Você está na página 1de 164

Universidade Estadual de Feira de Santana

Programa de Pós-Graduação em História


Mestrado

Rafael Oliveira Fontes

A SEIVA DE UMA JUVENTUDE:

Intelectualidade, juventude e militância política

(Salvador, Bahia, 1932-43)

Feira de Santana

2011
Universidade Estadual de Feira de Santana
Programa de Pós-Graduação em História
Mestrado

Rafael Oliveira Fontes

A SEIVA DE UMA JUVENTUDE:


Intelectualidade, juventude e militância política

(Salvador, Bahia, 1932-43)

Dissertação apresentado ao Programa de


Pós-Graduação em História da
Universidade Estadual de Feira de Santana
enquanto requisito para obtenção do título
de Mestre em História.

Orientador: Prof. Dr. Eurelino Teixeira Coelho Neto

Feira de Santana

2011
Feira de Santana, 29 de agosto de 2011,

Banca examinadora:

______________________________________;
Prof. Dr. Muniz Gonçalves Ferreira (UFBA)

______________________________________;
Profª. Drª. Ione Celeste de Jesus Sousa (UEFS)

______________________________________;
Prof. Dr. Eurelino Teixeira Coelho Neto (UEFS), Orientador,

III
IV
A Trajectória do Afastamento

Pedro Ayres Magalhães

O Universo, diz-se,começou Há muitos milhares de milhões de anos, com uma


explosão.Chamaram-lhe o “ Big Bang”.Desde então, os astros sólidos, as poeiras, todas as
partículas cósmicas se expandem e afastam cada vez mais umas das outras a uma velocidade
estonteante.A força da explosão, continua a afastar-nos.Também nós na Terra, nascemos,
crescemos e somos levados pela vida a afastar-nos uns dos outros, dos nossos pais e irmãos ,
amigos, camaradas, colegas, mulher e filhos….Temos de resistir e resistimos à tendência para
nos vermos afastados de quem alguma vez conhecemos, através da procura mútua e do
ritual.Temos de cultivar os laços do amor.Condicionar a nossa trajectória.
Condicionar a trajectória do afastamento.

Fui projectado numa explosão nuclear


Sou um estilhaço que se está a afastar
Vejo as pessoas a ficar longe de mim
E faço um esforço para me aproximar

No espaço a velocidade é maior


E as estrelas vão também se afastando
A diferença é que entre nós é possível mudar... a Trajectória

O afastamento continua a acelerar


E tudo e todos vão ficando para trás
É muita a força para poder comunicar
E temos sempre que ser dois a tentar

No espaço a velocidade é maior


E as estrelas vão também se afastando
A diferença é que entre nós é possível mudar... a Trajectória

V
À meus avôs Jóis, Zilda e Nenem.

À minha mãe e meus irmãos,

À Aristeu Nogueira e Rogério Fátima.

VI
Resumo:

Esta dissertação discute o tornar-se comunista de um grupo de jovens intelectuais


baianos da década de 1930 e o processo de organização, por parte destes, da revista
SEIVA (Salvador, 1938-42). Para o estudo do tornar-se comunista desses jovens,
observo como estes construíram suas sociabilidades na cidade de Salvador e
ingressaram no Campo Intelectual Baiano. Desta maneira, os espaços sociais, as
relações com o cotidiano da cidade, da escola, dos múltiplos lugares de sociabilidade
que estes jovens podem ter vivido, foi, nesta pesquisa, um tema de relativa importância.
Assim como também, as questões políticas institucionais que formavam o Campo
Intelectual, seus Habitus e suas representações. Analisa-se ainda nesta dissertação como
as experiências das disputas ideológicas com o Fascismo e o Integralismo, assim como
a organização de uma revista voltada para a discussão desses temas em plenos anos de
guerra, forma decisivos para a consolidação destes jovens enquanto comunistas. Estes,
nos anos posteriores a esta pesquisa, assumiriam no PCB e em outras organizações de
esquerda, papeis importantes enquanto ideólogos. Desta maneira, entendemos que foi
no vivenciar das experiências analisadas nesta pesquisa que o ideário marxista se
consolidou nestes, então, jovens, formando quadros importantes para o PCB e a
esquerda brasileira.

Palavras-Chave:

Revista SEIVA, Juventude; Campo Intelectual (Salvador, Bahia – 1932-1943).

VII
Resume:

Cette thèse traite de devenir un groupe de jeunes intellectuels communistes à Bahia dans
les années 1930 et le processus d'organisation, pour leur part, la SEIVA magazine
(Salvador, 1938-1942). Pour faire l'étude de ces jeunes gens un communiste, j'observe
comment ils ont construit leur sociabilité dans la ville de Salvador de Bahia a rejoint le
champ intellectuel. Ainsi, les espaces sociaux, les relations avec la vie de la cité, l'école,
plusieurs sites de sociabilité que ces jeunes peuvent avoir vécu, était, dans cette
recherche, une question d'importance relative. En outre, les institutions politiques qui
ont formé le champ intellectuel, leur habitus et de leurs représentations. Il a également
été analysés dans ce document que les expériences des différends idéologiques avec le
fascisme et l'intégralisme, ainsi que l'organisation d'un magazine consacré à discuter de
ces questions en année pleine guerre, si décisive pour la consolidation de ces jeunes
comme des communistes. Ceux-ci, quelques années plus tard à cette recherche, ils
prendraient sur le PCB et d'autres organisations de gauche, les rôles importants que les
idéologues. Ainsi nous comprenons que l'expérience des expériences analysées dans
cette étude que l'idéologie marxiste a été consolidée dans ces derniers, si jeune, formant
d'importantes peintures au PCB et la gauche brésilienne.

Mots-clés:

Magazine de SEIVA, la jeunesse; champ intellectuel (Salvador de Bahia - 1932-1943).

Le SEIVA jus d'un des jeunes: Les intellectuels, les jeunes


et le militantisme politique (Salvador de Bahia, 1932-1943)

VIII
Agradecimentos:

É hora de agradecer e quero agradecer todos que foram importantes nessa minha
trajetória, para além do mestrado, mas pensando toda a minha formação acadêmica.

Primeiro agradeço à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia - FAPESB, ao


Programa de Pós-Graduação em História - PGH e a Universidade Estadual de Feira de
Santana - UEFS por ter proporcionado as condições ideais para a realização da pesquisa.
Contudo, à UEFS agradeço também pela oportunidade de nestes quase sete anos, ter
conhecido pessoas que ficaram marcadas em minha vida. Algumas delas são os
companheiros de sonhos e desejos com os quais tentamos construir – e de alguma
formas, construímos –, um lugar onde a pesquisa e a produção acadêmica tem outro
sentido que não as pontuações curriculares que foi o Laboratório de História e Memória
da Esquerda e das Lutas Sociais – LABELU. Agradeço especialmente a Larissa Penelu
(amiga, modelo e mestre, primeira pessoa que vi na UEFS em 2004), Chenia Mariclélia
(irmã e responsável pelas melhores lembranças desses anos), a Hundira Cunha, Manuela
Muniz, Cristiane Soares, Andrei Valente (companheiro de muitos outros sonhos),
Rogério Fátima (amigo, mestre e gatilho de tudo isso – obrigado), Eurelino Coelho
(mais que orientador, amigo), Igor Gomes, Rafaela Matos e Aruã Lima, amigos para
além dos muros da universidade. Saudades de nossos encontros na Sala de Reuniões do
DCHF, saudades de todos.

Outros também compartilharam ou motivaram esses sonhos: Onildo Reis (amigo e


grande incentivador), Elizete Silva (Clio de todos nós), Beto Heráclito (casamento de
genialidade, impulsividade e fragilidade, nunca esquecerei de nossos papos e de sua
leitura cuidadosa de meu projeto enquanto cozinhava – obrigado), Valter Guimarães
(cretino inimigo, obrigado pelas idéias, pelas motivações e fontes, além da amizade),
Ione Celeste (amiga, sempre disponível para uma conversa, uma sugestão, você, como
Beto e Valter, reconhecerá suas influencias nessa dissertação – espero não decepcioná-
los), Acácia Batista e Emilia Maria (amigas sempre disponíveis para ouvir-me nas
minhas loucas incertezas não só acadêmicas mas, quase sempre, pessoais) a todos vocês
minha eterna gratidão.

IX
Agradeço a minha família por entender a ausência, por me dá sempre incentivo a
continuar. Agradeço a meus avôs, nunca me esquecerei da alegria de vocês com a minha
aprovação no vestibular, do brilho em seus olhares. Vocês estavam muito mais felizes
que eu que sentia muito mais insegurança que alegria. À minha mãe, meu modelo. Eu
sei do quanto tudo isso significa para você, de quanto batalhou para ter seus filhos no
ensino superior assim como para cursar o seu. Obrigado por cada exemplo. Agradeço a
meus irmãos (Neto e Carina) pelo apoio.

Agradeço a Núbia Pacifico, amiga desde sempre. Talvez a única pessoa que conhece os
caminhos do labirinto que sou. Agradeço a Lucas, Debora, Roberta, Thiago, Brena,
Maroca, Gil, Lais e Laudicéia com os quais compartilhei bem mais que casas. Assim
como agradeço aos meus amigos que fizeram desses anos em Feira mais felizes Chenia,
Maroca, Milena, Charlene e Luciane Almeida (amores que transcenderam a UEFS);
Daniel (apoio e motivação continua), Cassiano, Cleber, Joubert, Cacau, Ricardo,
Khristyan, Estafanio Neto, Almir, Nilcélio (tão importantes nestes últimos anos) e
Serginho (apoio decisivo nesta fase final). Muito obrigado a todos.

Por fim agradeço aos colegas do PGH com os quais compartilhei as angústias de
pesquisar e de escrever: Luciane Almeida, Manuela Muniz, Rafaela Matos, Silvia
Codes, Aline Santos, Mayra Paniago e David Rehem. E aos professores que muito
contribuíram para este texto e para minha formação: Charles D’Almeida, Iraneidson
Costa, Coelho e Jacques Depelchin.

X
Sumário:

INTRODUÇÃO:
(ou O itinerário do tornar-se) 12
1. Primeiros passos: a descoberta do tema. 12
2. O problema e o método: uma miscelânea. 15
3. O Texto: uma apresentação 18
CAPÍTULO I:
Um passeio de bonde pela Cidade da Bahia:
Pelas ruas e esquinas o intelectual baiano se faz. 20
1. Os territórios dos milagres, o território do tornar-se. 23
2. “Intelectuais? Que diabo significa isso?” 32
3. Intelectuais à baiana: A “grandeza do nosso valor” e o “valor de
nossa grandeza”; a “magnitude do nosso passado” e as “incertezas de
nosso futuro”. 45
CAPÍTULO II:
Estudantes e Comunistas na Cidade da Bahia:
Uma República de Bacharéis e a “Migração Vermelha” para a Bahia! 51
1. Um baiano “não-tronado”, um tenente forasteiro e uma elite
inconformada. 54
2. Militares e comunistas, uma tentativa de golpe... e a Bahia? 64
3. A mocidade baiana: suas instituições, seus ideais e sua atuação. 75
CAPÍTULO III:
Entre tipos e graxas:
A Seiva e a guerra contra o Fascismo e o Integralismo. 87
1. Uma mensagem à inteligência da América:Nasce a Seiva. 88
2. A Seiva uma trincheira anti-integralista: 98
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
E o estudante se faz intelectual e o jornalista se fez comunista. 110
1. Os Intelectuais e seu Campo na Bahia: as regras e as práticas: 110
2. O intelectual baiano e o uso do conceito de campo. 112
3. As sociabilidades do Tornar-se. 114
4. Tornar-se, Posicionar-se e Identificar-se 115
LISTAGEM DE FONTES: 118
REFERÊNCIAS: 121
ANEXOS: 124
1. Fotos e Mapas 124
2. Revista Seiva - Catálogo 148
INTRODUÇÃO
(ou O itinerário do tornar-se)

1. Primeiros passos: a descoberta do tema.

Como alguém se torna o que é, ou o que foi? Há pergunta mais digna para um
historiador? Mas, como uma pesquisa se torna o que ela é? O insight criador não faz a
pesquisa. Ele apenas faz o pesquisador (ou projeto de pesquisador) se atentar para algo ainda
não observado/atentado por ele. E mesmo o insight é historicisável; mas não se faz uma
pesquisa só com ele. Como surge um problema, uma metodologia, uma teoria... enfim, uma
pesquisa? Tratarei nesta introdução, de como se deu o processo do tornar-se dessa pesquisa.
De como do insight ao texto final, a escrita seguiu caminhos próprios, desvios, deu-se em
pedras e em terras férteis. Em suma, tratarei de como o projeto e a dissertação “evoluíram”
possibilitando ao leitor, uma maior compreensão do fazer-se deste trabalho.
Assim, primeiro trataremos de como se deu o insight dessa pesquisa. De como foi que o
tema dos intelectuais, especialmente os comunistas, surgiu em minha vida. Trataremos de
como a consolidação desse tema de pesquisa foi um processo coletivo que envolveu um grupo
de estudantes e professores interessados em consolidar na Universidade Estadual de Feira de
Santana, um grupo de pesquisa, hoje o LABELU (Laboratório de História e Memória da
Esquerda e das Lutas Sociais).
Em decorrência desse trabalho coletivo, tive contato – fruto na maioria das vezes de
sugestões de leituras (aparentemente inocentes) feitas por colegas – com a obra de Michael
Löwy, Pierre Bourdieu, Benito Bisso Schmidt e Ana Paula Palamartchuk. Tudo em
decorrência de uma questão, meio que devedora, sobre a vida e a militância de Aristeu
Nogueira (voltarei a essa discussão mais à frente). Mas, tratarei do processo de afinamento
desse instrumentário teórico-metodológico e sua adequação a esta investigação, em seguida.
Para, por fim, apresentar sucintamente os capítulos.
Como disse acima, esta pesquisa deve muito ao ambiente do LABELU. Quando tive o
insight de estudar Aristeu Nogueira, este coletivo ainda não existia. Lembro-me perfeitamente
de quando essa idéia surgiu: estávamos eu e Aristeu na frente de sua casa no final de ano de
2003 (já havia passado no vestibular para História e esperava o inicio das aulas), fui contar-
lhe que tinha passado no vestibular. Seus olhos, ainda olhando para baixo, como de costume
quando ficava se concentrando em quem falava – o que às vezes parecia que, na verdade não
nos escutava e que estava apenas sendo cortês –, lembro-me quando seus olhos levantaram,
fitaram-me e ele disse: “vamos fazer minha biografia”. Duas sensações tomaram conta de
mim: vontade e medo. Na época, não me interessava pela história de velhos comunistas.
Interessava-me eram: as das redingas da Chegança da Tapera-Buril e como as histórias da
expulsão dos mouros da Península Ibérica ainda se mantinha viva nas cabeças daqueles
negros e mulatos pouco alfabetizados do campo de Irará. A vontade e o medo me perturbaram
por muito tempo, mas eu era apenas um calouro – era cedo demais para me preocupar com
essas coisas.
Com tempo, com a disciplina de Métodos e Técnicas da Pesquisa Histórica, surge a
necessidade de decidir entre o medo e a vontade. A vontade falou mais alto. Coincidia com
essa tomada de decisão, o retorno de um professor que parecia se interessar pelos assuntos da
política – pelo menos eram as notícias que corriam naquele inicio de 2005, especialmente nas
palavras de Rogério Fátima. Já havia topado com ele numa reunião sobre a, já em curso,
reforma curricular de história. Resolvi procurá-lo. Já nesta nossa primeira conversa tive mais
um susto. Esse tal professor – o Prof. Eurelino Coelho (orientador desse trabalho e da
Iniciação Cientifica) –, depois de ter ouvido o que eu pensava fazer – uma biografia de
Aristeu – me perguntou se eu tinha noção de que para estudar a vida de Aristeu, eu teria que
estudar o Partido Comunista Brasileiro e a História Política do Brasil na época. Fiquei pasmo,
confesso! Mais um susto! Nunca passara em minha cabeça que o meu medo inicial era bem
menor do que de fato deveria ser. Eu não tinha a menor noção do trabalho que teria a partir de
então.
Fui para casa, pensei, pensei e voltei a ele. O que eu queria saber era como Aristeu,
filho de coronel da Guarda Nacional, herdeiro de um dos maiores empórios econômicos e
políticos de Irará, se tornou comunista e dedicou sua vida a essa causa, independentemente
das conseqüências, financeiras, familiares e, até mesmo, físicas. Ao ouvir isso, Coelho me
perguntou: “Você se interessa mesmo sobre isso?”. Após minha afirmativa me indicou
Michael Löwy, Para uma Sociologia dos Intelectuais Revolucionários (1979) e me pediu que
da próxima vez que viesse conversar com ele que trouxesse minhas idéias por escrito. Essa
passou a ser nossa regra de orientação até hoje, mesmo que às vezes eu fortuitamente o
procure só com as idéias na cabeça – onde talvez seja o seu lugar.
Nesta época outros alunos do curso de história procuravam esse professor e o professor
Rogério Fátima para os orientarem suas pesquisas, conseguirem bolsas, organizarem grupos
de leitura e estudo. Desse coletivo, nasceu o LABELU (Laboratório de História e Memória

13
das Esquerdas e das Lutas Sociais). Foram reuniões e mais reuniões, meses e meses para
concluirmos um projeto que abarcasse todas as nossas intenções de pesquisa e outras que
pudessem surgir. Este projeto ficou pronto e foi institucionalizado enquanto um coletivo de
pesquisadores junto ao Departamento de Ciências Humanas e Filosofia em outubro de 2005.
Os acontecimentos que sucedem a este foram muitos e constantes.
A primeira coisa que mexeu com a dinâmica do grupo e nos fez tomar decisões rápidas
foi o falecimento de Aristeu, em março de 2006; e a doação, por parte de sua família, de seu
arquivo da sua biblioteca pessoal ao LABELU. Daquele momento em diante, o LABELU que
era um espaço onde íamos discutir nossas pesquisas, nossos textos e fazer discussões que nos
ajudassem em nossas pesquisas – o que não demandava nada mais que a reserva da sala de
reuniões por uma noite na semana e a reprodução de textos –, passou a necessitar de espaço
físico e infra-estrutura para armazenar e, na medida do possível, disponibilizar a pesquisa ao
acervo recebido. Daí por diante, o LABELU que não se pretendia – nem ainda pretende – ser
um centro de documentação, tem recebido acervos de políticos e grupos políticos importantes
para a história das organizações de esquerda de Feira de Santana e região.
Com a chegada da documentação de Aristeu no LABELU e a sua institucionalização,
aparece-me um desvio nesse itinerário. A documentação do Acervo Pessoal de Aristeu
Nogueira é composta por documentos por ele recolhidos ou produzidos depois de sua
libertação durante a Ditadura Militar em 1978. Dentro dessa documentação existe uma grande
coleção de jornais do PCB, então a desculpa de organizar esta coleção e o acervo de Aristeu,
me pareceu ser uma excelente oportunidade de ter contato com a documentação e de me
manter na universidade dedicando-me exclusivamente ao labor acadêmico, enquanto bolsista.
Assim fiz, e desenvolvi – concomitantemente com as leituras acerca do PCB, sobre os anos
1930 na Bahia e sobre outros comunistas – um estudo sobre a débâcle do PCB através das
páginas de seu órgão Voz da Unidade1.
Antes de me dedicar à débâcle do PCB, escrevi um texto, tímido, mas muito esforçado
sobre minhas intenções de pesquisa sobre Aristeu e, já incluindo Fernando Sant’Anna (outro
iraraense, também filho de coronel que se tornara comunista em Salvador dos anos 1930).

1
FONTES, Rafael. 2006. Uma Moscouzinha na Bahia. In: III Encontro Estadual de História, 2006, Caetité.
Livro de Resumos. Caetité : Associação Nacional de História - Secção Bahia; Universidade do Estado da
Bahia.; FONTES, Rafael. 2007. Das escolas às ruas, há comunistas na Bahia! Um estudo sobre a atuação do
PCB nas instituições de ensino na Cidade de Salvador nos anos 30 e sua importância na formação política de
uma geração de comunistas baianos. In: I Encontro Regional em História Social e Cultural, 2007,
Recife/Pernambuco. Cadernos de Resumos. Recife : UFRPE.

14
Neste texto, meu primeiro (Trajetórias (In)Comuns...)2 apresentado no I Seminário do
LABELU, já apareciam minha primeiras leituras de Löwy (indicado por Coelho) e de
Bourdieu. Nela também está a base de meu projeto de pesquisa apresentado no mestrado e,
conseqüentemente, dessa dissertação.

2. O problema e o método: uma miscelânea.

A questão sugerida por Michael Löwy em “Para uma Sociologia dos Intelectuais
Revolucionários” (1979) pareceu para esta pesquisa como um farol.
Mas como um indivíduo se torna algo? No nosso caso, como um (ou mais) indivíduo(s)
se torna(m) comunista(s)? Esta é a questão que Löwy faz sobre Lukács. Como um filho de
banqueiro, adere a um partido revolucionário? O interessante no trabalho de Löwy é que ao
questionar-se sobre Lukács, ele questiona-se sobre toda uma camada social, os intelectuais.
Define Löwy os intelectuais como “uma categoria social definida pelo seu papel ideológico:
são produtores diretos da esfera ideológica, os criadores dos produtos ideológico-culturais” 3.
Dessa forma, sendo os intelectuais definidos pelo seu papel ideológico, eles são produtores e
produtos, criadores e criaturas dos bens simbólicos (na linguagem löwyniana: produtos
ideológicos-culturais). Aqui temos uma aproximação importante para esta pesquisa. Löwy ao
reconhecer a relação dos intelectuais com a produção ideológica de bens culturais (por mais
que não use este termo, nos parece evidente que os produtos ideológicos-culturais, são bens
simbólicos, culturais – como queira chamá-los) se aproxima de outro sociólogo, Pierre
Bourdieu; Para este, o meio cultural tratado por Löwy deve ser apreendido enquanto campo,
ou seja, enquanto “lócus onde se trava uma luta concorrencial entre atores em torno de
interesses específicos que caracterizam a área em questão”4.
A junção da questão de Löwy sobre o tornar-se com o conceito de campo de Bourdieu
aplicado aos intelectuais, faz dela mais forte. Não se pode entender o processo do tornar-se
deslocado do contexto sócio-cultural no qual o indivíduo está(va) imerso, de forma que o
tornar-se, só pode ser estudado pela relação do indivíduo em (trans)formação com sua
sociedade. Só se pode tornar-se algo em uma sociedade onde essa possibilidade existe. Como

2
FONTES, Rafael. 2006. Trajetórias (in)comuns: um estudo sobre a formação política de Aristeu Nogueira e
Fernando Sant’Anna IN I Seminário do LABELU. Feira de Santana, UEFS.
3
LÖWY, Michael. 1979. Para uma Sociologia dos Intelectuais Revolucionários: a evolução política de Lukács,
1909-1929. São Paulo: LECH, p. 1.
4
ORTIZ, Renato. Apresentação In BOURDIEU, Pierre. 1983. Pierre Bourdieu: Sociologia. São Paulo, Ática. p.
19.
15
pensar comunistas numa sociedade onde a opção não existia ainda? É isso que Bourdieu nos
traz com a questão comum. Ou seja, um leque de possibilidades reais de escolha,
possibilidades reais do tornar-se. E é isso que faz Löwy, mesmo sem nominar de campo o
meio cultural no qual o jovem Lukács se encontrava. Uma vez que me pareceu conveniente
chamar o meio cultural onde nossos indivíduos se encontram de campo, facilitou a
compreensão deles enquanto intelectuais em formação e em ação, e melhor definirmos o que
seria o intelectual.
A definição do que vem a ser intelectual não é fácil, nem tão imediata o quanto possa
parecer a primeira vista. Muitos estudiosos se debruçaram em torno de definirem o que viriam
a ser (uma classe, uma categoria, um tipo..?) e como se definiria o intelectual enquanto
indivíduo. Sendo uma classe, nasce-se intelectual? Uma categoria, como se tornar um? Um
tipo, como delimitá-lo entre tantos outros tipos sociais? Encontrar respostas a estas questões
não foi, e ainda não é, uma tarefa fácil. Dedicarei parte do Capítulo I a essa Discussão.
Aqui chegamos a um importante impasse historiográfico, uma vez que os processos do
tornar-se se tornam possíveis de ser apreendidos pela História a partir dos estudos de
trajetórias. Esse conceito apresentou-se já no primeiro texto de Bourdieu que tive em mãos5.
Porém só passou a ser mais sólido com a leitura dos trabalhos de Benito Bisso Schmidt. Em O
Patriarca e o Tribuno: caminhos, encruzilhadas, viagens e pontes de dois líderes socialistas –
Francisco Xavier da Costa (187?-1934) e Carlos Cavaco (1878-1961), Schmidt faz uma
análise das trajetórias de dois socialistas. Mas ao fazê-lo, faz também uma excelente
teorização dos conceitos de trajetória e de biografia. Dessa forma ele escreveu que:

Convém deixar claro, inicialmente, a que tipo de biografia estou me


referindo. Afinal, sob esse rotulo, encontram-se trabalhos de
diferentes teores, escritos com referências e preocupações variadas e
por profissionais de diversas áreas. Certamente, não falo das
biografias tradicionais – narrativas factuais e lineares de vida dos
“grandes homens” desde o nascimento até a morte –, cujo objetivo
principal é o de apresentar o biografado como modelo de conduta a ser
seguido: um “discurso de virtudes” nas palavras de Michel de Certeau.
Nem das biografias sensacionalistas – do estilo “Os segredos de...”,
“A vida íntima de...” –, destinadas a saciar os apetites voyeuristas dos
leitores. Refiro-me, sim, às biografias, partindo das experiências de
um indivíduo, abordam questões mais gerais relacionadas à época na
qual o mesmo viveu.6

5
BOURDIEU, Pierre. A Ilusão biográfica. In AMADO, Janaina; FERREIRA, Marieta de Moraes (Coords).
2006. Usos e Abusos da História Oral. Rio de Janeiro, FGV.
6
SCHMIDT, Benito Sisso. 2004. Em Busca da Terra da Promissão: a história de dois Líderes socialistas. Porto
Alegre, Palmarinca. Pp. 20-21.
16
O gênero biográfico esteve na História por algum tempo como algo de menor valor e
importância. Como algo que não cabia ao historiador da História Nova utilizar esse gênero tão
característico da “velha” História. Contudo, muitos desses historiadores vinculados à guinada
historiográfica da História Nova, fizeram uso de biografias; a exemplo de Jacques LeGoff
(1989, 1996) e Georges Duby (1987).
LeGoff trata de como num trabalho biográfico é inevitável estarem presentes, de alguma
forma, elementos da vida do biografado, pensando mais estritamente nos eventos históricos
dessa vida (morte de pais, ingresso em faculdades, casamentos...). Escreveu ele sua biografia
de São Luiz, rei de França.

Rei e santo, São Luiz entra em uma categoria da Idade Média, aquela
dos santos reis. Ele se conformou ao modelo desta categoria ou
manifestou diferenças devido à época ou ao que se pode reconhecer
como sua individualidade? A biografia parte assim, na tradição do
espírito dos Annalés, de uma questão, se formula como um caso de
história-problema.7

Coisa muito parecida foi escrito por Duby em A História Continua:

... eu poderia ser acusado de trair o “espírito dos Annales”. Eu era,


com efeito, o primeiro dentre os epígonos de Marc Bloch e Lucien
Febvre a aceitar a escrever a biografia de um “grande homem”. Mas
nas realidade não me desviava nem um milímetro de meu percurso. A
única modificação – das mais importantes, reconheço – dizia respeito
à forma. Eu estava voltando sem rodeios à narrativa. Contava uma
história, seguindo o fio de um destino pessoal. Mas continuava
atendo-me à história-problema, à história questão. Minha pergunta
cotinuava sendo a mesma: que é a sociedade feudal? 8

Apesar da utilização da expressão: destino – que conota uma história pré-escrita, ou


seja, a-histórica, Duby (assim como LeGoff) está correto. O problema das biografias
tradicionais, típicas do positivismo do século XIX ou dos textos jornalísticos de nosso tempo,
está na concepção de que se deve reconstituir as vidas, observar os eventos das vidas como o
objeto do estudo. Sem com isso problematizar como cada evento desses ocorreu, suas marcas
e conseqüências na vida do biografado. Deve-se observar:

O sentido dos movimentos que conduzem [um pessoa e sua trajetória]


de uma posição a outra (...) evidentemente se define na relação
objetiva entre o sentido e o valor, no momento considerado, dessas

7
LEGOFF, apud SCHMIDT, Op. Cit., 22
8
DUBY, Georges. 1993. A História Continua. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor/Editora UFRJ. Pp. 137-138.
17
posições num espaço orientado. O que equivale a dizer que não
podemos compreender uma trajetória sem que tenhamos previamente
constituído os estados sucessivos do campo no qual ele se desenrolou
e, logo, o conjunto das relações objetivas que uniram o agente
considerado ao conjunto dos outros agentes envolvidos no mesmo
campo e confrontados com o mesmo espaço dos possíveis.9

Dessa forma, se ao fazer uma biografia de um cavaleio, Duby tenta responder questões
sobre o medievo, ao fazê-la de jovens estudantes que aderiram ao comunismo na Bahia de
1930, podemos tentar responder os motivos que levaram vários outros jovens em todo o
mundo a se tornarem comunistas.

3. O texto: uma apresentação.

Apesar do presente não se tratar de uma biografia (no seu sentido mais estrito),
incorporou em sua metodologia procedimentos típicos de estudos de trajetórias. Desta
maneira, o leitor encontrará nas páginas seguintes a tentativa de entender o processo de
tornar-se comunista de alguns jovens. Mas, que ao fazê-lo, questiona-se, também sobre como
o comunismo foi durante o século XX (e talvez ainda seja hoje), umas das possibilidades reais
de atuação social e de expressão intelectual.
No primeiro capítulo (“Um passeio de bonde pela cidade da Bahia”: pelas ruas e
esquinas o intelectual se faz) analiso como se configurava o “território do tornar-se” (uma
alusão ao território dos milagres de Jorge Amado, 1979), para isso usamos como guia os
bondes que existiam na cidade. Observaremos assim como os intelectuais baianos interagiam
com a cidade e com seu cotidiano. Em seguida, analisando o conceito de intelectuais e
observaremos o perfil deste enquanto brasileiro e baiano.
No segundo capítulo (Estudantes e Comunistas na Cidade da Bahia: Uma República de
Bacharéis e a “Migração Vermelha” para a Bahia!), observaremos como era ser jovem e
estudante em Salvador de 1930, as suas relações com os movimentos políticos, a inserção nos
movimentos sociais, especialmente o estudantil. Para em seguida analisarmos aproximação
desses movimentos com o PCB e o ideário marxista. É nesta parte do texto que tratamos do
movimento de vinda à Bahia, de importantes comunistas brasileiros que participaram dos
movimentos tenente-comunista de 1935. O importante é observar como a chegada desses

9
BOURDIEU, Pierre. A Ilusão biográfica. In AMADO, Janaina; FERREIRA, Marieta de Moraes (Coords).
2006. Usos e Abusos da História Oral. Rio de Janeiro, FGV. P.190.
18
militantes influenciou a dinâmica dos jovens estudantes que se aproximavam do PCB e que,
nesse processo, se tornavam comunistas.
No terceiro e último capítulo (Entre Tipos e Graxas: a Seiva e a Guerra contra o
Fascismo e o Integralismo) retornamos ao tema dos intelectuais discutindo como se
posicionaram os comunistas frente à guerra mundial e de como essa guerra era vista como
algo ideológico, onde três forças se mostravam em concorrência direta: o comunismo, o
liberalismo e o fascismo. Assim analisa-se como, no processo de disputa ideológica, tem-se
uma construção identitária desses jovens. Ou seja, é nesse processo que se consolidam
enquanto comunistas.

19
CAPÍTULO I:
Um passeio de bonde pela Cidade da Bahia
Pelas ruas e esquinas o intelectual baiano se faz.

No amplo território do Pelourinho, homens e mulheres


ensinam e estudam. Universidade vasta e vária, se estende e
ramifica no Tabuão, nas Portas do Carmo e em Santo Antonio
Além-do-Carmo, na Baixa dos Sapateiros, nos mercados, no
Marciel, na Lapinha, no Largo da Sé, no Tororó, na
Barroquinha, nas Sete Portas e no Rio Vermelho. Em todas as
partes onde homens e mulheres trabalham metais e as
madeiras, utilizam ervas e raízes, misturam ritmos, passos e
sangue; na mistura criam uma cor e um som, imagem nova,
original.
Jorge Amado. Tenda dos Milagres.
(São Paulo, Record, 1978, 13).

Este mesmo território chamado por Amado de “território dos milagres” é também o
território do tornar-se. Nele não só viveu Pedro Archanjo, personagem central do livro Tenda
dos Milagres de Jorge Amado. Ele teria sido um grande pensador baiano que passara toda a
sua vida à margem dos “lugares” do saber na Bahia e, depois de sua morte, é aclamado como
o grande intelectual baiano, depois que um estudioso estadunidense vai à Bahia apresentar
seus estudos sobre a vida e obra desse grande poeta. A obra de Amado é, sem duvida, um
retrato satírico do campo intelectual baiano, suas praticas e suas dimensões (institucionais e
sociais). Parece-me evidente que a obra se remete às disputas entre o ser intelectual e o ser
“intelectual baiano” vividas por Amado e seus companheiros no final da década de 1920,
quando estes organizaram a Academia dos Rebeldes, uma iniciativa contra-hegemônica de
intelectuais marginalizados pela Academia de Letras da Bahia e pelo Instituto Geográfico e
Histórico da Bahia.19. Nele – que pode ser resumido como todo o núcleo antigo da cidade de
Salvador –, encontravam-se pessoas de diversas origens e práticas sociais: comerciantes,
professores, mendigos, prostitutas, médicos, estudantes, ricos, pobres... Todos circulavam
pelo centro da cidade. Neste núcleo localizavam-se as faculdades e os principais colégios da
cidade. Localizava-se também o Tabarís e a Confeitaria Triunfo, o Palácio do Governo (Rio
Branco) e os prostíbulos do Tabuão, da Misericórdia e de qualquer beco ou rua onde à noite
houvesse a discrição necessária ao serviço. Num só prédio desse território poder-se-ia

19
. Sugiro a leitura para os interessados: AMADO, Jorge. Tenda dos Milagres. 21ª Ed., Rio de Janeiro, Record,
1978. E SOARES, Ângelo Barroso Costa. Academia dos Rebeldes: Modernismo à moda Baiana. Feira de
Santana, UEFS, 2005 (Dissertação de Mestrado: Programa de Pós-Graduação em Literatura e Diversidade
Cultural).
encontrar um grupo muito diversificado de moradores – no térreo, uma loja; no primeiro
andar, a casa do proprietário, no segundo uma república de estudantes ou quem sabe quartos
de aluguer para moças e rapazes ou para um “turco” ou uma mãe-de-santo qualquer20. Este
território era o lugar do encontrar. O lugar de encontro de classes e habitus muito diferentes,
mas muito próximos geograficamente.
Portanto, neste capítulo trato de como os estudantes secundaristas e universitários
tiveram nesse território experiências construtoras dos seus “Eus”, de suas identidades e de
suas práticas. Dessa forma, para mim o território onde estes indivíduos são formados deixa de
ser o “pano de fundo”, o cenário, e passa a protagonista juntamente com os indivíduos no
processo do tornar-se.
Num primeiro momento discuto como era este território, sua formação e sua variada
composição social, analisando, especialmente a relação dos intelectuais (nosso objeto de
estudo) com este território e com a população que lá habitava ou freqüentava. Observo a
interação e as representações feitas por estes intelectuais sobre a cultura afro-baiana e sobre o
afro-descendente, tratando assim, das representações dos intelectuais sobre o ser baiano e o
ser intelectual baiano (ou afro-baiano, se preferir).
O importante nestas análises é observar como o cotidiano da cidade, o encontro nos
lugares e com pessoas comuns e ordinárias21 foram importantes para a formação dos sujeitos
dessa pesquisa. Entendo que o indivíduo é formado por uma constante justaposição de
habitus, constituídos em suas mais diferentes experiências

(...) o real é descontínuo, formado de elementos justapostos sem razão,


todos eles únicos e tanto mais difíceis de serem apreendidos porque
sugerem de modo incessantemente imprevisto, fora de propósito,
aleatório.22

Dessa forma ,recorro à análise das experiências desses sujeitos na cidade de Salvador
para entender como estes se tornaram comunistas, para entender quais sociabilidades
participam nesse tornar-se. Na minha perspectiva, as trajetórias não podem ser comparadas a

20
. Há um estudo muito interessante sobre a organização espacial do centro de Salvador feito por Neivalda
Oliveira. Nesta a autora centra seu estudo na Rua Chile, coração social e econômico da cidade antiga de
Salvador utilizando dados do IPTU. Ver: OLIVEIRA, Neivalda Freitas de. 2008. Rua Chile: Caminho de
sociabilidades, lugar de desejo, expressão de conflitos: 1900-1940. (Tese de Doutoramento). São Paulo, PUC-
SP.
21
. Conceito apropriado de Michel de Certeau. Para ele a história precisa observar os sujeitos e eventos
ordinários, comuns, corriqueiros. Ver: CERTEAU, Michel. 2008. Invenção do Cotidiano: A arte do lazer. 14ª
Ed., Petrópolis, Vozes.
22
. Allain Robbe-Grillet apud Bourdieu, Pierre. A Ilusão Biográfica. In. Janaina Amado e Maristela Moraes
Ferreira (Org). 2002. Usos e Abusos da História Oral. Rio de Janeiro, ed.FGV,
21
estradas, caminhos previamente traçados ou construídos, elas são um enveredar-se na mata,
perder-se, desorientar-se, achar-se e se perder novamente.23
Aqui há uma aproximação de Bourdieu com Certeau. Para Bourdieu,

O sentido dos movimentos que conduzem [um pessoa e sua trajetória] de uma
posição a outra (...) evidentemente se define na relação objetiva entre o
sentido e o valor, no momento considerado, dessas posições num espaço
orientado. O que equivale a dizer que não podemos compreender uma
trajetória sem que tenhamos previamente constituído os estados sucessivos
do campo no qual ele se desenrolou e, logo, o conjunto das relações objetivas
que uniram o agente considerado ao conjunto dos outros agentes envolvidos
no mesmo campo e confrontados com o mesmo espaço dos possíveis.24

Em outras palavras, para compreender a trajetória de um indivíduo ou de um grupo, é


preciso conhecer as condições objetivas para o caminhar. É preciso conhecer o local onde
este(s) indivíduo(s) se perde(m) e se acha(m). Assim como as condições que o(s) leva a
perder-se e achar-se. Esse entendimento da composição do campo, de suas regras de conduta,
de suas trajetórias esperadas, aceitas e não aceitas por um padrão formulado pelo e no campo,
não nos leva a perder a subjetividade dos indivíduos, como pode parecer num primeiro olhar.
Entender como um campo, no nosso caso o intelectual, não exclui o papel das escolhas
individuais. Ingressar num partido clandestino que luta pela derrubada do sistema e a
implantação de outro, voltado para aqueles que até então estiveram excluídos do sistema
atual, é uma escolha. Mas para mim, é essa escolha que pode e deve ser estudada. Nós só
escolhemos dentro de uma série de possibilidades reais, anteriormente e socialmente
construídas. O processo de posicionar-se é um processo de colocar-se frente a algo real (pelo
menos para o que se posiciona), de escolher frente às possibilidades. O perder-se ou o achar-
se numa mata, pressupõe a existência dessa mata por onde se pode enveredar, perder-se e
achar-se. Dessa forma, para entender a trajetória, o tornar-se, devemos estudar, mapear a
mata, identificando os locais onde se perdiam e se achavam, se encontravam e se
distanciavam...
Sendo assim, para entendermos como se deu o processo do tornar-se, comunista no
nosso caso, precisamos analisar as redes sociais, as teias de relações, as ligações, os sentidos
(por mais que às vezes pareçam não-sentidos) que compõem o lugar (o lócus) desse processo.

23
. Há um texto que escrevi há algum tempo onde tento fazer uma primeira leitura sobre o que seria o conceito
de trajetória. Apesar de inocente e incipiente, nele estão os elementos iniciais dessa pesquisa. FONTES, Rafael.
2006. Trajetórias (in)comuns: um estudo sobre a formação política de Aristeu Nogueira e Fernando Sant’Anna
IN I Seminário do LABELU. Feira de Santana, UEFS.
24
. BOURDIEU, Pierre. A Ilusão Biográfica. In. Janaina Amado e Maristela Moraes Ferreira (Org). 2002. Usos
e Abusos da História Oral. Rio de Janeiro, ed.FGV, 190 (grifos meus).
22
No caso aqui estudado, faz necessária a analise da relação do campo intelectual com a
dinâmica social da cidade de Salvador.
Algo importante de ser dito é que estes indivíduos fizeram parte da sociedade comum
do campo em que estão imersos. Não se tratam de indivíduos de maior expressão no campo
intelectual baiano, tratavam-se de jovens estudantes, ingressantes no campo. Mesmo que no
futuro viessem a ser expoentes na política, especialmente no interior de grupos e partidos
oriundos do PCB ou neste partido mesmo. Aqui não nos interessa esse momento de suas
trajetórias, nos interessa justamente o momento anterior, momento de formação das bases
para as suas atuações políticas posteriores. O importante é pensar como se dava a relação
desses jovens com essa “sociedade ordinária” e ao mesmo tempo específica. Ordinária por
tratar-se de uma sociedade de indivíduos comuns. E especifica, por, mesmo reconhecendo seu
caráter comum, identificá-los em uma sociedade peculiar, única e num tempo também único.
Digo isso, para evitar generalizações sobre o processo do tornar-se comunista. Este
estudo trata desse fenômeno, por mais mundial que o tenha sido e por mais abrangente que foi
(ou é), mas de forma peculiar. Entendo que o processo aqui estudado é único e que as
conclusões a que chego são relativas a um grupo especifico de jovens estudantes e a sua
iniciativa de montarem uma revista anti-integralista, a Seiva. Ou seja, esse tornar-se
comunista de jovens estudantes secundaristas e universitários só pode ser entendido num
espaço social único – a cidade de Salvador, mas especificamente os meios intelectualizados
de sua sociedade. Os jovens em formação, objeto dessa análise, devem ser entendidos num
tempo também peculiar: dos reflexos da Revolução Russa de 1917, da ascensão do Nazismo,
do crescimento de Integralismo, de um processo de modernização das instituições e dos
instrumentos políticos no pós-1930...
Dito isso, passemos agora a um passeio pela cidade de Salvador da década de 1930-
40, por suas ruas, ladeiras, largos, bares, boates, escolas, bondes, cinemas...

1. Os territórios dos milagres, o território do tornar-se.

A cidade de Salvador, capital da Bahia, era na primeira metade do século XX, o que
alguns autores chamam de “Rainha Destronada”25. Ou seja, uma cidade que tinha uma

25
. Termo cunhado por Rinaldo Leite ao tratar do sentimento de perda de poder e prestigio por parte das elites
baianas frente à República. Para maiores informações: LEITE, Rinaldo C. N. 2005. A Rainha Destronada.
Discursos das Elites Sobre as Grandezas e os Infortúnios da Bahia nas Primeiras Décadas Republicanas. (Tese
de doutoramento) São Paulo, PUC-SP.

23
sociedade – especialmente os setores mais ricos – que vivia, segundo esses autores, da
lembrança de um tempo áureo que há muito já passara.
Esta cidade, muito diferente da atual Salvador, estendia-se do Barbalho, mais
propriamente da ladeira de Água de Meninos à Barra, passando pelo Santo Antônio Além do
Carmo, Carmo, Pelourinho, Sete Portas, Rua Chile, Nazareth, Aflitos, Campo Grande e
Vitória. Além de toda a Cidade Baixa (Comércio, Bonfim, Ribeira...) marginalizada. A
ligação entre essas “duas cidades” era feita pelas suas ladeiras (Água de Meninos, Tabuão,
Misericórdia e da Montanha), pelos elevadores (Lacerda e do Tabuão) e planos inclinados (do
Pilar e do Gonçalves).
Os bondes cortavam quase todo esse território. Ou melhor, passavam desse território,
chegando à Amaralina, ao Cabula, à Penha e à Ribeira. De bonde se percorria quase toda a
cidade, podia-se ir a qualquer parte do perímetro urbano de Salvador. Estes, muito bem
articulados com os elevadores e os planos inclinados, deveriam permitir que a circulação pela
cidade fosse ágil e, relativamente rápida – o que não necessariamente ocorria, devido à
pequena e pouco adequada frota, com longos intervalos entre um e outro, fazendo-os
superlotados e malcuidados.
Mas os bondes eram muito mais que meios rápidos de transporte de gente, eram mais
um espaço de sociabilidade, espaço de encontros, espaço do tornar-se. Do encontro dos
rapazes com as normalistas do Barbalho, das senhoras que já há muito freqüentavam as ruas
indo e vindo de compras ou mesmo de compromissos profissionais. Encontravam-se todos
nos bondes: os padres, as prostitutas, os pretos, os brancos, os viajantes, os estudantes, as
normalistas, as senhoras, jovens, crianças, gente honesta e nem tanto, políticos e militantes
das correntes políticas possíveis de existir, conservadores, revolucionários, pessoas de
variados humores, odores, seres, falares, vestires, gente de toda gente.
Alguns dos rapazes da Seiva, aqui estudados chegaram a Salvador de trem. Fora as
rotas marítimas que ligavam às cidades costeiras, como Ilhéus, o trem era a alternativa mais
rápida de ser chegar à Bahia26. Além desta, ainda ia-se muito em tropas e nas marinetes
(denominação à baiana para uma espécie de ônibus). De Irará, terra natal de Aristeu Nogueira
e Fernando Sant’Anna, por exemplo, ia-se a Salvador de trem. Pegava-se a condução na
Barra, próximo ao então distrito de Irará, Água Fria, depois de longa viagem a cavalo ou de
carro (provavelmente, a maioria dos viajantes iam de carro-de-boi, carroças e outros tipos de
transporte), onde se pegava o trem seguindo pela Viação Férrea Leste-Oeste, passando por
26
Nome comumente usado pelo povo do sertão para denominar Salvador, a cidade da Baia de Todos os Santos.
é, também, um indicio importante para estudos sobre a identidade baiana versos a sertão.
24
Alagoinhas e de lá chegando à Bahia. Só mais tarde, a marinete chegou a Irará agilizando (ou
melhor, proporcionando outra possibilidade, haja vista a qualidade das estradas da época) a
viagem por Mata de São João.
Na capital, descia-se dos trens na Estação da Calçada (Cidade Baixa). Da Calçada, o
viajante pegava um bonde que o levava à cidade alta pela linha Mauá, unindo a Cidade Baixa
à Alta pela Praça Castro Alves. Outro lugar que antes de ser o local de encontro dos trios
elétricos no carnaval, já era desde os anos 1900 a porta da Cidade Alta.
Nesta praça, a cidade se encontrava. Nela, encontravam-se várias linhas de bondes: a
Mauá, a Pinto, a Souza, a Cesar, a que seguia pela Rua Chile, a da Avenida Sete, a que seguia
pela Barroquinha e a que vinha da Carlos Gomes, levando e trazendo gente de toda a parte.
Nesta praça ficava, há anos o Teatro São João (recém demolido na época aqui estudada),
fazendo esquina com a Rua Chile. Do outro lado da rua ficava a redação do Jornal A Tarde e
o acesso a feirinha da entrada das Barroquinhas. Mais abaixo, entrando na Rua Chile, o
Tabáris, casa noturna freqüentada pela sociedade mais abastada da cidade. Dos muitos
endereços do Jornal O Imparcial, todos localizanvam-se ou na Rua Chile, ou na Ladeira de
São Bento (nas imediações da Castro Alves). O mesmo pode ser dito da Revista Seiva e do
Jornal O Momento. Os cinemas, ficavam vários pelas imediações dessa praça, a exemplo do
Cinema Bahia, situado na Rua Chile, nº 127.
A Rua Chile, era o lugar do passar e do passear. Passavam pelas manhãs,
trabalhadores indo a seus serviços e empregadas indo à feira para abastecer as casas de suas
patroas. Estes topavam com bêbados e estudantes (e, estudantes bêbados) que seguiam a suas
casas e repúblicas cansados da noite que passaram, para os mais afortunados, na cama de uma
senhorita que lhe serviu (gratuitamente ou não), ou, para os não tão sortudos, num balcão de
bar qualquer, cantarolando, chorando, ou enchendo a cara, pura e simplesmente. Passavam
moças recatadas (ou nem tanto) indo aos colégios ou trabalhos. Estas esbarravam-se com os
rapazotes e moços das escolas e, em especial os jovens estudantes da Faculdade de Medicina,
os quais deveriam arrancar delas suspiros desejosos e casadoiros, e deles, assovios e
galanteios. Passavam senhoras acompanhadas de amigas ou criadas indo às compra na Casa
Clark, Casa Atlas, na Pérola, na Princeza ou na Alfaiateria Thesoura28, todas localizadas nos
andares térreos de onde funcionavam, nos andares superiores os escritórios de jornais como o

27
FONSECA, Raimundo Nonato da Silva. 2000. "Fazendo Fita": cinematógrafos, cotidiano e imaginário em
Salvador, 1897-1930. Salvador, EDUFBA, P. 90.
28
Preferi manter a ortografia original dos anos 1930 ao citar nomes próprios e ao transcrever trechos dos
documentos.
25
Diário de Notícia e O Imparcial, além de consultórios médicos e de outros serviços29. Ou
mesmo, a uma sessão de cinema no meio da tarde, ou tomar um café com amigas no Ponto
Chique (na Misericórdia), ou somente, olhar a rua e o seu movimento. Nas portas das lojas (e
sendo escorraçados delas) e nas ruas escutavam-se ainda cantorias e chamados de quituteiras,
vassoureiros e outros vendedores ambulantes30.
As classes médias e altas da sociedade soteropolitana há pouco tomara as ruas –
refiro-me a esta, pois a classe baixa e trabalhadora há muito já fizera desse, seu lugar. Com a
iluminação pública, o dia se prolongara, possibilitando assim que rapazes e moças ficassem
até cada vez mais tarde nas ruas, preferencialmente até às 23 horas pois este era o último
horários dos bondes (voltamos a eles). Todas as linhas saíam do centro para os bairros mais
distantes nesse horário, possibilitando que cada vez mais a noite fosse transformada num
horário de sociabilidade.

A Cidade do Salvador, nas primeiras décadas da República,


apresentava muitos problemas que dificultavam o divertimento para a
maioria dos soteropolitanos dentro da nova realidade posta. Se antes
estes se divertiam sem a necessidade da luz elétrica e de meios de
transporte mais eficientes, os novos equipamentos de lazer e mesmo
alguns antigos, como o teatro, passaram a exigir um melhor
funcionamento desses serviços públicos. A cidade ainda não era bem
servida de luz elétrica, o serviço de transporte era irregular e algumas
comemorações eram inacessíveis à empobrecida população da capital
baiana. Quanto à energia elétrica, devemos considerar que a existência
de um melhor serviço de iluminação pública era decorrente do habito
de sair à noite para divertir-se, que os baianos vinham cultivando com
mais freqüência, o que requeria maior conforto e segurança. A
deficiência de alguns serviços era jocosamente explorada, inclusive
nas propagandas de algumas lojas, como a Casa Edson, que informava
aos seus clientes que já podiam sair à noite, pois acabava de receber
lanternas elétricas e pilhas.31

Se em 1918, quando a propaganda da Casa Edson saiu no Diário de Noticias, a


população baiana sofria com o mal-estado dos serviços públicos, o mesmo continuava em
1934 (ano do Quebra-Bondes32) apesar dos empenhos modernizantes de J. J. Seabra. Contudo,

29
OLIVEIRA op cit.
30
. Alberto Heráclito Ferreira Filho publicou a algum tempo um celebre texto que trata de como a “sociedade”
baiana tratava no inicio de século XX de limpar as ruas de Salvador de estigma de território dominado pela
cultura negra. Dessa maneira, Desafricanizar às ruas é leitura obrigatória a qualquer estudioso da História da
Bahia. FERREIRA FILHO, Alberto Heráclito 1998-1999 “Desafricanizar as ruas: elites letradas, mulheres
pobres e cultura popular em Salvador (1890-1937)” in Afro-Ásia (Salvador: Centro de Estudos Afro-Orientais,
FFCH-UFBA) Nº 21-22. Pp. 239-256.
31
FONSECA, op cit,38.
32
. O Quebra-Bondes, como ficou conhecido, foi um movimento espontâneo da população soteropolitana contra
as condições do transporte urbano, especialmente os bonde. Os quais foram quebrados e tiveram seus trilhos
arrancados.
26
esta população não deixou de ocupar a noite da Soteropólis progressivamente. Com as
reformas urbanísticas da década de 1920, o acesso a noite e aos espaços de lazer foram,
aparentemente, mais democratizados.
Fernando Sant’Anna, morava numa pensão na Rua d’Ajuda e lembrou desse tempo e
da dinâmica da cidade em sua entrevista a Antonio Risério:

Em inicio da década de 1930, a cidade não tinha nem 200 mil


habitantes. Reduzia-se, praticamente, ao espaço que vai do Campo
Grande à Rua Chile. Havia já a Barra, Barra Avenida, mas o
movimento não era ali. Quando vim morar em Salvador, não existiam
casas na Pituba. A Rua Chile era toda composta de Lojas. Era um
lugar chique, onde as pessoas iam passear e se divertir. As ruas
laterais da Igreja da Ajuda, aquelas redondezas, eram áreas de
residências de pessoas importantes. Ali era o centro real da cidade. E
era, também, o centro principal da vida estudantil, da vida intelectual.
Ali ficava a Escola de Medicina, que era a nossa principal e mais
freqüentada instituição de nível superior. E existiam os cafés, onde os
intelectuais se encontravam, se reuniam para conversar, discutir, bater
papo, Jorge Amado e Édison Carneiro, por exemplo, apareciam
sempre por ali. Havia uma certa tradição intelectual dos cafés da
antiga Sé. Mas ai começaram a derrubar, a destruir tudo, inclusive a
igreja, a própria Sé da Bahia...33

Os cafés e sua importância para os intelectuais baianos também foram tratados por
Jorge Amado em País do Carnaval34. Os cafés ocupam neste texto de Amado o lugar onde os
projetos surgem, onde as idéias circulam, onde o convencimento do outro é feito. Este era
mais um lugar do tornar-se. Eram nas mesas dos cafés que os ideais eram transformados,
amadurecidos e afinados. Foram nesses cafés que os intelectuais de Amado formaram seu
jornal.
Aqui, a importância desses espaços é imensa. São nestes espaços – quase
exclusivamente masculinos –, que as redes construtoras das identidades são formadas. No
texto de Amado, Paulo Ringer35 chega ao Brasil completamente “europeisado”, mas é no
meio intelectual que ele encontrou uma nova sociabilidade e cria uma nova identidade com o
seu país. É neste “meio” que ele recria uma leitura do que venha a ser o Brasil, sua “missão”
e, especialmente, o papel dos intelectuais nesse “novo país”.
Parece-me que Amado, chega através de sua literatura a explicitar questões de sua
época – e não poderia ser diferente. É inegável, e isso pode ser comprovado pela vasta

33
SANT’ANNA, apud RISÉRIO, Antônio. 2002. Adorável Comunista: História política, charme e confidências
de Fernando Sant’Anna. Rio de Janeiro, Versal Editores, P. 54.
34
AMADO, Jorge. O Pais do Carnaval. 31ª Ed (1ª Ed. em 1930). Rio de Janeiro, Record.
35
. Personagem de Amado é baiano da região cacaueira que fora enviado por seu pai para a Europa para se tornar
um bacharel (Advogado) e que é obrigado pela morte do mesmo a voltar ao Brasil.
27
bibliografia, que foi nos anos 1930 que os intelectuais brasileiros – e porque não dizer que as
classes médias e altas – estavam preocupados com o “futuro” de sua nação e dos
(des)caminhos que esta poderia seguir. Também me parece claro que os personagens de O
País do Carnaval são baseados nos jovens que formaram, junto com Amado, a Academia dos
Rebeldes no final dos anos 1920. Estes intelectuais e a organização da Academia dos
Rebeldes foi uma instituição voltada para intelectuais que não seriam, em sua maioria, aceitos
no setor dominante do campo intelectual baiano, como a Academia de Letras da Bahia ou o
Instituto Geográfico e Histórico da Bahia. Sendo assim, acho que este foi, talvez, uma
primeira tentativa contra-hegemônica no campo intelectual baiano. Além de um primeiro
passo para a construção de uma identidade intelectual baiana para além da Heroína Hercúlea
de Seios Tetânicos e da Athenas Brasileira36. Uma identidade baiana atenta para a cultura
afro-brasileira. Talvez seja um primeiro passo para a identidade Nagô consolidada nos anos
70 pela Bahiatursa. Para mim, os intelectuais estudados aqui, são herdeiros destes rebeldes e
de sua academia.
Mas, voltando à década de 1930, esta foi um momento ímpar para a circulação
cultural da cidade. A popularização do cinema, iniciado desde os primeiros anos do século, e
do rádio levou os rapazes por nós estudados a publicarem na revista Seiva, uma coluna sobre
cinema e rádio. Os cinemas desde os mais populares – localizados nas ruas laterais e nos
bairros periféricos ou mesmo nos circos – aos mais chiques da Praça Castro Alves ou do
Campo Grande, passavam a apresentar filmes com Carmem Miranda, desenhos da Disney
com Zé Carioca37, além, claro, dos filmes de Hollywood. Nas críticas da Seiva ao cinema e ao
rádio, parece-nos evidente que eles entendiam esses meios de comunicação como
instrumentos políticos e constituidores da cultura. Assim como percebem a visão que esse
cinema americano tinha do Brasil. Vejamos o que escreveram em 1941 sobre Carmem
Miranda e seu filme “Uma Noite no Rio”:

Carmem Miranda num Rio de Janeiro Falsificado


Carmem Miranda e o Bando da Lua são os mais autorisados
representantes da musica popular brasileira nos Estados Unidos. Até
aqui vêm se portando a contento e Carmem vem sendo de comentários
lisongeadores... Contudo “Uma Noite no Rio” está sendo castigado
pela critica popular como um fracasso artístico e também musical, da
estrela sambista. Este filme é mais um da serie de produções sobre os
paizes sul-americanos onde Hollywood exagera deliberadamente
nossos costumes, falsificando, para não desapontar os habitués de

36
. Referências dos intelectuais baianos para a Bahia, heróica na independência do Brasil.
37
FONSECA, op cit.
28
New-York e Chicago, que exigem temperamentos ardentes, fardas
multicôres e palmeras.38

Nos rádio, ouvia-se a Rádio Nacional, popularizado por Getulio Vargas. Nesta ouvia-
se sambas, a “mais nova música nacional”, finalmente reconhecida. Ouvia-se João de Barro
(Carlos Alberto Ferreira Braga), também conhecido como Braguinha, sem dúvida o maior
expoente das marchinhas carnavalescas produzidas no Rio de Janeiro e “exportada” para todo
o resto do país pelo rádio. Suas marchinhas, até hoje lembradas, falavam de um Brasil festivo,
de um país em eterno carnaval.
O Rio amanheceu cantando
Toda a cidade amanheceu em flor
E os namorados vêm prá rua em bando
porque a Primavera é a estação do amor!
Rio, lindo sonho de fadas
Noites sempre estreladas e praias azuis
Rio, dos meus sonhos dourados
Berço dos namorados, cidade da luz!
Rio, das manhãs prateadas
Das morenas queimadas, ao brilho do sol
Rio, és cidade-desejo
Tens a ardência de um beijo em cada arrebol39

Dentre suas músicas incluem-se a famosa “Yes, nós temos bananas” (1938), “Uma
andorinha não faz verão” (1931), “Balancê” (1937), “Touradas de Madri” (1938) e “Cantores
do rádio” (de 1936 que recebeu versão feminina pelas vozes de Aurora e Carmen Miranda)
entre tantas que fazem parte do acervo musical-afetivo dos brasileiros do século XX.
Todo esse clima “carnavalesco” era reforçado pelo Teatro de Revista. Na Bahia, sua
principal casa era o Tabaris. Esta casa, localizada a Rua Chile, era a mais elegante entre todas
as outras casas noturnas, da forçosamente elegante Cidade da Bahia. Lá, entre doses e jogos
eram acertados negócios, debatidos temas sobre a política, eram articulados empregos, cargos
e posições. Era o lugar ideal para um jovem que aspirava uma carreira promissora freqüentar
e firmar contatos. E foi lá que os intelectuais fizeram seu principal ponto de encontro. Neste
lugar, Fernando Sant’Anna e outro dos rapazes desta pesquisa firmaram amizade. Ele lembra
desta época:

O Tabaris funcionava todos os dias, de segunda a domingo. Quando


estudante ginasial, eu ia menos. Recebia a mesada, pagava a pensão,
comprava livros e gastava o resto todo no Tabaris. (...) Muitas vezes,

38
BR-UEFS-LABELU-RF-SEIVA:III:10, 44. (Seiva, Ano III, Nº 10, Junho de 1941, P. 44 – Autor não
identificado).
39
. Carlos Alberto Ferreira Braga, 1934
29
depois que o Tabaris fechava suas portas, de madrugada, nós
seguíamos para Itapoã. Ficávamos amigos daquelas moças, das
dançarinas, e íamos todos para Itapuã, de carro de praça, tomar banho
de mar. A cidade só existia, então, até Amaralina. Para chegar a
Itapuã, o carro ia sobre a areia da praia. Não havia espécie alguma de
estrada. Os motoristas, também nossos amigos, nos levavam e ficavam
lá conosco, se divertindo, tomando banho de mar. Era um passeio
demorado. Só voltávamos quando o dia amanhecia”.40

Dessa maneira, pelo lúdico, os laços de afetividade e de identidade eram reforçados.


Muitos pensaram que numa organização política estes são pouco importantes ou, até mesmo,
desnecessários. Mas, numa organização pequena, como era o PCB na Bahia da época, estes
laços faziam com que o grupo se estreitasse e fortalecesse. Amigos e camaradas se
confundiam. O político e o afetivo se associavam.
Pelo rádio, ouvia-se também, na madrugada o sinal da Rádio Moscou. Esta tinha um
programa em língua portuguesa, locutado pela brasileira Laura Brandão. João Falcão escreveu
como fazia para ouvir esta rádio:

A madrugada era o horário mais propício não apenas para a leitura,


mas sobretudo para ouvir a Rádio de Moscou, que transmitia
diariamente um programa para os povos de língua portuguesa. (...)
Para os comunistas, a Rádio de Moscou era a voz da verdade, a
informação correta e indiscutível, que constrastava com as notícias
veiculadas pelas agências telegráficas a serviço do imperialismo. Ao
encerrar o programa, após o hino da Internacional Comunista, ela
pronunciava as palavras mágicas e consagradoras do espírito
revolucionário da época (inscritas no trecho final do Manifesto
Comunista, de 1848, de autoria de Karl Max): “Proletariado de todos
os países, uni-vos!”41.

A importância da Rádio de Moscou e de leituras marxistas no tornar-se comunistas


dos sujeitos dessa pesquisa não pode ser minimizada. Estes eram basicamente os meios de
divulgação marxista possíveis em um Estado de forte opressão anti-comunista. O rádio era o
maior instrumento de comunicação do país e era através dele que a população soteropolitana,
em especial – os menos letrados e que não tinha acesso à imprensa (escrita) –, ficava sabendo
dos acontecimentos políticos e culturais do país e do mundo. O governo Vargas soube fazer
muito bom uso desse instrumento.
Por outro lado, a imprensa (escrita) ainda mantivera seu papel de grande imprensa.
Na Bahia esta se fortalecera desde o início da República. Era o lugar onde a política era feita.

40
. Fernando Sant’Anna apud RISÉRIO, op Cit, 59-61
41
. FALCÃO, João. 1988. O Partido Comunista que Eu conheci. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira. Pp. 44-
45 (grifos meus)
30
Laís Ferreira estudou o campo jornalístico baiano em sua dissertação de mestrado, vejamos o
que ela escreveu:

A grande imprensa na Bahia, segundo SANTOS (1985), estava


representado pelos jornais: Diário da Bahia, Diário de Noticias, A
Tarde e O Imparcial, pois foram aqueles que se adaptaram ao modelo
de empresa jornalística da fase industrial, impulsionada e dinamizada
pelo avanço da urbanização de Salvador, levando os jornais a
realizarem a cobertura do cotidiano da cidade, e grande volume de
informações divulgadas pelas agencias de notícia internacional que a
época realizavam cobertura da Primeira Guerra Mundial (1914-
1918)42.

Essa “grande imprensa” era basicamente pertencente às importantes famílias da


Bahia, as quais eram também as detentoras do poder e do prestigio político. Dessa forma, era
comum que o jornal tal, que fazia oposição a algum político, fosse retaliado ou mesmo
empastelado quando o político ao qual fazia oposição estivera no poder. O Imparcial, por
exemplo, um dos principais jornais da Bahia e de incontornável importância na formação
intelectual dos jovens jornalistas dos anos 1930, sofreu, segundo Ferreira, três
empastelamentos no período de 1933-34.
Dessa forma, era nos jornais que as disputas ideológicas eram travadas. Essas
disputas que chegavam à população onde o “confronto era inevitável (...) passando muitas
vezes do terreno das idéias para o desforço pessoal, nas faculdades ou nas praças públicas”43.
Nesse fragmento o enfoque claro é das disputas entre o integralismo e o comunismo. O
próprio Imparcial, que contratava jovens que tivessem ligações com o comunismo, passou por
uma importante guinada chegando a ser entendido como um jornal integralista entre 1935-37,
e voltando ao campo anti-integralista em decorrência da II Guerra Mundial.44
A imprensa baiana portou-se de forma variada frente ao integralismo. Por vezes um
jornal ou outro fazia propagandas da Alemanha e Itália, por vezes denunciavam que os
integralistas brasileiros queriam impor ao país um regime nos moldes do nazi-fascismo. Dessa
maneira, devemos nos perguntar, qual a relação dos intelectuais com essa cidade, com sua
dinâmica?
Para chegar perto de uma resposta a essa questão, temos que visitar a produção
historiográfica produzida sobre os intelectuais baianos. Mas antes, precisamos definir o que
vem a ser o intelectual.

42
. FERREIRA, Laís Mônica Reis. 2006. O integralismo na Bahia: gênero, educação e assistência social em O
Imparcial. (Dissertação de Mestrado). Salvador, UFBA. P.37
43
FALCÃO, op cit, P. 29
44
FERREIRA, op cit.
31
2. “Intelectuais? Que diabo significa isso?”

Pergunta essa incontornável para os estudiosos da História dos intelectuais. A mesma


se fez Ana Paula Palamartchuk45 em sua dissertação de mestrado ao questionar-se sobre o ser
intelectual e comunista. Questão próxima a que é feita nessa dissertação, contudo,
Palamartchuk, foca sua análise na identidade, no ser de escritores brasileiros que aderiram ao
comunismo. Diferentemente, neste trabalho questiona-se como, no processo de organizar uma
revista anti-fascista um grupo de estudantes se torna comunista. Mas, o trabalho de
Palamartchuk tem sido de grande valia para observarmos como, ou melhor, o que era ser
intelectual e, para completar, comunista.
O primeiro passo para responder à questão do que é ser intelectual, é dado pela
autora a partir das memórias de Graciliano Ramos quando preso-político no Rio de Janeiro
em decorrência de seu envolvimento com comunistas durante o governo Vargas (1930-45).
Nestas memórias Ramos começa a questionar-se sobre quem são os intelectuais. Escreveu ele:

Intelectuais? Que diabo significava isso? Interei-me a custo.


Designavam-se desse jeito os indivíduos alheios a qualquer oficio
manual: Herculano, estudante de músculos débeis e rosto enxofrado, o
velho Eusébio, alguns pequenos funcionários de uma estrada de ferro.
Mas essa. Iam forçar-me a conviver, tempo indeterminado com
pessoas que justapunham.
E aqueles intelectuais burgueses, funcionários, médicos, advogados,
engenheiros, tinham razão para indagar-se. Ausência de estabilidade,
posição neutra, rejeitados pelos extremos, de alguma forma achando-
se vítima de perfídias e traições. Não se haviam ingerido em mazorca.
Um artigo de jornal, uma conferência, uma assinatura em manifesto e
desabavam.
Também me distanciava dos operários; se tentasse negar isto, cairia na
parlapatice demagógica. Achava-me fora das classes, um grupo
vacilante e sem caráter.46

O lugar do intelectual, essa é a questão de Ramos. Ele tinha clareza que não era
operário e que a sua relação de classe também não o deixava entre os burgueses. Qual seria
então o seu lugar? Ou será que são mesmo os intelectuais alheios às classes?
Karl Mannheim47 definiu os intelectuais como relativamente livre-flutuantes (relativ
freischwebende Intelligenz) ou, como “grupo intelectual relativamente descomprometido”48.

45
PALAMARTCHUK, Ana Paula. 1997. Ser intelectual comunista: escritores brasileiros e o comunismo,
1920-1945. Dissertação (Mestrado em História), Campinas, UNICAMP.
46
RAMOS apud PALAMARTCHUK, Op Cite. P. 3.
47
MANNHEIM, Karl. 1976. Ideologia e utopia. Rio de Janeiro, J Zahar.
48
Idem. P. 106.
32
Para ele, os intelectuais não formam uma classe, uma vez que não há coesão em seus
interesses. “Um funcionário do governo, um agitador político ou escritor insatisfeito do tipo
radical, um sacerdote e um engenheiro possuem poucos interesses palpáveis em comum”49,
ficam “subordinados” aos interesses das classes sociais, como o proletariado estudado por ele
no texto citado. Dessa forma, poder-se-ia compreender os intelectuais como uma categoria
que não chega a ser uma classe social distinta, com interesses próprios... A intelligentsia seria
assim,

...um agregado que está entre as classes, mas não acima delas.
Individualmente os membros do grupo dos intelectuais podem ter,
como é o caso freqüentemente, uma orientação particular de classe e,
em conflitos reais, podem aliar-se a um ou outro partido político.
Além disso, suas escolhas podem ser coerentes e caracterizadas de
uma clara posição de classe. Mas, além e acima dessas afiliações, ele é
motivado pelo fato de que seu treinamento o equipou para enfrentar os
problemas da hora a partir de diversas perspectivas e não apenas de
uma, como acontece com a maioria dos participantes de controvérsias
de sua época. (...) Seu equipamento adquirido torna-o potencialmente
mais instável que os outros. Pode mudar seu ponto de vista com uma
facilidade e está menos rigidamente comprometido com um dos lados
da disputa, pois é capaz de experimentar concomitantemente várias
abordagens conflitantes de uma mesma coisa. (...) O fato de estar
exposto a várias facetas do mesmo problema e seu acesso mais fácil a
outras e diferentes avaliações da situação fazem com que se sinta à
vontade em uma área mais extensa de uma sociedade polarizada, mas
também o torna um aliado menos digno de confiança que a pessoa
cujas escolhas se assentam em uma menor seleção das muitas facetas
sob as quais a realidade se apresenta. Em termos de experiência
política, os intelectuais inclinam-se menos a votar na “chapa do
partido” e a argumentar, como sempre fizeram, ou como seus
antepassados costumavam fazer50.

Mannheim está certo ao localizar os intelectuais como um grupo social difícil de


identificar enquanto classe. Essa dificuldade está em cada classe social ter seus intelectuais,
fazendo com que a localização de uma grande categoria, chamada intelectuais, só possa ser
percebida através da análise de sua diversidade. É, portanto, difícil localizar os intelectuais
nas classes, enquanto categoria – o que levou Mannheim a acreditar que a filiação ideológica
de intelectuais à visões de mundo de classe seria um fenômeno individual –, pois em cada
classe forma seus intelectuais. Eles são formados enquanto setor criador para pensar a
permanência dessa classe enquanto tal, (re)criá-la constantemente. Portanto a tipificação feita
por Mannheim, não explica, de forma alguma, como contingentes de intelectuais

49
Idem, P. 104.
50
Idem, P. 105. (Grifos meus).
33
(especialmente em formação) aderem à Visão de Mundo (Weltanschauung) de uma classe
diferente a de sua origem. Ao escrever que “individualmente os membros do grupo dos
intelectuais podem ter (...) uma orientação particular de classe e (...) podem aliar-se a um ou
outro partido político”, ele não percebe a existência de fenômenos sociais que atraem os
intelectuais a posições de classes. Claro que nem todos os intelectuais – agora sim, de forma
individual, mas mesmo assim estudável – sofrem essa atração de forma explícita. Uma
categoria tão diversa e fragmentada pelas classes, não pode ser analisada senão localizando as
diferentes formas de sê-la, as experiências de cada um frente a um fenômeno social
historicamente localizado, como o que tivemos na passagem do século XIX ao XX, e
especialmente no XX, quando o proletariado passou a atrair para sua frente de batalha
intelectuais das mais diversas origens e formas de atuação.
Michael Löwy, atento a esse fenômeno comparou o intelectual definido por
Mannheim aos balões juninos. Vejam:

A flutuação dos intelectuais, como aquela dos balões de ar quente na


noite de São João, é um estado provisório: eles terminam, geralmente,
cedendo à lei da gravidade, sendo atraídos por uma das grandes
classes sociais em luta (burguesia, proletariado, campesinato) ou então
pela classe que lhes é mais próxima: a pequena burguesia”51

Mannheim está certo ao definir os intelectuais como uma categoria social entre as
classes, contudo, uma vez atraídos por uma das classes sociais, estes aderem a sua visão de
mundo, mesmo que mantenham os habitus de suas classes de origem ou da classe média que
lhe é mais próxima e agregam a estes novos hábitos, costumes, formas de pensar e fazer de tal
maneira que o habitus desse indivíduo, não o seja mais o mesmo, apesar de, aparentemente,
mantê-lo.
O habitus não deve ser pensado como algo que se mude, uma veste ou um hábito
religioso, mas como algo tão constituidor do indivíduo que se modifica, assim como o sujeito,
deixando às vezes de aparentar ser o mesmo e às vezes não o é, mas conserva no âmago
lembranças, cicatrizes, riscos do que foi.
Chegamos aqui num cruzamento muito interessante. Ao analisar os processos de
distanciamento do capitalismo e sua radical negação, Michael Löwy, o localiza no seio da
Intelligentsia. Esta definição, como tentei explicar antes, parece-me próxima a de Campo

51
LÖWY, Michael. 1979. Para uma Sociologia dos Intelectuais Revolucionários: a evolução política de Lukács,
1909-1929. São Paulo, LECH. P. 2. (grifos no original).
34
Intelectual, utilizada por Pierre Bourdieu. Contudo as aproximações vão além da semelhança
de Intelligentsia e Campo Intelectual. Ela ocorre na definição de intelectual também.
Primeiro, deve-se definir o que vem a ser os intelectuais. Há intelectuais dos mais
diferentes tipos, há aqueles que vivem da produção de bens simbólicos (acadêmicos,
escritores, jornalistas, publicitários, professores...), estes são os intelectuais inseridos no que
Bourdieu chamou de Campo Intelectual. Eles são os que mais facilmente podemos identificar
enquanto intelectuais. Em especial devido ao seu distanciamento de outra forma de trabalho
(o braçal), ou seja, pelo seu afastamento da produção de mercadorias, de bens de consumo
não-simbólicos. São estes os intelectuais analisados por Löwy e dos quais trataremos neste
texto.
Estes intelectuais formam uma categoria social a qual se define pelo seu papel na
construção de bens simbólicos. Eles compõem um Campo, com regras, competições regidas
de forma que só seus membros possam participar e concorrerem ao prêmio. Bourdieu
identifica este Campo como parte de um Campo maior, o do Poder. Ou seja, ao produzir bens
simbólicos estes intelectuais acabam por construírem instrumentos de dominação (simbólica)
que são apropriadas nas lutas sociais. O mesmo faz Löwy ao identificar a “afinidade” entre
estes intelectuais e a pequena-burguesia. Essa aproximação é devido ao seu distanciamento da
classe trabalhadora e da dicotomia entre trabalho intelectual e manual. De forma que os
intelectuais

constituem o setor “criador” de uma massa de ‘trabalhadores


intelectuais’ (por oposição aos “trabalhadores manuais”) que inclui as
profissões liberais, os empregados, os técnicos etc. São também o
setor desta massa mais distantes da produção econômica 52

Para Bourdieu, assim como para Löwy, há um movimento de distanciamento do


intelectual de sua classe de origem (quando estes vêem de outra que não a pequena-burguesia)
uma vez que este sofre uma atração (Löwy a chamará de “Afinidade Eletiva”) pela pequena-
burguesia. Para os dois, o intelectual, mesmo sofrendo um movimento de proletarização fruto
da inserção do trabalho intelectual na lógica capitalista (substituição do valor qualitativo pelo
quantitativo), está afastado da produção de mercadorias, estando o produto de seu trabalho
regido por concepções de valores diferentes dos de mercadorias: o produto do trabalho
intelectual é medido pelo seu valor qualitativo (belo/feio, bom/ruim, inteligente ou não)

52
Idem, P. 1.
35
enquanto as mercadorias são medidas pelo seu valor de troca. O importante nesta percepção
do lugar do intelectual frente à produção é que, tanto para Bourdieu quanto para Löwy, o
intelectual tem uma localização na luta de classes, seja sendo DOMINANTE-dominado ou
dominante-DOMINADO, nas expressões de Bourdieu, ou radicalizando-se e vinculando-se à
luta de classe.

Em termos mais precisos, é através da relação que a categoria de


agentes vinculados a cada uma dessas posições mantêm com o
mercado e através dos diferentes tipos de gratificação econômica e
simbólica correspondente às diferentes formas dessa relação que se
define o grau em que se enfatiza objetivamente a pertinência ou a
exclusão e, paralelamente, a forma da experiência que cada categoria
de agente pode ter a respeito da relação objetiva entra a fração dos
artistas e as frações dominantes (e secundariamente, as classes
dominadas). Enquanto que os artistas e os escritores “burgueses”
(DOMINANTES-dominados) encontram no reconhecimento que o
público “burguês” lhe concede e que muitas vezes lhes assegura
condições de existência quase burguesas, as razões para assumirem o
papel de porta-vozes de sua classe, à qual a sua obra dirigi-se
diretamente, os defensores da “arte-social” (dominates-
DOMINADOS) encontram em sua condição econômica e em sua
exclusão social os fundamentos de uma solidariedade com as classes
dominadas que erige como princípio primeiro a hostilidade com
relação às frações dominantes das classes dominantes e com relação a
seus representantes no Campo Intelectual.53

Esse distanciamento faz com que, mesmo este intelectual tendo sua origem de classe
entre os trabalhadores, uma vez inserido no Campo se afaste de sua classe paulatinamente
chegando ao ponto de não mais se reconhecer como parte dela, nem ela como seu membro.
Há alguns motivos para este distanciamento, melhor estudados por Bourdieu em Campo do
Poder, Campo Intelectual e Habitus de Classe54.
Contudo, as duas percepções sobre intelectuais tratam daquele imerso ao Campo
(Bourdieu) ou à Intelligentsia (Löwy). Elas não tratam de intelectuais que mantém outra
relação com as classes, ou daqueles que não estão no Campo Intelectual, que não estão em
busca do “prêmio” – pelo menos não o mesmo prêmio do Campo – e que produzem bens
morais para as suas classes, como os intelectuais estudados por Gramsci. Para ele:

Cada grupo social, nascendo no terreno originário de uma função


essencial no mundo da produção econômica, cria para si, ao mesmo

53
. BOURDIEU, Pierre. 1987. A economia das trocas simbólicas. São Paulo, Perspectiva. P. 193.
54
. Idem.
36
tempo, de um modo orgânico, uma ou mais camadas de intelectuais
que lhe dão homogeneidade e consciência da própria função55.

Nesta análise, deve-se entender que o intelectual e suas escolhas sofrem de uma
“autonomia relativa”. Ou seja, suas escolhas, por mais pessoais e autônomas que possam
parecer não o são. Elas são demarcadas pela sociedade na qual esta escolha é feita, pelas
sociabilidades construídas e construtoras do seu transformar, do transitar de um ponto a outro,
do tornar-se. Ao mesmo tempo em que não se pode entender essa demarcação como algo
rígido e alienante. O indivíduo, mesmo não sendo senhor absoluto de suas escolhas, as fazem
baseados nos esquemas mentais e ideológicos que o formam e que são construções sociais
(religião/religiosidade, influência pater/materna, educação, acesso a cultura...) – que também
não o isenta da responsabilidade.

O principio unificador e gerador de todas as práticas e, em particular,


destas orientações comumente descritas como “escolha” da
“vocação”, e muitas vezes considerada efeito de “tomada de
consciência”, não é outra coisa senão o habitus, sistema de
dispositivos inconscientes que constitui o produto de interiorização
das estruturas objetivas e que, enquanto lugar geométrico dos
determinismo objetivos e de uma determinação, do futuro objetivo e
das esperanças subjetivas, tende a produzir práticas e, por esta via,
carreiras objetivamente ajustadas às estruturas objetivas.56

Ou seja, o indivíduo é composto por uma miscelânea de reguladores sociais de forma


que suas escolhas estão sujeitas às “mediações ético-culturais” de sua sociedade. Se isso pode
ser percebido a nível individual, também pode o ser enquanto categoria. De forma que a
pseudo-autonomia que a intelligentsia tenha sobre a origem de classes de seus membros, não
o é em decorrência exclusiva de sua vontade, mas de séries de esquemas, práticas objetivas ou
não que o compõem. O importante é não pensarmos que ao “aderir” ao habitus o indivíduo se
desveste do anterior para se vestir do outro. Isso será a negação da história. Prefiro pensar o
habitus como camadas sobrepostas de esquemas ético-culturais que o cobrem de tal maneira
ao passo de, num dado momento, ser impossível distingui-la do indivíduo.
Ao aderir habitus, o indivíduo adere também, inevitavelmente, visões de mundo,
identidades. Aproximando-o das esferas, setores do campo em disputa. Alguns setores desse

55
. GRAMSCI, Antonio. 1988. Os Intelectuais e a Organização da Cultura. Rio de Janeiro, Civilização
Brasileira. P. 3.
56
BOURDIEU, op cit, P. 202.
37
campo tornam-se mais atraentes, magnéticos a esse indivíduo. A isso chamou Löwy de
Afinidade Eletiva:

A esfera ideológica desfruta de uma autonomia relativa que deve ser


levada em consideração em toda a análise concreta: é bem evidente
que o desenvolvimento do pensamento obedece a um conjunto de
exigências internas de sistematização, de coerência, de racionalidade
etc. Nada seria mais estéril do que procurar as ‘bases econômicas’ de
todo o conteúdo de uma obra literária, filosófica ou política, ignorando
as regras especificas de continuidade da história das ideologias, as
peculiaridades de uma esfera ideológica determinada (arte, moral
etc.), ou exigência de lógica interna da obra (ou mesmo os traços
pessoais de um autor como individualidade psicológica
determinada). Esse conceito de autonomia relativa (no sentido
etimológico grego, auto-nomos: ‘regras próprias’) nos permite superar
a eterna polemica entre a história idealística do pensamento, na qual
os sistemas ideológicos estão completamente separados das
‘contingências’ histórico-social e flutuam livremente no céu puro do
absoluto, e o economicismo vulgar, pseudomarxista, que reduz todo o
universo do pensamento a um reflexo imediato da ‘infra-estrutura’.57

Essa concepção, que pode soar para alguns como alienação do indivíduo pelo coletivo,
na verdade é um entendimento do quão coletivo e parte de uma totalidade cada indivíduo o é.
De forma que mesmo as práticas mais corriqueiras e inconscientes são parte de um habitus
demarcado e circunscrito por esquemas ético-culturais da sociedade da qual faz parte. O que,
em absoluto, não significa a redução de todas as escolhas pseudo-individuais aos mecanismos
econômicos e sociais. É colocá-los junto com os esquemas mentais e psicológicos, que
também são formados e formadores de uma sociedade. Isso vem a contribuir com o retorno do
interesse dos historiadores desde a década de 1980 pelos indivíduos, pela micro-história e nos
fins do século passado e início deste pelo ressurgimento dos estudos biográficos. Mas, o mais
interessante, é que em todos estes estudos o indivíduo não é – nem poderia – ser descolado de
sua sociedade, e esta, de uma noção de totalidade – por mais que às vezes isso venha a ser
negado pelos autores.
Desta maneira, o conceito de “Afinidade Eletiva”, apropriado da Química, trata da
relação de atração entre duas categorias. No caso dos estudos realizados por Löwy, analisa-se
a atração que sofrem os intelectuais pela pequena-burguesia e destes pelo sentimento
nostálgico e romântico em relação à sociedade capitalista. Em suas palavras:

Designamos por “afinidade eletiva” um tipo muito particular de


relação dialética que se estabelece entre duas configurações sociais ou
57
LÖWY, Op Cit, P. XIII.
38
culturais, não redutível à determinação causal direta ou a “influencia”
no sentido tradicional. Trata-se, a partir de uma certa analogia
estrutural, de um movimento de convergência, de atração recíproca, de
confluência ativa, de combinação capaz de chegar até a fusão.58

Quando uma categoria se sente atraída por outra (intelectuais e pequena-burguesia, por
exemplo) temos um movimento que parte de ambas as categorias. Tanto os intelectuais se
sentem seduzidos pela pequena-burguesia por que esta lhe aparenta enquanto a mais próxima
de sua formação ético-cultural, como a pequena-burguesia seduz os intelectuais devido ao fato
destes a fortalecerem como ideólogos da sociedade capitalista. Dessa forma, a fusão das duas
categorias, que tem uma relação com a produção de capital marcada pelo seu papel de
formador de bens culturais e ideológicos, fortalece ambas.
Weber utilizou este conceito quando estudava a relação entre a burguesia e a Reforma
Religiosa. Neste estudo ele aponta o quanto a “afinidade eletiva” entre uma classe, suas
organizações sócio-políticas e a necessidade de reformulação de uma série de estruturas ético-
culturais foi necessária para o nascimento e o fortalecimento de uma nova ideologia, uma
nova identidade de classe59.
Michael Löwy volta a utilizar este conceito pensando a relação entre o messianismo
judaico e as utopias sociais. No Campo de análise de como ocorre a atração entre posições
político-sociais este conceito se mostrou eficaz:

Por exemplo, poderia ser bastante esclarecedor apelar ao conceito de


Wahlverwandtschaft (Afinidade Eletiva) para estudar o tipo de relação
que se estabeleceu na Idade Média entre a ética cavalheiresca e a
doutrina da igreja; a partir do século XVI, entre Cabala e alquimia; no
século XIX, entre conservadorismo tradicionalista e estética
romântica, entre idealismo alemão e judaísmo ou entre darwinismo e
malthunianismo; na virada do século, entre moral kantiana e
epistemologia positivista das ciências sociais; e, no século XX entre
psicanálise e marxismo, surrealismo e anarquia etc.60

Na análise a partir da “Afinidade Eletiva”, Löwy identifica quatro movimentos (níveis


ou graus, como ele se refere). O primeiro trata da “afinidade pura e simples” quando há uma
correspondência, uma homologia estrutural (termo de Goldmann). No segundo movimento,
há uma atração recíproca, uma interação sociocultural entre as duas categorias, as quais ainda

58
Idem, P. 13
59
.WEBER, Max. 1983. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo, Pioneira.
60
Idem, 16
39
se mantêm distintas. O terceiro movimento, facilmente confundível como o segundo, trata da
combinação. Quando ocorre uma simbiose cultural onde as duas permanecem distintas, mas
mantém vínculos orgânicos de associação, o que seria a fusão parcial. O quarto movimento é
quando esta fusão chega ao ponto de formar uma nova categoria, algo que não se pode mais
desassociar uma da outra. Ao ponto em que ao tratar de uma remete-se imediatamente a outra,
o caso dos intelectuais e a pequena-burguesia. Neste caso, parece inerente a uma categoria e a
outra a sua relação que, por mais que surjam intelectuais nos seios de todas as classes sociais,
parece ser uma só.
Deve-se ressaltar as diferenças entre correlação, influência e afinidade eletiva. Pois
tanto em correlação e influência o caráter dialético de transformação mútua não é
estabelecido. Enquanto a afinidade eletiva tem como característica básica a sua relação de
constante transformação nas duas categorias envolvidas.
Outro erro que precipitadamente se pode cometer em relação a este conceito é o de
arrancar das categorias estudadas a sua história. Deixar de ver que estas transformações
ocorrem, e só poderiam ocorrer, em um momento específico, numa experiência concreta de
encontro, aproximação, sedução e, às vezes, distanciamento entre as categorias. E isso só se
dá no terreno do concreto.

Naturalmente, a afinidade eletiva não se dá no vazio ou na placidez da


espiritualidade pura: ela é favorecida (ou desfavorecida) por condições
históricas e sociais. Se a analogia, o parentesco enquanto tal procede
unicamente do conteúdo espiritual das estruturas significativas em
questão, seu relacionamento e sua interação ativa depende de
circunstancias sócio-econômicas, políticas e culturais precisas. Nesse
sentido, uma análise em termos de afinidade eletiva é perfeitamente
compatível com o reconhecimento do papel determinante das
condições econômicas e sociais.61

E é justamente a realidade concreta que nos ajuda a pensar o processo de uma outra
afinidade que ocorre no Campo Intelectual do século XX, a afinidade entre os intelectuais
românticos e o anticapitalismo.
A Revolução de 1789 teve um impacto crucial no Campo Intelectual. A formação de
uma concepção de rompimento com a ordem estabelecida e de radicalização do processo de

61
Idem, 18
40
transformação da sociedade levou os ideólogos a supervalorizar o seu caráter moral de
liberdade, igualdade e fraternidade entre as classes62.
Contudo, uma vez que a burguesia chegou ao poder (político) de vez, esta passou a não
mais cumprir as concepções que defendera, ou melhor, que a levaram ao poder. Isso teria
criado um sentimento de frustração e orfandade na intelligentsia. De forma que o jacobinismo
de esquerda seria uma combinação específica de democracia plebéia e de moralismo
romântico. E tende a entrar em conflito com a ideologia e a prática liberal individualista da
grande burguesia.
Com o surgimento do marxismo e posteriormente a consolidação de uma revolução
proletária na Rússia de 1917, ele passa a ser visto pelos intelectuais (os mais afetados no nível
ideológico pelo sentimento de frustração) como o último resquício da moralidade e a única
alternativa.

Para os intelectuais, o humanismo marxista torna-se, assim, o herdeiro


das aquisições mais acabadas dos pensamentos burgueses e o
movimento operário deve tornar-se o executor prático desta idéia
defendida até o presente apenas em teoria 63

Este movimento se intensifica justamente quando o capitalismo burguês mostra a sua


cara mais aterrorizante até então, a Primeira Grande Guerra iniciada em 1914. Dessa forma a
esta Guerra causou uma grande movimentação de politização e de questionamento da
sociedade burguesa. O que gerou movimentos de radicalização à esquerda em diversos
lugares – principalmente na Europa Oriental, onde Lukács (estudado por Löwy) morava e
fazia parte de grupos de intelectuais judeus.
Estes movimentos geraram, segundo Löwy, três tendências: (1) a negação das
contradições entre a realidade do capitalismo e sua ideologia humanista; (2) crítica à Guerra
em seus princípios liberal-democratico e (3) “descoberta do proletariado como o único
portador dos princípios democráticos humanistas em face da barbárie burguesa generalizada”.
Em relação a esta última tendência, que é o objeto de estudo de Löwy, ele identifica
algumas causas para esta aproximação. O caráter científico do marxismo, a sua proposta de
análise da sociedade capitalista seria a primeira causa de atração de intelectuais ao
comunismo. Ou seja:

62
Não entrarei aqui no caráter de revolução de classes desses movimentos, o importante é frisar o impacto
ideológico/imagético deste sobre o Campo Intelectual do século XIX e do inicio do XX. Sobre o caráter de
classes da Revolução Francesa, ver Hobsbawm, op. Cit.
63
Ibidem, 7
41
A última teoria que explica e desvenda a verdadeira causa da
retificação, da dominação sufocante de quantitativo, da
despersonalização da vida, da degradação dos valores, da guerra, que
não é outra senão o capitalismo”64.

O marxismo apresenta/propõe a estes intelectuais uma nova ética cultural, uma nova
moralidade (talvez, uma nova economia moral) a qual é mais próxima da pensada por estes
intelectuais. Afora que esta moralidade marxista tem um objetivo: a abolição radical da
hegemonia do valor de troca sobre a vida social. Ele é análogo assim a um “Messias”.
Apresentando a esses intelectuais uma classe que tem a força social real (que lhe falta) para
fazer as transformações, o proletariado.

Para muitos intelectuais radicalizados, a descoberta do proletariado


como sujeito da História, como coveiro do capitalismo, na se faz
senão graças marxismo, pela mediação do marxismo enquanto sistema
teórico. A adesão política dos intelectuais ao proletariado ou a fixação
de sua revolta a um estágio puramente ético-cultural depende, em
certa medida, da existência de uma tradição marxista no seu país e da
possibilidade de ter ou não acesso à literatura marxista.65

Mais uma vez Löwy chama sua teoria ao Campo do empírico, ao Campo das
experiências reais do fazer-se. Contudo, gostaria de propor uma leitura mais cuidadosa dessa
última frase (“A adesão política dos intelectuais ao proletariado (...) da existência de uma
tradição marxista no seu país e da possibilidade de ter ou não acesso à literatura marxista”).
Há, outra forma de ser seduzido pelo marxismo, e esse é um movimento contrário ao que diz
esta frase, é o movimento de negação.
É possível se tornar comunista, ou melhor, se fazer seduzível pelo comunismo uma vez
que se tem um sentimento de repulsa, de negação com outras correntes de pensamento em
disputa. O Campo das idéias, o dos intelectuais é um “local” onde as lutas de classe também
têm suas batalhas. A exemplo das disputadas pelos jovens aqui estudados que viveram na
Bahia (talvez no Brasil) há disputa no Campo do simbólico entre o integralismo, o liberalismo
e o comunismo. De forma que pôde haver (e de fato há indícios que nos levam a crer que de
fato houve) um movimento de negação, de não-reconhecimento por parte de jovens
intelectuais (ou fazendo-se intelectuais) de primeiro o liberalismo (em conseqüência do

64
. Idem, p. 8.
65
. Ibidem, p. 8-9
42
capitalismo) e em seguida do integralismo por sua veia ultranacionalista e pró-fascista poderia
ter levado alguns desses intelectuais a se aproximarem do marxismo e aderirem ao
comunismo.
Löwy, nestas suas análises do tornar-se comunista, utiliza outro conceito: o de
Romantismo. O conceito de romântico já muito usado quando se trata de um estilo literário
muito típico dos séculos XVI e XVIII onde o ar bucólico e o sentimento de nostalgia, de
desilusão com a sociedade contemporânea e supervalorização dos modos e hábitos de um
passado imaculado, puro, ainda não desvirginado pela moralidade capitalista. Contudo, o
romantismo tratado por Löwy não é esse. O romantismo tratado por ele é um romantismo que
surge no século XIX e início do XX e que está intrinsecamente ligado a uma nostalgia que, ao
mesmo tempo em que sonha com o retorno do passado, pensa, também, no desenvolvimento
para o futuro. É um romantismo que, ao criticar o capitalismo e propor a sua superação, o faz
com um sentimento de ter nesse futuro a recuperação de uma moralidade – no sentido
antropológico da palavra – abandonada e corrompida. Em outras palavras, é uma nostalgia
que ao pensar no passado (real ou idealizado) o faz projetando no futuro sem perder neste
futuro o desenvolvimento técnico-científico do presente.
Dessa forma, Löwy distingue romantismo em três modelos/vertentes. O primeiro seria,
ampliando o conceito para além da literatura, o sentimento de negação da sociedade do
presente e o sentimento nostálgico em relação a um passado pré-capitalista, medieval. O
segundo, muito próximo do primeiro, seria a superação da ambigüidade de referência à Idade
Média, suas contradições e camadas. Todas as duas sem propor uma radical ruptura com o
capitalismo. E a terceira, também muito ampla, anticapitalista por essência, mas que não se
remete necessariamente ao medievo como referência.

Quando essa nostalgia é o eixo central que escultura o conjunto da


Weltanschauung, encontramo-nos frente a um pensamento romântico
strito senso como, por exemplo, na Alemanha, no inicio do século
XIX. Quando se trata de um elemento dentre outros, em um conjunto
político-cultural mais complexo, poder-se-ia falar de uma dimensão
romântica (como, por exemplo, em Lukács em 1922/23).66

Algo importante ao pensarmos romantismo é o seu “hermafroditismo ideológico”


(expressão de Löwy). Ou seja, o seu caráter ambíguo e contraditório: ao mesmo tempo em
que se deseja o progresso, a modernidade, o deseja com os valores idealizados ou reais do

66
LÖWY, op. Cite. 14
43
passado. Para ele, há quatro subtipos de romantismo anticapitalista: (1) o passadista ou
retrógado; (2) o conservador; (3) o desencantado e, por fim e o que lhe é mais caro – e nos é
de maior valia – (4) o revolucionário ou utópico.
Este último descarta o retorno ao passado e a reconciliação com o presente e aponta
para o futuro a suas esperanças. Este que seria o romantismo de alguns dos marxistas, pode
ser diferenciado dos demais por essa crença no futuro. Assim definiu Löwy:

O Romantismo Revolucionário se distingue também das outras


correntes românticas pelo tipo de sociedade pré-capitalista que lhe
serve de referência: não se trata do sistema feudal e de suas
instituições. A idade de ouro pré-capitalista varia segundo o autor,
mas ela não é aquela que invocam os românticos passadistas ou
conservadores: é um “estado natural”, mas ou menos típico em
Rousseau ou em Fourier, o antigo judaísmo em Moses Hess, a Grécia
Antiga em Hölderlin, no jovem Lukács e em muitos outros, o
“comunismo inca” no marxista peruano José Carlos Mariátegui, as
comunidades rurais tradicionais nos populistas russos e Gustav
Landauer etc.67

A revolução, que dessa vez deverá ter a classe trabalhadora, o proletariado como a
classe vitoriosa, deverá retomar/resgatar (reencarnar, quem sabe) do passado os valores
naturais do homem, abandonados e corrompidos pela propriedade privada – em primeira
análise – e pelo capitalismo, pela substituição dos valores humanos pelos econômicos;
qualitativos por quantitativos. Ao mesmo tempo, que esta revolução não será algo retrógado,
muito pelo contrário. Será o avanço da sociedade rumo a um futuro mais humano,
socialmente justo e igualitário. Esse retorno (ideológico) num futuro (real) dá a alguns a falsa
impressão de que o marxismo pensa em uma história cíclica – o que lhe negaria a
compreensão histórica de progresso. Para estes românticos revolucionários esse avanço
histórico a um progresso que traz consigo uma moralidade perdida, só é possível pela ruptura
radical e irreconciliável com o capitalismo e a sociedade burguesa industrial. Ou seja, um
futuro construído através de uma revolução.
Dessa forma o romantismo revolucionário (marxista) se baseia na recusa do
progressismo linear, ingênuo, apologético, não histórico, que considera a sociedade burguesa
universalmente superior às formas sociais anteriores. Compreende o caráter contraditório do
progresso, indiscutivelmente trazido pelo capitalismo. E reconhece que a civilização

67
Ibidem, 16
44
industrial/capitalista representa, em certos aspectos, um recuo (do ponto de vista humano) em
relação às comunidades do passado.
Raymond Williams em uma resenha, datada de 1980, de “Para uma sociologia dos
intelectuais revolucionários” escreveu:

Na luta marxista que é hoje tão profundamente empenhada, e da qual


tanto dependemos, o complexo e contraditório de Lukács é um caso
central. O estudo detalhado, inteligente e essencialmente aberto de
Löwy é inestimável, entre outras razões, pelo fato de que pode ser lido
contra algumas de suas formulações imediatas. Além disso, com o
ressurgimento generalizado de um anticapitalismo difuso, e de todas
as variantes que se situam próximo a ele, a necessidade de um
engajamento socialista aberto e respeitoso com essas formas
contemporâneas vivas torna seu tema geral especialmente relevante68.

Assim como Williams localiza nos anos 1980 um momento crucial para uma análise
do anticapitalismo, a década de 1930, foi um de seus momentos de especial desenvolvimento.
No Brasil, sem dúvidas, foram os anos 1930, anos de profundas transformações. Voltemos a
eles então...

3. Intelectuais à baiana: A “grandeza do nosso valor” e o “valor de nossa grandeza”; a


“magnitude do nosso passado” e as “incertezas de nosso futuro”.

Foi na década de 1930 que os “intelectuais” brasileiros descobriram o Brasil e foram


em busca da identidade nacional. Carlos Guilherme Mota localiza em Ideologia e Cultura
Brasileira (1933-1974)69 essa década como a periodização inicial para esses estudos sobre a
identidade nacional, com a formação das universidades nesta década. Sobre essa periodização,
explicou Mota:

O redescobrimento do Brasil pode ser registrado na própria sucessão


das produções historiográficas posteriores à Revolução de 1930. A
Revolução, se não foi suficientemente longe para romper com as
formas de organização social, as menos abalou as linhas
interpretativas da realidade brasileira – já arranhadas pela

68
WILLIAMS, Raymond. O que é anticapitalismo? Michael Löwy: Georg Lukács do romantismo ao
bolchevismo. IN JINKINGS, Ivana e PESCKANSKI, João Alexandre (orgs). 2007. As utopias de Michael
Löwy: reflexões sobre um marxista insubordinado. São Paulo, Boitempo, 56
69
MOTA, Carlos Guilherme S. Serôa da. 2008. A idéia de Revolução no Brasil e outras idéias. Rio de Janeiro,
Globo
45
intelectualidade que emergia em 1922, com a Semana de Arte
Moderna, de um lado, e com a fundação do Partido Comunistas, de
outro. Assim como no plano da política, na seara historiográfica novos
estilos surgiram, contrapondo as explicações autorizadas de
Varnhagem, Euclides da Cunha, Capistrano de Abreu e Oliveira
Vianna concepções até então praticamente inéditas, e que soariam
como revolucionárias para o momento. A historiografia da elite
oligárquica na valorização dos feitos dos heróis da raça branca, e
representada pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (fundado
em 1838), vai ser contestada de maneira radical por um conjunto de
autores que representarão os pontos de partida para o estabelecimento
de novos parâmetros no conhecimento do Brasil e de seu passado.
Esse momento é marcado pelo surgimento de obras de Caio Prado
Junior (1933), Gilberto Freyre (1933), Sergio Buarque de Hollanda
(1936) e Roberto Simonsen (1937).70

A produção historiográfica baiana por muito tempo ainda seria marcada pelo “estilo”
historiográfico dos institutos (no caso baiano o Instituto Geográfico e Histórico da Bahia).
Contudo intelectuais baianos passavam já nos anos 1930 a produzir influenciados por essa
“redescoberta” do país, a exemplo de Édison Carneiro, e basicamente os demais intelectuais
da Academia dos Rebeldes, que já propunham neste período uma outra história longe da
“historiografia da elite oligárquica na valorização dos feitos dos heróis da raça branca”71.
Porém, esta produção historiográfica demoraria muito para ser entendida e aceita em seu
campo.
Na Bahia da década de 1930, a produção historiográfica ainda dominante era muito
próxima dessa historiografia das elites – no caso baiano, não sei se oligárquica, mas com
certeza – na valorização dos “feitos dos heróis da raça branca”. Esta produção foi muito bem
estudada pelo historiador Paulo Santos Silva. Neste texto (fruto de seu trabalho de
doutoramento), Silva analisa o campo historiográfico e intelectual baiano e seus
envolvimentos com os movimentos políticos, especialmente em oposição ao Governo Vargas
(1930-45).72
Neste trabalho, Silva dedica uma parte para a “Comunidade Intelectual Baiana”.
Nesta, ele trata de como se formavam os intelectuais baianos, localiza as instituições que os
formavam e as que estes atuariam, além de identificá-los. Dessa forma, Paulo Santos Silva,

70
Idem, 28 – grifos no original
71
Idem.
72
SILVA, Paulo Santos 2000. Âncoras de tradição: luta política, intelectuais e construção do discurso histórico
na Bahia (1930-1949). 1. ed. Salvador: Edufba.
46
recompõe o campo intelectual baiano ressaltando as “leis e regras (formas) de acesso”, o
“Capital simbólico” utilizado e o “prêmio” (apesar dele não utilizar esse vocabulário).
Sobre o ingresso no campo intelectual baiano escreveu Silva:

Com o ingresso no curso superior, abriam-se, ou ampliavam-se, as


portas de acesso. A primeira destas portas era a que dava acesso ao
jornalismo. Em seguida, vinha as nomeações e a carreira político-
partidária. Antes mesmo de completar o processo de formação
educacional já se tinha garantido um lugar relativamente satisfatório
no seio das classes dirigentes locais.73

Dessa forma observamos como Paulo Santos Silva localiza no jornalismo uma, senão
a principal, porta de acesso ao campo intelectual baiano. Sua análise sobre essa forma de
ingresso vai além, ele aponta como se dava a “chegada à porta do jornalismo”. Ele descreve
como os laços e favores pessoais eram importantes nesse processo.

A iniciação ao jornalismo baseava-se em critério pessoais tais como


amizade, simpatia, recomendações ou filiação política – critérios que
estavam na base de todo o edifício da sociedade baiana de então.74

A importância do jornalismo para o campo intelectual baiano era que este o definia.
Era o jornalismo que dava proeminência a este ou aquele intelectual num ou noutro partido
político e eram esses laços de “amizade, simpatia, recomendações ou filiação política” que
garantiam que estes intelectuais se sustentassem, uma vez que, como informa Silva, o trabalho
enquanto jornalista a poucos permitia o sustento. Ter um artigo seu publicado em um jornal
era então o atestado definitivo de intelectual. Ser colunista seria, então, a consagração. Mas o
sustento para este intelectual seria o magistério, a advocacia, a medicina ou mesmo a
engenharia (os cursos universitários disponíveis na Bahia da época). Silva destaca o quanto
ser professor, principalmente universitário – mas secundarista também – era uma importante
estratégia de agregação de prestígio.
Contudo, continuando na caracterização feita por Paulo Santos Silva sobre os
intelectuais baianos, chegamos num dos pontos principais, a oratória, tratada como a
característica dos intelectuais, notorizada por Rui Barbosa. A oratória é a marca dessa
intelectualidade. Vejamos, por exemplo, o que outro historiador, Rinaldo Leite (2005),

73
Idem, p. 81 – grifos meus
74
Idem, p. 85
47
identificou sobre a oratória dos baianos. Primeiro, a partir do exemplo de Wanderley de
Pinho, importante historiador baiano dos anos 1930, que escreveu sobre a verve baiana:

O orgulho de nossa prosápia bahiense, a vaidade dessa estirpe de


heróis, de oradores, de estadistas, de homens de sciencia, de poetas,
que dominaram da Bahia todo o paiz no passado e hoje sahem dellas
para triumphar onde quer que acampem e exercitem as armas com que
os sabe aperceber a Bahia; a memória dos feitos de que fomos theatro
ou protagonistas; esse santo orgulho [...]. Outro orgulho não é, sem
outro sentimento, o estimulo que nos revigora a nós do Instituto e que
nos leva a todos a meditar, em solemnidades como esta, na grandeza
do nosso valor e no valor de nossa grandeza, na magnitude do nosso
passado e nas incertezas de nosso futuro. Esse orgulho é a alma da
Bahia [...].75

Sabemos das circunstâncias que foram escritas essas palavras, no momento de


disputa política e ideológica dos “baianos” (ler-se, de sua classe dominante) frente ao
sentimento de desvalorização e desprestígio de seus patrícios no contexto do regime iniciado
em 1930, isto já foi bem trabalhado tanto por Leite76 quanto por Silva77. O que nos interessa,
especialmente neste trecho do historiador dos salões e das damas da Bahia é a sua
caracterização. A quase naturalização do intelectual baiano como sendo, usando suas
palavras, de uma “estirpe de heróis, de oradores, de estadistas, de homens de sciencia, de
poetas, que dominaram da Bahia todo o paiz no passado e hoje sahem dellas para triumphar
onde quer que acampem e exercitem as armas”78.
Mas, será mesmo, esse o perfil do intelectual baiano? Será mesmo que a heróica
Bahia, foi a “alma mater da civilização brasileira”79? Ou será, que foi (o que é inegável)
apenas um sentimento vaidoso de protagonismo desses intelectuais baianos? Rinaldo Leite, ao
tratar das representações desses intelectuais sobre a Bahia, foca-se na última questão. É
inegável que o sentimento de orfandade e descaso estava presente nos intelectuais baianos
durante o pós-1930. Assim como também é inegável que estes intelectuais eram envaidecidos
por habitarem sua Athenas Brasileira, e de serem os “legítimos herdeiros” de intelectuais e
estadistas de um passado, sentido como não tão distante. Contudo, o que podemos entender,

75
PINHO, Wanderley de. apud LEITE, Rinaldo C. N. 2005. A Rainha Destronada. Discursos das Elites Sobre
as Grandezas e os Infortúnios da Bahia nas Primeiras Décadas Republicanas. (Tese de doutoramento) São
Paulo, PUC-SP. , 96 – grifos meus
76
Idem
77
SILVA. Op. Cit.
78
LEITE, Op. Cit.
79
. Idem, 97
48
escarafunchar, dessas representações estudadas por Leite? Será que por debaixo delas há este
perfil do intelectual baiano? Vejamos.
Primeiro, é evidente, tanto em Leite como em Silva que há um sentimento de perda,
mas perda do que? Do prestígio dos baianos junto ao governo central, incluindo entre eles,
seus intelectuais. Mas, quem eram esses intelectuais baianos que gozavam de prestígio no pré-
1930? Dilton Araújo80 analisou a formação do movimento republicano em Salvador e seus
envolvimentos com o nascimento de uma classe média. Nesta, ele aponta como o movimento
republicano baiano foi frutífero entre os intelectuais e os membros de uma classe média
nascedoura, os profissionais liberais, e como os intelectuais estavam, o que não é de se
estranhar, entrelaçados à classe média.

Durante o século XIX e, sobretudo, na sua segunda metade, verifica-


se um certo desenvolvimento de outras atividades, várias delas de
natureza urbana, como industria, transportes, bancos e seguradoras,
dando dimensão a algumas ocupações novas e fortalecendo outras no
cenário econômico e social da Província. Pensamos que essas
atividades, somadas a um certo crescimento do número de
profissionais liberais, como médicos, advogados, farmacêuticos, além
de professores, religiosos, militares e ocupações vinculadas ao poder
judiciário e ao funcionalismo publico, estabeleceram aquilo que Mario
Augusto Santos indicou como “um esboço de classe média”, que
estaria aparecendo em Salvador e cidades do Recôncavo.81

Das categorias elencadas por Araújo (industriais, empresários dos transportes, bancos
e seguradoras, profissionais liberais: médicos, advogados, farmacêuticos, além de professores,
religiosos, militares e de ocupações vinculadas ao poder judiciário e ao funcionalismo
público), muitas se tornaram a classe dominante política e economicamente da Bahia. Na
verdade, a classe dominante anterior à república, os grandes proprietários e a pequena nobreza
baiana, já há muito tempo passava por um processo agudo de empobrecimento, fruto da queda
de produção e rentabilidade da economia açucareiro-exportadora iniciada desde as décadas de
1840-50, como bem aponta Antonio Sérgio Alfredo Guimarães82, e que teve em 1888 com a
abolição da escravatura seu derradeiro golpe – chega à República desprestigiada e

80
ARAÚJO, Dilton. 1992. Republicanismo e Classe Média em Salvador 1870-1889 (Dissertação de Mestrado)
Salvador, UFBA.
81
Idem, 142-3
82
GUIMARÃES, Antonio Sergio Alfredo. 1982. A Formação e a Crise de Hegemonia Burguesa na Bahia -
1930 a 1964. (Dissertação de Mestrado) Salvador, UFBA.
49
descapitalizada, cabendo à classe média e emergente urbana de Salvador, assumir o status de
dominante no novo regime.
Neste processo, são os intelectuais baianos, diga-se de passagem, os poucos
intelectuais baianos que conseguiram proeminência fora da província/estado, que passam a
assumir funções e cargos. Nesse contexto a figura de Rui Barbosa, tornou-se a imagem e o
orgulho do intelectual baiano. Como escreveu Paulo Santos Silva:

Havia ainda outros meios de manifestação da vida intelectual tão


relevante quanto a imprensa e a sala de aula: as conferências, os
discursos e os recitais. Não é por acaso que a Bahia adquiriu renome
pelos seus oradores. (...) até mesmo artigos de jornais pareciam
escritos para serem lidos em voz alta. Esta cultura da oratória teve
representantes de peso na vida política e cultural baiana. Rui Barbosa,
J. J. Seabra, Otávio Mangabeira, João Mangabeira, Carlos Chiacchio,
Padre Cabral são alguns dos seus representantes mais proeminentes.
(...) É interessante notar que os oradores mais expressivos do contexto
deixaram pouca coisa impressa em formato de livro. (...) Mesmo
intelectuais mais voltados para reflexões demoradas sobre questões
sócio-políticas investiam na oratória. É o caso de Nestor Duarte,
jovem deputado da geração de 1930 que causava sensação nas galerias
da Assembléia Legislativa Estadual pela sua performance de orador.83

Sobre a oratória ou a retórica de Rui Barbosa enquanto imagem do intelectual


baiano, Jorge Amado escreve em O País do Carnaval uma fala onde Paulo Riger participa de
uma conversa com José Augusto da Silva Reis (diplomata baiano e vaidoso com sua
baianidade):

- Mas eu acho que a natureza faz um enorme mal ao Brasil. O homem


daqui parece preguiçoso, indolente... Isso deve ser a natureza... Tão
majestosa, faz mal, Vence, esmaga. [Disse Rigger]
- É. Pode ser... Mas nós temos grandes homens, doutor. Rui Barbosa...
Paulo Rigger já lera Rui Barbosa. Não lhe agradara... Horrívelmente
retórico... Não compreendia como se adorava aquêle homem... E,
demais, não tinha idéia... Era de um patriotismo lorpa... E estafante.
Não, ele não ia com o tal Rui Barbosa.
O diplomata, José Augusto da Silva Reis, escandalizou-se. Rui é
genial... genial... genialíssimo... Em França mesmo adoravam-no.
- Em França? Pode ser...
- E Direito? O Rui sabia o Direito como pouca gente. E a figura que
fizera em Haia?
Não é preciso talento para se saber Direito. Basta memória... 84

83
SILVA, Op. Cit, Pp. 88-9 – grifos meus
84
AMADO, Op Cit. P. 24 – grifos meus.
50
Este texto de Jorge Amado é fundamental para caracterizarmos os intelectuais baianos. Por
hora, terminaremos com um trecho que parece contrapor-se a figura do intelectual construída por eles
mesmos e por boa parte de seus estudiosos. Escreveu Amado:

Porque na Bahia, boa cidade de Todos os Santos e em particular do


Senhor do Bonfim, todo mundo é intelectual. O bacharel é por fôrça
escritor, o médico que escreve um trabalho sôbre a sífilis passa a ser
chamado de poeta e os juízes dão valiosas opiniões literárias, das
quais ninguém tem coragem de discordar.85

Contudo, a oratória dos intelectuais baianos não se restringia aos espaços oficiais, às
salas de aula, aos salões do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, nem da Academia de
Letras e da Assembléia. Ela fazia parte do cotidiano do ser intelectual baiano. Podemos dizer
até que a Bahia da década de 1930 foi uma república de bacharéis. Isso em grande medida
pelas disputas entre autonomistas e juracisistas.

85
Ibidem, 31
51
CAPÍTULO II:

Estudantes e Comunistas na Cidade da Bahia


Uma República de Bacharéis e a “Migração Vermelha” para a Bahia!

Juracy! Onde estás que não respondes? Num enorme salão.


Em que escuro recanto tu te escondes, Por tenda têm os tetos do Palácio...
Quando zombam de ti? Não comem bóia nem pirão sebáceo
Há duas noites te mandei meu brado, Com gosto de aguarrás.
Que embalde desde então corre alarmado...
Onde estás, Juracy? O fumo de cigarro o céu inflama...
E organizam à noite sobre a cama
Qual Zigomar, tu me encaraste um dia Pagodes colossais.
Nas celas vis da infinda galeria,
Provisório galé!... A Legião é sempre a gloriosa!...
Por tóxico – me deste uma água escassa! A unidade maldita e caprichosa,
E imenso bolachão – foi argamassa... Sabuja e cortesã.
Que ligaste ao café... Vagabundos – não tem pudor na cara,
Pusilânime – à noite se prepara
O costado robusto de assassino Para a fuga amanhã!...
Sob a vergasta larga o pêlo fino
Feito chaga afinal. Sempre a láurea lhe cabe no pagode...
Meu dorso se ensangüenta, a dor poreja Ora uma pinga, ora um xinxim de bode
Quando eu deitado por acaso esteja Faz-lhe a pança feliz.
No grabato infernal. Seu protetor – estúpido tunante
Da grande meretriz.
Meus colegas têm sorte, são ditosos... Basta, senhor tenente! De teu bucho
Dorme o CPOR em voluptuosos Jorre através das tripas um repuxo
Leitos no Aclamação Da Judas e sandeus!...
Há duas noites... eu soluço um grito...
Ou em redes de couro de elefante Escuta-o conclamando do infinito
Embalam-se os rapazes, bons instantes,
À morte os crimes teus!84

84
Poema de Carlos Marighella, Vozes da mocidade acadêmica (recordações do 22 de agosto) escrito na Peniten-
ciária Estadual quando preso depois de uma passeata em apoio ao Movimento Constitucionalista de São Paulo.
Ver: RISÉRIO, Antonio. 2002. Adorável Comunista: história política, charme e confidências de Fernando
Sant’Anna. Rio de Janeiro, Versal.
22 de agosto de 1932: estudantes tomam as ruas de Salvador numa manifestação
em apoio ao Movimento Constitucionalista iniciado em São Paulo. Este movimento, que tinha
como objetivo a derrubada do Governo Provisório de Getúlio Vargas, implantado em 1930,
durou de junho a outubro de 1932 e chegou ao embate bélico com as frentes pró-Vargas. Na
Bahia não tivemos confrontos, entretanto, temos notícias de que o Movimento Paulista fora
bem recebido entre os estudantes. Em 22 de agosto, além de uma passeata, os estudantes
ocuparam a Faculdade de Medicina, no Terreiro de Jesus, que foi cercada por tropas militares,
enviadas pelo então interventor, Juracy Magalhães.

Não era bem uma passeata, conforme o depoimento pessoal que me


prestou o eminente escritor Édison Carneiro, mas, antes, uma
concentração no Terreiro, praça central de Salvador, onde se
aglomeraram, surpreendentemente, mais de dois mil estudantes.85

Segundo Poerner, a amplitude da concentração assustou tanto o interventor,


Juracy Magalhães – “tradicional algoz da juventude baiana”86 – que este mandou ao Terreiro
de Jesus suas tropas.

A brutalidade da repressão obrigou os manifestantes a se refugiarem


na Faculdade de Medicina, localizada na própria Praça do Terreiro. A
Faculdade foi, então, cercada ainda pala manhã, e, afinal, invadida na
tarde do mesmo dia. Muitos estudantes furaram o cerco, fugindo pelos
telhados das casas vizinhas, mas 512 foram presos e trancafiados na
Penitenciaria do Estado...87

Dentre estes estudantes estavam Carlos Marighela e José Pedreira Calvacanti – o


Tio Zeca de João Falcão – vinculados ao PCB. Este movimento parece ter sido um marco nas
memórias e nas experiências dos estudantes baianos das décadas de 1930 e 1940.
Encontramos relatos desses acontecimentos nos textos memorialísticos e biográficos de vários
militantes estudantis do período posterior aos acontecimentos. Em O Partido Comunista que
eu Conheci, João Falcão localiza neste movimento o seu segundo contato com a política. O
primeiro teria sido em 1930, quando o seu Tio Zeca o levara a um comício na Praça do
Mercado, em Feira de Santana, em comemoração à “Revolução de 1930” 88. Se em 1930, José

85
POERNER, Artur Jose. 1995. O Poder Jovem: história da participação política dos estudantes brasileiros. São
Paulo, Centro de Memória da Juventude. P. 110.
86
Idem.
87
Idem.
88
FALCÃO, João. 1988. O Partido Comunista que Eu Conheci (20 anos de clandestinidade). Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira. P. 26.
52
Cavalcanti estava a comemorar, a chegada de Getúlio Vargas à Presidência da República, em
1932 ele estava entre os 512 estudantes que fizeram da Faculdade de Medicina seu refúgio, ou
sua fortaleza.
Esta não era a primeira vez que as imediações do Terreiro de Jesus foram palco do
confronto de estudantes com tropas do estado ou pró-governistas. Outro episódio muito
interessante envolvendo os estudantes baianos ocorreu em 1889, na ocasião da chegada, no
mesmo vapor, vindo do Rio de Janeiro; do Conde D’Eu e do republicano Silva Jardim. Essa
“coincidência” gerou confrontos entre os estudantes do Terreiro (Faculdade de Medicina),
republicanos e um grande contingente de negros e mulatos, há pouco libertos, que faziam
parte da “Guarda Negra”. Portanto, fieis defensores da continuidade da monarquia e da
garantia do reinado da Princesa Izabel, sua “redentora”89. Desta maneira, enquanto o governo
e os manifestantes pró-monarquistas subiam ao Palácio Rio Branco pela Ladeira da
Misericórdia e Rua Direta (atual Rua Chile), os estudantes e a comitiva de Silva Jardim
subiam pela Ladeira do Tabuão, tendo como destino o Terreiro de Jesus onde fariam um
comício às portas da Faculdade. Uma vez que a comitiva do Conde D’Eu tinha chegado ao
Palácio, a multidão de negros da Guarda então, seguiu ao encontro dos republicanos. O
encontro se deu ainda no meio da Tabuão.
O que se seguiu foi um quebra-quebra geral, Silva Jardim e sua comitiva acabaram
tendo que se refugiar no telhado de um prostíbulo, símbolo da imoralidade e da sujeira, por
ele tão condenado90.
Este episódio marcou a história do movimento estudantil baiano, assim como marcou
a sua relação com a sociedade baiana e as classes populares. Vale lembrar que em ocasião da
proclamação da República, em 1889, um grupo vinculado à Guarda Negra e liderados por
Macaco Beleza (líder do grupo que foi ao encontro da comitiva de Silva Jardim meses antes),
rebelou-se em Salvador; destruindo e depredando repúblicas estudantis, por seus moradores
terem apoiado o novo regime.
Questionamos sobre como era a relação dos estudantes com a sociedade baiana. Na
primeira parte desse capítulo, trataremos sobre a configuração das instituições educacionais
de Salvador. Para em seguida analisarmos como se organizavam os estudantes, focando em
especial o Diretório Acadêmico Rui Barbosa, da Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais da
Bahia. Daremos maior atenção a esta instituição uma vez que foi dela que saíram Aristeu

89
ALBUQUERQUE, Wlamyra Ribeiro de. 1999. Algazarras nas Ruas: comemorações da independência na
Bahia, 1889-1923. Campinas, Ed. da UNICAMP.
90
Idem.
53
Nogueira, Armênio Guedes, João Falcão, Jacob Gorender, entre outros militantes do PCB e
articulistas da Seiva. Ao tratarmos desse diretório acadêmico, observaremos as táticas
utilizadas por estes jovens e suas formas de fazer política. Damos atenção para o lugar do
lúdico nesta forma, observando com cuidado a experiência do Jazz Acadêmico, entre outras.
Ainda observaremos a situação política vivida pela Bahia durante as disputas entre os
juracisistas e os autonomistas e o processo de migração vivenciada por líderes comunistas que
participaram do levante de 1935 para a Bahia, bem como as consequências desta migração
para o movimento estudantil baiano.
A década de 1930 foi um dos períodos mais conturbados da História brasileira.
Iniciada por uma ruptura com o regime oligárquico anterior e terminado com uma ditadura e o
ingresso do país num cenário de guerra mundial, esta década é um marco para a história
nacional. Para a Bahia, ela não foi diferente. Se a chegada de Getúlio Vargas à presidência da
República foi encarada por muitos como um processo positivo, isso não ocorreu para a “elite”
política baiana de então. Carcomida e viciada pelas relações de dependência estabelecidas
com o governo central desde a crise da cana-de-açúcar, no final do século XIX; a elite política
baiana não recebera bem a não posse do candidato eleito, Júlio Prestes, e de seu vice (o então
governador da Bahia) Vital Soares. Muito menos tolerara a posse de um interventor não
baiano, Juracy Magalhães, na governadoria do Estado. Se essa elite se opunha ao governo
Vargas e à interventoria de Juracy Magalhães no inicio da década, apoiará, anos mais tarde, o
Estado Novo e se aliará a Magalhães, tendo-o como uma nova liderança no estado.
Mas como se portaram os comunistas frente a esses movimentos? Quais os reflexos
na Bahia dos acontecimentos de novembro de 1935, quando tenentes e comunistas se
levantaram contra o Regime em Natal, Recife e Rio de Janeiro?

1. Um baiano “não-tronado”, um tenente forasteiro e uma elite inconformada.

As eleições presidenciais de 1929 foram encaradas pelo grupo dominante da política


baiana, como uma alternativa para recuperar o prestígio e o poder que tiveram outrora. Esse
discurso e esse sentimento já foram estudados anteriormente por Rinaldo Leite91 e Paulo

91
Ver LEITE, Rinaldo C. N. 2005. A Rainha Destronada. Discursos das Elites Sobre as Grandezas e os
Infortúnios da Bahia nas Primeiras Décadas Republicanas. (Tese de doutoramento) São Paulo, PUC-SP.
54
Santos Silva92. Contudo o texto de Silva localiza os atores de uma disputa ideológica-política
na Bahia da década de 1930, enquanto Leite, centra sua análise num período anterior.
A “elite” baiana era constituída, em sua maioria, por antigos proprietários de terras,
muitas vezes oriundos das estruturas coloniais. Estes proprietários, fixaram-se na capital da
Bahia, na cidade Salvador, e lá formaram uma “sociedade do aparentar ser”. Em sua maioria
não conseguindo mais lucros de suas propriedades, devido às séries de crises da produção
açucareira e fumageira – uma exceção neste contexto ainda era a produção cacaueira –
sobreviviam e mantinham seu status graças às suas relações com a política central. A exemplo
de Miguel Calmon93 que fora Ministro da Agronomia94.
Antonio Sergio Alfredo Guimarães localiza na crise do escravismo e na insuficiência
da industrialização na Bahia as causas para um crise econômica na burguesia baiana.
Escreveu ele:

Embora não se disponham de dados a respeito, é provável que depois


da Abolição tenha-se arrefecido ainda mais o ritmo das atividades
produtivas baianas e que elas não tenham sido compensadas por um
maior dinamismo das importações, pois a Bahia chegará a terceira
década do século XX com uma praça comercial exclusivamente
exportadora.
A Abolição da Escravatura, tanto pelos efeitos positivos que teve
sobre o fortalecimento das burguesias mercantis e agrárias de outras
regiões do país, como as de Pernambuco e as do Rio e de São Paulo,
como pela descapitalização que representou para a praça comercial da
Bahia, significou realmente o início de uma nova inserção baiana na
formação social brasileira. O fim do modo de produção escravista
marca uma nova articulação da economia nacional com o sistema
internacional e fornece as condições essenciais para o
desenvolvimento no país de um capitalismo propriamente industrial.95

92
Ver SILVA, Paulo Santos 2000. Âncoras de tradição: luta política, intelectuais e construção do discurso
histórico na Bahia (1930-1949). 1. ed. Salvador: Edufba
93
Deve-se ressaltar aqui para evitar equívocos que houveram, pelo menos quatros políticos com o mesmo nome,
Miguel Calmon du Pin e Almeida, visconde e marques de Abrantes, primeiro Presidente da Província da Bahia,
em 1822-1823, Ministro da Fazenda 1827-28, 1828-29, 1837-39, 1841-43 e Ministro das Relações Exteriores
1829-30 e 1862-64; Miguel Calmon du Pin e Almeida, presidente das Provícias do Ceará (1885-86) e Rio
Grande do Sul (1886); Miguel Calmon du Pin e Almeida (aqui tratado), engenheiro que fora Ministro e
Secretário de Estado de Negocios da Industria, Viação e Obras Publicas (1906-1909) e Ministro da Agricultura,
Industria e Comércio (1922-1926) e Miguel Calmon du Pin e Almeida Sobrinho, também engenheiro foi
presidente do Banco Economico da Bahia, Reitor da Universidade Federal da Bahia, Deputado Federal e
Ministro da Fazenda do Brasil (1962-63).
94
Ver GUIMARÃES, Antonio Sergio Alfredo. 1982. A Formação e a Crise de Hegemonia Burguesa na Bahia -
1930 a 1964. (Dissertação de Mestrado) Salvador, UFBA.
95
Idem, P. 20.
55
A Bahia da Primeira República não é, portanto, “mais a Bahia cosmopolita, mas a
Bahia provinciana. Uma Bahia que luta por manter-se como um Estado federado autônomo,
com suas leis, seus impostos, sua elite, sua agricultura” 96. De certa maneira o projeto de
“reconstituir-se um Norte próspero sobre a base da agricultura e pecuária paralelamente com
um maior desenvolvimento industrial do Sul...”97 e do fortalecimento da Bahia na política
nacional, dependia, na visão da elite baiana, da eleição do candidato a vice-presidente: Vital
Soares, na chapa do paulista Julio Prestes.
A escolha de Prestes e Soares para suceder Washington Luís na Presidência da
República, gerou séria crise na política até então vigente, conhecida como “Café com Leite”,
e desestabilizou o regime republicano. Apesar de terem sido eleitos, Prestes e Soares não
tomariam posse. O governador do estado do Rio Grande do Sul, Getulio Vargas, apoiado por
diversos setores e forças políticas, iniciou um movimento que o fez, mesmo derrotado nas
eleições, tomar a presidência da República em outubro de 1930.

Os anos que antecederam o Estado Novo foram de efervescência e


disputa política. Essa situação tinha a ver com a diversidade das forças
que se haviam aglutinado em torno da Aliança Liberal, a coligação
partidária oposicionista que em 1929 lançou a candidatura de Getúlio
Vargas à Presidência da República. Enquanto alguns dos que aderiram
à Aliança Nacional faziam oposição sistemática ao regime, outros ali
ingressaram apenas por discordarem do encaminhamento dado pelo
então presidente Washington Luís à sucessão presidencial.
Conhecidos como “oligarcas dissidentes”, alguns aliancistas eram ex-
presidentes da República, como Artur Bernardes, Epitácio Pessoa e
Venceslau Brás, governadores ou ex-governadores de estados, como
Antônio Carlos Ribeiro de Andrade, Olegário Maciel, João Pessoa e o
próprio Getulio Vargas. Também participavam da Aliança Liberal os
rebeldes “tenentes”, um grupo de jovens oficiais do Exército que, a
partir da década de 1920, tentava, através das armas, derrubar o
regime em vigor desde 1889. Defendendo a educação pública
obrigatória, a reforma agrária, a adoção do voto secreto, os tenentes
definiram como antioligárquicos e propunham um novo lugar para o
Exército na sociedade brasileira. Embora o líder maior do tenentismo,
Luís Carlos Prestes, não tivesse aderido à Aliança, ali estavam
lideranças tenentistas expressivas como Juarez Távora, Miguel Costa,
João Alberto, Siqueira Campos e Cordeiro de Farias.98

96
Idem, P. 21
97
MARIANI, Clemente, apud GUIMARÃES, p. 21.
98
PANDOLFI, Dulce Chaves. AS anos 1930: as incertezas do regime. In FERREIRA, Jorge e DELGADO,
Lucilia de Almeida Neves (orgs). 2003. O Brasil Repúblicano: O tempo do nacional-estatismo – do inicio da
década de 1930 ao apogeu do Estado Novo. Livro 2. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira. P.16.
56
Na Bahia, a Revolução de 1930, como ficou conhecido o golpe impetrado por
Getulio Vargas, não foi muito bem recebida. Especialmente pelos grupos dominantes e
empolgados com a vitória eleitoral de Prestes e Soares. Paulo Santos Silva classifica o
sentimento da elite baiana como um “mal-estar” frente à nova ordem política. Com a eleição e
a posse de Prestes e Soares na Presidência, e Pedro Lago substituindo Soares na governadoria
do estado, os grupos dominantes da política estadual, liderados por Otávio Mangabeira e pelo
ex-governador Francisco Marques de Góes Calmon (frações do poder local há pouco
aproximadas), viveriam um peculiar momento de acomodação.

Com essas composições (Prestes e Soares na Presidência e Vice-


Presidência, respectivamente, e Lago na Governadoria), as lideranças
do estado recuperavam uma posição de destaque para a Bahia,
situação já experimentada no Governo de Prudente de Moraes (1894-
1897), ocasião em que também um baiano, Manuel Vitorino, ocupou a
vice-presidência da República. A transição governamental de 1930
conduzia a Bahia a uma posição de relevo no cenário político
nacional, caso a chapa situacionista vencesse. A “Revolução de 1930”
desfez esta perspectiva de acomodação e bem-estar. Não havia porque
as elites políticas estaduais aderirem a um movimento que desalijava
seus membros mais representativos do aparelho de Estado.99

O novo regime não tinha interesse de colocar um interventor que mantivesse os


velhos habitus do campo político baiano. Pretendia o presidente Vargas, para os estados do
Norte, colocar novos políticos que impusessem uma nova dinâmica política para um “novo”
Estado. Esta preocupação ficou clara na carta enviada por Juarez Távora a Getulio Vargas por
motivo da sucessão da Interventoria da Bahia em 1931. Transcrevê-la-ei por completo pela
sua riqueza em informações sobre os planos do novo regime para os estados do Norte.

Exmo. Sr. Presidente Getúlio Vargas

Recente renuncia do Interventor da Bahia, Sr. Dr. Artur Neiva, impõe


ao governo Provisório da República – dadas as circunstâncias que a
determinaram – uma solução pronta e radical.
Conforme já tive oportunidade de lhe expor, quando, em fevereiro
próximo passado, se procedeu, na Bahia à escolha do Interventor ora
renunciante, o Governo desse grande Estado, mais do que de qualquer
outro do Brasil, deve ser confiado a um homem inflexivelmente
enérgico e absolutamente isento de qualquer eiva de partidarismo.

99
SILVA, Op. Cit. P. 25.
57
O aspecto das duas soluções dadas anteriormente mostra que não é
fácil encontrar-se um civil – mesmo afastado das lutas partidárias
baianas – em condições de equilibrar-se no poder, sem transigência à
força armada ou aos partidos incompatíveis com o bom andamento da
administração pública.
Melhor será, portanto, optar, de vez, por uma solução militar. E é
dentro desse critério que lhe peço vênia para manifestar-me , com a
franqueza com que sempre me tenho conduzido no desempenho das
atribuições que me foram por V. Excia. Confiadas.
Escuso-me de lhe sugerir a que nomes de alas patentes militares para
Interventoria baiana, porque são poucos os militares graduados que
sinceramente servem à Revolução e retirá-los agora dos altos
comandos que exercem, seria um grande prejuízo para a Segurança da
Ditadura; por outro lado, excluindo esses, os demais militares velhos
não saberiam isentar-se das seduções políticas facciosas e, conforme
já tive oportunidade de dizer-lhe, a revolução deve ter mais medo dos
militares políticos do que dos politiqueiros civis.
Sou forçado, assim, a voltar-me para a mocidade de minha classe.
Dentre a oficialidade moça e desinteressada que fez comigo a
revolução no Norte – três rapazes se destacaram de modo sensível,
pela sua bravura, inteligência e ponderação – os primeiros-tenentes
Juracy Magalhães, Jurandir Mamede e Landri Sales. Destes, o
primeiro não aceitará a Interventoria baiana, porque tendo pleiteado o
critério de se nomearem Interventores militares para os Estados do
Norte, se sente, justamente, por isso, inibido de aceitar sua indicação
para semelhante encargo.
O terceiro é, como V.Excia. sabe, Interventor do Piauí, onde todos
reputamos indispensável as presença.
Limito-me, assim, a sugerir-me o nome do primeiro tenente do
Exército Jurandir de Bizarria Mamede, para o cargo de Interventor da
Bahia.
Esse oficial, apesar de moço, tem dado altas provas de capacidade,
não só dentro de sua classe como ainda em postes de administração
civil que vem exercendo ultimamente em Pernambuco.
É, ademais, filho da Bahia a frente e cujo governo, estou certo, saberá
honrar cabalmente a confiança que V.Excia. nele depositar.
Com atenciosos cumprimentos, assina-se de V.Excia. patrício at.
Juarez Távora
Rio, 17/08/31100

Dentre os indicados por Távora, Vargas escolheu Juracy Magalhães. Mas antes de
tratarmos da escolha de Magalhães e de sua posse na Bahia, vejamos outros aspectos
importantes nesta carta. O primeiro deles, é a necessidade de “uma solução pronta e radical”.

100
TÁVORA, Juarez Apud ABREU, Alzira Alves de (org). 1982. Juracy Magalhães: Minhas Memórias
Provisórias. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira. Pp. 217-8. Grifos Meus.
58
É evidente que ele se refere à situação política da Bahia. O regime de 1930, em menos de um
ano já havia indicado três interventores e nenhum se manteve por mais de seis meses. Mas,
qual seria a peculiaridade da Bahia frente ao novo Regime? Já vimos como o golpe de 1930
atrapalhou os planos de uma fração da elite política baiana. Contudo a fração que apoiou o
golpe, o grupo em torno de J. J. Seabra – que tinha como certo que voltaria ao poder na Bahia
– parece não ter sido de confiança e/ou interesse do regime que apoiou. O próprio Juracy
Magalhães comentou sobre as perspectivas dos seabristas: “J. J. Seabra pensou que, com a
vitória da revolução, seria novamente elevado ao poder. Como Getúlio o preteriu...”101.
Infelizmente Magalhães não justificou o motivo de Seabra e seu grupo ter sido preterido por
Vargas. Mas certamente, não é difícil de entender que não era interesse do novo Regime
manter a “roda-gigante” política da Bahia, em outras palavras as sucessões alternadas de
seabristas, mangabeiristas e calmonistas. O que fica evidente na construção do perfil de
interventor, composto por Távora, que serviria ao interesses do regime.
“O Governo desse grande Estado, mais do que de qualquer outro do Brasil, deve ser
confiado a um homem inflexivelmente enérgico e absolutamente isento de qualquer eiva de
partidarismo”, justamente no intuito de quebrar a roda-gigante anteriormente imposta ou
iniciar outra. Mas a descrição do perfil vai mais além. Primeiro Távora trata de que um civil,
como tinha sido anteriormente, não teria isenção partidária paras as disputas políticas locais.
Assim defendendo a necessidade de um interventor militar, como já o fizera no Piauí e em
outros estados. Ele lista três nomes de sua confiança – Juracy Magalhães é um deles (mas não
acredita que ele aceite o convite) – para por fim indicar o primeiro-tenente Jurandir Mamede.
Este baiano ainda estava no início de sua carreira militar e política e no futuro seria um dos
defensores da necessidade de um golpe militar no Brasil, em ocasião do governo de João
Goulart, e assumira como Juracy Magalhães, postos da Ditadura Militar. Contudo o escolhido
por Vargas foi Juracy Magalhães.
Após muita relutância, Magalhães aceitara o cargo e veio à Bahia. Um ato do novo
governo que mexeria profundamente nos brios da “elite” baiana. A não indicação, por Vargas,
de um interventor baiano para a Bahia, foi encarada como desrespeito e Juracy, apelidado de
“Tenente Forasteiro”. Como aconteceu em quase todas as Unidades Federativas, os
governadores eleitos foram substituídos por interventores indicados pelo Presidente Getulio
Vargas. Na Bahia esse processo fui um tanto conturbado. O primeiro a assumir a função foi
Leopoldo Afrânio Bastos do Amarão, seguido por Artur Neiva, e este por Raimundo

101
MAGALHÃES apud ABREU op Cit. P. 74.
59
Rodrigues Barbosa. Estes ficaram poucos meses, um período de arrumação e acomodação do
novo governo. Em setembro de 1931, menos de um ano depois do golpe de 1930, o cearense
Juracy Magalhães assumiu de forma mais definitiva a governadoria da Bahia enquanto
interventor federal. A sua chegada à Bahia aumentou o desconforto que sentia o grupo
dominante. Os brios baianos foram maculados pela indicação de um forasteiro para assumir a
sua governadoria.
Juracy Magalhães, filho de um caixeiro viajante, é um exemplo ideal “dos filhos dos
setores médios que encontravam na carreira militar um meio de ascensão social, estratégia
102
amplamente empreitada nas décadas iniciais do século XX” , assumia a governadoria da
Bahia com apenas 25 anos. A sua falta de formação acadêmica, associada a ele não ser
baiano, gerava um inconformismo entre os grupos dirigentes. Melhor explicou Silva:

Com a sua indicação para o governa da Bahia, a tradicional


hegemonia dos bacharéis na direção da política do estado cedia em
favor de uma liderança não formada nos padrões dos grupos dirigentes
locais. Pela primeira vez, um indivíduo de fora da Faculdade de
Medicina, da Escola Politécnica ou da Faculdade de Direito de Recife
ou da Bahia era conduzido ao mais elevado posto da política baiana.
Fato que atingiria os brios da elite local, coisa dos seus méritos e
convencida de sua importância e imprescindibilidade103.

O que parecia difícil aconteceu. Com a posse de Magalhães na governadoria, os mais


diversos grupos políticos se uniram na oposição. Grupos que anos antes estavam disputando
postos ferrenhamente, agora se uniam contra um regime que “desrespeitava” a elite local.
Dessa união surgiu mais à frente um grupo que se denominou “Autonomista”.

J. J. Seabra pensou que, com a vitória da revolução, seria novamente


elevado ao poder. Como Getúlio o preteriu, juntou-se a Antônio
Muniz e, com seus adeptos, deu início ao Movimento autonomista da
Bahia, lançado no artigo “Brios Baianos”, no qual Muniz Sodré
defendia a tese de que o estado não podia ser governado por um
tenente forasteiro.104

O Movimento Autonomista foi então, a união de inimigos históricos na oposição ao


tenente forasteiro. Aruã Lima afirmou que a “reação autonomista se deu de várias maneiras,

102
SILVA op cit, 29.
103
Idem, 29.
104
MAGALHÃES op cit. P. 74.
60
105
mas foi vigorosa, principalmente, através da imprensa” . O que fica evidente nos trabalhos
de Paulo Santos Silva e Aruã Lima é que o “movimento autonomista” pelo menos em sua
primeira fase foi uma mobilização de intelectuais chorosos pelos postos ora perdidos.
Contudo, apesar da pouca experiência, Juracy Magalhães mostrou-se um político
sagaz. Não podendo contar nem confiar nos políticos baianos, ou pelo menos, na sua fração
dominante, buscou apoio e base política no interior do estado; sempre esquecido pela “elite”
baiana, nas classes médias e trabalhadoras da cidade da Bahia, Salvador.
Algo que marcou sua política foi à construção de alianças com estes políticos do
interior, fortes e respeitados em sua região, mas sem expressividade em âmbito estadual.
Assim, Juracy, enquanto interventor federal na governança da Bahia percorreu quase todo o
interior, feito nunca realizado antes por um mandatário do estado. Ele mesmo falou dessas
alianças no interior:

O chefe da revolução no Rio Grande do Norte, José Augusto Bezerra


de Medeiros, quando passou pela Bahia, observou: “Juracy afastou os
capitães e ficou com os soldados”. De fato, quando as velhas
lideranças baianas formaram contra o meu governo a coligação
autonomista, tratei de criar as bases na política do interior. Em pouco
tempo, visitei todo o sertão, procurando o médico do lugar, o
advogado, enfim, a pessoa que liderava a política municipal, para em
torno dela arregimentar uma maioria. Em Itabuna, dei apoio a Gileno
Amado, que chefiava a facção contraria a João Mangabeira,
conseguindo obter com este líder local uma estrondosa vitória; em
Ilhéus, onde igualmente mandava João Mangabeira, entreguei a Artur
Lavigne, que se elegeu deputado federal após obter legenda por
indicação minha. Além disso, pude contar com a inestimável
colaboração de excelentes políticos como Clemente Mariâni,
secretário do Partido Social Democrático da Bahia, e Francisco
Rocha, que, após aderir à revolução, passou a comandar Barreiras, na
área do São Francisco.106

Por causa dessas alianças ele foi acusado de ter fortalecido o coronelismo no interior.
O que ele retruca veementemente dizendo que eram “chefes locais e não coronéis107”.
Desta maneira transcorreu-se a primeira fase do governo de Juracy Magalhães na
Bahia. Por um lado, contando com todo o desprezo e, até mesmo, com a hostilidade da fração
até então dominante na política local. De outro lado, criando novas alianças e novos políticos.
105
LIMA, Aruã Siva de. 2010. DEMOCRACIA CONTRA O POVO: Juraci Magalhães, Otávio Mangabeira e a
UDN na Bahia (1927 – 1946). Dissertação de Mestrado em História. Feira de Santana. UEFS. p. 25.
106
MAGALHÃES Apud ABREU op cit. P. 80.
107
Idem p. 81.
61
Essa nova base política arregimentada (para usar a expressão dele) no interior conferiu à
década de 1930 um caráter transformador do quadro político do estado até então. As eleições
de 1933 para a Constituinte Federal são provas disso. A fração oposicionista tinha os nomes
mais brilhantes e conhecidos, por outro lado, os candidatos apoiados por Magalhães eram
jovens e de classes diversificadas.108

A chapa oposicionista foi esmagadoramente vencida pelo partido do


interventor. Enquanto o Partido Social Democrático conseguiu eleger
20 constituintes. A oposição elegeu apenas dois: o novato Aloísio de
Carvalho Filho e o veterano José Joaquim Seabra. A bancada
situacionista baiana eleita para a Assembléia Constituinte tornou-se
motivo de orgulho para o interventor não só pela quantidade que
conseguiu eleger, mas por um dado adicional: era composta por um
numero expressivo de “intelectuais”, atributo que o interventor fazia
questão de sublinhar. O orgulho que Juracy Magalhães manifestava
ela qualidade de seus correligionários tinha como alvo estabelecer um
contraponto com a oposição. Era nas fileiras oposicionistas que se
encontravam o maior numero de representantes da inteligência local.
Daí a ressalva de que, entre os seus, o interventor também gozava do
apoio da inteligência baiana.109

Novamente a relação da Bahia com sua intelligentsia chama a atenção. Juracy, como
já vimos foi o primeiro a ocupar a governadoria da Bahia sem ser egresso da Faculdade de
Medicina da Bahia ou a Faculdade de Direito de Recife. A relação da elite baiana com a
intelectualidade parece-nos como se a formação acadêmica fosse um atestado de qualificação,
uma justificativa para ocupar tais cargos. Trata-se, sem dúvida, da “sociedade dos bacharéis”,
como a qualificou Iraneidson Costa110.
Se a posse de Juracy Magalhães sacudiu um pouco esta “sociedade”, esse
movimento, porém, não foi muito profundo. Durante toda a década de 1930, 1940 e quiçá as
subseqüentes, os bacharéis ocuparam papel de protagonistas nos palcos políticos baianos. Foi
com a chegada de um Tenente Forasteiro que o campo político baiano se reorganizou. Vamos
pensar nos casos de alguns dos jovens aqui estudados, especialmente Aristeu Nogueira e
Fernando Sant’Anna.

108
Recomendo aos conferir no texto de Paulo Santos Silva as tabelas e os perfis políticos dos candidatos.
109
SILVA op cit p. 38.
110
COSTA, Iraneidson Santos. 1997. A Bahia já deu régua e compasso: o saber médico-legal e a questão racial
na Bahia, 1890-1940. (Dissertação de Mestrado) Salvador, UFBA.
62
Em um artigo apresentado em 2006 no I Seminário do LABELU 111, apresentei as
bases dessa pesquisa. Na época, estudava apenas Aristeu Nogueira e Fernando Sant’Anna. No
referido artigo, utilizando as fontes que me eram disponíveis, tratei das disputas políticas entre
os Nogueira, família de proprietários de grandes áreas de terras em Irará112·,que tinha seu
chefe político na figura do Cel. Elpydio Nogueira, pai de Aristeu; os Campos Martins –
família da vila de Bentos Simões, representado pelo Cel. Mário Campos Martins, muitas
vezes aliados dos Nogueira – os Medeiros – oriundos do então distrito de Água Fria – os
Valverdes – aparentemente menos expressivos na política do município, mas visceralmente
envolvidos nos interesses da Vila de Pedrão, seu lugar de origem 113 – e os Sant’Anna –
liderados politicamente pelo irmão de Fernando Sant’Anna, Elysio Sant’Anna, que chegara ao
poder através da “Revolução de 1930”.
Vejamos o que relatou Fernando Sant’Anna a Antonio Risério sobre a “Revolução de
1930” e seus reflexos em Irará:

A notícia da Revolução de 30 chegou a Irará pelos jornais. Não me


recordo se naquele tempo, já havia rádio na cidade. Minha família era
considerada rica e não me lembro de haver rádio em minha casa, era
porque não havia rádio na cidade... A Revolução foi muito bem-
recebida por parte daqueles que faziam política contra a situação local.
No que se refere a minha família, todos apoiaram a Revolução. Meu
irmão Elísio já estava participando da vida pública e combatia
intensamente o sistema anterior, aquele parasitismo. As pessoas eram
donas das coisas públicas. O serviço público era uma propriedade
privada. Era contra isso que as pessoas lutavam. Então, pelo que me
lembro, meu pai, meu irmão, meus tios, todos estavam a favor do
processo revolucionário.114

Dessa maneira a Bahia passou por uma reorganização de seu campo político nos
primeiros anos da década de 1930. Juracy Magalhães aos poucos conseguiu apoio e
legitimidade política, inclusive entre seus adversários, chegando a ser eleito governador em
1934.

111
FONTES, Rafael. 2006. Trajetórias (in)comuns: um estudo sobre a formação política de Aristeu Nogueira e
Fernando Sant’Anna IN I Seminário do LABELU. Feira de Santana, UEFS.
112
Vale ressaltar que a Irará dos anos 1930 abrangia os hoje municípios de Água Fria, Santanópolis, Ouriçangas
e Pedrão.
113
José Valverde foi prefeito de Irará em 1962, momentos dos desmembramentos dos municípios de Água Fria,
Santanópolis, Ouriçangas e Pedrão e foi no mesmo ano, o primeiro prefeito de Pedrão, tendo sido eleito mais
duas vezes.
114
. SANT’Anna apud RISÉRIO, Antonio. 2002. Adorável Comunista: História Política, Charme e Confidências
de Fernand Sant’Anna. Rio de Janeiro, Versal. p. 33
63
2. Militares e comunistas, uma tentativa de golpe... e a Bahia?

O PCB antes de 1935 era um partido de limitada expressão na sociedade, primeiro


devido a seu caráter clandestino – o que gerava um clima de suspeita em torno dele –
segundo, por causa de seu caráter internacional, que reforçava as especulações sobre si. O
Bloco Operário Camponês (BOC) representava nos anos 1930 o entendimento do PCB sobre
o futuro da organização revolucionária no Brasil. Parece ter sido também, uma alternativa
comunista de organização das “massas” da cidade e do campo. O entendimento da época era a
eminência de um movimento revolucionário no seio dos trabalhadores urbanos, especialmente
os das indústrias que anos antes organizaram greves e movimentos que coincidiram ou
culminaram no próprio partido, e nos pequenos lavradores, explorados pela crescente
capitalização do campo. Em junho de 1930 o PCB lançaria um manifesto, chamando o
proletariado e os trabalhadores do campo para se organizarem e fazerem a revolução no
Brasil. Vejamos trechos deste manifesto:

Aos trabalhadores das cidades e dos campos, a todos os explorados do


Brazil Camaradas!
Nossa situação tornar-se casa vez mais insuportável. A Crise
augmenta. Cada dia são fechadas mais fabricas. Os fazendeiros
diminuem os salarios dos colonos e os expulsão da terra.milhares e
milhares de desempregados e suas familias são abandonados á morte
pela fome. A miseria alastra-se. Os impostos crescem. O cambio do
milréis cai, tornando a vida ainda mais cara.
Augmenta a oppressão patronal e politica contra os trabalhadores. A
burguezia prepara seus bandas fascistas contra as massas.
Os burguezes, os fazendeiros, o governo pretendem “resolver” a crise
à custa dos trabalhadores. Ao mesmo tempo, elles continuam a vender
o paiz aos capitalistas estrangeiros. O sr. Julio Prestes, foi a Nova
York preparar a venda completa do Brazil aos imperialistas yankees.
Para manter-se no governos e continuar a boa vida de regabofes, os
fazendeiros e burguezes vendem-se a si mesmo, vendem o sangue e o
suor de milhões de trabalhadores do Brazil, negociam com a miseria e
o soffrimento do povo.
Camaradas!
A hora é chegada de lutar, pois o quanto mais nós curvamos as costas,
mais e mais somos maltratados e explorados!
Para os trabalhadores das cidades e dos campos, para todos os
explorados que mourejam nas industrias, nos transportes e na lavoura,
a unica sahida, a unica salvação verdadeira está na luta revolucionária
por suas reivindicações e para abater o regimen actual!
(...)
64
Camaradas! Operarios e pequenos lavradores!
O Partido Communista do Brazil – vanguarda consciente do
proletariado – appella para vós, para a luta por vossas reivindicações,
contra o regimen actual.
Pelo pão e pelo trabalho para os desempregados, e pólo augmento dos
salarios. Pela liberdade de organização operaria e camponeza. Pela
expulsão da Brazil de todos os bandidos estrangeiros. Pela tomada da
terra e sua divisão entre os operários agrícolas, colonos e pequenos
lavradores. Pela organização de uma verdadeira democracia das largas
massas, com a instauração do governos dos operarios e camponezes
do Brazil. (...)
Lutemos pela abertura immediata e pela liberdade dos syndicatos
revolucionários!115

A leitura do PCB acerca da realidade brasileira antes do golpe de 1930 era de que as
massas urbanas e camponesas seriam os setores da sociedade mais propensos a uma revolução
e caberia ao PCB, assumir o seu papel de vanguarda revolucionária. Contudo, não foram as
massas que fizeram a revolução, foram os liberais. Descontentes com os resultados eleitorais e
com os caminhos da política oligárquica, um grupo formados por políticos derrotados no
pleito eleitoral de 1929 organizou um amplo movimento e através de um golpe de Estado
levaram o ex-governador do Rio Grande do Sul, candidato derrotado no pleito, à presidência
da República. Este golpe, chamado por muitos de Revolução, deu início a um amplo
movimento de modernização das instituições políticas do país, abrindo-o cada vez mais ao
capital estrangeiro e dando os primeiros passos para a industrialização.
Frente a estes acontecimentos, o PCB produziu uma leitura onde apontava seis
pontos importantes de análise sobre a situação do Brasil. Estes seriam: “As forças Políticas
Brasileiras” – onde apontava a existência de quatro setores políticos organizados no país (a
Aliança Liberal, a Concentração Conservadora, a Coluna Prestes e o PCB) – a Aliança Liberal
enquanto um braço do imperialismo americano (“Seria a Aliança Liberal um instrumento dos
imperialistas americanos?”); “A atitude das organizações sindicais diante dos acontecimentos
políticos”; “A Coluna Prestes”; “A atitude do Partido Comunista” e “A crise econômica e as
perspectivas revolucionárias”116.
Para o PCB, os partidos republicanos (Liberais e Conservadores) não eram partidos
de massa – e de fato não o eram – não tinham o apoio de amplas camadas da população.

115
A Classe Operaria – Orgão Central do Partido Communista do Brazil (Secção Brazileira da Internacional
Communista). Anno VI, Num. 93. Rio, 19 de junho de 1930, p 1.
116
ORAN, Les Derniers Événementes du Brésil et lês Perspectives dês Nouvelles Luttes. L’Internacional
Syndical Rouge, janeiro, 1931 IN CARONE, Edgard. 1982. O PCB – 1922 a 1943 Vol. 1 – Coleção Corpo e
Alma do Brasil –, São Paulo, DIFEL. Pp. 111-119.
65
Cabendo a ele e à Coluna Prestes serem os setores mais próximos às massas. Contudo, “como
explicar (...) o fato de a Aliança Liberal ter conseguido mobilizar as massas em seu favor?”
117
. O PCB identificava três fatores que explicariam este fenômeno:

1) A ausência de um partido comunista forte, de massas, capaz de


agitar, organizar e mobilizá-las para a luta de conquista de suas
reivindicações mais imediatas, ao mesmo tempo de elevar
gradualmente o conteúdo de lutas dos movimentos de massa;118

A autocrítica do PCB parece ser bastante realista. De fato, o PCB era um partido que
tinha a sua influência nos poucos sindicatos organizados e nos setores médios e
intelectualizados. Contudo, tinha expressão na imprensa e até mesmo num imaginário, apesar
de ter em 1930 apenas oito anos de fundado.
Continuando o balanço do PCB à Internacional Sindical:

2) O apoio tácito da Coluna Prestes que, durante a campanha


eleitoral para a sucessão presidencial, permitiu à Aliança Liberal a
exploração demagógica das tradições revolucionárias da Coluna;
3) O apoio dos partidos democráticos dos diferentes Estados e das
oposições dos Estados governados por elementos da Concentração
Conservadora, e o apoio do Partido Libertador do Rio Grande do Sul,
o qual, em diversas ocasiões combateu, com armas na mão, o governo
do Estado e gozava de simpatia das massas.119

A atenção dada pelo PCB à Coluna Prestes ressalta a visão de que esta era uma das
organizações120 políticas capazes de acumular em torno de si capital político suficiente para
um movimento revolucionário. Contudo, não parece claro que o PCB identificasse os setores
militares – entende-se como o movimento tenentista (origem da Coluna) – como um
movimento capaz de ser cooptado ou guiado pelos comunistas. Foi neste momento que
ocorreu uma das aproximações mais importantes para a história do PCB. O encontro de Luiz
Carlos Prestes, líder invicto de um movimento armado que percorreu o interior do país, com o
marxismo. A Coluna Pestes, um desdobramento dos movimentos tenentistas iniciados em
1922, mobilizou parte do país. Pode-se dizer que a partir de então a figura de Luiz Carlos
Prestes e da revolução comunista no Brasil seriam interligadas até a sua morte em 1990.

117
Idem , p. 112.
118
Idem
119
Idem
120
Entende-se organização para além de grupo, partido ou instituição, mas como umas das forças políticas
66
Luiz Carlos Prestes, desde muito jovem, revelou indignação com as
injustiças sociais e a miséria de nosso povo, mostrando-se preocupado
com a busca de soluções efetivas para a situação deplorável em que se
encontrava a população brasileira, principalmente os trabalhadores do
campo, com os quais tivera contato durante a Marcha da Coluna, que
ficaria conhecida como a Coluna Prestes. Muito antes de tornar-se
comunista, Prestes já era um revolucionário. Sua adesão aos ideais
comunistas e ao movimento comunista apenas veio com provar e
confirmar sua vocação revolucionária, seu compromisso definitivo
com a luta pela emancipação econômica, social e política do povo
brasileiro. Enquanto revolucionário, Prestes foi um patriota, um
homem que, dedicou toda sua vida à luta por um Brasil melhor, por
um Brasil onde não mais se fizessem presentes a fome, a miséria, o
analfabetismo, as doenças, a terrível mortalidade infantil e as demais
chagas que sabidamente continuam ainda hoje a infelicitar nosso país.
Como se dizia antigamente, e no bom sentido da palavra, Prestes foi
um idealista.121

O ingresso de Prestes no PCB foi o encontro de dois movimentos importantes, o


tenentismo e o comunismo. Uma união que foi mais que uma tática, mas um encontro que os
marcou profundamente.
O Movimento Tenentista, iniciado em 1922 com o Levante de Julho, foi um dos
primeiros passos para um setor importante da classe média brasileira mostrar-se interessado
em tomar a frente dos espaços políticos. Prestes, despontava ainda nos anos 1920 como um
dos grandes líderes desse movimento. Em 1930, com a aproximação dos tenentes com a
Aliança Liberal – e Getúlio Vargas, conseqüentemente – Prestes, viu-se ao reboque de uma
revolução que não atendia aos princípios expressos por ele em maio do mesmo ano, em seu
famoso manifesto.

Ao proletariado sofredor das nossas cidades, aos trabalhadores


oprimidos das fazendas e das estâncias, à massa miserável do nosso
sertão e muito especialmente aos revolucionários sinceros, aos que
estão dispostos à luta e ao sacrifício em prol da profunda
transformação por que necessitamos passar, são dirigidas estas linhas.
(...)
A última campanha política acaba de encerrar-se. Mais uma farsa
eleitoral, metódica e cuidadosamente preparada pelos politiqueiros, foi
levada a efeito com o concurso ingênuo de muitos e de grande número
de sonhadores ainda não convencidos da inutilidade de tais esforços.

121
PRESTES, Anita Leocádia. 2008. Luiz Carlos Prestes e a Aliança Nacional Libertadora: os caminhos da luta
antifascista no Brasil (1934/35). São Paulo, Brasiliense. Pp. 10.
67
Mais uma vez os verdadeiros interesses populares foram sacrificados e
vilmente mistificado todo povo, por uma campanha aparentemente
democrática, mas que no fundo não era mais que a luta entre os
interesses contrários de duas correntes oligárquicas, apoiadas e
estimuladas pelos dois grandes imperialismos que nos escravizam, e
aos quais os politiqueiros brasileiros entregam, de pés e mãos atados,
toda a Nação.
Fazendo tais afirmações, não posso, no entanto, deixar de reconhecer
entre os elementos da Aliança Liberal grande número de
revolucionários sinceros, com os quais creio poder continuar a contar
na luta franca e decidida que ora proponho a todos os opressores.

Neste trecho percebe-se a aproximação de Prestes à política dos liberais, ou pelo


menos mostra uma união tática e temporária, frente a interesses em comum: o fim das
oligarquias até então no poder.
Seguimos no manifesto:

(...) A tudo assistimos calados, sacrificando o prestígio moral da


revolução, sempre crentes no milagre que seria a eventualidade de
uma luta armada entre as duas correntes em choque e que, desta luta
entre os dois interesses, pudesse talvez surgir a terceira corrente,
aquela que viesse satisfazer realmente as grandes necessidades de um
povo empobrecido, sacrificado e oprimido por meia dúzia de
senhores, que, proprietários da terra e dos meios de produção, se
julgam a elite capaz de dirigir um povo de analfabetos e desfibrados,
na opinião deles, e dos seus sociólogos de encomenda.
(...)
A revolução brasileira não pode ser feita com um programa anódino
da Aliança Liberal. Uma simples mudança de homens, um voto
secreto, promessas de liberdade eleitoral, de honestidade
administrativa, de respeito à Constituição e moeda estável e outras
panacéias, nada resolvem, nem podem de maneira alguma interessar à
grande maioria da nossa população, sem o apoio de qualquer
revolução que se faça terá o caráter de uma simples luta entre as
oligarquias dominantes.
Não nos enganemos. Somos governados por uma minoria que,
proprietária das terras, das fazendas e latifúndios e senhora dos meios
de produção e apoiada nos imperialismos estrangeiros que nos
exploram e nos dividem, só será dominada pela verdadeira insurreição
generalizada, pelo levantamento consciente da mais vastas massas das
nossas populações dos sertões e das cidades.

Agora ele diferencia claramente que os seus interesses e os interesses da Aliança


Liberal ,divergem de fundo. Apontando que o programa, por ela defendido, não fará a

68
revolução que ele esperava. Nada mudará na vida do povo pobre que ele encontrou pelas
andanças da Coluna.
Continuando o documento, expressando suas expectativas de uma revolução que de
fato mudaria a situação do povo brasileiro

Contra as duas vigas-mestras que sustentam economicamente os atuais


oligarcas, precisam, pois, ser dirigidos os nossos golpes – a grande
propriedade territorial e o imperialismo anglo-americano. Essas as
duas causas fundamentais da opressão política em que vivemos e das
crises econômicas sucessivas em que nos debatemos.
O Brasil vive sufocado pelo latifúndio, pelo regime feudal da
propriedade agrária, onde se já não há propriamente o braço escravo, o
que persiste é um regime de semi-escravidão e semi-servidão.
O governo dos coronéis, chefes políticos, donos da terra, só pode ser o
que aí temos: opressão política e exploração impositiva.
Toda a ação governamental, política e administrativa, gira em torno
dos interesses de tais senhores que não medem recursos na defesa de
seus privilégios. De tal regime decorrem quase todos os nossos males.
Querer remediá-los pelo voto secreto ou pelo ensino obrigatório é
ingenuidade de quem não quer ver a realidade nacional.
(...)
A verdadeira luta pela independência nacional deve, portanto, realizar-
se contra os grandes senhores da Inglaterra e contra o imperialismo e
só poderá ser levada a efeito pela verdadeira insurreição nacional de
todos os trabalhadores.
As possibilidades atuais de tal revolução são as melhores possíveis.
A crise econômica que atravessamos, apesar dos anunciados saldos
orçamentários e da proclamada estabilidade monetária, é
incontestável. Os impostos aumentam, elevam-se os preços dos artigos
de primeira necessidade e baixam os salários. A única solução
encontrada pelos governos, dentro das contradições dos regime sem
que se debatem, são os empréstimos externos com uma maior
exploração da nossa massa trabalhadora e conseqüentemente
agravação da opressão política. A situação internacional é, por outra
parte, de grandes dificuldades para os capitalismos que nos dominam,
a braços com os mais sérios problemas internos, como o da
desocupação de grandes massas trabalhadoras e as insurreições
nacionalistas de suas colônias.
Além disso, o Brasil, pelas suas naturais riquezas, pelas possibilidades
de rápido crescimento industrial autônomo, está em condições
vantajosíssimas para vencer, com relativa rapidez, nesta luta pela sua
verdadeira e real emancipação.
Para sustentar as reivindicações da revolução que propomos – única
que julgamos útil aos interesses nacionais – o governo a surgir
precisará ser realizado pelas verdadeiras massas trabalhadoras das
cidades e dos sertões. Um governo capaz de garantir todas as mais
69
necessárias e indispensáveis reivindicações sociais: limitação das
horas de trabalho, proteção aos trabalhos das mulheres e crianças,
seguros contra acidentes, o desemprego, a velhice, a invalidez e a
doença, direito de greve, de reunião e de organização.
Só um governo de todos os trabalhadores, baseado nos conselhos de
trabalhadores da cidade e do campo, soldados e marinheiros, poderá
cumprir tal programa.
A vitória da revolução, em tal momento, mais depende da segurança
com que orientarmos a luta, do que das resistências que nos possam
ser opostas pelos dominadores atuais, em franca desorganização e
inepitamente dirigidos.
Proclamemos, portanto, a revolução agrária e antiimperialista
realizada e sustentada pelas grandes massas da nossa população.
Lutemos pela completa libertação dos trabalhadores agrícolas de todas
as formas de exploração feudais e coloniais, pela confiscação,
nacionalização e divisão das terras, pela entrega da terra gratuitamente
aos que trabalham. Pela libertação do Brasil do jugo do imperialismo,
pela confiscação e nacionalização das empresas nacionais [sic] de
latifúndios, concessões, vias de comunicações, serviços públicos,
minas, bancos e anulação das dívidas externas.
Pela instituição de um governo realmente surgido dos trabalhadores
das cidades e das fazendas, em completo entendimento com os
movimentos revolucionários antiimperialistas dos países latino-
americanos e capaz de esmagar os privilégios dos atuais dominadores
e sustentar as reivindicações revolucionárias.
Assim, venceremos.
Luiz Carlos Prestes
Buenos Aires, maio de 1930.

Em linhas gerais, o programa apresentado por Prestes se resume em uma ampla luta
anti-imperialista e pelo desenvolvimento de um governo voltado para os trabalhadores e
camponeses, que acabasse com as oligarquias e conseqüentemente, com o coronelismo.
Posições muito próximas dos comunistas. O que denota que, mesmo não estando ainda
vinculado ao PCB, Prestes já se encaminhava para o posicionamento comunista sobre
realidade Brasileira.
Os anos que seguiram à “Revolução de 30” foram de relativa calmaria para o PCB.
Um período de re-elaboração de suas diretrizes, ao tempo que o regime de 1930 se
consolidava. Fora do país, Prestes já em Moscou, consolidava-se enquanto comunista e
despontava como possível líder do PCB. Contudo a sua filiação a esse só se dará,
forçadamente, anos mais tarde.
O primeiro grande posicionamento do PCB frente ao novo regime foi em decorrência
da Revolução Paulista. Frente às batalhas que sucederam entre as tropas paulistas e
70
federalistas, não houve um posicionamento por nenhuma das frentes por parte do PCB. Este,
criticou o caráter burguês das duas frentes e incitou as “massas” a fazerem sua própria
revolução. Contudo o próprio PCB julgava-se deficiente frente a esse caminho, voltando-se
para a formação de novos quadros. Como aponta o documento de dezembro de 1932:

O Brasil continua sendo o teatro de sangrentas lutas armadas. A


sublevação do Fonte de Copacabana em 1922. O golpe de Estado de
1924 em São Paulo; a Coluna Prestes; o golpe de Estado de 1930 que
deu à Aliança Liberal; o golpe de São Paulo de julho do corrente ano,
são os pontos culminantes dessas lutas. Porém esta ultima superou em
intensidade a todas as anteriores (...)
(...) O Partido Comunista do Brasil discute e analisa agora a razão de
suas debilidades e trata de remediar sua difícil situação. Nos últimos
tempos criou-se uma quantidade de células nas empresas de industrias
decisivas e fazem-se tentativas para penetrar no campo. O Partido
começa a prestar mais atenção à elevação de seu nível ideológico e à
formação de seus quadros.
(...) O PCB tem à sua frente grandes perspectivas, e a luta ideológica
que começa a levar em seu seio o ajudará a afrontar as mesmas como
correspondente.122

O PCB esperava então um momento propício da classe trabalhadora para uma


revolução que a levaria ao poder. Este momento chegou, segundo a interpretação pecebista,
em 1935, com a união entre os interesses do PCB e das classes médias, representadas pelos
tenentes.
1935 foi para o PCB e para a política brasileira um ano muito movimentado. Com a
formação da Aliança Nacional Libertadora – ANL, em março, o PCB iniciava sua luta contra
o fascismo e sua política de união de classes. Se o discurso e a prática (mais prática que
discurso) do partido, até então vinha sendo o de rechaçar intelectuais e militantes que não
fossem da classe trabalhadora, haja vista o exemplo de Astrojildo Pereira – líder do PCB por
anos, um de seus fundadores, que nos fins da década de 1920 até os fins dos anos 1930 esteve
afastado do setor decisivo do Partido, devido à sua origem pequeno burguesa. A decisão pela
abertura política fora feita em outubro de 1934, durante a III Conferência dos Partidos
Comunistas da América do Sul e Caribe. A partir de então os partidos comunistas da região
passaram a priorizar as lutas de libertação nacional, agregando a si, setores progressistas que
pudessem construir um caminho favorável para a revolução socialista.

122
CARONE, Edgar. 1988. O Estado Novo (1937-1945). Rio de Janeiro, Bretrand Brasil. Pp.: 142-143.
71
A luta de libertação nacional contra o imperialismo colocou em
primeiro plano a necessidade aguda de organizar a revolução nacional
conduzindo sistematicamente as mais amplas massas nacionais à luta
contra o imperialismo e seus agentes locais, formando assim a mais
ampla frente antiimperialista.123

Uma ampla frente, essa é a expressão ideal para definir o que foi a ANL. Nela,
encontravam-se tanto o PCB – seu principal idealizador – como setores militares progressistas
e descontentes com o governo de Vargas, em sua maioria tenentes; além de intelectuais,
estudantes e empresários contrários ao crescimento de organizações de base fascista como a
AIB – Ação Integralista do Brasil –, fundada em 1932. Dessa forma, gravitavam em torno do
PCB importantes setores da vida social. Enquanto partido clandestino, o PCB usava da
legalidade da ANL para suas demandas públicas.
Toda essa política parece mesmo ter sido gestada na III Conferência dos Partidos
Comunistas da América do Sul e Caribe. Anita Prestes apresentou em um artigo trechos do
relatório taquigráfico dessa conferência. A partir desses trechos ela localiza a participação de
Antonio Maciel Bonfim, também conhecido por Miranda ou Queiroz, no entendimento que o
Brasil vivia um momento propício para uma revolução nacional e anti-imperialista:

Ao consultar as Atas taquigráficas da III Conferência dos Partidos


Comunistas da América do Sul e Caribe, chamam atenção os informes
feitos pelo então secretário-geral do PCB, Antônio Maciel Bonfim
(Miranda), codinome Queiroz, adotado durante os encontros em
Moscou. O triunfalismo e o caráter fantasioso das informações
transmitidas por esse personagem são reveladores de que, tendo
empolgado havia pouco a direção máxima do PCB, tratava-se, na
verdade, de um parlapatão, bom falante, vaidoso e aventureiro, que,
num momento de grave crise do partido, conseguira ser promovido ao
seu cargo Maximo, sem um exame criterioso da trajetória desse
militante recém-ingresso nas fileiras comunistas.
A segurança com que Queiroz desfiou, na Conferência, dados
minuciosos e informações detalhadas sobre a situação brasileira –
falando correntemente em francês, idioma que Manuilski e outros
dirigentes da IC compreendiam – impressionou profundamente tais
dirigentes, tendo isso contribuído, certamente, o desconhecimento
então existente da América Latina e, em especial, do Brasil. Queiroz
afirmava, por exemplo, que havia uma “profunda crise revolucionária
no Brasil”, exagerando o diapasão das lutas camponesas “pelo país
todo”, assim como das lutas do proletariado. Referia-se a uma crise

123
The Comunist International (20/05/1935) apud PRESTES, Anita Leocádia. A Conferência dos Partidos da
América do Sul e do Caribe e os Levantes de Novembro de 1935 no Brasil. In Crítica Marxista. Nº 22.
Campinas, Editora Revan, maio de 2006. P. 134. Grifos no original.
72
“terrível” no país e dizia que s cangaceiros “conclamavam à luta,
unificam todos os miseráveis, que lutam por pão, pela vida”.124

A caracterização que Anita Prestes faz de Miranda é espantosa. Parece-se que de fato
houve graves erros de interpretação da realidade brasileira por parte da direção do PCB e,
especialmente de seu secretário-geral. Essa incompreensão da realidade brasileira custou caro
ao PCB e à sua política de aproximações de classes contra o imperialismo.
O entendimento por parte da direção do PCB de que o cangaço era uma potencial
frente revolucionária e que Lampião e o cangaço seriam “guerrilheiros, que de boca em boca
se tornam defensores da liberdade, defensores da vida do campesinato” explica a iniciativa de
Jackson Cavalcante, Augusto Villas-Boas, Fernando Sant’Anna, David Gandelmann e
Antonio Borba terem, em 1935, tentando firmar contato com Lampião e atraí-lo para as
fileiras dos PCB.125
Mas, voltando ao PCB e a Miranda, devido a esta leitura do Partido, a Internacional
Comunista, passaria a investir no Brasil enquanto um potencial palco de uma revolução anti-
imperialista e, futuramente, socialista. A partir de então a história é bem conhecida. Militantes
internacionais, recursos e tramas que culminaram nos Levantes de Novembro de 1935, seu
fracasso e numa organizada caçada aos comunistas em todo o país empreendida pelo governo
Vargas e seu chefe de polícia, Filinto Müller.
Pouco tomou parte o PCB na Bahia dos movimentos de 1935. Além de militantes
baianos que participaram dos levantes, no próprio território da Bahia nada houve. Porém, nos
meses seguintes aos levantes e com o início da caçada aos comunistas a Bahia, especialmente
os comunistas, passaram a vivenciar novas experiências.
Como a Bahia não tinha um histórico de perseguição aos comunistas e o governador
Juracy Magalhães não demonstrava preocupação com eles no estado, a Bahia tornou-se um
local relativamente seguro para as lideranças do PCB e da ANL.

A Bahia foi um estado de participação pequena nos acontecimentos de


novembro de 1935, quando se deu o levante militar revolucionário em
Natal, Recife e Rio de Janeiro. Levante aliancista, mas dirigido pelos
comunistas. Em salvador, a repressão também foi pequena e, como o
ambiente na capital da Bahia era menos opressivo do que outras
partes, lá vieram ter comunistas de vários estados, sobretudo do

124
PRESTES, Op cit, Pp. 134-5.
125
Pelo que sabemos, esse contato não foi feito nessa ocasião devido a estes terem sidos presos em Alagoinhas
(RISÉRIO, Antonio. 2002. Adorável Comunista: História Política, Charme e Confidências de Fernand
Sant’Anna. Rio de Janeiro, Versal), mas também, desconheço que este um dia tenha sido feito.
73
Nordeste. Este afluxo de militantes politizados iria converter Salvador
em um centro de esquerdismo com influencia nacional nos anos
posteriores. E daí se fala até em Grupo Baiano e coisas do gênero.126

Dessa forma, vieram a Salvador: Alberto Passos Guimarães (Rodrigo), Lauro Araujo
(Duas Massas), dirigentes regionais de Alagoas; Coripheu de Azevedo Marques, do diretório
regional de São Paulo e do bureau político nacional; Lauro Reginaldo da Rocha (Bangu),
Honório de Freitas Guimarães (Martins) e Eduardo Pereira Xavier (Abóbora), do Rio de
Janeiro; João Rodrigues Sobral e Moisés Vinhas (Xangô), de Pernambuco. Além de Giocondo
Dias, baiano que atuou no levante tenente-comunista de Natal (1935), que voltou a Salvador e
foi, em certa medida, o responsável pela articulação deste auspício que foi Salvador de 1936-
1942.
Estes importantes líderes foram aos poucos se instalando e seguindo suas vidas na
clandestinidade. Pouco se sabia deles na época. Contudo, a influência de sua presença no
partido e, especialmente, nos jovens membros deste foi fundamental. Com esta, formou-se na
cidade, especialmente entre os jovens recém ingressos no PCB, um clima que proporcionou
experiência formadora e organizacional.

3. A mocidade baiana: suas instituições, seus ideais e sua atuação.

A estrutura educacional na Bahia era na década de 1930 – e permaneceu sendo


por muito tempo – centralizada em Salvador. No interior existiam professores públicos que
ministravam suas aulas em casa ou em salas alugadas – com raras exceções, como em Caetité.
A organização de grupos escolares (escolas reunidas) com uma padronização predial só fora
ocorrer na década de 1930, por iniciativa de Juracy Magalhães e de sua política de aliança
com os líderes locais. Contudo, ainda depois dos anos 1930 a educação ginasial e superior era
uma exclusividade da capital. De forma que qualquer baiano que tivesse interesse em
continuar seus estudos para além do primário teria que se deslocar para a Bahia.
Lá, o jovem teria ainda a sua disposição poucas instituições, sendo elas nos anos
1930: Ginásio Carneiro Ribeiro, Ginásio Ypiranga, Liceu Salesiano, Colégio Nossa Senhora
de Lourdes, Ginásio São Salvador, Instituto Bahiano de Ensino, Ginásio São José, Colégio
Antonio Vieira, Ginásio Nossa Senhora da Vitória, Instituto Sophia Costa Pinto, Colégio

126
GORENDER, Jacob. Entrevista dada a Alipio Freire e Paulo de Tarso Vasconcelos. Teria e Debate, nº11. 3º
trimestre de 1990.
74
Nossa Senhora das Mercês e o mais prestigiado de todos e único público, Ginásio da Bahia
(atual Colégio Central da Bahia). Deborah Kelman de Lima, faz uma classificação em sua
dissertação de mestrado e localiza a formação de classes dessas instituições. Vejamos como é
a divisão que Lima faz127:

Educandários particulares de Salvador128


Cursados pelas camadas médias Cursados pela elite
Ginásio Carneiro Ribeiro, Colégio Antonio Vieira,
Ginásio Ypiranga, Ginásio Nossa Senhora da
Liceu Salesiano, Vitória,
Colégio Nossa Senhora de Instituto Sophia Costa Pinto,
Lourdes, Colégio Nossa Senhora das
Ginásio São Salvador, Mercês
Instituto Bahiano de Ensino,
Ginásio São José

Afora estes, o Ginásio da Bahia seria a principal instituição de ensino secundário


do estado. Por este ser público e ter provas de admissão afamadas por sua severidade,
acreditava-se que lá se encontravam os melhores estudantes da Bahia. A sua composição
social era, segundos os relatos, variada. Lá, encontravam-se na mesma sala de aula desde
filhos de governadores e banqueiros, como de Clementi Marianne, a filhos de operários e
comerciantes, a exemplo de Carlos Marighella e Jacob Gorender. O que tornava possível essa
diversificação de origens sociais era o processo de entrada, um vestibular. O que muito
orgulhava os seus estudantes:

(O Ginásio) era aberto a todas as classes, então era um ginásio que


dava um exemplo de como deveria ser a sociedade, Né? Porque ele
era amplo, ele não fazia restrições a ninguém. A restrição era feita na
base do conhecimento, da preparação. Se o sujeito fosse pra lá sem
preparação não passava, tanto fosse das classes dominantes, como
também das classes dominadas. Não havia nenhuma vantagem para A
ou B passar no admissão ou passar nas provas, do primeiro ano, ou do
segundo se não tivesse preparo129

127
LIMA, Deborah Kelman de. 2003. “Banquete Espiritual da Instituição”: O Ginásio da Bahia, Salvador: 1895-
1942. Dissertação de mestrado. Salvador, UFBA.
128
Baseado no “quadro 29: instituições de origem (com dados)” In LIMA, op cite, p 103.
129
Fernando Sant’Anna entrevista cedida a Déborah Kelman de Lima em 05 de junho de 2002 In LIMA,
Déborah Kelman de. 2003. “O Banquete Espiritual da Instituição”: O Ginásio da Bahia, Salvador: 1895-1942.
Dissertação de Mestrado em História. Salvador, UFBA. P 107.
75
O aparente clima de interação de classes vivenciado no Ginásio da Bahia
proporcionava a estes estudantes contatos com as mais diversas realidades da cidade de
Salvador e do estado.
Dentre os jovens aqui estudados, freqüentaram os bancos do Ginásio da Bahia,
Fernando Sant’Anna, João Falcão, Mário Alves, Armênio Guedes e Jacob Gorender. As
exceções são: Aristeu Nogueira que estudava no Ginásio Ypiranga; e Diógenes Arruda
Câmara que viera de Pernambuco e nesta época já estava na Faculdade.
A participação comunista entre os estudantes baianos era até meados da década de
1930, pouco expressiva, o que mudou drasticamente com a chegada a Bahia de importantes
líderes do PCB em 1936-1937. A Bahia que até então tinha pouca expressão no PCB, passa a
ser o centro político do partido – vale ressaltar, que era um partido desorganizado, disperso e
muito fragilizado devido à perseguição impetrada pela polícia política de Filinto Müller.
Este relocamento político teve conseqüências no movimento estudantil, assim como
as estratégias de ação do PCB mudaram. Com a ANL, o foco da atuação do partido amplia-se
abrindo cada vez mais espaço para a atuação política de intelectuais. Se a política do PCB era
até então o sectarismo e a frente juntos aos movimentos operários, com a ANL este passa a
priorizar a ação numa ampla frente onde os estudantes e os intelectuais tiveram um papel
forte.
Foi o que ocorreu na Bahia, com esta política e com a estadia desses comunistas em
Salvador, a organização estudantil mudou drasticamente. Se antes se imitavam as
mobilizações pontuais, neste momento passam a priorizar a formação de quadros para o
partido. Criaram-se então células nas instituições, grupos organizados de estudantes
vinculados ao PCB.
João Falcão lembrou essas mudanças e as localiza justamente na passagem de 1938
para 1939, momento em que a revista Seiva é lançada.

Convivendo com jovens e velhos intelectuais sufocados pela falta e


ambiente para a criação literária, comecei a pensar numa revista. Não
seria nada fácil um empreendimento desse porte, a começar pela
licença para funcionamento do registro no DIP até sua sustentação
financeira. Fui amadurecendo, conversando cm os amigos e
companheiros e, finalmente, levei a idéia a Arruda Câmara. Ele
franziu a testa e comprimido-a com o polegar e indicador da mão

76
esquerda – como era o seu habito – respondeu que era uma grande
iniciativa e que iria submetê-la à direção do Partido.130

Fica mais uma vez claro neste trecho o papel de Arruda Câmara de intermédio entre
os estudantes e os novos militantes e a direção do Partido. Talvez devido à sua idade e ao
tempo no Partido, ou mesmo por suas habilidades pessoais, Arruda Câmara exerceu um papel
preponderante na formação do que seria mais tarde, em circunstâncias da reorganização do
PCB, chamado de grupo baiano.
Contudo, outras coisas chamam a atenção. A primeira delas é um indício do papel do
intelectual frente à conjuntura de uma ditadura tão ferrenha. E juntamente com ela, a
importância de uma revista, um órgão, mesmo que não oficial, de comunicação, formação e
aglutinação dos intelectuais. Ana Paula Palamartchuk, já tratou desse assunto ao analisar as
editoras vinculadas ao PCB nas décadas de 1920-30. Em sua dissertação Palamartchuk
escreve sobre como os intelectuais viam o seu papel frente à sociedade; ela analisa a revista
Clarté, mas as conclusões que chega podem ser generalizadas para a visão dos intelectuais
brasileiros, dos anos 20 e 30 do século XX:

Mais que um povo miserável, explorado e oprimido, estas definições


também o qualificam como ignorantes até de si mesmo. Desta forma,
justifica-se a necessidade de organização dos “intelectuais”, são eles
que, imbuídos da ciência, podem elaborar as propostas, as
reivindicações e até um projeto de sociedade para o pobre povo bruto
e ignorante. (...) Esta lógica pressupõe o papel do intelectual como
educador/civilizador do povo e/ou do trabalhador se forma através de
dois movimentos diferentes, mas não contraditórios. O primeiro deles
tem a ver com o status que a União Soviética ganha na revista [Clarté]
e, ao mesmo tempo, que visão os clartistas elaboram sobre ela. E o
segundo relaciona-se as características que grande parte dos
intelectuais do Brasil assumiram para si.131

Não diferente, os intelectuais da Seiva pensavam ser necessária a criação de um


espaço/instrumento de organização dos intelectuais frente ao crescente fascismo.
Os primeiros passos para o que será a Seiva, são dados na Faculdade de Ciências
Jurídicas e Sociais da Bahia. Nesta estudavam Aristeu Nogueira, Armênio Guedes, João
Falcão e Jacob Gorender, entre outros militantes comunistas. Foi, a partir dessa célula que o

130
FALCÃO, João. 1988. O Partido Comunista que eu Conheci (20 anos de clandestinidade). Rio de Janeiro,
Civlização Brasileira. Pp. 47-48.
131
PALAMARTCHUK, Ana Paula. 1997. Ser intelectual comunista: escritores brasileiros e o comunismo,
1920-1945. Dissertação (Mestrado em História), Campinas, UNICAMP. Pp. 25-6.
77
grupo de intelectuais que ficou conhecido nos anos 1940 por grupo Baiano, surgiu. A história
que estou contando passa especialmente por esta célula. João Falcão nos conta como se deu
seu ingresso nesta:

Março, 5, 1938. Às oito da noite eu estava defronte ao Palácio da


Assembléia Legislativa, no Campo Grande, em Salvador, onde havia
marcado encontro com Arruda Câmara. Chegando em seguida, sem
parar, ele me segurou fortemente pelo braço e formos andando
depressa em direção à rua Banco dos Ingleses, que ficava do outro
lado da praça. Paramos num casarão antigo. Ao pé da escada, que
dava acesso ao pavimento superior, havia uma porta por onde
entramos, sem bater, para o subsolo. Na sala encontrava-se um jovem
estudante de direito, já meu conhecido. Magro, alto, alourado, olhos
azuis, ele aparentava 20 ano. Seu nome era Armênio Guedes. Falando
formalmente, Arruda disse-lhe que eu havia aceito o convite para
ingressar nas fileiras do Partido e que seria ligado ao trabalho na
Faculdade de Direito. Deu instruções para ele apresentar-se aos
companheiros e, logo que fosse possível, realizar a primeira reunião
da célula. Combinou que me seriam emprestados alguns livros básicos
para enfronhar-me nos fundamentos teóricos do Partido Comunista e
de teoria marxista. Dito isso, Arruda apertou minha mão e saiu
rapidamente132.

Desta primeira reunião de Falcão nos subsolos da casa dos Guedes, viriam muitas
outras. Este local seria, o que Falcão chamou de uma “Cidadela do PCB”133. Lá moravam
Dona Sinhá e seus onze filhos – todos comunistas, segundo Falcão. Viúva, Dona Sinhá, veio
da Chapada Diamantina, Mucugê, mais precisamente, para Salvador, a fim de garantir a
educação adequada a seus filhos – todos obtiveram título superior. Esta casa era, escreveu
Falcão, “a única casa da Bahia onde se podia professar a ideologia comunista naqueles dias
negros de ditadura e fascismo” 134 e era o local ideal para as reuniões da célula da Faculdade
de Direito.
A trajetória da família Guedes, mereceria um estudo à parte dessa dissertação.
Devido a perseguição à sua intensa participação política, os Guedes sofreram grandes baixas.
João Falcão entrevistou dona Sinhá, que lhe contou um pouco da trajetória de perdas de sua
família:

132
FALCÃO, Op. Cit. P. 39
133
IDEM p. 54.
134
IDEM, p. 55.
78
[A] primeira, Júlia, que cumpriu missão em Moscou e lá, acometida
de grave enfermidade, veio a falecer e foi enterrada, em 1958; depois
seu genro, marido de Júlia, o jornalista Rui Facó, vitima de sabotagem
quando viajava de avião do Chile para o Brasil em missão do Partido,
em 1963; depois Iracema, vítima de terrível desastre automobilístico
no Rio de Janeiro, quando morreu ao lado de Aldeir Paraguassú, sua
prima e esposa de Arruda Câmara. Em seguida falou-me sobre o
martírio de Célio Guedes, torturado e morto a 11 de agosto de 1969 no
2º Distrito Naval do Rio de Janeiro. Seu corpo foi por ela resgatado da
Delegacia de Ordem Política e Social do Rio de Janeiro após 19 dias
na geladeira do necrotério, e enterrado no dia 30 de agosto de 1969 no
Cemitério São João Batista, estando ela acompanhada por sua filha
Dagmar, seu filho mais velho Enéas e seu genro Mauricio Naiberg.
Finalmente, Dagmar, que morreu vitima de câncer.135

Contudo, ela finalizou a entrevista dizendo que a sua maior felicidade foi ter criado
seus filhos como eles são. “sofreram, viveram, morreram alguns. Com tudo isso não me
arrependo. Valeu, João.”
Sétimo filho dessa família, Armênio Guedes desempenhou papel importante para a
consolidação do PCB na Bahia. Armênio e Aristeu desempenhavam um papel interno de
organização do Partido. Diferente de Fernando Sant’Anna, que era uma figura pública do
Partido, especialmente entre os estudantes, Aristeu, Armênio, João e Diógenes trabalhavam
como intelectuais organizadores do partido na Bahia. Diógenes era a ponte principal desse
grupo com os militantes clandestinos na Bahia e com a direção do Partido. Mas os demais
atuavam nos bastidores da formação, junto ao movimento estudantil e intelectual de um grupo
comunista forte e organizado na Bahia.
A célula de Direito surgira no porão da casa dos Guedes, mas sua atuação foi muito
além daquela casa, de sua rua, do Campo Grande e até mesmo da cidade da Bahia. Sua
organização começou pela formação intelectual e ideológica de seus membros. A leitura de
uma bibliografia básica, incluindo Marx e Stalin, era quase que obrigatória. João Falcão
lembrou que ao sair de sua primeira reunião com militantes do PCB, levara consigo livros.
Estes foram: o Manifesto Comunista, de Marx, Fundamentos do Leninismo, Materialismo
Histórico e Materialismo Dialético, de Stalin e ABC do Comunismo, de Bukharin.136
Os encontros da célula ocorreriam quase sempre na casa dos Guedes. Na Faculdade a
atuação ou mesmo aproximação deles teria que ser discreta. A orientação era que eles se
infiltrassem no Centro Acadêmico Rui Barbosa e na Associação Universitária da Bahia –

135
Ibidem, p. 55.
136
FALCÂO, op cit, p. 39.
79
AUB, como elementos de massa. Ou seja, eles não deveriam ser líderes formais do
movimento estudantil, aqueles que seriam presidentes do centro ou mesmo da AUB, caberia a
eles articularem as bases do movimento sem chamarem atenção para si.
Aqui, parece-me fundamental e necessário, diferenciarmos melhor dois perfis de
militantes e duas formas de atuação desses no movimento estudantil e, quiçá, em outros, por
parte do PCB. O primeiro perfil é daquele militante, digamos que, público. Aquele que faz
falas nas assembléias, comícios e manifestações, que é a figura pública da organização, aquele
que tem a sua imagem vinculada ao grupo de que faz parte. Outra seria daqueles que não
aparecem em palanques, mas atuam internamente na organização, organizam o grupo,
discutem a tática política, que fazem o convencimento dos outros de forma mais
individualizada, um a um. Os dois têm papel fundamental e complementar numa organização,
especialmente, clandestina. Perece-me ainda que estes dois perfis de militantes, de intelectuais
podem ser encontrados entre os jovens aqui estudados.
O primeiro deles pode ser encontrado no perfil de Fernando Sant’Anna. Uma figura
carismática, boa pinta, um jovem que arrancava suspiros das moças com seus largos passos de
danças nos clubes e salões da cidade. Um camarada de todos, que passava noites em festas e
que amanhecia cercado de colegas e de belas moças na distante e bela praia de Itapuã, como
lembrou em entrevista a Antonio Risério:
O ingresso de Fernando Sant’Anna no PCB, assim como de boa parte dos comunistas
baianos que teriam projeção nas décadas de 1940 e 50, foi através do Movimento Estudantil e,
especialmente no caso dele, da boemia. Eram nas faculdades e nas escolas que as células
comunistas eram instaladas. No tocante ao Movimento Estudantil, Fernando foi um líder
exemplar. Nele encontravam-se as qualidades fundamentais: dono de uma oratória
tipicamente baiana e cativante, de elegância e sedução, o que era sempre comprovado nos
bailes em que participava.
Contudo, a atuação desses indivíduos “públicos” do Partido, não necessariamente
fazia parte dos espaços de decisão do mesmo. Fernando mesmo lembra que fora informado
pelo Partido de sua candidatura para Deputado Federal em 1958. Ele fala que embora fosse do
Diretório Estadual do Partido, ele não freqüentava as reuniões, e que nesta onde se decidiu por
sua candidatura, ele sequer fora convidado. O que demonstra que a hipótese dos perfis está
correta. Ou seja, existiam dois tipos de intelectuais do Partido, Fernando seria, então, um dos
militantes públicos que tinham o papel de cativas “as massas” ao Partido. Enquanto, outros se
dedicavam às tarefas político-programática do mesmo. Sobre, propriamente, a militância de

80
Fernando, Aristeu Nogueira falou a Antônio Risério que, nunca o vira como um militante mas
como um companheiro. Afirmou Aristeu:

Fernando nunca foi um profissional do Partido. (...) Atuação política


mesmo, juntamente com o Fernando, eu quase não tive. Fui muito
pouca, quase nenhuma. Não tínhamos uma atividade política ligada ao
trabalho prático, ligada diretamente à militância. Eu o procurava mais
por outra coisa. Procurava porque ele era comunista e era contribuinte
do Partido. Então, de vez em quando, eu ia até ele. Mas, quase
sempre, para pegar algum dinheiro para o Partido.137

Não me parece que estes “papéis” eram nítidos aos indivíduos durante o processo,
muito menos que fora anteriormente arquitetada. Parece-me que pelas afinidades e
compromissos individuais, pelos caminhos que cada um construiu para o comunismo, que
esse processo se deu.
Então, como seriam os outros intelectuais do partido, aqueles dedicados ao trabalho
interno, político e programático do mesmo? A atuação de Aristeu Nogueira, Armênio Guedes,
Diógenes Arruda Câmara, Mário Alves e João Falcão no PCB, era muito mais interna. Isso
não quer dizer que estes não fizessem discursos e/ou assumissem cargos e funções nas
organizações que participavam. João Falcão, nos fala dessa dinâmica ao lembrar-se das
recomendações que lhe foram dadas quando ingressou nos espaços mais clandestinos do
Partido:

Foi-me explicado que o nosso trabalho era realizado e duas frentes: a


legal e a ilegal. Era preciso saber combiná-lo bem para não cometer
erros, que poderíamos ser fatais. Não contundi-las. O trabalho legal
era o trabalho junto às massas, nas organizações existentes. O trabalho
ilegal era o trabalho clandestino, da atividade partidária e do
funcionamento do Partido. Ainda como tarefa eu devia ler os livros
que me foram emprestados e depois passá-los aos novos
companheiros. (...) Da reunião sai sem saber qual a função dos dois
colegas (Armênio Guedes e Aristeu Nogueira) no Partido. É que o
trabalho ilegal e conspirativo tinha por principio básico ninguém saber
além do que era necessário às suas próprias tarefas. Foi-me
recomendado, também, não me aproximar deles na Faculdade, a não
ser em função do trabalho. Os problemas do Partido só seriam
discutidos nas reuniões do Partido.138

137
NOGUEIRA, Aristeu apud, RISÉRIO, Op Cit, P. 269.
138
FALCÃO, Op Cit. P. 41.
81
Foi desse grupo mais dedicado às tarefas internas do Partido que a Seiva surgiu.
Participava desse grupo, além de Diógenes Arruda Câmara, os três estudantes de Direito que
formavam a Célula da Faculdade, Aristeu Nogueira, Armênio Guedes e João Falcão. A este
grupo seria incluído, já quando Aristeu e Armênio estavam por se formar, Jacob Gorender,
vindo do movimento estudantil do Ginásio da Bahia e ingressante em Direito.
Um dos atos mais significativos desenvolvidos pelos comunistas baianos dessa
geração ocorreu no Primeiro de maio de 1939. O Dia do Trabalho era um grande
acontecimento no Estado Novo. Grandes passeatas e desfiles eram comuns nesse dia.
Trabalhadores e estudantes saíam às ruas e carregavam flâmulas com imagens dos
governantes e políticos da época. Faixas com palavras de ordens, com elogios ao Presidente
Vargas e a sua política populista para os trabalhadores era comuns.

Em salvador, como em todo Brasil, o 1º de Maio foi uma festa


organizada pelo governo ditatorial e pelos pelegos sindicais. Retratos
de Vargas, carregados pelos trabalhadores, desfilando aos milhares
pelas ruas, e jogos de futebol à tarde, com os portões abertos a todo o
povo, eram os principais atos das comemorações. Nada de
reivindicações contra a guerra e pela paz, um sentimento comum a
toda humanidade, mais preocupada com o novo conflito mundial que
parecia inevitável e iminente.139

Num evento desses o PCB não poderia deixar de atuar com o intuito de conscientizar
os trabalhadores para as suas condições de trabalho, vida e, sobretudo, dos riscos que corria a
humanidade com o conflito iminente. Assim, para motivarem a necessidade de os acordarem
para a realidade e fazer-los perceber que o PCB e a revolução eram os únicos caminhos para a
construção de um governo, verdadeiramente dos trabalhadores, os jovens comunistas das
células de Direito, Medicina e de Engenharia e os envolvidos na revista Seiva, organizaram
sua participação nos festejos, não para festejá-los. Mas como fazer tal empreitada estando na
clandestinidade absoluta?
O PCB preparou bandeiras vermelhas de 60 por 80 cm com frases curtas e incisivas,
a exemplo: “Viva o 1º de Maio”, “Abaixo o Estado Novo”, “Abaixo o Fascismo”, “Abaixo a
Guerra”, “Liberdade para Prestes”140. Estas bandeirinhas vermelhas com as mensagens em
preto seriam penduradas através de um dispositivo que as prendesse, na fiação elétrica.

139
Idem, p. 60.
140
Ibidem
82
Organizaram-se em três grupos. Um liderado por João Falcão, outro por Milton
Caires de Brito e outro por Aristeu Nogueira. Foram dadas armas para que estes pudessem
fugir de qualquer ação fortuita de policiais do DOPS ou quaisquer outras surpresas. A ação
teria que ser rápida e silenciosa. Ela teria que ser na madrugada da terça 30 de abril para a
quarta de 1º de maio de 1939. De forma que ninguém as visse antes do amanhecer e do
desfile, além de fazer com que o trabalho que o corpo de bombeiros teria para retirá-las fosse
árduo e demorado.
A ação estudantil vinculada ao PCB se fortalecia cada vez mais com a urgência das
mobilizações contra a iminente guerra e o fascismo/integralismo. E foi com esse espírito que a
Jazz Acadêmico foi reorganizada pela AUB. Tratava-se de uma banda musical composta por
estudantes com o intuito de diverti-los. Contudo, “o Partido via nessa atividade uma nova
forma de trabalho e de atração da juventude estudantil para a sua entidade representativa”141.
Em sua primeira formação a Jazz contou com a participação de estudantes
vinculados e próximos aos PCB, porém com discrição para não chamarem muita atenção.
Fizeram parte dessa primeira formação:

José Guerra, sextanista de Medicina, excelente baixo e cantor lírico,


pianista; Raimundo Martins Agra, estudante da Escola de Comércio,
segundo pianista, tocava atabaque,; Raimundo Wanderley,
vestibulando, o baterista; Antonio Jorge de Almeida, estudante de
Medicina, tocava violino e era crooner; Rudy Zollinger, estudante de
Eletro-mecânica, contra-baixo; Eliseu Costa, vestibulando, violino;
Washington e Álvaro Lima, estudantes do comércio, saxofone; Álvaro
Correa, secundarista, piston; Ocridalino (Lon), no trombone de vara e
Osvaldo Conrado, estudante de Medicina, pandeiro. Depois figuravam
na Jazz, Nilton Vieira Lima e José Guilherme de Macedo Filho, na
bateria, Adalberto, no saxofone, Zeca, no piston e João Guerra, no
pandeiro.142

Nas noites de bailes, os estudantes baianos passavam a ter a Jazz para lhes animar.
Fernando Sant’Anna teve um papel importante nesse momento. É aqui que ele se desponta no
movimento estudantil, por sua oratória, e nos salões por seus passos “engraçados”. Seu papel
era ensinar aos demais os passos das músicas que estavam sendo executadas. Muitas delas
novas. A essa relação de Fernando com a dança e a oratória, Risério chamou de, “dupla
militância”. Uma militância artístico-cultural, onde ele exercia o papel de agitador cultural, e

141
Ibidem p. 61
142
Ibidem p. 62
83
a militância interna no Partido, essa, como já disse mais voltada aos espaços públicos e pouco
dedicada aos afazeres internos, político-programáticos.
O papel da Jazz ia além da atração de estudantes para a AUB. Talvez, nem o Partido
tivesse noção do papel que este iria desempenhar mais à frente. Atrás dos smokings, dos
rapazes bem afeiçoados, da música e dos largos passos de Fernando Sant’Anna e de Lourival
Baptista no salão, escondia-se um dos instrumentos mais úteis utilizados pelo PCB para
contatar militante no Nordeste. Em 1940 a Jazz saiu da Bahia em excursão para o Rio de
Janeiro e depois por vários estados do Nordeste (Alagoas, Pernambuco, Rio Grande do Norte
e Paraíba). Aproveitava-se estas viagens para a realização de reuniões com estudantes e
militantes locais, pegar e distribuir panfletos, correspondências, jornais etc. O método foi bem
simples e engenhoso. O maior problema era como fazê-los sem levantar suspeitas. Ainda mais
em pleno Estado Novo e num clima de tensão causada por constantes suspeitas de
conspirações etc. fizeram tal empreitada...

Organizando uma caravana lítero-musical. Com a Jazz Acadêmica, é


claro. “com antecedência de mais de um mês, escrevemos aos
prefeitos e interventores [do Estado Novo] comunicando nosso desejo
de visitar aquela cidade e pedindo apoio para esse salutar intercambio
estudantil e cultural”, relembra Falcão. O apoio veio. E a excursão
começou. Um sucesso. A Jazz Acadêmica empolgava. Em cada
cidade, os estudantes baianos eram recebidos pelas autoridades locais,
tinham carros oficiais a sua disposição, etc. No Recife, encontraram
abertas as portas do Palácio. O que os representantes da ditadura do
Estado Novo não sabiam era que, na parte do dia, antes das
apresentações noturnas da Jazz Acadêmica, João Falcão entrava em
contato com os comunistas do lugar, que andavam isolados, com a
desarticulação nacional do Partido. Ou seja: ao patrocinar a excursão
estudantil baiana, o Estado Novo estava patrocinando,
involuntariamente, um esforço de reorganização do PCB...143

Acredito que a Jazz Acadêmico teve papel muito importante na reorganização do


PCB. Seu papel vai além da rearticulação e reaproximação dos militantes do Partido pelo
Nordeste, mas, também, no sentido de formar nestes jovens a percepção da importância da
cultura, da arte, do lúdico na formação intelectual e política. A Jazz foi uma das muitas
iniciativas de intelectuais do PCB em “conscientizarem” o povo pela arte e pela cultura.
Nesta mesma época, em Irará, Aristeu Nogueira organizava o Centro de Diversão e
Cultura – CDC, com o intuito de promover iniciativas culturais para a população de seu

143
RISÉRIO, op cit. P. 128.
84
município. Recém formado em Direito, Aristeu voltou a sua terra natal em 1939 para
trabalhar como agente de recenseamento. São dessa época os seus diários, ou melhor, suas
cadernetas de anotações e pesquisa. Três chegaram até hoje, mas tudo indica que eram muitas
outras – que não sobreviveram às prisões, vistorias e outras iniciativas violentas da polícia das
ditaduras Vargas (1937-45) e Militar (1964-85, especialmente até 1978). Neles, encontramos
um jovem preocupado com a história de seu povo. São, na sua maioria, transcrições de
entrevistas com pessoas da roça que contam o que sabem sobre a origem de suas localidades,
sobre o motivo do nome da mesma, sobre as famílias mais antigas, sobre a posse da terra e as
lutas por sua manutenção144. Mas encontramos também, planos de estudos sobre os
movimentos de Independência da Bahia (1823) e sobre lutas de escravos (1711)145.
É dessa época a peça de tetro de Ubaldino de Almeida, “Irará em Revista”. Nesta,
Ubaldino, boticário prático e entusiasta cultural, faz a cidade e sua população apresentar-se a
um Agente de Estatística. Numa típica encenação do teatro de revista, onde as ruas, praças e
monumentos são dotados de vida. Este agente, interpretado pelo professor Arthur Oliveira,
segue conhecendo a cidade com um olhar de curiosidade até que ele conhece o “Filho da
Cidade”, interpretado por Vilobaldo Silva. Ser místico, que segue apresentando a cidade ao
viajante ao mesmo tempo em que a vai descobrindo.
Aristeu Nogueira foi contra-regra dessa peça, e parece-me que foi em algum nível,
um dos inspiradores para a construção dos dois personagens principais dela – o Agente de
Estatística e o Filho da Cidade. Ubaldino de Almeida – pai de Odete de Almeida, militante
comunista nos anos 1930 e primeira esposa de Aristeu Nogueira (nesta época estavam
casados) – pelo que dizem os registros, não fora militante do PCB, mas conviveu de perto
com muitos deles, a exemplo de sua filha, seu genro e de seu parceiro nesta peça, o maestro
Almiro Oliveira.
Roberto Martins dos Santos, um dos poucos a estudar o CDC e Aristeu Nogueira146,
defende em sua monografia que a atuação político-artística de Aristeu Nogueira está
vinculada ao surgimento dentro do PCB de uma percepção de que a via cultural poderia ser o
caminho para a conscientização do povo, das massas. Santos, identifica nesses movimentos
culturais organizados pelos comunistas baianos o germe inicial do que serão os Centros

144
BR-UEFS-LABELU-ARN-DIÁRIO-1.
145
BR-UEFS-LABELU-ARN-DiÁRIO-3. Pode-se encontra nas publicações da revista Seiva (BR-UEFS-
LABELU-ARN-RF-SEIVA-I2-Jan39 e BR-UEFS-LABELU-ARN-RF-SEIVA-I4-Mai39, UEFS, Feira de
Santana) e dos Jornais O Momento (BPEB – Setor de Periódicos, Salvador, Bahia) e A Flâmula (Acervo
Privado, Feira de Santana, Bahia) os resultados dessas pesquisas.
146
SANTOS, M. R. M. dos. 2007. Aristeu Nogueira: a militância política e cultural de um comunista.
(monografia). Salvador, FACOM-UFBA
85
Populares de Cultura – CPC, organizados pela a União Nacional de Estudantes – UNE, no
intervalo democrático (1945-64). Seguindo o pensamento de Santos, a Jazz Acadêmico, o
CDC, a Academia dos Rebeldes, a Associação Brasileira de Escritores etc., seriam os
primeiros passos para um envolvimento e uma política voltada para a cultura por parte do
PCB.
Fica evidente que os anos 1930 o PCB dá uma guinada de reaproximação com os
intelectuais, muito rechaçados do Partido nos anos 20, quando da política de proletarização.
Esta mudança seria, em certa medida, devido à tese de União Nacional a que o Partido adere
nos finais de 1930 e início de 1940. Neste novo lugar para os intelectuais no PCB, eles seriam
os seus principais agentes no processo de atração e de união de classes para a construção de
um governo nacional-democrático e que poderia se encaminhar para o socialismo. A revista
Seiva seria então, uma primeira iniciativa dessa atuação de intelectuais vinculados ao PCB.

86
CAPÍTULO III

Entre tipos e graxas:


A Seiva e a guerra contra o Fascismo e o Integralismo.

Vozes do Mundo

Eu olho a vida com tristeza As mulheres estão chorando,


Eu ouça o côro de vozes angustiadas E as creanças morrem no meio da rua
Vindas de todos os recantos da Terra. Sob o estampido de bombas mortaes.
Da Europa, escuto através dos mares, A Africa, terra martir,
O estrondo de canhões assassinos. Tem os seus filhos escravisados
Sinto Á tiranía das Potencias.
O cheiro da pólvora que arde nos campos de Eles vão morrer nos campos da Europa
batalha. Em defêsa dos opressores de sua patria.
Vejo America, terra jovem,
Uma coorte infinita de homens que em passos Tambem aqui eu sinto a escravidão humana.
cadenciados Vejo
Vão marchando em caminho da morte coletiva, Os milhões de seres desgraçados,
Sob os aplausos da multidão enlouquecida. Multidões famintas e doentes,
Vejo Homens que nascem e morrem sem ter sentido a
Os navios como ataúdes enormes Vida.
E parece o oceano imenso tumulo Ouço
Recebendo os corpos atléticos dos seus filhos, O côro de vozes angustiadas
Os marinheiros intrépidos, Dos que trabalham e não têm pão,
Depois... eu vejo a terra coberta de sangue, Dos miseráveis sem této e sem lar,
E os homens cobertos de luto. Dos criminosos carpindo uma culpa que não é
Ouço sua,
O grito das creanças sob o estampido de Das mulheres levadas á prostituição,
bombas mortais, Dos que vivem dentro das prisões
O choro das mães, das esposas, das viúvas, Porque acreditam num ideal de redenção
A voz dos loucos, dos famintos, dos inválidos, humana.
E o surdo gemido de todos os moribundos.
Eu olho a vida com tristeza. De todos os recantos do mundo,
Eu ouço o côro de vozes angustiadas Eu ouço o côro de vozes angustiadas.
Vindas de todos os recantos da Terra.
Os homens estão cegos
Na Asia, E não vêm a Vida.
Tambem o ar tem cheiro de pólvora Seguem oprimidos, matando, destruindo
E a terra tem cheiro de sangue. O que as próprias mãos crearam.
Os hmens não estão em casa, Até quando lutarão assim os homens?

Manoel Caetano Filho1

1
CAETANO FILHO, Manoel. Vozes do Mundo. In SEIVA, Ano II, Nº 8 (dezembro de 1940) BR-UEFS-
LABELU-RF-SEIVA:II:8
1. Uma mensagem à inteligência da América: Nasce a Seiva.

Em um clima de aproximação do Partido com os intelectuais e tendo a iminência de


uma guerra de alcance mundial, onde estava em jogo muito mais que territórios e interesses
econômicos, disputavam-se uma ordem para o mundo; foi nesse ambiente que a revista Seiva
foi criada. A idéia surgira de João Falcão, então estudante de Direito e recém ingresso no
Partido, João, pensava numa revista em que intelectuais do, ou próximos ao PCB, pudessem
expressar suas opiniões e, de certa forma, agruparem-se. Seria um lugar de expressão para os
intelectuais, num clima tão sufocado pela censura e pelas desconfianças típicas dos períodos
de guerra e de embates políticos, como era o caso entre os liberais, os comunistas e os
integralistas.
Com essa idéia, João procurou Arruda Câmara, o qual ficou de levá-la para a direção
do Partido.

Não passou uma semana e veio a definição do Partido: - Sim, vamos


fazê-la, e logo. Foi convocada uma reunião para discutir o assunto no
dia seguinte, na casa do Guedes. Lá estavam Armênio, Arruda, um
novo companheiro chamado Rui Facó, jornalista e bacharelando em
Direito, e eu. A discussão foi longa e obedeceu a uma ordem do dia
proposta por Arruda e aprovada com algumas sugestões dos demais.
Os itens eram objetivos e tinham caráter imediatista. Minha impressão
foi a de que a idéia ia ao encontro de um desejo do Partido. Era um
assunto pensado, já devia estar amadurecido, pois as deliberações
tomadas foram definitivas e para pronta execução. Confesso que me
surpreendeu a importância política que os companheiros atribuíram à
revista. Segundo eles, a revista devia expressar o pensamento d
movimento democrático e antifascista na Bahia e no Brasil. Devia
exercer um papel aglutinador da intelectualidade brasileira e, se
possível, procurar atingir os intelectuais da América. Será a primeira
publicação antifascista de caráter nacional dirigida pelo Partido.
Através dela, seria divulgada a sua linha política.148

148
FALCÃO, João. 1988. O Partido Comunista que Eu Conheci (20 anos de clandestinidade). Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira. P.48.
88
E foi o que de fato a Seiva se tornou: uma aglutinadora de intelectuais antifascistas
(comunistas ou não) e, ao mesmo tempo, porta-voz da linha política do PCB. Linha esta que
via nos intelectuais o meio de disputar espaços e de vencer os integralistas, ao passo em que
via a necessidade de politizar o debate sobre tais assuntos com o proletariado,
conscientizando-o de seu papel na disputa de forças da época.
Os passos para a formação da revista começaram a ser tomados. O primeiro deles, e
talvez o mais difícil, seria o seu registro no DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda.
Para que isso ocorresse, obviamente, a revista não poderia ser registrada em nome de um
partido clandestino. Seria então preciso dar-lhe uma feição legal. Escolheu-se que ela seria
uma revista literária e que em sua direção não haveria nenhum nome conhecido do Partido,
nem de nenhum militante dos movimentos democráticos e anti-integralistas.
Coube a João convidar colegas que não faziam parte do Partido e que não fossem
conhecidamente anti-integralistas para formarem a direção da revista. Ele nos conta:

Reuni logo que pude um grupo de colegas e de literários jovens para


apresentar a idéia, que foi aprovada com entusiasmo por Emo Duarte
– que já era escritor e colaborador de alguns jornais da região
cacaueira –, por Virgildal Sena e Eduardo Guimarães, vestibulandos
de Direito, que aceitaram o compromisso de editá-la e de dividir
comigo o trabalho e dos encargos para a sua manutenção.149

Tomaram as medidas necessárias para a viabilização da revista – que teria sua


redação instalada na casa de João Falcão –, escolheu-se o nome. Arruda sugeriu o nome
Seiva, devido a ter existido no início do século de uma revista com esse nome. “Seiva
significa energia e vitalidade, é a sustância nutritiva que as raízes absorvem do seio da terra
para a sua sobrevivência” 150. Falcão lembra que para tornar viável a revista, esta foi blindada
sobre qualquer suspeita que a vinculasse com o Partido Comunista. Assim, os próprios
diretores: Emo Duarte, Virgildal Sena e Eduardo Guimarães, nada podiam saber sobre a
participação do PCB na revista.

Os diretores seguiam sem saber que havia algo muito confidencial e


secreto atrás de tudo aquilo. Isso poderia parecer uma deslealdade,

149
Idem, 49.
150
Ibdem.
94
concordo. Mas as circunstâncias exigiam que fosse assim e a
grandiosidade da causa me absorvia desse pecado.151

Foi graças a essa blindagem que a Seiva pode chegar às bancas e ser registrada no
DIP e sem grandes problemas, passar pela censura. A maioria das matérias chegavam pelas
mãos de Arruda Câmara e Armênio Guedes. Elas eram de autoria de intelectuais de várias
partes do país, em sua maioria do Nordeste – a princípio. Os autores mais conhecidos ou mais
publicamente ligados ao PCB ou às causas democráticas ou anti-integralista tinham suas
matérias publicadas com pseudônimos.
Assim, as matérias assinadas por Carlos de Melo e Ives Peçanha são de autoria de
Armênio Guedes; por Clovis Camarão e Carlos Coutinho, são de Clóvis Caldeira; por João
Nitão, Nicolau Paraguassu e Moaci Ferreira, são de Diógenes Arruda Câmara; por Antonio B.
Dias e João Maia, são de João Falcão; Marcos Pimenta são de Carlos Lacerda; Américo
Albuquerque são de Eduardo Maffei; Luiz Bastos são de Leôncio Basbaum.152
Afora estes intelectuais vinculados ao PCB, outros apenas imbuídos de sentimentos
democráticos e/ou antifascistas mandavam textos à Seiva. A revista então passou a contar
com correspondentes no Rio de Janeiro (Jaime Amado), em Pernambuco (Paulo Cavalcanti),
Rio Grande do Norte (Djalma Maranhão), Pará (Mário Couto), em Minas (Otávio Dias Leite),
São Paulo, Espírito Santo, Ceará, Paraíba, Alagoas e Sergipe153. Formou-se então uma teia de
contatos com intelectuais democratas e antifascistas, anti-integralistas que passavam dos
limites do país. Isso ajudava muito, de certa maneira, a distribuir e ampliar o alcance da
revista.
Desde o princípio a Seiva foi ambiciosa. Já na capa de sua primeira edição – o que se
manteria por toda a publicação – ela trazia estampado o slogan: “SEIVA: mensagem aos
intelectuais da America”. Este slogan marca a intenção de seus editores e, de certa medida,
sem que todos soubessem, do Partido Comunista do Brasil, de que esta revista fosse a porta
voz e o fator aglutinador dos intelectuais brasileiros e latino-americanos.
Na análise de seu primeiro número, outras informações nos surgem. A primeira delas
é em relação à periodicidade desejada. Na capa vem estampado: “REVISTA MENSAL”, o
que na prática se mostrou inviável. Outra informação está relacionada à manutenção da
Revista. Em suas páginas encontramos propagandas que vão desde “Myrta S.A. – Produtos

151
Ibidem.
152
Ver em anexo o catálogo da revista Seiva e a listagem completa de autores e seus pseudônimos.
153
. FALCÃO, João. 2008. A História da Revista Seiva (primeira revista do Partido Comunista do Brasil –
PCB). Salvador, Ponto & Virgula Publicações. P. 9.
95
elagantes”, ou da “The Caloric Company – productos de petrólio” e “Motocicleta Mündapp”
até a propaganda de uma série de revistas, às quais muito provavelmente não contribuíam
economicamente com a revista. A exemplo: “Cultura” – revista de São Paulo, “Diretrizes”,
“Universidade” – boletim cultural, “Esfera” – revista de artes, letras e ciências. Porém, a
parceria e os vínculos com outras revistas fortaleciam a Seiva, divulgavam-na, e
proporcionava contatos e novos autores etc.
Orlando Gomes, “jovem professor de Direito (...), pensador de esquerda, que tinha
sido preso no golpe de estado de novembro de 1937, quando foi instalada a ditadura do
154
Estado Novo” , abriu a primeira edição da Seiva com uma matéria intitulada:
“Fundamentos da Autoridade”. Neste texto, o jovem professor escreve que: ”A idéia de
autoridade emana da necessidade de ordem que os homens sentem para realiza seu destino,
como animal gregário. Não deve, pois, ir alem deste justo limite155.” Neste texto, o professor
defende que a autoridade que não possui adesão popular – que para ele era o caso dos regimes
fascistas da Alemanha e Itália –, não seria autoridade e sim, dominação. Ele continua seu
argumento escrevendo:

O seu fundamento é artificial, porque se apóia na força das armas e no


servilismo das consciências. Mas, por isto mesmo, é precária por
natureza e essência. A dominação pode ser manter por algum tempo,
porque os campos de concentração e o óleo de rícino são ainda um
argumento.
Mas, não é esta a verdadeira e legitima autoridade. Esta só se justifica
quando cercada do prestigio moral, que só a preservação das
liberdades publicas lhe empresta.156

João Falcão publicou um ensaio literário, intitulado: “Eu vi no Campo”, onde ele
trata das condições de trabalho dos camponeses. Ele mesmo admitiria que o texto “era um
pouco bisonho” e que o mesmo teria sido vetado por Câmara Arruda, mas que ele (Falcão) o
publicou mesmo assim para se afirmar enquanto diretor da Revista.157

154
Idem 13
155
BR-UEFS-LABELU-RF-SEIVA.I.1.3 (GOMES, Orlando. Fundamentos da Autoridade. Revista SEIVA, Ano
I, nº1 (Bahia-Brasil, Dezembro de 1938), página 3).
156
Idem. Resolvemos manter a ortografia utilizada na fonte. Portanto, o que nos parece hoje como erros de
pontuação, acentuação e ortografia de algumas palavras, eram, no período que estas foram escritas, a forma
corrente.
157
FALCÃO, João. 1988. O Partido Comunista que eu conheci (20 anos de Clandestinidade). Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira. P. 51.
96
Ainda nesse primeiro número, Leoncio Basbaum, como o pseudônimo de Luiz
Bastos, publicou o texto “A Filosofia e a História”158, no qual analisa o crescente interesse da
juventude pela filosofia e por sua história. Neste, o autor defende o materialismo como
método mais eficaz para uma história da filosofia. Defendendo a necessidade de sua
reutilização, uma vez que ele defende que fora esquecido. Chega a escrever que:

para os estudiosos que daqui a cem anos examinar a Filosofia dos dois
primeiros quartéis do século XX, não será um misterioa razão pela
qual o materialismo foi completamente expurgado da Filosofia oficial
do tempo, para ser substituído por um triste e desolador
159
misticismo .

Ainda participaram dessa edição Afrânio Coutinho, Alfio Ponzi, Alves Ribeiro,
Américo Albuquerque (Eduardo Maffei), Antonio Osmar Gomes, Azevedo Marques, Barreto
de Araujo, Carlos Garcia, Emo Duarte, Humberto Bastos, Marcos Pimenta (Carlos Lacerda),
Orlando Gomes, Paulo Cavalcante, Paulo Palatnick, Rodrigues de Miranda, Sodré Vianna,
Sosigenes Costa e Walter da Silveira160.
A Seiva foi bem recebida pelo público, especialmente pela intelectualidade baiana.
Falcão lembra que o chefe da censura, Dr. Enéas Torreão Costa, tinha aprovado pessoalmente
os textos da revista. E a revista mereceu uma matéria no Jornal A Tarde, um dos mais
importantes da Bahia, na época e ainda hoje.

Seiva é o seu nome. Sem se propor a defender um círculo restrito de


convicções, acolhe nas suas colunas as esperanças de moços voltados
para a causa publica, todos imbuídos de uma grande vontade de
servirem à coletividades, discutindo temas e teses de doutrina política
sem eiva partidária. Vale como um esforço e a afirmação de ainda não
se degradou a mocidade estudiosa, que se sente bastante forte para
pensar e discutir cheia de fé no futuro da nacionalidade. É um elo do
pensamento nacional, cujos esforços serão fecundos para que
161
possamos aprender e compreender a lição que vivemos .

158
BR-UEFS-LABELU-RF-SEIVA.I.1.18 (BASTOS, Luiz (BASBAUM, Leôncio). A Filosofia e a História.
Revista SEIVA, Ano I, Nº1 (Bahia-Brasil, dezembro de 1938), página 18).
159
Idem.
160
BR-UEFS-LABELU-RF-SEIVA.I.1.1 - CAPA
161
A TARDE apud FALCÃO, João. 1988, op. Cit. 53-4.
97
Esse é o ingresso oficial destes jovens intelectuais no campo intelectual baiano.
Agora deixam de ser meros estudantes que organizam comícios, palestras e etc., torna-se
noviços de um campo com regras de conduta (invisíveis), mas muito fortes.
Mas a Seiva e seus jovens intelectuais pretendiam muito mais. A Bahia era muito
pouco! Para derrubar o fascismo, os moços, precisariam articular para além da Bahia. E esse
era seu desejo. A Seiva era, na visão de seus idealizadores, uma mensagem sua aos
intelectuais da América. E nesse primeiro número, a Seiva trazia sua “Mensagem à
Inteligência da América”.
Com esse espírito os jovens personagens dessa história levaram às bancas de revista
sua arma contra o fascismo: A seiva! Esta foi, a porta voz de suas posições e foi a escola de
militância e organização política de muitos deles. Se no início deste trabalho, analisamos o
campo intelectual baiano, isto foi para que pudéssemos entender como, dentro desse campo e
segundo suas regras, um grupo “contra-hegemônico” se formou. É isso que foi a Seiva, uma
tentativa, dentro de uma ordem preestabelecida, com regras normas etc. que se dispôs a
questionar os sentidos, os caminhos (ou melhor, descaminhos) que a humanidade – em suas
palavras – estava por seguir.
Mas o que seria então o comunismo senão o desejo de mudar a ordem
preestabelecida? Pensando assim, os jovens seguiram fazendo seu papel.

2. A Seiva uma trincheira anti-integralista:

A Seiva nasceu então num clima de extrema tensão ideológica. Se de um lado os


comunistas tentavam divulgar suas idéias e, na medida do possível atrair novos militantes
para as suas fileiras, assim também agia o Integralismo e o Nazi-Fascismo. Com a emergência
de um segundo conflito armado de proporções mundiais e com várias inovações bélicas –
tornando o novo confronto uma promessa de derramamento de sangue nunca visto, como de
fato o foi – os intelectuais da Seiva, assim como de outras organizações tomaram as armas.
Muitos o fizeram literalmente, especialmente na França quando fora invadida pelas tropas de
Hitler e Espanha quando fora instalado o regime de Franco. No Brasil e nos países afastados
diretamente dos conflitos couberam outras armas. No caso dos intelectuais a arma foi a que,
talvez, mais lhe convém: o discurso162.

162
. Jacob Goreder, que fora voluntário na Força Expedicionária Brasileira – FEB, e lutou na Itália durante a II
Guerra foi uma exceção dentre os intelectuais da revista Seiva. A maioria de seus camaradas ficaram no Brasil
dedicando-se ao trabalho e militância intelectual.
98
E foi sobre esta égide que a Seiva foi às ruas. O seu objetivo era agrupar os
intelectuais progressistas e anti-integralistas/antifascistas e tentarem a todo o custo alertar a
intelectualidade da América sobre o perigo sedutor do nacionalismo fascista.
Em “Mensagem a Inteligência da América”163, publicada em seu primeiro número, a
Seiva deixa claro essa intenção:

Quando do outro lado do Atlantico o ódio e a discórdia cavam


barreiras profundas entre póvos, SEIVA surge com o propósito de unir
a inteligência de toda a America em um largo abraço de amizade e
compreensão.
A mesma disposição de defender a dignidade do pensamento e a
civilização contra a onda avassaladora do barbarismo solidarisa todos
os intelectuais honestos do universo, especialmente os da America,
reduto invencível de paz, mas que se levantará como um só homen
contra o que ouse desrespeitar o sólo de qualquer das suas livres
nações.
Para essa tarefa de tornar cada vez mais real a cordialidade entre os
povos e resguardar o pensamento humano dos atentados que contra êle
se vão preparando, numa proporção assustadora, urge a união de todo
os homens da America, para onde se volve a cobiça dos imperialismos
expansionistas, união que deve ser começada pelos seus intelectuais,
defensores natos da cultura e do progresso da humanidade.
SEIVA tem, portanto, as suas colunas abertas a todos os escritores da
America que simpatisem com essa orientação e queiram contribuir
com a sua inteligência e a sua bôa vontade para a aproximação de
todas as nações americanos, pelo trabalho sincero e desinteressado de
seus homens de pensamento.
É animada desse espirito que SEIVA dirige a sua mensagem de
simpatia, de admiração e de fraternidade a todos os escritores da
America, até onde possa chegar, mensagem que é um reflexo da
simpatia, da admiração e da fraternidade com que olha e deseja
sempre olhar os póvos a que êles pertence.164

Com o sentimento de solidariedade e união dos intelectuais americanos numa luta


que é, sobretudo, do campo das idéias, a Seiva surgiu. Afora isso, fica nítido, o caráter
humanístico dessa empreitada da Seiva.
Quando anteriormente nessa dissertação dissemos da relação do ideário marxista
com os ideais da Revolução Francesa de 1789, estávamos tratando no campo teórico
justamente de como, aquelas idéias, inquietavam os comunistas, ao mesmo tempo de como
eles percebiam que a Revolução traíra os ideais que a motivaram. Porém, como o advento do
fascismo, os próprios ganhos da Revolução de 1789, aqueles que ainda eram vivos e que
ainda não se perderam numa retórica de acomodação, estavam correndo riscos. Ou seja, a

163
BR-UEFS-LABELU-RF-SEIVA.I.1.18.
164
Idem.
99
própria percepção de universalidade do humano. É esse o âmago da “Mensagem à inteligência
da América”. Quando os autores escreviam sobre o perigo do ódio que cavava barreiras entre
os povos da Europa chegar ao solo americano, solo de nações livres, eles o fazem tendo em
vista a clara correlação dos ideais integralistas com os fascistas. Viam, portanto, os povos
americanos à margem de uma avassaladora onde de ódio.
Essa percepção manteve-se durante pelo menos a primeira temporada da Seiva, de
1938 a 1943. O caráter perigoso do Integralismo sempre foi exposto assim como a sua
correlação com o fascismo. O que é defendido por Eduardo Maffei, como pseudônimo de
Americo Albuquerque, no texto “O ‘Reichinho’ de Santa Catarina”165.
Neste texto ( ‘Reichinho’), o autor trata de como os alemães que migraram para o
Sul do país defendiam e orgulhavam-se de sua superioridade racial frente à população local e
de outros migrantes. O autor relata neste texto uma conversa que teve com um jovem
brasileiro, filho de alemães, de Blumenau acerca de seu sentimento pátrio. Maffei escreveu
que o jovem brasileiro defendia o seu direito em cultivar a nacionalidade de seus pais, mas
quando questionado se os, tchecos, por exemplo, também possuíam esse direito, recebera a
resposta que “os povos da Europa Central seriam os vassalos dos alemães”. Ele reconhece
neste jovem brasileiro, um alemão. Mais ainda, ele percebe o quanto os acontecimentos, as
mudanças ideológicas passadas na Europa, chegavam com força no Brasil; especialmente em
comunidades que tinham um forte laço identitário com os países envolvidos.
Na verdade, o local físico de onde estes indivíduos se encontravam pouco quer dizer
em relação a sua identidade. Mesmo nascido no Brasil e, talvez, nunca tendo ido à Alemanha,
esses jovens são alemães. Entendendo que “nacionalidade é língua, cultura, meios e religião
própria” (como escreveu o autor), a cultura desses jovens brasileiros filhos de alemães, era a
alemã, o que os tornavam: alemães. Toda essa discussão serviu para defender a necessidade
de uma construção ampla de nacionalismo brasileiro. Como escreveu:

Essa é uma face, a face imediata do problema. Entretanto temos o


problema no seu aspecto nacional. Até hoje ficamos no
“porquemeufanismo”. Não havemos raciocinado com a nossa historia
e não havemos dado conciencia nacional ao brasileiro. A imprensa
meteu na cabeça de muita gente que aquela meia dúzia de mulatos
pacholas que nos representaram no campeonato mundial de futeból
fez muita propaganda nossa. Agora fala-se em Carmen Miranda. E a
grande fração alfabetizada de nossa população está absolutamente
certa de que são esses os nossos melhores representantes!... situação

165
BR-UEFS-LABELU-RF-SEIVA.I.5.12-13
100
de calamidade e vergonha! Villas Lobos que foi a Paris para “mostrar
o que fez e não para aprender”, que arrancou na Feira Internacional de
New-York aplausos dignos de um Listz, não é lembrado. Nós ainda
dormimos sobre a banguelice intelectual.

Apesar do olhar elitista desse trecho – o que contradiz outras publicações da Seiva,
especialmente sobre a valorização da cultura afrobrasileira – o autor propõe outra construção
identitária do Brasil. Ele percebe o quanto o país valorizava o que não era seu; ou quando o
fazia, sempre era pela folclorização. Porém seu discurso de valorização do brasileiro seguiu
por um caminho mais ameno. Ele afirma em seu texto, citando Monteiro Lobato, que:

É preciso frizar: o Brasil está no interior, nas serras, onde moureja o


homem abaçanado pelo sól; nos sertões, onde o sertanejo vestido de
couro vaqueja; mas cochilas, onde se domam poldros; por esses
campos rechinantes de carros de boi, nas ermos que sulcam tropas
aligeiradas pelo tilintar do cicerro.166

E o encerra ironicamente, dizendo que este ainda é o Brasil que espera que ainda
avistem o seu “monte Paschoal”. Ou seja, neste texto encontramos duas preocupações. A
primeira delas é referente ao nacionalismo de cunho nazista, identificado por ele nos grupos
de descendentes de alemães do sul e que pode ser generalizado para um grupo maior de
migrantes (japoneses, por exemplo). Ao mesmo tempo em que ele se preocupa com os
caminhos perigosos desse nacionalismo, ele sugere que falta algum tipo de nacionalismo aos
brasileiros. Identificando uma seleção de ídolos nacionais que ele não acha justo. Uma vez
que priorizava os ídolos do esporte aos da arte.
Nesta mesma edição a Seiva publicava uma carta de Clovis Amorim endereçada “aos
rapazes de Seiva”. Na carta, Amorim analisava sua trajetória no campo intelectual baiano e se
questionava de como os intelectuais não conseguiam projeção na mídia da época. Primeiro,
nesta carta ele faz uma caracterização do que seria o “ser” intelectual.

... eu surgia na Bahia e me candidatava a “gênio”, disposto a


conquistar um nome e uma fama. Passei a ser um sujeitinho
complicado, cheio de exquisitices e besteiras, sonhando glorias e
querendo consagração. 167

166
Monteiro Lobato apud Albuquerque, Americo (Eduardo Maffei) in BR-UEFS-LABELU-RF-SEIVA.I.5.12-
13
167
AMORIM, Clovis, Carta aos rapazes de Seiva In SEIVA, Ano I, nº. 5 (Setembro de 1938) – BR-UEFS-
LABELU-RF-SEIVA:I:5 (grifos meus).
101
Neste trecho o autor comprova o que reafirmo anteriormente; ele desnuda o Premium
do ser intelectual na Bahia, ou seja, ser consagrado enquanto homem de letras, ter um nome
que por si só já carrega uma imagem, uma identidade. Características muito parecidas com as
estudadas por Bourdieu168, porém ele vai além; caracteriza os habitus do ser intelectual.

Aprendi, de logo, a fumar charutos, beber cervejas e a descompôr as


santissimas religiosas do mundo, combatendo Deus, dogmas, santos,
princípios, o diabo, no propósito de ter alguns vícios e uma filosofa.
Não se podia compreender um literato sem defeitos morais e sem uma
direção intelectual. Possuindo muita vaidade e já alguma sífilis, eu me
ia tornando importante, notável, vendo as minhas primeiras desgraças
literarias acomodadas em letras de fôrma, a enriquecer as
colaborações do “Cenaculo”, popelucho que se publicava na Ginasio
da Bahia e se via impiedosamente perseguido pelos artigos em inglês
do escritor Tosta Filho.169

Nesta caracterização, uma frase, talvez, resuma todas as outras: “Não se podia
compreender um literato sem defeitos morais e sem uma direção intelectual”. E sem dúvida, o
era. Num ambiente intelectual onde a boemia era quase um pré-requisito para o ingresso e
para o êxito, “desvios” de moral eram algo esperado de um rapaz postulante à fama de
intelectual.
Contudo, o mais importante, por ora, nesta carta é o ressentimento que o autor deixa
transparecer em relação ao campo intelectual. Não sabemos o que o levou a escrever esta
carta, mas sem dúvida ela é a voz de um jovem literato que não conseguira a projeção
esperada ou merecida. Fato que muito o incomodava. Vejamos o que ele escreveu mais:

À moda da epoca, eu alinhavava poemas de “delicioso sabor


modernista”, valendo-se de muita extravagância e muito disparate para
o ser imaginoso e original. (por aquele tempo, a poesia era tudo; hoje,
é só democracia. Comecei poeta; vocês são mais felizes: começam
sociólogos e políticos). Cada poeminha publicado era mais um
encanto na minha vida. Sentia-me bem. O futuro seduzia o “gênio” e
eu animava uma consoladora certeza de vitoria. Cá ao meu modo de
vêr, eu ia ganhando nome, prestigio, provocando sucesso, sempre
atormentado por um delírio de publicidade que é a doença dos
estreantes bisonhos e ingênuos. O “favor do triunfo”, chupado pelo
criado Vitorino do Eça, adoçava tambem a minha boca. E todo
meloso, e todo adocicado, babando-me de satisfação e de entusiasmo,

168
BOURDIEU, Pierre, Campo Intelectual, Campo do Poder e Habitus de Classes in BOURDIEU, Pierre. 1987.
A economia das trocas simbólicas. São Paulo, Perspectiva.
169
AMORIM op Cite.
102
seguia eu os meus rumos, convencido de que já era um bípede
merecedor de admiração e de inveja. Quanto valor! Que magnífico
talento, um Talento com T grande, não tinha a menos duvida!

Nesta descrição sobre o quanto ele se orgulhava de seus predicados literários, outra
frase chama a atenção. Ele diferencia-se dos escritores da Seiva. Para ele, os rapazes da Seiva
são sociólogos e políticos, enquanto ele começara literato. Esta distinção, que às vezes pode
passar despercebida é, sem duvida a denúncia de um novo tipo de intelectual que surgia no
Brasil.
Se até a década de 1930 as revistas de intelectuais eram apenas revistas literárias,
onde jovens intelectuais, preocupados na modernização do estilo literário, publicavam seus
versos e resenhas, a Seiva trazia mais. Nela encontramos críticas literárias e resenhas, mas
encontramos também, comentários políticos e econômicos, notícias sobre a guerra,
posicionamentos políticos e sociais. Podemos vê-la, portanto, como uma nova categoria de
revista literária. Uma categoria de revista sociológica.
Ana Paula Palamartchuk ao estudar o intelectual comunista, analisou esses tipos de
revista no Brasil. Ela apontou algumas iniciativas nas décadas de 1920 e 1930, especialmente
a revista Clarté: revista de Sciências Sociais. Orgam do Grupo Clarté, publicada no Rio de
Janeiro e em São Paulo em 1921. Esta revista estava vinculada a um movimento internacional
de intelectuais, pela paz, e tinha sua inspiração no Group Clarté. Ou seja, assim como muda o
“estilo” das revistas, tornando-as mais engajadas socialmente, estas mudanças também são
relativas ao perfil do intelectual que estava em mutação. Dessa forma, a Internacional do
Pensamento, trazia para o campo intelectual a organização política. Acabava com qualquer
aparente flutuação de classes que a categoria dos intelectuais pudesse gozar, para chamá-los
ao chão, à realidade, à luta.
Com esse intuito, surgiu a Clarté na França em 1916. Esta estava intimamente
vinculada à proposta de Romain Rolland de criação de uma: Internacional do Pensamento. Ou
seja, um amplo movimento de intelectuais internacionalistas, contra a guerra. Guerra essa que,
segundo Palamartchuk, “representava uma Europa – baluarte da civilização – enlouquecida,
enferma de desejo de destruição”170.
Uma realidade muito parecida com a vivida pelos jovens da revista Seiva. Eles
propunham a união dos intelectuais americanos contra as brutalidades da guerra, este
movimento seria uma forma de organização dos intelectuais por um objetivo maior: por fim

170
PALAMARTCHUK, Ana Paula. 1997. Ser intelectual comunista: escritores brasileiros e o comunismo,
1920-1945. Dissertação (Mestrado em História), Campinas, UNICAMP.
103
na possibilidade, na emergência de outro confronto bélico. E parece-nos que, de fato, a Clarté
foi de alguma forma, uma inspiração para os moços da Seiva.
Rolland, por exemplo, teve dois de seus textos traduzidos e publicados pela Seiva.
Um deles sobre a situação dos judeus na Alemanha e o outro intitulado “Palavras à
mocidade171”. Neste texto Rolland clama à juventude a questionar seu papel nesta guerra. Ele
escreveu:

Sejam ativos! – é a minha primeira palavra á juventude. O inimigo


que eu combate é: “Para que?” – Eu sei que estas palavras minam a
energia juvenil.
Ha duas especies deste “Para que?”: a primeira advem do orgulho; a
segunda da fraquesa. Ambas são uma expressão de impotência. A
mais nociva das duas, porém, é a primeira, porque transforma o
defeito num objeto refinado. É o defeito daquela casta intelectual que
não deseja entrar em combate com os homens e as suas leis, estas leis
que são um atentado aos seus privilégios, que limitam os seus direitos
e rebaixam a sua categoria humana.
A falsa “aristocracia do espirito” nunca conheceu a palavra do grande
Goethe: “o homem alcança a certeza de sua própria existencia quando
reconhece a existencia de outros como seus iguaes e como submetidos
ás mesmas leis”. Os aristocratas do espirito se isolam no que chamam
de “liberdade”, que, na realidade, é uma gaiola que pende entre o céo
e a terra e na qual realizam façanhas vaidosas com o seu “intelecto
puro”, que é esteril e infrutífero...

Neste trecho fica clara a sua critica à concepção do intelectual como aquele
deslocado das lutas de classes, afastado da vida social para além de seus círculos literários e
boêmios. Ele continua sua carta à juventude, tratando do segundo “Para que?”, aquele, que ele
chamou de oriundo da fraqueza e ao qual ele considera menos perigoso.

O segundo “Para que?” é o da simplicidade. Sua situação basica é um


complexo de inferioridade. Os jovens que sofrem dele, cansados da
vida antes de terem começado a viver, com os seus olhos inquietos
observaram os campos de batalha dos tempos de hoje e as enormes
massas humanas neles absorvidas. Amedrontam-se antes a própria
fraquesa e avaliam mal as próprias forças. Cheios de resignação,
perguntam: “Que poderemos alcançar? que poderemos fazer?”
Certamente, muito pouco, si cada um de nós, isolados, faz seu
caminho separadamente. Mas, o fato grandemente significativo que a
hora atual da Historia do mundo nos apresenta, é que não ha mais
homens realmente isolados, afora aqueles que o querem ser e os quaes

171
ROLLAND, Romaim. Palavra à Mocidade In Seiva, Ano II, nº 8 (BR-UEFS-LABELU-RF-SEIVA:II:8)
104
se enganam a se próprios, porque, conquanto não o saibam, são
arrastados pela torrente...

Não há homens isolados, máxima cada vez mais atual. E, de fato, como seria pensar
numa sociedade onde cada vez mais tudo se tornava rápido e de abrangência mundial? A
sensação de agilidade que os homens e as mulheres do início do século XX sentiam nos dá
indícios de como eles encaravam a modernidade, através do cinema e dos meios de
comunicação. Sobre o isolamento dos intelectuais em seus nichos, suas torres de marfim, ele
utiliza o exemplo da geração que viveu a I Guerra Mundial e as crises por ela encadeadas.
Geração esta que fora a dele.

Na minha juventude conheci um tempo trôpego e indiferente. Foi


quando a atividade isolada, individual e mesquinha tinha algum valor.
Era uma vida espiritual de migalhas. Combatíamos arvorando a
bandeira do individualismo heroico, que era o nosso animador nas
longas peregrinações através dos desertos espirituaes daqueles anos.
Mas, quando estalou a tempestade, não tivemos abrigo nem proteção.
A arvore que encontramos e sob a qual procuramos abrigo era
semelhante aos pinheiros que, apesar de altos e bem desenvolvidos,
não estão, porém, suficientemente enraizados no solo. Precisamos por
isso semear uma nova especie de individualismo, daquele que se
enraíza no coração da grande comunidade humana. O referido
individualismo está sendo efetivado, não nos sonhos dos idealistas do
passado, como os Beethovens e os Friedrich Schillers, mas nos atos,
no serviço social, na comunidade dos homens.

A crítica ao individualismo é, sobretudo uma crítica aos posicionamentos dos


intelectuais. Sem dúvida toda a construção de um status do ser intelectual e de sua liberdade
frente às classes, uma vez que ele estava longe dos espaços reais onde estes conflitos estavam
sendo travados ou mesmo, estando próximo, pensavam estar distantes dele. Com guerras de
proporções como as que fizeram da Europa seu palco, na primeira metade do século passado,
os intelectuais firmam-se no centro dos conflitos. Se antes eles apenas acompanhavam os
acontecimentos das trincheiras pelos jornais e pelos relatos de guerra, com o século XX as
guerras invadiram cidades e passaram a acontecer à vista de todos, modificando muito mais
intensamente o cotidiano de toda uma população. E nesta, estavam os intelectuais que viram
suas universidades e cidades sendo ocupadas e destruídas – ou profanadas (segundo seus
pontos de vista). Esta realidade se agonizaria mais ainda com a guerra que estava por vim.
Com a chegada do Partido Nazista ao governo Alemão e de Mussolini e Franco,
respectivamente na Itália e Espanha, ficava claro aos intelectuais que a guerra tomava

105
definitivamente outro front de batalha, o front das idéias. E que neste novo espaço de
combate, eles, os intelectuais, deveriam ser seus principais soldados e usar as armas que lhes
cabem. É sobre isso que Rolland escreve na Seiva. Para ele os intelectuais têm um
compromisso com a ordem que esta por ser construída:

Se admitimos nas nossas fileiras a duvida, não é mais na forma de


negação da negação que enfrentaremos a vontade. Nem da mentira,
que era tão característica das gerações burguêsas. A duvida está agora
servindo ao intelecto, como um instrumento dinâmico d pesquisa. Ela
serve para ladear as dificuldades e obstáculos que encontramos no
caminho da verdade. Estamos armados de um relativismo positivo, de
uma dialetica que é tanto frexivel como heróica. A nossa dialetica
combate, vence e contróe. Sejamos fortes no meio da tempestade.
Acarretemos todas os impecilhos ao inimigo, até que a sua fúria se
agrave e tenhamos de cair na luta. Saudemos a oportunidade de tomar
parte num dos momentos decisivos da Historia Mundial. Tenhamos
todos a consciencia do momento. Não esqueçamos a nossa grande
missão e nos lembremos de que as nossas forças são incontáveis.
Porque, cada um de nós é um militar que caminha na luta contra a
demencia, a injustiça e a impiedade que escravisam e exploram a
humanidade!

Entender cada intelectual como um militante numa luta contra a demência, a injustiça
e a impiedade é, reafirmar o papel desses intelectuais. Mais ainda, é reafirmar a visão
iluminista de intelectual como aquele que ilumina os caminhos a serem seguidos. Visão que
paulatinamente foi substituída pela percepção dele como o observador da sociedade,
reservado a seu gabinete e, apenas, aponta os caminhos. Reafirmo com a emergência de uma
grande ameaça à sociedade e ao seu status-quo, os intelectuais, ou pelo menos uma fração
deles, viram-se obrigados a assumir posição. Se fazê-la na condição de classes era algo difícil
para eles, uma vez que sua condição de acomodação nas camadas médias os impediam de
sentirem as tensões e lutas de forma mais direta e incisiva, o mesmo não pode ser dito das
tensões ideárias, das disputas que vinham sendo travadas dentro do Campo Intelectual, uma
disputa que representava visões de mundo diferentes e, mais, antagônicas e irreconciliáveis.
Com o surgimento do fascismo e sua proliferação pela orbe, os comunistas e os liberais que
antes disputavam espaços e adeptos, vêem-se ameaçados por outra visão de mundo que se
colocava diretamente oposta às duas. E, dessa vez como um poder destrutivo infinitamente
maior.
Rolland foi um dos primeiros a denunciar na Seiva as brutalidades que os nazistas
estavam cometendo com os judeus. Em seu artigo “Á Alemanha e os Judeus” de janeiro de
106
1939, o autor francês qualifica os atos do governo alemão como desumanos. Neste texto,
Rolland tenta chamar a atenção para os crimes que os nazistas estavam cometendo contra o
povo judeu. Ao mesmo tempo ele chamava os judeus a serem fortes e confiantes na justiça.
Ele conclama a população judia a confiar na justiça social, vejamos:

Vós (...) meus amigos israelitas, não fiqueis abatidos, não vos
entregueis ao desespero! Não vos entregue á duvida, que é ainda pior
do que o desespero! Não duvideis da grandeza do vosso povo. Não
duvideis da justiça final que vossos livros sagrados e vossos profetas
proclamaram e divisaram noites negras do passado – do mesmo modo
que os grandes israelitas dos tempos atuais continuam prevendo, como
profetas, a justiça social. Vosso logar na historia do progresso da
humanidade é enorme. Estais pagando por êle com sofrimentos que
não têm precedentes. Vossos sofrimentos e infelicidades serão vossa
grandeza. Suportai-os, como fizeram vossos pais, e confiantes no
futuro. Vosso povo testemunhou, no decorrer de gerações, o
desmoronamento e a quéda de imperios. Tambem verá o
desmoronamento das forças perseguidoras da atualidade.172

Para além do caráter importante de demonstrar quão grande foi e ainda é a


contribuição judia para a história da humanidade, a referência em destaque (“do mesmo modo
que os grandes israelitas dos tempos atuais continuam prevendo, como profetas, a justiça
social”) pode nos levar a entender que seja uma referência a Marx. Assim sendo, podemos
entender que, ao mesmo tempo em que denuncia como era desumana a forma com que os
alemães tratavam os judeus, denuncia o caráter perverso desse governo e aponta para o
socialismo, como a solução desses problemas. Desta maneira o socialismo aparece como
sendo a solução, o caminho para uma paz mundial.
Rolland continua seu artigo/carta focando sua atenção para os intelectuais. Ele
aponta como a violência que era disposta aos judeus afetava diretamente os intelectuais,
muitos deles judeus.

O maior inimigo da Alemanha não podia ofender-la tanto, causar-lhe


tanto prejuízo, quanto esses maníacos do racismo, que a humilharam
aos olhos do mundo inteiro. A expulsão dos judeus da Alemanha está
sugando o melhor sangue da inteligência germânica. A covardia, a
bestialidade e baixeza das perseguições aos israelitas inscreveu um

172
ROLLAND, Romain. Á Alemanha e os Judeus. Seiva, Ano I, Número 2, página 24-25. Janeiro de 1939. (BR-
UEFS-LABELU-RF-SEIVA I:2 (JAN 1939) 24/25). Grifos meus.
107
sinal de Caim na testa da Alemanha, que somente gerações sucessivas
serão capazes de apagar.173

As investidas da Seiva neste campo vão muito além desta reportagem. Textos de
diversos autores tratam das reportagens acerca da situação dos judeus e de outras minorias na
Alemanha e no Japão. Contudo, o caráter de denúncia é associado à necessidade dos
intelectuais irem à luta ideológica, destruindo os argumentos e impedindo o crescimento do
ideário nazista. Fica claro, portanto, que para os jovens intelectuais da Seiva, o papel dos
intelectuais vai muito além das análises de gabinetes e vai aos movimentos reais da sociedade.
Mesmo que essa noção tenha em muito, resquícios de uma noção iluminista do papel dos
intelectuais, ela é um passo para a aproximação deles com a população.
Portanto, os jovens da Seiva fazem esta aproximação através da cultura e das artes,
uma vez que a Seiva foi, também, uma revista literária. O que pode ser visto em textos iguais
a: “Como vão os intelectuais pelo mundo”174, de autor não identificado. Neste, faz-se uma
apresentação de como andava a situação dos intelectuais pelo mundo, em decorrência dos
conflitos da segunda Guerra Mundial. Escreveram:
Procurando-se vêr a posição dos intelectuais em face do conflito atual,
em todo o mundo, verificamos que ela é a peior possível. Em todos os
países procassa-se um tolhimento completo da liberdade de
pensamento! Nos fascistas ha muito que ela não existe. Nos
“democratas” diretamente envolvidos pela guerra, atualmente, este
esmagamento chega ás raias do absurdo. Nos demais países, o
fenômeno obedece ao sentido dos bandos beligerantes, por isso que ha
uma dependencia forçada entre todos êles.
Na França e na Inglaterra, falando somente dos países “democratas”, a
repressão aos intelectuais tem sido extraordinaria. Centenas deles
encontram-se jogados nos campos de concentração ou nas prisões,
quando não foragidos. Escritores que horam a cultura contemporânea
consomem-se em cubículos, com o pensamento enjaulado!
E porque tudo isso?
Será que a cultura é hostil á guerra? Será que só ha lugar para um?
Será que esses intelectuais se tornam inconvenientes, dizendo coisas
prejudiciais aos interessados na guerra?
Que será?

As questões por ele levantadas são meramente retóricas. É obvio que num conflito
como os que estavam sendo travado, o controle da formação de consenso era fundamental

173
Ibidem.
174
Texto sem autor identificado. Seiva, ano II, nº 8 (dezembro de 1940). BR-UEFS-LABELU-RF-
SEIVA:II:8,57.
108
para evitar que a opinião pública de seus próprios países volte-se contra si. Assim sendo, nada
mais perigoso que a liberdade de expressão, a liberdade dos intelectuais.
E essa era a situação nos países diretamente envolvidos nos conflitos, também o era
para os que estavam às margens desse processo. Ou seja, como a guerra era travada de forma
mais ampla que simplesmente pelos conflitos bélicos, elas ocorriam com muita força junto às
disputas ideológicas; os países que mesmo não tendo conflitos bélicos em seus territórios,
sofriam com outra guerra, a guerra do apoio e da ideologia.
Aqui, parece-me mais uma vez evidente que os jovens intelectuais da Seiva tinham
consciência de seu papel nesta guerra. Na verdade, ao identificarem-se enquanto intelectuais e
comunistas, percebiam que seu papel enquanto intelectuais e enquanto comunista era de
agruparem-se e partirem a luta contra o fascismo, que para eles significava claramente a morte
de qualquer ideal.

109
CONSIDERAÇÕES FINAIS:

E o estudante se faz intelectual e o jornalista se faz comunista.

A História, assim como a vida é feita de transformações. E é sobre a


transformação que tratou esta dissertação. A transformação, o transitar, o passar de um
lugar (posição) a outro (a); o deixar de ser mais um jovem estudante do interior que
acabara de chegar à cidade da Bahia, capital do Estado, para passar a ser um intelectual
vinculado a um partido político clandestino atuando enquanto jornalista. E como esse
transitar tem haver com o contexto social que este “transeunte” passa?
Ninguém transita só, todo o transitar é uma ação coletiva. Dessa forma, esta
dissertação analisa como um grupo de estudantes (diferentes e muito parecidos) passou
pelo processo de transição rumo ao comunismo, num contexto de disputa ideológica
vivenciado em Salvador (Bahia, décadas de 1930-1940) e da II Guerra Mundial.
Nestas considerações finais não pretendo dá respostas finais, definitivas às
questões feitas durante esta pesquisa – nem as poderia dar. Quero, apenas, apontar de
forma mais sistemática as conclusões provisórias que o término desta pesquisa traz.
Dessa maneira, qualquer resposta aqui apresentada é mera visão parcial do que foi o
fenômeno do tornar-se comunista em Salvador, uma vez que numa análise desta far-se-
ia necessária uma investigação bem maior a que aqui está apresentada.
A fim de fazer esta apresentação de “Conclusões Provisórias” mais sistemática
e clara, e a dividirei de acordo às principais questões aqui apresentadas. A primeira
delas, relacionada ao ser intelectual e ao campo intelectual baiano. Em seguida,
apontarei os indícios de como as sociabilidades do ser jovem e estudante em Salvador
de 1930 a 1940, podem ter sido decisivas para a formação intelectual e política dos
jovens estudados nesta dissertação. Para então, retomar a questão acerca da relação do
posicionar-se (ou seja, identificar-se) com as disputas ideológicas durante a II Guerra
Mundial.

1. Os Intelectuais e seu Campo na Bahia: as regras e as práticas:

Os estudos sobre os intelectuais têm crescido nos últimos anos. Dando-me a


impressão de que os intelectuais finalmente voltaram-se para entender qual o seu papel
no mundo real (aquele fora das fantasias acadêmicas e das torres de marfim). Porém, o
que são os intelectuais? Pergunta feita no I Capítulo dessa dissertação.
Parece-me evidente que não há – nem creio que um dia haja – consenso sobre a
definição do que venha a ser o intelectual. Contudo, também parece evidente que o
caminho para a sua melhor definição está na sua localização no mundo das relações
concretas, o mundo do trabalho, por exemplo. Se resolvermos utilizar este parâmetro,
ou seja, se pensarmos os intelectuais pelo seu papel na produção de bens, ficará claro
que há uma distinção precisa entre a produção de bens materiais e imateriais, cabendo
aos intelectuais a segunda delas.
Também é obvio que não só os intelectuais produzem bens simbólicos. Um
pedreiro, uma secretária ou um agricultor também o produzem, uma vez que constroem
ou reproduzem valores que são simbólicos: lealdade, respeito, afetividades,
religiosidades, relações de gênero etc. Porém, estes raramente são considerados
intelectuais, justamente por estarem mais próximos da produção de bens materiais, fruto
do trabalho braçal.
Esta distinção é devida ao termo intelectual está incorporada num imaginário
do que seja contrario ao trabalho – sempre pensado como braçal e demarcado por
formas rígidas de tempo. Pensa-se sempre no intelectual enquanto o professor ou o
sábio, recluso ao seu gabinete lendo e escrevendo coisas que aparentemente não tem
utilidades práticas e, o mais importante, alheio às cobranças de tempo (o que
evidentemente deixou de existir para aqueles que se submetem às regras da academia) e
à necessidade de comercialização do fruto do seu trabalho.
Estas duas concepções simplificam uma relação que está longe de ser tão bem
demarcada e estanque. Se por um lado é correto dizer que o intelectual está afastado da
produção de bens materiais, também é verdade dizer que há muito tempo este está
inserido no mundo do trabalho – e não no papel daqueles que exploram o trabalho.
Com a expansão das relações capitalistas e a paulatina substituição dos valores
morais e qualitativos pelos financeiros e quantitativos, os intelectuais passaram a
perceberem-se enquanto trabalhadores. Contudo, mesmo tendo esta percepção, estes
viam-se diferenciados dos demais trabalhadores pelo seu papel frente ao mundo do
trabalho, cabendo aos intelectuais a construção simbólica de valores – ou seja, a
valorização dos bens reais e simbólicos, em outras palavras, o dar sentido às coisas –
enquanto aos demais, cabendo o labor real.

111
É evidente que esta definição é meramente na separação das funções sociais,
uma vez que é obvio que os trabalhadores braças, digamos assim, também constroem
sentidos, atribuem valores e criam o simbólico cotidianamente, seja na reprodução de
valores morais que regem os mecanismos de trabalho ou, seja pela (re)criação de novos
valores e novas praticas sociais. Porém, é a formalidade desta criação de valores que
diferencia o intelectual profissional destes outros.
Pensando justamente pela formalização do trabalho intelectual é que podemos
identificar os rapazes que organizaram a revista Seiva enquanto intelectuais. Uma vez
que é evidente, que estes se percebiam enquanto agentes que criavam/atribuíam valores
e formavam opinião – caso contrário, porque criariam uma revista voltada para os
intelectuais? Da mesma forma, percebo que estes intelectuais sabiam de seu papel frente
uma realidade tão demarcada pela necessidade do posicionar-se. Fruto da polarização de
três ideologias antagônicas: o liberalismo (capitalista); o comunismo e o fascismo.
Cabendo assim, tanto aos intelectuais, quanto aos trabalhadores, promoverem as
transformações sociais que garantiriam um mundo livre da ameaça das desumanidades
de uma guerra que estava sendo travada para além das trincheiras, no cotidiano e no
ideário.

2. O intelectual baiano e o uso do conceito de campo.

Pensando no ser intelectual baiano, optei por utilizar o conceito de campo


intelectual de Pierre Bourdieu175. O fiz tendo claro a necessidade de observamos as
regras do ser intelectual na Bahia. E creio ter sido esta uma posição acertada. Contudo, a
definição do campo intelectual baiano mostrou-se uma tarefa muito mais complicada
pela carência de estudos sobre o tema, poucos trabalhos além do de Paulo Santos
Silva176 traziam, mesmo sem utilizar o conceituário, informações um tanto mais acabada
sobre o que seria o intelectual baiano, a abrangência de seu campo, as regras de ingresso
e êxito... partes fundamentais de um estudo sobre um campo.
Evidentemente que o problema, de utilizar o conceito e a metodologia de
campo para pensar os intelectuais baianos, era um problema meu, nenhum outro
estudioso era responsável pelas minhas questões. Contudo a carência de estudos locais

175
. BOURDIEU, Pierre. 1987. A economia das trocas simbólicas. São Paulo, Perspectiva.
176
. SILVA, Paulo Santos 2000. Âncoras de tradição: luta política, intelectuais e construção do discurso
histórico na Bahia (1930-1949). Salvador: Edufba.

112
sobre o tema me impediu de apresentar nesta dissertação uma análise mais apurada
deste campo.
Porém parecia-me claro que havia um campo intelectual formado. Estudos,
mesmo não tratando diretamente do tema, apresentavam indícios deste177. Então
partimos para estes indícios. Era claro que o campo intelectual baiano era formado por
seus espaços formais (Academia de Letras; Instituto Geográfico e Histórico; as
faculdades, especialmente Medicina e Direito; o Ginásio da Bahia e as outras escolas
secundaristas em menor importância) e informais (círculos literários e sarais
domésticos; jornais; bares e cafés etc). As regras de ingresso também pareciam nítidas
como o apadrinhamento. Um jovem ingressante no campo deveria ser apresentado,
inserido por alguém que já fizesse parte deste, principalmente alguém que possuísse
algum capital simbólico (prestigio, por exemplo) dentro deste.
O jornalismo, parte do tema desta pesquisa, era uma forma de ingresso, assim
como também o era de êxito. Ter textos publicados num magazine ou num jornal era a
consagração do ingresso no campo, tornar-se jornalista de banca fixa num periódico,
especialmente o “A Tarde” e o “Imparcial”, era a consagração. Sendo o magistério e o
funcionalismo público instrumentos de manutenção das condições de sobrevivência,
uma vez que a atividade jornalista e literária não promovia estas condições financeiras.
O discurso e a oratória seriam claramente as marcas desse campo. Um bom
membro do campo intelectual baiano teria que saber impor sua voz e fazer discursos de
improviso num salão onde fora convidado com esse intuito ou, num bonde. A referência
constante a Rui Barbosa e especialmente a sua oratória e à figura que fazia enquanto
grande jurista era um modelo para os intelectuais da época. Esta oratória transpunha-se
à barreira da escrita/oralidade. Os textos escritos eram feitos de forma que pudessem ser
“declamados”, lidos em voz alta. Era esperado que alguém que tivesse gostado de um
texto, o lesse em voz alta para os familiares, amigos ou mesmo um desconhecido que
passasse por perto. Este estilo de escrita é perceptível em vários trechos de jornais da
época.

177
.Os trabalhos de COSTA, Iraneidson Santos. 1997. A Bahia já deu régua e compasso: o saber médico-
legal e a questão racial na Bahia, 1890-1940. (Dissertação de Mestrado) Salvador, UFBA; FERREIRA,
Laís Mônica Reis. 2006. O integralismo na Bahia: gênero, educação e assistência social em O Imparcial.
(Dissertação de Mestrado). Salvador, UFBA; GUIMARÃES, Antonio Sergio Alfredo. 1982. A Formação
e a Crise de Hegemonia Burguesa na Bahia - 1930 a 1964. (Dissertação de Mestrado) Salvador, UFBA;
LEITE, Rinaldo C. N. 2005. A Rainha Destronada. Discursos das Elites Sobre as Grandezas e os
Infortúnios da Bahia nas Primeiras Décadas Republicanas. (Tese de doutoramento) São Paulo, PUC-SP;
LIMA, Deborah Kelman de. 2003. “Banquete Espiritual da Instituição”: O Ginásio da Bahia, Salvador:
1895-1942. Dissertação de mestrado. Salvador, UFBA confirmam isto.

113
A saudade e a referência a baianos de outrora seria também outra marca do
intelectual da Bahia. A supervalorização da importância e qualidade dos intelectuais do
passado era uma forma de agregarem capital simbólico a si, ao campo. Criavam, pois,
quase que um panteão de ídolos: Antonio Vieira, Castro Alves, Rui Barbosa... Eram
apenas os mais referenciados na época. Mas, creio que de tempo em tempos outros
intelectuais/ídolos eram mais “cultuados” que outros. O que fica claro em Tenda dos
Milagres178, quando Pedro Archanjo, intelectual baiano desconhecido que se torna
conhecido, depois de morto e “ressuscitado” (simbolicamente), por um estudioso
estadunidense que vem à Bahia graças a sua obra, completamente desconhecida pelos
intelectuais de cá.
Contudo uma limitação mostrou-se cruel nesta investigação. Infelizmente,
graças à carência de maiores estudos sobre o campo intelectual baiano e a exigüidade do
tempo desta pesquisa, impediu-me, por hora, de recompor o campo intelectual baiano
em sua totalidade fazendo análises mais ricas e detalhadas de sua composição social, de
sua rede de contatos, dos laços de apadrinhamento etc. Restringi-me apenas a trazer os
indícios acima citados, referendando-me nos trabalhos dos historiados baianos da
geração de 1980/90 que trataram dos intelectuais do inicio do século179 e às obras de
Jorge Amado180.

3. As sociabilidades do Tornar-se:

As obras de Amado também foram as portas de acesso utilizados por mim para
chegar ao cotidiano de Salvador e às praticas corriqueiras dos jovens intelectuais
baianos. Através de sua descrição do espaço e de suas críticas humoradas à sociedade
baiana, associando-as às memórias de João Falcão e Fernando Sant’Anna e a entrevistas
de Jacob Gorender, Armênio Guedes, Aristeu Nogueira e Diógenes Arruda Câmara,

178
. AMADO, Jorge. Tenda dos Milagres. 21ª Ed., Rio de Janeiro, Record, 1978.
179
.ALBUQUERQUE, Wlamyra Ribeiro de. 1999. Algazarras nas Ruas: comemorações da independência
na Bahia, 1889-1923. Campinas, Ed. da UNICAMP; ARAÚJO, Dilton. 1992. Republicanismo e Classe
Média em Salvador 1870-1889 (Dissertação de Mestrado) Salvador, UFBA; COSTA, Op Cite.;
FERREIRA FILHO, Alberto Heráclito 1998-1999 “Desafricanizar as ruas: elites letradas, mulheres
pobres e cultura popular em Salvador (1890-1937)” in Afro-Ásia (Salvador: Centro de Estudos Afro-
Orientais, FFCH-UFBA) Nº 21-22; FONSECA, Raimundo Nonato da Silva. 2000. "Fazendo Fita":
cinematógrafos, cotidiano e imaginário em Salvador, 1897-1930. Salvador, EDUFBA; LEITE, Op Cite.
180
. AMADO, Jorge. O Pais do Carnaval. 31ª Ed (1ª Ed. em 1930). Rio de Janeiro, Record e AMADO,
Jorge. Tenda dos Milagres. 21ª Ed., Rio de Janeiro, Record, 1978.

114
pude chegar um pouco ao cotidiano da cidade da Bahia e de sua juventude nos anos
1930.
Parece-me claro que o tornar-se intelectual e comunista era vivenciado num
bojo cultural especifico (no caso aqui estudado, da cidade de Salvador e das disputas
ideológicas entre integralismo e comunismo) e pelos habitus presentes nos espaços de
sociabilidades.
Desta maneira era no cotidiano do ser jovem e estudante na cidade de Salvador
da década de 1930 que estes intelectuais mantiveram contato com os agentes
formadores de sua identidade enquanto intelectuais e comunistas. Eram nos espaços
escolares onde o ser intelectual era apresentado aos estudantes. E era fora desta, nos
bares, nos cafés, no Tabaris, ou seja, na boemia, que este ser intelectual era reforçado.
Estes espaços eram, assim, espaços das sociabilidades do tornar-se. Lugares de
formação identitária. E foi pensando nisto de escrevi o I Capitulo desta dissertação.
Parece-me que esta foi uma metodologia acertada. Acredito que são nestes
espaços que as sociabilidades são formadas. Penso ser fora dos espaços formais que o
jogo de um campo em disputa, como entendo que era o campo intelectual baiano da
época, era travado.

4. Tornar-se, Posicionar-se e Identificar-se:

Eram nas disputas do campo intelectual, ou melhor, pelo campo que podem ser
observados os posicionarem-se destes agentes. Posso citar a Academia dos Rebeldes
como uma iniciativa importante de disputa pelo campo intelectual baiano. Infelizmente,
pela carência de estudos mais aprofundados sobre ele, não posso afirmar a existência de
outras forças de disputa do campo, mas, é muito improvável que não tenham existido. A
disputa pelo campo faz parte dele. É necessário ter concorrências para que possam ser
feitas as diferenciações internas dele. Contudo, parece-me que a experiência dos
rebeldes vai, além disso. Parece-me que eles estavam disputando as regras do campo, ou
seja, disputando a mudança das regras, a transformação do campo.
Esta experiência, ainda carente de maiores estudos181, é importante nesta
pesquisa, uma vez que os intelectuais aqui estudados eram de alguma maneira, ligados

181
. É de meu conhecimento apenas um estudo sobre a Academia dos Rebeldes: SOARES, Ângelo
Barroso Costa. Academia dos Rebeldes: Modernismo à moda Baiana. Feira de Santana, UEFS, 2005
(Dissertação de Mestrado: Programa de Pós-Graduação em Literatura e Diversidade Cultural).

115
aos rebeldes e às conseqüências de sua iniciativa. Os jovens que formara a revista Seiva
conviveram com os intelectuais da Academia dos Rebeldes e absorveram suas
temáticas. Por exemplo, a discussão sobre o ser intelectual afro-baiano – que foi pouco
explorada nesta dissertação, devido à pulgência da disputa entre Integralistas e
Comunistas. Mas o que me parece ser o que verdadeiramente aproxima os moços da
Academia dos Rebeldes dos intelectuais da Seiva é que, vejo evidências que me levam a
crer terem sido os rebeldes os primeiros a introduzir a discussão marxista no campo
intelectual baiano. Em outras palavras, foram os primeiros a tencionar o campo a partir
de um posicionamento que tem as lutas de classes como mote.
É tal introdução que faz com que os jovens em formação no campo intelectual
baiano possam ter tido a possibilidade de serem atraídos pelo comunismo. E foi isto que
quis tratar nesta dissertação. Mostrar como num campo em disputa onde o liberalismo
até pouco tempo hegemônico, o comunismo a pouco introduzido (mas que aparente não
recebia dos liberais a atenção e rivalidade, talvez devida) e o integralismo, entendido
como versão tupiniquim do fascismo, mostrava-se uma ameaça aos dois, a atração por
umas destas forças em disputa fazia-se forte e precisa.
Nesta disputa, os jovens que formaram a Seiva foram atraídos pelo
comunismo. Mas não o foram apenas motivados por suas vontades. Foram atraídos por
uma força que era formada pela abrangência do comunismo da época e pela
aproximação promovida pela PCB com as classes médias. E, empurrados pelas
sociabilidades presentes em sua formação.
Desta forma a Seiva foi a culminância de uma experiência bem sucedida de
formação intelectual e de disputa entre forças atrativas internas ao campo intelectual
baiano. Ao mesmo tempo em que a Seiva, uma vez constituída, foi um instrumento de
atração e de disputa com uma dessas forças em disputa, o integralismo.
Nos textos apresentados no III Capitulo dessa dissertação, percebemos como
um grupo de intelectuais partiu para a disputa de espaços num momento ímpar para tal.
Com a ascensão do Fascismo aos governos da Alemanha e Itália e o posterior início da
II Guerra Mundial, associadas à expansão do integralismo no país, a necessidade de
evitar que este se torne um instrumento de atração eficaz era de urgência. E é isto que
encontramos nos textos apresentados da Seiva nesta dissertação.
Desta forma, o tornar-se pode ser associado à tomada de posição. O qual, por
sua vez só dá pra ser entendido a partir da formação identitária daqueles que sofrem a
atração. Em outras palavras, o posicionar-se enquanto comunista, significa identificar-se

116
com a visão de mundo comunista. Porém, esta formação identitária só pode ser
entendida através de um estudo sobre o lugar social daqueles que se identificam. E foi
isso, que tentei fazer nesta dissertação.
Entendo, portanto, que foi nesta disputa através da Seiva, que o ideário
comunista se consolidou nos jovens aqui estudados. Foi nas disputas com o
integralismo, retratado juntamente com o fascismo como uma ameaça à humanidade,
mais no sentido conceitual de sentimento humano do que no de aniquilamento da
espécie humana – o que se mostrou real no final da guerra com a ameaça atômica –, que
o sentido de comprometimento desses intelectuais com a humanidade, foi consolidado.
E para eles o instrumento mais eficaz para isto seria o comunismo. Visto por eles como
o último resquício de um sentimento pleno de humanidade.

117
LISTAGEM DE FONTES:

Autobiográficas, memorialísticas, depoimentos e entrevistas:


i. Aristeu Nogueira: Relato autobiográfico (mimeo); LABELU/UEFS;
ii. Armênio Guedes: Entrevistas (Livro e Internet)
iii. Carlos Marighella: Entrevistas (Livros e Internet)
iv. Diógenes Arruda Câmara: Entrevista (Internet)
v. Fernando Sant’Anna: Entrevistas (Livros e Internet)
vi. Jacob Gorender: Entrevistas (Livros, Revistas e internet)
vii. João Falcão: O Partido Comunista que eu conheci: 20 anos de
clandestinidade (Livro);
Autobiografias, memórias, entrevistas e depoimentos (terceiros)
viii. Juracy Magalhães: Memórias (livro);
ix. Leôncio Basbaum: Memórias (livro);
Orais (a serem feitas)
Armênio Guedes; Fernando Sant’Anna; Jacob Gorender; João Falcão e Luiz
Henrique Dias Tavares.

Orais (realizados por terceiros)


x. Aristeu Nogueira: Realizada por Gustavo Falcon;
xi. Aristeu Nogueira: Realizada por Carlos Zacarias;
xii. Fernando Sant’Anna: Realizada por Antonio Risério;
xiii. Fernando Sant’Anna: Realizada por Carlos Zacarias:
xiv. João Falcão: Realizada por Carlos Zacarias;
xv. João Falcão: Realizada por Marcos Roberto Martins Santos;
b) Documentos escritos:
i. APEB (Arquivo Publico do Estado da Bahia) (Salvador/Bahia):
Correspondências oficiais do Estado, documentação relacionada a
armamentos para o DOPS.
ii. BPEB (Biblioteca Publica do Estado da Bahia) (Salvador/Bahia):
§ Periódicos:

a. Diário da Bahia (Jornal): 1934 (janeiro) a 1942 (dezembro).

118
b. Diário de Noticiais (Jornal): 1934 (janeiro) a 1944 (faltam
alguns números).
c. Nova Era (Jornal): 1934 (janeiro) a 1935 (dezembro).
d. O Estado da Bahia (Jornal): 1933 (janeiro) a 1948 (dezembro).
e. O Imparcial (Jornal): 1933 (Janeiro) a 1940 (dezembro) e de
1941 a 1948 (faltando alguns exemplares).
f. O Momento (Jornal) 1945 (janeiro) a 1948 (dezembro).
g. Seiva (Revista): 1942, Outubro, Ano II, Nº. 42 (único exemplar
disponível neste acervo).
iii. CEB-C (Colégio Estadual da Bahia – Central, Antigo Ginásio da Bahia)
(Salvador/Bahia): planos de aula, documentação dos professores, material
didático, fotografias e atas do grêmio.
iv. FCJ/UFBa (Faculdade de Ciências Jurídicas/UFBa) (Salvador/Bahia): Atas
do Centro Acadêmico Rui Barbosa. (informação dada pelo próprio centro
que tem as atas antigas, mas ainda não tive acesso)
v. EPT/UFBa (Escola Politécnica/UFBa) (Salvado/Bahia): Atas do Centro
Acadêmico (a conferir);
vi. FMSP/UFBa (Faculdade de Medicina e Saúde Publica/UFBa)
(Salvador/Bahia): Atas do Centro Acadêmico e Medicina e de Odontologia.
vii. AEL/UNICAMP (arquivo Edgard Leuenroth/IFCH/UNICAMP)
(Campinas/SP): Documentos referentes a 3ª IC; Fundo Astrojildo Pereira;
Fundo Luiz Carlos Prestes; Coleção Movimento Estudantil;
viii. CEDEM/UNESP (Centro de Documentação e Memória/UNESP) (São
Paulo/SP): Fundo PCB.
ix. BN (Biblioteca Nacional) (Rio de Janeiro/RJ): publicações e periódicos;
x. CEPDOC/FGV (Centro de Pesquisa e Documentação/FGV):
Correspondências, documentos políticos e publicações;
xi. LABELU/UEFS (Laboratório de História e Memória da Esquerda e das
Lutas Sociais):
§ A Classe Operária (1934 a 1940) – Digitalizados.

xii. AMORJ - UFRJ: Dossiê sobre atuação comunista.


xiii. Acervos Pessoais:

119
a) Seiva: 1940 a 1942 (coleção completa) – Professor Muniz
Ferreira.

120
REFERÊNCIAS:

ABREU, Alzira Alves de (org). 1982. Juracy Magalhães: Minhas Memórias


Provisórias. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.
ALBUQUERQUE, Wlamyra Ribeiro de. 1999. Algazarras nas Ruas: comemorações da
independência na Bahia, 1889-1923. Campinas, Ed. da UNICAMP.
AMADO, Jorge. O Pais do Carnaval. 31ª Ed (1ª Ed. em 1930). Rio de Janeiro, Record.
AMADO, Jorge. Tenda dos Milagres. 21ª Ed., Rio de Janeiro, Record, 1978.
ARAÚJO, Dilton. 1992. Republicanismo e Classe Média em Salvador 1870-1889
(Dissertação de Mestrado) Salvador, UFBA.
BOURDIEU, Pierre. 1983. Pierre Bourdieu: Sociologia. São Paulo, Ática.
BOURDIEU, Pierre. 1987. A economia das trocas simbólicas. São Paulo, Perspectiva.
BOURDIEU, Pierre. A Ilusão biográfica. In AMADO, Janaina; FERREIRA, Marieta
de Moraes (Coords). 2006. Usos e Abusos da História Oral. Rio de Janeiro, FGV.
CARONE, Edgar. 1988. O Estado Novo (1937-1945). Rio de Janeiro, Bretrand Brasil.
CARONE, Edgard. 1982. O PCB – 1922 a 1943 Vol. 1 – Coleção Corpo e Alma do
Brasil –, São Paulo, DIFEL. Pp. 111-119.
CERTEAU, Michel. 2008. Invenção do Cotidiano: A arte do lazer. 14ª Ed., Petrópolis,
Vozes.
COSTA, Iraneidson Santos. 1997. A Bahia já deu régua e compasso: o saber médico-
legal e a questão racial na Bahia, 1890-1940. (Dissertação de Mestrado) Salvador,
UFBA.
DUBY, Georges. 1993. A História Continua. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor/Editora
UFRJ.
FALCÃO, João. 1988. O Partido Comunista que Eu conheci. Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira.
FALCÃO, João. 2008. A História da Revista Seiva (primeira revista do Partido
Comunista do Brasil – PCB). Salvador, Ponto & Virgula Publicações.
FERREIRA FILHO, Alberto Heráclito 1998-1999 “Desafricanizar as ruas: elites
letradas, mulheres pobres e cultura popular em Salvador (1890-1937)” in Afro-Ásia
(Salvador: Centro de Estudos Afro-Orientais, FFCH-UFBA) Nº 21-22.

121
FERREIRA, Laís Mônica Reis. 2006. O integralismo na Bahia: gênero, educação e
assistência social em O Imparcial. (Dissertação de Mestrado). Salvador, UFBA.
FONSECA, Raimundo Nonato da Silva. 2000. "Fazendo Fita": cinematógrafos,
cotidiano e imaginário em Salvador, 1897-1930. Salvador, EDUFBA.
FONTES, Rafael. 2006. Trajetórias (in)comuns: um estudo sobre a formação política de
Aristeu Nogueira e Fernando Sant’Anna IN I Seminário do LABELU. Feira de Santana,
UEFS.
FONTES, Rafael. 2006. Uma Moscouzinha na Bahia. In: III Encontro Estadual de
História, 2006, Caetité. Livro de Resumos. Caetité : Associação Nacional de História -
Secção Bahia; Universidade do Estado da Bahia.
FONTES, Rafael. 2007. Das escolas às ruas, há comunistas na Bahia! Um estudo sobre
a atuação do PCB nas instituições de ensino na Cidade de Salvador nos anos 30 e sua
importância na formação política de uma geração de comunistas baianos. In: I Encontro
Regional em História Social e Cultural, 2007, Recife/Pernambuco. Cadernos de
Resumos. Recife : UFRPE.
GORENDER, Jacob. Entrevista dada a Alipio Freire e Paulo de Tarso Vasconcelos.
Teria e Debate, nº11. 3º trimestre de 1990.
GRAMSCI, Antonio. 1988. Os Intelectuais e a Organização da Cultura. Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira.
GUIMARÃES, Antonio Sergio Alfredo. 1982. A Formação e a Crise de Hegemonia
Burguesa na Bahia - 1930 a 1964. (Dissertação de Mestrado) Salvador, UFBA.
LEITE, Rinaldo C. N. 2005. A Rainha Destronada. Discursos das Elites Sobre as
Grandezas e os Infortúnios da Bahia nas Primeiras Décadas Republicanas. (Tese de
doutoramento) São Paulo, PUC-SP.
LIMA, Aruã Siva de. 2010. DEMOCRACIA CONTRA O POVO: Juraci Magalhães,
Otávio Mangabeira e a UDN na Bahia (1927 – 1946). Dissertação de Mestrado em
História. Feira de Santana. UEFS.
LIMA, Deborah Kelman de. 2003. “Banquete Espiritual da Instituição”: O Ginásio da
Bahia, Salvador: 1895-1942. Dissertação de mestrado. Salvador, UFBA.
LÖWY, Michael. 1979. Para uma Sociologia dos Intelectuais Revolucionários: a
evolução política de Lukács, 1909-1929. São Paulo: LECH.
MANNHEIM, Karl. 1976. Ideologia e utopia. Rio de Janeiro, J Zahar.
MOTA, Carlos Guilherme S. Serôa da. 2008. A idéia de Revolução no Brasil e outras
idéias. Rio de Janeiro, Globo

122
OLIVEIRA, Neivalda Freitas de. 2008. Rua Chile: Caminho de sociabilidades, lugar de
desejo, expressão de conflitos: 1900-1940. (Tese de Doutoramento). São Paulo, PUC-
SP.
PALAMARTCHUK, Ana Paula. 1997. Ser intelectual comunista: escritores brasileiros
e o comunismo, 1920-1945. Dissertação (Mestrado em História), Campinas,
UNICAMP.
POERNER, Artur Jose. 1995. O Poder Jovem: história da participação política dos
estudantes brasileiros. São Paulo, Centro de Memória da Juventude.
PRESTES, Anita Leocádia. 2008. Luiz Carlos Prestes e a Aliança Nacional Libertadora:
os caminhos da luta antifascista no Brasil (1934/35). São Paulo, Brasiliense. Pp. 10.
RISÉRIO, Antônio. 2002. Adorável Comunista: História política, charme e confidências
de Fernando Sant’Anna. Rio de Janeiro, Versal Editores.
SANTOS, M. R. M. dos. 2007. Aristeu Nogueira: a militância política e cultural de um
comunista. (monografia). Salvador, FACOM-UFBA
SCHMIDT, Benito Sisso. 2004. Em Busca da Terra da Promissão: a história de dois
Líderes socialistas. Porto Alegre, Palmarinca.
SILVA, Paulo Santos 2000. Âncoras de tradição: luta política, intelectuais e construção
do discurso histórico na Bahia (1930-1949). 1. ed. Salvador: Edufba.
SOARES, Ângelo Barroso Costa. Academia dos Rebeldes: Modernismo à moda Baiana.
Feira de Santana, UEFS, 2005 (Dissertação de Mestrado: Programa de Pós-Graduação
em Literatura e Diversidade Cultural).
WEBER, Max. 1983. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo,
Pioneira.
WILLIAMS, Raymond. O que é anticapitalismo? Michael Löwy: Georg Lukács do
romantismo ao bolchevismo. IN JINKINGS, Ivana e PESCKANSKI, João Alexandre
(orgs). 2007. As utopias de Michael Löwy: reflexões sobre um marxista insubordinado.
São Paulo, Boitempo.

123
ANEXOS

124
Fotos

125
Foto 1. Jovens estudantes baianos no Porto da Barra. Entre eles
Fernando Sant’Anna (último à direita).

Foto 2. Evento organizado pela UEB.

126
FOTO 3: Manifestação do 1ª DE MAIO DE 1943. Carregando a imagem de
Vargas, Wilson Falcão e Jacob Gorender.

FOTO 4: Fachada do então Ginásio da Bahia (Atual Colégio Estadual da


Bahia – Central)
127
FOTO 5: Rua Chile, centro comercial e cultural de salvador até a década
de 1960.

FOTO 6: Estudantes baianos num bar. ao centro, Fernando Sant’Anna.

128
MAPA 1: Planta da Cidade de Salvador.

129
MAPA 2: Planta das linhas de bonde de Salvador.

130
Capas da Seiva

131
132
133
134
135
136
137
138
139
140
141
142
143
144
145
146
147
REVISTA SEIVA
Catalogo de Documentos
Código Autor(a) Título Seçăo Ano-Nş(data) censura
250
18 ARAÚJO, Barreto de Estudos Históricos [Năo se aplica] I – 1 (dez/1938) Năo
identificado
24 BASTOS, Humberto [O nome consta na capa, mas năo encontramos o texto] [Năo se aplica] I – 1 (dez/1938) Năo
identificado
26 BASTOS, Luis A filosofia e a história [Năo se aplica] I – 1 (dez/1938) Năo
identificado
37 CAVALCANTE, Paulo Subúrbio [Năo se aplica] I – 1 (dez/1938) Năo
identificado
42 COSTA, Sosigenes Catinga de Canavial (poema) [Năo se aplica] I – 1 (dez/1938) Năo
identificado
46 COUTINHO, Alfranio A Inteligencia contra corrente [Năo se aplica] I – 1 (dez/1938) Năo
identificado
53 DUARTE, Emo Os pampas e o paraíso verde [Năo se aplica] I – 1 (dez/1938) Năo
identificado
58 FALCĂO, Joăo da Costa Eu os vi no campo [Năo se aplica] I – 1 (dez/1938) Năo
identificado
65 GARCIA, Carlos José Sampaio e o sentido de sua poesia [Năo se aplica] I – 1 (dez/1938) Năo
identificado
69 GOMES, Antonio Osmar Coragem de pensar [Năo se aplica] I – 1 (dez/1938) Năo
identificado
74 GOMES, Orlando Fundamento da autoridade [Năo se aplica] I – 1 (dez/1938) Năo
identificado
88 MARQUES, Alves Um homem ŕ procura de um chiqueiro [Năo se aplica] I – 1 (dez/1938) Năo
identificado
94 MIRANDA, Rodrigues de O anônimo Bonifacio dos Anjos [Năo se aplica] I – 1 (dez/1938) Năo
identificado
119 PALATNECK, Paulo O fenômeno PUSCHKIN [Năo se aplica] I – 1 (dez/1938) Năo

149
identificado
123 PIMENTA, Marcos O mato é maior [Năo se aplica] I – 1 (dez/1938) Năo
identificado
126 PONZI, Alfio Um Purista Ultra-Sensivel [Năo se aplica] I – 1 (dez/1938) Năo
identificado
129 RIBEIRO, Alves Pinheiro Viegas [Năo se aplica] I – 1 (dez/1938) Năo
identificado
138 SILVEIRA, Walter da [O nome consta na capa, mas năo encontramos o texto] [Năo se aplica] I – 1 (dez/1938) Năo
identificado
145 VIANNA, Sodré Água [Năo se aplica] I – 1 (dez/1938) Năo
identificado
20 AUTO, José Music-hall [Năo se aplica] I – 2 (jan/1939) Năo
identificado
22 BALEEIRO, Aliomar Campos Sales, um político [Năo se aplica] I – 2 (jan/1939) Năo
identificado
23 BASTOS, Luiz História e Filosofia [Năo se aplica] I – 2 (jan/1939) Năo
identificado
34 CAMARA, Rui G. Um livro Chileno [Năo se aplica] I – 2 (jan/1939) Năo
identificado
54 DUARTE, Nestor Disciplina por subordinaçăo e disciplina por coordenaçăo [Năo se aplica] I – 2 (jan/1939) Năo
identificado
55 FACÓ, Rui Um negro estúpido [Năo se aplica] I – 2 (jan/1939) Năo
identificado
57 FALCĂO, Joăo da Costa Cadę o poeta negro do Brasil? [Năo se aplica] I – 2 (jan/1939) Năo
identificado
62 FRANCA, Antonio A História Nacional [Năo se aplica] I – 2 (jan/1939) Năo
identificado
68 GOLD, Michael Um homem com um violăo [Năo se aplica] I – 2 (jan/1939) Năo
identificado
71 GOMES, Antonio Osmar Orientaçăo Humanista da Cultura [Năo se aplica] I – 2 (jan/1939) Năo
identificado

150
73 GOMES, Eugenio Dança dos Gentios (poema) [Năo se aplica] I – 2 (jan/1939) Năo
identificado
80 L. P. “!No Pasarán!” [Năo se aplica] I – 2 (jan/1939) Năo
identificado
85 MACHADO FILHO, Macumba [Năo se aplica] I – 2 (jan/1939) Năo
Brasilio identificado
102 NEGRĂO, Odilon Oéste Paraense [Năo se aplica] I – 2 (jan/1939) Năo
identificado
103 NITĂO, Joăo A verdadeira filosofia da vida [Năo se aplica] I – 2 (jan/1939) Năo
identificado
104 NOGUEIRA, Aristeu A insurreiçăo de 1711 a Baía [Năo se aplica] I – 2 (jan/1939) Năo
identificado
124 PIMENTA, Marcos Quatro pessoas em volta de uma mesa [Năo se aplica] I – 2 (jan/1939) Năo
identificado
130 ROLLAND, Romain A Alemanha e os judeus [Năo se aplica] I – 2 (jan/1939) Năo
identificado
132 SAMPAIO, José A rua das vitimas (poema) [Năo se aplica] I – 2 (jan/1939) Năo
identificado
136 SCHAUN, Nelson A atitude de Hugo [Năo se aplica] I – 2 (jan/1939) Năo
identificado
142 VALADARES, José Jonathas Abbott [Năo se aplica] I – 2 (jan/1939) Năo
identificado
144 VIANNA FILHO, Luiz Euclides da Cunha [Năo se aplica] I – 2 (jan/1939) Năo
identificado
147 VIANNA, Sodré Poema do natal do meu lula (poema) [Năo se aplica] I – 2 (jan/1939) Năo
identificado
12 ALBUQUERQUE, Americo Pequena reflexăo sobre o grande poeta [Năo se aplica] I – 3 (ilegível) Năo
identificado
13 ALENCAR, Humberto de Advertęncias [Năo se aplica] I – 3 (ilegível) Năo
identificado
16 ALVES, Gerardo de Souza Uma criança perdida na tempestade (poema) [Năo se aplica] I – 3 (ilegível) Năo

151
identificado
21 BALEEIRO, Aliomar A política externa [Năo se aplica] I – 3 (ilegível) Năo
identificado
25 BASTOS, Humberto Outro romancista de S. Paulo [Năo se aplica] I – 3 (ilegível) Năo
identificado
27 BASTOS, Luiz História Sincera da França [Năo se aplica] I – 3 (ilegível) Năo
identificado
33 CALAZANS, Joăo Cadę o poeta? (poema) [Năo se aplica] I – 3 (ilegível) Năo
identificado
36 CARREIRAL, R. O negro Sabino (poema) [Năo se aplica] I – 3 (ilegível) Năo
identificado
38 CAVALCANTE, Valdemar Dois homens de antigamente [Năo se aplica] I – 3 (ilegível) Năo
identificado
40 CAVALHEIRO, Edgar Nota sobre poço dos paus [Năo se aplica] I – 3 (ilegível) Năo
identificado
41 COSTA, Dias da Antonio Guerra foi a Europa [Năo se aplica] I – 3 (ilegível) Năo
identificado
44 COUTINHO, Afranio A reaçăo anti-burguesa [Năo se aplica] I – 3 (ilegível) Năo
identificado
51 DIĘGES JUNIOR, Manuel Lampiăo e o problema do cangaço [Năo se aplica] I – 3 (ilegível) Năo
identificado
56 FACÓ, Rui Um pintor no “Salon” [Năo se aplica] I – 3 (ilegível) Năo
identificado
59 FERRAZ, Aydano do Cantarei minha poesia mudamente [Năo se aplica] I – 3 (ilegível) Năo
Couto identificado
60 FERREIRA, Ascenso Nocturno (poema) [Năo se aplica] I – 3 (ilegível) Năo
identificado
63 FREITAS JUNIOR, Otavio Dostoiewsky e a Arte [Năo se aplica] I – 3 (ilegível) Năo
identificado
72 GOMES, Antonio Osmar Presença do homem [Năo se aplica] I – 3 (ilegível) Năo
identificado

152
77 GUIMARĂES, Reginaldo O democrata Eça de Queiroz [Năo se aplica] I – 3 (ilegível) Năo
identificado
81 LIMA, Dernival [O nome consta na capa, mas năo encontramos o texto] [Năo se aplica] I – 3 (ilegível) Năo
identificado
83 LIMA, Medeiros Suaves evocaçőes dentro da noite [Năo se aplica] I – 3 (ilegível) Năo
identificado
97 MONTENEGRO, Tullo Raimundo Morais, sua obra e os processos publicitários [Năo se aplica] I – 3 (ilegível) Năo
Hostilio identificado
118 PAIM JUNIOR A alimentaçăo e a classe operária [Năo se aplica] I – 3 (ilegível) Năo
identificado
125 PONZI, Alfanio Vai ser regulamentada a verdade [Năo se aplica] I – 3 (ilegível) Năo
identificado
137 SILVEIRA, Joel Wilson năo se afobe [Năo se aplica] I – 3 (ilegível) Năo
identificado
139 TAVARES, Julio Quem fez o Brasil? [Năo se aplica] I – 3 (ilegível) Năo
identificado
140 TAVARES, Odorico Redescobrimento de Euclides da Cunha [Năo se aplica] I – 3 (ilegível) Năo
identificado
146 VIANNA, Sodré O Negrinho d’Água [Năo se aplica] I – 3 (ilegível) Năo
identificado
2 [autor năo identificado] A “piedade branca” do Sr. Câmara Cascudo [Năo se aplica] I–4 Năo
(13/mai/1939)* identificado
3 [autor năo identificado] Documentos: escrituras de venda de escravos/Negros [Năo se aplica] I–4 Năo
escravos marcados a ferro em brasa (13/mai/1939)* identificado
5 [autor năo identificado] Racismo ridículo [Năo se aplica] I–4 Năo
(13/mai/1939)* identificado
6 [autor năo identificado] Reprovados os candidatos que năo eram brancos [Năo se aplica] I–4 Năo
(13/mai/1939)* identificado
8 [autor năo identificado] Tengo-tengo (um episódio das lutas negras) [Năo se aplica] I–4 Năo
(13/mai/1939)* identificado
9 ALBUQUERQUE, Americo Como compreendo a religiăo negra [Năo se aplica] I–4 Năo

153
(13/mai/1939)* identificado
15 ALVES, Castro Navio Negreiro: tragédia no mar (poema) [Năo se aplica] I–4 Năo
(13/mai/1939)* identificado
29 BASTOS, Luiz Para onde vai a afrologia? [Năo se aplica] I–4 Năo
(13/mai/1939)* identificado
30 BOPP, Raul Negro (poema) [Năo se aplica] I–4 Năo
(13/mai/1939)* identificado
31 BRITTO, Raymundo Minha noite no candomblé (poema) [Năo se aplica] I–4 Năo
(13/mai/1939)* identificado
43 COSTA, Sosigenes Dudú Calunga [Năo se aplica] I–4 Năo
(13/mai/1939)* identificado
45 COUTINHO, Afranio O negro, elemento diferenciador [Năo se aplica] I–4 Năo
(13/mai/1939)* identificado
52 DUARTE, Emo A miragem da aboliçăo [Năo se aplica] I–4 Năo
(13/mai/1939)* identificado
61 FERREIRA, Ascenso Xangô (poema) [Năo se aplica] I–4 Năo
(13/mai/1939)* identificado
67 GÓES, Fernando Variaçőes sobre o negro [Năo se aplica] I–4 Năo
(13/mai/1939)* identificado
70 GOMES, Antonio Osmar Influęncia do negro na sociedade brasileira [Năo se aplica] I–4 Năo
(13/mai/1939)* identificado
76 GUIMARĂES, Reginaldo A divinisaçăo da música negro-brasileira [Năo se aplica] I–4 Năo
(13/mai/1939)* identificado
84 MACHADO FILHO, B. Conversa com negro [Năo se aplica] I–4 Năo
(13/mai/1939)* identificado
105 NOGUEIRA, Aristeu Escravos e trabalhadores livres no nordeste bahiano [Năo se aplica] I–4 Năo
(13/mai/1939)* identificado
128 RAMOS, Arthur O negro no Brasil [Năo se aplica] I–4 Năo
(13/mai/1939)* identificado
134 SAMPAIO, Nelson A criminalidade negra no Brasil [Năo se aplica] I–4 Năo
(13/mai/1939)* identificado

154
143 VIANNA FILHO, Luiz Bantos e Sudaneses no mercado de escravos na Bahia [Năo se aplica] I–4 Năo
(13/mai/1939)* identificado
4 [autor năo identificado] Oitenta e um por cento de anaphabetos (transcriçăo de [Năo se aplica] I – 5 (set/1939) SIM
“Tesis”, órgăo do Syndicato de Trabalhadores do Ensino
da Republica Mexicana)
7 [autor năo identificado] Seiva estudando economia e socialmente os principais [Năo se aplica] I – 5 (set/1939) SIM
municípios do estado: Feira, uma cidade que cresce
11 ALBUQUERQUE, Americo O “Reichinho” de Santa Catarina [Năo se aplica] I – 5 (set/1939) SIM
17 AMORIM, Clovis Carta aos rapazes da “Seiva” [Năo se aplica] I – 5 (set/1939) SIM
19 ARGENTIERE, Romulo A questăo dos americanos [Năo se aplica] I – 5 (set/1939) SIM
28 BASTOS, Luiz O verdadeiro conceito do materialismo [Năo se aplica] I – 5 (set/1939) SIM
32 BURLÁ, Eliezer Um contista na intimidade: Dias da Costa [Năo se aplica] I – 5 (set/1939) SIM
39 CAVALHEIRO, Edgar Castro Alves – o maior poeta do Brasil [Năo se aplica] I – 5 (set/1939) SIM
47 DECUGIS, Henri O que custa uma guerra! [Năo se aplica] I – 5 (set/1939) SIM
48 DELEVSKY, J. A desigualdade Social [Năo se aplica] I – 5 (set/1939) SIM
50 DIAS, Antonio B. Ŕ procura da felicidade [Năo se aplica] I – 5 (set/1939) SIM
64 FRÓES DA MOTTA, O Panorama universal [Năo se aplica] I – 5 (set/1939) SIM
66 GÓES, Fernando A poesia chegou, meu irmăo [Năo se aplica] I – 5 (set/1939) SIM
78 IVO, Ledo Literatura amazonica [Năo se aplica] I – 5 (set/1939) SIM
82 LIMA, Medeiros A vida heróica de Mme. Curie [Năo se aplica] I – 5 (set/1939) SIM
86 MARITAIN, Jacques De Jacques Maritain [Năo se aplica] I – 5 (set/1939) SIM
89 MELLO NETTO, Os estudantes brasileiros e o turismo cultural (secçăo [Năo se aplica] I – 5 (set/1939) SIM
Archimedes problemas dos estudantes)
91 MELO, Afranio Noticias velhas e novas sôbre o Săo Francisco [Năo se aplica] I – 5 (set/1939) SIM
92 MELO, Alberto B. de Província [Năo se aplica] I – 5 (set/1939) SIM
93 MÉLO, Verissimo de Cuidado com o solo europeu [Năo se aplica] I – 5 (set/1939) SIM
95 MIRANDA, Rodrigues de Vôvô Morumgaba [Năo se aplica] I – 5 (set/1939) SIM
101 MONTENEGRO, Tulo Olivio Montenegro e o romance brasileiro [Năo se aplica] I – 5 (set/1939) SIM
Hostilio
155
120 PALATNIK, Paulo O poema de măe preta (poema) [Năo se aplica] I – 5 (set/1939) SIM
122 PIMENTA, Marcos Aconteceu na ladeira [Năo se aplica] I – 5 (set/1939) SIM
131 ROMERO, Abelardo Sonetos [Năo se aplica] I – 5 (set/1939) SIM
133 SAMPAIO, José Os negros cantam poemas (poema) [Năo se aplica] I – 5 (set/1939) SIM
141 TEIXEIRA, Celso Seu Euclides [Năo se aplica] I – 5 (set/1939) SIM
148 VIEGAS NETO, O feijăo e o sonho [Năo se aplica] I – 5 (set/1939) SIM
106 [autor năo identificado] A crise política da Prata NOTAS DA II – 7 (set/1940) SIM
REDAÇÂO
107 [autor năo identificado] A guerra e a economia nacional NOTAS DA II – 7 (set/1940) SIM
REDAÇÂO
108 [autor năo identificado] A juventude no movimento mundial pela paz NOTAS DA II – 7 (set/1940) SIM
REDAÇÂO
109 [autor năo identificado] Esboço da história do petróleo do Lobato NOTAS DA II – 7 (set/1940) SIM
REDAÇÂO
110 [autor năo identificado] Esporte no subúrbio NOTAS DA II – 7 (set/1940) SIM
REDAÇÂO
111 [autor năo identificado] Mulheres e crianças nas minas japonesas NOTAS DA II – 7 (set/1940) SIM
REDAÇÂO
112 [autor năo identificado] Nossa capa NOTAS DA II – 7 (set/1940) SIM
REDAÇÂO
113 [autor năo identificado] O custo da guerra NOTAS DA II – 7 (set/1940) SIM
REDAÇÂO
114 [autor năo identificado] O livro ocidental na China NOTAS DA II – 7 (set/1940) SIM
REDAÇÂO
115 [autor năo identificado] Pensamento e realidade NOTAS DA II – 7 (set/1940) SIM
REDAÇÂO
116 [autor năo identificado] Um ano de vida NOTAS DA II – 7 (set/1940) SIM
REDAÇÂO
10 ALBUQUERQUE, Americo Conversa com Euclides da Cunha [Năo se aplica] II – 7 (set/1940) SIM
14 ALMEIDA, Valdemar O humanismo de Euclides da Cunha [Năo se aplica] II – 7 (set/1940) SIM

156
35 CAMARĂO, Clovis O panteísmo dos negros do Recife [Năo se aplica] II – 7 (set/1940) SIM
49 DELGADO, Luiz Livros novos (resenhas): “A vida de Nijinsky” – Romola [Năo se aplica] II – 7 (set/1940) SIM
NIJINSK
75 GUARNIERI, Rossine O Preto Serafim caiu do andaime (poema) [Năo se aplica] II – 7 (set/1940) SIM
Camargo
79 KLABER, Kurt Como se trabalha numa fabrica japonesa [Năo se aplica] II – 7 (set/1940) SIM
87 MARQUES JUNIOR, Técnica de informaçăo [Năo se aplica] II – 7 (set/1940) SIM
Antonio
90 MELLO, Carlos de Da liberalismo ao Planismo [Năo se aplica] II – 7 (set/1940) SIM
96 MONTENEGRO, Joăo Reflexőes sobre Sosigenes da Cunha [Năo se aplica] II – 7 (set/1940) SIM
98 MONTENEGRO, Tulo Livros novos (resenhas): “A Esperança” – André MALRAUX [Năo se aplica] II – 7 (set/1940) SIM
Hostilio
99 MONTENEGRO, Tulo Livros novos (resenhas): “Caçadores de micróbios” – Paul [Năo se aplica] II – 7 (set/1940) SIM
Hostilio de KRUIF
100 MONTENEGRO, Tulo Livros novos (resenhas): “O Patriota” – Pearl S. BUCK [Năo se aplica] II – 7 (set/1940) SIM
Hostilio
117 OTELO, Miguel Siembra (poema) [Năo se aplica] II – 7 (set/1940) SIM
121 PALATNIK, Paulo O verdadeiro conceito de literatura [Năo se aplica] II – 7 (set/1940) SIM
127 PORTO, Gay Marques “Yes, nós temos petróleo”... [Năo se aplica] II – 7 (set/1940) SIM
135 SAMPAIO, Nilson de A liçăo do petróleo [Năo se aplica] II – 7 (set/1940) SIM
Souza
149 VLADIMIR, V. Os Estados Gerais [Năo se aplica] II – 7 (set/1940) SIM
173 [autor năo identificado] 12 milhőes de toneladas métricas de minérios NOTAS DA II – 8 (dez/1940) SIM
REDAÇĂO
176 [autor năo identificado] A economia, ŕs sombras da grande Companhia Brasileira [Năo se aplica] II – 8 (dez/1940) SIM
“Alliança do Lar Limitada”
169 [autor năo identificado] A guerra e os industriais no Brasil NOTAS DA II – 8 (dez/1940) SIM
REDAÇĂO
166 [autor năo identificado] As inversőes inglesas no mundo NOTAS DA II – 8 (dez/1940) SIM
REDAÇĂO

157
168 [autor năo identificado] As oscilaçőes do salário rural em 1939 NOTAS DA II – 8 (dez/1940) SIM
REDAÇĂO
175 [autor năo identificado] As reivindicaçőes da lavoura cacaueira REPORTAGEM II – 8 (dez/1940) SIM
164 [autor năo identificado] Como văo os intelectuais pelo mundo NOTAS DA II – 8 (dez/1940) SIM
REDAÇĂO
163 [autor năo identificado] Mensagem ŕ inteligęncia da América NOTAS DA II – 8 (dez/1940) SIM
REDAÇĂO
171 [autor năo identificado] Mil e quinhentos periódicos suspensos na Alemanha NOTAS DA II – 8 (dez/1940) SIM
desde 1933 REDAÇĂO
167 [autor năo identificado] Nossa desorganizaçăo econômica NOTAS DA II – 8 (dez/1940) SIM
REDAÇĂO
172 [autor năo identificado] O ferro da Europa NOTAS DA II – 8 (dez/1940) SIM
REDAÇĂO
170 [autor năo identificado] O monopólio na indústria farmacęutica NOTAS DA II – 8 (dez/1940) SIM
REDAÇĂO
174 [autor năo identificado] O ouro europeu nos Estados Unidos NOTAS DA II – 8 (dez/1940) SIM
REDAÇĂO
165 [autor năo identificado] Receita do Município de Ilheus NOTAS DA II – 8 (dez/1940) SIM
REDAÇĂO
152 CAETANO FILHO, Manuel Vozes do Mundo (poema) [Năo se aplica] II – 8 (dez/1940) SIM
159 COSTA, Sosigenes Lá foi a viola (poema) [Năo se aplica] II – 8 (dez/1940) SIM
162 COUTINHO, Carlos “Baianas” [Năo se aplica] II – 8 (dez/1940) SIM
150 DIAS, Antonio B. A uniăo entre as americas [Năo se aplica] II – 8 (dez/1940) SIM
161 GOUVĘA, Orlando A Inglaterra julgada por um inglęs [Năo se aplica] II – 8 (dez/1940) SIM
156 HARDING, F. Swann Para quem é a cięncia? [Năo se aplica] II – 8 (dez/1940) SIM
160 HUGHES, Langston Quando o escritor negro deixa de ser exótico, năo vende [Năo se aplica] II – 8 (dez/1940) SIM
seus livros
157 NERUDA, Pablo Um trecho de Pablo Neruda [Năo se aplica] II – 8 (dez/1940) SIM
155 PARAGUASSÚ, Nicolau Também devemos falar frente a frente [Năo se aplica] II – 8 (dez/1940) SIM
154 PEÇANHA, Ives Interpretaçăo do conflito Democracia X Fascismo [Năo se aplica] II – 8 (dez/1940) SIM
158
151 ROLLAND, Romain Palavras ŕ mocidade [Năo se aplica] II – 8 (dez/1940) SIM
158 SAMPAIO, Nelson de A contradiçăo de Carrel [Năo se aplica] II – 8 (dez/1940) SIM
Souza
153 VIEIRA, Luiz A “imparcialidade” das filosofias [Năo se aplica] II – 8 (dez/1940) SIM
248 [autor năo identificado] A conferęncia de Moscou dará novos rumos ŕ guerra NOTAS DA III - 10 SIM
mundial REDAÇÂO (out/1941)
238 [autor năo identificado] A. C. Mirante III - 10 SIM
(out/1941)
240 [autor năo identificado] Ainda o cinema brasileiro Cinema e Rádio III - 10 SIM
(out/1941)
235 [autor năo identificado] As liçőes que nos dá o caso da Bolivia Nota do męs III - 10 SIM
(out/1941)
241 [autor năo identificado] Calcanhar de Aquiles Cinema e Rádio III - 10 SIM
(out/1941)
239 [autor năo identificado] Hollywood e a guerra Cinema e Rádio III - 10 SIM
(out/1941)
249 [autor năo identificado] Infiltraçăo nazista na América do Sul NOTAS DA III - 10 SIM
REDAÇÂO (out/1941)
237 [autor năo identificado] Lima Barreto Escritores da III - 10 SIM
América (out/1941)
244 [autor năo identificado] Negociaçőes Nipo-Americanas NOTAS DA III - 10 SIM
REDAÇĂO (out/1941)
242 [autor năo identificado] Noticias diversas Cinema e Rádio III - 10 SIM
(out/1941)
236 [autor năo identificado] O imposto de renda na Bahia Problemas da III - 10 SIM
Bahia (out/1941)
243 [autor năo identificado] O Japăo deseja pescar num rio revolto NOTAS DA III - 10 SIM
REDAÇĂO (out/1941)
247 [autor năo identificado] O pensamento vivo de Mandariaga sobre a paz NOTAS DA III - 10 SIM
REDAÇÂO (out/1941)
246 [autor năo identificado] Pontos de vista de Bernard Shaw NOTAS DA III - 10 SIM
159
REDAÇÂO (out/1941)
245 [autor năo identificado] Salvemos a cultura NOTAS DA III - 10 SIM
REDAÇÂO (out/1941)
233 ANDRADE, Ariston Em crise o aero-club REPORTAGEM III - 10 SIM
(out/1941)
219 BASTOS, Luiz Observaçőes sobre o problema judaico Política, Economia III - 10 SIM
e Cięncia (out/1941)
234 CALDEIRA, Clovis O reconcavo bahiano e suas possibilidades REPORTAGEM III - 10 SIM
(out/1941)
232 CAMPOS, Aldenor O ensino primário do sertăo REPORTAGEM III - 10 SIM
(out/1941)
221 CAVALCANTE, Waldemar Usina e Banguę: elementos da paisagem rural do Política, Economia III - 10 SIM
Nordeste e Cięncia (out/1941)
229 COUTINHO, Afranio A inteligencia e a crise História, Artes e III - 10 SIM
Literatura (out/1941)
225 DIEGUES JUNIOR, A principal causa das crises do Nordeste Política, Economia III - 10 SIM
Manuel e Cięncia (out/1941)
222 LABERENNE, Paul Vida e Obra de Descartes Política, Economia III - 10 SIM
e Cięncia (out/1941)
227 MEDEIROS, Aluísio Alegoria (poema) História, Arte e III - 10 SIM
Literatura (out/1941)
228 MENDEZ, Julio Ortega y Garret - um pensador vulgar História, Arte e III - 10 SIM
Literatura (out/1941)
224 MENDOZA, Adalberto Novas diretrizes para a matemática Política, Economia III - 10 SIM
Garcia e Cięncia (out/1941)
230 MORAIS, Santos O drama das geraçőes do século História, Artes e III - 10 SIM
Literatura (out/1941)
223 NITĂO, Joăo Esquema sobre a organizaçăo da agricultura Política, Economia III - 10 SIM
e Cięncia (out/1941)
220 PEREIRA, Augusto de Questőes de política internacional Política, Economia III - 10 SIM
Gusmăo e Cięncia (out/1941)

160
231 PINTO, Luís Bibliografia historica da Paraíba História, Arte e III - 10 SIM
Literatura (out/1941)
226 SOARES, Rodrigo A posiçăo humanista perante a literatura História, Arte e III - 10 SIM
Literatura (out/1941)
277 [autor năo identificado] "cidadăo Kane" Cinema e Rádio III - 11 SIM
(dez/1941)
285 [autor năo identificado] A mulher e a guerra Notas da redaçăo III - 11 SIM
(dez/1941)
273 [autor năo identificado] A queda do trafico maritimo Motivos Nacionais III - 11 SIM
(dez/1941)
276 [autor năo identificado] A. C. Mirante III - 11 SIM
(dez/1941)
280 [autor năo identificado] Aluminio por baijo Cinema e Rádio III - 11 SIM
(dez/1941)
272 [autor năo identificado] Amparo ŕ borracha Motivos Nacionais III - 11 SIM
(dez/1941)
288 [autor năo identificado] Anti-semitismo nos Estados Unidos Notas da redaçăo III - 11 SIM
(dez/1941)
283 [autor năo identificado] Atrocidades que explicam a derrota dos japoneses na Notas da redaçăo III - 11 SIM
China (dez/1941)
284 [autor năo identificado] Cem anos alemăes Notas da redaçăo III - 11 SIM
(dez/1941)
279 [autor năo identificado] Cenário Surrealista Cinema e Rádio III - 11 SIM
(dez/1941)
269 [autor năo identificado] Dos pampas ecôa um brado alerta Nota de Męs III - 11 SIM
(dez/1941)
274 [autor năo identificado] Escolas Rurais Ambulantes Motivos Nacionais III - 11 SIM
(dez/1941)
281 [autor năo identificado] O acebispo de Canterbury e a Guerra Notas da redaçăo III - 11 SIM
(dez/1941)
275 [autor năo identificado] O Brasil exporta tecnologia Motivos Nacionais III - 11 SIM

161
(dez/1941)
270 [autor năo identificado] O comércio interno do cacau bahiano Problemas da III - 11 SIM
Bahia (dez/1941)
278 [autor năo identificado] Orson Welles Cinema e Rádio III - 11 SIM
(dez/1941)
271 [autor năo identificado] Os estudantes acordam Motivos Nacionais III - 11 SIM
(dez/1941)
282 [autor năo identificado] Quanto custa a guerra Notas da redaçăo III - 11 SIM
(dez/1941)
287 [autor năo identificado] Que ocorre quano se casam pessoas de raça diferentes? Notas da redaçăo III - 11 SIM
(dez/1941)
286 [autor năo identificado] Retrado de Mme. Curie Notas da Redaçăo III - 11 SIM
(dez/1941)
254 [Por um observador Já falamos em anos de guerra... Mas, quando terminará? Política, Economia III - 11 SIM
militar] e Cięncia (dez/1941)
267 ANDRADE, Ariston A miséria come e dorme em casas de 20$ REPORTAGEM III - 11 SIM
(dez/1941)
260 BASTOS, Abguar Multidăo e Individuo História, Artes e III - 11 SIM
Literatura (dez/1941)
256 BORGES, J. Carlos O Brasil e seu potencial hidraulico Política, Economia III - 11 SIM
e Cięncia (dez/1941)
261 DIEGUES JUNIOR, M O Recife e os holandesęs História, Artes e III - 11 SIM
Literatura (dez/1941)
265 DUARTE, Emo Afonso Schmidt e o romance da aboliçăo História, Artes e III - 11 SIM
Literatura (dez/1941)
268 FACÓ, Rui Osvaldo Goeldi fala de arte REPORTAGEM III - 11 SIM
(dez/1941)
263 FELIPE, Julio Subjetivismo e Humanismo História, Artes e III - 11 SIM
Literatura (dez/1941)
255 GOUVEIA, A. Da física de Descartes ŕ física de Newton Política, economia III - 11 SIM
e Cięncia (dez/1941)

162
264 KORDON, Bernardo Aspectos historicos e socais da raça negra no Brasil História, Artes e III - 11 SIM
Literatura (dez/1941)
253 M. M. Os judeus e a luta contra o Anti-semitísmo Política, Economia III - 11 SIM
e Cięncia (dez/1941)
252 MAIA, Joăo Questőes de política internacional Política, Economia III - 11 SIM
e Cięncia (dez/1941)
262 MANN, Thomas (trad: Um documento que honra a grandeza do espírito História, Artes e III - 11 SIM
COUTINHO, Afranio) Literatura (dez/1941)
258 MARINELLO, Juan Paralelo entre Gorki e Unamuno História, Artes e III - 11 SiM
Literatura (dez/1941)
266 MATOS, Edgard Vencer na vida (conto) História, Artes e III - 11 SIM
Literatura (dez/1941)
257 PAIN JUNIOR Socialisaçăo da Medicina Política, Economia III - 11 SIM
e Cięncia (dez/1941)
251 PARAGUASSÚ, Nicolau Ŕ margem de estudos sobre o solo e fosseis da Bahia Política, Economia III - 11 SIM
e Cięncia (dez/1941)
259 PUIGRO'SS, Rodolfo O carater da Revoluçăo do Sul na luta pela emancipaçăo História, Artes e III - 11 SIM
argentina Literatura (dez/1941)
314 [Autor năo Identificado] A Condor já năo faz espionagem Motivos Nacionais III - 12 (ju/1942) SIM
322 [Autor năo identificado] A Mulher na França Notas da Redaçăo III - 12 (ju/1942) SIM
324 [Autor năo identificado] A Quinta Coluna Japonesa no Brasil Notas da Redaçăo III - 12 (ju/1942) SIM
318 [Autor năo identificado] A Rádo Nacional e a Quinta Coluna Cinema e Rádio III - 12 (ju/1942) SIM
321 [Autor năo identificado] A responsabilidade dos professores na hora presente Notas da Redaçăo III - 12 (ju/1942) SIM
309 [Autor năo identificado] A Uniăo Nacional pela Defesa da Pátria Nota do Męs III - 12 (ju/1942) SIM
319 [Autor năo identificado] A voz da América Cinema e Rádio III - 12 (ju/1942) SIM
320 [Autor năo identificado] Ainda Carmen Miranda Cinema e Rádio III - 12 (ju/1942) SIM
323 [Autor năo Identificado] Anticultura Nazista Notas da Redaçăo III - 12 (ju/1942) SIM
295 [Autor năo identificado] China: fortaleza da liberdade no oriente Política, Economia III - 12 (ju/1942) SIM
e Ciencia
333 [Autor năo identificado] Colégio de Espionagem Notas da Redaçăo III - 12 (ju/1942) SIM
163
331 [Autor năo identificado] Demos Asas ao Brasil Notas da Redaçăo III - 12 (ju/1942) SIM
310 [Autor năo identificado] Ensino Proficional Motivos Nacionais III - 12 (ju/1942) SIM
313 [Autor năo Identificado] Exportaçăo Bahiana de 1941 Motivos Nacionais III - 12 (ju/1942) SIM
315 [Autor năo identificado] Graça a arte de Walty Disney Cinema e Rádio III - 12 (ju/1942) SIM
306 [Autor năo identificado] Ilya Ehrenburg tira instantaneos da Guerra História, Arte e III - 12 (ju/1942) SIM
Literatura
326 [Autor năo identificado] Novos nomes para a História Notas da Redaçăo III - 12 (ju/1942) SIM
328 [Autor năo Identificado] O Brasil combate a Quinta Coluna Notas da Redaçăo III - 12 (ju/1942) SIM
317 [Autor năo identificado] O Dia Pan Americano no Ar Cinema e Rádio III - 12 (ju/1942) SIM
329 [Autor năo identificado] O Esforço de Guerra na Austrália Notas da Redaçăo III - 12 (ju/1942) SIM
298 [Autor năo identificado] O Fatos decisivo da Guerra Política, Economia III - 12 (ju/1942) SIM
e Cięncia
296 [Autor năo identificado] O Glaucínio revoluciona a industria da guerra Política, Economia III - 12 (ju/1942) SIM
e Cięncia
311 [Autor năo identificado] O Pan Americanismo olhado de frente Motivos Nacionais III - 12 (ju/1942) SIM
325 [Autor năo identificado] Os Hungaros Livres no Exercito dos Revoltados Notas da Redaçăo III - 12 (ju/1942) SIM
330 [Autor năo identificado] Os jangadeiros e o cinema Notas da Redaçăo III - 12 (ju/1942) SIM
327 [Autor năo identificado] Pobreza Literária Notas da Redaçăo III - 12 (ju/1942) SIM
332 [Autor năo identificado] Tatico Nazista Notas da Redaçăo III - 12 (ju/1942) SIM
316 [Autor năo Identificado] Tempestades d'Água Cinema e Rádio III - 12 (ju/1942) SIM
312 [Autor năo identificado] Um problema de transporte Motivos Nacionais III - 12 (ju/1942) SIM
305 COSTA, Dias da A hora negra dos profetas pardos História, Arte e III - 12 (ju/1942) SIM
Litaratura
294 CRIPPS, Stafford A Guerra na Rússia Política, Economia III - 12 (ju/1942) SIM
e Ciencia
293 FALCĂO, Costa Como a juventude deve lutar pela defesa da pátria Política, Economia III - 12 (ju/1942) SIM
e Ciencia
307 FERRAZ, Aydano do Momento pela Manhă (poema) História, Arte e III - 12 (ju/1942) SIM
Couto Literatura

164
300 J. L. Mr. John Gunther e a América Latina História, Arte e III - 12 (ju/1942) SIM
Literatura
303 PAIM, Gilberto O trabalhador dos cacauais História, Arte e III - 12 (ju/1942) SIM
Literatura
297 PARAGUASSÚ, Nicolau Ŕ margem de estudos sobre o solo e fosseis da Bahia Política, Economia III - 12 (ju/1942) SIM
e Cięncia
302 PERALVA, Oswaldo Heróis do Mundo Moderno História, Arte e III - 12 (ju/1942) SIM
Literatura
304 RODRIGUES, Humberto Cançăo da Aurora História, Arte e III - 12 (ju/1942) SIM
Literatura
308 SANTIAGO FILHO, Enoch Credo (poema) História, Arte e III - 12 (ju/1942) SIM
Literatura
299 WHITMAN, Walt Saudaçăo de Natal História, Arte e III - 12 (ju/1942) SIM
Literatura
301 ZINGG, Paulo Na hora decisiva do destia da humanidade História, Arte e III - 12 (ju/1942) SIM
Literatura
292 [autor năo identificado] Acordo entre o Brasil e os Estados Unidos para a Política, Economia III - 12 (jul/1942) SIM
exploraçăo do vale do Amazonas e a defesa continental e Cięncia
291 [autor năo identificado] O Vulcăo "Nova Ordem" Política, Economia III - 12 (jul/1942) SIM
e Cięncia
290 CALVETE, Santiago Alerta América Política, Economia III - 12 (jul/1942) SIM
Sanchez e Cięncia
289 HOMES, Howard O desenvolvimento economico da América Latina pode Política, Economia III - 12 (jul/1942) SIM
pôr fim ŕs intrigas do Eixo e Cięncia
204 [Autor năo identificado] "Shorts" Cinema e Rádio III - 9 (jul/1941) SIM
210 [Autor năo identificado] 1ş ou 15 de maio? NOTAS DA III - 9 (jul/1941) SIM
REDAÇÂO
200 [Autor năo identificado] A irradiaçăo do Banco do Brasil no interior do estado Problemas da III - 9 (jul/1941) SIM
Bahia
213 [Autor năo identificado] Capitalismo e Banqueiros NOTAS DA III - 9 (jul/1941) SIM
REDAÇÂO

165
217 [Autor năo identificado] Concurso de reportagens NOTAS DA III - 9 (jul/1941) SIM
REDAÇÂO
205 [Autor năo identificado] De rádio Cinema e Rádio III - 9 (jul/1941) SIM
198 [Autor năo identificado] Dois de Julho Nota do Męs III - 9 (jul/1941) SIM
208 [Autor năo identificado] Dorothy Thompson fala a verdade NOTAS DA III - 9 (jul/1941) SIM
REDAÇÂO
203 [Autor năo identificado] Frank Capra, o moralista Cinema e Rádio III - 9 (jul/1941) SIM
199 [Autor năo Identificado] John Passos Escritores das III - 9 (jul/1941) SIM
Américas
218 [Autor năo identificado] Mensagem ŕ inteligencia da América NOTAS DA III - 9 (jul/1941) SIM
REDAÇÂO
209 [Autor năo identificado] O artista no cinema: Douglas Fairbanks e a propaganda de NOTAS DA III - 9 (jul/1941) SIM
guerra REDAÇÂO
215 [Autor năo identificado] O caso Hess e a invasăo da Rússia NOTAS DA III - 9 (jul/1941) SIM
REDAÇÂO
207 [Autor năo identificado] O imperialísmo e a Paz NOTAS DA III - 9 (jul/1941) SIM
REDAÇÂO
216 [Autor năo identificado] Os estudantes uruguaios NOTAS DA III - 9 (jul/1941) SIM
REDAÇÂO
214 [Autor năo Identificado] Os refugiados espanhois na França estăo ameaçados NOTAS DA III - 9 (jul/1941) SIM
REDAÇĂO
206 [Autor năo identificado] Retrato de Pierre Laval NOTAS DA III - 9 (jul/1941) SIM
REDAÇĂO
212 [Autor năo identificado] Surrealismo NOTAS DA III - 9 (jul/1941) SIM
REDAÇÂO
202 [Autor năo identificado] Uma marca na História do Cinema Cinema e Rádio III - 9 (jul/1941) SIM
211 [Autor năo identificado] Uniăo da América Latina NOTAS DA III - 9 (jul/1941) SIM
REDAÇÂO
184 ALEXANDROVA, A. As bases navais dos Estados Unidos Política, Economia III - 9 (jul/1941) SIM
e Cięncia
187 BRAGA, Rubem Rumba Arte e Literatura III - 9 (jul/1941) SIM
166
191 CAETANO FILHO, Manoel Agonia de artista (poema) Arte e Literatura III - 9 (jul/1941) SIM
180 CAMACHO P, Virgilio A Biologia e a interpretaçăo moderna de alguns Politica, Economia III - 9 (jul/1941) SIM
fenomenos sociais e Cięncia
197 CAMPOS, Aldenor Novo rumo na teoria dos logarítimos REPORTAGEM III - 9 (jul/1941) SIM
201 CASAS, Aureliano Açăo Social da Escola Rural Educaçăo III - 9 (jul/1941) SIM
Esquivel
179 DIEGES JUNIOR, Manoel O Engenho como centro de civilizaçăo Politica, Economia III - 9 (jul/1941) SIM
e Cięncia
186 DRUMOND DE Congresso Internacional de Poesia (poema) Arte e Literatura III - 9 (jul/1941) SIM
ANDRADE, Carlos
181 E. B. A Unidade Nacional da China foi golpeada Política, Economia III - 9 (jul/1941) SIM
e Cięncia
193 FIGUEIRA, Gastón Batuque (poema) Arte e Literatura III - 9 (jul/1941) SIM
177 GOMES, Orlando A Revoluçăo da Independencia Política, Economia III - 9 (jul/1941) SIM
e Cięncia
192 LINS, Wilson Manipueira Arte e Literatura III - 9 (jul/1941) SIM
189 MEDEIROS, Aluísio O grande sinal Arte e Literatura III - 9 (jul/1941) SIM
188 MORAES, Ernesto Poeta afro-cubanos Arte e Literatura III - 9 (jul/1941) SIM
194 MORAES, Santos Capítulo Nove Arte e Literatura III - 9 (jul/1941) SIM
182 NITĂO, Joăo A Terra ainda é Dona Demais Política, Economia III - 9 (jul/1941) SIM
e Cięncia
185 PINTO, Luiz Entradas da civilizaçăo paraibana Política, Economia III - 9 (jul/1941) SIM
e Cięncia
190 PRIESTLEY, J. B. Escrevo em nome de um destroço ensanguentado Arte e Literatura III - 9 (jul/1941) SIM
196 RODRIGO JUNIOR Música do Brasil Arte e Literatura III - 9 (jul/1941) SIM
178 TOLEDANO, L Colaboraçăo Anglo-Américana Politica, Economia III - 9 (jul/1941) SIM
e Ciencia
195 VERGARA, Telma Tręs páginas inconsistentes Arte e Literatura III - 9 (jul/1941) SIM
183 WESSEN, Robert Esta guerra năo é nossa Política, Economia III - 9 (jul/1941) SIM
e Cięncia
167
168

Você também pode gostar