Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
A palavra religião provém do verbo latino religare (ligar, juntar, unir), o que
acentua uma das vertentes fundamentais da religião: a união entre o homem e
o divino.
4.A religião tem pois o seu fundamento na noção de sagrado, isto é, naquilo
que é de uma natureza sobrenatural, misteriosa que inspira temor e respeito.
1. Experiência Religiosa
As manifestações religiosas são tão antigas e estão de tal modo difundidas que
nos é difícil imaginar o Homem sem Religião. Chega-se à religião de múltiplas
maneiras, a mais frequente é através da família.
Os homens sempre esperam das religiões respostas para os enigmas com que
se deparam: O que é homem? Qual o sentido da sua existência? Qual a origem
e o fim do sofrimento? Como podemos atingir a felicidade? O que é a morte?
Existe uma justiça sobre-humana que castigue os que fizeram outros sofrer e
recompense as suas vítimas? Não encontrando respostas na ciência para
estas questões, buscam-nas com frequência na religião.
Mas o sentimento religioso emerge também a partir da própria consciência que
o Homem é um ser finito, limitado, imperfeito, que se descobre num mundo que
não criou e cujo sentido desconhece.
A experiência religiosa está igualmente associada a vivências particulares,
como os fenómenos sobrenaturais, que despertam os homens para outras
dimensões da realidade.
.
2.Transcendente
Cada experiência religiosa apresenta-se como uma ligação profunda e
envolvente do homem com o sagrado, na qual se anula na sua
individualidade. Sempre que o homem entra em contacto com o sagrado (o
divino, o transcendente) estamos perante um tipo particular de experiência
religiosa.
Todas as religiões assentam no pressuposto de que existem duas dimensões
do real: a sagrada e a profana.
A sagrada define-se por oposição à profana, e corresponde a uma realidade
que é assumida como perfeita, divina e dotada de poderes superiores aos
humanos, suscitando no homem respeito, medo e reverência.
A profana identifica-se com o mundo em que vivemos, sendo apontada como
banal e vista inferior em relação à sagrada (Profano, do latim pro (diante de ) e
fanum (espaço sagrado).
Em cada religião o transcendente expressa-se sob diversas formas e assume
diversas figuras: Deus, deuses, anjos, espíritos, etc.
3.Crenças
Todas as religiões apresentam-se como um sistema de crenças e ritos.
As crenças são representações sobre o sagrado elaboradas de forma mais ou
menos complexa, podendo ou não ser escritas. Estas crenças definem uma
concepção particular do sagrado, os seus poderes e virtudes. É inerente ao
próprio conceito de crença, algo que não é do domínio da razão. Procurar uma
explicação racional para a maioria das crenças revela-se quase sempre uma
tarefa em vão.
Cada religião privilegia certas formas de contacto com o sagrado em
detrimento de outras. Apresenta também uma dada explicação para o sentido
do mundo e a existência do próprio homem (vida, morte, etc), em geral
codificada sobre a forma de um conjunto de ensinamentos doutrinais.
Entre as crenças associadas ao aparecimento de manifestações religiosas
podemos destacar as seguintes:
A crença na existência de forças superiores ao Homem, a cujo poder este
estaria submetido. Estes seres que manifestam a sua vontade e designios no
mundo em que vivemos, são assumidos como absolutos, incondicionados,
divinos, transcendentes, não compostos, omniscientes, etc. Sozinhos ou em
grupo constituem uma outra dimensão da realidade, sendo frequentemente
considerada como a única que é verdadeira. O mundo em que vivemos é
encarado como uma mera ilusão, sonho.
A crença numa ordem e justiça sobre-humana. Esta crença permite ao
Homem suportar não apenas o sofrimento e as injustiças que experimenta no
seu quotidiano, mas também esperar uma espécie de recompensa após a
morte do seu corpo.
4. Ritos
Os ritos são um conjunto de práticas simbólicas através das quais o Homem
entra em contacto com o sagrado, transcendendo a sua condição profana.
Estes ritos devem ser executados com grande rigor, caso contrário daí poderão
advir funestas consequências.
Os ritos evocam quase sempre acontecimentos sobrenaturais ligados à origem
do mundo ou da própria religião. A sua repetição é vivida como uma
actualização desses acontecimentos memoráveis. Repetem-se os mesmos
gestos ou pronunciam-se as mesmas palavras que em tempos imemoriais uma
personagem divina realizou.
Os rituais são testemunhos públicos das crenças de uma dada comunidade,
que ao praticá-los não apenas reforça a sua unidade, também os sentimentos
de pertença dos seus membros
É em torno destas crenças e ritos que se estruturam as diversas comunidades
de crentes, acabando por diferenciá-las entre si em termos culturais e sociais.
..
5. Moral Religiosa
As comunidades religiosas são igualmente comunidades morais, isto é, os seus
membros partilham as mesmas normas de conduta, assumem os mesmos
modelos de vida e evitam praticar aquilo que a religião condena. A salvação
individual ou colectiva está dependente do cumprimento da lei divina.
O problema do sentido da existência
Quem é que, num momento ou noutro, ao olhar um céu nocturno, ao contemplar uma
flor ou ao reflectir sobre si próprio e os outros seres humanos, não se interrogou já
acerca da razão de ser disto tudo ou não se perguntou por que razão está aqui e como
deve viver para que a sua vida tenha sentido? Estas são questões que têm intrigado os
homens desde tempos imemoriais e são certamente algumas das perguntas mais
importantes que o ser humano pode colocar sobre si próprio. Há mesmo quem, como
Albert Camus, vá ao ponto de afirmar que estas são as únicas questões verdadeiramente
importantes:
Parte deste interesse pela questão do sentido da vida parece ser intelectual e resultar da
curiosidade própria do ser humano, do seu desejo natural de saber, como dizia
Aristóteles. Somos seres inteligentes num universo que nos deixa constantemente
perplexos e no qual cada nova descoberta, ao mesmo tempo que sacia a nossa
curiosidade, aumenta o nosso deslumbramento. É natural, portanto, que queiramos saber
o que é o universo e que papel — se é que algum — nos está nele reservado.
Mas uma parte substancial do interesse resulta também da sua grande importância para
a forma como vivemos a nossa vida. Teriam Hitler ou Estaline mandado matar milhões
de pessoas se soubessem que Deus tem um propósito para nós que requer um
comportamento moral exemplar? E teria S. Francisco Xavier empreendido a
evangelização do Oriente se soubesse que Deus não existe ou, se existe, não tem
qualquer propósito para o universo e para homem? É difícil imaginar que a resposta a
estas questões fosse em ambos os casos afirmativa. Por conseguinte, a maneira como
cada um, de forma mais ou menos consciente, responde a esta questão determina o
modo como encara a vida e influencia as decisões que toma.
E, no entanto, apesar deste grande interesse, a questão é tudo menos clara. Quando se
pergunta qual o sentido da existência, o que se quer exactamente dizer com isso? O que
significa a expressão «sentido da existência»?[2]
Algumas escolas filosóficas recusam-se a aceitar que se possa dizer que a existência tem
sentido. É o caso do positivismo lógico[3] e da escola da linguagem comum[4], que se
desenvolveram na primeira metade do século XX em Viena e Oxford, respectivamente.
Do ponto de vista dessas escolas, apenas as palavras e as frases têm sentido. Como a
vida não é nem uma coisa nem outra, ela não pode, segundo elas, ter qualquer sentido e,
portanto, dizer que a vida tem sentido é incoerente. Estas escolas, claro, entendem a
palavra «sentido» no sentido de «significado linguístico», como quando perguntamos
qual o sentido de uma frase ou dizemos que uma frase não tem sentido. Num caso
estamos a perguntar qual o significado da frase e no outro a afirmar que ela não tem
significado. Quando nos capítulos iniciais aprendeste a distinguir frases declarativas
com sentido (que expressam proposições) de frases declarativas sem sentido ou
absurdas (que não expressam proposições), a palavra «sentido» nesses casos estava a ser
utilizada com o sentido de «significado linguístico». Se entendermos que a palavra
«sentido» quer dizer isto, então a vida, como é óbvio, não tem qualquer significado e
estas escolas filosóficas têm toda a razão ao recusarem dizer que a vida tem sentido. No
entanto, a palavra sentido não tem apenas o significado de «significado linguístico».
Usemos um exemplo para tornar claro este ponto.
Se, tendo a história de Vonnegut por referência, perguntarmos qual o sentido da vida
humana, a resposta terá forçosamente de ser «fabricar uma peça para permitir entregar
uma mensagem numa galáxia distante». Esta resposta sugere que a palavra «sentido»,
além de ter o significado que acabámos de ver, também pode, pelo menos em certos
contextos, querer dizer propósito, finalidade ou desígnio, como quando, por exemplo,
perguntamos «Qual o sentido de fazer sofrer um animal indefeso?». Por conseguinte, a
pergunta sobre o sentido da vida pode também significar «Qual o propósito ou a
finalidade da vida?». Nesta acepção, a pergunta está longe de não ter sentido e de ser
incoerente. Já não se trata de dizer que a vida tem significado, no sentido que o termo
tem em linguística, mas de saber qual o objectivo da vida. É mesmo com este sentido,
com o sentido de «objectivo» ou «finalidade», que a expressão «sentido da existência» é
geralmente usada quando se fala do problema do sentido da vida.
A história de Vonnegut contém ainda uma outra implicação. É impossível não ter a
impressão de que se a finalidade da vida humana é produzir uma peça insignificante
para permitir levar uma mensagem, também ela insignificante, a uma galáxia longínqua,
a vida tem pouco que a faça merecer ser vivida. Isto sugere que para que a vida tenha
sentido não basta que tenha um propósito ou finalidade. É também necessário que esse
propósito tenha valor, que seja de alguma forma importante. No filme de João César
Monteiro, Recordações da Casa Amarela, o personagem principal, João de Deus,
colecciona pêlos púbicos de jovens donzelas. É evidente que a sua vida tem um
objectivo, mas é também evidente que não tem qualquer valor, visto que esse objectivo
não tem ele próprio qualquer valor. Coleccionar pêlos púbicos pode fornecer uma
finalidade à vida, mas é difícil imaginar que possa fazer com que mereça a pena vivê-la,
mesmo que isso torne a pessoa que o faz imensamente feliz. A razão está em que
quando nos interrogamos acerca do sentido da vida não queremos apenas saber qual o
objectivo que ela pode ter. Procuramos também uma justificação para a nossa
existência, algo que lhe dê valor e que a faça merecer a pena ser vivida. Perguntar,
então, qual o sentido da vida implica perguntar como devemos viver para que a nossa
vida mereça a pena ser vivida. Talvez a melhor forma de entenderes isto seja
imaginares-te no fim da vida, já muito idoso, às portas da morte, olhando para o passado
e perguntando a ti mesmo se a tua vida teve sentido (ou, se preferires, uma vez que o
resultado é o mesmo, imaginares-te agora a perguntares a ti mesmo como deves viver a
tua vida para que, uma vez velhinho, possas dizer que ela teve sentido). Chegarás
facilmente à conclusão de que há apenas duas coisas que interessam para responder a
essa questão:
Se a tua resposta a estas perguntas for em ambos os casos afirmativa, então a tua vida
teve sentido. Se, pelo contrário, nenhuma das tuas respostas ou se apenas uma foi
afirmativa, então a tua vida não teve sentido.
Alguns pensadores afirmam que para que a vida tenha sentido é não apenas necessário
que tenha um objectivo com valor como que esse objectivo possa ser alcançado. Isto, no
entanto, parece não ser verdade. Se fosse, a vida de alguém que se dedicasse a um
objectivo inquestionavelmente meritório, mas, dado o estado actual do mundo,
inalcançável, como, por exemplo, acabar com a exploração dos animais pelo homem,
não teria sentido, mesmo que, ao tentar atingir esse objectivo, essa pessoa tivesse
contribuído de forma significativa para que os animais fossem melhor tratados. Além
disso, dado que a esmagadora maioria dos homens não consegue atingir os seus
objectivos, se só aqueles que atingissem o seu objectivo pudessem ter uma vida com
sentido, o número das pessoas com uma existência com sentido seria certamente muito
reduzido.
Outros pensadores têm uma perspectiva inversa e afirmam que não é o objectivo que dá
sentido à vida, mas o processo pelo qual se procura alcançar esse objectivo.
Richard Taylor, “The Meaning of Life” in Klemke, E. D., The Meaning of Life, p. 174
Este ponto de vista também não parece correcto, uma vez que viola duas fortes intuições
dos seres humanos. Em primeiro lugar, o comportamento das pessoas parece
constantemente mostrar que acreditam que são os objectivos que dão sentido à sua vida
e não os processos pelos quais os alcançam. Em segundo lugar, se fossem os processos
por intermédio dos quais atingimos os objectivos das nossas vidas que lhes dão sentido,
então ter uma vida com sentido consistiria simplesmente em viver a vida e, portanto, a
vida de praticamente toda e qualquer pessoa teria, nesse caso, sentido. Assim, quer a
ideia de que a vida tem sentido apenas quando alcançamos os nossos objectivos quer a
ideia de que aquilo que dá sentido à vida é o que fazemos para atingir os nossos
objectivos parecem estar erradas. A primeira porque implica que apenas um número
muito limitado de pessoas tenha uma vida com sentido; e a segunda porque implica que
toda a gente tem uma vida com sentido (desde que, evidentemente, tenha objectivos e
faça alguma coisa para os atingir). Não deve ser preciso ser santo para ter uma vida com
sentido e não se pode ser serial killer e ter uma vida com sentido. A verdade deve estar
algures no meio.
Podemos, portanto, concluir que o objectivo poder ser alcançado não é uma condição
para que a vida tenha sentido. Assim, há apenas duas condições que são necessárias e
suficientes para que a vida tenha sentido, a saber, que a vida tenha um ou mais
propósitos, finalidades ou objectivos e que esse objectivo ou esses objectivos tenham
valor.
Actividades
2. Por que razão algumas escolas filosóficas afirmam que a vida não pode ter sentido?
3. Para que a vida tenha sentido, é suficiente que tenha uma finalidade? Justifica.
4. Explica por que razão as ideias de que a vida tem sentido apenas quando alcançamos
os nossos objectivos e de que aquilo que dá sentido à vida é o que fazemos para atingir
os nossos objectivos estão erradas.
5. Indica as condições necessárias e suficientes para que a vida mereça a pena ser
vivida.
A resposta religiosa
Chegados a este ponto, parece que afinal o problema do sentido da vida é de fácil
resolução. Tudo o que precisamos fazer é determinar qual o objectivo ou os objectivos
que têm valor e dedicar a nossa vida à sua realização. Ora, o problema está
precisamente aqui. Embora os filósofos estejam em geral de acordo em que uma vida
para ter sentido tem de ter um ou vários objectivos com valor, estão longe de concordar
quanto a qual ou quais os objectivos que têm valor.
Isso resulta, pelo menos em parte, dos seus pontos de vista sobre os valores. Já
estudámos anteriormente a questão dos critérios de valor, pelo que não vamos voltar
aqui a esse tema. Convém, no entanto, que tenhamos em conta as implicações dos
diferentes pontos de vista sobre os valores para a questão do sentido da vida.
Por um lado, há os filósofos que julgam que os valores são subjectivos e que qualquer
objectivo a que uma pessoa atribua valor tem valor para essa pessoa e, portanto, dá
sentido à sua vida. Deste ponto de vista, até João de Deus, com a sua colecção de pêlos
púbicos, ou um serial killer, com o seu cortejo de cadáveres, têm uma vida com sentido,
desde que, bem entendido, isso constitua para eles um objectivo a que dêem valor.
Por outro lado, há os filósofos que pensam que existem valores objectivos. Estes
filósofos, no entanto, estão em desacordo quanto à origem da objectividade dos valores.
Uma tradição imensamente influente é a da teoria dos mandamentos divinos. De acordo
com essa tradição, o único ponto de vista objectivo é o de Deus e, portanto, é Deus que
determina o que tem ou não tem valor. Matar alguém sem qualquer razão é errado ou
combater a fome no mundo é correcto, não porque alguém julga que isso é assim, nem
sequer porque a maioria das pessoas pensa desse modo, mas porque Deus o determinou.
Como só Deus é sumamente bom e omnisciente, só Deus sabe o que objectivamente
tem valor. Isto é válido tanto para as nossas acções como para os nossos objectivos: é o
ponto de vista absoluto de Deus que determina quais os objectivos com valor. Assim, o
objectivo da nossa existência, qualquer que ele seja, tem de derivar de Deus, porque tem
de ter valor e Deus é a origem de todo o valor.
Actividades
3. «(…) o objectivo da nossa existência, qualquer que ele seja, tem de derivar de Deus,
porque tem de ter valor e é Deus a origem de todo o valor.» Concordas? Justifica.
Que razões têm os cristãos para pensar que a vida com valor é a vida religiosa? Em
primeiro lugar, a incapacidade da forma de vida alternativa, dedicada à obtenção e
fruição de bem exteriores, muitos deles mundanos e imediatos, de conduzir à felicidade
e dar sentido à vida. Isto não significa que, para o Cristianismo, só os santos, só aqueles
que se dedicam exclusivamente à via espiritual possam ser felizes. O Cristianismo não
rejeita a santidade — há mesmo várias ordens religiosas católicas que a têm como regra
de vida —, mas também não faz dela a única condição necessária para ser feliz. Muitos
cristãos admitem que alguns bens terrenos — saúde, riqueza, amigos, bons livros e boa
música, etc. — são igualmente necessários para que o homem seja feliz e, de uma
maneira geral, incluem-nos na sua concepção de vida. O que eles recusam é que a
felicidade nesta vida possa consistir apenas na fruição desses tipos de bens, sem que a
espiritualidade e a moralidade tenham aí qualquer papel. E isto por várias razões:
1. Porque quem vive para os bens terrenos está prisioneiro dos seus desejos, é
dilacerado por muitos impulsos, e, por essa razão, não é livre nem pode ter paz.
2. Porque quem procura a felicidade nos bens externos procura-a em coisas de natureza
precária, sobre as quais não tem qualquer domínio, pelo que a sua felicidade pode a
qualquer momento transformar-se em infelicidade.
3. Porque os bens externos não têm valor em si mesmos, não são bens últimos; são, na
melhor das hipóteses, bens instrumentais, meios para outros fins, cujo valor depende
daquilo para que servem e que podem ser bem ou mal usados.
Mas talvez a razão mais importante a favor da vida religiosa é a de que só Deus e a
imortalidade podem dar sentido à existência humana.
Esta ideia tem defensores tanto entre os apoiantes da resposta religiosa como entre uma
parte dos seus opositores, como se tornará mais claro na próxima secção. Entre os
apoiantes da resposta religiosa, William Lane Craig é talvez quem na actualidade
apresenta a melhor defesa desta tese.
Ele pensa que se Deus não existir e se a alma humana não for imortal, nada, nem a
nossa vida nem a totalidade do universo, têm qualquer sentido, valor ou propósito.
Em primeiro lugar, porque se Deus não existir e a alma não for imortal, nada tem
sentido. Se a alma não é imortal, se as pessoas deixam de existir quando morrem, tudo o
que façamos tem apenas um sentido relativo, isto é, é apenas um meio para outras coisas
que, elas próprias, têm também somente um sentido relativo e, portanto, nada do que
façamos tem um sentido último. E se nada tem sentido último, então nada do que
façamos — todas aquelas pequenas coisas com que preenchemos o nosso dia-a-dia e as
grandes coisas que podemos eventualmente fazer — tem qualquer sentido. Por
conseguinte, se a alma não é imortal, a vida humana não tem qualquer sentido. Mas não
basta que a alma seja imortal para que a vida humana tenha sentido. O mero facto de
viver para sempre não dá sentido à existência. Se Deus não existe, a nossa vida, mesmo
que seja uma vida imortal, é apenas uma vida infinita sem qualquer sentido. Portanto, é
preciso também que Deus exista.
Em segundo lugar, se Deus não existir e a alma não for imortal, nada tem valor. Por um
lado, porque se a alma não for imortal, o que quer que façamos não fará qualquer
diferença. Tanto faz que sejamos como Estaline ou a Madre Teresa de Calcutá, o
resultado é o mesmo. Se tudo acaba na sepultura, o que devemos fazer é agir
exclusivamente de acordo com os nossos interesses, sem olhar a deveres ou a
consequências, pois, no fim, é indiferente. Na verdade, muitas pessoas que tiveram fé e
que depois a perderam ou que têm apenas uma fé superficial («Eu sou católico não
praticante», etc.), agem exactamente deste modo. Além disso, se Deus não existe, não
há padrões objectivos de certo e errado. Sem Deus, os valores morais ou são a expressão
do gosto pessoal, e são subjectivos, ou subprodutos da evolução socio-biológica e da
cultura, e são relativos. E se não existem valores, é impossível condenar mesmo os actos
mais hediondos. Num universo sem Deus, o bem e o mal não existem. Existe apenas o
facto da existência sem ninguém que diga o que está certo e errado.
Em terceiro lugar, se Deus não existe e a alma não é imortal, nada tem um propósito.
Porque, se a vida acaba com a morte, essa vida não tem qualquer objectivo e é inútil e
nem o universo nem o homem têm qualquer objectivo ou propósito. Mas mesmo que a
vida humana seja imortal, sem Deus essa vida não tem qualquer propósito, porque nesse
caso o universo é apenas o resultado do acaso, de um acidente cósmico, sem nenhuma
razão para que tenha ocorrido. E o mesmo é verdade do homem, um mero produto da
matéria, do acaso e do tempo, uma aberração da natureza num universo sem propósito,
que vive uma vida ela própria sem propósito.
Em resumo, se Deus e a alma não for imortal, nada do que fizermos tem sentido, valor
ou propósito e tanto o universo como a vida humana são absurdos.
De acordo com a visão cristã do mundo, Deus existe e a vida humana não acaba no
túmulo. No corpo ressuscitado o homem pode fruir de vida eterna e da companhia de
Deus. O Cristianismo Bíblico, portanto, fornece as duas condições necessárias para uma
vida humana com sentido, valor e propósito: Deus e a imortalidade. Devido a isto,
podemos viver de forma consistente e feliz.
William Lane Craig. “The Absurdity of Life Without God” in Klemke, E. D. The
Meaning of Life, p. 53
Willaim Craig sabe que não provou que a resposta religiosa ao problema do sentido da
vida é verdadeira e que tudo o que fez foi apresentar as alternativas — a resposta não
religiosa e a religiosa — e mostrar por que razões a segunda é preferível à primeira. O
seu argumento é, no essencial, o seguinte:
Primeira premissa: Ou Deus não existe e a vida é fútil ou Deus existe e a vida tem
sentido.
É fácil perceber que este argumento não prova a conclusão, uma vez que não é possível
deduzi-la das premissas. Este argumento tem estranhas semelhanças com o argumento
moral de Kant. No argumento moral, Kant pergunta o que é necessário que um homem
acredite para que aja moralmente. A sua resposta é os postulados da razão prática: livre-
arbítrio, imortalidade da alma e Deus. Aqui tudo se passa como se Craig perguntasse «O
que é necessário para que o homem seja feliz?» e respondesse que é necessário que a
vida tenha sentido, isto é, que a alma seja imortal e que Deus exista. Ora, da mesma
maneira que o argumento moral de Kant — como o próprio Kant sabia — não prova
que o homem tenha livre-arbítrio, nem que a alma seja imortal ou que Deus exista,
também o argumento de William Craig não prova que Deus exista e a alma seja imortal,
e Lane Craig sabe-o. Contudo, ele pensa que dadas as circunstâncias, isto é, dado que
essa é a única forma de o homem ser feliz, isso é razão suficiente para postular que a
alma é imortal e que Deus existe. Mas será que é?