiber, 2016.

PROJETO DE PESQUISA EM LINGUÍSTICA APLICADA: 357


UM GÊNERO ACADÊMICO EM CONSTRUÇÃO
GERALDI, C. M. G.; FIORENTINI, D; PEREIRA, E. M. de A. Cartografias
do trabalho docente: professor(a) – pesquisador (a). Campinas, São
Paulo: Mercado de Letras, 1998.

GONÇALVES O. A incorporação de práticas curriculares na escola,


Cadernos de Pesquisa, FCC n. 19 p. 55 – 62, 1984.

IBIAPINA I. M. L. de M. Pesquisa colaborativa: investigação, formação e


produção de conhecimentos. Brasília – DF: Liber Libro Editora Ltda, 2008.

MARCONI, M de A; LAKATOS, E. M. Fundamentos da metodologia


científica. São Paulo: Atlas, 2012.

MOROZ, M.; GIALFALDONI, M. H. T. A. O processo de pesquisa:


iniciação. Brasília – DF: Plano Editora 2002.

RODRIGUES, R. H. Os gêneros do discurso na perspectiva dialógica


da linguagem. MEURER, J, L; BONIN, M. R (Orgs.) In: Gêneros, teorias,
métodos, debates. São Paulo: Párabola, 2005.

SAMPIERI, R. H.; COLLADO, C. F.; LÚCIO, M. del P. (2013). Metodologia


da pesquisa. Porto Alegre Brasil: Penso 2013.
THOMAS, J. Doing critical ethnography. London: Sage publications, 1993.

WIELEWOCKI. A. Pesquisa etnográfica como construção discursiva. Acta


Scientiarun. Maringá. Disponível em: https://bit.ly/2r5hkr7. Acesso em:
02/12/2019.

VIANA, H. M. Pesquisa em educação: A observação. Brasília DF: Plano


Editora, 2003.

358  Osalda Maria Pessoa


OS ENFOQUES SOBRE A
JUDICIALIZAÇÃO NA PESQUISA EM
EDUCAÇÃO NO BRASIL (2000-2010)

Diego Bruno de Souza Pires


Antonia Almeida Silva

Introdução

O
presente texto põe em relevo aos direcionamentos
metodológicos adotados em pesquisa situada como
estudo de revisão e que teve como tema o fenômeno da
judicialização. O objetivo foi articular o delineamento dos estudos de
revisão, os procedimentos adotados e os resultados alcançados quanto às
concepções de judicialização, tomando como corpus teses e dissertações
defendidas em Programas de Pós-graduação em Educação, no período
2000-2010.
Na situação em tela realizou-se uma revisão do tipo estado da arte
sobre o tema da judicialização, dentro da área específica da educação. Trata-
se de um estudo de natureza qualitativa, baseado em categorias temáticas,
e que procurou explorar o repertório das produções selecionadas, suas
características argumentativas, opções teórico-metodológicas e o contexto
que as circunstanciou.
A escolha do tema da judicialização decorreu da busca de
entendimento sobre a sua centralidade no processo de reivindicação

OS ENFOQUES SOBRE A JUDICIALIZAÇÃO NA PESQUISA 359


EM EDUCAÇÃO NO BRASIL (2000-2010)
do direito à educação, partindo do movimento de aproximação sobre a
produção existente. Dada a complexidade e a amplitude de interpretações
e terminologias que encerram o termo judicialização, nos inclinamos no
sentido de compreendê-lo como a atuação do Poder Judiciário no exame
de demandas educacionais, tomando como referência a noção trazida por
Asensi (2010). Para ele a judicialização é a intervenção do Poder Judiciário,
por meio de seus órgãos, na resolução de litígio(s).

As especificidades dos Estudos de Revisão e as ilhas de conhecimento


sobre a Judicialização

Os estudos de revisão vêm sendo percebidos como importantes


para a avaliação da evolução de uma área de conhecimento ou mesmo
de uma temática, haja vista o seu potencial para apontar as tendências de
investigações e possíveis “ilhas” de disseminação de um tema (VOSGERAU;
ROMANOWSKI, 2014). São estudos que tomam como objeto a literatura
disponível ou produção acadêmica de uma temática específica, dentro
de um um campo de conhecimento, com recorte temporal e espacial
previamente estabelecidos. Cabe notar, que a revisão de literatura é prática
corrente e necessária em todo exercício de pesquisa, pois a confirmação de
que a produção pleiteada trará contribuição nova, passa por movimentos
de diálogo com o conhecimento já produzido. Isto não quer dizer concordar
com as premissas das pesquisas já difundidas, mas ter e dar ciência do
cabedal cultural já disponível é se posicionar-se diante dele. Para isto, os
estudos de revisão não só se aplicam a trabalhos que se estruturam em
função dessa tipologia e das possibilidades que ela encerra, mas também
podem ser adequados para exercícios preliminares de delineamento de uma
problemática de estudo, indicando tendências dos trabalhos já realizados
e as lacunas percebidas.
Para a área de educação as primeiras sinalizações da importancia
desse tipo de estudo foram formuladas na década de 1980, no contexto
dos debates sobre a pesquisa. Ludke (1988) chega a registrar a inexistência
de estudos dessa natureza em Didática, mas vai além disso em suas
recomendações. Diz ela, a certa altura:

Não dispomos a respeito de resenhas gerais, do tipo que estuda o


“estado da arte”, tal como está começando a acontecer com outros
temas, por exemplo: como o trabalho coordenado por Zaia Brandão

360  Diego Bruno de Souza Pires • Antonia Almeida Silva


(...). Seria altamente recomendável o desenvolvimento de tais
estudos em todas as áreas de pesquisa educacional. (LUDKE, 1988,
p. 73, grifos nossos)

Mais recentemente, observamos que têm aumentado os estudos que


se declaram como do tipo estado da arte, que compõe o rol de estudos de
revisão. Não obstante, a própria literatura sobre os estudos dessa natureza
ainda é escassa, especialmente na área de educação. Dentre os nomes que
têm se apresentado mais diretamente relacionados encontram-se Ramos,
Faria e Faria (2014), Vosgerau e Romanowski (2014), Nóbrega-Therrien e
Therrien (2004), Ferreira (2002).
Quanto à classificação geral Vosgerau e Romanowski (2014)
informam que os estudos de revisão abrangem dois grupos: a) os que
mapeiam e b) os que avaliam e sintetizam. Os mapeamentos podem
envolver graus de complexidade distintas, como a simples identificação
de fontes (levantamentos bibliográficos), até os estudos bibliométricos,
que são amparados em métodos estatísticos e requisitam procedimentos
mais sofisticados para a organização de bancos de dados, assim como os
estados da arte, também denominados de estado de conhecimento.
Já as revisões que avaliam e sintetizam procuram ir além da
identificação de fontes e buscam contextualizar a produções e extrair análises
mobilizando elementos mais complexos. Para Vosgerau e Romanowski
(2014) as revisões que avaliam e sintetizam

se distinguem das revisões que mapeiam na formulação da questão de


investigação, no estabelecimento de estratégias de diagnóstico crítico
e na exigência na transparência para estabelecimento de critérios
para inclusão e exclusão dos estudos, necessariamente primários,
ou seja, coletados pelo próprio pesquisador, tais como surveys,
entrevistas, observações, relatos, etc. (VOSGERAU; ROMANOWSKI,
2014, p. 175).

Não obstante esta diferenciação, nota-se que as fronteiras entre os


estudos que mapeiam e os analisam e sintetizam não são fechadas, pois
há espaços de interseções e e de transbordamento dos limites, como no
caso dos estados de conhecimento, que embora partam do mapeamento,
não se restringe à composição de mero quadro descritivo, mas também
alcança o desenvolvimento de análises sobre os efoques epistemológicos
e as tendências dos estudos no foco temático estabelecido. “Um estado

OS ENFOQUES SOBRE A JUDICIALIZAÇÃO NA PESQUISA 361


EM EDUCAÇÃO NO BRASIL (2000-2010)
de conhecimento não se restringe a identificar a produção, mas analisá-la,
categorizá-la e revelar os multiplos enfoques e perspectivas” (VOSGERAU;
ROMANOWSKI, 2014, p. 172). Como se vê, a própria definição das
autoras indica uma certa flexibilidade nessa classificação ao anunciar que
“não se restringe” a algo. Certamente, que a não restrição tem a ver com
as decisões tomadas pelo pesquisador sobre a composição do corpus da
pesquisa e os usos que fará dele. Assim, é preciso distinguir o momento
de identificação dos trabalhos, o que pode ser feito apenas com base nos
resumos, do momento de produção de análises que ajudam na elucidação
de tendências epistemológicas e as contribuições para o campo de
pesquisa, por exemplo. Neste caso, estamos tratando do que Mainardes e
Tello (2016) chamaram de níveis da abordagem ou de abstração. Segundo
eles, “diferentes níveis de abstração podem ser identificados, os quais
podem variar de estudos predominantemente descritivos a estudos com
maior nível de complexidade e teorização (compreensão).” (MAINARDES;
TELLO, 2016, p. 6, grifos nossos).
Por esta tipificação dos níveis de abstração, entre os estudos de maior
nível de complexidade encontram-se aqueles que se propõem a desenvolver
análises das produções.

Nos estudos predominantemente analíticos, os dados ou ideias são


trabalhados, categorizados, comparados. Uma das características
importantes dos estudos analíticos é mais integração entre teoria e
dados. As teorias não são meramente aplicadas, pois o esforço de
análise resulta na geração de conceitos, de categorias, de tipologias,
de generalizações empíricas. Em virtude do uso mais sistemático de
um referencial teórico e de um processo de análise mais abrangente e
sistemático, as descobertas e conclusões da pesquisa tornam-se mais
universais, com maior nível de generalidade, podendo ser estendidas
ou aplicadas a outros contextos. (MAINARDES; TELLO, 2016, p. 7,
grifos nossos).

Considerando a caracterização pertinente ao estado da arte como


parte dos estudos de revisão, a pesquisa sobre a produção acadêmica
relativa ao tema da judicialização articulou o mapeamento bibliográfico
com a respectiva análise epistemológica, estabelecendo como corpus teses
e dissertações defendidas em Programas de Pós-graduação em Educação,
no período 2000-2010. Isto permitiu não só a composição de um banco de
dados com as características gerais deste material, estratificado por título,
ano de defesa, autor, instituição de ensino, palavras chaves e resumo,

362  Diego Bruno de Souza Pires • Antonia Almeida Silva


como também a análise integral de todos os trabalhos catalogados. A
seguir, será caracterizado o processo de constituição do banco de dados,
desde a identificação dos trabalhos e algumas das sínteses produzidas
em face dos resultados alcançados. Nesta narrativa, mais que divulgar os
resultados, busca-se partilhar os movimentos de marés (altas e baixas) que
estão implicados na pesquisa e muitas vezes são invisíveis ao leitor ou aos
pesquisadores iniciantes.
O percurso da pesquisa desperta um misto de sentimentos que
envolve o medo de não dar conta, o esforço de traçar um caminho próprio
e a expectativa de desenvolver uma pesquisa que, simultaneamente, traga
contribuições aos conhecimentos da área e tenha relevância social. No caso
da revisão que nos propusemos a fazer, associado ao desafio de delinear
epistemologicamente o tema da judicialização, inicialmente, decidiu-se pelo
portal da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior
(CAPES) como base de referência para a coleta dos dados, considerando
não só o seu caráter de repositório oficial, mas a abrangência. Esta intenção
inicial logo precisou ser reavaliada, pois a necessidade de confrontar o
número de trabalhos identificados e a constatação de que esse portal estava
passando por um período de adequações que implicavam em instabilidade
no acesso, conduziu-nos à inclusão da Biblioteca Digital Brasileira de
Teses e Dissertações (BDTD) como outra base. O volume de produção no
contexto atual é algo a ser considerado e por isto alguns estudos de revisão
tem lançado mão de softwares não só para coletar dados, mas para analisá-
los. Não foi o nosso caso, pois toda coleta se seu por meio do acesso direto
dos pesquisadores às bases de dados.
O levantamento inicial demandou um mês de trabalho intensivo,
mas exigiu o acompanhamento continuado das buscas ao longo de um
ano, para verificação de possíveis intercorrências como a inclusão tardia
de produções nos repositórios. Foi necessário, também, recorrer às fontes
originárias, isto é, sites dos próprios programas de pós-graduações, pois
parte das dissertações e teses não estavam disponíveis nos portais da
CAPES ou da BDTD.
As produções foram selecionadas tomando como critérios a
vinculação com programas de pós-graduação em educação e a presença
de, ao menos, um dos descritores a seguir, seja no título, no resumo ou
nas palavras-chave: Judicialização, Juridicização, Justiciabilidade, Poder
Judiciário, em combinações diferentes com o descritor Educação. Foram

OS ENFOQUES SOBRE A JUDICIALIZAÇÃO NA PESQUISA 363


EM EDUCAÇÃO NO BRASIL (2000-2010)
excluídas àquelas produções que eram de outros Programas de Pós-
graduação e que não faziam menção aos descritores. O delineamento
desses descritores não ocorreu a priori, mas foi sendo definido à medida
que íamos sentindo a necessidade de direcionar as buscas, as quais
ocorreram em sete etapas subsequentes de trabalho, pois descobriu-
se no percurso que as plataformas não respondiam fielmente ao que se
procurava. Deste modo, verificou-se que, embora essas bases de dados
desempenhem importante papel na divulgação de teses e dissertações, a
depender da ordenação e qualificação dos descritores, bem como do grau
de refinamento, os resultados podem ser capturados em desconformidade,
expressando produções díspares da temática.
As sete etapas de coleta de dados, nesse sentido, envolveram a avaliação
da forma de acesso aos bancos de dados e o refinamento das estratégias
de coleta. Assim, saiu-se de uma etapa exploratória com levantamentos,
exclusivamente, no Portal da CAPES, com o termo “judicialização”, que
resultou na identificação de 873 (oitocentos e setenta e três) produções, e,
gradativamente, introduziu-se mecanismos de identificação mais precisos.
Nesse percurso foram combinados descritores e ampliado o rol inicial. Na
segunda etapa, foram combinados apenas os descritores “Judicialização
e Educação”, o que restringiu o total de produções a apenas 15 (quinze)
trabalhos, os quais, em sua grande maioria, não se sujeitavam aos
critérios estabelecidos para a catalogação quanto ao período e a área de
conhecimento. À medida que o repertório de leitura foi sendo ampliado,
também se percebeu que a proximidade entre as áreas de direito e educação
acarretava às produções imbricamentos com os termos juridicização,
justiciabilidade e poder pudiciário. As idas e vindas geradas nessas três
etapas foram essenciais para a assunção dos descritores judicialização,
juridicização, justiciabilidade e poder judiciário, correlacionados com
educação, marcando a consolidação da quarta etapa da pesquisa. Não
obstante, isto não livrou o percurso do enfrentamento de outros desafios,
pois quando tudo parecia aprumado, o desarranjo no processamento das
buscas no site da CAPES se impôs, o que resultou na captação de trabalhos
somente para o descritor “Educação” e, respectiva supressão dos demais
descritores, resultando na listagem de trabalhos genéricos da área de
educação e que totalizaram 6.945 produções. Surgiu daí a necessidade de
incluir o portal da BDTD como opção de bancos de dados. A partir dessa
decisão passou-se à sétima e última etapa com a triagem dos resultados e a

364  Diego Bruno de Souza Pires • Antonia Almeida Silva


classificação final das produções que atendiam aos critérios estabelecidos:
a) vinculação com programas de pós-graduação em educação; b) período
de produção entre 2000 e 2010; c) presença de, ao menos, um dos
descritores: Judicialização, Juridicização, Justiciabilidade, Poder Judiciário,
em combinações com o descritor Educação; d) disponibilidade em um
dos bancos de dados selecionados: CAPES e BDTD. Assim, chegou-se à
classificação final de cinco produções que atendiam aos critérios, das três
teses de doutorado e duas dissertações de mestrado, conforme consta no
Quadro 01.

Quadro 1- Teses e dissertações sobre judicialização da educação - 2000-2010

AUTOR E ORIENTADOR ANO IES TÍTULO CURSO


Karina Melissa Cabral/ A justiciabilidade do direito
Dr. Cristiano Amaral 2008 UNESP à qualidade do ensino
Garboggini Di Giorgi fundamental no Brasil. Me
O direito à educação: a
atuação das promotorias de
Denise Gisele de Britto
justiça e de defesa da educação
Damasco/ Dr. Erasto 2008 Unb Me
do Ministério Público do
Fortes Mendonça
Distrito Federal e Territórios
entre 2001 e 2007
Direito à educação e
Simone de Fátima Flach/ ampliação da escolaridade
2010 UFSCar
Drª Marisa Bittar obrigatória em Ponta Grossa
(2001-2008). Dr
O direito à educação de
Adriana Aparecida
crianças e adolescentes: análise
Dragone Silveira/ Dr.
2010 USP da atuação do Tribunal de
Romualdo Portela de
Justiça de São Paulo (1991-
Oliveira Dr
2008)
Silvio Lobo Filho/ Dr. A Judicialização como
Antônio Carlos do 2010 UFMS instrumento de efetividade do
Nascimento Osório1 Direito à Educação Dr
Fonte: Resultados da pesquisa, com base nos dados disponibilizados pelo banco de Teses
da CAPES e BDTD.

1 A tese de doutorado de Silvio Lobo Filho, da Universidade Federal de Mato Grosso


do Sul (UFMS), cujo título é ‘A judicialização como instrumento de efetividade do
direito à Educação’ não se encontra acessível nem mesmo no site da instituição
onde ocorreu a produção, impossibilitando o acesso.

OS ENFOQUES SOBRE A JUDICIALIZAÇÃO NA PESQUISA 365


EM EDUCAÇÃO NO BRASIL (2000-2010)
Ao contrário do que se imaginou no início da pesquisa, a quantidade
de teses e dissertações, no enfoque da judicialização, produzida em
programas de pós-graduação em educação ainda é pequena, constituindo-
se em verdadeiras ilhas de conhecimento sobre o tema, notadamente
quanto aos descritores adotados, o que também se manifesta em relação
ao número de pesquisadores envolvidos2.
Consoante a catalogação das produções, percebeu-se que as
abordagens de algumas temáticas traduzem movimentos contraditórios
de aproximações e distanciamentos entre os autores. De forma geral, as
produções têm uma predileção pela análise de documentos como recurso
metodológico. Sendo assim, a leitura e classificação dos documentos se
apresentam como essenciais na elaboração das categorias e classificações
dos estudos sobre a judicialização mapeados.
Esta pequena ilha de produções para ser localizada mobilizou muito
esforço e mostrou que a pesquisa, longe de ser uma linha reta, envolve curvas
e desafios que agregam sustentação e validação às decisões tomadas. Neste
sentido, a transposição das dificuldades, combinadas com a auto exigência e
o compromisso com a problematização dos achados, embora atravessados
por sentimentos cheios de dubiedade, trazem consigo recompensas como
o desenvolvimento da sensibilidade para selecionar as informações e
maturidade para analisa-las. Assim, assumido como desafio essencial da
pesquisa o alcance de maior nível de complexidade e teorização, conforme
indicados por Mainardes e Tello (2016), as incursões a seguir exploram os
posicionamentos epistemológicos presentes nas produções, procurando
explorar relações entre as abordagens dos conceitos de justiciabilidade,
judicialização ou juridicização.

Posicionamentos epistemológicos: as abordagens sobre justiciabilidade,


judicialização e juridicização

A pesquisa revelou grande diversidade de enfoques epistemológicos


nas análises sobre o fenômeno da “judicialização”, considerando que

2 Percebeu-se que a dissertação de mestrado intitulada Direito à educação e o


ministério público: uma análise da atuação de duas promotorias de justiça da
infância e juventude do interior paulista, de autoria de Adriana Aparecida Dragone
Silveira, sob a orientação da Drª Rosangela G. Prieto, apresentada na USP em
2006, tinha interface com o tema, mas não atendia aos critérios de seleção dos
trabalhos quanto aos descritores. Elemento que se verificou também em relação a
outras produções.

366  Diego Bruno de Souza Pires • Antonia Almeida Silva


a doutrina tem se dividido com diferentes terminologias para descrever
ora mesmo fenômeno ou seu desencadeamento; ora para descrever
outro movimento. Para alguns estudiosos justiciabilidade, juridicização e
judicialização são expressões semelhantes, sendo compreendida como uma
forma específica de exigibilidade em juízo, possibilitando que os litígios
de direitos fundamentais lesionados sejam conhecidos pelos tribunais
(FERRAREZI, 2013).
Cabral (2008), na pesquisa desenvolvida na Universidade Estadual
Paulista (UNESP- Presidente Prudente) não faz referência à terminologia
“judicialização” ao longo da dissertação de mestrado, apresentando tão
somente o termo “justiciabilidade”, para quem é a possibilidade de efetiva
aplicação por meio de mecanismos jurídicos de exigibilidade de direitos
sociais, buscando uma conscientização social da população, inspirado na
percepção de valores fundamentais do direito à educação. Ainda anota
o mesmo trabalho que a justiciabilidade complementa a democracia,
posto que todas as vezes que os Poderes Executivo e Legislativo deixam de
cumprir uma função que lhe é definida pela Constituição Federal (CF), o
Poder Judiciário cumprirá, fazendo com que a justiça impere. Sendo assim,
mesmo a autora não fazendo menção a judicialização, utiliza o termo
“justiciabilidade” para descrever o mesmo fenômeno.
Na dissertação de Denise Gisele Damasco (2008), intitulada “O
direito à educação: a atuação das promotorias de justiça e de defesa da
educação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios entre
2001 e 2007”, pela Universidade de Brasília, compreendeu-se o Ministério
Público como um dos atores de propulsão da judicialização dos conflitos,
sobretudo quando não surte efeito as suas recomendações e termo de
ajustamento de conduta, este último, instrumento de força, constrangedor
por ser uma ordem e, sobremaneira, tensionador de um discurso mais duro
e comprometedor do restabelecimento da norma.
Na tese de Flach (2010) não há um desenvolvimento das terminologias
justiciabilidade, judicialização ou juridicização. Entretanto, o autor tem designado
o fenômeno da judicialização como “intervenção do Poder Judiciário e
de outros órgãos”, como atores do diálogo judicial, aproximando-se do
conceito de juridicização. Segundo Flach (2010) o Ministério Público é um
dos atores do debate na exigibilidade do direito à educação, levando ao
Poder Judiciário demandas para concretização dos direitos constitucionais
sociais.

OS ENFOQUES SOBRE A JUDICIALIZAÇÃO NA PESQUISA 367


EM EDUCAÇÃO NO BRASIL (2000-2010)
Na linha de Silveira (2010), a justiciabilidade é compreendida como
sinônimo de judicialização, haja vista que se mostra como a possibilidade
de reclamar perante o juiz ou tribunal de justiça os descumprimentos
dos direitos sociais. Ora, o Judiciário deve-se converter no sentido de se
posicionar como órgão afirmativo dos direitos sociais, não se posicionando
como invasor de competência, mas, sobretudo, como controlador da ação
da administração pública, quando esta deixa de cumprir sua função, pois
se o Estado não cumpre a lei, haverá suporte constitucional para que o
cidadão exerça o seu direito através do Poder Judiciário. Para Silveira (2010),
o Poder Judiciário é um órgão-instrumento de construção da democracia,
fazendo parte do sistema de justiça, como também pode ser percebido o
Ministério Público, a Defensoria Pública e outros atores capazes de tratar a
matéria sob a perspectiva judicial.
Evidenciou-se preferências teóricas no diálogo das produções sobre
judicialização da educação. Dois autores são bem discutidos nas produções:
Norberto Bobbio e Cury. Constatou-se, deste modo, que mesmo surgindo
novas tendências da judicialização, o aporte teórico tem se repetido. As
teorias de Norberto Bobbio que define o direito como fruto das evoluções
e conquistas sociais são reiteradas nos trabalhos levantados. Todos
os trabalhos trazem como aporte teórico o livro ‘A Era dos direitos’, de
Bobbio, como um dos fundamentos para a sustentação da judicialização,
mencionando as gerações do direito como um progresso conquistado pelos
homens.
Os pesquisadores catalogados não defendem a educação como um
direito jusnaturalista, um direito de ordem natural, mas como um instrumento
de ordem sócio-cultural, construído historicamente das manifestações e
lutas sociais (BOBBIO, 1992), sem jamais ter possibilidades de retrocessos.
Cury (2002) tem dialogado com as interpretações de Bobbio (1992)
e entendido que a judicialização é um instrumento que garante a cidadania.
Por isso, a judicialização não somente garante o acesso ao ensino, mas
garante à educação. Ora, o direito à educação não se concretiza com a
simples oferta de uma vaga ao educando, mas abrange a permanência
dele na escola e o seu desenvolvimento em múltiplas dimensões, como a
intelectual, ética e emocional.
Na dissertação de Cabral (2008), a Educação encontra-se conceituada
como um direito público subjetivo, pois deve criar situações necessárias
para que o Poder Público seja compelido a cumprir o regime jurídico

368  Diego Bruno de Souza Pires • Antonia Almeida Silva


constitucional de fornecimento de uma educação de qualidade para todos,
transformando a norma geral e abstrata em algo concreto, imanente ao
homem por ser uma norma uma exigência dos direitos humanos.
Da mesma sorte encontrou-se a conceituação do direito à educação
como Público Subjetivo na tese de Flach (2010), para quem a educação é
expressão de cidadania, haja vista que está circunscrito na esfera do direito
público, e por isso, tem que prevalecer em relação aos interesses privados.
Sendo assim, o interesse público quando se trata de educação sempre deverá
ser superior ao interesse particular, pois a efetividade desse direito atingirá
toda a sociedade e não apenas os indivíduos nas suas individualidades.
Em linhas gerais à figura jurídica do direito público subjetivo é aquele
pelo qual o titular de um direito pode exigir direta e imediatamente do
Estado o cumprimento de um dever e de uma obrigação, tendo como
titular qualquer pessoa, de qualquer idade, que não tenha tido acesso à
escolaridade obrigatória na idade apropriada ou não.
Todos os pesquisadores avaliados fundamentam a judicialização da
educação sob o prisma do direito público subjetivo como uma conquista
do Estado Democrático de Direito, compreendendo que não há somente
sujeitos de direitos, mas, sobretudo, sujeitos coletivos de direito, movimento
proveniente de uma ação coletiva de novos sujeitos sociais que lutam pela
efetividade dos direitos constitucionais.
Também foi identificada a representatividade do direito à educação
como figura jurídica de direito fundamental, sobretudo nas dissertações de
Cabral (2008) e Damasco (2010) e na tese de Silveira (2010), configurando-
se como um direito de todos e um dever do Estado.
Segundo Damasco (2010, p. 23), “o direito humano à educação nos
traz a convicção de que a educação é antes de tudo um direito fundamental
dos homens e das mulheres”, fazendo parte de um agrupamento de
direitos que conferem a dignidade da pessoa humana, por reconhecer a
necessidade de uma vida digna, estabelecendo acesso a condições sociais,
culturais, econômicas, ambientais e políticas que possam preservar, de
forma concreta, a vida humana em sociedade.
Entretanto, quanto à tese de Flach (2010), percebeu-se que embora
a autora cite uma literatura que entende a educação como um direito
fundamental, não desenvolve a figura jurídica como foco do seu trabalho,
mas não deixa de expressar a educação como um direito de cidadania.

OS ENFOQUES SOBRE A JUDICIALIZAÇÃO NA PESQUISA 369


EM EDUCAÇÃO NO BRASIL (2000-2010)
Para uma parte dos estudiosos do direito, a educação é um direito
humano porque significa reconhecimento de uma exigência e a garantia de
um acesso universal, igualitário e qualificado. O direito à educação também
é articulado como instrumento que dignifica a pessoa humana. Nesta direção
Silveira (2010) traz a lume que entre separação dos poderes e o princípio da
dignidade da pessoa humana, este último deve imperar, pois é o único capaz
de manter intacto os direitos sociais dos homens, garantindo uma solidez
do Estado Democrático de Direito. No entender dela, o reconhecimento
do direito à educação como de ordem fundamental possibilita reivindicar a
vaga em instituições de ensino, sob o foco do princípio da isonomia entre
os cidadãos, pois alguns têm o direito e outros não.
Não é diferente na dissertação de Cabral (2008), que também
menciona a educação como direito fundamental, que alicerça e fundamenta
as bases do Estado, criando um conjunto de direitos capazes de transmitir
os direitos subjetivos, exercendo-os em concreto.
Ora, a judicialização da educação tem se expressado em diferentes
temáticas, sendo discutido não só por educadores, mas, sobretudo,
pelos operadores do direito, demonstrando ser uma linha de estudo em
expansão, principalmente por haver no Brasil uma cobrança crescente de
atendimento à educação básica e fundamental, devendo ser ofertada em
condições qualificadas, haja vista ser um direito subjetivo público de ordem
fundamental.
Na literatura especializada, autores como Tate e Vallinder
(1995) estabelecem que o fenômeno da judicialização é decorrente do
fortalecimento da democracia3 e, por conseguinte, da separação dos
poderes; do reconhecimento formal de direitos; da consciência dos
meios judiciais pelos grupos de interesses e pelos partidos de oposição na
realização de seus objetivos; pela inefetividade das instituições majoritárias;
da incapacidade das instituições em dar provimento às demandas sociais,
se delegando à justiça a resolubilidade de algumas demandas políticas
(TATE; VALLINDER, 1995).

3 É notório que a judicialização torna os tribunais de justiça verdadeiros


protagonistas. Acontece que esse protagonismo não é recente, mas do século
passado, encontrando-se fundamentação nas decisões prolatadas pelo Supremo
Tribunal da Alemanha, na República de Weimar e no Supremo Tribunal de Justiça
dos Estados Unidos, nos anos de 1930, apresentando-se como instrumento que
dificultou a reforma do presidente Roosevelt, conhecida por New Deal, revelando-
se um caráter conservador (SOUZA SANTOS, 2007).

370  Diego Bruno de Souza Pires • Antonia Almeida Silva


Todavia, a literatura tem divergido um pouco sobre as terminologias.
O Ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal brasileiro,
em posicionamento acadêmico, definiu a judicialização como sendo a
resolubilidade de questões de larga repercussão política ou social pelos
órgãos do Poder Judiciário, distanciando-se das instâncias tradicionais,
as quais naturalmente deveriam ser destinadas às demandas (BARROSO,
2009). Para ele a participação de outras instituições que não o Poder
Judiciário na resolubilidade das demandas educacionais para garantir o
cumprimento da lei não é parte da judicialização.
Cury e Ferreira (2009) têm entendido a judicialização como a
intervenção do Poder Judiciário ou um protagonismo judicial, buscando a
proteção do direito, com vistas ao cumprimento das funções constitucionais,
entendendo a judicialização, por conseguinte, como um fenômeno
originado na redemocratização do país. Entretanto, têm analisado algumas
demandas processuais, propostas geralmente pelo Ministério Público ou
pela Defensoria Pública, com o objetivo de compelir o Poder Público a
adimplir com as obrigações Constitucionais de força social, como o direito
à educação.
Para Asensi (2010) há que se distinguir os termos judicialização e
juridicização. Para ele a judicialização é a intervenção do Poder Judiciário, por
meio de seus órgãos, na resolução do litígio, apresentando-se o juiz como
um protagonista direto de questões sociais, enquanto que juridicização é
o enfoque ou ponto de vista jurídico para a resolução de conflitos pelos
operadores do direito. O autor argumenta que quando estamos diante de
conflitos solucionados por atores do sistema de justiça, como promotores,
defensores públicos e outros órgãos e instituições que não têm o poder
constitucional de decidir, num momento pré-judicial, manifesta-se o
fenômeno da juridicização, e não da judicialização. Em seu entender, parte
da literatura tem utilizado o termo de forma equivocada, sem examinar
critérios utilizados pelos termos.
De outro modo, há quem se utiliza do termo justiciabilidade ora
como expressão da judicialização (LINS, 2009), ora como expressão de
juridicização (FERRAREZI, 2013). Para Lins (2009), a justiciabilidade se
apresenta como forma específica de exigibilidade em juízo, possibilitando
que os litígios de direitos fundamentais lesionados sejam conhecidos pelos
tribunais. Lins (2009) ainda sustenta a justiciabilidade como uma espécie
de que a exigibilidade é gênero.

OS ENFOQUES SOBRE A JUDICIALIZAÇÃO NA PESQUISA 371


EM EDUCAÇÃO NO BRASIL (2000-2010)
Considerações finais

De certo modo, a judicialização tem sido observada em todas as


produções como um instrumento que efetiva o direito à educação, não
havendo uma percepção negativa deste fenômeno, pois por mais que haja
algumas ponderações quanto aos seus limites, é unanime a compreensão de
que a judicialização é um fenômeno benéfico à sociedade, pois possibilita
a efetivação de direitos negados pelos governantes.
São variadas as dimensões que a judicialização tem alcançado. Na
dissertação de Cabral (2008) discute-se e se estuda as formas de efetivação
e garantia do direito à qualidade da educação, especificamente do ensino
fundamental, pelo Poder Judiciário, compreendendo a judicialização da
educação como um instrumento que assegura a implantação da cidadania,
autorizando o judiciário a examinar a qualidade através de critérios objetivos
como acesso e permanência dos alunos em sala de aulas, mas também o
exame do ensino e do aprendizado, sobretudo porque são resultados que a
sociedade julga a qualidade.
Para Cabral (2008), a capacidade de o Poder Judiciário examinar a
qualidade da educação se pauta na competência de avaliar ou revisar as
prestações dos direitos sociais patrocinados pelo Estado, sob o arguto de
que cabe ao Estado fazer as mediações entre as necessidades educacionais
e meios de atendê-las, e quando esse patrocínio não é adequado, ao Poder
Judiciário caberá examinar e obrigar a entra jurisdicional perseguida.
Damasco (2010) analisa a garantia do direito à educação através
das recomendações expedidas pelo Ministério Público, através das suas
procuradorias de justiça, buscando o melhoramento dos serviços públicos e
de relevância pública, fixando prazo razoável para a adoção das providências
necessárias e cabíveis pelo órgão competente. Esse procedimento de
judicialização é menos invasivo e impositivo que os demais, pois promove
um diálogo constante entre as entidades e os autores de promoção de
justiça, possibilitando que os direcionamentos não partam da imposição
do Poder Judiciário, por meio dos seus instrumentos jurídicos, mas que
sejam sanadas as irregularidades na prestação dos serviços pela própria
entidade executiva.
Por outro lado, através da tese de Flach (2010), estuda-se uma nova
possibilidade de judicialização da educação, agora de caráter endógeno,
que é capaz de discutir e normatizar os microssistemas até da pedagogia
implantada nas escolas. A discussão se irradiou da posição exógena, que

372  Diego Bruno de Souza Pires • Antonia Almeida Silva


discute a judicialização da educação num sentido de garantir a efetividade
da legislação educacional e de políticas públicas gestacionadas pelo
Poder Executivo, para refletir, exigir e aperfeiçoar, através do judiciário,
pedagogias administradas pelos profissionais do ensino, com força e
ênfase, sobremaneira, de avaliar até mesmo as suas práticas. Ora, sendo
assim, é inegável o posicionamento do Poder Judiciário na dinâmica de ora
“fazer” e ora “controlar” a política.
Silveira (2010) apresenta, ao longo da sua tese de doutorado,
um enfoque horizontalizado de judicialização da educação, sendo percebido
como instrumento: a) de requisição de uma vaga nas diferentes etapas
e modalidades da educação fundamental e básica; b) garantidor da
permanência do aluno na escola, afastando as regras impeditivas de
frequência, como penalidade por desrespeito as normas escolares; c)
mitigador da evasão escolar; d) assegurador do transporte escolar; e)
reparador dos danos morais e materiais aos alunos; f) concretizador de
mínimos elementos de funcionamento escolar; g) concretizador das leis do
consumidor nos relações escolares; h) controlador dos recursos públicos,
garantindo, assim, a aplicação dos recursos vinculados à educação; i)
Examinador das normas de competência das repartições de competências
e; j) inspecionador dos deveres dos pais na obrigação da matrícula e das
frequências.
As perspectivas da judicialização estudadas por esta autora têm
sempre cunhos gerais e amplos, de ordem exógena, apegadas a critérios
legais, pois limita o exame da educação quanto à política macro, na
análise de fatores de execução e elementos de garantia, segundo preceitos
definidos nos artigos 206 e 208 da CF/1988, como igualdade de condições
para o acesso e permanência na escola; liberdade de aprender, ensinar,
pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; gratuidade do ensino
público em estabelecimentos oficiais; garantia de padrão de qualidade;
atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por
meio de programas suplementares de material didático-escolar, transporte,
alimentação e assistência à saúde, nos termos de lei federal.
Ademais, cabe frisar que existe outra dimensão que está em evidência
no cenário brasileiro: a judicialização dos cargos e secretariados na área educacional.
Esse novo dimensionar de judicialização vem sendo percebida no Estado de
São Paulo. Segundo matéria veiculada por Salomão Barros Ximenes (2016),
o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, preencheu com juristas
todos os assentos das comissões encarregadas dos rumos da Educação no

OS ENFOQUES SOBRE A JUDICIALIZAÇÃO NA PESQUISA 373


EM EDUCAÇÃO NO BRASIL (2000-2010)
Estado, com o propósito, ao que tudo indica, de barrar os conflitos com
os estudantes, recompondo a interlocução do governo com a justiça e,
principalmente, quebrar as resistências ao projeto de modificação.
Esse novo modelo de judicialização tem afastado o diálogo popular
e dos movimentos sociais na construção das políticas públicas, almejando
legitimar os operadores do direito a traçarem norteamentos de acordo com
a sua compreensão legal de educação ou a sua interpretação em face dos
tensionamentos jurídicos, negando as competências da área educacional.
Ora, se assim percebido, as políticas públicas educacionais não seriam
mais construídas ou desenvolvidas pelos tensionamentos políticos, mas
pela compreensão/interpretação dos operadores do direito, dentro de uma
perspectiva bem fechada e metódica.
A identificação dessas tendências na abordagem do tema revela
que o mapeamento da produção não seria suficiente para apreender as
interpretações que estão em disputa em torno do tema. Portanto, a
identificação e reflexão sobre os direcionamentos epistemológicos foi
que trouxe à luz os elementos que permitiram avançar na análise sobre os
vises políticos que atravessam o tema. O pesquisador, portanto, ao fazer
escolhas também se posiciona e tende a fazer eco às abordagens.

Referências

ASENSI, Felipe Dultra. Judicialização ou jurisdicização? As instituições


jurídicas e suas estratégias na saúde. Physis Revista de Saúde Coletiva [online],
Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 33-55, 2010. Disponível em: http://www.
scielo.br/scielo.php?pid=S0103-73312010000100004&script=sci_
abstract&tlng=pt Acesso em mai. 2016.

BARROSO, Luís Roberto. O controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro:


exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 4. ed. São
Paulo: Saraiva, 2009.

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de
Janeiro: Ed. Campus, 1992.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 24. ed. São Paulo:


Malheiros Editores, 2009.

374  Diego Bruno de Souza Pires • Antonia Almeida Silva


CABRAL, Karina Melissa. A justiciabilidade do direito à qualidade do
ensino fundamental no Brasil. 2008. 195 f. Dissertação (mestrado) -
Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Tecnologia,
Presidente Prudente – SP, 2008. Disponível em: <http://hdl.handle.
net/11449/92282>.

CURY, Carlos Roberto Jamil. Direito à educação: direito à igualdade,


direito à diferença. Cadernos de pesquisa. São Paulo, n. 116, p. 245-262,
jun. 2002.

DAMASCO, Denise Gisele de Britto. O direito à educação: a atuação das


promotorias de justiça e de defesa da educação do Ministério Público do Distrito
Federal e Territórios, entre 2001 e 2007. 2008. 215 f. Dissertação (Mestrado
em Educação) -Universidade de Brasília, Brasília - DF, 2008.

FERRAREZI, Eurico. A Responsabilidade do Ministério Público no


Controle das Políticas Públicas. In: GRINOVER, Ada Pellegrini;
WATANABE, Kazuo (Coords.). O Controle Jurisdicional das Políticas Públicas. 2.
ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013.

FERREIRA, Norma Sandra de Almeida. As pesquisas denominadas


“estado da arte”. Educação & Sociedade, São Paulo, v. 23, n. 79, p.257-272,
ago. 2002. Disponível em:< http://www.scielo.br/pdf/es/v23n79/10857.
pdf>. Acesso em 02/01/2016.

FLACH, Simone de Fátima. Direito à educação e ampliação da escolaridade


obrigatória em Ponta Grossa (2001 2008). 2010. 319 f. Tese (Doutorado em
Educação) - Universidade Federal de São Carlos, São Carlos - SP, 2010.

LINS, Liane Cirne. A justiciabilidade dos direitos fundamentais sociais:


uma avaliação crítica do tripé denegatório de sua exigibilidade e da
concretização constitucional seletiva. Revista de Informação Legislativa,
Brasília, vol. 46, n. 182, p. 51-74, abr./jun. 2009.

LOBO FILHO, Silvio. A Judicialização como instrumento de efetividade do Direito


à Educação. 2010. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal
do Mato Grosso do Sul, Campo Grande – MS, 2010.

LUDKE, Menga. Novos enfoques da pesquisa em Didática. In: CANDAU,


Vera Maria (Org.). A Didática em questão. 7. ed. Petrópolis – RJ: Vozes, 1988.

OS ENFOQUES SOBRE A JUDICIALIZAÇÃO NA PESQUISA 375


EM EDUCAÇÃO NO BRASIL (2000-2010)
MAINARDES, Jefferson; TELLO, César. A pesquisa no Campo da Política
Educacional: explorando diferentes níveis de abordagem e abstração.
Arquivos Analíticos de Políticas Educativas, v. 24, n.75, p. 1-17, 2016. Disponível
em: http://dx.doi.org/10.14507/epaa.24.2331. Acesso: 25/02/2017.

NADER, Paulo. Introdução ao estudo do Direito. 37. ed. Rio de Janeiro:


Forense, 2015.

NOBREGA-THERRIEN, S. M; THERRIEN, J. Trabalhos científicos e o


estado da questão: reflexões teórico-metodológicas. Estudos em Avaliação
Educacional, v. 15, n. 30, p. 5-16, jul./dez. 2004.

RAMOS, A.; FARIA, P.; FARIA, A. Revisão sistemática de literatura:


contributo para a inovação na investigação em Ciências da Educação.
Revista Diálogo Educacional, Curitiba, v. 14, n. 41, p. 17-36, jan./abr. 2014.

PIRES, Diego Bruno. Judicialização da educação no Brasil: tendências da produção


do conhecimento e perspectivas para a exequibilidade do direito (2000-2010). 2017,
113 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Estadual de
Feira de Santana, Feira de Santana – BA, 2017.

SILVA, A. A.; JACOMINI, M. A. Pesquisa em políticas educacionais: características


e tendências. Feira de Santana, BA: UEFS Editora, 2016.

SILVEIRA, Adriana Aparecida Dragone. O direito à educação de crianças e


adolescentes: análise da atuação do Tribunal de Justiça de São Paulo (1991-2008).
2010, 303 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade de São Paulo,
São Paulo - SP, 2010.

VOSGERAU, D. S. R.; ROMANOWSKI, J. P. Estudos de revisão:


implicações conceituais e metodológicas. Revista Diálogo Educacional,
Curitiba, v. 14, n. 41, p. 165-189, jan./abr. 2014.

TATE, Neal; VALLINDER, Torbjörn (orgs). The Global Expansion of judicial


pawer. New York: New York University, 1995.

XIMENES, Salomão Barros. Alckmin prepara reinício da “reorganização


escolar”, opinião. In: Blog do Salomão Ximenes: política, direito e educação,
19 de agosto de 2016. Disponível em: https://blogdosalomaoximenes.
wordpress.com/2016/08/19/alckmin-prepara-reinicio-da-reorganizacao-
escolar/ Acesso em: 14 mar. 2020.

376  Diego Bruno de Souza Pires • Antonia Almeida Silva


CONDIÇÕES DE LEGITIMAÇÃO,
CREDIBILIDADE CIENTÍFICA E A PESQUISA
DOCUMENTAL NO CAMPO DA EDUCAÇÃO

Raimunda Maria da Cunha Ribeiro

INTRODUÇÃO

A
pesquisa no campo da educação não tem se furtado das
conotações da ciência, tal como a proposição dominante
do rigor e da credibilidade, embora pesem as críticas sobre
os pressupostos epistemológicos e os métodos de investigação. O fato é que
a educação, por si só, não consegue dar respostas para todos os fenômenos
próprios de seu campo, tendo como premissa, buscar teorias e métodos em
outras ciências, como por exemplo, a Psicologia, a Sociologia, as Ciências
Políticas, a Economia, a Administração, a Gestão.
Entendemos, entretanto, que uma questão que permeia toda a
discussão sobre a cientificidade da pesquisa no campo da educação é: a
pesquisa em educação, embora, em muitas circunstâncias tendo que adotar
teorias e métodos de outros campos, é considerada um campo científico,
com validade e credibilidade? Este artigo, na intenção de responder
este questionamento, se orientou pelos seguintes objetivos: discutir as
especificidades do ambiente epistemológico contemporâneo, as condições
de legitimação do campo científico e a credibilidade da pesquisa no campo

CONDIÇÕES DE LEGITIMAÇÃO, CREDIBILIDADE CIENTÍFICA E 377


A PESQUISA DOCUMENTAL NO CAMPO DA EDUCAÇÃO
da educação; apresentar as especificidades da pesquisa documental, como
abordagem metodológica adotada em uma investigação em educação.
A metodologia adotada para este estudo foi baseada na abordagem
qualitativa, de caráter bibliográfico, consubstanciada na literatura sobre
as principais teorias acerca do ambiente epistemológico e as condições
de legitimação da pesquisa no campo da educação, particularmente,
sobre os postulados da Sociologia e da Filosofia da Ciência. Os principais
autores que serviram de fontes para a primeira parte do texto foram:
Esteban (2010); Severino (2002); Bourdieu (1997); Latour (2001); Charlot
(2006); Lüdke e André (1986); André (2001); Malta (2009); Moreira e
Caleffe (2008). A segunda parte do texto explorou as especificidades da
aplicação da pesquisa documental numa investigação para a construção
de um capítulo da Tese intitulada “Responsabilidade social universitária e a
formação cidadã”, no campo da educação superior. Os principais autores
utilizados como fonte de pesquisa nesta seção foram: Bogdan e Biklen
(1994); Lüdke e André (1986); Fonseca (2002); Bardin (2011).

AS CONDIÇÕES DE LEGITIMAÇÃO DO CAMPO CIENTÍFICO E A


CREDIBILIDADE DA PESQUISA NO CAMPO DA EDUCAÇÃO

Na história da cultura ocidental anterior ao século XVII predominou


uma determinada ideia de ciência, herdada em grande parte do pensamento
grego e, em parte mais tarde, dos pensadores da Idade Média (ESTEBAN,
2010). A ciência era, portanto, um saber seguro. Por assim dizer, fazer
ciência é fazer investigação racional (pesquisas) remetendo-se à ideia de
descobrir a “verdade”, levando-se em consideração os paradigmas válidos.
A ciência nasceu na modernidade, quando se fez uma crítica cerrada ao
modo metafísico de pensar e de, supostamente, conhecer. Esse modo
metafísico era fundado na crença de que se podia, sob as luzes da razão,
chegar à essência (conjunto de características permanentes que realizavam
a identidade de cada ser) das coisas, dos entes e dos objetos (SEVERINO,
2007).
Neste contexto, a Sociologia e a Filosofia da Ciência repousavam
no postulado de que a verdade científica residia numa espécie particular
de condições sociais de produção e estudavam a influência de fatores
externos no desenvolvimento da ciência. Assim, Severino (2007) e Japiassú
(2001), por exemplo, explicam que na modernidade, a ciência tornou-se

378  Raimunda Maria da Cunha Ribeiro


instância hegemônica de conhecimento, ao se propor como substituta
da metafísica. No pensamento moderno, a metafísica perdeu, em grande
parte, seu lugar central no sistema filosófico, uma vez que as questões sobre
o conhecimento passavam a ser tratadas como logicamente anteriores
à questão do ser, ao problema ontológico. Dessa forma, os modernos
conceberam a ciência como sendo a única modalidade de conhecimento
válido, portanto, também universal e verdadeiro. Assim sendo, para os
modernos, só existiria um único método: o método científico sustentado
na observação, experimentação e mensuração. Foi sob essa perspectiva
de unicidade metodológica que se formou e se desenvolveu o sistema das
Ciências Naturais; e também, sob essa inspiração que vingou a proposta
de se criar, a partir do século XVIII e XIX, o sistema das Ciências Humanas.
A produção de conhecimentos científicos sobre o mundo natural com a
aplicação do método experimental/matemático possibilitou a constituição
das Ciências Naturais, porque, segundo Esteban (2010), a concepção
de ciência até então, entendia que o conhecimento científico era o
conhecimento comprovado. É o que se pode chamar de ordem científica
dominante, sob a qual o paradigma de ciência estava constituído a partir do
modelo de racionalidade científica. O método experimental-matemático,
cuja aplicação, segundo Severino (2007) e Esteban (2010) possibilitaria ao
homem ampliar e aprofundar seu conhecimento da natureza.
Depois de conhecer o mundo físico com base na metodologia
experimental-matemática, a ciência se propôs conhecer também o mundo
humano, segundo o mesmo paradigma. Nascia ideia da epistemologia
positivista. O positivismo, na concepção de Severino (2007, p 109), é uma
expressão da filosofia moderna que entende que o sujeito “põe” (grifos
do autor) o conhecimento a respeito do mundo, mas o faz a partir da
experiência que tem da manifestação dos fenômenos.
A partir do Renascimento, os modernos começaram a questionar o
paradigma dominante, da racionalidade científica, de conhecer a essência
das coisas. Argumentavam que não era possível se conhecer a essência,
mas era possível conhecer os fatos e os fenômenos. Com o sucesso do
conhecimento científico para a explicação dos fenômenos naturais e em
decorrência dos seus pressupostos filosóficos, a ciência passou a perceber
também o homem como objeto de seu conhecimento, a ser abordado da
mesma forma que os outros fenômenos naturais. Como pretendia Comte,

CONDIÇÕES DE LEGITIMAÇÃO, CREDIBILIDADE CIENTÍFICA E 379


A PESQUISA DOCUMENTAL NO CAMPO DA EDUCAÇÃO
percebia-se a possibilidade de constituir uma física social, análoga à física
natural.
A ciência como um campo social, com suas relações de força
e monopólio, suas lutas e estratégias, seus interesses e lucros é o que
sustenta a teoria de Pierre Bourdieu, ao admitir que existe no mundo
social, estruturas objetivas que podem dirigir, ou melhor, coagir a ação e a
representação dos indivíduos. No entanto, tais estruturas são construídas
socialmente, assim como os esquemas de ação e pensamento, chamados
de habitus (BOURDIEU, 1997). Seus estudos se fortalecem na ideia de que a
luta pelo monopólio da competência da ciência configura-se no espaço de
jogo de uma luta correlacional, que ele denomina de campo científico. Este
espaço é o lugar de duas formas diferentes de capital: o capital político e o
capital científico.
O mundo fechado da ciência e o mundo da vida não se fazem no
processo de exclusão, pelo contrário, uma visão mais ampla dos campos
fica ainda mais completa e com o devido reconhecimento e prestígio.
Uma proposta para o preenchimento da lacuna existente entre estes dois
mundos parece ser a mais acertada: compreender como o mundo científico
deve se relacionar com as expectativas do mundo da experiência cotidiana,
composto de objetos e de relações entre eles. A ciência é, portanto, em
grande medida, impulsionada pelas motivações pessoais dos cientistas e
suas inserções externas aos laboratórios. Somente os interesses expressos
nas motivações pessoais e nos condicionamentos sociais explicariam os
consensos que se formam em torno de certas crenças científicas (LATOUR,
2001).
A pesquisa educacional costuma situar-se na segunda metade
do século XIX, começando estreitamente vinculada com a pesquisa em
Psicologia, coincidindo com o grande desenvolvimento das ciências
naturais e suas repercussões nas demais áreas do conhecimento humano.
Tradicionalmente, no contexto da pesquisa educacional, o conceito
de paradigma veio identificar inicialmente duas tendências que foram
denominadas, por um lado, como empírico-analítica, positivista e, por outro
lado, como hermenêutica e interpretativa. Esta classificação representa dois
paradigmas contrapostos: paradigma clássico, racionalista e quantitativo;
paradigma emergente, interpretativo e qualitativo (ESTEBAN, 2010).
Como, então produzir conhecimento rigoroso no campo da
educação? É possível fazer ciência da educação, por caminhos e parâmetros

380  Raimunda Maria da Cunha Ribeiro


de cientificidade nesse contexto de crise das ciências? A priori, pode-se dizer,
que não há uma resposta totalizadora, mas existem diferentes proposições
ou recomendações, para que se possa compreender o lugar da educação no
mundo da ciência, muito embora, a pesquisa neste campo, seja dotada de
características e fragilidades que lhes são peculiares
Em análise às proposições de Severino (2007), embora, aqui
apresentadas numa perspectiva mais técnica que crítica, acerca da pesquisa
em educação, é possível extrair três vertentes de seu entendimento sobre
este assunto: pressupostos condicionantes, desafios epistemológicos e
posturas dialógicas. Os pressupostos condicionantes são: a relevância
social do conhecimento, a natureza construtiva do processo do conhecer e a
pós-graduação como lugar de pesquisa. Os desafios para a instauração da
cientificidade do campo educacional são: como tornar o sujeito objeto do
conhecimento, como tornar científico o conhecimento educacional, como
superar o enviesamento ideológico no campo educacional. As atitudes
dialógicas do pesquisador são: dialogar com seu objeto, diálogo com seus
pares, expandir a vida científica e mergulhar na cultura humana.
A educação, então não se configura como uma ciência? Charlot (2006,
p. 7) chama a atenção dos pesquisadores deste campo: “[...] somos nós,
pesquisadores debruçados em estudos em educação ou sobre educação?”
(grifos nossos). Aqui, trata-se da especificidade da educação como um
campo de conhecimento e de pesquisa e os muitos desafios na instauração
desta como uma disciplina específica. É, portanto, nesta perspectiva,
um campo do saber fundamentalmente mestiço em que se cruzam e se
fecundam, por um lado, conhecimentos, conceitos e métodos originários
de campos disciplinares múltiplos, e, de outro lado, saberes, práticas e
realidade social e política (p. 9). A ciência da educação se desenvolveu e
vem se desenvolvendo fundada numa certa pluridisciplinaridade, tanto pela
diversificação da ciência pedagógica quanto pelo contato desta com outras
ciências. Esteban (2010) concordando com esta perspectiva, explica que a
pesquisa educacional está integrada no conjunto das Ciências da Educação,
as quais se inserem no conjunto das Ciências Humanas e Sociais. A relação
entre ambas se deve ao fato de compartilharem o objeto de estudo, que é o
ser humano em suas distintas dimensões sociais.
Estéban (2010), Severino (2007), Charlot (2006), Lüdke e André
(1986), André (2001), Malta (2009) reconhecem que foi e continua sendo
realizado um grande esforço para sintetizar a variedade epistemológica

CONDIÇÕES DE LEGITIMAÇÃO, CREDIBILIDADE CIENTÍFICA E 381


A PESQUISA DOCUMENTAL NO CAMPO DA EDUCAÇÃO
e metodológica da pesquisa educacional. A variedade de enfoques, a
articulação de métodos e a emergência de novas realidades que demandam
uma aproximação multidisciplinar à realidade revelaram a dificuldade
de sintetizá-la em poucas linhas paradigmáticas. A pesquisa educacional
pode ser agrupada, de modo geral, em três perspectivas: empírico-analítica
– de base positivista; humanista-interpretativa, de base fenomenológica/
hermenêutica; crítica – com base na tradição sociocrítica.
A pesquisa no campo da educação é importante e necessária, mas
não é uma tarefa fácil, dada a complexidade do processo investigativo.
Para Moreira e Caleffe (2008), tanto o processo quanto os resultados da
pesquisa devem ser vistos criticamente e com certo grau de precaução. Para
Lüdke e André (1986), para responder às questões propostas pelos atuais
desafios da pesquisa educacional, começaram a surgir novos métodos
de investigação e abordagens diferentes dos enfoques metodológicos
empregados tradicionalmente. Tais questões vêm fortemente influenciadas
por uma nova atitude de pesquisa, a qual coloca o pesquisador no meio
de uma cena investigada, participando dela e tomando partido na trama
da peça. Ainda argumentam as autoras, que na base das tendências atuais
da pesquisa em educação se encontra a legítima e dominante preocupação
com os problemas do ensino. E é nesse sentido que a pesquisa deve atacar
mais frontalmente, com o objetivo de prestar a contribuição que sempre
deveu à educação.
A alternativa, no entanto, não é o retorno ao paradigma tradicional
da ciência, no qual adota critérios “duros” de cientificidade: validade,
fidedignidade e generalização. Mas, é necessário adotar critérios de rigor
em nome da qualidade. André (2001) chama a atenção para o ideal de
cientificidade da pesquisa em educação: planejamento, coleta de dados
mediante procedimentos rigorosos, análise densa e fundamentada e
relatório descrevendo claramente o processo e os resultados alcançados.
De modo geral, a educação pode ser conceituada como o processo
mediante o qual o conhecimento se produz, se reproduz, se conserva, se
sistematiza, se organiza, se transmite e se universaliza (SEVERINO, 2007).
Pode-se dizer que a pesquisa supõe a investigação científica, sistemática e
crítica, cuja finalidade é contribuir com o avanço do conhecimento para
fins de desenvolvimento da humanidade.

382  Raimunda Maria da Cunha Ribeiro


QUESTÕES METODOLÓGICAS DA TESE “RESPONSABILDIADE
SOCIAL UNIVERSITÁRIA”: ÊNFASE NA PESQUISA DOCUMENTAL

A abordagem de pesquisa escolhida para a realização do estudo ora


mencionado foi a qualitativa e, nesta perspectiva, foi utilizada a pesquisa
documental. Um dos critérios levados em consideração para a escolha da
abordagem qualitativa foi a sua relevância, em geral, para estudos de cunho
social e, em particular, para a pesquisa educacional. No caso específico da
Tese referida, teve-se como objeto de análise os Estatutos de universidades
brasileiras e universidades portuguesas, no que se refere ao conceito de
responsabilidade social universitária e os compromissos assumidos tanto
em relação ao contexto educacional quanto ao contexto social.
A pesquisa, antes dominada pelas questões de mensuração,
definições operacionais, variáveis, testes de hipóteses e estatística, alargou-
se, segundo Bogdan e Biklen (1994), para contemplar uma metodologia de
investigação, que enfatiza a descrição, a indução, a teoria fundamentada
e o estudo das percepções pessoais. Esta abordagem metodológica,
geralmente tende a enfocar o particular como instância da totalidade
social, no sentido de compreender os sujeitos envolvidos e, por seu
intermédio, compreender também o contexto (LÜDKE e ANDRÉ, 1986).
Foi neste sentido, que se desenvolveu a investigação que deu origem à
Tese em análise, na perspectiva de obter a compreensão do fenômeno da
responsabilidade social universitária, a partir de documentos e percepções
dos sujeitos da investigação, correlacionando-o ao contexto da educação
superior. Por isso, as questões formuladas para este tipo de pesquisa,
segundo Bogdan e Biklen (1994), geralmente não são estabelecidas a partir
da operacionalização de variáveis, mas, sobretudo, se orientam para a
compreensão dos fenômenos, no sentido de adentrar em sua complexidade
e em seu acontecer histórico.
Lüdke e André (1986) buscam os fundamentos da pesquisa qualitativa
nos estudos de Bogdan e Biklen (1994), os quais citam cinco características
desse tipo de investigação: o ambiente natural é a fonte direta dos dados
e o investigador é o instrumento principal; trata-se de uma investigação
descritiva; o significado tem importância vital; os investigadores tendem a
analisar seus dados de forma indutiva; interessa-se mais pelo processo do
que simplesmente pelos resultados obtidos.

CONDIÇÕES DE LEGITIMAÇÃO, CREDIBILIDADE CIENTÍFICA E 383


A PESQUISA DOCUMENTAL NO CAMPO DA EDUCAÇÃO
Cenários da pesquisa que deu origem à Tese em análise: Portugal e Brasil

Portugal é um país-membro da União Europeia e, portanto, busca


desenhar a gestão e o currículo da educação superior, com vistas à
uniformização proposta por esta entidade. A ideia da União Europeia é
criar um espaço universitário europeu, que embora pese as especificidades
de cada país, deve ter regras comuns, quanto às estruturas curriculares,
sistemas de certificação e de avaliação (SANTOS e ALMEIDA FILHO,
2008). O Processo de Bolonha – marco regulatório da reforma institucional
do ensino superior na Europa, subscrito em 1999 – é também responsável
pelo delineamento da educação superior em Portugal.
O sistema de ensino superior em Portugal é um sistema binário
que integra universidades e institutos politécnicos com estruturas de
organização e dimensão diversificadas e de diferentes naturezas jurídicas; é
constituído de 121 instituições (IES). O ensino superior público, incluindo
a Universidade Aberta e as instituições militares e policiais, corresponde
a cerca de um terço das instituições. As instituições públicas cobrem a
totalidade do território nacional, apresentando um padrão mais disperso
que as privadas, as quais se concentram nas grandes áreas urbanas (Lisboa
e Porto) (FONSECA, 2012).
De acordo com os Estatutos, estas instituições são designadas
coletivas de direito público, dotadas de autonomia estatutária, científica,
pedagógica, cultural, administrativa, financeira, patrimonial e disciplinar.
Os principais objetivos institucionais versam sobre a formação
humanista, cultural, artística, científica e tecnológica. Em linhas gerais, têm
a preocupação com a formação de quadros e especialistas qualificados com
competências necessárias para contribuir com o desenvolvimento do país e
também a nível global. A finalidade primeira destas IES é com a transmissão
do conhecimento, no fito de promover educação superior de qualidade
através do ensino, da pesquisa e da extensão. São instituições que se dizem
atentas às necessidades sociais, por isso, primam pela articulação do
estudo, da docência e da investigação, no sentido de manter-se integradas
à sociedade. Como traço de responsabilidade social universitária, pode-
se dizer que buscam promover uma educação sem fronteiras, ensino de
qualidade e prestação de serviços à comunidade.
Em razão do Brasil possuir um número elevado de universidades
públicas federais, em relação ao número de Portugal, foi feito um recorte

384  Raimunda Maria da Cunha Ribeiro


das instituições participantes deste estudo. Enquanto em Portugal há
15 (quinze) universidades públicas, no Brasil há, até o momento, 149
universidades públicas federais, conforme portal do MEC, acessado em
21.05.2013 (http://painel.mec.gov.br/academico/mapaSupProf/acao)
Para que o número de universidades brasileiras fosse aproximado
do número de universidades portuguesas, fez-se a opção de incluir na
investigação, somente as universidades federais sediadas nas capitais dos
Estados.
O ensino superior no Brasil é oferecido por instituições denominadas:
universidades, centros universitários, faculdades, institutos superiores e
centros de educação tecnológica. Esta modalidade de ensino pode ser do
tipo bacharelado, licenciatura, formação tecnológica ou cursos sequenciais
(formação específica ou complementação de estudos). Os cursos de pós-
graduação são divididos em lato sensu – Especialização e MBA – e stricto sensu
– Mestrado e Doutorado (http://www.brasil.gov.br).
Para a realização do referido estudo adotamos a pesquisa documental
como fundamento metodológico, com a finalidade de coletar dados dos
Estatutos das universidades participantes, através do disposto na missão,
objetivos e finalidades.
Segundo Fonseca (2002), a pesquisa documental trilha os mesmos
caminhos da pesquisa bibliográfica, não sendo fácil por vezes distingui-
las. A pesquisa bibliográfica utiliza fontes constituídas por material já
elaborado, tendo por base livros e artigos científicos localizados em
bibliotecas. A pesquisa documental recorre às fontes mais diversificadas
e dispersas, sem tratamento analítico, tais como: tabelas estatísticas,
jornais, revistas, relatórios, documentos oficiais, cartas, filmes, fotografias,
pinturas, tapeçarias, relatórios de empresas, vídeos de programas de
televisão e outros. Moreira e Caleffe (2008) também fazem a mesma
observação em relação às semelhanças entre a pesquisa bibliográfica e a
pesquisa documental, sendo que a diferença apontada está em relação à
natureza das fontes.
Na pesquisa documental, na concepção de Moreira e Caleffe (2008),
a fonte de coleta de dados está restrita a documentos, escritos ou não.
Além de ser realizada em bibliotecas, a pesquisa documental também pode
ser realizada em institutos, em centros de pesquisa, em museus, em acervos
particulares, bem como em locais que sirvam como fonte de informação
para o levantamento de documentos. Pesquisa documental não é a mesma

CONDIÇÕES DE LEGITIMAÇÃO, CREDIBILIDADE CIENTÍFICA E 385


A PESQUISA DOCUMENTAL NO CAMPO DA EDUCAÇÃO
coisa que análise documental. A primeira é um tipo de pesquisa e a segunda
é um tipo de análise que poderá ser utilizado em qualquer revisão de
literatura. Os passos para a realização de uma pesquisa documental são
os seguintes: delimitar o problema e determinar os objetivos da pesquisa;
escolher os documentos; acessar os documentos; analisar os documentos;
e redigir o relatório.
A pesquisa documental teve como elemento fundamental, na Tese em
análise, o conjunto dos Estatutos das universidades públicas portuguesas
e das universidades públicas federais brasileiras sediadas nas capitais
dos Estados. O objetivo desta técnica foi coletar, organizar e analisar o
que tratam os documentos acerca das ações de responsabilidade social
universitária. O total de universidades estudadas através dos seus Estatutos
foi 42: 15 universidades portuguesas; e 27 universidades brasileiras, sendo
estas sediadas nos 26 Estados e 01 no Distrito Federal (Brasília).
O primeiro passo da utilização desta técnica foi, a partir da
seleção dos documentos – os Estatutos – realizar uma leitura do corpus de
análise, atentando-se principalmente para alguns elementos: a missão, os
princípios orientadores e os objetivos e finalidades de cada instituição. A
análise destes elementos foi fundamental para se compreender o conceito
de responsabilidade social definido por cada instituição, principalmente
quando se trata da geração e difusão do conhecimento para fins de
desenvolvimento, em suas múltiplas dimensões: social, cultural, ambiental
e econômica.
Os critérios de escolha dos cenários e das instituições foram os
seguintes: a pesquisadora, na época da realização deste estudo, era aluna
do Programa de Pós-Graduação em Educação em nível de doutoramento,
na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul em Porto Alegre;
em uma das fases da investigação foi aluna na Faculdade de Psicologia e
Educação da Universidade do Porto, no Programa de Doutorado Sanduíche
no Exterior/PDES/CAPES/MEC/Brasil; desenvolve pesquisa no Brasil com
a professora/orientadora Dra. Cleoni Fernandes, da linha de pesquisa
“Formação, Políticas e Práticas em Educação” do PPGEDU/PUCRS e em
Portugal desenvolveu pesquisa com o orientador Dr. António Magalhães
do Programa Doutoral da FPCE da Universidade do Porto, com uma vasta
experiência em pesquisas na área de políticas educacionais, sobretudo,
no campo da educação superior; é também professora da Universidade
Estadual do Piauí, o que a tem despertado para a necessidade de uma

386  Raimunda Maria da Cunha Ribeiro


melhor compreensão da dinâmica de funcionamento das universidades
públicas; desenvolve pesquisa na área das políticas da educação superior,
especificamente em responsabilidade social universitária/RSU; a finalidade
deste estudo foi analisar os Estatutos de universidades públicas, por isso,
foram escolhidas todas as universidades públicas (mantidas pelo poder
público nacional) de Portugal, o que não pode ser feito no Brasil, já que
o número de universidades públicas (federais, estaduais e municipais) é
muito expressivo; foram, então, escolhidas somente as federais (mantidas
pelo poder público nacional) sediadas nas capitais e Distrito Federal. A
intenção foi analisar o conceito de responsabilidade social universitária sob
o ponto de vista dos Estatutos, não com a ideia de comparação entre os
dois cenários, mas com a ideia de complementaridade no que se refere à
compreensão desse fenômeno.
Os dados foram analisados com base na técnica de análise de
conteúdo, principalmente a partir da teoria de Bardin (2011), levando-se
em consideração alguns cuidados a saber: a análise de categorias, com a
finalidade de compreender acerca da responsabilidade social universitária,
a partir do que está por trás do texto manifesto; os textos escritos, no
caso os Estatutos e os textos falados, no caso as respostas das entrevistas,
são elaborados, carregados de significados sociais, políticos, culturais e
econômicos, por isso, foi preciso considerar a natureza de sua produção;
a ideia foi realizar uma interpretação apropriada do que está posto nos
documentos e no que foi ditos pelos sujeitos participantes.
O caminho operacional foi conduzido, considerando três fases de
igual importância:

•  1ª fase:
o Leitura flutuante dos Estatutos, principalmente a missão,
objetivos, princípios e finalidades da instituição;
o Identificação de como a instituição se manifesta quanto à
produção do conhecimento para fins de desenvolvimento;
o Identificação da responsabilidade social da universidade
quanto ao ensino, pesquisa, extensão e gestão.
•  2ª fase:
o  Definição das categorias, principalmente a partir das falas dos
sujeitos participantes;

CONDIÇÕES DE LEGITIMAÇÃO, CREDIBILIDADE CIENTÍFICA E 387


A PESQUISA DOCUMENTAL NO CAMPO DA EDUCAÇÃO
o Identificação das unidades de registro e das unidades de
contexto, ou seja, o texto e o seu significado manifesto;
o  Descrição analítica orientada pelo referencial teórico,
principalmente o conceito de responsabilidade social universitária,
os desafios e compromissos da universidade e o conhecimento
para o desenvolvimento em suas múltiplas dimensões.
•  3ª fase:
o  Interpretação dos textos para a compreensão do contexto;
o  Condensação e destaque das informações;
o Análise reflexiva, crítica e sistematizada sem abrir mão dos
critérios de validade e confiabilidade, como assim exige uma
pesquisa séria e ética.

O cuidado com a descrição e a execução de cada fase detalhadamente


caracteriza-se como forma de gerar confiabilidade e validade (BARDIN,
2011). A pesquisa qualitativa, em sua forma interpretativa de tratar os
dados assume a responsabilidade de buscar a compreensão da realidade e
nunca a certeza absoluta sobre os fenômenos sociais.

CONCLUSÃO

Este estudo teve como objetivo discutir a credibilidade da pesquisa no


campo da educação, assim como apresentar as especificidades da pesquisa
documental, como abordagem metodológica de investigação neste campo.
A primeira parte do estudo versou sobre questões epistemológicas,
condições de legitimação e credibilidade do campo científico. Nesta
perspectiva, destacamos os seguintes pontos dessa discussão: a ciência
é o modo de adquirir conhecimento baseado no rigor metodológico; a
verdade científica já residiu numa espécie particular de condições sociais
de produção e sofreu influências de fatores externos no desenvolvimento
da ciência; a pesquisa em educação coincide com o desenvolvimento das
ciências naturais, sob, principalmente, duas tendências: o positivismo e a
hermenêutica; há diferentes proposições para que se possa compreender o
lugar da educação no mundo da ciência, muito embora, a pesquisa neste
campo seja dotada de características e fragilidade que lhe são particulares.
Sendo a educação um campo da ciência, a segunda parte da
investigação tributou sobre a pesquisa documental como abordagem
metodológica, a qual podemos caracterizar: é um tipo de pesquisa

388  Raimunda Maria da Cunha Ribeiro


científica qualitativa muito utilizada nas ciências sociais e humanas;
é também utilizada na recolha de informações quantitativas de uma
realidade; é elaborada através da coleta e análise de informações contidas
em documentos que ainda não receberam tratamento analítico.
Propusemos apresentar a pesquisa em movimento, de forma que
mostramos na prática os fundamentos metodológicos e os procedimentos
de como a pesquisa documental foi aplicada para escrever um capítulo da
Tese intitulada “Responsabilidade social universitária e a formação cidadã”.
A primeira parte da Tese, da qual deu conta este estudo, tratou de
analisar os conceitos de RSU em suas diferentes dimensões: a RSU como
forma de promoção do desenvolvimento social, sustentável e econômico.
Teve como objetivo analisar o conceito de responsabilidade social
universitária, tanto com base na literatura quanto a partir do que está
posto nos Estatutos de universidades públicas em dois espaços geográficos
distintos: Portugal e Brasil. Partindo deste pressuposto, pode-se dizer que
os documentos analisados foram fundamentais para o entendimento da
concepção de responsabilidade social universitária, através do que está
definido como missão, objetivos e finalidades.
Podemos, a partir da utilização da pesquisa documental, afirmar
que se trata de um processo de produção de novos conhecimentos, de
criação novas formas de compreender os fenômenos e de conhecer como
os fenômenos são desenvolvidos. Enfim, a sua utilização na área da
educação nos possibilitou reconhecer a relação existente entre educação e
sociedade para um projeto de transformação e emancipação, observados
os compromissos sociais. Dentre os principais desafios impostos à pesquisa
em educação está na necessidade de compreendermos a especificidade
própria do campo, questões epistemológicas, os critérios de credibilidade
e de validade.

REFERÊNCIAS

ANDRÉ, Marli. Pesquisa em educação: buscando rigor e qualidade.


Cadernos de Pesquisa, n. 13, julho, 2001, p. 51-64.

BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.

BOGDAN, Roberto C.; BIKLEN, Sari Knopp. Investigação qualitativa em


educação. Tradução Maria João Alvarez, Sara Bahia dos Santos e Telmo
Mourinho Baptista. Porto: Porto Editora, 1994.

CONDIÇÕES DE LEGITIMAÇÃO, CREDIBILIDADE CIENTÍFICA E 389


A PESQUISA DOCUMENTAL NO CAMPO DA EDUCAÇÃO
BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica
do campo científico. Tradução de Denise Barbara Catani. Conferência e
debate organizados pelo grupo Sciences em Questions. Paris, INRA, 1997.

CHARLOT, Bernard. A pesquisa educacional entre conhecimentos


políticos e práticas: especificidades e desafios de uma área do saber.
Revista Brasileira de Educação, v.11, nº 31, jan/abr, 2006, p. 6-95.

ESTEBAN, Maria Paz Sandin. Pesquisa qualitativa em educação:


fundamentos e tradições. Porto Alegre: Artmed, 2010.

FONSECA, João José Saraiva. Metodologia da pesquisa científica.


Fortaleza: UEC, 2002. Apostila.

LATOUR, Bruno. A esperança de Pandora: ensaios sobre a realidade dos


estudos científicos. Tradução de Gilson César Cardoso de Sousa. Bauru-
SP: EDUPSC, 2001.

LÜDKE, Menga e ANDRÉ, Marli. Pesquisa em educação: abordagens


qualitativas. São Paulo: EPU, 1986 (Temas Básicos de Educação e Ensino).

MALTA Campos, Maria. Para que serve a pesquisa em educação? São


Paulo: Cadernos de Pesquisa, vol. 39, n. 136, jan/2009, p. 269-283.

MOREIRA, Herivelton e CALEFFE, Luiz Gonzaga. Metodologia de


pesquisa para o professor pesquisador. Rio de Janeiro: Lamparina, 2008.

SANTOS, Boaventura Sousa; ALMEIDA FILHO, Naomar. A universidade


do século XXI: para uma universidade nova. Coimbra: Almedina, 2008.

SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do Trabalho Científico. São


Paulo: Cortez, 2007.

SEVERINO, Antônio Joaquim. A pesquisa na pós-graduação em educação.


Revista Bilingue do Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal de São Carlos. ISSN 1982-7199, 2007, v. 1. Ano 1, p.
31-49.

390  Raimunda Maria da Cunha Ribeiro


MEDOTODOLOGIAS DE ENSINO
APRENDIZAGEM ENTRE DOCENTES E
DISCENTES NO CURSO DE ADMINISTRAÇÃO
NA UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ:
UM ESTUDO DE CASO

Conceição de Maria Carvalho Mendes

Introdução

A
efetivação do ensino aprendizagem no ensino superior é
resultado da gestão de ensino que proporciona a estrutura
necessária ao funcionamento do curso de Bacharelado em
Administração na UESPI. Para tanto, utiliza as metodologias com docentes,
discentes para integrar todos como equipe com o objetivo de alcançar
padrões de qualidade de ensino e de excelência.
Dessa forma vê-se que esse objetivo nas instituições de ensino superior
ainda está longe de ser alcançado por não contarem com metodologias
para efetuar as mudanças necessárias em prol da qualidade de ensino.
Uma metodologia voltada para zelar pelos interesses de aprendizagem que
oportunize uma educação continuada para os professores, que promova
eventos, simpósios, congressos, que oportunize o desenvolvimento e o
investimento em pesquisas para todos de forma interdisciplinar.

MEDOTODOLOGIAS DE ENSINO APRENDIZAGEM ENTRE DOCENTES E DISCENTES NO 391


CURSO DE ADMINISTRAÇÃO NA UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ: UM ESTUDO DE CASO
Na Universidade as metodologias de ensino são constituídas pelas
experiências entre docentes e discentes objetivando uma comunicação
adequada a fim de facilitar o processo de ensino e aprendizagem dentro
e fora do ambiente escolar. Uma vez que as metodologias de ensino são
essenciais para a formação do discente, na área educacional, administrativa,
recursos humanos e materiais funcionam interligadas e objetivam a
formação adequada de discentes. E, oferece, a possibilidade de formação
de competências e habilidades necessárias à inserção social dos mesmos,
promovendo uma superação das dificuldades com o aperfeiçoamento da
interação e comunicação entre os atores pesquisados.
Neste sentido as metodologias de ensino são fundamentais para
se obter melhor direcionamento da prática educativa e da compreensão
da relação docente-discente na sala de aula das Universidades em geral.
A Universidade como um espaço amplo da interação de indivíduos é
composta por uma rede de grupos culturais diferentes dentro de um espaço
de ensino aprendizagem.
As metodologias de ensino entre docentes e discentes no contexto
da aprendizagem tem preocupado os educadores, principalmente com o
objetivo de preparar profissionais submissos e passivos no processo de
aprendizagem. Observa-se que na maioria das práticas educativas não se
considera relevante esta temática, muitas atividades realizadas na sala de
aula e fora dela são desmotivadoras.
O processo de gestão metodológica de ensino em que ocorre a
interação entre docentes e discentes é fundamental na educação de nível
superior para a concretização do ensino aprendizagem no aspecto cognitivo.
Dessa forma a universidade deve ter profissionais docentes preparados
como intermediadores do conhecimento.
Cabe então a Universidade oportunizar seus profissionais docentes a
fim de concretizar o ensino aprendizagem, oferecendo cursos de educação
continuada, bem como fortalecer o processo de gestão de ensino dispondo
de estrutura adequada, incentivando projetos de extensão para fortalecer
as metodologias de ensino entre docentes e discentes para a construção do
conhecimento, enfim, fornece todo o aparato para superar as dificuldades
e alcançar uma educação de qualidade.
Nesse sentido o presente artigo teve como objetivo geral compreender
a gestão do ensino aprendizagem entre docentes e discentes do curso de
Bacharelado em Administração da Universidade Estadual do Piauí em 2015

392  Conceição de Maria Carvalho Mendes


a 2016; e como objetivos específicos, descrever de que forma acontecem
as concepções do ensino aprendizagem e comunicação docente; conhecer
as concepções dos gestores, docentes, discentes que atribuem à gestão do
ensino aprendizagem no âmbito das metodologias no contexto do processo
do ensino e da aprendizagem a partir da coleta de dados na IES em estudo
com o uso de questionário com perguntas abertas e fechadas direcionadas
ao diretor de centro, coordenador, docentes e alunos; listar as dificuldades
evidenciadas na prática docente das disciplinas ministradas no curso de
Bacharelado em Administrado de acordo com os discentes; elencar os
recursos e ferramentas didáticas utilizadas na prática docente.
Com referência à metodologia utilizada na construção da pesquisa
foram estudo de caso com aplicação de questionário semi-estruturado
para discentes e docentes do curso de Bacharelado em Administração
com suporte em autores como Lobiondo-Wood; Haber (2001); Polit; Beck
(2006); Richardson (1999); Santos et al (2016); Pimenta (2010) dentre
outros que discutem o tema.
Dessa forma o presente artigo está dividido em quatro partes a
saber: a introdução contendo a relevância ou justificativa, objetivos
gerais e específicos e metodologia utilizada na construção da pesquisa;
num segundo momento aborda-se o referencial teórico com os principais
autores que versam sobre a gestão metodológica; em seguida num terceiro
momento os resultados da pesquisa com a aplicação de questionários com
docentes e discentes sobre os processos metodológicos de ensino aplicados
em sala de aula no curso de Bacharelado em Administração da UESPI,
seguido das considerações finais e referências.

Referencial teórico

Trata-se de um estudo com enfoque quantitativo, descritivo


transversal com abordagem não experimental, que se realizou com a coleta
de informações dos gestores, docentes e discentes da UESPI por meio dos
questionários. Tem como objetivo compreender a gestão metodológica do
ensino aprendizagem entre docentes e discentes do curso de Bacharelado
em Administração da Universidade Estadual do Piauí em 2015 a 2016.
Pode-se também classificar este estudo como não-experimental,
descritivo e prospectivo, com abordagem quantitativa. As pesquisas
não-experimentais são utilizadas quando o pesquisador deseja explorar

MEDOTODOLOGIAS DE ENSINO APRENDIZAGEM ENTRE DOCENTES E DISCENTES NO 393


CURSO DE ADMINISTRAÇÃO NA UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ: UM ESTUDO DE CASO
acontecimentos, pessoas ou situações na medida em que eles ocorrem
naturalmente (LOBIONDO-WOOD; HABER, 2001). Nestas pesquisas,
uma categoria muito utilizada é o estudo descritivo, utilizado para coletar
descrições detalhadas de variáveis existentes, valendo-se dos dados para
justificar e avaliar condições e práticas correntes ou para a elaboração de
planos a fim de melhorar as práticas de atenção à saúde. O pesquisador
se apoia na fundamentação teórico/prática que demanda uma revisão
aprofundada de literatura sobre o objeto do estudo. Tem como finalidade
observar, descrever, explorar e documentar aspectos de uma situação
(POLIT; BECK, 2006).
Os estudos prospectivos exploram e avançam no tempo, iniciando
no presente com o exame de uma causa presumida e prosseguindo no
futuro até o efeito presumido (LOBIONDO-WOOD; HABER, 2001; POLIT;
BECK, 2006). São considerados estudos significativamente fortes, pois
não há ambiguidade quanto à sequência temporal do fenômeno. Além
disso, as amostras têm maiores possibilidades de serem representativas e
os pesquisadores podem estar em uma posição de impor controles para
descartar as explicações concorrentes para os efeitos observados (POLIT;
BECK, 2006).
A abordagem quantitativa caracteriza-se pelo emprego da
quantificação tanto nas modalidades de coleta de informações, quanto em
seu tratamento por meio de técnicas estatísticas, desde as mais simples até
as mais complexas. Esta abordagem é frequentemente utilizada em estudos
descritivos que procuram descobrir e classificar a relação entre as variáveis,
como também identificar a relação de causalidade entre fenômenos
(RICHARDSON, 1999).
Portanto, a escolha desse tipo de estudo possibilitará identificar
a compreensão que os docentes e discentes atribuem a eficiência nas
metodologias no processo de ensino e da aprendizagem do curso de
Bacharelado em Administração da UESPI.
Trata-se de estudo descritivo que segundo Gil (2010, p. 42) tem
como objetivo primordial a descrição das características de determinada
população ou fenômeno. De acordo com este autor, dentre as pesquisas
descritivas salientam-se aquelas que têm por objetivo estudar as
características de um grupo. As pesquisas descritivas caracterizam-se
frequentemente como estudos que procuram determinar status, opiniões
ou projeções futuras nas respostas obtidas. A sua valorização está baseada

394  Conceição de Maria Carvalho Mendes


na premissa que os problemas podem ser resolvidos e as práticas podem
ser melhoradas através de descrição e análise de observações objetivas
e diretas. Já os estudos transversais podem, também, ser utilizados para
descrever associações entre variáveis.
Esta pesquisa buscou compreender as metodologias no processo
ensino aprendizagem do curso de Bacharelado em Administração da
Universidade Estadual do Piauí (UESPI) na percepção dos gestores, docentes
e discentes em 2015 - 2016. Objetivando contribuir com a melhoria da
qualidade de ensino aprendizagem das universidades públicas e desta
forma compreender também as metodologias de ensino que se estabelecem
entre gestores, docentes e discentes.
Com a intenção de seguir esta investigação, a questão – foco desta
categoria, foram realizados questionários para 10 docentes (postura
docente em sala de aula para melhor aprendizagem) buscou-se compreender
por meio da aplicação do questionário junto aos 90 discentes resultados da
pesquisa com os resultados a seguir.
A pesquisa foi realizada com a aplicação de questionários
semiestruturados junto a três grupos/categorias: docentes, discentes
e gestores que integram a população do Curso de Bacharelado em
Administração da Universidade Estadual do Piauí.
O universo desta pesquisa é constituído por todos os gestores,
professores, funcionários e alunos da UESPI. A população-base (Universo)
do estudo foi constituída por todos os professores, alunos do Curso de
Bacharelado em Administração da Universidade Estadual do Piauí, no
período de 2015 - 2016, perfazendo um total de 100 entrevistados de uma
população de 146, correspondente a 70% da amostra.
Desta forma a população foi formada pelos gestores, dez docentes,
com nível de especialização e mestrado e 90 discentes (90), do curso de
Bacharelado em Administração de uma Instituição de Ensino Superior
Pública. A amostra se constituiu em 70% da população total de docentes,
discentes do Curso de Bacharelado em Administração da UESPI.
Os critérios de inclusão adotados nesta pesquisa foram:

- Ser docentes e/ou discentes do referido curso;


- Concordar em participar desde estudo, assinando o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido.

MEDOTODOLOGIAS DE ENSINO APRENDIZAGEM ENTRE DOCENTES E DISCENTES NO 395


CURSO DE ADMINISTRAÇÃO NA UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ: UM ESTUDO DE CASO
Os critérios de exclusão para participar desta pesquisa:

– Demais funcionários (técnicos de ensino médio) da Coordenação


do Curso e direção do Centro;
- Docentes afastados de suas atividades por motivos diversos (férias,
licença, viagens, estudos e outros);
- Não concordar em participar do estudo.

A Universidade Estadual do Piauí - UESPI funciona como instituição


de ensino superior desde 1985. Foi criada inicialmente como Centro de
Ensino Superior do Piauí - CESP, tendo como mantenedora a Fundação
de Apoio ao Desenvolvimento do Estado do Piauí - FADEPI, ministrando
cursos de graduação, pós-graduação e de extensão. Permaneceu por nove
anos na condição de instituição autorizada a formar recursos humanos em
nível superior e só em 1993, através de Decreto Federal, passou à condição
de universidade.
A autorização e reconhecimento social da UESPI como Instituição de
Ensino Superior - IES representou uma possibilidade a mais para aqueles
que desejavam ingressar neste nível de ensino em uma instituição pública,
uma vez que no Piauí só havia uma universidade mantida pelo Governo
Federal.
A UESPI surge como referência em educação com o desafio de
impulsionar a democratização da formação em nível superior no nosso
Estado objetivando, de forma mais geral, contribuir para o desenvolvimento
sócio-econômico e cultural do Piauí, através do ensino ministrado, do
fomento à pesquisa e das atividades de extensão desenvolvidas.
Tendo passado por um amplo processo de expansão, atualmente a
UESPI, vivencia um processo de reafirmação do Campus Poeta Torquato
Neto (Curso de Bacharelado em Administração), no sentido de melhorar
sua infra-estrutura de forma a otimizar a qualidade dos serviços prestados
à sociedade piauiense. Sua organização acadêmica - administrativa é
composta por centros, coordenações distribuídas em 12 campi e 12
núcleos, disponibilizando cursos de graduação nos regimes: regular, e à
distância, especial-presencial (PARFOR), de pós-graduação - lato sensu, de
pós-graduação stricto sensu, nas diferentes áreas de conhecimento científico
e tecnológico, com uma matrícula de aproximadamente 14.000 discentes.

396  Conceição de Maria Carvalho Mendes


Os valores da UESPI foram definidos em consonância com
os preceitos estatutários, regimentais e nos princípios que regem a
administração pública, para nortear as ações institucionais, objetivando,
assim, o cumprimento da sua Missão Social. Como referencial, a UESPI
estabelece os seguintes valores: Compromisso: com a democratização
do acesso ao conhecimento, gestão participativa, o desenvolvimento
científico, cultural, tecnológico e socioeconômico, estadual e nacional;
com o mérito acadêmico; Cidadania: assegurar os direitos, a liberdade e
as responsabilidades individuais e comunitárias. Este estudo foi realizado
no período de 2015 - 2016. O desenvolvimento da pesquisa atenderá os
requisitos da Resolução 466/2012 da Comissão Nacional de Ética em
pesquisa do CNS que estabelece a submissão e aprovação do Comitê de
Ética (da Universidade Federal do Piauí), autorização dos sujeitos por
escrito acerca do seu consentimento pós-informado para participar do
estudo facultada a possibilidade de desistirem a qualquer momento dessa
pesquisa.
A Universidade Estadual do Piauí - UESPI exercita uma política de
absoluta uniformização das proposições pedagógicas e administrativas no
gerenciamento, não só de oferta de cursos, como também na vida acadêmica
dos discentes. Todas as ações relativas às proposições no âmbito do ensino
são amplamente discutidas e exercidas de forma colaborativa com todas
as Unidades Universitárias que compõem esta Instituição. Mantém uma
política de expansão e interiorização do Ensino.
A formação de profissionais nas mais diferentes áreas do
conhecimento, aptos para atender as necessidades de um mercado de
trabalho, cujo cenário atual exige domínios de conhecimentos culturais,
científicos e tecnológicos, conduziu a uma ampliação e diversificação
das modalidades de ensino, ofertadas por esta IES. Assim, atualmente, a
comunidade piauiense tem a possibilidade de acesso a uma formação de
nível superior dentre as modalidades: Regular Presencial; Especial Presencial
(PARFOR); à Distância e respectivos cursos.
A pesquisa na UESPI vem se consolidando, de forma gradativa nos
últimos anos, evidenciando, no cenário atual do Estado do Piauí, sua
potencialidade e vocação para a produção acadêmica. É notório o esforço
que a IES está fazendo, em termos de investimento, para qualificar seu
corpo docente e formar um quadro de pesquisadores aptos a assumir o
desenvolvimento científico e tecnológico.

MEDOTODOLOGIAS DE ENSINO APRENDIZAGEM ENTRE DOCENTES E DISCENTES NO 397


CURSO DE ADMINISTRAÇÃO NA UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ: UM ESTUDO DE CASO
Para atingir esse fim, a UESPI tem investido na sua infraestrutura,
contemplando diversos grupos de pesquisa, que atuam na maioria dos seus
campi.
Atualmente, a UESPI já conta com um considerável número de
docentes qualificados, num total de 872 doutores, 575 mestres, e um outro
quadro em pleno processo de qualificação, o que, dentro de pouco tempo,
trará à Instituição condições de atender as demandas de produção científica
da sociedade piauiense. Além da formação de docentes pesquisadores, a
UESPI assume, ainda, o compromisso de realizar as seguintes tarefas:

•  Dispor de mecanismos para acompanhamento e avaliação de suas


atividades de pesquisa;
•  Desenvolver uma ampla campanha de captação dos atuais docentes
qualificados, no sentido de harmonizá-los para o direcionamento do
fortalecimento da pesquisa;
•  Executar ações estratégicas em apoio ao processo de formação
e qualificação, baseado no tripé ensino, pesquisa e extensão, nas
diversas áreas do conhecimento; Interagir, sistematicamente, com a
comunidade, através de recursos didaticamente adequados (eventos
em geral), para a plena difusão e apreensão do conhecimento pelos
agentes envolvidos no processo;
• Contribuir para o desenvolvimento regional, nacional e
internacional, estimulando ainda a pesquisa básica;
•  Ampliar programas de capacitação cientifica e tecnológica.
• Realizar anualmente o Seminário de Iniciação Cientifica e o
Simpósio de Produção Cientifica, com a participação de todas as
áreas do conhecimento.

A pesquisa foi realizada com a aplicação de questionários


semiestruturados junto a três grupos/categorias: docentes, discentes
e gestores que integram a população do Curso de Bacharelado em
Administração da Universidade Estadual do Piauí. Contendo perguntas
fechadas de múltiplas escolhas e as respostas estão dispostas em escala
ordinal.
Estes questionários de entrevista foram adaptados e validados a
partir de um estudo feito em Teresina e realizado pela aluna de doutorado
Conceição de Maria Carvalho Mendes. A permissão de utilizar este

398  Conceição de Maria Carvalho Mendes


questionário foi concedida pelo Profº Espª M. A. Farias, diretor de centro e
também pela Coordenadora do Curso de Bacharelado em Administração
Profª Espª K. C. Brasil.
A coleta de dados foi realizada pela pesquisadora, precedida de
reuniões na direção de centro, coordenação de curso e salas de aulas com
docentes e discentes em horários pré-estabelecidos, com vistas a esclarecer
as finalidades, procedimentos adotados durante o estudo e autorização.
No momento da entrega dos questionários de entrevista com
questões abertas aplicadas para os gestores e questões fechadas aplicadas
aos docentes e discentes foram explicados os objetivos da pesquisa, o
preenchimento das informações e garantido o anonimato dos participantes
e sua liberdade de interromper a qualquer momento a realização da
entrevista se assim desejasse. Explicou-se também, que não havia respostas
certas ou erradas e que deveria apenas responder de forma sincera, de
acordo com a sua opinião.
Para a devolução dos questionários foi dado um prazo definido
pelo respondente e retornou-se durante duas semanas nos dois turnos de
funcionamento dos serviços para receber os questionários preenchidos. Em
alguns casos, não foi possível o preenchimento no dia e hora da entrega,
sendo necessário retornar em outros dias para recebimento.
A análise quantitativa dos dados foi feita a partir do software Excel® e
receberam tratamento estatístico a partir do Programa Statistic Package for
Social Sciencss® (SPSS). Foram realizadas análises estatísticas descritivas,
com cálculos da média, mediana, desvio-padrão, mínima e máxima, além
de porcentagens para descrição das amostras dos profissionais, e posterior
avaliação dos escores de satisfação e sobrecarga global e por sub escalas,
que foram apresentados em gráficos, tabelas e figuras. Para responder
aos objetivos da pesquisa as perguntas da pesquisa foram agrupadas
por sub escalas ou fatores, como explicado no instrumento da pesquisa
(instrumento da pesquisa).
Na análise da escala, foram agrupados padrões de respostas distintos
em todas as perguntas fechadas nos três questionários a seguir expostos.
Este trabalho foi realizado em conformidade com as Normas de
Pesquisa em Educação, designadas pelas diretrizes propostas nas Resoluções
412/2012 e 510/2016, do Conselho Nacional de Saúde, Ministério da
Saúde e demais resoluções complementares à mesma, para pesquisas
que envolvem seres humanos. Forneceu-se aos participantes, informações

MEDOTODOLOGIAS DE ENSINO APRENDIZAGEM ENTRE DOCENTES E DISCENTES NO 399


CURSO DE ADMINISTRAÇÃO NA UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ: UM ESTUDO DE CASO
referentes aos procedimentos da pesquisa, à administração de escalas,
aos objetivos e justificativas do estudo, à liberdade para decidir participar
ou não, bem como desistir a qualquer momento, à confidencialidade das
respostas, aos benefícios esperados, à garantia de esclarecimentos e à
ausência de riscos. Solicitou-se ainda que os participantes assinassem o
termo de consentimento livre e esclarecido.

Resultados da pesquisa

Ao serem questionados se permitem oportunidades aos discentes


de interagirem com o objeto do conhecimento a nível de aprendizagem
significativa, a maioria dos discentes responderam que o conhecimento
jurídico da empresa, juntamente com estudo de caso e a investigação e
aplicação são os conteúdos que promovem maior discussão e interação
em sala de aula. Por estes conteúdos trazerem na prática como a empresa
objeto de estudo da administração funciona hoje, seus regimentos, suas
normas, aliado ao estudo de caso em que o professor lança em sala de aula,
textos descrevendo realidades vivenciais do mercado a fim de promover a
investigação e a criticidade do conteúdo a procura de diagnóstico e soluções.
Portanto, destacando-se o conhecimento jurídico (empresa), estudos de
caso, investigação e aplicação foram as que mais foram mencionadas pelos
docentes em sala de aula. No entanto, as visitas técnicas, GTD, discussões
em sala de aula e criticidade do conteúdo foram as mais deixaram lacunas
no sentido da necessidade de aperfeiçoar a interatividade entre docentes e
discentes (tabela 1).

Tabela 1: Distribuição das oportunidades aos discentes de interagirem com o


objeto do conhecimento a nível de aprendizagem significativa

Elementos da análise Frequência absoluta %


Discussões em sala de aula 12 13,33%
Estudos de caso 17 18,88%
GTD 10 11,11%
Visitas técnicas 4 4,44%
Conhecimento jurídico (empresa) 19 21,11%
Investigação e aplicação 16 17,77%
Criticidade do conteúdo 12 13,33%
Fonte: Dados da pesquisa, 2015.

400  Conceição de Maria Carvalho Mendes


Quanto às aulas assistidas no contexto da realidade, constatou-
se que a dialeticidade, referência ao meio e estrutura física foram os
determinantes mais presentes de acordo com os docentes, confirmando
que o ambiente de sala de aula só possibilita a o ensino e a aprendizagem
mediante a interação conjunta desses fatores (tabela 2).

Tabela 2: Distribuição das aulas assistidas no contexto da realidade


Categorias Frequência absoluta %
Estrutura física 17 18,88%
Referência ao meio 19 21,11%
Realidade contextualizada 15 16,66%
Regras com limites 11 12,22%
Percurso construtivista 7 7,77%
Dialeticidade 21 23,33%
Fonte: Dados da pesquisa, 2015.

Quanto à questão se o educador incentiva a aprendizagem significativa,


em sua grande maioria dos docentes percebem a linguagem científica e
em segundo lugar a estrutura lógica. Dessa forma esses elementos aliados
a interdisciplinaridade, o percurso construtivista e a produção científica
colaboram para a efetivação da aprendizagem significativa (tabela 10).
Esta aprendizagem se estabelece em um ambiente de criatividade em que o
docente utiliza metodologias inovadoras, estimula a produção da pesquisa
de forma interdisciplinar em que o discente tem a possibilidade de adquirir
conhecimentos holísticos envolvendo as diversas disciplinas do curso de
bacharelado em Administração.

Tabela 3: Distribuição do incentivo a aprendizagem significativa

Categorias Frequência absoluta %


Linguagem científica 58 64,44%
Estrutura lógica 12 13,33%
Interdisciplinaridade 10 11,11%
Percurso construtivista 5 5,55%
Produção científica 5 5,55%
Fonte: Dados da pesquisa, 2015.

MEDOTODOLOGIAS DE ENSINO APRENDIZAGEM ENTRE DOCENTES E DISCENTES NO 401


CURSO DE ADMINISTRAÇÃO NA UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ: UM ESTUDO DE CASO
Quanto aos melhores resultados nas disciplinas que ministram
foram o ensino em sua maioria e a extensão em segundo lugar, seguido
das visitas técnicas, grupos de pesquisa e do projeto PIBEU. No ensino
dedica-se maior tempo com maior carga horária e num segundo plano a
extensão em que o aluno participa de cursos de apoio e complementação,
participa de seminários, congressos, desenvolve atividades de estágio e tem
a oportunidade de desenvolver projetos nas áreas e temas de seu interesse
para o aprimoramento de linhas de pesquisa como o PIBEU.
Observou-se que em sua maioria predominou o compromisso ético-
profissional e em segundo lugar a motivação seguido da capacidade técnica-
científica e competências para usar recursos e tecnologias educacionais.
Desta forma o perfil dos docentes é compromissado com a relação ética
profissional em que o mesmo desenvolve conteúdos e práticas pedagógicas
em consonância com os valores éticos do ensino aliado ao fator motivação
essencial para que todos os sujeitos docentes e discentes desenvolvam suas
atividades de forma integrada em que todos se motivam e fazem parte do
processo de ensino aprendizagem.
Quanto à questão se o docente oportuniza ao discente interagir com
o objeto do conhecimento a nível de aprendizagem significativa 22 discentes
afirmaram que é o acesso ao conhecimento jurídico em um primeiro nível e
a interação do discente seguido do incentivo a prática (tabela 4).

Tabela 4: Articulação ensino, pesquisa e extensão no desenvolvimento das


atividades de ensino

Categorias Frequência absoluta %


Ausência de interação do discente com o docente 17 18,88%
Explicita o conteúdo 20 22,22%
Incentiva a prática 14 15,55%
Referência aos negócios 8 8,88%
Conhecimento jurídico (empresa) 9 9,99%
Trabalhos em grupos 10 11,11%
Responsabilidade 5 5,55%
Estimula a aprendizagem significativa 7 7,77%
Fonte: Dados da pesquisa, 2015.

402  Conceição de Maria Carvalho Mendes


Quanto à questão se o docente oportuniza ao discente interagir com
o objeto do conhecimento a nível de aprendizagem significativa 22 discentes
afirmaram que é o acesso ao conhecimento jurídico em um primeiro nível e
a interação do discente seguido do incentivo a prática (tabela 5).

Tabela 5: Docente oportuniza ao discente interagir com o objeto do


conhecimento a nível de aprendizagem significativa

Categorias Frequência absoluta %


Interação do discente 19 21,11%
Incentivo a prática 17 18,88%
Informatização 11 12,22%
Referência aos negócios 8 8,88%
Conhecimento jurídico (empresa) 22 24,44%
Trabalhos em grupos 8 8,88%
Responsabilidade 5 5,55%
Fonte: Dados da pesquisa, 2015.

Ao analisar os resultados da questão sobre a missão da UESPI,


identificou-se que a maioria dos docentes afirmaram que há preponderância
do ensino, em relação ao PIBIC e a pesquisa. É preciso melhorias no
desenvolvimento da aprendizagem significativa em relação a conteúdos
que possam envolver atividades e extensão através de projetos e programas,
contemplando um quantitativo maior na elaboração e execução por parte
dos docentes para que desta forma fortaleçam a participação de forma
criativa e significativa dos discentes em questão. Nesse contexto as políticas
para a educação superior no Brasil devem preparar profissionais voltados
para a pesquisa e extensão questionando a realidade local e em busca de
soluções para a melhoria do ensino e dos problemas sociais (PEREIRA et
al, 2015).
Ao questionar sobre as categorias referidas no uso de materiais
didáticos e as ferramentas usadas na prática docente, destacaram como
de pouco uso de data show, documentários, filmes, apostilas e artigos
científicos. Por outro lado, identificaram com os mais utilizados no
ambiente da sala de aula pelos docentes foram: textos, slides, livros, quadro
branco e pincel.

MEDOTODOLOGIAS DE ENSINO APRENDIZAGEM ENTRE DOCENTES E DISCENTES NO 403


CURSO DE ADMINISTRAÇÃO NA UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ: UM ESTUDO DE CASO
Portanto, melhorias na qualidade de ensino vão exigir repensar
sobre o uso de materiais didáticos e as ferramentas usadas em sala de
aula, através de abordagens, planejamento, procedimentos e técnicas,
procurando alternativas viáveis. Importante, também, haver investimentos
em novos materiais didáticos, na formação dos futuros docentes e em
educação continuada, visto que as medidas recomendadas nos PCN
requerem vários outros recursos, fora outros recursos em de um elevado
nível de conhecimento, proficiência na língua alvo, criatividade e iniciativa
por parte do docente (SANTOS et al, 2016).
Atualmente, Pimenta (2010), tem refletido muito acerca da
preparação que os educadores em formação têm recebido em seus cursos
de bacharelado. Verifica-se, entre outros pontos que a universidade não
tem conseguido êxito na formação de docentes nos cursos de bacharelado,
os quais não têm se mostrado devidamente preparados no que tange ao
exercício exigido pela docência.

Considerações finais

Os conhecimentos trabalhados em sala de aula, refletem realidades


locais, em que os discentes participam do processo de ensino aprendizagem,
sabendo ouvir os docentes e discentes, questionar e produzir textos
científicos em artigos, projetos, resenhas, monografias. Para Freire (1996),
os conhecimentos em sala de aula oportunizam a aprendizagem reflexiva
em que tanto os docentes e discentes participam da construção do
conhecimento significativo.
Esta ocorre quando o docente utiliza métodos inovadores e criativos
que dêem oportunidade ao aluno de relacionar a teoria com a prática a
partir do desenvolvimento de pesquisas diagnósticas no meio social.
Em sua grande maioria as respostas indicaram que o ensino seguido
da extensão e projetos como o PIBIC e o PIBEU possibilitam melhor
aproveitamento no ensino aprendizagem. Porém o acesso a esses projetos
é difícil pelo número limitado de bolsas de incentivo a pesquisa e só os
alunos com alto coeficiente de rendimento no histórico escolar do curso de
Bacharelado em Administração tem acesso.
Com relação às categorias: ensino e extensão, foram preponderantes,
mas faz-se necessário que o docente adquira informações, conhecimentos e
experiências para que possa possibilitar ao discente projetos, congressos e

404  Conceição de Maria Carvalho Mendes


seminários a nível e iniciação científica, bem como atividades de extensão,
ampliando a compreensão e o deslanchar da criatividade e criticidade no
processo da aprendizagem significativa.
A realidade educacional está vinculada as competências para usar
recursos e tecnologias educacionais. As aulas ministradas necessitam de
uso de tecnologia como data show, computadores, acesso a internet para
viabilizar um acervo de conteúdos integrativos de forma holística em que
o aluno tem o conhecimento das disciplinas para enxergar o todo social e a
realidade empresarial.

Referências

GIL, A. C. Métodos e técnicas em pesquisa social. São Paulo: Atlas, 1996.

LOBIONDO-WOOD, G.; HABER, J. Pesquisa: métodos de avaliação,


crítica e utilização. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001.

PEREIRA, R. S. et al. Ensino de inovação na formação do administrador


brasileiro: contribuições para gestores de curso. Rev. Administração,
ensino e pesquisa, Rio de Janeiro, v. 16, n. 1, jan – fev, 2015.

PIMENTA, Selma Garrido; ANASTASIOU, Lea Graças. Docência do Ensino


Superior. 4.ed. São Paulo, 2010.

POLIT, D. F.; BECK, C. T. Research: methods, appraisal and utilization. 6.


ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2006.

RICHARDSON, Roberto Jarry. Pesquisa social: métodos e técnicas. São


Paulo: Atlas, 1999.

MEDOTODOLOGIAS DE ENSINO APRENDIZAGEM ENTRE DOCENTES E DISCENTES NO 405


CURSO DE ADMINISTRAÇÃO NA UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ: UM ESTUDO DE CASO
SOBRE OS ORGANIZADORES
E AUTORES

ORGANIZADORES:

Francisco Antonio Machado Araujo


Doutor em Educação (UFPI), Mestre em Educação (UFPI), Licenciado
em História (UESPI). Graduado em Pedagogia (ISEPRO), Especialista
em História das Culturas Afro-Brasileiras (FTC). Professor Adjunto do
Departamento de Ciências Sociais e Educação - UFDPar. Pesquisador do
Núcleo de Estudos e Pesquisas Histórico-críticas em Educação e Formação
Humana - NEPSH. Desenvolve pesquisas com os seguintes temas:
Processos constitutivos da (trans) formação humana pela mediação da
educação. Processos constitutivos da identidade do educador. Processos
de produção de significados e sentidos da profissão docente, notadamente
da formação e da atividade docente. Desenvolvimento profissional
do educador, tendo como fundamentação teórico-metodológica o
Materialismo Histórico Dialético, Pedagogia Histórico Crítica e a Psicologia
Histórico-Cultural. Lattes: http://lattes.cnpq.br/7901115696539402.
E-mail: chiquinhophb@gmail.com.

Raimundo Dutra de Araújo


Doutor em Educação /Universidade Metodista de Piracicaba/SP. Está
cursando Pós-doutorado em Educação na Universidade Estadual de
Campinas (UNICAMP). Realizou Estágio de Pós-graduação em Educação
(Doutorado Sanduíche PDSE / CAPES) na Unidade Transdisciplinar de
Investigação em Supervisão (UTIS) do Centro de Investigação Didática e

SOBRE OS ORGANIZADORES E AUTORES 407


Tecnologia na Formação de Formadores (CIDTFF), no Departamento de
Educação da Universidade de Aveiro/Portugal. Mestre em Educação /
Universidade Federal do Piauí. É especialista em Psicopedagogia Institucional
e Clínica (FSA). Possui graduação em Pedagogia / Universidade Estadual
do Piauí (UESPI). Possui Aperfeiçoamento em Gestão Pública Estadual/
Escola Nacional de Administração Pública (ENAP). É Professor Adjunto
da Universidade Estadual do Piauí (UESPI). É Comendador do Estado do
Piauí. É membro da Academia Teresinense de Letras (ATL), ocupante da
Cadeira Nº 13. É Membro da Academia de Letras do Vale do Longá (ALVAL),
ocupante da Cadeira Nº 01. É Membro da Sociedade Literária de Teresina
- SOL. É Membro da União Brasileira de Escritores (UBE/PI). É Membro da
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED).
É Coordenador Adjunto do Comitê Estadual de Educação em Direitos
Humanos do Piauí. É membro do Grupo de Estudos e Pesquisas Histórico-
Culturais em Formação de Professores e Prática Pedagógica (GEHFOP/
UESPI) e do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação na Psicologia
Sócio-Histórica (NEPSH/UFPI).

AUTORES:

Adriana Borges Ferro Moura


Doutora em Educação pelo PPGEd-UFPI. Graduada em Direito pela UFPI,
Graduada em Pedagogia pela UFPI, Especialista em Direito Constitucional
pela ESAPI/UFPI, Especialista em Bioética e Direitos Humanos ANIS,
Mestre em Educação PPGEd UFPI. Diretora Acadêmica do iCEV- Instituto
de Ensino Superior. Professora de Direito Penal: Teoria do Crime e Teoria da
Pena (graduação e pós-graduação), Criminologia. Professora de Pedagogia
da Universidade Estadual do Piauí. Professora de Pós graduação também
nas áreas de Docência Superior e Metodologia do Ensino Superior (pós-
graduação). Avaliadora INEP/MEC. Autora de vários artigos na área de
Docência Superior. Autora do Livro Docência Superior: o desenvolvimento
profissional do professor bacharel em direito.

Adriana Tolentino Sousa


Doutoranda em Educação pela Universidade de São Paulo (USP), mestra
em Educação pela Universidade Federal do Piauí e licenciada em Pedagogia

408 
pela Universidade Estadual do Piauí. Atualmente realiza pesquisa na área
da Sociologia da Educação com ênfase nas trajetórias profissionais de
mulheres negras, também se dedicando a temas relacionados a teorias e
metodologias do feminismo negro. Integra os grupos pesquisa Fateliku,
com foco em educação, relações étnico-raciais, gênero e religião e RODA
GRIÔ-GEAfro: Gênero, educação e afrodescendência. Trabalhou como
docente no Instituto Federal de São Paulo e nas Universidades Estaduais
do Piauí e do Maranhão, ministrando disciplinas na área de Fundamentos
da Educação para licenciaturas. Também foi consultora do Instituto
Interamericano de Cooperação para a agricultura (IICA), coordenou
projetos em educação popular, políticas de enfrentamento a pobreza rural
e articulação de políticas públicas para mulheres.

Ana Lúcia Gomes da Silva


Doutora e Mestre em Educação pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Pós-doutora em Educação pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro
(UFTM). Professora titular do Departamento de Ciências Humanas da
Universidade do Estado da Bahia (UNEB), campus IV, Jacobina. Docente
permanente do Curso de Letras Vernáculas e do Programa de Pós-Graduação
em Educação e Diversidade (PPED), UNEB, Jacobina. Líder do grupo de
pesquisa Diversidade, Formação, Educação Básica e Discursos (Difeba)
e pesquisadora vinculada ao grupo de pesquisa Docência, Narrativas e
Diversidade (Diverso), UNEB. Pesquisa e orienta pesquisas com os temas
formação de professores e profissão docente na educação básica com
ênfase na diversidade e seus marcadores sociais. Possui experiência na
área de Letras, com ênfase Estágio Supervisionado, Prática Pedagógica,
Seminários Interdisciplinares de Pesquisa, atuando principalmente nos
seguintes temas: leitura e linguagens, formação de professores, educação
e as relações de gênero. Possui experiência de atuação na educação a
distância EAD.
Link para acessar o lattes: http://lattes.cnpq.br/2930871385446150 
E-mail: analucias12@gmail.com

Ana Rosa Rebelo Ferreira de Carvalho


Licenciatura (2002) e Graduação (2003) em Psicologia pela Universidade
Federal da Paraíba. Mestre em Psicologia (Psicologia Clínica) pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (2008). Doutoranda em Psicologia

SOBRE OS ORGANIZADORES E AUTORES 409


Clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Especialista
em Psicologia da Saúde (Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
2004), em Teoria, Pesquisa e Intervenção em Situações de Luto (Instituto
4 Estações, 2008) e Terapia Familiar e de Casal. (Instituto Camilo Filho,
2015). Atualmente é professora assistente II da Universidade Estadual do
Piauí, preceptora da Residência Multiprofissional em Terapia Intensiva do
Adulto, Coordenadora da Clínica Escola da UESPI, Membro do Núcleo de
Apoio Psicopedagógico da Saúde da UESPI, coordenadora do Programa de
Extensão Plantão psicológico na Abordagem Centrada na Pessoa e membro
do Comitê de Ética em Pesquisa da UESPI. Tem experiência na área de
Psicologia, atuando principalmente nos seguintes temas: psicologia clínica,
Abordagem Centrada na Pessoa, luto, psicologia hospitalar, humanização
e cuidados paliativos.

Ana Valéria Marques Fortes Lustosa


Pós-Doutora em Educação Especial pela Universidade Federal de São
Carlos (UFSCAR). Doutora em Psicologia pela Universidade de Brasília
(UNB). Mestre em Educação pela Universidade Federal do Piauí (UFPI).
Psicóloga formada pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). Atua
como Docente no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPI. É
líder do Núcleo de Estudos em Educação Especial e Inclusiva (NEESPI).

Antonia Almeida Silva


Doutora em Educação USP, professora Titular da UEFS, onde exerce
atividades docentes desde 1993, na Área de Política Educacional, tanto nos
cursos de licenciatura quanto no Mestrado acadêmico em educação. Suas
publicações na área são voltadas para a análise das Políticas Educacionais,
atuando, principalmente, nos seguintes temas: enfoques epistemológicos e
metodológicos das pesquisas em políticas educacionais; gestão e políticas
para educação básica do campo e da cidade; Estado e educação. No biênio
2017-2019 foi vice-coordenadora da seção Bahia da Associação Nacional
de Política e Administração da Educação (ANPAE). Fundadora do grupo
de pesquisa Centro de Estudos e de Documentação em Educação (CEDE)/
UEFS.
E-mail: antoniasilva@uefs.br

410 
Carlos Eduardo Gonçalves Leal
Doutor em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação
da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Mestre em Educação pela UFPI.
Especialista em Psicologia da Educação pela UFPI. Psicólogo formado pelo
Centro Universitário Santo Agostinho (UNIFSA). Atua como Psicólogo na
UFPI e como Docente no Centro Universitário Santo Agostinho (UNIFSA).
É pesquisador do Núcleo de Estudos em Educação Especial e Inclusiva
(NEESPI).

Clívio Pimentel Júnior


Doutor em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação,
Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia. Professor no curso
de Licenciatura em Ciências Biológicas e no Programa de Pós-Graduação
em Ensino, Universidade Federal do Oeste da Bahia. Líder do Grupo de
Pesquisa Políticas de Currículo, Diferença e Educação em Ciências. Dedica-
se aos estudos na área de Educação – (Auto)Biografia e Formação de
Professores; Currículo, Cultura e Cotidiano escolar; Política de Currículo,
Diferença e Ensino de Ciências e Biologia, em abordagens pós-estruturais e
pós-fundacionais. E-mail: [cpjunior@ufob.edu.br].
ORCID [https://orcid.org/0000-0002-7544-4496]
LATTES [http://lattes.cnpq.br/7868680338671520]

Conceição de Maria Carvalho Mendes


Possui doutorado em Administração pela UNINTER - PY, Mestrado em
Administração pela UFPB e graduação em Filosofia pela Universidade
Federal do Piauí (1988), Especialização em Filosofia Contemporânea e
mestrado em Administração pela Universidade Federal da Paraíba (2002).
Doutora em Administração pela UNINTER (PY), Período: 2013/2017.
Atualmente é efetiva da Universidade Estadual do Piauí, professora das
disciplinas Ética, Prática de Pesquisa, Métodos e técnicas e TCC - UNIV.
ESTADUAL DO PIAUÍ. Membro do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão
e Conselho Universitário e Coordenadora de TCC do NEAD. Membro
do Comitê de Ética na Pesquisa CEP/UESPI no período 2011/2012 e
Coordenadora Pedagógica do Núcleo de Educação a Distância da UESPI até
04 de fevereiro de 2014. Portaria nº 0032/2012. Presidente da Comissão de
Avaliação dos Docentes do Centro de Ciências da Educação, Comunicação
e Artes (CCECA). Membro do Conselho de Centro e do Colegiado do Curso

SOBRE OS ORGANIZADORES E AUTORES 411


do CCECA, Membro do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPEX)
e Membro do Conselho Universitário da UESPI. Coordenadora do Curso de
Especialização em LIBRAS-UESPI.

Denílson Barbosa dos Santos


Mestre em Geografia pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da
Universidade Federal do Piauí/PPGGEO/UFPI, na linha de pesquisa Ensino
de Geografia. Possui graduação em Geografia Licenciatura (UEMA/2008)
e graduação em Pedagogia Licenciatura (UEMA/2014). É Especialista
em Educação de Formadores de Professores/FACEMA; Especialista
em Educação do Campo/UEMA; Especialista em Supervisão, Gestão e
Planejamento Educacional/IESF; Especialista em Educação Profissional
Integrada à Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e
Adultos/PROEJA/IFMA; Especialista em Psicologia da Educação/UEMA;
Especialista em Atendimento Educacional Especializado/AEE/Dom
Bosco. Membro do grupo de pesquisa em Pesquisa e Extensão em Ensino
de Geografia (NUPEG/UFPI). É professor do Ensino Básico, Técnico e
Tecnológico do IFMA campus Codó; Professor concursado de Geografia
da Secretaria Municipal de Educação de Matões-MA desde 2009 aos dias
atuais. Atuou como Professor Substituto do Departamento de História
e Geografia do Curso Licenciatura Plena em Geografia da Universidade
Estadual do Maranhão, campus Caxias (2013/2016). É professor do Cursos
de Pós-Graduação Lato Sensu do Instituto de Educação Athena. Desenvolve
pesquisa na área de Geografia/Pedagogia e Educação com ênfase nas linhas
de pesquisas formação docente e práticas de ensino; formação continuada
de professores, práticas pedagógicas, Educação do Campo, Educação de
Jovens e Adultos; Educação Especial/Educação Inclusiva.
E-mail: denilsonbarbosaestudos@gmail.com

Diego Bruno de Souza Pires


Mestrado em Educação, UEFS, Bel. em Direito pela UNEB, professor da
Faculdade Anísio Teixeira (FAT) e da Universidade Salvador (UNIFACS).
Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do
Brasil - OAB de Feira de Santana/BA. Advogado e Consultor Jurídico. Atua
como Advogado nas áreas Criminal, Civil, Administrativa e Trabalhista.
Colaborador das Revistas de Direito: Âmbito-Jurídico, Viajus e Webartigos.

412 
Escritor-Colaborador do Jornal Diário da Região. Pesquisador na área de
argumentação jurídica e filosofia do direito.
E-mail: consultoriasouzapires@gmail.com

Georgina Quaresma Lustosa


Doutora em Ciências da Educação pela Faculdade de Psicologia e Ciências
da Educação da Universidade de Coimbra – Portugal. Mestrado em
Educação pela Universidade Federal do Piauí. Formação em Biodança pela
International Biocentric Fundation (Sistema Roland Toro). Licenciatura
Plena em Filosofia pela Universidade Federal do Piauí. Bacharel em Serviço
Social pela Universidade Federal do Pará. Atualmente é professora adjunta
da Universidade Federal do Piauí – Centro de Educação Aberta e a Distância
- CEAD. Com atuação nas áreas de formação de professores, práticas
pedagógicas, filosofia da educação, saberes docentes se outros saberes.

Haêde Gomes Silva


Possui graduação em Licenciatura Plena em Pedagogia pela Universidade
Federal do Piauí (2001), especialização em Psicopedagogia pela Faculdade
de Ensino Superior do Piauí (2006) e Mestrado em Educação pela
Universidade do Piauí (2016). Funcionária pública concursada da Secretaria
Municipal de Educação e Cultura de Teresina desde 1994 na função de
professora dos anos iniciais do ensino fundamental. Atualmente exerce o
cargo de Diretora-adjunta da Escola Municipal Moaci Madeira Campos,
tutora à distância especial da Universidade Federal do Piauí e professora
substituta do Departamento de Pedagogia da Universidade Estadual do
Maranhão, polo Timon.

Isabel Maria Sabino de Farias


Doutora em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC), com
estágio pós-doutoral pela UNB, licenciada em Pedagogia pela Universidade
Estadual do Ceará (UECE). Professora associada da UECE, vinculada
ao Curso de Pedagogia e ao Programa de Pós-graduação em Educação
(mestrado e Doutorado). Coordenou o Programa Institucional de bolsa
de Iniciação à Docência (PIBID) na UECE (2010 a 2014). Vice-presidente
Nordeste da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em
Educação – ANPED (2015-2019). Líder do grupo de pesquisa Educação,

SOBRE OS ORGANIZADORES E AUTORES 413


Cultura Escolar e Sociedade (EDUCAS), onde desenvolve estudos sobre
desenvolvimento profissional docente, inovação e docência. Coordena o
Observatório sobre Desenvolvimento Profissional Inovação Pedagógica,
iniciativa apoiada pelo OBEDUC/CAPES.

Ivana Maria de Lopes Melo Ibiapina


Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal do Piauí (1994),
graduada em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Piauí
(1989), Mestrado em Educação pela Universidade Federal do Piauí (2002)
e Doutorado em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande
do Norte (2004). Estágio pós-doutoral (2009) realizado na PUC-SP,
supervisionado pela Professora Doutora Maria Cecilia Camargo Magalhães,
na área de Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem. Atualmente
(2017), é professora aposentada da Universidade Federal do Piauí, Centro
de Ciências da Educação, Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino
e colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPI.
Coordenadora da base de pesquisa FORMAR. Presidente da Associação
Francofone de Pesquisa Científica em Educação - AFIRSE. Possui experiência
na área na educação básica e superior. Estuda e pesquisa os seguintes temas:
Prática educativa e formação docente, docência universitária. Desenvolve
estudos e pesquisas com base nos princípios do Materialismo Histórico
Dialético e da Pesquisa Colaborativa.

Kelly Karine Sousa Rodrigues Figueiredo


Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual do Piauí
(1999), Especialização em Educação: Supervisão Escolar pela Universidade
Estadual do Piauí (2000) e Mestrado em Educação pela Universidade
Federal do Piauí (2018). Atualmente atua como professora de séries iniciais
da Secretaria de Educação do Distrito Federal

Lucélia Costa Araújo


Doutora em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação
(PPGEd) da Universidade Federal do Piauí (UFPI), em 2019, na Linha de
Pesquisa Formação Docente e Prática Educativa. Mestra em Educação,
em 2015, pelo PPGEd/UFPI. Graduada em Pedagogia pela Faculdade
Piauiense (FAP) de Parnaíba-PI, em 2011. Pesquisa a dimensão subjetiva
da profissão docente, a identidade docente e as significações produzidas

414 
pelos professores acerca das determinações de sua atividade, sobretudo
na educação superior. É professora assistente do Curso de Pedagogia
da UFPI, Campus Senador Helvídio Nunes de Barros (CSHNB), em Picos-
PI, e integrante do Núcleo de Estudos e Pesquisas Histórico-Críticas em
Educação e Formação Humana (NEPSH).

Maria Andréia da Nóbrega Marques


Possui graduação em Psicologia pela Universidade Estadual do Piauí - UESPI
(2003), Mestrado em Educação pela Universidade Federal do Piauí (2009),
Doutorado em Psicologia pela Universidade São Francisco (2016) e Pós-
doutorado em Psicologia pela Universidade São Francisco (2017). Possui
especialização em Magistério Superior, especialização em Gestalt Terapia,
Especialização em Neuropsicologia e Formação em Psicoterapia Breve na
Abordagem Gestáltica. Cursando MBA em Gestão de Saúde. Atualmente
é psicóloga e gerente de reabilitação intelectual do Centro Integrado de
Reabilitação - CEIR. Atua como gestalt terapeuta e neuropsicóloga clínica.
É professora do Centro Universitário Santo Agostinho e professora adjunta
da UESPI. Tem experiência na área de Psicologia nas áreas de Psicologia
Clínica, Psicologia Hospitalar e Neuropsicologia. É pesquisadora do
grupo de pesquisa Núcleo de Estudos, Pesquisas e Extensão em Educação
e Sociedade, da UESPI. É líder e pesquisadora do grupo de pesquisa
Grupo de Estudos em Neurociência, Neuropsicologia e Reabilitação,
da UESPI. Estuda e pesquisa principalmente nos seguintes temas:
Educação, Desenvolvimento Neuropsicomotor, Testes Neuropsicológicos,
Instrumentos de Avaliação Neuropsicológica, Avaliação Neuropsicológica,
Reabilitação Neuropsicológica, Deficiências, Disfunções neurológicas,
Saúde Mental, Distúrbios do desenvolvimento e Depressão.

Maria da Glória Soares Barbosa Lima


Possui graduação em Letras Português pela Universidade Federal do Piauí
(1971), graduação em Pedagogia pela Universidade Federal do Piauí
(1980), Mestrado em Educação pela Universidade Federal do Piauí (1995)
e Doutorado em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (2003). Professor Associado II da Universidade Federal do Piauí,
Centro de Ciências da Educação, Departamento de Métodos e Técnicas
de Ensino (Aposentado) e do Programa de Pós-Graduação em Educação.
Professora Permanente do Programa de Pós-Graduação em Educação

SOBRE OS ORGANIZADORES E AUTORES 415


(Colaborador), orientando mestrado e doutorado. Atua nas linhas de
pesquisa Ensino, formação de professores e prática pedagógica (Mestrado)
e Formação docente e prática educativa (Doutorado). Integra do Grupo de
Pesquisa NUPPED (Núcleo de Pesquisa em Formação e Profissionalização
em Pedagogia). Tem experiência na área de Educação, com ênfase na
formação de professores, atuando principalmente nos seguintes campos:
formação de professores inicial e continuada, didática, docência superior,
desenvolvimento profissional docente, com base na pesquisa narrativa,
na (auto)biografia e na etnografia. Membro do Conselho Científico
do periódico Gnose em Revista. Editora Adjunta da Revista Linguagens,
Educação e Sociedade. Membro da Rede Inter-Regional Norte, Nordeste
e Centro-Oeste de Docência na Educação Superior (RIDES), uma
organização de pesquisadores-docentes das Regiões Norte, Nordeste e
Centro-Oeste sobre o tema Formação Docente para/na Educação Superior,
que tem por objetivos democratizar o conhecimento, promovendo análises
das políticas públicas educacionais para educação superior e viabilizar
produções científicas coletivas, fortalecendo os esforços em direção a uma
Política (Nacional) Pública para Formação (Inicial e Continuada) Docente
para atuação nesse nível de Educação. Membro do BIOgraph (Associação
Brasileira de Pesquisa (Auto)biográfica. Membro da AFIRSE (Associação
Francofone Internacional de Pesquisa Científica em Educação).

Maria Teresa Ribeiro Pessoa


Doutora em Ciências da Educação. Professora Associada da Faculdade
de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra –
Portugal. Tem desenvolvido trabalho como docente e investigação nas
áreas da formação narrativa e reflexiva de professores e da utilização
pedagógica das tecnologias da informação e comunicação, domínios
onde tem diversas publicações e projetos nacionais e internacionais. É
membro colaborador do Grupo de Estudos de Educação e de Formação da
Universidade de Coimbra (GEEFUC) e do Instituto de Psicologia Cognitiva
e Desenvolvimento Vocacional e Social (IPCDVS), e membro integrado
do Grupo Le@d – Laboratório de Educação a Distância e E-learning da
Universidade Aberta. Integra a coordenação pedagógica do projeto de
Ensino a Distância da Universidade de Coimbra onde tem sido responsável
por diversos cursos em B-learning e D-learning no domínio da formação de
professores e da formação ao longo da Vida.

416 
Maria Vilani Cosme de Carvalho
Tem pós-doutorado (2011), doutorado (2004) e mestrado (1997) em
Educação, com área de concentração em Psicologia da Educação, pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. É professora-pesquisadora
da Universidade Federal do Piauí, na categoria associado, lotada no
Departamento de Fundamentos da Educação e no Programa de Pós-
Graduação em Educação no Centro de Ciências da Educação, atuando na
área e campo da Educação, em especial com a Psicologia da Educação,
ministrando disciplinas e orientando Trabalhos de Conclusão de Curso,
Iniciação Científica, Dissertações e Teses. Tem estudado e publicado sobre
temáticas relativas à linha de pesquisa Formação Humana e Processos
Educativos, como: os processos constitutivos da (trans)formação
humana, os processos de constituição da identidade do educador, os
processos de produção de significados e sentidos da profissão docente,
notadamente da formação e atividade docente, tendo como fundamentação
teórico-metodológica o Materialismo Histórico Dialético e a Psicologia
Sócio-Histórica.

Marleide Alves de Oliveira Medeiros


Mestra em Educação e Diversidade pelo Mestrado Profissional-(MPED),na
Universidade do Estado da Bahia-UNEB, Especialista em Mídias na
Educação pela Universidade do Sudoeste da Bahia(2013) ,e em Métodos e
Técnicas de Ensino pela Universidade Salgado de Oliveira(2006)Licenciada
em História pela Universidade Estadual da Bahia (1997).Professora
da rede estadual e municipal de ensino em Jacobina-BA, onde leciona
História e é articuladora da área de Ciências Humanas. Realiza estudos
na área de educação, relacionados à Lei 10639/03 e sobre o cinema no
ensino de História. Possui artigos publicados com ênfase em formação
docente, educação e diversidade, ensino de História e métodos de pesquisa
em educação Membro do Grupo de Pesquisa Diversidade, Formação,
Educação Básica e Discursos-DIFEBA. para acessar o lattes http://lattes.
cnpq.br/7992280245276052

Marlise Aparecida Bassani


Graduação e licenciatura em Psicologia pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (1978), mestrado (1984) e doutorado (1996) em
Educação: Psicologia da Educação, pela Pontifícia Universidade Católica

SOBRE OS ORGANIZADORES E AUTORES 417


de São Paulo. É professora titular da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo. Atuou como Coordenadora da Faculdade de Psicologia da
PUC/SP de 1995 a 1996, atuou também como Vice-Coordenadora do
Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica de 2005 a 2007
e como Coordenadora de 2007 a 2009. Atualmente é Coordenadora do
Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica, Coordenadora
do Núcleo Configurações Contemporâneas da Clínica Psicológica, do
Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, Líder do Grupo de Pesquisa CNPq
“Estudo e Pesquisa das Práticas Clínicas em Psicologia: pressupostos,
transformações e interfaces” e representante da Reitoria no Comitê de
Ética em Pesquisa da PUC/SP. Membro da International Association for People
Environment Studies (IAPS) e da Asociación de Psicología Ambiental PSICAMB, da
Espanha. Desenvolve pesquisas sobre configurações das práticas clínicas na
contemporaneidade e articulações entre Psicologia Ambiental e a Psicologia
Clínica. Tem experiência na área de Psicologia, em educação e em clínica,
com ênfase em Psicologia Ambiental e Saúde, atuando principalmente
nos temas: estressores ambientais (físicos e interpessoais), apropriação de
espaço e apego ao lugar, espaços de atendimento à saúde e humanização,
qualidade de vida e bem-estar na vida urbana e rural, agroecologia e
agricultura familiar, sustentabilidade, espiritualidade e meio ambiente.

Micksilane Teixeira Prado Chaves


Mestra em Educação na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia/
UESB, professora do Fundamental I no município de Vitória da
Conquista- Bahia. Faço parte do Grupo de Estudos e Pesquisa em
Educação do Campo - GEPEC/CNPQ e do Grupo de Estudos e Pesquisas
em História, Políticas e Práticas em Educação de Pessoas Jovens, Adultas e
Idosas- GEPHEJA/ CNPQ. E-mail: micksilanetc@gmail.com.

Osalda Maria Pessoa


Graduada em Letras/Português pela Universidade Estadual do Piauí (1994).
Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal do Piauí (1999). Pós-
graduada em Leitura e Produção de Texto pela Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais (1997) em Gestão e Supervisão Escolar pela
Faculdade Evangélica do Meio Norte do Maranhão. Coordenadora
Pedagógica do Ensino Médio da Rede Estadual (2006/2019). Foi Técnica

418 
em Gestão Educacional pela Secretaria Municipal de Educação de Teresina
(2001/2018). Co-Fundadora do Conselho Municipal de Educação de
Teresina. Coordenadora dos Parâmetros Curriculares Nacionais (2001-
2004) – Ensino Fundamental, do Programa Nacional do Livro Didático e
do Programa Nacional das Bibliotecas Escolares no Município de Teresina
(2013/20180. Membro da Comissão de Criação da Procuradoria de
Justiça da Educação (2010) no STJ-PI). Possui experiências docentes no
Ensino Superior nas disciplinas de Leitura e Produção de Textos, Teoria
Literária, Literatura Brasileira, Literatura Portuguesa, Análise do Discurso,
Semântica, Linguística Textual, Introdução à Linguística, Didática,
Metodologia da Língua Portuguesa e Estágio Supervisionado I e II pela
Universidade Estadual do Piauí (1995 – 2004) e nas disciplinas de Fonética e
Fonologia, Morfossintaxe pela Universidade Federal do Piauí (2004 – 2005).
Coordenadora da pós-graduação em Estudos Linguísticos pela Faculdade
de Ensino Superior do Piauí (FAESPI - 2005/2006). Mestra em Docência
do Ensino Superior do Instituto Pedagógico Latino-Americano y Caribeño
- Havana/Cuba (2000). Doutora em Ciências da Educação da Universidad
Internacional Tres Fronteras -Asunción/PY (2016) e Doutoranda pela
Universidade Internacional Ibero-Americana do México (2018 – 2023).

Patrícia Melo do Monte


Graduada em Psicologia (Universidade Estadual do Piauí). Especialista
em Psicopedagogia Clínica e Institucional (Faculdade do Ensino Superior
do Piauí) e Docência no Ensino Superior (Centro Universitário Santo
Agostinho). Mestre em Educação (Universidade Federal do Piauí).
Doutora em Educação (Universidade Federal do Piauí). Professora do
Centro Universitário Santo Agostinho e da Universidade Estadual do
Piauí. Membro do Conselho Brasileiro para Superdotação - ConBraSD e
da Associação Brasileira de Pesquisadores em Educação Especial - ABPEE.
Possui experiência na área de Psicologia e Educação, com ênfase em
educação inclusiva.

Raimunda Maria da Cunha Ribeiro


Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul. Realizou estágio pós-doutoral no PPGED na Universidade do
Oeste de Santa Catarina na cidade de Joaçaba-SC. Professora Adjunta da
Universidade Estadual do Piauí, no curso de Pedagogia. Coordena o Grupo

SOBRE OS ORGANIZADORES E AUTORES 419


de Estudos e Pesquisas Educacionais (GREPE). Pesquisa temas no campo
da gestão, tanto na educação básica quanto na educação superior.

Rosalina de Souza Rocha da Silva


Mestra em Educação pela Universidade Federal do Piauí pelo Programa
de Pós-Graduação em Educação. Especialista em História da Arte e da
Arquitetura pelo Instituto Camillo Filho e em Metodologia do ensino
fundamental, médio e superior pela FAESP. Graduada em Licenciatura Plena
em Educação Artística – Habilitação em Artes Plásticas pela Universidade
Federal do Piauí. Foi professora concursada da SEDUC (Secretaria da
Educação do Estado do Piauí) em 2000 e na SEMEC (Secretaria da Educação
do Município de Teresina) no ano de 2010, atualmente é servidora pública
federal no Instituto Federal do Piauí - Campus Parnaíba desde 2014.

Sérgio Teixeira da Silva


Possui graduação em Geografia pela Pontifícia Universidade Católica de
MG (2001). Mestre em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais
(2019). Pós-graduado em Educação Empreendedora pela Universidade
Federal de São João Del Rei/MG (2012). Pós-graduado em Planejamento,
Implementação e Gestão da Educação a Distância pela Universidade
Federal Fluminense/RJ (2013). Pós-graduado em Estudos Ambientais pela
Pontifícia Universidade Católica de MG (2003). Possui experiência na área
de Geografia com ênfase em Meio Ambiente. Atuou como vice-diretor em
escola pública da Rede Municipal de Ensino Contagem/MG. Exerceu a
função de professor assistente no curso de Pós-Graduação Lato Sensu em
Gestão Escolar da Universidade Federal de Minas Gerais. Exerceu a função
de professor na Rede Estadual de Ensino de MG. Atualmente é professor de
Educação Básica na Rede Municipal de Ensino de Contagem/MG.

Sheila Cristina Furtado Sales


Doutora em Educação, Professora titular da Universidade Estadual do
Sudoeste da Bahia, coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em
História, Políticas e Práticas em Educação de Pessoas Jovens, Adultas e
Idosas (GEPHEJA/ CNPQ) da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia.
E-mail: scfsales@gmail.com

420 
Shirlei Marly Alves
É licenciada em Letras Português pela Universidade Federal do Piauí ,
especialista em Educação a Distância pela Universidade de Brasília, mestre
em Linguística pela Universidade Federal do Ceará e doutora em Linguística
pela Universidade Federal de Pernambuco, onde desenvolveu pesquisa
sobre discurso e trabalho do tutor da Educação a Distância, com base em
estudos ergológicos e na Teoria Dialógica de Mikhail Bakhtin. É docente do
curso de Letras Português da Universidade Estadual do Piauí, atuando nas
modalidades presencial e a distância. Pertence ao quadro permanente do
Mestrado Profissional em Letras (PROFLETRAS) da UESPI. Tem experiência
com Linguística Aplicada, Metodologia da Pesquisa Científica e Educação
a Distância. Pesquisa a leitura e a escrita nas atividades de ensino de
língua e em livros didáticos (impressos e digitais), com foco nos gêneros
textuais, bem como o trabalho do professor de língua materna, a partir
da teoria dialógica do Círculo de Mikhail Bakhtin, Teorias da Leitura e
Teoria de Gêneros Textuais. É membro da rede de ancoragem do Programa
Escrevendo o Futuro - Olimpíada de Língua Portuguesa - atuando como
docente formadora do estado do Piauí.

Valdriano Ferreira do Nascimento


Doutor e Mestre em Educação pela Universidade Estadual do Ceará
(UECE), especialista em Gestão Escolar pela Universidade Estadual de Santa
Catarina (UESC), especialista em Psicomotricidade pela UECE, licenciado
em Pedagogia pela Universidade Estadual do Ceará (UECE) e graduado em
História e Geografia pela Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA). É
professor titular da UECE, vinculado ao Curso de Pedagogia da Faculdade
de Filosofia Dom Aureliano Matos (FAFIDAM/UECE) Membro do grupo
de pesquisa Educação, Cultura Escolar e Sociedade (EDUCAS). Atua nas
áreas de ensino e pesquisa em formação de professores, prática de ensino,
currículo e desenvolvimento profissional docente.

SOBRE OS ORGANIZADORES E AUTORES 421

Você também pode gostar