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PUC-SP
Contraponto Hipermídia:
SÃO PAULO
2009
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Contraponto Hipermídia:
SÃO PAULO
2009
2
Banca Examinadora
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3
Resumo
O principal interesse desta pesquisa foi buscar, através de reflexão e produção, respostas
para a possibilidade de construção de uma mensagem hipermidiática a partir de uma inter-
relação das linguagens não hierárquica, agregando repertórios de variados níveis. Também
importante foi colocar em questão a possibilidade de utilização de uma linguagem
rizomática, mais próxima do modo natural como se estabelece o pensamento humano.
Para alcançar estes objetivos longe das padronizações e partindo do critério da não
hierarquia entre as linguagens, o foco foi estudar métodos de composição ao longo da
história que se estabeleceram na articulação das unidades em prol da elaboração do todo,
mas sem, entretanto, desprezar suas particularidades. A partir dos estudos sobre a
linguagem sonora se encontrou o contraponto musical de Bach mais especificamente da
técnica de composição de fugas, e também da música dodecafônica de Schoenberg e por
conseqüência o serialismo. Da linguagem visual a montagem polifônica de Eisenstein
mostrou-se adequada tendo em vista que amplia os conceitos de contraponto para o
audiovisual. Da linguagem verbal a poesia concreta e a obra “Nome” de Arnaldo Antunes
completam o percurso em direção ao contraponto hipermídia.
Para sustentação teórica foi necessário desenvolver pesquisa diacrônica das linguagens
citadas, os aspectos sincrônicos teóricos e técnicos da hipermídia e os estudos semióticos.
Optou-se pela Teoria geral dos signos de Charles Sanders Peirce dirigidos em dois pontos
fundamentais. O primeiro relacionado ao modo como se estabelece a percepção e o
pensamento: a seqüencialidade do pensamento não é linear e se realiza conectando
informações variadas e até mesmo distantes dentro de um processo de edição que seleciona
os conteúdos percebidos e processados pelo cérebro. Entende-se que ocorre permanente
interrupção e retomada destes conteúdos que são atualizados constantemente,
confrontando com o repertório de informação de cada indivíduo e gerando o pensamento
consciente. Mais especificamente para este fim considero os avanços teóricos realizados por
Lucia Santaella como o mais indicado. O segundo ponto diz respeito à criação da hipermídia.
Para apoiar teoricamente este trabalho considero a Tradução Intersemiótica de Júlio Plaza
como fundamental no desenvolvimento coerente dos elementos Sonoros Visuais Verbais,
bem como na inter-relação entre eles.
Palavras-chave:
4
Abstract
Hypermedia counterpoint: a proposal on interrelation of languages.
The main interest of this research was to search for, through reflection and production,
answers to the possibility of the construction of a hypermediatic message originated from a
nonhierarchical interrelation of languages, aggregating repertories from varied levels. It was
also important to raise the question concerning the possibility of the utilization of a
rizomatic language, closer to the natural way the human process of thinking is established.
In order to reach these objectives without the use of standardizations and based on a
nonhierarchical criterion among languages, the focus was studying methods of composition
throughout history which were established in the articulation of the units concerning the
elaboration of the whole, but without, though, leaving out its particularities. From the
studies on the language of sound Bach’s musical counterpoint was found, more specifically
from the technique of fugue composition, and also from the dodecaphonic music by
Schoenberg and consequently the serialism. With respect to visual language, Eisenstein’s
polyphonic assemblage showed to be adequate since it broadens the concepts of
counterpoint to the audiovisual. As for the verbal language concrete poetry and the piece
“Nome” by Arnaldo Antunes complete the way towards the hypermedia counterpoint.
Regarding the theoretical basis it was necessary to develop a diachronic research on the
cited languages, the theoretical and technical synchronic aspects of hypermedia and the
semiotic studies.
The General Theory of Signs by Charles Sanders Peirce was opted and lead towards two
fundamental points. The first is related to the way perception and thinking occur: the
sequentiality of thinking isn’t linear and it takes place in the connection of varied and even
distant information in a process of edition which selects the perceived and processed
contents by the brain. It is known that there’s the occurrence of permanent interruption and
retake of these contents that are updated constantly, confronting with the repertory of
information of each individual and generating the conscious thinking. More specifically for
this purpose I consider the theoretical advances accomplished by Lucia Santaella as the most
indicated. The second point is concerning the creation of the hypermedia. To sustain that
work theoretically, I consider the Intersemiotic Translation by Julio Plaza as fundamental in
the coherent development of the sonic, visual and verbal elements, as well as the
interrelation among them.
The concepts related to the new technologies present in the main chains as the thinking of
Pierre Lévy, Edmond Couchot, Lev Manovich, Julio Plaza, Lucia Santaella e Arlindo Machado
among others, were considered towards the observation of convergences and divergences,
in the search for more adequate concepts to ground the hypermedia counterpoint.
Keywords:
Este trabalho foi totalmente desenvolvido para ser apresentado em forma de hipermídia. O
texto impresso é apenas o conteúdo verbal bruto da hipermídia, mas não tem os links e nem
os materiais sonoros e visuais do DVD. Portanto, preferencialmente deve-se optar pela
leitura da hipermídia e não do texto impresso.
6
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
7
Figura 28 Série de "ataques". Boulez. Fonte: (Penalva, 1990) ..............................................122
Figura 29 Serialização global. Fonte: (Penalva, 1990) ...........................................................123
Figura 30 Série "Stop" de Stockhausen. Fonte: (Penalva, 1990)...........................................124
Figura 31 Exemplos de composição da imagem. Frames isolados.........................................135
Figura 32 Seqüência do filme "O Novo e o Velho" de Eisenstein. Múltiplos pontos de vista da
câmera. ...................................................................................................................................136
Figura 33 Seqüência do filme "O Novo e o Velho" de Eisenstein. Ênfase da composição
gráfica. ....................................................................................................................................136
Figura 34 Seqüência do filme "O Novo e o Velho" de Eisenstein. Cena do envenenamento da
vaca.........................................................................................................................................137
Figura 35 Seqüência do filme "O Novo e o Velho" de Eisenstein...........................................138
Figura 36 Seqüência do filme "O Novo e o Velho" de Eisenstein...........................................139
Figura 37 Movimento por contrastes.....................................................................................140
Figura 38 Seqüência sonora. ..................................................................................................141
Figura 39 Duas páginas do poema Un Coup de Dés de Mallarmé. ........................................144
Figura 40 Guillaume Apollinaire, Lettre-Océan, 1914............................................................146
Figura 41 Frames do clipoema Pessoa. ..................................................................................156
8
SUMÁRIO
Introdução( .....................................................................................................................11
(1) hipermídia..................................................................................................................19
O mesmo...............................................................................................................................19
A barreira ..............................................................................................................................20
Livro ......................................................................................................................................21
Hipertmeíxdtioa....................................................................................................................23
Entre um e outro ..............................................................................................................26
+ para a Hipermídia ..........................................................................................................28
+ definições.......................................................................................................................29
Interface................................................................................................................................33
Interatividade .......................................................................................................................40
Interatividade diacrônica..................................................................................................41
Interatividade sincrônica (abertura de terceiro grau)......................................................45
Interatividade X reatividade .............................................................................................47
(2) Inter-Relação das linguagens Sonora, Visual e Verbal (IR SVV).....................................51
Teoria Geral dos Signos ........................................................................................................51
Primeiro a Fenomenologia ...............................................................................................52
, depois(agora) a Semiótica. .............................................................................................53
Matrizes da Linguagem e do Pensamento ...........................................................................58
A ligação entre Pensamento e Linguagem: ......................................................................58
3 matrizes 3 eixos .............................................................................................................60
Lógica das Matrizes ..........................................................................................................62
Tradução InterSemiótica (TI) ................................................................................................64
Tipologia de Traduções InterSemióticas: .........................................................................67
As Linguagens Sonora Visual Verbal.....................................................................................70
IR SVV é um fenômeno natural. .......................................................................................70
Entrando um pouco nos eixos ..........................................................................................73
Linguagem sonora ........................................................................................................73
Linguagem visual ..........................................................................................................76
Linguagem verbal .........................................................................................................82
Conceito de fragmentação ...................................................................................................86
O conceito de fragmentação nas linguagens audiovisuais ..............................................89
(3) Referências históricas de inter-relação teórica e prática..............................................94
Contraponto .........................................................................................................................94
Monodia ...........................................................................................................................94
Polifonia............................................................................................................................95
+ Contraponto ..................................................................................................................99
Sintaxe contrapontística.................................................................................................107
Johann Sebastian Bach ...................................................................................................110
Serialismo .......................................................................................................................114
Dodecafonismo...............................................................................................................115
Schoenberg.....................................................................................................................116
Princípio da apreensibilidade .........................................................................................124
9
Montagem de Eisenstein....................................................................................................126
Sergei Eisenstein.................................................................................................................128
Representação e imagem ...............................................................................................128
Montagem Vertical.............................................................................................................129
Composição e movimento..................................................................................................134
Poesia Concreta ..................................................................................................................142
Vídeo Poesia e Nome......................................................................................................155
(4) Contraponto Hipermídia: final .................................................................................. 165
composi(cria)ção: ...........................................................................................................166
e a Semiótica: .................................................................................................................171
Bibliografia.................................................................................................................... 174
10
Contraponto Hipermídia = CH
: uma proposta de
inter-relação de linguagens.
Introdução(
Os acontecimentos ocorridos nestes últimos anos em relação às novas tecnologias da
comunicação e informação têm apresentado novos aspectos no modo de produção,
transmissão e recepção de mensagens. Muitos teóricos têm enfatizado a importância deste
momento como um dos maiores acontecimentos da história humana, influenciando os mais
diversos setores da sociedade. A cada nova descoberta, a cada nova invenção, as linguagens
se alastram e se desenvolvem mais rapidamente e por múltiplos caminhos.
O surgimento das novas mídias, a hibridização das linguagens e a convergência dos meios,
potencializam um novo tipo de mensagem focado na inter-relação das linguagens sonora,
visual, verbal determinando uma recepção diferenciada. Esta multiplicidade de informação
ofertada simultaneamente para o receptor pode ser explorada em uma linguagem especial
chamada de HIPERMÍDIA, como já ocorre tanto online na rede mundial de computadores,
quanto em mídias offline em CDs ou DVDs. Entretanto o ponto focal da pesquisa é propor
uma concepção de MENSAGEM NÃO HIERARQUIZADA, e que apresente maior
INDEPENDÊNCIA ENTRE AS MENSAGENS SONORA, VISUAL E VERBAL (SVV), que denomino
aqui de CONTRAPONTO HIPERMÍDIA (CH).
Nas mídias tradicionais se observa linguagens híbridas que articulam o som a imagem e o
texto verbal. Por exemplo, o teatro e a dança, expressões artísticas mais antigas. Mais
recentemente o cinema tornou-se um dos mais bem sucedidos neste sentido. Entendo,
entretanto, que esta inter-relação a partir das novas tecnologias apresenta potencial
diferenciado em função da unificação das linguagens em matrizes numéricas, recursos
disponíveis nos meios digitais que permitem tratamento semelhante na produção de textos
sonoros, visuais e verbais, ou seja, as linguagens podem ser tratadas da mesma forma apesar
das particularidades de cada uma apresenta.
Também tem sido bastante citado nas pesquisas recentes a condição de PARTICIPANTE do
usuário/receptor. Em nenhum outro momento a INTERATIVIDADE foi tão presente e tão
importante na recepção/percepção das mensagens. Porém estes aspectos têm sido pouco
explorados pelos webdesigners que em geral tem optado por interfaces previsíveis onde
quase sempre o usuário escolhe uma das opções disponíveis para apenas acessar uma tela
cuja estrutura aponta para outras mídias como, por exemplo, o livro ou o cinema. Raras
exceções creditadas ao campo da arte.
Desta forma entende-se que os recursos oferecidos pela ferramenta digital ainda não são
utilizados potencialmente, permanecendo o autor, e por conseqüência também o receptor,
ambos envolvidos em uma padronização imposta pela indústria tecnológica.
Observa-se também que a hipermídia tem sido tratada por teóricos e práticos, de forma
bastante diferente e distante. Enquanto teoricamente vis/deslumbra-se uma linguagem
potencialmente inédita, abrangente e que incita um novo modo de pensar, na prática a
padronização comercial trilha outro caminho.
Por fim concebo CH como fluxo de dados que podem ser interativos e/ou provocados por
programação procurando oferecer as informações de modo semelhante como ocorre o
pensamento.
Síntese:
Conceito CH
1
Como poderá ser observado mais adiante, conforme Santaella, cada matriz da linguagem e de pensamento se
estabelecem em eixos característicos, a sintaxe para matriz sonora, a forma para a matriz visual e o discurso
para a matriz verbal, sendo o contraponto musical, a partir destas premissas, também uma linguagem híbrida.
2
Evidentemente que se deve considerar os aspectos específicos de cada meio, por exemplo, a música precisa
ser executada para uma audição enquanto a hipermídia precisa de um usuário participativo.
3
O contraponto/inter-relação ocorre de vários modos dentro da pesquisa, pode-se observar
entre os acontecimentos selecionados, entre os pensamentos de cada teórico, e ao final,
entre as linguagens SVV dentro do CH.
++
Trata-se de estudo sobre as tecnologias digitais. Nasce do conflito entre a teoria e a prática
sobre este assunto. Ambas têm sido intensamente produzidas nesta área, entretanto com
muito pouco contato entre elas. Observa-se uma defasagem e um distanciamento entre
estas realidades. Mas um enorme potencial a ser desenvolvido. O Interesse, portanto, foi
desenvolver investigação e experimentação que busque diálogo e inter-relação entre estes
dois campos.
Este aspecto tornou-se uma premissa para a pesquisa. Desta forma procurou-se
preferencialmente encontrar referências em autores e/ou trabalhos que tenham
envolvimento tanto com a teoria como também com a prática.
Partindo, portanto, por esta via dupla, três caminhos distintos se abriram. Porém observou-
se durante o percurso o quanto se tocam se cruzam e se contaminam (contraponto/inter-
relação). O alvo é a convergência destes caminhos na apresentação final dos resultados, da
pesquisa em linguagem hipermídia, em hipermídia (metalinguagem).
4
São os caminhos:
(1) Teoria da linguagem hipermídia.
(2) Inter-Relação das linguagens Sonora, Visual e Verbal (IR SVV).
(3) Referências históricas de inter-relação teórica e prática.
Esta etapa trata da conceituação da hipermídia. Os estudos desta parte são importantes
para determinar claramente a concepção de hipermídia desejada. Vários autores nos últimos
anos têm se dedicado a essa pesquisa sendo, portanto interessante para a pesquisa cruzar
estas posições teóricas com intuito de conceber uma posição particular sobre este assunto.
Para nortear teoricamente esta pesquisa que tem como foco principal a inter-relação das
linguagens SVV optou-se pela Teoria geral dos signos de Charles Sanders Peirce. Esta escolha
se deve ao fato de que se trata de uma teoria que percebe o signo como qualquer coisa que
surja a mente independente da natureza do objeto representado. As teorias de Peirce
podem ser aplicadas a qualquer tipo de signo seja um som, uma imagem ou uma palavra,
aspectos fundamentais para o estudo da inter-relação das linguagens SVV.
5
pensamento. O pensamento não é linear e se realiza conectando informações variadas e até
mesmo distantes dentro de um processo de edição que seleciona os conteúdos percebidos e
processados pelo cérebro. Entendo que ocorre permanente territorialização-
desterritorialização-reterritorialização destes conteúdos que são atualizados
constantemente, confrontando com o repertório de informação de cada indivíduo e gerando
o pensamento consciente.
2 Os estudos das linguagens SVV estão fundamentados nos avanços teóricos realizados por
Lúcia Santaella. Trata-se das Matrizes da Linguagem e de Pensamento (2001) que são
orientações que dão suporte para a inter-relação das linguagens. Destaque para a teoria das
linguagens híbridas que distingue princípios lógicos para cada uma das modalidades SVV.
Segundo Santaella todas as linguagens são originárias de apenas três matrizes: a sonora, a
visual e a verbal, a autora vai mais além quando desenvolve estudos argumentando que
estas matrizes se aplicam também ao pensamento. Esta forma de entender a formação do
pensamento e a sua relação com aquilo que Peirce determinou como as três categorias
fenomenológicas, indicam uma direção teórica consistente para apoiar a proposta desta
pesquisa.
3 Ainda no âmbito da teoria geral dos signos Júlio Plaza se destaca pelas suas contribuições
teóricas e práticas. Considera-se importante a Tradução Intersemiótica deste autor como
fundamental no desenvolvimento coerente dos elementos SVV, bem como na inter-relação
entre eles. Isto porque Júlio Plaza leva a idéia de tradução para além dos limites exclusivistas
da lingüística apresentando paralelamente uma aplicação prática artística de seu trabalho.
Também apoiado nas teorias de Peirce, Plaza entende o pensamento como tradução. A
tradução intersemiótica é o mesmo que pensamento intersemiótico. O contraponto
hipermídia se aproxima bastante deste conceito.
Nesta etapa o estudo das linguagens e seus eixos foi o foco bem como também se
conceituou o que é Inter-relação das Linguagens Sonora, Visual e Verbal.
6
Sustentado pela teoria das Matrizes da Linguagem e Pensamento nesta etapa procurou-se
Em seguida o contraponto tradicional passa por uma releitura desenvolvida nas composições
dodecafônicas do começo do século XX. E a partir destas contribuições nasce as idéias do
serialismo que, levado às últimas conseqüências atinge a serialização de todos os elementos
musicais.
7
demonstra uma grande preocupação com os valores individuais de cada elemento da
composição audiovisual. EISENSTEIN desenvolve um conceito de montagem cinematográfica
onde domina intensamente cada elemento articulando-os para alcançar os significados
desejados. A sua teoria também se estabelece na lógica da polifonia contrapontística
musical.
Outro aspecto é que a poesia concreta em contato com as novas tecnologias salta do papel,
se apropria de outras mídias e através desta dinâmica amplia seus limites, se mantém
atualizada e principalmente apresenta elementos de que apontam para uma linguagem
hipermidiática.
A partir destes estudos o passo seguinte será a criação de uma hipermídia aplicando os
conceitos desenvolvidos, pretende-se demonstrar amplas possibilidades na utilização das
linguagens, agregando à mensagem múltiplos significados em variados repertórios.
8
(1) hipermídia
O mesmo
As novas tecnologias tem sido tema de todo tipo de discussão e pesquisa. Bate papos,
palestras, oficinas, encontros, congressos, mesas redonda, exposições, artigos, dissertações,
teses e livros, tanto online quanto offline, surgem a todo o momento das mais variadas
origens. O assunto virou moda. Muitos autores têm se debruçado sobre esse assunto. Após
certo contato com alguns deles se observou a alta taxa de redundância na maioria. Mesmos
os que mais se destacam pela qualidade diferenciada de pensar, também refazem o mesmo
percurso.
O método aplicado está em reescrever a mesma coisa com outras palavras, criando
aparentemente um novo tecido, novas roupagens, uns mais conservadores outros mais
transgressores, mas qualquer um que dedique um pouco mais de atenção sobre a malha
aparente, observa que se trata do mesmo “mesmo”.
Nenhum problema com o “mesmo”, apenas um desconforto inicial por um certo tempo
perdido, somado a outro: o receio de também fazer o “mesmo”.
Mas não há interesse aqui de pregar o abandono do assunto, pelo contrário a presente
reflexão mais do que nunca questiona o modo como se deve tratar este tema.
Aparentemente o “olhar” ainda está determinando um ponto de vista fixo: da perspectiva
do lugar seguro.
No início da pesquisa, na parte mais larga da boca do funil, o que mais se sabe é o que não é.
Desta maneira o que não é afirma com maior intensidade o que é. Em outras palavras, trata-
se de conhecer através do que não é. Também se pode dizer que a afirmação do que não é
carrega em si muito do que é.
9
Portanto, tendo como objeto de estudo a linguagem hipermídia, considerando a alta taxa de
redundância sobre o assunto, parte-se para afirmar mais uma vez, o que não é, ou seja, não
é neste caso um foco histórico, também não é apontar os elementos da linguagem
descrevendo o que cada um faz. Não é observar as mudanças que causa nas diversas áreas
da cultura humana. Não é Vannevar Busch, também não é hipertexto. Não é desktop, nem
mouse. Mas é ao mesmo tempo, o “mesmo” em outro momento.
Tendo em vista que já foi dito muitas vezes, não há porque dizer novamente. Portanto
restrinjo tempo e espaço ao essencial. E o essencial do que não é, é necessário que seja
objetivo, sem rodeios nem roupagens de aparência. Guarda-se o tempo e o espaço para
gastá-lo no “como” mostrar o já dito, o tão dito ou o mal dito. O “como” é o que é. Tudo de
novo novamente.
A barreira
10
revelando um conservadorismo inexplicável em um espaço supostamente consagrado ao
debate de idéias pioneiras.”
Como se pode aceitar que tal situação permaneça? Como se pode continuar escrevendo da
mesma forma como se nada tivesse acontecido? Como se pode desprezar as mudanças que
já estão alterando o dia a dia?
11
Livro
O livro impresso, por exemplo, está tão fortemente impregnado na cultura que se impõe sob
as novas possibilidades de leitura. As metáforas do livro, distribuição dos conteúdos em
páginas, escrita da esquerda para a direita e de cima para baixo, sistemas de arquivamento
de documentos (pastas e gavetas) e de critérios de organização de bibliotecas são
constantemente utilizadas no ciberespaço. Para Gizelle Beiguelman (2003) “Isso não nos
remete a um mero problema de erro de termos, mas a um problema epistemológico. A
identificação do conteúdo online com a página reitera a linearidade de uma história sobre o
mesmo que se faz pelo apaziguamento das instabilidades.” (p. 11)
Para a produção de um texto linear se faz necessário aplicar estratégias específicas. A ordem
seqüencial deve estabelecer prioridades. Hierarquias determinam o que vem antes e o
depois e por este motivo as conexões só ocorrem ao longo do percurso da leitura. É curioso
que o paradigma do livro tenha impregnado na cultura tão fortemente, tendo em vista que a
linearidade e a hierarquização são contrárias ao que ocorre no fluxo do pensamento. O
pensamento é rizomático, as semioses são encadeamentos infinitos de signos.
Com tantas novidades tecnológicas, recursos audiovisuais cada vez mais complexos, redes
de comunicação e informação cada vez mais acessíveis, o que se faz necessário neste
momento são outras espécies de livros, de literatura, revistas enfim de novas espécies de
obras de referência. (Machado, 1997, p. 186)
12
paradigmas tradicionais. Concordando com Nelson3 (1999, apud Beiguelman (2003, p. 67))
basicamente o que os computadores simulam são a hierarquia e o papel.
Mas olhando agora para trás, depois de alguns anos de press-release e waporware,
o que impressiona é o grau ínfimo em que isso aconteceu. Entre os textos baseados
na Web preponderam de longe os francamente lineares. Quase todas as matérias
jornalísticas são peças únicas, unidimensionais, artigos que seriam exatamente os
mesmos se fossem compostos de tinta e papel em vez de zeros e uns. (Johnson,
2001, p. 95)
Hipertmeíxdtioa
Os termos hipertexto e hipermídia são muito próximos. Muitas vezes se confundem e são
tratados como a mesma coisa. A Hipermídia está potencialmente presente no hipertexto.
Este surge antes, determina uma nova linguagem e, por conseguinte um novo modo de
escrita. Da evolução do Hipertexto origina a linguagem hipermídia.
3
NELSON, Theodor Holm. “Deeper Cosmology , Deeper Documents”. Hypertext 2001 – The Twelfth ACM
Conference on Hypertext and Hypermedia. University of Aarhus, Aarhus, Dinamarca, 14-18 de agosto, 2001.
http://www.ht01.org/tech.html.
13
máquina, escrito/codificado para ser interpretado por programas que permitem a
navegação pelo usuário. E outro “por cima”, voltado para fora, visível, com as informações
escritas para serem lidas pelo usuário. Este duplo texto permite conexões com outros
documentos digitais. Nos primórdios do hipertexto, as conexões eram feitas apenas através
de palavras ou frases onde eram ancorados os links para outros documentos. Tendo em vista
que a linguagem digital não descrimina tipo de dados, os documentos podem apresentar
não só textos verbais, mas também textos visuais e sonoros.
Por outro lado, o conceito de hipertexto é bem mais complexo do que isto, porque envolve
mudanças de pensamento. Gera um conflito entre a contigüidade e a similaridade, o
logocentrismo e a inter-relação das linguagens, entre a linearidade e os saltos qualitativos.
Mas o que ainda se observa é a utilização do hipertexto como prática lúdica. Ir e vir através
dos cliques. Na prática, o hipertexto tem se apresentado predominantemente através de
associações por contigüidade.
Memex
14
Muitos teóricos já observaram as analogias existentes entre o hipertexto e a estrutura do
pensamento humano, Vannevar Bush4 foi o primeiro a se pronunciar sobre isto comparando
o modo como se estrutura e organiza o pensamento humano e as possibilidades de
associações entre dados armazenados em uma máquina. O pensamento é fragmentado5,
saltando entre signos de naturezas diversas e através de semioses múltiplas simultâneas
e/ou seqüenciais. O ideal seria uma obra hipertextual semelhante a estrutura do
pensamento, no entanto o que ocorre atualmente em termos de hipertexto ainda é bastante
limitado e modelado pelos conceitos de conexões da interface livro.
Não se pode dizer que a tecnologia do hipertexto seja algo novo. O livro já apresenta
conexões hipertextuais. (Lévy, 1993) O dicionário e a enciclopédia são exemplos óbvios do
uso deste recurso. Nas convenções da escrita acadêmica também se encontra dispositivos
de conexões estruturadas de modo a facilitar a leitura. A organização em capítulos, os
sumários, as notas e referências são modelos de hipertexto com funcionalidade
comprovada.
Na leitura de textos digitais, o hipertexto possibilita caminhos não lineares. A leitura pode
ocorrer por saltos, seguindo um encadeamento personalizado pelo usuário
instantaneamente, em tempo real. Conforme Couchot6:
4
Vannevar Bush é considerado o primeiro a desenvolver um projeto visando acesso multidirecional,
manipulação e personalização de informação. O equipamento pensado por Bush foi chamado “Memex”
apresentado no artigo “As we may think”, publicado na revista Atlantic Monthly em 1945. Este artigo tem sido
citado constantemente no ambiente acadêmico atual. Esta máquina foi idealizada como uma biblioteca de
informação científica que poderia armazenar uma grande quantidade de documentos que poderiam ser
acessados de forma não-linear conforme se desenvolvesse o interesse do usuário. Artigo disponível no site
http://www.theatlantic.com/doc/194507/bush (acesso em 08 de março de 2008).
5
Ver conceito de fragmentação.
6
COUCHOT, Edmond. “O tempo real nos dispositivos artísticos”. In: LEÃO, Lucia (org.) Interlab. Labirintos do
pensamento contemporâneo. São Paulo: Iluminuras, 2002.
15
nova lógica de narrativa, mas também coloca em cheque a relação entre leitor e escritor.
Cabe ao escritor de hipertexto disponibilizar os caminhos. Na maioria das vezes a
multiplicidade de possibilidades fica submetida a leitura personalizada do escritor, ou seja,
os caminhos disponibilizados na produção são determinados pelos interesses dele. A
abertura para o hipertexto, como agente capaz de causar mudanças no pensamento é
fundamental não só para usuários, mas todos os envolvidos com a mensagem hipertextual,
dos programadores, escritores aos usuários.
Xanadu
Theodore Nelson inventou o termo hipertexto7 para nominar o que ele definia como "escrita
não seqüencial, com elos controlados pelo leitor". Xanadu foi o nome do sonho de Nelson:
uma biblioteca universal com dados de várias naturezas, um dispositivo para publicação de
hipertexto global, um “espaço” para interconexão e interação, para comentários e
anotações. “Xanadu, enquanto horizonte ideal ou absoluto do hipertexto seria uma espécie
de materialização do diálogo incessante e múltiplo que a humanidade mantém consigo
mesma e com o seu passado.” (Lévy, 1993, p. 29)
No entanto este projeto não se realizou pela falta na época de programas de controle de
dados que pudesse dar conta da imensa quantidade e variedade de informação além das
dificuldades de gerenciamento dos dados: digitalização, organização, disponibilidade aos
diferentes usuários, etc. (Lévy, 1993, p. 30)
Entre um e outro
Para Lévy (1993, p. 25) o hipertexto extrapola os limites da comunicação podendo ser
ampliado como “metáfora válida” para todas as esferas da realidade em que significações
estejam em jogo.”
7
Theodore Nelson realizou uma conferência no congresso nacional da Associação de Maquinaria Informática
em 1966, onde apresentou pela primeira vez a palavra hipertexto.
16
O autor determina seis princípios abstratos para caracterizar um modelo do hipertexto: (1)
Princípio da metamorfose; (2) Princípio da heterogeneidade; (3) Princípio de multiplicidade e
de encaixe das escalas; (4) Princípio de exterioridade; (5) Princípio de topologia; (6) Princípio
de mobilidade dos centros.
Na teoria do rizoma, Deleuze e Guattari determinam certos princípios para diferir o múltiplo
do linear. Observam-se certas similaridades com a idéia de hipertexto/Lévy e signo/Peirce
que se associa neste estudo. Os primeiros princípios do rizoma, conexão e heterogeneidade
são exemplo. Num rizoma
17
[...] qualquer nó ou conexão, quando analisado, pode revelar-se como sendo
composto por toda uma rede, e assim por diante, indefinidamente, ao longo da
escala dos graus de precisão. Em algumas circunstâncias críticas, há efeitos que
podem propagar-se de uma escala a outra: a interpretação de uma vírgula de um
texto (elemento de uma microrede de documentos), caso se trate de um tratado
internacional, pode repercutir na vida de milhões de pessoas (na escala da
macrorrede social). (Lévy, 1993, pp. 25-26)
A rede assim como o repertório, é alimentada pelo que vem de fora, nas suas mais diversas
formas. Neste (4) princípio de exterioridade, Lévy (1993, p. 26) entende que
[...] a rede não possui unidade orgânica, nem motor interno. Seu crescimento e sua
diminuição, sua composição e sua recomposição permanente dependem de um
exterior indeterminado: adição de novos elementos, conexões com outras redes,
excitação de elementos terminais (captadores), etc.
No (5) princípio de topologia o autor considera que tudo funciona por proximidade, por
vizinhança. Não há espaços homogêneos capazes de possibilitar ligações. “Tudo que se
desloca deve utilizar-se da rede hipertextual tal como ela se encontra, ou então será
obrigado a modificá-la. A rede não está no espaço, ela é o espaço.” (Lévy, 1993, p. 26)
Este princípio difere parcialmente do que ocorre com o fluxo de pensamento, entende-se
que é possível que ocorram saltos entre nós independentemente de qualquer determinação
ou hierarquia. Em contrário o hipertexto tecnológico depende da existência da malha que o
define.
O (6) princípio de mobilidade dos centros, entretanto mostra que a rede não tem um centro
definido. Apresenta diversos centros permanentemente móveis “[...] saltando de um nó a
outro, trazendo ao redor de si uma ramificação infinita de pequenas raízes, de rizomas, finas
linhas brancas esboçando por um instante um mapa qualquer com detalhes delicados, e
depois correndo para desenhar mais à frente outras paisagens do sentido. (Lévy, 1993, p. 26)
18
+ para a Hipermídia
Música, sonoplastia, vídeo, imagens fotográficas, imagens digitais, texto verbal escrito e
falado, enfim diversos modos de expressão das linguagens SVV, disponíveis em uma mesma
mídia e abertos a participação interativa.
Dito desta forma parece que a hipermídia é apenas mais uma possibilidade técnica de
apresentar conteúdos diversos, replicação de linguagens conhecidas, porém é bem mais do
que isto, é uma linguagem híbrida nova, de inter-relação das linguagens sonora, visual e
verbal, mas que está apenas se movimentando através dos seus primeiros passos.
Como já é esperado, pois já se viu este tipo de acontecimento antes, esta nova linguagem
questiona o modelo vigente alterando-o para um novo modo de perceber e pensar o
mundo. No mesmo momento em que o modifica, sofre também as mudanças por ele
exigidas.
Se se introduz uma tecnologia numa cultura, venha ela de fora, ou de dentro, isto
é, seja ela adotada, ou inventada pela própria cultura, e se essa tecnologia der
novo acento ou ascendência a um ou outro de nossos sentidos, altera-se a relação
mútua entre todos eles. Não mais nos sentimos os mesmos, nem nossa vista e
ouvido e demais sentidos permanecem os mesmos. (McLuhan, 1977, pp. 48-49)
Estas transformações avançam dialogicamente num vai e vem constante e infinito. Neste
sentido a hipermídia é uma mensagem híbrida, aberta, múltipla, multidirecional e não
hierárquica. Entretanto, mesmo já sendo um fato, um existente, uma tecnologia, ainda o que
se vê é próximo de uma reprodução de outras linguagens existentes e já estabelecidas
culturalmente como já foi dito, por exemplo, o livro, o cinema e a TV.
+ definições
Muitos autores se dedicaram ao estudo da hipermídia tendo em vista a importância que este
novo meio trouxe para a transmissão e recepção de informações. Surgiram, portanto vários
modos de definir o que é hipermídia, entretanto com muita semelhança entre eles.
Gosciola (2003) desenvolveu estudos sobre roteiros para as novas mídias, onde avaliou
vários aspectos desta linguagem e concluiu hipermídia como sendo:
[...] o conjunto de meios que permite acesso simultâneo a textos, imagens e sons
de modo interativo e não-linear, possibilitando fazer links entre elementos de
mídia, controlar a própria navegação e, até, extrair textos, imagens e sons cuja
seqüência constituirá uma versão pessoal desenvolvida pelo usuário.
E ainda esclarece, “a hipermídia [...] está mais para um produto com um nível de
navegabilidade, de interatividade e de volume de documentos maior do que a multimídia e
com mais intensidade em conteúdos audiovisuais do que o hipertexto.” (p. 34)
[...] significa uma síntese inaudita das matrizes da linguagem e pensamento sonoro,
visual e verbal com todos os seus desdobramentos e misturas possíveis. Nela estão
germinando formas de pensamento heterogêneas, mas ao mesmo tempo,
semioticamente convergentes e não-lineares, cujas implicações mentais e
existenciais, tanto para o indivíduo quanto para a sociedade, estamos apenas
começando a apalpar. (Santaella L. , 2001, p. 392)
20
“O primeiro traço encontra-se na hibridização de linguagens, processos sígnicos, códigos e
mídias que a hipermídia aciona e, conseqüentemente, na mistura de sentidos receptores, na
sensorialidade global, sinestesia reverberante que ela é capaz de produzir, na medida
mesma em que o receptor ou leitor imersivo interage com ela, cooperando em sua
realização.” (Santaella L. , 2004, p. 48)
O segundo traço está na sua capacidade de armazenar informação e, por meio da interação
do receptor, transmutar-se em incontáveis versões virtuais que vão brotando na medida
mesma em que o receptor se coloca em posição de co-autor. Isso só é possível devido a
estrutura de caráter hiper, não seqüencial, multidimensional que dá suporte às infinitas
opções de um leitor imersivo. (Santaella L. , 2004, pp. 48-49)
O terceiro traço se trata do cartograma navegacional. (Santaella L. , 2004, p. 52) Trata-se das
estruturas desenvolvidas para que o usuário não se desoriente na sua navegação/leitura.
São roteiros, sistemas de busca, filtros e outros dispositivos de controle existentes na rede.
O leitor não pode usá-la de modo reativo ou passivo. Ao final de cada página ou tela, é
preciso escolher para onde seguir. É o usuário que determina qual informação deve ser vista,
em que seqüência ela deve ser vista e por quanto tempo. Quanto maior a interatividade,
mais profunda será a experiência de imersão do leitor, imersão que se expressa na sua
concentração, atenção, compreensão da informação e na sua interação instantânea e
contínua com a volatilidade dos estímulos. (Santaella L. , 2004, p. 52)
Santaella ao contrário, salienta nestes traços que caracterizam a linguagem que existe uma
inter-relação equilibrada entre a leitura e a hipermídia. Destaca não somente as capacidades
hipermidiáticas, mas também as capacidades sensoriais e sinestésicas do receptor que só
estará em conjunção com a hipermídia através da interação. Esta inter-relação só faz sentido
21
no momento em que deixarem de ser coisas separadas para formarem um todo. A
hipermídia não é limitada somente as condições da máquina, mas sim se realiza quando
forma, com o leitor interativo, uma unidade.
A idéia de labirinto traz à consciência, a importância do navegador que deve ter habilidades
e inteligência para fazer o percurso. É importante ressaltar a fundamental importância do
usuário para que se efetive a idéia de hipermídia.
De certo modo o único que age é o usuário, a tecnologia somente disponibiliza. Todo
potencial tecnológico é pré-determinado. A memória, a velocidade de acesso, o
processamento, as tarefas, os programas, o hipertexto/hipermídia, enfim todo este
complexo se apresenta para o usuário estático, guardando em si um potencial dinâmico.
Entretanto este potencial só poderá sair deste estado através do interesse do usuário. São as
8
MACHADO, Arlindo. “Hipermídia: O Labirinto como Metáfora”. In: DOMINGUES, Diana (org.) A Arte no Século
XXI – A Humanização das Tecnologias. São Paulo: Editora UNESP, 1997, p.147.
22
conexões qualitativas entre o potencial semiótico do homem e o da máquina que
possibilitarão o sucesso efetivo da linguagem hipermídia. Concordando com Couchot9
Interface
De modo geral entende-se que interface é algo que permite a comunicação entre dois
sistemas diferentes, como por exemplo, um painel de comandos onde o operador determina
o funcionamento de um equipamento. Cada um com um código diferente. A interface acaba
funcionando como tradutora, um dispositivo com duas frentes uma para o operador e outra
para a máquina recebendo dados nos dois sentidos, decodificando as mensagens e
redirecionando para cada destino. A noção de interface remete a operações de tradução, de
estabelecimento de contato entre meios heterogêneos. (Lévy, 1993, p. 176)
Johnson, teórico da interface, considera que metáforas visuais têm uma função cognitiva
importante e cada vez mais indispensável. “Ajudam-nos a imaginar nossa informação, a
concebê-la toda uma visão abrangente, numa paisagem bem ordenada de dados que rolam
por nossas telas.” (Johnson, 2001, p. 110)
A outra parte, a de dentro, a caixa preta tornou-se cada vez mais invisível e sofisticada,
ganhou em complexidade e é programada para realizar tarefas previsíveis culturalmente.
9
COUCHOT, Edmond. “A Arte pode ainda ser um relógio que adianta? O autor, a obra e o receptor na hora do
tempo real”. In: DOMINGUES, Diana (org.) A Arte no Século XXI – A Humanização das Tecnologias. São Paulo:
Editora UNESP, 1997, p.135.
23
Muitas ferramentas/programas são desenvolvidas para simular procedimentos de outras
mídias. O que se assiste é uma máquina capaz de realizar uma grande variedade de tarefas
com textos verbais, imagens e sons.
+ Interface
A grande revolução dentro de uma já revolucionária invenção que foi o computador foi o
momento quando a interação entre humano e computador deixou de ser através de
digitação de códigos. Havia a necessidade de transformar esta relação difícil e que exigia um
conhecimento técnico, em modos mais acessíveis a um usuário comum. As diferenças entre
o pensar humano e o processar da máquina necessitavam de modos mais ágeis de interação,
como aponta Johnson (2001, p. 17):
Deste conflito entre humano e computador, do choque entre estas partes, surge a interface
gráfica. O principal acontecimento que foi determinante para a cultura da interface se deve
ao lançamento em 1984 do computador Macintosh da Apple cuja proposta apresentava uma
interface gráfica organizada numa metáfora visual: a do desktop. Junto com esta idéia
surgiram também outros elementos como menus, ícones, pastas e lixeiras, que apesar de
todo avanço tecnológico nestes mais de vinte anos, permanecem absolutos nas interfaces
atuais.
+(
Tendo em vista que o uso do computador passa obrigatoriamente pelo uso da interface do
sistema operacional pode-se dizer em primeira instância, que toda a ação do usuário está
condicionada aos métodos implícitos na interface. A interação neste caso ocorre a partir de
uma proposta pré-estabelecida pelos produtores do sistema. A navegação fica limitada a
uma seqüência de tarefas que devem ser realizadas conforme a proposta injetada pelo
fabricante.
Os sistemas operacionais mais conhecidos são: o utilizado pela Apple, o Mac 10; na
plataforma PC o mais utilizado é o sistema Windows da Microsoft e o sistema LINUX
utilizado por um pequeno grupo de usuários. Estes sistemas, em relação ao usuário,
apresentam mais semelhanças do que diferenças. Em geral todos permitem personalizações
superficiais como, por exemplo, escolha de cores e imagens para área de trabalho. Todos
permitem configurações para adequar as qualidades do computador às do sistema.
Entretanto do ponto de vista estrutural de organização e acesso dos arquivos, funcionam
todos do mesmo modo.
Outra questão relevante são as interfaces dos aplicativos que rodam em cima das interfaces
dos sistemas operacionais. Editores de textos, planilhas de cálculos, editores de imagens,
animação 2D e 3D, programas para desenvolver sites, etc., são aplicativos que apresentam
interfaces particulares projetadas para executar tarefas específicas. Os aplicativos são
estruturados a partir do mesmo modelo estabelecido pelos sistemas operacionais: ao
usuário é permitido arranjos personalizados dentro de propostas fixas que o programa
oferece. A variedade de recursos disponíveis multiplicado pelo número de arranjos possíveis
torna estes aplicativos imensamente extensos impossibilitando que apenas um usuário
esgote todas as combinações de uso. Esta imensidão somada ao vislumbre pelo aparato leva
o usuário a não perceber o quanto suas produções/interações são pré-estabelecidas pela
programação da máquina, do sistema operacional e do aplicativo e, todos estes programas
por sua vez, pré-programados por outros interesses. E ainda, em termos de interface, a
predisposição dos padrões funcionalistas estabelecidos desde o lançamento da Apple.
Sobre este assunto Flusser (1998) pensou a Filosofia da Caixa Preta onde argumenta que as
máquinas são aparatos tecnológicos dotados de conceitos científicos que determinam o
modo de operação e funcionamento e também os resultados produzidos, ou seja, as
máquinas são criadas para responderem a certas ações executando tarefas previstas por
seus autores.
26
Utilizando a máquina fotográfica como exemplo, Flusser demonstra o quanto sistemas
complexos como este guardam informações/segredos desconhecidos do usuário, a quem ele
chama de funcionário. Destaca que:
Se o aparelho fotográfico não fosse uma caixa preta, de nada serviria ao jogo do
fotógrafo: seria um jogo infantil, monótono. O negrume da caixa é o seu desafio,
porque, embora o fotógrafo se perca na barriga negra, consegue, curiosamente,
dominá-la. O aparelho funciona, efectiva e curiosamente, em função da intenção
do fotógrafo. Isto porque o fotógrafo domina o input e o output da caixa: sabe com
que ‘alimentá-la’ e como fazer para que ela cuspa fotografias. Domina o aparelho
sem, no entanto, saber o que se passa no interior da caixa. (pp. 44-45)
E mais, considera que “Pelo domínio do input e do output, o fotógrafo domina o aparelho,
mas pela ignorância dos processos no interior da caixa, é por ele dominado.” (1998, p. 45)
Sobre estas mesmas questões Machado (2007, pp. 11-12) afirma que:
!!!
...
aspecto importante diz respeito às interfaces dos browsers. Estes programas que permitem
a busca e o acesso das informações ao mesmo tempo organizam e filtram estes dados a seu
modo. Manovich (2001, p. 64) observa que em termos semióticos, a interface do
computador age como um código que carrega mensagens culturais de uma variedade de
mídias. Todas estas informações passam obrigatoriamente pela interface do browser e, por
conseguinte pela interface do sistema operacional. E então alerta que um código afeta a
mensagem ao transmiti-la, enfatizando também o seu próprio modelo de mundo, seu
próprio sistema lógico, ou ideologia. Desta forma todas as mensagens criadas a partir deste
código seriam condicionadas por este modelo, sistema ou ideologia. Manovich chama esta
idéia de “não transparência do código”.
27
Desta forma, a interface determina o modo como o usuário irá pensar o seu próprio
computador bem como o modo que irá pensar qualquer outra informação de qualquer outra
mídia acessada. Ou seja, a interface ao invés de permitir um acesso transparente, traz com
ela enormes mensagens dela própria.
))
Entretanto
O uso cego das interfaces prontas impossibilita justamente um avanço sobre os aspectos
mais fundamentais das novas mídias: a liberdade de ação e a inter-relação livre entre as
linguagens. Do contrário as novas mídias não passam de releituras das mídias anteriores. Em
concordância com Beiguelman (2003, p. 21): “A riqueza da criação cultural contemporânea,
no entanto, reside em sua capacidade de se realizar nas (e a partir das) intersecções entre as
linguagens. A complexidade dos projetos criativos demanda cada vez mais a diversidade de
interfaces [...]”
Outras interfaces
Como pensa Lévy (1993, p. 179), todas as técnicas e tecnologias intelectuais podem ser
analisadas em redes de interfaces. A interface livro, por exemplo, contém a escrita que é a
interface visual da língua ou pensamento, que se segue a do alfabeto fonético, o tipo da
escrita, o material utilizado e assim por diante. Uma espécie de encadeamento de interfaces
culturais.
Manovich (2001) ao tratar “the language of new media”, determina que esta linguagem se
estrutura sobre elementos de outras formas culturais já estabelecidas. A linguagem do
cinema, a da palavra impressa e a da HCI (human-computer interface) formam uma
linguagem híbrida que o autor chama de interfaces culturais (cultural interfaces).
Manovich mostra que HCI apesar de ter uma história bastante recente em comparação com
o cinema ou a imprensa, foi gradativamente sendo desenvolvida desde o início da década de
28
50, sendo que só se tornou uma convenção para operar um computador no início da década
de 80 principalmente com o lançamento da interface gráfica. Na década de 90, entretanto,
sofreu novas transformações a partir da popularização da internet. O computador deixou de
ser apenas uma ferramenta para se tornar também uma máquina de media universal
podendo ser usada não somente para produção de conteúdo cultural, mas também para
armazenar, distribuir e acessar todas as mídias. (2001, p. 69)
Ainda para Manovich (2001, p. 73) a imprensa e o cinema podem ser pensados como
interfaces. Cada uma tem sua própria gramática de ações, suas próprias metáforas, e
interfaces físicas particulares. O livro é um objeto sólido composto de páginas organizadas
em seqüências lineares, no caso do cinema, sua interface física apresenta um arranjo
arquitetônico particular, e como metáfora, a janela aberta para um espaço virtual 3D.
Cinema e imprensa juntam-se a HCI para formarem uma nova linguagem. Desprendem-se de
suas interfaces físicas para associar-se a um novo conceito onde se tornam realmente
interfaces.
(in)[com]clusão...
.Observa-se que muitos teóricos das novas mídias têm analisado a interface apenas como
um meio de facilitar o acesso a informações;
.Produtores e usuários não percebem que a mensagem está colada a interface, e que esta
interfere na leitura;
.Sem crítica ocorre uma padronização das interfaces/metáforas dos sistemas operacionais,
dos aplicativos e dos browsers.
.Sem crítica = sem alternativas, sem alternativas o usuário não percebe as padronizações.
+
29
.As interfaces atuais são interfaces culturais no sentido de Manovich, linguagens híbridas
que envolvem cinema, palavra impressa e HCI;
.Isto implica que a linguagem hipermidiática ainda não se desenvolveu de acordo com a sua
potencialidade, ou seja, ainda não se desenvolveu uma escrita hipermidiática.
Interatividade
A interatividade não é privilégio das novas mídias, e nem tampouco uma exclusividade dos
dias de hoje. A vida no mundo é um processo de interação constante. A existência humana
se estabelece nas interações realizadas entre seus membros e a natureza. Estas interações
se estabeleceram conforme o contexto de cada momento. Por exemplo, por um longo
período da história as interações entre indivíduos eram diretas, presenciais, frente a frente.
Com o desenvolvimento das máquinas na era industrial, surgiram novos interesses e, por
conseguinte novos modos de comunicação e interação social. Os contatos passam a ser
mediados por máquinas e essa novidade traz em si mudanças complexas de pensamento. As
relações espaço-temporais são reestruturadas e a interação deixa de ser realizada apenas
por contato direto.
Situação mais complexa ocorre com as Novas Tecnologias digitais onde as noções físicas do
espaço e do tempo são deixadas de lado e a interação humana ocorre independente dessas
situações. Com estes novos conceitos de comunicação a interatividade tornou-se
obrigatória, não há como pensar em passividade por parte do usuário nos dias de hoje. Até
mesmo as mídias tradicionais sofreram transformações neste novo paradigma.
Ocorrem dois modos distintos quando se trata de abordar a questão da interatividade. Por
um lado os estudiosos tratam do tema observando a linha do tempo dos acontecimentos
históricos observando as convergências e divergências entre esses períodos (diacrônico). Por
outro lado os pesquisadores têm entendido que a interatividade que interessa neste
30
momento é a interatividade digital, ou seja, aquela possibilitada pelas tecnologias digitais
(sincrônico).
Interatividade diacrônica
A interatividade está longe de ser apenas uma questão técnica e funcional, ela é um agente
transformador que implica física, psicológica e sensivelmente o espectador. (Manovich,
2001, p. 20)
Arlindo Machado (1997) observa que a discussão sobre a interatividade não é recente e cita
momentos onde essa preocupação já existia. “Já em 1932, Bertold Brecht (1967, pp. 81-92)
falava em interatividade ao se referir ao processo de inserção democrática dos meios de
comunicação numa sociedade plural, com participação direta dos cidadãos...”. “Nos anos 70,
Enzensberger (1979, p. 25) pensou a interatividade como um mecanismo de troca
permanente de papéis entre emissores e receptores e supôs que, um dia, o modo de
funcionamento dos meios de comunicação poderia deixar de ser um processo
unidirecional...”. Ainda nos anos 70, “Raymond Willians (1979, p.139) dizia que a maioria das
tecnologias vendidas e difundidas como ‘interativas’ eram na verdade simplesmente
‘reativas’, pois diante delas o usuário não fazia senão escolher uma alternativa dentro de um
leque de opções definido.”
Trabalho interessante neste sentido foi realizado por Júlio Plaza (1990, p. 1) no texto
intitulado “Arte e Interatividade: autor-obra-receptor”. Neste trabalho Plaza analisa teorias
existentes procurando identificar como ocorrem as relações entre autor-obra-receptor e a
arte interativa. O olhar aqui se diferencia por apresentar uma panorâmica teórica sobre a
perspectiva da recepção participativa e a obra de arte. Para o autor essa relação de abertura
está relacionada necessariamente às três fases produtivas da arte: a obra artesanal,
industrial e eletro-eletrônica, classificadas como imagens de primeira, segunda e terceira
geração respectivamente e que cada uma delas determina um tipo de abertura a recepção.
Determina, portanto três graus de abertura. A abertura de primeiro grau está para a idéia de
Obra Aberta. Identifica neste primeiro grau, à polissemia, à ambigüidade, à multiplicidade de
leituras e à riqueza de sentido. A abertura de segundo grau da obra se identifica com a arte
31
de participação, onde processos de manipulação e interação física com a obra acrescentam
atos de liberdade sobre a mesma. A abertura de terceiro grau está relacionada com a
Interatividade tecnológica, também chamada de interatividade digital e identifica-se pela
relação homem-máquina.
Ainda Plaza percebendo as diferenças entre as formas de recepção classifica em três tipos de
participação: participação passiva, obras que exigem contemplação, percepção, imaginação,
evocação, etc.; participação ativa trata-se daquelas que exigem exploração, manipulação do
objeto artístico, intervenção, modificação da obra pelo espectador; participação perceptiva
(arte cinética) e interatividade, como relação recíproca entre o usuário e um sistema
inteligente. (1990, p. 10)
A abertura de primeiro grau, identificada pela idéia da Obra Aberta (Eco, 2001)10, o receptor
é imerso na multiplicidade de leituras e abertura de significados que podem ser
decifrados/entendidos conforme, no confronto entre a mensagem estética e o repertório do
espectador, o teor de informação da obra vai surgindo a mente.
Neste contexto, várias teorias foram desenvolvidas. A abertura dialógica de Mikhail Bakhtin
propõe que as obras sejam polifônicas, e possam ser continuadas e relacionadas com
diversos textos no ato da leitura. Julia Kristeva conceitua “intertextualidade” de maneira
mais específica, com a inserção de um texto em outro, formando um “mosaico”,
diferenciando seu conceito do de Bakhtin pela especificidade contextual. Para Júlio Plaza,
“[...] o conceito bakhtiniano de ‘intertextualidade’ prenuncia avant la lettre o conceito de
‘hipertexto’” (1990, p. 10). Contudo, acredito que há diferenças relevantes entre os
conceitos: enquanto para Bakhtin o mais importante é a multiplicidade de vozes, gerando
textos “dialógicos”, em contraste aos “monológicos”, onde a voz autoritária do autor limita
as possibilidades interpretativas, para Kristeva o conceito de “intertextualidade” se refere às
possibilidades de abertura que um texto sofre ao ser inserido em outro contexto. (Salgado,
2003)
10 A Teoria da Obra Aberta (Eco, 1962), A Arte no Horizonte do Provável de Haroldo de Campos (1963)
32
A teoria da Obra Aberta de Umberto Eco (2001)do início dos anos 60 trata da abertura da
obra de arte a múltiplas fruições. O autor entende que apesar do artista produzir obras
acabadas, no momento em que esta se apresenta a recepção:
[...] no ato da reação à teia dos estímulos e de compreensão de suas relações, cada
fruidor traz uma situação existencial concreta, uma sensibilidade particularmente
condicionada, uma determinada cultura, gostos, tendências, preconceitos pessoais,
de modo que a compreensão da forma originária se verifica segundo uma
determinada perspectiva individual. (2001, p. 40)
Haroldo de Campos (1963) no campo da poesia, também teorizou sobre a abertura da obra
de arte11 destacando as obras de Mallarmé, Joyce, Pound e Cummings como os eixos
radicais que determinavam de modo mais amplo a obra de arte aberta, como se pode
constatar nos trechos extraídos do artigo citado.
11 Publicado originalmente no Diário de São Paulo em 3 de julho de 1955, in Teoria da poesia concreta. São Paulo: Brasiliense, 1987. pp. 36
a 39.
33
Arlindo Machado (1997) informa que “Todo o texto, mesmo o texto linear e seqüencial, é
sempre a atualização (necessariamente provisória) de uma infinidade de escolhas, num
repertório de alternativas que, mesmo eliminadas na apresentação final, continuam a
perturbar dialogicamente a forma oferecida como definitiva” (p. 253).
A Arte Participativa iniciada nos anos 60 destaca-se por transgredir o espaço da arte
permitindo que o espectador participe com o próprio corpo. Ambientes artísticos acrescidos
da participação do espectador contribuem para o desaparecimento e desmaterialização da
obra de arte substituída pela situação perceptiva: a percepção como re-criação. Sobre o
assunto Popper12 comenta que “o essencial não é mais o objeto em si, mas a confrontação
dramática do espectador a uma situação perceptiva”. Nesta concepção, o artista provoca o
receptor a participar dos processos de manipulação e interagir fisicamente com a obra.
Machado (1997, p. 252), destaca trabalhos artísticos neste contexto:
No Brasil, Hélio Oiticica se destaca como pioneiro. No Projeto Cães de Caça (1961), o
primeiro de seus Penetráveis, o artista oferece ao espectador um labirinto “onde o caráter
coletivo – tanto da obra enquanto proposição quanto como produto – é afirmado, não se
completando a obra senão através de outros artistas e espectadores, transformados a partir
daí em participantes”. (Justino, 1998, p. 29)
12 POPPER, F. Art, action et participation. Klincksieck, 1980, p. 13 Citado por Edmond Couchot (Domingues, 1997: p. 137)
34
experimentando através do contato físico com as placas soltas e móveis no espaço, o
participante caminha sobre a areia, sente pigmentos, entrelaça linguagens, busca o
escondido e propõe alternativas, isto é, inventa” (Justino, 1998, p. 32)
A interatividade nas novas mídias é mais um assunto que tem sido tratado à exaustão pelos
pesquisadores. Encontra-se grande quantidade de informação redundante e pouco
proveitosa para a prática da produção de hipermídia. Uma das críticas diz respeito a
banalização do termo que tem sido utilizado das mais diversas maneiras e para os mais
diversos fins. Observa-se rapidamente que o termo tornou-se moda e sinônimo de
atualidade tecnológica. Muitos sites utilizam o termo em suas páginas sem mesmo
apresentar qualquer qualidade nessa direção. Para a grande maioria dos webdesigners e
usuários, a existência de qualquer dispositivo que conecte um texto a outro, já é aceito
35
como interativo. A presença de botões, imagens ou palavras “clicáveis”, já é entendido como
se tratando de um ambiente interativo.
++
André Lemos (1997, p. 1) distingue dois tipos de interatividade: interação social e interação
técnica, para diferenciar comunicação entre pessoas e com a máquina respectivamente, e
destaca que estes dois tipos convivem normalmente, ou seja, um não exclui o outro.
36
Lemos sugere uma subdivisão da interação técnica: o analógico-mecânico e o eletrônico-
digital.
A interação do tipo eletrônico-digital possibilita que a interação ocorra não somente entre
usuário e a máquina ou a ferramenta, mas também diretamente com o conteúdo. “A
interação homem-técnica (analógica ou digital) tem evoluído, a cada ano, no sentido de uma
relação mais ágil e confortável. Vivemos hoje a época da comunicação planetária,
fortemente marcada por uma interação com as informações (“bits”), cujo ápice é a realidade
virtual.” (Lemos, 1997, p. 3)
A partir da interatividade digital mediada por computador, Santaella (2004, p. 163) distingue
dois tipos de interatividade considerando as possibilidades on e offline. Os suportes off-line,
por apresentarem limites de armazenamento e, por conseguinte, possibilidades de conexões
hipermidiáticas finitas, são mais simples em contraste com as possibilidades infinitas e muito
mais complexas e dialógicas presentes na internet.
Interatividade X reatividade
Outro aspecto bastante importante e também intensamente discutido diz respeito a questão
do quanto as escolhas interativas apresentam realmente leituras particulares e
determinadas pelo usuário, o quanto às mensagens hipermidiáticas são construídas numa
relação de parceria entre o autor e o usuário, ou seja, o quanto se pode dizer que o usuário é
co-autor da obra? Nesta discussão entendo que o embate está entre o que está previsto
pelo autor e o que realmente significa a participação interativa do receptor.
A partir destas condições pode-se dizer que muito pouco, ou quase nada do que se encontra
no ciberespaço é interativo. A possibilidade de navegação encontrada nos dias de hoje no
que ela implica de participação efetiva do usuário não é considerada como interativa.
Araujo (2005, p. 123) entende que os novos formatos tecnológicos determinam um nível
diferente de acesso e participação da recepção, e que a partir disto ocorre diluição entre os
papéis de autor e receptor já que o envolvimento deste não é passivo. Por outro lado
entende também que esta participação é limitada já que foi previamente planejada pelo
sistema.
Primo (2000) sugere outro caminho que não focalize apenas a máquina, mas que valorize
principalmente o que ocorre entre o homem e a máquina, ou seja, enfatizar o estudo na
“relação que emerge da ação entre eles.” Esta teoria não se estabelece na valorização da
autoria nem do usuário, mas entre um e outro, nos aspectos que ocorrem no momento da
conexão entre eles.
A partir destas premissas Primo classifica dois modelos de interação: a interação reativa e a
interação mútua. E a partir delas sugere sete dimensões para análise e confronto visando
caracterizá-las. A seguir apresenta-se um quadro/montagem com a intenção de facilitar a
leitura das informações do autor.
38
Reativa Mútua
Sistema Conjunto de objetos Fechado. Aberto.
ou entidades que se Relações lineares e Elementos
inter-relacionam unilaterais, o reagente tem interdependentes. Se um é
formando um todo. pouca ou nenhuma afetado o sistema todo se
condição de alterar o modifica.
agente.
Processo Acontecimentos que Estímulo-resposta. Através da negociação.
apresentam
mudanças no tempo.
Operação A relação entre a Fecham-se na ação e Dá-se através de ações
ação e a reação. Um pólo age e o interdependentes, por
transformação outro reage. Uma vez cooperação. Cada agente,
estabelecida a hierarquia, ativo e criativo, modifica o
ela passa a ser repetida em comportamento do outro, e
cada interação. também tem seu
comportamento modificado.
A cada evento comunicativo,
a relação se transforma.
Fluxo Curso ou seqüência Apresenta-se de forma Fluxo dinâmico e em
da relação linear e pré-determinada, desenvolvimento.
em eventos isolados.
Assim, o usuário age em
um sistema reativo apenas
nos limites que o
programador planejou.
Throughput Os que se passa É mero reflexo ou O diálogo de interação
entre a automatismo. Os processos mútua não se dá de forma
decodificação e a de decodificação e mecânica, pré-estabelecida.
codificação, inputs e codificação se ligam por Cada mensagem recebida,
outputs programação. Não há uma de outro interagente ou do
seleção consciente, ambiente, é decodificada e
verdadeiramente interpretada, podendo então
inteligente, do gerar uma nova codificação.
computador. O Cada interpretação se dá
computador oferece uma pelo confronto da
falsa aparência mensagem recebida com a
interpretativa, já que seu complexidade cognitiva do
funcionamento é pré- interagente.
determinado.
Relação O encontro, a Rigidamente causal. Construção negociada. A
conexão, as trocas Por operar através de ação relação é constantemente
entre elementos ou e reação, os sistemas construída pelos
sub-sistemas. reativos pressupõem a interagentes. Não se pode
sucessão temporal de dois jamais pré-determinar que
processos, onde um é uma certa ação gerará
causado pelo outro. Esse determinado efeito. Logo a
vínculo subentende uma interação mútua é um
causa e um efeito. Nesses processo emergente, isto é,
sistemas, isso é visto como ela vai sendo definida
uma relação lógica, um durante o processo.
39
fato objetivo. Quando uma Portanto, as correlações
mesma causa ocorrer o existem, mas não
mesmo efeito será gerado. determinam
Sempre. necessariamente relações de
causalidade.
Interface Superfície de Sistemas reativos Sistemas interativos mútuos
contato, apresentam uma interface se interfaceiam
agenciamentos de potencial. virtualmente.
articulação,
interpretação e
tradução.
Figura 1 Quadro comparativo – interações Reativa e Mútua.
O autor alerta que a interatividade não ocorre isolada em apenas uma interface de contato,
pode ser múltipla e simultânea. Por exemplo, quando em um chat, a interação não ocorre
somente com outra pessoa conectada, mas também estará ocorrendo interação com o
mouse, com o teclado, com o software, etc. Desta forma em alguns casos poderá ocorrer
interações reativas e mútuas simultaneamente. E também se preocupa em acrescentar que
os conceitos não são rígidos.
))))
40
(2) Inter-Relação das linguagens Sonora, Visual e Verbal (IR SVV)
Para um bom desenvolvimento das questões que se pretende colocar sobre a IR SVV carece
iniciar com esclarecimentos sobre as teorias que servirão de sustentação para o percurso da
pesquisa. A intenção não é abarcar o todo destas teorias, pretende-se apresentar aspectos
mais básicos e gerais necessários para o acompanhamento das idéias que aqui serão
dispostas.
Para tratar da IR SVV como já foi dito, optou-se pelas Teorias de Charles Sanders Peirce
expandidas pelas contribuições de: Lúcia Santaella, principalmente as Matrizes da
Linguagem e Pensamento, teoria semiótica que considera que todas as linguagens derivam
de 3 matrizes Sonora, Visual e Verbal. Percebendo as afinidades com o CH pretende-se
apenas apresentar alguns aspectos que auxiliem na sustentação das argumentações aqui
apresentadas.
Outra afinidade semiótica foi encontrada nas Matrizes Fundamentais de Tradução de Júlio
Plaza que fornece importantes subsídios teóricos e fundamentalmente instigantes idéias
para a criação da hipermídia CH.
Inicia-se com:
Primeiro a Fenomenologia
Na busca pelas categorias universais Peirce chega a três. Partindo da hipótese de que não há
nada presente a mente num determinado instante, um fenômeno ao ser captado pelos
sentidos cria imediatamente um sentimento, seguido de um sentido de resistência e então
um pensamento.
Conforme o autor
Por vários momentos Peirce procurou confirmar os três elementos da consciência. “A tríade
estava continuamente aparecendo na lógica e nas ciências especiais, primeiro na psicologia,
então na fisiologia e na teoria das células, finalmente na evolução biológica e no cosmos
físico como um todo.” (Santaella L. , 1983, p. 36) Passou então a buscar os termos para as
categorias as quais chamou de primeiridade, secundidade e terceiridade.
Portanto:
42
Primeiridade é qualidade. É a idéia que é independente da algo mais. Quer dizer é uma
qualidade de sensação. É o modo de ser daquilo que é tal como é e sem referência a
qualquer outra coisa.
Secundidade é relação, conflito. É a idéia daquilo que é, como segundo para algum primeiro,
independente de algo mais, em particular independente de Lei, embora podendo ser
conforme uma Lei. O que é dizer, é reação como um elemento do fenômeno. É o modo de
ser daquilo que é tal como é, com respeito a um segundo, mas independentemente de
qualquer terceiro.
, depois(agora) a Semiótica.
A Semiótica é a Teoria Geral dos Signos cujo objeto de estudo é toda e qualquer coisa que se
organize ou tenda a organizar-se sob a forma de linguagem, verbal ou não, ou seja, é a
ciência geral de todas as linguagens. Isto só é possível porque esta teoria criada por Peirce
43
foi desenvolvida a partir das categorias fenomenológicas universais determinando uma
lógica para a sua definição e classificação dos signos. Esta lógica, entretanto, não causa
nenhuma hierarquia prévia e não é determinada por nenhuma regra ou lei anterior, sendo
neste sentido muito adequada para o CH.
Como se ouVê através da escrita de Santaella, a semiótica serve ao estudo das mais diversas
linguagens possibilitando compreender como ocorrem as particularidades de cada uma e, de
vital importância para CH, como se inter-relacionam.
Serve para estabelecer as ligações entre um código e outro código, entre uma
linguagem e outra linguagem. Serve para ler o mundo não-verbal: ‘ler’ um quadro,
‘ler’ uma dança, ‘ler’ um filme – e para ensinar a ler o mundo verbal em ligação
com o mundo icônico ou não-verbal. (p. 12)
Nas palavras de Pignatari, signo é toda e qualquer coisa que substitua ou represente outra,
em certa medida e para certos efeitos. (1979, p. 9)
44
É qualquer coisa independente de origem.
Informa apenas parte do objeto que representa
Não é idêntico ao seu objeto.
É uma abstração já que considera apenas alguns aspectos do seu objeto.
Pode ter mais de um objeto.
Pode criar o seu objeto.
Não é absolutamente preciso.
O objeto de um signo pode ser fictício.
O significado de um signo é outro signo.
Pode ser: pan-sêmico (aberto a todos os significados possíveis), poli-sêmico (aberto a
vários significados), mono-sêmico (fechado a significados únicos).
Nenhum tipo de signo é auto-suficiente ou completo.
Ou seja:
E ainda, tendo em vista que não existe nada a priori numa mente, o acesso ao real só é
possível através dos signos.
?signoobjetointerpretante?
São três elementos de um processo. São inseparáveis e por isso são mais facilmente
entendidos quando definidos em conjunto.
Peirce:
Objeto:
Em relação ao objeto é preciso ter intimidade ou experiência colateral com aquilo que o
signo denota. Ou seja, para conhecer o objeto é preciso ter alguma experiência anterior com
ele.
Para obter noções mais qualificadas sobre o que é o objeto do signo, é indispensável
distinguir entre dois sentidos de objeto.
O Objeto imediato (dentro do signo, no próprio signo) é tal como representado no signo.
São as aparências de um objeto no modo como é representado.
O Objeto dinâmico é o objeto real. Pelo modo de ser das coisas, o signo não pode mostrar,
pode apenas indicar, deixando ao intérprete a tarefa de conhecê-lo por experiência
colateral. O objeto dinâmico é o objeto que a ciência pode explorar.
Interpretante:
É aquilo que o signo cria na mente do intérprete, algo esse que foi também, de maneira
relativa e mediata, criada pelo objeto do signo, embora o objeto seja essencialmente diverso
do signo. (Peirce, 1974, p. 122)
46
Ora, o signo só pode representar seu objeto para um intérprete, e porque
representa seu objeto, produz na mente desse intérprete alguma outra coisa (um
signo ou quase-signo) que também está relacionada ao objeto não diretamente,
mas pela mediação do signo. Cumpre reter da definição a noção de interpretante.
Não se refere ao intérprete do signo, mas a um processo relacional que se cria na
mente do intérprete. A partir da relação de representação que o signo mantém
com seu objeto, produz-se na mente interpretadora um outro signo que traduz o
significado do primeiro (é o interpretante do primeiro). (Santaella L. , 1983, pp. 58-
59)
O interpretante = significação,
pode ser entendido de três formas: interpretante imediato, interpretante dinâmico e
interpretante lógico.
Interpretante imediato:
[...] é o que o signo está apto a produzir numa mente interpretadora qualquer. Não
se trata daquilo que o signo efetivamente produz na minha ou na sua mente, mas
daquilo que, dependendo de sua natureza, ele pode produzir. Há signos que são
interpretáveis na forma de qualidades de sentimento; a outros que são
interpretáveis através de experiência concreta ou ação; outros são passíveis de
interpretação através de pensamentos numa série infinita. (Santaella L. , 1983, p.
60)
47
O interpretante final que é o efeito que o signo produziria em qualquer mente, se a
semiose fosse levada suficientemente longe, isto é, se fosse possível que o signo
pudesse produzir todos os interpretantes dinâmicos de modo exaustivo e final.
Uma vez que isso não é possível, o interpretante final está sempre em progresso,
num processo evolutivo infinito, pois cada um de nós, intérpretes particulares,
apenas capazes de produzir interpretantes dinâmicos singulares, falíveis e
provisórios, não estamos nunca em condições de dizer que um interpretante já
tenha esgotado todas as possibilidades interpretativas de um signo, constituindo-
se no seu interpretante final. É em razão disso que estamos sempre no meio do
caminho da interpretação de todo e qualquer signo. (Santaella L. , 2001, p. 49)
A intenção nesta etapa da pesquisa tem com alvo os aspectos mais básicos, porém
fundamentais das Matrizes da Linguagem e de Pensamento, isto porque se trata de uma
teoria bastante minuciosa, articulada sob um conhecimento amplo das três linguagens. O
interesse é apalpar os conceitos mais gerais que já será de extrema importância.
48
A ligação entre Pensamento e Linguagem:
Para Peirce todo pensamento se dá em signos. Sendo signo qualquer coisa presente em uma
mente, pensamento, portanto, também se dá a partir de qualquer coisa. Desta forma a
noção de pensamento extrapola definitivamente os limites da exclusividade logocêntrica e
se expande em todas as direções. Um sentimento, uma imagem, palavras ou qualquer outra
coisa, tudo isto pode ser pensamento. Entretanto, para ser conhecido, um pensamento
precisa ser explicitado através da linguagem. “Pensamento e linguagem são atividades
inseparáveis: o pensamento influencia a linguagem e esta incide sobre o pensamento.”
(Plaza, 2001, p. 19)
As matrizes também estão relacionadas à percepção e esta aos sentidos humanos. Assim
sendo, enquanto a matriz verbal é mais abstrata e, portanto, menos dominada por um
sentido determinado, a visual está mais ligada ao olho e o sentido da visão, enquanto a
sonora está ligada ao ouvido e o sentido da audição. (Santaella L. , 2001, p. 57)
3 matrizes 3 eixos
Tendo em vista a lógica das categorias, de primeiro, segundo e terceiro, Santaella sempre
ressalta que a primeiridade é a base onde a secundidade se alicerça, e a primeiridade e a
secundidade alicerçam a terceiridade. Na lógica das categorias não há exclusão nem
isolamento, a questão não é optar por uma ou outra, funcionam como uma unidade, que
pode apresentar ênfase ora em uma, ora em outra categoria.
50
Santaella (2001, p. 79) junta a esta primeira relação, outra que determina eixos de
estruturação para cada uma das linguagens. Evidentemente obedecendo a lógica peirciana,
observa que a “sintaxe” é a sustentação para a “forma”, que juntas, sustentam o “discurso”.
Deste modo a autora fundamenta a lógica da sua teoria das matrizes da linguagem e de
pensamento.
Confirmando:
Cabe ainda uma reflexão importante o fato de Santaella colocar a matriz sonora no âmbito
da secundidade, na contramão do que dizem os semioticistas. O que a autora defende é que
“a linguagem visual, como forma de representação, sempre se corporifica em uma
materialidade singular, forma particular ou caso de representação icônica, que encontra na
matriz do sin-signo indicial dicente o foco de dominância para a sua inteligibilidade.” (2001,
p. 196)
Entende-se que não ocorre conflito entre os conceitos criados por Santaella e os seus
colegas peircianos, a questão é que a autora introduz uma nova proposta de visualização das
51
teorias de Peirce, que não tem efeito de contradizer o que já foi dito, mas observar de modo
mais amplo aquilo que cada matriz tem de mais proeminente: o seu eixo lógico.
A partir da matriz principal ocorre uma primeira divisão lógica, dando origem as
modalidades, que se alicerça nas idéias de primeiridade, secundidade e terceiridade, ou seja,
qualidade, existência e lei (convenção), em seguida cada uma destas modalidades sofrem
divisões lógicas determinando as submodalidades seguindo o mesmo princípio aplicado
anteriormente. Finalmente cada matriz chega a nove divisões lógicas.
A matriz sonora (1), dividida em 1.1 sintaxes do acaso; 1.2 sintaxes dos corpos sonoros; 1.3
sintaxes convencionais.
A matriz visual (2), dividida em 2.1 formas não-representativas; 2.2 formas figurativas; 2.3
formas representativas
A matriz verbal (3), dividida em 3.1 descrição; 3.2 narração; 3.3 dissertação.
A máxima coerência reside no fato de que dentro de uma mesma matriz se encontra a
aplicação das categorias fenomenológicas de Peirce, e, por conseguinte, nos
desdobramentos e subdivisões se observa a presença dos domínios característicos de cada
matriz. Desta forma as matrizes estão em permanente inter-relação e mistura. Por exemplo,
a matriz sonora (1) tem na primeira divisão 1.1, em primeiridade, a matriz sonora no
domínio do sonoro; 1.2 em secundidade, a matriz sonora no domínio do visual; 1.3 a
terceiridade, a matriz sonora no domínio do verbal. Significando que para a matriz sonora, o
1.1 é a modalidade mais pura por estar sob o domínio do sonoro; 1.2 e 1.3 apresentam
misturas do domínio do visual e do verbal respectivamente.
Deste modo também ocorre na divisão da matriz visual (2) tem na primeira divisão 2.1 a
matriz visual no domínio do sonoro; 2.2 a matriz visual no domínio do visual; 2.3 a matriz
visual no domínio do verbal. Significando que para a matriz visual, 2.2 é a modalidade mais
pura por estar sob o domínio do visual enquanto 2.1 e 2.3 apresentam misturas do domínio
do sonoro e do verbal respectivamente.
52
Esta mesma lógica também ocorre na divisão da matriz verbal (3) tem na primeira divisão 3.1
a matriz verbal no domínio do sonoro; 3.2 a matriz verbal no domínio do visual; 3.3 a matriz
verbal no domínio do verbal. Significando que para a matriz verbal, 3.3 é a modalidade mais
pura por estar sob o domínio do verbal enquanto 3.1 e 3.2 apresentam misturas do domínio
do sonoro e do visual respectivamente.
Portanto as matrizes não são puras, se apresentam sempre contaminadas uma pelas outras
a partir de uma lógica de interpenetração entre elas. Se dentro de uma mesma matriz já
ocorre contaminação, a autora vai mais longe observando também entre as matrizes.
A outra questão importante é a aproximação entre as matrizes. Em cada matriz uma das
modalidades é exclusiva enquanto as outras duas são pontes de inter-relação entre uma
matriz e outra. Assim como foi observado nas divisões internas de cada modalidade, as
matrizes também apresentam ênfases nas suas características de domínio. Ou seja, a matriz
sonora (1) apresenta nas (1.1) sintaxes do acaso o seu eixo de domínio; nas (1.2) sintaxes
dos corpos sonoros a ponte de inter-relação para a matriz visual (2) nas (2.1) formas não-
representativas; e nas (1.3) sintaxes convencionais a ponte de inter-relação para a matriz
verbal (3) na (3.2) narração.
A matriz visual (2) por sua vez apresenta nas (2.1) formas não-representativas a ponte de
inter-relação para a matriz sonora nas (1) sintaxes dos corpos sonoros; nas (2.2) formas
figurativas o seu eixo de domínio; nas (2.3) formas representativas a ponte de inter-relação
para a matriz verbal (3) na modalidade (3.1) descrição.
A matriz verbal (3) finalmente apresenta na (3.1) descrição a ponte de inter-relação para a
linguagem visual (2) nas (2.3) formas representativas; na (3.2) narração a ponte de inter-
relação para a linguagem sonora (1) na modalidade (1.3) sintaxes convencionais; e na (3.3)
dissertação o seu eixo de domínio.
A questão é a existência em cada matriz do ponto central onde ocorre domínio dos aspectos
de secundidade, ou seja, conforme explica a autora, “[...] indica que cada matriz chega aí o
mais perto que lhe é possível do seu objeto semiótico, ou seja, daquilo que, em uma
linguagem menos técnica, costuma-se chamar referente.” (Santaella L. , 2001, pp. 373-374)
53
Tradução InterSemiótica (TI)
Ressalta-se que o interesse é desenvolver mensagens que sejam apresentadas nas possíveis
hibridizações entre as três matrizes SVV, mas inseridas em uma proposta não linear, não
hierárquica buscando experimentar outros caminhos diferentes do que convencionalmente
se observa no uso dos sons, imagens e textos verbais.
54
uma destas linguagens, mais do que isto Santaella mostra o quanto as linguagens são
misturadas, contaminadas, híbridas.
Plaza foca sua teoria aproximando a idéia de tradução à idéia de signo de Peirce, trata dos
modos de tradução entre as linguagens enfatizando, entretanto, as possibilidades de
tradução criativa e intencional.
Plaza (2001) informa que a primeira referência a Tradução Intersemiótica que conheceu foi
através dos escritos de Roman Jakobson. Está se referindo a classificação dos tipos de
tradução de Jakobson (2005, pp. 64-65), onde o autor distingue três espécies de tradução
55
3- A tradução inter-semiótica ou transmutação consiste na interpretação dos signos
verbais por meio de sistemas de signos não-verbais.
Plaza acrescenta que a tradução intersemiótica acontece de um sistema de signos para outro
independente do tipo de signos que estejam em jogo, por exemplo, de signos verbais para
visuais ou dos signos visuais para os verbais. (2001, p. XI)
Pode-se observar que a partir do século XX cada vez mais constante a interação entre as
linguagens, porém Plaza enfatiza que:
Uma das contribuições importantes destes escritos de Plaza é o uso destas relações
tradutoras intersemióticas intencionalmente como modo de criação e produção valorizando
a inter-relação das linguagens SVV.
Conforme já foi visto anteriormente, o signo possui dois objetos, objeto imediato e objeto
dinâmico, este último que se trata do objeto real passível de análise e investigação e o
primeiro que se refere ao modo como este signo representa seu objeto, por exemplo, se é
um desenho, uma pintura, uma foto. Pode-se dizer que o objeto imediato é o “como” e o
objeto dinâmico é o “o que” o signo representa. Para a TI antes mesmo de tratar do objeto
dinâmico, referencia-se ao código presente em seu objeto imediato, são as características do
objeto imediato que oferecem elementos para a tradução intersemiótica, para a inter-
relação das linguagens e para mensagens verdadeiramente hipermidiáticas.
Antes de se referir a alguma coisa que está fora dele (o objeto dinâmico), cada
código ou meio referencia-se a um outro código que está embutido nele de forma
virtual. Enquanto a linguagem visual figurativa, por exemplo, antes de referir-se ao
real, referencia-se com códigos de representação, a linguagem verbal escrita, por
seu lado, referencia-se com o próprio código visual e, fundamentalmente, com o
código oral do qual é tradução. É justamente essa rede entre os sentidos
(intercurso) e conseqüentemente embutimento de um meio dentro do outro, ou
seja, é justamente essa rede de referências entre os sentidos e meios – mais
imediatamente presente ao signo do que a referência aos objetos dinâmicos –
aquilo que dá fundamento e possibilita a TI como intercurso dos sentidos ou
trânsito de meios e canais. (Plaza, 2001, pp. 47-48)
56
Se os meios e, por extensão, as linguagens que eles veiculam são ampliações diferenciadas
da diversidade do nosso, sistema sensório, de uma forma ou de outra, o caráter desse
sistema sensório fica inscrito ou traduzido nesses meios. Sendo as qualidades materiais dos
meios e linguagens que determinam o caráter do Objeto Imediato do signo, o Objeto
Imediato indica, isso sim, as qualidades do meio e do código como extensões dos sentidos
nos quais ele se consubstancia. Desse modo, todas as vezes que produzimos um signo,
também construímos um Objeto Imediato que não alcança ser e não é o objeto dinâmico. Se
o Objeto Imediato constitui-se, assim, num afastamento e abstração em relação ao real,
também constrói um “enriquecimento”, pois ele nos dá, isto é, nos apresenta suas próprias
qualidades materiais sui generis. (Plaza, 2001, p. 48)
Captar o real como um todo é algo que a capacidade humana é incapaz, está além das
possibilidades do próprio signo.
1Tradução Icônica:
2Tradução Indicial:
Nas traduções deste tipo a informação semântica é dominante. As relações com o objeto
predominam para um receptor preparado.
É o signo original que determina a Tradução Indicial, podendo esta relação ocorrer de dois
modos, através de uma relação de causa-efeito (caso da tradução de um signo para outro
meio) ou através de uma relação de contigüidade por referência que se resolverá na sua
singularidade, pois acentuará os caracteres físicos do meio que acolhe o signo. Contudo, ela
será interpretada através da experiência concreta. Neste caso a tradução será uma
TRANSPOSIÇÃO. (Plaza, Tradução Intersemiótica, 2001)
3Tradução Simbólica:
58
Desta forma, a relação entre o original e a Tradução Simbólica se da por força de uma
convenção, não havendo nenhuma outra possibilidade, pois o símbolo semiótico peirciano
consiste em uma regra ou lei que determinará sua significação. Neste caso a tradução é
TRANSCODIFICAÇÃO. (Plaza, Tradução Intersemiótica, 2001)
59
As Linguagens Sonora Visual Verbal
Os seres humanos interagem com o mundo ao seu redor através da recepção das diversas
informações captadas pelos sentidos. Os vários canais de percepção estão
permanentemente ligados captando e informando ao corpo e a mente sobre variadas
situações. Agem simultaneamente e são estimulados por diversos fatores internos e ou
externos. Servem para situar e manter o homem vivo. A audição, a visão, o tato, o olfato e o
paladar, os cinco sentidos funcionando simultaneamente servem como interface para a
existência do homem no mundo. Cada sentido é encarregado de receber um tipo de
informação específico. A junção das informações recebidas em cada um destes canais
possibilita ações do sujeito no seu meio ambiente.
O Q É IR SVV?
O que chamo de inter-relação das linguagens SVV nesta pesquisa pode ser entendido como =
relação mútua entre as três linguagens. A idéia de relação mútua significa que o sonoro o
visual e o verbal se articulam em linhas de informação que justapostas geram novos
significados. Processo semelhante a montagem cinematográfica de Eisenstein, que por sua
vez se inspira no ideograma oriental.
Cada elemento, cada parte, cada linha de informação carrega significados que podem vir a
compor em contraponto outros significados. Isto é o fundamento do CH.
Assim para que ocorra CH é necessário que duas convenções fortemente enraizadas
culturalmente sejam desconsideradas: a linearidade e a hierarquia.
1ºNÃO! - IR SVV não se estabelece na lógica linear, não se ajusta as idéias logocêntricas, não
ocorre através de associações por contigüidade. Valoriza-se a simultaneidade. As linhas de
informação podem ser justapostas de vários modos, porém não há privilégio ou predomínio
da lógica verbal. Os significados surgem por associações analógicas. Cabe esclarecer que a
NÃO linearidade não exclui a linearidade, apenas descarta-se o conceito de linearidade.
2ºNÃO! – IR SVV não se estabelece por hierarquia, ou seja, as linhas de informação são
independentes, as relações entre estas linhas ocorrem através de associações livres.
OBS.: Seria ingênuo considerar estes 2NÃOS!! como normas rígidas, cabe à recepção o modo
de leitura, portanto casos por exemplo, como o da ilustração, onde uma imagem funciona
apenas como redundância visual do texto verbal, poderão ocorrer, ainda assim de modo não
tradicional, pois a intenção que se quer é gerar significados a partir da justaposição de linhas
de informação por sobreposição ou em seqüência.
62
Anteriormente a Revolução Industrial, no período pré-fotográfico, as produções sonoras,
visuais e verbais eram mais autônomas. Mesmo já apresentando algum tipo de
contaminação entre elas. Neste período estas linguagens ficavam limitadas a poucas
misturas sendo que, quando ocorriam, se caracterizavam principalmente por uma hierarquia
entre elas, ou seja, uma subordinada a outra.
Linguagem sonora
Audição
A percepção neste caso funciona como um cursor do tempo que dispensa o que se
apresenta na mesma velocidade em que se atualiza. Isto não significa que não existe
memória auditiva, a redundância sonora principalmente no que diz respeito às qualidades
timbrísticas dos fenômenos, estabelece referências concretas para que se possa reconhecer
e compreender os significados desses sons. Segundo Peirce os signos, em relação ao seu
objeto, podem representar por semelhança (ícone), por conexão direta com o objeto (índice)
ou por convenção (símbolo). Apesar de todos os signos terem um pouco de cada uma destas
63
classificações, ênfases são encontradas. Os signos sonoros também se caracterizam desta
forma. Um alarme sonoro que pode causar surpresa a um ouvinte desprevenido e causar
uma carga de adrenalina, também informa uma invasão.
Tarefa mais árdua para a memória são os sons organizados em forma de música, quando
esta é feita somente por instrumentos e não se apóia na estrutura vocal/verbal. A matriz
sonora é mais facilmente relembrada quando se estrutura de forma híbrida com elementos
específicos das outras duas matrizes, a visual e a verbal.
Como Linguagem
A linguagem sonora é a que apresenta maiores dificuldades para ser aceita como linguagem
tendo em vista que constantemente se recorre ao modelo da lógica verbal par efetuar
comparações. Esquece-se que se trata de signos de naturezas muito diferentes que
requerem estruturas de organização e códigos próprios. Porém observa-se que os elementos
sonoros são mais facilmente compreendidos quando se encontram organizados de forma
híbrida, ou seja, quando a Matriz da Linguagem sonora se mistura com as Matrizes das
Linguagens visual e verbal.
É interessante observar que grande parte da música ocidental, especificamente todas as que
estão organizadas pelo sistema tonal, tem se baseado em analogias com o sistema
lingüístico para designar e estruturar os seus próprios elementos. Entretanto esta restrição
tem sido pouco a pouco abandonada a partir da dissolução do tonalismo, momento onde a
música se abre a múltiplas possibilidades.
A teoria geral dos signos, ao contrário da lingüística, foi desenvolvida de tal forma que
qualquer coisa é signo. Peirce fundamentou a classificação dos signos partindo das
categorias universais da sua fenomenologia, fez da semiótica uma ferramenta teórica que
pode ser aplicada a qualquer tipo de signo, estudar vários sistemas semióticos analisando-os
e compreendendo-os como linguagem. Desta forma considera-se o sonoro também como
possibilidade de ser organizado como linguagem.
64
Características:
A linguagem sonora se caracteriza por depender da passagem do tempo. Como não se fixa,
só existe no momento presente. O som surge e imediatamente desaparece. É um fenômeno
exclusivo do sentido da audição, que o torna ainda mais escravo do tempo.
Este modo de ser do som dificulta o estudo e o controle, por este motivo vários sistemas de
escrita foram criados ao longo da história. Através da tradicional partitura tornou-se possível
também a reprodução de músicas por diferentes intérpretes em diferentes momentos. Do
ponto de vista do suporte, para que possa ser ouvida independente da presença dos
músicos, depende de equipamentos especiais que a cada dia são mais complexos e
sofisticados envolvendo cada vez mais parâmetros de controle.
Por ser escorregadio seu aspecto qualitativo e emocional se destacam e por isto mesmo
torna-se de difícil memorização. Questão que fica ainda mais complexa tendo em vista que é
uma linguagem que não possui referência externa.
A música, entretanto, dada sua grande fragilidade referencial, compensada por seu
enorme poder evocador, produz em nós uma espécie de predisposição para a
dominância do percipuum em nível de primeiridade. Não tendo atrás de si, como
acontece com a imagem visual, um objeto real ou pressentido, não estando presa,
como acontece com a linguagem verbal a conceitos mais ou menos fixos, a música
é presença quase pura, presentidade como está presente, capaz de estreitar o
fosso que separa o percepto do percipuum, produzindo uma fusão entre ambos.
(Santaella L. , 2001, p. 109)
65
Hibridizasom
Entretanto nos poucos casos onde a Matriz da Linguagem Sonora expandiu os seus limites e
se apropriou de novas linguagens de modo mais explícito, como o caso da ópera, por
exemplo, as linguagens agregadas foram mantidas subordinadas a linguagem musical.
Outros exemplos clássicos que se pode citar são a dança e o teatro, no primeiro caso a
música servindo a coreografia, no segundo ao texto verbal.
Linguagem visual
Visão
A visão é um processo complexo que se inicia com a captação das radiações luminosas,
passando por certos mecanismos fisiológicos e psicológicos que determinam impressões do
mundo: as cores, as formas, o movimento, a distância e também o relevo.
66
O olho é o órgão sensorial da visão e por onde começa a percepção. É por ali que os raios
luminosos emitidos ou refletidos pelos objetos entram passando por um processo de busca
e focalização automático para então formar uma imagem nítida sobre a retina. A retina,
composta de células sensoriais fotossensíveis (cones e bastonetes), transmite os dados
visuais, que seguem através do nervo óptico e do núcleo geniculado lateral, para o córtex
cerebral. Finalmente no cérebro ocorre o processo de análise e interpretação dos dados que
permite compreender as distâncias, cores, movimentos e formas dos objetos. (Nishida,
2007)
A 300.000 Km/s a luz se propaga isso significa que a fotorrecepção é tão sensível que pode
informar ao sistema nervoso central em tempo quase real sobre o que ocorre no ambiente
externo, possibilitando excelente resolução espacial e temporal.
Entretanto isto não é tudo, além da construção visual sobre o ambiente onde se encontram,
as imagens são utilizadas como elementos de comunicação. Os estudos sobre percepção
visual têm mostrado que o que se vê está longe de ser apenas a imagem conforme ela se
forma na retina. Muitos estudiosos têm se dedicado a esse assunto, destaca-se, entretanto,
a Gestalt como uma das mais importantes teorias da percepção visual do século XX.
Para os estudiosos desta teoria os elementos visuais são percebidos como padrões
estruturais organizados e significativos. As chamadas leis de organização da Gestalt
apresentam seis aspectos principais que determinam a percepção visual: proximidade,
similaridade ou semelhança, fechamento, simetria, destino comum e continuidade.
Como Linguagem
Conforme já foi visto anteriormente os signos podem ser internos ou externos, ou seja, as
representações visuais podem ser formadas na mente assim como também podem ser
estruturadas como linguagens externas. Muito antes de o homem registrar em imagens a
palavra falada, já o fazia com as representações visuais do mundo: as pinturas nas cavernas
constantemente têm sido retomadas justamente pela importância e significação que tiveram
67
para a expressão e comunicação humana. Desde então o interesse pelas imagens, nos seus
mais diversos tipos e desdobramentos, nunca mais cessou, pelo contrário este interesse se
disseminou se multiplicando em variadas formas de linguagem.
Características:
A linguagem visual se caracteriza por ter a forma como eixo. A percepção da forma esta
condicionada principalmente a visão apesar do não menos importante apoio do sentido
háptico. O sentido da visão é o que mais subsidia a apreensão dos objetos do mundo físico,
sendo, portanto, a linguagem visual a que mais aproxima o homem do mundo que o rodeia.
Gibson (apud Santaella, 2001, p. 204-205) realiza um exame minucioso em torno da palavra
“forma” procurando restringir o uso às formas visuais e se referindo somente aquelas que
derivam de objetos físicos. A partir desta restrição distingue três significados gerais para o
termo:
(1) A figura de um objeto em três dimensões. Diz respeito à forma dos objetos físicos. Esta
apresenta as seguintes subdivisões: forma sólida e forma de superfície.
(2) A projeção de tal objeto em uma superfície chapada, seja através da luz do objeto, seja
pelo ato humano de desenhar ou pela operação de construção geométrica, de que são
exemplos as imagens, pinturas, desenhos e esboços.
Subdivididas em: forma de esboço; forma pictórica; forma do plano; forma perspectiva;
forma sem sentido.
(3) A forma geométrica abstrata composta de linhas imaginárias, planos ou de suas famílias.
Subdivididas em: forma geométrica plana; forma geométrica sólida; forma projetada.
68
A Imagem
E as imagens de terceira geração, que sob o rótulo genérico de Imagens de Síntese, são
realizadas por computador com a ajuda de programas numéricos ou de tratamento digital e
sem auxílio de referentes externos. Estas imagens em disponibilidade permanente em
matrizes-memórias numérico-magnéticas inauguram uma nova forma de reprodutibilidade,
cujo regime de recepção é o “valor de recriação”.
Para Santaella & Nöth (1998, p. 163) também são três os paradigmas da imagem: paradigma
pré-fotográfico, ou produção artesanal, que dá expressão à visão por meio de habilidades da
mão e do corpo. Paradigma fotográfico, que inaugurou a automatização na produção de
imagens por meio de máquinas, ou melhor, de próteses óticas. Paradigma pós-fotográfico
ou gerativo, no qual as imagens são derivadas de uma matriz numérica e produzidas por
técnicas computacionais.
Já Paul Virilio (2002, p. 91) divide em três eras: a era da lógica formal da imagem, é a da
pintura, da gravura e da arquitetura, que se conclui com o século XVIII. A era da lógica
dialética é a da fotografia, da cinematografia ou, se se preferir, do fotograma, no século XIX.
A era da lógica paradoxal da imagem é a que começa com a invenção da videografia, da
holografia e da infografia.
Das classificações apresentadas acima se observa parcial similaridade entre elas. Para efeito
neste trabalho, destaco um período artesanal, o do contato direto das mãos do artista no
suporte/imagem; um intermediário onde o aspecto principal é a inserção de um aparato
69
tecnológico entre o artista e a imagem; e um terceiro onde o aparato tecnológico, hardware
e software geram as imagens.
Hibridização
No primeiro paradigma, o artesanal, a linguagem visual foi marcada por um longo período
por se manter independente. Estas manifestações mais puras da produção de imagens
caracterizam-se por estar mais voltadas a questões específicas da linguagem visual. Houve
quem estivesse interessado na sintaxe como também outros que estavam preocupados com
a similaridade com o real. Como já foi visto não há forma sem qualidades, portanto nessas
representações visuais o eixo do sonoro já estava presente, bem como também o eixo do
verbal, porém essa hibridização ainda estava se manifestando contidamente.
Por um lado (1) os artistas pressionados pelo invento procuram novos horizontes e acabam
introduzindo novos elementos em suas linguagens, ainda transitando pelo período artesanal,
e por outro (2) surgem artistas que se dedicaram a explorar as possibilidades da nova
máquina, estes no período fotográfico.
Neste período, desse conflito, surgiram muitas transgressões artísticas que causaram
mudanças importantes que avançaram para além dos limites da arte.
Caracterizado pela inserção da máquina entre o homem e a obra, este período é rico em
misturas e contaminações entre as linguagens. As inter-relações já apresentam maior
complexidade. Trata-se das imagens de segunda geração, do paradigma fotográfico.
Cinema também é verbal já que ocorre narrativa. No cinema as relações entre signos
auditivos e visuais torna-se essencial. Cinema é som e imagem sincronizados, sejam nos
aspectos relativos à narrativa, aos diálogos, ou nos aspectos visuais/sonoros: nas
imagens/trilha sonora e nas imagens/sonoplastia. Em geral o cinema prioriza o verbal. Os
elementos visuais e sonoros complementam a narrativa.
71
As imagens digitais também chamadas de imagens de síntese, imagens da terceira geração
ou paradigma são produzidas em computadores e programas. São derivadas de uma matriz
numérica e neste estado ficam permanentemente disponíveis.
Partindo do tratamento digital similar para todas as três linguagens, surge a hipermídia
como ponto culminante deste paradigma. A possibilidade de utilização de sons, de imagens
e de textos verbais seja escrito ou falado em uma mesma mensagem, disponibilizá-la
virtualmente para o uso e permitir ao usuário que determine a direção e a seqüência da
leitura, é um fato inédito.
Linguagem verbal
A Matriz da Linguagem verbal, ao contrário da sonora e da visual que estão ligadas a audição
e a visão respectivamente, não possui um sentido exclusivo. A linguagem verbal se
estabelece nas convenções estabelecidas coletivamente. É o resultado das ligações entre
homem e a natureza, surgiu como interface, como mediação, serviu para o homem
compreender e desenvolver conhecimento sobre as coisas que o rodeia. Desta forma pode-
se dizer que é o resultado das escolhas feitas pelo homem, escolhas que o mundo exterior
impôs e que percebidas “exigiram” determinadas ações.
Em termos semióticos o que distingue os signos verbais é o fato de que representam alguma
coisa através de relações codificadas, estabelecidas por convenções edificadas pelo uso, por
hábitos ou leis. Exigem, portanto, do intérprete conhecimento dos códigos e sistemas que
regem estes signos. Longe de guardarem semelhanças com o objeto a que se referem os
signos verbais requerem lógica de organização e por isso são também mais abstratos.
O verbal falado ou a oralidade, conforme observa Lévy (1993), divide-se em dois momentos:
a oralidade primária quando diz respeito ao papel da palavra antes da adoção da escrita por
uma sociedade, e a oralidade secundária quando o uso da palavra complementa ao da
escrita. “Numa sociedade oral primária, quase todo o edifício cultural está fundado sobre as
72
lembranças dos indivíduos. A inteligência, nestas sociedades, encontra-se muitas vezes
identificada com a memória, sobretudo com a auditiva.” (p. 77)
Ou seja, o recurso para manter a memória foi criar novas possibilidades a partir da
justaposição de outras linguagens, buscando associações entre elementos que pudessem
funcionar como veículos indiciais de lembranças. = um tipo de linguagem híbrida.
Entendo que as linguagens híbridas podem ser de dois tipos, 1justaposição de duas ou mais
linguagens já estabelecidas, como, por exemplo, quando o verbal falado e a música se
justapõem = canção. 2quando é o eixo de uma matriz que é emprestado para a outra
linguagem = a musica instrumental tonal é exemplo, nela não ha texto verbal propriamente,
mas está estruturada dentro de uma lógica ou eixo da Matriz da Linguagem verbal que é o
discurso. : Não é sem sentido falar de frases musicais, frases interrogativas, frases
conclusivas, períodos, entre muitas referências que se faz à linguagem verbal, porém quando
está se tratando de música = linguagem sonora.
A memorização das informações em suportes físicos, de modo que possam ser acessadas a
qualquer momento causam grandes mudanças de pensamento e, por conseqüência na vida
das pessoas. A escrita “[...] ao intercalar um intervalo de tempo entre a emissão e a recepção
da mensagem, instaura a comunicação diferida, com todos os riscos de mal-entendidos, de
perdas e erros que isto implica.” (Lévy, 1993, p. 88)
Se por um lado a escrita representa a perda da interação em tempo real entre emissor e
receptor, por outro lado se desenvolveu silenciosamente buscando cada vez mais construir
73
discursos auto-suficientes = as teorias. Desta forma a escrita fez história. O LIVRO. Todas as
atividades humanas passaram a ser eternizadas neste suporte de memória permanente. A
invenção da imprensa potencializa estes aspectos e de certa forma nos prende
culturalmente nesta interface modelo de ver, ler e pensar o mundo.
Características
Essa lógica é composta por um código alfabético escrito com pouco mais de duas dezenas de
sinais com capacidade de produzir milhares de palavras. Desta forma “[...] favorece a
dominação da contigüidade e da metonímia: ela nos leva a ver o mundo em pedacinhos
separados, desligados uns dos outros. Essa lógica permitiu o avanço da ciência, mas relega a
arte a um papel secundário na sociedade.” (Pignatari, 2004, p. 47)
A escrita((lei)tura) da direita para a esquerda, de cima para baixo, bem como o modo como
se estruturou em volume, seqüências de páginas numeradas, organização em capítulos,
determinou um modo de compreensão e comunicação com o mundo, entretanto
sedimentou-se culturalmente de tal modo que quase não se percebe outras possibilidades
74
de linguagem. O homem tornou-se escravo da sua própria forma de ler e representar o
mundo. Porém, é impossível negar a sua importância.
Santaella (2001, p. 287) informa que a discursividade é, como eixo do verbal, “[...]
seqüencialização de um argumento, descritivo, narrativo e dissertativo, é uma característica
própria da matriz verbal, visto que nenhuma outra linguagem consegue realizá-lo de
maneira tão otimizada quanto a linguagem verbal.”
Tanto o sonoro quanto o verbal são dependentes do tempo diferem pelo fato de que as
seqüências sonoras são desprovidas das qualidades de representar algo fora do som ou das
fontes de onde vêm, enquanto só a verbal é capaz de dissertar.
Hibridização
A linguagem verbal é por natureza híbrida. Conforme já foi comentado possui dois códigos, o
primeiro verbalsonoro cuja conexão com o objeto que representa é mais direta e o segundo
verbalvisual, um código desenvolvido para memorizar informações do código verbalsonoro.
Pode-se perceber facilmente sem muito investimento a presença da linguagem verbal, eixo
do discurso na quase totalidade das atividades humanas, porém, para os interesses desta
pesquisa o que mais interessa e se destaca pela inter-relação das 3 Matrizes é a Poesia
Concreta13.
13
Ver capítulo (3) Referências históricas de inter-relação teórica e prática. Poesia Concreta.
75
Conceito de fragmentação
Para Peirce, fenômeno é qualquer coisa que surja a mente independente de sua origem. Não
é difícil imaginar que a mente é um complexo de múltiplos fenômenos que surgem
constantemente formando uma espécie de contraponto de semioses que dão sentido a um
pensar. As semioses não são únicas e isoladas no tempo. O pensamento não é linear,
embora culturalmente dominados pelo logocentrismo se pense que seja.
Observa-se que ocorre constante fragmentação no fluxo do pensamento. Não há uma cadeia
ininterrupta de interpretantes que esgote um signo para depois surgir outro, bem como
também não ocorre isolamento de um único signo presente a mente. Pelo contrário o
pensamento é complexo, é múltiplo, infinito e sofre constante transformação, ou seja, no
instante presente vários signos podem compor o pensamento, ampliando possibilidades e
sugerindo conexões entre as cadeias de interpretantes, que se contaminam e se alteram
constantemente nesse processo.
76
como acontecimentos em si mesmos, independentes e isolados, pelo contrário, ambos são
contaminados pelos demais signos presentes a mente naquele instante. O fluxo do
pensamento é como uma montagem de várias semioses que ocorrem simultaneamente ao
cursor do tempo.
Imagem para Damásio não se refere apenas a visualidade, o autor entende por imagem um
padrão mental originado de qualquer uma das modalidades sensoriais como, por exemplo,
uma imagem sonora, uma imagem táctil, a imagem de um estado de bem-estar. “As imagens
representam aspectos das características físicas do objecto e podem representar o gosto ou
aversão que se pode nutrir por um objecto, os planos que se podem formular para esse
objecto, ou a teia de relações desse objecto com outros objectos.” (2003, p. 28)
Preste atenção, por um momento, à sua tarefa actual. As palavras desta página e os
pensamentos que estas geram exigem, em termos psicológicos tradicionais, um
fenômeno chamado atenção, uma capacidade bem limitada, quando se trata de
processamento mental em tempo real. As minhas palavras e os seus pensamentos
dominam quase integralmente toda a capacidade de processamento atento que o
leitor tem disponível. Com toda a probabilidade, o leitor não está simultaneamente
77
atento a todas as imagens que neste momento evoca, ao mesmo tempo que
analisa este texto, e muito menos poderá estar atento a outras imagens que
também está a evocar, e que não se relacionam com o texto. Conseqüentemente, é
provável que alguns dos meus pensamentos se tornem salientes, enquanto outros
desaparecem do primeiro plano mental – por exemplo, as palavras desta página
poderão ficar desfocadas momentaneamente, ou até desaparecer, se o leitor
começar a reflectir sobre outras imagens no seu pensamento. A subtileza não
atinge desproporcionalmente e desfavoravelmente os representantes do seu eu. A
subtileza caracteriza o funcionamento da mente. (Damásio, 2003, p. 156)
Reformulando,
Em mensagens múltiplas ocorre uma seleção dos dados no ato da recepção seja por
interesse do receptor, algo que chame a atenção, ou motivado por um contraste no
momento da percepção, algo que o desloque para a atenção. No primeiro caso ocorre um
interesse particular, baseado no repertório do sujeito, que determina a atenção, no segundo
um fato novo, de surpresa, um choque perceptivo torna-se alvo da atenção.
78
Por fim ainda cabe dizer que a entrada de dados através da percepção não obedece a
seqüência ou hierarquia, a chuva de informações adentra a mente onde são selecionadas e
sintetizadas.
Nesta etapa foi desenvolvido estudo com o intuito de analisar algumas linguagens a partir do
conceito de fragmentação e em seguida observar divergências e convergências entre a
estrutura do pensamento e estas linguagens.
Na história observa-se que a cada nova descoberta, a cada novo avanço tecnológico, a
cultura é afetada. Com o uso novos hábitos surgem e acabam condicionando o modo de agir
no mundo. Os hábitos são forças de comando invisíveis contra as quais não há reação.
A escrita impressa ocidental, por exemplo, estruturada de cima para baixo, da esquerda para
a direita, a organização das páginas em formato retangular e em seqüência determinada, o
alfabeto, entre outras características, condicionou não somente a leitura/escrita verbal
como também impediu que outros modelos pudessem ser estabelecidos.
79
Cinema
Ao olhar para o mundo através de um espaço delimitado pela lente e pelo enquadramento
retangular, e em seguida determinar uma seqüencia para o espectador, produz-se uma
informação selecionada e recortada/fragmentada.
TV
80
determinada seqüencia. Neste aspecto não há diferença para relacionar com o conceito de
fragmentação. Ambas apresentam este conceito, porém a montagem/edição ao vivo, por ser
ao vivo, está mais próxima do conceito de fragmentação.
Hipermídia
81
A disponibilidade e cruzamento das informações são facilmente observáveis com uma
simples busca on-line. Qualquer pesquisa denuncia tanto a quantidade e a qualidade de
dados disponíveis quanto a diversidade de repertórios existentes.
Conclusão
82
diferem muito em vários aspectos, como por exemplo, em capacidade de processamento e
na velocidade como ocorrem às interrupções e retomadas. De qualquer forma, estas
semelhanças apontam, ainda que de forma prematura, não só para uma reorganização da
forma de estruturação do pensamento, mas também para uma estabilização da linguagem
hipermidiática, entretanto, para isto se faz necessário que haja descontaminação daquilo
que atravanca: o pensamento e a cultura linear.
83
(3) Referências históricas de inter-relação teórica e prática.
Contraponto
O estudo do contraponto nesta pesquisa visa buscar, na sintaxe deste estilo de composição,
recursos para uma aplicação possível na criação de mensagens hipermidiáticas. Acredita-se
que um contraponto entre as linguagens SVV é uma possibilidade natural da concepção de
composição contrapontística. A sobreposição de vozes, apesar de soarem juntas, são
compostas e executadas de tal modo a permitirem ser percebidas como unidades distintas,
mas que também compõe um todo. No contraponto musical, nas várias etapas históricas em
que esteve presente, destaca-se rigoroso controle de todos os elementos da composição na
elaboração/criação de cada voz, mas ao final observa-se ao mesmo tempo independência e
inter-relação entre elas.
Pode-se dizer de certo modo que o contraponto musical esgotou as suas possibilidades
dentro dos limites do campo sonoro. O que se assiste agora são misturas entre linguagens, e
o contraponto como organização de vozes passa a servir de um possível modelo para o
desenvolvimento de um contraponto amplo entre linguagens.
Monodia
84
provocar o estado de transe. O ritmo, o emprego do grito e da dança utilizados inicialmente
como uma expressão de pureza primitiva foram se transformando em linguagem. (Stehman,
1964, p. 21)
Já a música grega antiga, que tanto influenciou a música ocidental mais conhecida,
caracterizava-se por ser vocal e monódica, a única voz quando acompanhada por
instrumentos recebia apenas um reforço em uníssono. A música cristã também apresentava
melodia única. Foi integrada a liturgia do ritual cristão desde as primeiras manifestações
onde se manteve fortemente associada durante muitos séculos.
Exemplo que mostra o quanto a música foi sendo conduzida ao longo da história, não
apenas por critérios próprios, mas outras questões extra linguagem ocorreu na primeira
etapa da música cristã (séculos III a XI) chamada de época Gregoriana, assim denominada
devido à reforma/padronização com intenção de unificar os ritos, imposta pela igreja
interessada em eliminar as possibilidades de transformação do rito ambrosiano,
contaminado pelos ritos bizantinos, célticos e moçárabes. Em termos técnicos esta reforma
introduziu o Canto Gregoriano: uma única linha melódica cantada sem qualquer
acompanhamento.
O canto religioso ficou protegido dentro destas regras por muito tempo, entretanto por
volta do século X, os compositores, os mestres do canto como eram chamados, resolveram
enriquecer o gregoriano, dando-lhe maior variedade expressiva. São estes os primeiros
passos da polifonia.
Polifonia
85
melodia e a outra, superior em quartas paralelas. A este início da polifonia chamou-se
Organum. Este tipo de contraponto paralelo a duas vozes também foi chamado de diafonia.
Estes primeiros passos da música vocal a mais de uma voz, conforme foram sendo
estruturados e praticados deu origem a formas inusitadas na época. O Gymel inglês usava
um acompanhamento para a voz principal, em terça abaixo em movimento paralelo. O fá-
bordão, ou falso-baixo, era uma terça acima cantada na oitava abaixo da voz principal. O
conductus consistia em um canto ornamentado por uma segunda voz livre.
Aos poucos a monodia gregoriana foi sendo ornamentada através da polifonia. Stehman
(1964) informa sobre as mudanças em relação ao canto gregoriano:
Com a percepção auditiva e o pensamento musical também foi assim. Como se observa nas
palavras de Stehman, conforme a igreja românica vai deixando sua simplicidade, alterando a
percepção do mundo e adquirindo novos conceitos, a música segue junto adquirindo novos
contornos. Mas junto com as questões de fora do âmbito musical, foram também ocorrendo
acréscimos nas composições que foram ganhando em complexidade e ao mesmo tempo
desenvolvendo um repertório auditivo cada vez mais sofisticado e que exigia uma audição
mais atenta.
+1X
as transformações ocorridas afetavam >
e eram
86
< afetadas pelas alterações no modo de
perceber o mundo.
Webern (1984, p. 44) informa que a passagem da música com uma voz única para a polifonia
surge de uma necessidade de fazer intervir uma outra dimensão.
(1o fato de que um determinado som entendido muitas vezes como puro, é na verdade física
um som composto, ou um som série.
Avaliando a seqüência dos intervalos se observa que os primeiros que surgem são os que
guardam maior afinidade com a fundamental e por isso também são os mais fáceis de serem
percebidos. Paralelamente a história mostra que a invenção musical percorreu
sucessivamente os intervalos da série acrescentando progressivamente em cada época um
intervalo a mais, cada vez mais d i s t ante da fundamental. O contraste entre os intervalos
de maior afinidade com a fundamental e os mais distantes nessa relação foi determinante
no desenvolvimento do conceito de consonância e dissonância. Este conceito foi-se
alterando e também foi sendo alterado juntamente com o desenvolvimento da escuta.
Assim, o ingresso e aceitação de um intervalo a + na sintaxe musical foram acontecendo
naturalmente em direção da inclusão de todos os harmônicos da série.
CdOiNsSONÂNCIAainânosSnIoDc
88
O contraponto musical também se alimenta destes conceitos que são aplicados deste a
estruturação da melodia até as relações entre vozes. O êxito deste tipo de técnica de
composição se dá na inter-relação entre as rígidas regras, ou seja, no controle intervalar
sincrônico e diacrônico em conexão com o domínio dos conceitos de consonância e
dissonância.
+ Contraponto
Do latim punctum contra punctum que significa nota contra nota. O entendimento de que o
Contraponto = nota contra nota é uma maneira extremamente simplista de tratar do
assunto. Entende-se contraponto como um conceito bem mais amplo que envolve uma
técnica apurada com requintado grau de invenção musical.
O contraponto é uma técnica de composição musical desenvolvida na idade média que teve
o seu ponto culminante nos séculos XVII e XVIII nas obras de Bach. Caracteriza-se
principalmente pela técnica de composição de melodias que se inter-relacionam como um
móbile de Calder buscando coerência e equilíbrio. Esta técnica também é muito utilizada em
muitas composições do século XX, como por exemplo, o dodecafonismo de Schoenberg.
Tecnicamente trata-se de composição musical que relaciona duas ou mais linhas melódicas
(vozes) simultaneamente. O diferencial é que estas melodias ao mesmo tempo em que
convergem para um macro sentido, também guardam independência, ou seja, cada uma das
linhas melódicas quando tocadas individualmente mantém a coerência e a qualidade da
obra como um todo. Pode-se dizer então, que do contraponto emerge duas dimensões, uma
horizontal dada por cada uma das linhas melódicas em separado e outra vertical que surge
da simultaneidade de duas ou mais linhas melódicas em contraponto.
Para tecer a malha contrapontística horizontal e vertical, exige-se que o compositor atente
para duas questões fundamentais que se entrelaçam: as regras e a criatividade.
As regras para a criação das linhas melódicas são extremamente rígidas. São apertadas com
intuito de garantir a coerência e o estilo. Funcionam como um dispositivo. Determinam
como proceder, mas principalmente indicam o que não deve ser feito, sempre em nome de
89
garantir a boa sonoridade. Servem para orientar a composição no sentido de manter tanto a
qualidade das linhas melódicas quanto as relações entre elas.
Marcas históricas
90
Figura 4 Contraponto de Machault.
Fonte: (Koellreuter, 1989)
Josquin dês Prés (1440-1521) é um dos primeiros compositores que, preparando o período
humanista e racionalista da música, desenvolve valores de caráter acentuadamente
subjetivos em sua obra polifônica (música reservata). (Koellreuter, 1989, p. 13)
91
Figura 5 Contraponto Josquin des Prés.
Fonte: (Koellreuter, 1989)
92
O princípio que orienta o contraponto do século XVIII, cujo representante máximo é J. S.
Bach, é o da harmonia tonal (contraponto funcional). A interdependência das linhas
melódicas é estabelecida na base e lógica das progressões harmônicas, dentro do âmbito do
princípio da tonalidade. (Koellreuter, 1989, p. 14)
93
Os princípios do contraponto do século XIX são, basicamente, os de Albrechtsberger,
professor de Beethoven, que parte dos princípios da harmonia diatônica. Talvez se possa
dizer que tal contraponto represente mais um sistema de harmonia movimentada do que
um contraponto propriamente dito. (Koellreuter, 1989, p. 16)
94
O contraponto dodecafônico da primeira metade do século XX é, basicamente linear,
lembrando, nesse sentido, o contraponto renascentista. Segue, em primeiro lugar, a ordem
intervalar da série, não deixando, no entanto, de considerar a qualidade dos intervalos
harmônicos, resultante da sobreposição das linhas melódicas. Readquirem importância os
meios tradicionais de estruturação contrapontística, tais como cânone, inversão,
retrogradação, aumentação e diminuição. Deixa de existir, na prática, o dualismo tradicional
consonância-dissonância, que cede lugar a um critério mais tímbrico da qualidade dos
intervalos (emancipação da dissonância). (Koellreuter, 1989, p. 17)
95
Figura 8 Contraponto Dodecafônico de Schoenberg.
Fonte: (Koellreuter, 1989)
96
Figura 9 Contraponto Dodecafônico de Anton Webern.
Fonte: (Koellreuter, 1989)
97
Sintaxe contrapontística
O contraponto de primeira espécie apresenta uma estrutura de nota contra nota. Consiste
em uma linha melódica de semibreves que se contrapõe ao cantus firmus.
O contraponto de segunda espécie apresenta uma estrutura de duas notas contra uma.
Consiste numa linha melódica de mínimas que se contrapõe ao cantus firmus.
O contraponto de terceira espécie apresenta uma estrutura de quatro notas contra uma.
Consiste numa linha melódica de semínimas que se contrapõe ao cantus firmus.
98
Figura 12 Contraponto de terceira espécie.
Fonte: (Koellreuter, 1989)
O contraponto de quarta espécie consiste numa linha melódica de mínimas na qual se liga a
mínima do tempo secundário à mínima do tempo principal seguinte (retardo).
Imitação
99
Distinguem-se cinco tipos de imitação: rigorosa, livre, por inversão, por aumentação e por
diminuição. Na imitação rigorosa todos os intervalos são imitados exatamente como na linha
melódica proposta. Na imitação livre os intervalos maiores tornam-se menores e os menores
tornam–se maiores, entretanto deve-se manter o caráter da proposta. Na imitação por
invenção, os intervalos ascendentes tornam-se descendentes e vice-versa. Na imitação por
aumentação os valores da proposta são dobrados na resposta. Na imitação por diminuição
os valores de duração da proposta são diminuídos pela metade na resposta.
Cânone é um estilo em que a imitação não fica restrita apenas ao motivo inicial mas segue
através de toda a extensão da composição.
A seguir destacam-se algumas regras do contraponto como exemplo do quanto está técnica
garante a sua coerência na rigidez de suas leis.
A primeira linha melódica que serve de base para as demais é chamada de Cantus Firmus.
Esta melodia inicial deve ser elaborada com muito rigor, pois sendo base para as demais, não
pode apresentar nenhum desvio das regras. É importante informar também que não basta
ao Cantus Firmus obedecer as regras, para além delas é necessário que soe bem.
100
Do mesmo modo que o Cantus Firmus, as vozes em contraponto também estão sujeitas a
regras que devem ser seguidas com intuito de garantir um resultado coerente para o
contraponto. Como por exemplo:
Bach foi o herdeiro de aproximadamente quinhentos anos de música polifônica o que lhe
proporcionou sólida estrutura para desenvolver a sua própria linguagem. Para o compositor
uma melodia já suscita outras independentes e complementares. “O pensamento musical de
Bach apresenta-se sempre, e da maneira mais espontânea, como uma polimelodia, uma
estrutura combinatória em que as linhas musicais conservam toda a sua independência
melódica.” (Massin, 1997, p. 461)
Mas ao mesmo tempo também conviveu com outra linguagem musical que já estava sendo
elaborada desde o início do século XVII. A novidade desta outra linguagem carregava a idéia
de harmonia e do baixo contínuo, em outras palavras significa outro novo paradigma que,
101
em contraste com a polifonia, considera fundamentalmente a superposição das vozes agora
guardando as relações entre as notas musicais em sua simultaneidade e não mais na
seqüencialidade do desenrolar paralelo das vozes no tempo. (Massin, 1997, p. 462) Webern
(1984) confirma:
É interessante notar que, na época de Bach, a conquista da escala de doze sons tenha ocorrido ao
mesmo tempo que a conquista da harmonia. À época da polifonia porém sucedeu uma outra, que
inicialmente , de maneira mais rudimentar, se limitou ao retorno da monodia; naturalmente com um
‘acompanhamento’, uma vez que a polifonia estava admitida, mas sem o emprego dos recursos da
polifonia autêntica. (p. 52)
Esta foi a grande questão/problema para Bach a qual soube enfrentar controlando estas
duas fortes tradições musicais em prol de sua obra. Pode-se dizer que deste conflito resultou
a sua própria gramática. A grandeza essencial de Bach reside no fato de que ele surge como
um músico de síntese, síntese dos estilos da época, síntese do passado e do presente,
síntese de todos esses elementos que ele ultrapassa numa arte inteiramente pessoal.
(Stehman, 1964, p. 167)
O Cravo Bem Temperado é um conjunto de vinte e quatro prelúdios e fugas para teclado.
Trata-se de composições desenvolvidas nos vinte e quatro tons maiores e menores. Datados
102
de 1722. Em 1744 Bach desenvolveu um segundo livro o qual chamou de “Vinte e quatro
Prelúdios e Fugas”. Atualmente estes dois livros são reconhecidos como livro I e livro II do
Cravo bem Temperado.
A Arte da Fuga é uma obra inacabada, um conjunto de doze fugas e dois cânones numa
primeira versão (1745), em uma segunda versão (1750) publicada depois de sua morte
apresentava um conjunto de quatorze fugas e quatro cânones. Nesta obra Bach mostra toda
sua capacidade e conhecimento de uma das formas de expressão musical mais complexa da
história, o contraponto. Esta obra se destaca por apresentar temas simples, mas que são
tratados com enorme qualidade musical.
Fuga
A fuga se desenvolveu no século XVII a partir das formas imitativas do século XVI e do
Barroco primitivo, como a fantasia e o ricercare. Inicialmente tratava-se de contraponto
imitativo e também cânone, hoje, entretanto são coisas diferentes. Originou-se da técnica
de imitação em que a mesma frase musical inicial era repetida começando numa nota
diferente. De técnica de improvisação tornou-se técnica de composição. O compositor
renascentista Giovanni Pierluigi da Palestrina (1525-1594), deixou exemplos de missas
compostas com contraponto modal e imitação. Porém, os motetos imitativos de Palestrina
não seguem as regras estritas da fuga.
Fuga é um tipo de composição em contraponto que foi bem desenvolvida por compositores
barrocos como, por exemplo, Dieterich Buxtehude (1637–1707) e Johann Pachelbel (1653–
1706) que muito contribuíram para o desenvolvimento da técnica. Entretanto a linguagem
alcançou o ponto culminante nas obras de Bach. Muitos compositores desenvolveram
composições nesta técnica/forma mesmo depois do contraponto ter deixado de ser único
meio de expressão musical para dar lugar a melodia acompanhada do período clássico.
Haydn, Mozart e Beethoven tiverem momentos de suas carreiras que utilizaram esta forma,
assim como os compositores do período romântico Hector Berlioz e Richard Wagner
também o fizeram. No século XX também vários compositores se embrenharam nas
103
possibilidades da escrita de fugas. Para os objetivos desta pesquisa é importante ressaltar
que esta técnica se tornou parte da base teórica do dodecafonismo de Schoenberg.
Estrutura
Para melhor compreender a estrutura de uma fuga segue uma análise da Fuga II (em dó
menor) do Cravo bem temperado de Bach que apresenta apenas um tema.
Inicia com o tema sendo apresentado nos compassos 1 e 2 de forma mais marcada e segue a
partir do compasso 3 de forma menos marcada. O tema, chamado de sujeito, soa pela
primeira vez em sua forma fundamental como dux (conductor) na voz média. Em resposta é
apresentado na voz superior, nos compassos 3 e 4. A apresentação inicial esta em Dó menor
104
e começa na nota dó. A resposta está no quinto grau dominante e inicia na nota sol. A
terceira entrada está novamente na forma fundamental e ocorre nos compassos 7 e 8,
porém agora as outras duas vozes prosseguem em contraponto. A fuga segue intercalando
momentos de rígido contraponto temático (desenvolvimento), variando entre as vozes e
momentos de contraponto mais livre (episódio). No final uma coda onde o tema soa pela
última vez sobre um pedal.
E I D I D I D I D I C
E - Exposição; D - Desenvolvimento; I – Episódio; C – Coda.
Suma do Contraponto:
105
Serialismo
Atonalismo
Entende-se por atonalidade uma espécie de composição que rejeita totalmente as relações
entre os graus da escala diatônica, desconsidera as cadências e também o princípio de
oposição entre consonância e dissonância. Diferencia do conservadorismo tonal por possuir
um valor harmônico autônomo. O princípio de atonalidade atua com critérios próprios e
independentes da harmonia funcional. Em relação aos aspectos melódicos, ampliou
consideravelmente as possibilidades, estabelecendo novas relações entre os intervalos
invertendo as regras encontradas na composição tonal tradicional. Intervalos de segundas e
as nonas menores, as segundas maiores, quartas e quintas aumentadas e sétimas maiores
desempenham um papel fundamental, os demais intervalos são considerados como
passagem. Em termos harmônicos compreende os acordes como uma “[...] congelação
vertical dos processos melódicos, ao mesmo tempo que como eixos ou geradores de outros
acordes, contrapontos secundários ou elementos contrastantes, que apóiam a ação
unificadora; decorre desse princípio sua concepção individualista das formas.” (Paz, 1976,
pp. 113-114)
Dodecafonismo
Passagem
Uma das principais transformações que já ocorreram na história da música ocidental foi sem
dúvida nenhuma o rompimento com a tonalidade. O distanciamento histórico muitas vezes
gera a ilusão de que certos acontecimentos ocorreram num corte rápido e radical e do dia
para a noite, com a dissolução da tonalidade não foi diferente, entretanto foi uma passagem
que envolveu um longo período e com o envolvimento de vários personagens.
Os primeiros vinte anos do século XX se caracterizaram por essa busca incessante pela
dissolução do tonalismo. Dois caminhos foram explorados com este objetivo: a utilização
excessiva dos elementos cromáticos e uma busca desesperada de uma nova situação para o
diatonismo.
106
O cromatismo foi um dos modos de composição deste período. Nasceu do uso intenso da
modulação e do desrespeito às voltas obrigatórias para afirmar a tonalidade, cujo exemplo
mais famoso é o prelúdio de “Tristão e Isolda” de Richard Wagner. Outra espécie de
cromatismo caracteriza-se por uma insistente alteração cromática de notas acidentais, de
passagem, bordadura e apojatura. E ainda uma terceira possibilidade a utilização de acordes
dissonantes de certa complexidade quando fazem alterações cromáticas.
Schoenberg
Foi o compositor do século XX que causou maior impacto. Ao avançar os limites da música
ocidental para campos desconhecidos detona novos modos de pensamento musical. A
história do compositor, entretanto apresenta quatro fases diferentes que mostra o quanto
conhecia e como pensava música.
As fases do seu trabalho de criação podem ser entendidas como tonalismo, tonalismo vago,
dodecafonismo e dodecafonismo-tonalismo referencial. Observando estas fases se pode
compreender o quanto a composição com doze sons estava para Schoenberg como algo
decorrente natural do tonalismo.
107
fase onde o compositor volta a realizar passagens tonais destaca-se “Ode a Napoleão” op. 40
(1942) e “Sobrevivente de Varsóvia”, op. 46 (1947).
Schoenberg limitou-se a trabalhar com serialização de alturas e com apenas uma série. Na
elaboração compositiva a série é submetida a todas as transformações clássicas do
contraponto. Schoenberg liberta-se da tonalidade, porém ainda conserva hábitos estruturais
como criação de melodias, ritmos, seqüências e clímax. Mas o aspecto diferente é que cada
uma de suas obras apresentam procedimentos de composição próprios impossibilitando a
observação de uma gramática geral, cada obra se estabelece num sistema desenvolvido
especificamente para ela.
Na música tonal, todo o sistema se estrutura a partir de uma ordem determinada explícita
em seqüências de notas, as escalas, que sustentam todo o discurso musical (FIGURA 16). Por
exemplo, dentro de uma tonalidade Dó Maior estão determinados todos os aspectos
referentes a esse tom, as consonâncias, as dissonâncias, as regras de encadeamento, a boa
sonoridade. Pode-se dizer que as leis deste tipo de composição estão em estado de
virtualidade bastando determinar o tom que se deseja e instantaneamente o campo tonal já
estará colocado. O modelo serve para todas as tonalidades.
Neste exemplo (FIGURA 17) se pode ver a série O = original conforme determinada pelo
autor e, neste caso, já se obtém as séries derivadas, o R = retrógrado, a I = inversão e o RI =
retrógrado invertido.
108
Figura 17 As quatro formas de uma série.
Fonte: (Penalva, 1990)
109
Figura 19 Séries de Schoenberg Op. 33a.
Fonte: (Penalva, 1990)
Mas tão importante quanto suas composições são as influências que Schoenberg causa em
outros compositores que acabam contribuindo para uma diversificação do uso e aplicação
do serialismo. Anton Webern e Alban Berg foram seus alunos e formaram com ele a Nova
Escola de Viena. Ambos desenvolveram obras no estilo dodecafônico, porém com
diferenciações estilísticas.
110
Figura 20 As três primeiras transformações da série. Webern.
Fonte: (Penalva, 1990)
Neste exemplo se pode observar a importância e a atenção dada a criação das séries. Série
do Op. 24 de A. Webern.
BERG quebra a unidade da série. Utilizou várias séries e também mesclou seções
dodecafônicas com tonais.
111
Figura 22 Séries Suíte Lírica de A. Berg.
Fonte: (Penalva, 1990)
112
MESSIAN estende a serialização para o campo métrico e dinâmico. BOULEZ estende para
serialização de valores, timbres, ataques, intensidade e forma e STOCKHAUSEN estende
ainda para massas harmônicas verticais, números de eventos, escolha de registro,
articulações, alterações de texturas, entre outros.
113
Figura 27 Série de intensidades.
Fontes: (Penalva, 1990)
Serialização global:
14
Modo de fazer soar a nota.
114
Figura 29 Serialização global.
Fonte: (Penalva, 1990)
115
Figura 30 Série "Stop" de Stockhausen.
Fonte: (Penalva, 1990)
Como se pode observar no percurso progressivo da música serial, cada avanço levou a idéia
de serialização a um grau maior de complexidade, que inicia a partir da serialização das
alturas até a das articulações e alterações de texturas. Nos limites dos elementos musicais a
serialização contemporânea terá obrigatoriamente que escapar do seu campo próprio e
invadir o de outras linguagens.
Princípio da apreensibilidade
A idéia de serialização é bem simples, mas o que garante o êxito são os critérios, regras ou
leis bem desenvolvidas. Neste sentido Anton Webern (1984) foi ciente de que certos
aspectos são determinantes para o êxito da composição musical com doze sons. Em suas
palestras realizadas nos anos de 1932 e 1933, apresentou suas idéias sobre o princípio da
apreensibilidade, que trata da inteligibilidade das obras musicais. Destacou como
fundamental para qualquer espécie de composição musical e até mesmo para obras de arte
fora da música a coerência como qualidade máxima.
Webern (1984) explica que, para tornar idéias musicais compreensíveis é fundamental a
apreensibilidade. Ou seja, para comunicar alguma coisa, para se tornar inteligível se faz
necessário se expressar precisamente sem se perder em considerações desnecessárias e
vagas. Para se alcançar este objetivo Webern destaca dois outros aspectos: (1distinguir os
elementos observando a diferenciação entre eles, identificando quais são fatos principais e
quais são secundários; e (2o uso de estratégias que busquem a máxima coerência. (p. 43) A
maioria dos grandes compositores de diversas épocas tratou destas questões com atenção e
cuidado. A coerência é a garantia de que material tão fugidio como o sonoro possa ser
116
organizado com o objetivo de ser apreendida pela audição. Como coerência se pode
entender também unidade, coesão, correlação ou simplesmente relação.
Para Webern a composição com doze sons, o dodecafonismo, atingiu em coerência um grau
de perfeição jamais verificado anteriormente.
O que se absorve da herança deixada pela música serial é que, para alcançar a coerência
necessária, para ter êxito com qualquer tipo de informação, é fundamental determinar
critérios precisos para a sua elaboração. Estes critérios devem ser elaborados procurando
ressaltar as diferenças existentes entre o que se propõe e o que já está estabelecido
tradicionalmente. Uma vez instalada as regras/leis que vão assegurar a coerência e, por
conseguinte a apreensibilidade, o compositor/artista está “livre” para comunicar o que
deseja.
117
Montagem de Eisenstein
(1)
Conforme foi comentado quando tratado o Conceito de Fragmentação, um dos aspectos que
a linguagem cinematográfica trouxe a consciência da cultura é a idéia de que se pode
compreender uma mensagem mesmo que ela seja apresentada aos pedaços. Trata-se do
processo de montagem, um modo/recurso de contar histórias fragmentadas, projetadas na
linearidade temporal sem prejudicar a compreensão da narrativa. Desta possibilidade o
cinema nunca mais abriu mão, mesmo quando se quis desprezá-la o máximo que se
conseguiu foi uma tentativa de escondê-la numa espécie de invisibilidade.
118
O controle deste processo possibilita que se controle os significados que se pretende gerar
para o espectador, ou seja, é um processo que permite a manipulação de significados. A
partir dos interesses de quem conduz a montagem em relação com a recepção, surgem dois
níveis básicos e contrastantes de montagem, uma interessada em não se deixar perceber
procurando certa invisibilidade e outra que procura justamente intensificar o choque entre
os fotogramas envolvidos. Pode-se dizer que na “invisibilidade” os significados ficam
implícitos no interior da montagem enquanto no segundo caso, no “choque” a significação
está na explicitação da montagem. (Leone & Mourão, 1993, p. 56)
A experiência citada mostra que cada plano apresenta um potencial de significação isolado e
incompleto, como unidades mínimas que aguardam seleção. O montador, portanto, é um
agente poderoso capaz de manipular este material em função de enfatizar determinados
aspectos da ação ou tirar o foco de outros considerados desnecessários ou menos
importantes. Desta forma pode-se dizer que a montagem no seu poder estruturante, pode
manipular diretamente as imagens de um plano interferindo e provocando significados.
15
Pudovkin, V.I. Film technique and film acting. New York, Grove Press, 1970. p. 27
119
A montagem, propriamente dita, efetua, sobre o fotográfico, autênticos atos de
subversão. Ao privilegiar os traços deste ou daquele fotograma, e realizar um
trabalho de conexão fundamentado nas características desses traços, essa
montagem destrói, em boa parte, as formas do visual fotográfico anterior, para
trazer ao espectador as configurações de uma nova visualidade, conseguida por um
jogo de relações que fazem perceptíveis elementos que o olho humano não podia,
antes, captar.
Sergei Eisenstein
Tendo em vista os interesses desta pesquisa em estudar a inter-relação entre som, imagem e
texto verbal nos mais diversos desdobramentos que podem surgir destas relações,
objetivando principalmente levantar dados históricos para auxiliar na reflexão mais profunda
e cuidadosa sobre as possibilidades da linguagem híbrida da hipermídia, é inevitável dedicar
espaço para estudar as teorias da linguagem cinematográfica desenvolvidas por Sergei
Eisenstein. Trata-se dos escritos realizados entre 1928 e 1940 reunidos e editados em dois
volumes: “O sentido do filme”, publicado em 1942, e “A forma do filme”, publicados em
1949. Ambos traduzidos e publicados na língua portuguesa em 2002.
Como já foi dito Eisenstein entendia a montagem como um fenômeno de síntese dedutiva
definida e óbvia que ocorre sempre onde se justapõe dois objetos independentemente de
sua origem ou característica. Naturalmente o que se observa é a capacidade da mente
humana em processar e inter-relacionar signos diversos e simultâneos e desenvolver
pensamento sintético. Graças a essa condição Eisenstein desenvolve um método criativo
que relaciona todos os elementos cinematográficos em uma estrutura única, respeitando as
diferenças de cada um deles.
Representação e imagem
Este processo de montagem cinematográfica foi inspirado nas partituras musicais para
orquestra onde cada pentagrama corresponde a um instrumento ou grupo de instrumentos
que devem tocar uma determinada seqüência de notas. Da execução simultânea e vertical
dos vários pentagramas da partitura surge a polifonia: modelo utilizado por Eisenstein para
desenvolver suas teorias.
Montagem Vertical
Na Montagem polifônica
121
semelhante –, mas através de um avanço simultâneo de uma série múltipla de
linhas, cada qual mantendo um curso de composição independente e cada qual
contribuindo para o curso de composição total da seqüência. (Eisenstein S. , 2002,
p. 55)
Cada linha é formada por um determinado elemento que se deseja controlar dentro da
linearidade temporal do todo do filme. Planos e movimentos de câmeras bem como
seqüências e deslocamentos dos personagens pelo espaço fílmico assim como a trilha
musical e a iluminação são compostos e “arranjados” obedecendo a uma rigorosa estrutura
vertical. Num dado momento todas as linhas poderiam ser acionadas, em outros, apenas
duas ou três conforme a necessidade determinada por todos os aspectos da série.
Mais do que isto para Eisenstein entre os elementos não ocorre hierarquia, o tratamento de
cada parte ocupa um espaço fundamental dentro do total da obra, sem perder as suas
características e importância separadamente. No texto “Uma inesperada junção” (2002, pp.
27-34), ao tratar do teatro Kabuki, Eisenstein manifesta seu entusiasmo se identificando com
o modo como ocorre a relação entre as partes que compõem o famoso teatro. “Os
japoneses nos mostraram outra forma, extremamente interessante, de conjunto. Som –
movimento – espaço – voz, aqui não acompanham (nem mesmo são paralelos) um ao outro,
mas funcionam como elementos de igual significância.” (2002, p. 29)
Eisenstein ainda reconhece no tratamento artístico do teatro japonês uma “provocação total
do cérebro humano”, propiciando um direcionamento aos vários órgãos dos sentidos ao
mesmo instante. E ainda destaca: “Em lugar do acompanhamento, é o método sem
subterfúgios de transferência que chama a atenção no teatro Kabuki. Transferindo o objetivo
afetivo básico de um material para outro, de uma categoria de ‘provocação’ para outra.”
(2002, p. 29)
Ainda é importante citar que Eisenstein reconhece e divide em cinco categorias formais de
montagem: métrica, rítmica, tonal, atonal e intelectual, entendendo que cada categoria não
exclui a anterior, mas sim acrescenta novos conceitos ao processo de montagem.
122
numa fórmula esquemática correspondente à do compasso musical. A realização está na
repetição desses ‘compassos’.” Neste caso se controla a tensão através do efeito da
aceleração mecânica encurtando os fragmentos, porém sem perder a proporção original. O
objetivo da montagem métrica não é para ser percebida pelo espectador, mas sua clareza
pode fazer funcionar em uníssono a pulsação do filme e a pulsação da platéia. (2002, pp. 79-
80)
123
A montagem atonal “é distinguível da montagem tonal pelo cálculo coletivo de todos os
apelos do fragmento. Esta característica eleva a impressão de um colorido melodicamente
emocional, uma percepção diretamente fisiológica.” (2002, p. 84) Basicamente o atonalismo
neste caso se refere a não obediência hierárquica a melodia e harmonia tonal, mas sim
através de uma percepção sinestésica possibilitar uma montagem com contrastes e
divergências tonais.
Por fim a montagem intelectual “é a montagem não de sons atonais geralmente fisiológicos,
mas de sons e atonalidades de um tipo intelectual, isto é, conflito-justaposição de sensações
intelectuais associativas.” (2002, p. 86)
Apesar da classificação em categorias, não significa que cada uma delas deva ser utilizada
isoladamente, o que ocorre é um diálogo permanente entre elas dependendo do interesse
de enfatizar determinados elementos. Também é importante observar que as categorias
estão classificadas em níveis de repertório e de exigência da atenção perceptiva. É mais fácil
perceber uma seqüência métrica do que o contraponto audiovisual em uma montagem
atonal.
O som. Não era a primeira vez que S.M.E. se debruçava sobre esse material
cinematográfico; já em 1928, no célebre manifesto, ele defendia não a utilização
naturalista e/ou pleonástica do som, mas o método a que chamou contrapontual,
no qual o som era tratado como mais um elemento de montagem e não como algo
directa e inelutavelmente ligado a uma imagem de onde emanasse. Ou seja, já em
1928, Eisenstein levantava o problema do sincronismo, isto é, a questão de saber
se uma dada imagem carregava consigo, por arrastamento, um som determinado
ou se, ao invés, as razões da sonorização dessa imagem eram devidas sobretudo a
estruturas de montagem. S.M.E. defendeu então o “não sincronismo” opondo a
124
noção de filme-falado (que, justamente, temia que se transformasse em mais uma
forma teatral) à de filme sonoro. (Ramos, 1981, p. 52)
Para não adentrar muito nas questões específicas da linguagem musical, destaca-se apenas
o fato de que a música tonal está sistematicamente dentro do conceito de tensão e
relaxamento. De certo modo a música tonal é tensão entre as ondas sonoras que só é
resolvida no acorde final da execução. O grau de tensão é variável e tem como ponto
culminante a dominante. A dominante é a maior responsável pelo movimento interno da
música, de certo modo se pode dizer que é operária, a classe trabalhadora do centro tonal. É
interessante observar as aproximações realizadas pelo empréstimo tonal feito por
Eisenstein: tensão e relaxamento. Outra consideração referente a música tonal é a estrutura,
a forma rigorosa e hierárquica pela qual ela se estabelece. A divisão em frases e períodos,
perguntas e respostas aproximam bastante das questões que envolvem a literatura oral e
escrita. De certo modo este cinema russo também apresenta esta estrutura.
Porém o que aparece mais sugestivo para os dias de hoje, se refere às questões das últimas
categorias de montagem propostas por Eisenstein, o atonalismo. Ao chegar ao conceito de
atonalismo o autor abre as possibilidades para uma percepção mais ampliada e diversificada
onde a tonalidade não é renegada, porém não é tratada estruturalmente como a música
tonal, apenas pode vir a ser como parte integrante do atonalismo. No atonalismo o mais
125
importante são as concentrações de informação, compostas de elementos variados e
organizados de modo não hierárquico, mais próximo da música serial.
Composição e movimento
Com a montagem Eisenstein buscava quebrar a linearidade das seqüências com intuito de
causar contrastes e chamar a atenção do espectador. A montagem de conflitos mostra um
mundo fragmentado e, portanto que Eisenstein não estava interessado na reprodução
verossímil da natureza buscava outro modo de produção de sentidos.
Mesmo com todo engajamento político e social, muitas seqüências se destacam pela
composição gráfica chegando até em alguns momentos a uma espécie particular de
abstracionismo. Nestes frames (Figura 31) retirados do filme “O Novo e o Velho” percebe-se
facilmente que a composição visual aplicada por Eisenstein é singular na história do cinema.
Destacam-se as qualidades sintáticas, o controle dos aspectos específicos da linguagem
cinematográfica, o enquadramento como indício indiscutível da distribuição dos elementos
formais buscando os conflitos que tanto teorizou e o rigor no controle da luz como se cada
plano fosse tratado como pintura particular.
126
Figura 31 Exemplos de composição da imagem. Frames isolados.
127
Figura 32 Seqüência do filme "O Novo e o Velho" de Eisenstein. Múltiplos pontos de vista da câmera.
Esta seqüência (Figura 33) Eisenstein apresenta dois aspectos interessantes: o efeito gráfico
da composição e a solução encontrada para mostrar a força do trator.
Figura 33 Seqüência do filme "O Novo e o Velho" de Eisenstein. Ênfase da composição gráfica.
128
Esta próxima seqüência (Figura 34) inicia-se concentrada nos olhos do sapo (1) – vaca (2) –
sapo (3)–mulher (4) posicionados na mesma direção/altura dos planos. Estas relações
compositivas reforçam o significado dramático da cena. Em seguida passam-se seis planos
montados com intenção de gerar a atmosfera do já ocorrido envenenamento da vaca. O
plano (10) sugere um ofensivo animal como metáfora da morte.
1 2 3
4 5 6
7 8 9
10
Figura 34 Seqüência do filme "O Novo e o Velho" de Eisenstein. Cena do envenenamento da vaca.
129
Nesta seqüência (Figura 35) a montagem é intercalada por close-up do rosto da mulher e o
do homem. Inicia com o rosto de frente da mulher e em seguida começa um giro para a
esquerda e segue até que a mulher esconda o rosto e o homem fique em posição lateral
com a cabeça abaixada e então segue um plano geral dos dois. Ocorre um movimento na
mesma direção realizado pelos planos dos dois personagens. Observa-se que Eisenstein não
segue o padrão campo/contra-campo para criar uma ilusão da cena, concentra-se em criar
um clima de tristeza e consegue maior dramaticidade tendo em vista o contraste entre os
planos: pano escuro que cobre a cabeça da mulher X chapéu claro + rosto e barba branca.
3 4 5
6 7 8
Figura 35 Seqüência do filme "O Novo e o Velho" de Eisenstein.
130
Nesta outra seqüência (Figura 36) Eisenstein utiliza as mudanças de planos, inclusive com
repetição de um deles (1 e 4), criando um movimento de vai e vem na profundidade de
campo. O movimento vem até o close-up do menino (2) e retorna para plano geral (5), em
seguida breve retorno (6). Este é mais um exemplo de como Eisenstein elabora a dinâmica
dos seus filmes.
3 4 5
6
Figura 36 Seqüência do filme "O Novo e o Velho" de Eisenstein.
131
Seqüência de planos (Figura 37) cuja dinâmica está no contraste entre os planos. Pode-se
observar o movimento das concentrações formais claras e escuras de um lado para outro.
Esta cena foi montada de modo a enfatizar a ira do trabalhador que exige o documento de
liberação para a compra do trator. Eisenstein realiza esta seqüência com vários planos
frontais, clouses do chefe, da secretária, e de outros funcionários e também imagens de
explosão. O resultado é sonoro. O modo como o trabalhador se dirige ao chefe, é
intensificado pelo seu gesto, pelos olhares dos presentes e pela explosão. Recursos
utilizados para levar os espectadores a compreender o que está ocorrendo.
132
Figura 38 Seqüência sonora.
[...] montagem não designaria apenas a combinação de planos entre si, mas
também toda e qualquer associação de elementos no interior do mesmo plano. Se
o papel do pensamento ‘sensorial’ é tornar o mundo inteligível, através da
aproximação de elementos díspares, introduzindo ou revelando neles uma
familiaridade, o quadro – espaço da película a ser preenchido de imagens – seria o
local de tal reunião. O que quer dizer que a composição do plano, o preenchimento
do quadro, o enquadramento no seu sentido amplo tornam-se também montagem.
133
Poesia Concreta
16
O livro Teoria da Poesia Concreta, editado pela primeira em 1965, por exemplo, é uma publicação que junta
vários textos críticos e manifestos do período de 1950 a 1960, onde o Grupo Noigandres edifica sua teoria.
134
(
(1
Mallarmé insere um aspecto novo e transgressor que determina outra dinâmica muito
diferente do convencional, o branco da página, os tipos gráficos, a composição do poema,
não mais se limitam apenas ao que dizem as palavras, mas mais além fazem parte delas. Os
“traços sonoros regulares ou versos” (Campos, Campos, & Pignatari, 1991, p. 151) sedem a
uma nova proposta que vem a ser uma importante referência para a Poesia Concreta.
17
Um lance de dados jamais abolirá o acaso.
135
De modo geral as lições estruturais que Mallarmé foi encontrar na música se
reduzem à noção de tema, implicando também a idéia de desenvolvimento
horizontal e contraponto. Assim, Un Coup de Dés compõe-se de temas ou, para
usarmos da expressão do poeta, de motivo preponderante, secundários e
adjacentes, indicados graficamente pelo tamanho maior ou menor das letras e
ainda distinguidos um do outro pela diversificação dos caracteres. (1991, p. 25)
A obra de Mallarmé com certeza representa um marco histórico, o ponto de virada que se
tornou referência para os interessados em linguagens híbridas.
Observam-se abaixo duas páginas do Un Coup de Dés. Facilmente se percebe que o poema
não mais se submete apenas as leis do verbal, mas acrescentaram-se a importância do
espaço e dos tipos, elementos visuais que também dizem coisas. O poemapalavra ganha em
possibilidades, se por um lado a palavra aponta convenções agora ela também
in(forma)em(forma). Tem-se um contraponto entre verbal e visual. A leitura torna-se
independente: pode ser linear ou não-linear.
136
(2
(3
Através dos Calligrammes, APOLLINAIRE foi outro poeta de importância para a Poesia
Concreta, bastante considerado pelas idéias e menos pela realização. Conforme informa
Augusto de Campos:
O que se vê nos Caligramas é o uso da palavra como linhas de demarcação formal, algumas
vezes como contorno substituindo o traçado do desenho outras vezes o texto é orientado
como preenchimento ou textura da forma.
137
Figura 40 Guillaume Apollinaire, Lettre-Océan, 1914.
Apollinaire, bastante seguro do que criou, ao falar do seu poema Lettre-Océan, argumenta
que se tratava de uma “Revolução: porque é preciso que nossa inteligência se habitue a
compreender sintético-ideograficamente em lugar de analítico-discursivamente.” (Campos,
Campos, & Pignatari, 1987, p. 27)
(4
Porém, uma referência mais consistente para os poetas concretistas justamente por fundar
definitivamente a teoria do ideograma aplicado à poesia foi EZRA POUND.
Para Pignatari, “Ezra Pound, baseado nos estudos sobre a escrita chinesa, nos fornece uma
idéia elementar, mas clara, do que é ideograma”. A poesia concreta vai além desse processo
como foi utilizado por Pound, introduzindo no ideograma “o espaço como elemento
substantivo da estrutura poética: desse modo, cria-se uma nova realidade rítmica, espácio-
temporal. O ritmo tradicional, linear, é destruído.” (1987, p. 66)
Por isso, nos mesmos Cantos, passa-se muitas vezes, como de flash a flash, de um
tema, assunto, mote ou alusão para outro, heterogêneo, rompendo-se assim com
os cânones tradicionais da linearidade. Na estrutura referencial dominante,
interpolam-se também a Odisséia e a Divina Comédia, além da mitologia grega,
Virgílio e trechos da história da China, dos Estados Unidos e da Itália.
O documentário alia-se, no mesmo sentido de montagem, às narrativas,
pensamentos, invocações, descrições: a collage de fragmentos de textos históricos
com cartas, mensagens, documentos burocráticos, transcrição de outros autores.
Em paralelo, não apenas a reprodução dos ideogramas chineses e das passagens
em grego, como inúmeros trechos ou fragmentos e expressões em diversas línguas
estrangeiras. E mais o enjambement freqüente, a separação das palavras, a
alteração de nomes próprios, os desenhos, traços, figuras geométricas.
Continuando: a freqüente despontuação, os recursos de sincopar, o uso da
visualidade das palavras e dos sinais de pontuação. (2002, pp. 15-16)
O ideograma de Pound é abrangente tanto no que diz respeito ao “o que” como ao “como”
justapor, passando por diversos modos e conteúdos de escritas. “Enfim, essa épica hors
concours mescla versos e linhas, poemas “poéticos” e poemas prosaicos. Na superfície, a
impressão de um caos intencional; no fundo, a versão sintético-ideográfica de como acionar
o pensamento. (Pound, 2002, p. 16)
(5
Outro importante para a Poesia Concreta é e.e.cummings. Este poeta americano destacou-
se pelo rompimento dos limites do modo tradicional de escrever, as convenções, o sistema
que rege a lógica da escrita. Cria uma nova organização poética que reestrutura os
139
elementos ortográficos inserindo novas funções para velhos usos. Alguns aspectos do seu
estilo são: o rompimento com o tradicional modo de montagem das palavras começando
pelo uso do espaçamento entre letras criando espaços em branco por dentro das palavras,
criando uma espécie de (sínc ope) em alguns casos e pausas em outros. As letras em CAIXA-
ALTA passam a ser utilizadas como recursos estilísticos e não como o uso comum determina.
A pontuação é quase abolida. Sinais como interjeições e exclamações são utilizados no meio
das palavras, entre letras ou no lugar delas.
A supressão do espaço entre palavras, bem como também os espaçamentos entre letras
determina uma nova ordem que exige também um novo modo de leitura. Essa escrita
poética proporciona conflitos visuais e lógicos através dos choques causados pelos
encontros entre consoantes ou entre vogais, entretanto o sentido do que cummings quer
dizer fica preservado.
140
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(Campos, 1986)
142
(6
+ uma referência para a Poesia Concreta. Joyce desenvolve uma narrativa complexa se
utilizando de dois recursos:
2 entretanto o que aparenta ter chamado a atenção dos poetas concretos diz respeito a obra
Finnegans Wake, onde Joyce extrapola não só com a narrativa linear, a idéia de começo,
meio e fim mas, com alto nível de inventividade, desenvolveu complexas montagens de
palavras, abusando dos trocadilhos multilíngües, neologismos, justaposições e as palavras
portmanteau, inventada por Lewis Carroll, mas intensamente utilizada por Joyce.
Para Décio Pignatari “Joyce [...] não utiliza o branco da página como elemento de
composição, mas realiza em cada uma de suas famosas palavras-metáforas um pequeno
ideograma verbivocovisual [...]:
Silvamoonlake
(silva = silva (do latim, selva) e
silver = prata, moon = lua, lake = lago).
Segue fragmento14 do Finnegans Wake traduzido por Augusto de Campos (1986, pp. 70-71),
onde se pode observar as citadas referências a obra de JJoyce.
143
A time.
Act: dumbshow.
Clouseup. Leads.
Man with nightcap, in bed, fore. Woman, with curlpins, hind. Discovered. Side point
of view. First position of harmony. Say! Eh! Ha! Check action. Matt. Male partly masking
female. Man looking round, beastly expression, fishy eyes, paralleliped homoplatts,
ghazometron pondus, exhibits rage. Business. Ruddy blond, Armenian bole, black patch,
beer wig, Gross build, episcopalian, any age. Woman, sitting, looks at ceilling, haggish
expression, peaky nose, trekant mouth, fithery wight, exhibits fear. Welshrabbit teint,
Nubian shine, nasal fossette, turfy tuft, undersized, free kirk, no age. Closeup. Play!
Um tempo.
Ato: pantomima.
Closeup. Astros.
Homem com gorra de dormir, na cama, à frente. Mulher, com mamelotes, atrás. Nus.
Perspectiva lateral. Primeira posição de harmonia. Diga! Eh? Ha! Checamate. Maca. Macho
mas cara metade. Homem olhando em torno, bronquiaberto, olhos piscosos, paralelípedos
homoplatos, ghazometron pondus, denota raiva. Negócio. Sanguíneo louro, tronco armênio,
pinta negra, cachaço ursuto, grossa estaltura, episcofálico, qualquer idade. Mulher, sentada,
olha para o teto, selvagina expressão, nariz a pique, boca nina, peso pênis, de monstra
medo. A cor corada, capelo núbil, fosseta nasal, tufo turfosa, nanica, presbuterina, sem
idade. Clouseup. Ação!
144
muda IV. Quarta posição de solução (visão de João): “tableau” final; vista do
horizonte; homem e mulher descobertos.” (Campos & Campos, 1986, p. 95)
Estes breves comentários sobre estas referências para a Poesia Concreta têm apenas a
função de ilustrar o ambiente intelectual ao qual estavam interessados estes poetas.
A contribuição importante da poesia concreta está na composição de uma obra que se utiliza
não apenas da linguagem verbal escrita, mas considera igualmente os elementos visuais e
sonoros. Mais especificamente os poetas concretos valorizam a apresentação visual dos
caracteres do poema, explorando o aspecto gráfico da escrita e a distribuição destes
elementos na página. Ocorre um cruzamento entre a poesia e o design gráfico, pois é
particularidade deste, desenvolver as estratégias de apresentação visual. “Os signos verbais
da poesia se abrem para a visualidade das Artes Plásticas e do Design Gráfico, a leitura
tradicional rende-se para uma visão multidirecional da distribuição do poema pelo espaço da
página: os tipos se soltam sobre a superfície branca plana.” (Salgado, 2003, p. 21)
Outros teóricos também destacam estes aspectos, para Menezes (1991), no seu livro:
“Poética e Visualidade: Uma trajetória da Poesia Brasileira Contemporânea”, o momento
concretista é “( ) o caminho da crescente presença da visualidade, que acabaria por
aprofundar a implosão sintática, chegando a própria unidade molecular do discurso verbal: a
palavra.” (p. 13)
145
Santaella e Nöth (1998) também tratam do mesmo assunto e ainda acrescentam que “no
Brasil, o polêmico movimento da poesia concreta foi o primeiro a pôr programaticamente
em discussão a visualidade na poesia (…)” (pp. 70-71)
Augusto de Campos declara em entrevista a Ricardo Araújo que “[...] a idéia de conjugar
palavra, som e imagem esteve presente nas propostas da Poesia Concreta desde o início.
Nós usávamos a expressão verbivocovisual, que é uma palavra extraída do vocabulário de
James Joyce, para sintetizar essa conjugação. Embora, em geral, se acredite que a Poesia
Concreta só possua este aspecto visual privilegiado, ela, desde o início, pensava em utilizar o
som ao lado da imagem.” (Araújo R. , 1999, p. 50)
146
[...] quando a palavra é colocada na tela de TV ou restituída tridimensionalmente
através da luz coerente do laser, quando ela ganha a possibilidade de movimentar-
se no espaço, de evoluir no tempo, de transformar-se em outra coisa e de
beneficiar-se do dinamismo cromático, a gramática que a rege torna-se
necessariamente outra, as relações de sentido se ampliam e o próprio ato da
leitura se redefine. (Machado, 2001, p. 169)
18
Na dissertação de mestrado (2003) apresentei uma análise e reflexão sobre a obra “Nome” de Arnaldo
Antunes e os diferenciais que ela apresenta.
147
Na mesma entrevista o artista comenta a relação da palavra falada, cantada e escrita na
obra “Nome”.
EX:
148
Figura 41 Frames do clipoema Pessoa.
Inicia-se com uma imagem de fundo, movimentando-se para a direita. A imagem é composta
de rascunhos, escritas a mão, riscos e rasuras, causam um ruído branco na mensagem,
indícios que denunciam a existência do poeta. Na estrutura do clipoema, a imagem/fundo
serve de suporte contrastante para os tipos digitais do poema escrito se movimentarem para
a esquerda. O movimento contrário entre as imagens causa dificuldades para a percepção
do poema escrito. Entretanto, na fragmentação do poema não ocorre perda de qualidade
na informação. Uma outra interferência de teor metalingüístico aumenta a sensação de
estranhamento e de desconcerto perceptivo: ao mesmo tempo em que o poema passa pela
tela, se pode ouvir, simultaneamente, Arnaldo Antunes fazendo a análise gramatical do
poema. Diferentemente do habitual, onde o texto verbal falado se relaciona com poema
escrito ou de forma recitativa ou através de melodia musical, neste clipoema os signos
verbais se relacionam em contraponto, o receptor lê o poema e ouve a análise sintática.
Ainda se pode perceber a presença de sons graves de um baixo acústico aumentando a
expectativa em torno do clipoema. A quantidade de informação verticalizada, acontecendo
simultaneamente na horizontalidade seqüencial do vídeo, em determinado momento causa
um estado parecido com a hipnose, um desconcerto multisensorial.
19
Também denominado vídeo poesia.
149
Em seguida observam-se alguns exemplos da prática da Teoria da Poesia Concreta.
150
Décio Pignatari (1986)
Automação.
Erro.
Quando todas as letras da palavra terra que iniciam no centro da primeira linha, passam
para o grupo do lado esquerdo, na sexta linha, para a máquina surge um erro que é
reproduzido até o final. Visualmente a uma quebra de expectativa e a leitura passa a contar
também com a palavra “erra”. Também visualmente percebe-se uma mudança de direção,
criando um movimento em diagonal. As relações com a atividade de arar a terra surgem
naturalmente.
151
Correção.
152
Ideogramas verbais de Décio Pignatari (1986)
153
POETAMENOS
Augusto de Campos
KLANGFARBENMELODIE
(melodia de timbres)
com palavras
como em Webern:
(1987, p. 21)
154
Da série poetamenos
(1987, p. 22)
155
Haroldo de Campos (1958)
nascemorre
Este poema desenvolvido no par antagônico nascemorre foi estruturado buscando equilibrar
está polaridade dos significados. Percebem-se quatro blocos triangulares: “se nasce”, “re”,
“des” e “morre se”. A oposição vertical do primeiro e do último triângulo formam
visualmente a metáfora maior do que começa e do que termina. A oposição do segundo e
terceiro triângulo aparentemente é horizontal, no entanto também é vertical. Os
significados contrários se equilibram a partir de uma leitura que se inicie na palavra “re” no
centro e siga em duplo movimento linha alinha para cima e para baixo. “Percebe-se que há,
em todos os subconjuntos e na relação entre eles um movimento dinâmico que acentua o
equilíbrio sintático e semântico como resultado ao modo Yin Yang, o que cria uma espécie
de transfusão perpétua do nascer em morrer e vice-versa.” (Plaza, 2001, p. 104)
156
Júlio Plaza (1984)
Tradução simbólica considerado por Plaza como Transcodificação. Neste tipo de tradução
convencionam-se as equivalências de um para outro código.
157
Sintetizando nas palavras de Augusto de Campos (1987, p. 31):
Neste breve passeio pela Poesia Concreta, os objetivos foram, em primeiro lugar situar a
importância destas ações artísticas que permanecem presentes durante mais de 50 anos na
história brasileira. Neste período a produção deste grupo de poetas teóricos não
permaneceu estática vivendo apenas do passado, muito foi produzido até chegar aos
clipoemas e a poesia digital. Considerando a IR SVV, entendo que esta forma de expressão
poética alcança avanços na obra “Nome” de Arnaldo Antunes. Estes avanços se devem aos
recursos tecnológicos disponíveis para a produção: hardwares e softwares da computação
gráfica, além, evidentemente do potencial criativo inerente ao artista.
O segundo objetivo está no modo como a Poesia Concreta foi inscrita, rompendo com as
fronteiras da poesia e da linguagem verbal expandindo o campo da linguagem para o
universo das linguagens híbridas.
158
(4) Contraponto Hipermídia: final
CH é o resultado da observação de várias questões teóricas e manifestações artísticas. Cada
uma delas apresenta particularidades importantes e foram influindo na montagem de um
grande quebra-cabeça. Todas elas tiveram sua importância como unidades de estudo e que
em contraponto possibilitam novos caminhos, como tudo que se deseja neste projeto.
Desta forma pode-se dizer que CH pode ser entend(perceb)ida a partir de múltiplos pontos
de vista. Apesar de setas apontando para todo lado, a estrutura foi pensada como um todo.
A premissa dos doisnãos: 1não linearidade e da 2não hierarquia, teve como conseqüência e
resultado, um produto fragmentado. A fragmentação por sua vez, tornou-se um conceito,
tendo em vista que se observou aproximações semióticas entre os modos de representação
do mundo [exter(sig)nos] e a estruturação do pensamento [sig(inter)nos] & a(s)
hiper(mídia(s). Esta conjunção “f r a g MENT(E)ada” transformou-se na essência do CH.
Desta forma a interatividade, outro aspecto importante para as discussões sobre as mídias
digitais, surge de forma bastante natural sem a força da imposição dos recursos gráficos e
dos templates dos programas comerciais. CH possibilita o
leitorreceptorinteratorautorusuário a percorrer um caminho próprio, mas não isolado, a
estrutura da programação “sugere” !radnomicmaente! informações veiculadas em diversos
tipos de signos sonoros, visuais eou verbais. Assim a interatividade física, a dos cliquesteclas,
fica motivada pela interação entre as semioses do leitorusuário e as informações
audiovisuais propostas pelo CH. Não é exagero dizer +1X que o pensamento e as
representações digitais do CH se inter-relacionam em contraponto.
composi(cria)ção:
Dos estudos sobre Contraponto Musical surgiram muitos aspectos importantes para a
composição do CH. As melodias inspiraram a criação de linhas de informação. Estas linhas
funcionam como melodias hipermidiáticas tendo em vista as variadas formas de
apresentação do conteúdo. Assim como as melodias do contraponto, as linhas de
informação foram criadas como unidades de conteúdo, ou seja, foram compostas como
unidades auto-suficientes de informação. Cada unidade apresenta coerência interna de
sentido, porém quando em CH com outras linhas de informação possibilitam novas leituras,
assim como ocorre na técnica de criação de melodias. A valorização individual de cada linha
de informação significa, portanto, valorização do todo.
1Séries sonoras:
Composição:
Também estão incluídas nestas séries as palavras chave faladas no original e retrógrado.
Sonoplastia:
20
As apropriações foram realizadas na Web e são restritas a pequenos eventos sonoros, não caracterizam
nenhuma música de autoria, nem são utilizados compassos ou partes de alguma obra de autor. Timbres e
efeitos foram realizados a partir de softwares comerciais como Reason e o Soundforge. Informo ainda que
poderiam ser criados ou gravados a partir de qualquer programa ou mesmo em estúdio, o que significa dizer
que não foram utilizados dos programas citados nenhum template ou ação pré-estabelecida pelos fabricantes.
162
São os efeitos sonoros usados para enriquecer os ambientes da Hipermídia. São
tradicionalmente utilizados no rádio, TV ou cinema. Trata-se de gravação ou produção de
sons imitando sons da natureza, de animais, objetos, ações ou movimentos, com intenção
de realçar, destacar ou ilustrar as qualidades de um ambiente em determinadas situações. A
montagem da sonoplastia pode reforçar a naturalidade do que está acontecendo, ou criar
sensações ambientais fictícias. Também foram utilizados recursos sonoros como delay,
reverb, chorus e controle de pan, como signos de qualidade que, aplicados aos sons,
sugerem determinados espaços, como por exemplo, a ilusão de estar dentro de salas
pequenas ou salões imensos.
Estes signos sonoros são de fácil entendimento por representam seus objetos por
similaridade, por apresentarem conexões diretas com os seus objetos e também por já
fazerem parte de uso coletivo nas mídias audiovisuais tornando-se, portanto, também uma
convenção.
Diferentemente do modo como a sonoplastia tem sido utilizada nas mídias audiovisuais, no
CH estes sons não são ilustrações ou reforços das cenas, são eventos particulares, individuais
que têm como objetivo levar o receptor a ter sensações imediatas das quais já tem
experiência no mundo concreto, seja através da natureza ou das produções culturais.
2Séries visuais:
Imagens Texturas:
Séries organizadas com telas de sites que são referências para o CH. Algumas telas servem
para identificar o período de realização da tese.
163
Imagens frames de filmes:
Séries organizadas com frames de filmes que são referências para o CH. Algumas são
referências diretas como, por exemplo, as imagens do filme “O novo e o velho” de
Eisenstein, outras são referências indiretas, mas que fazem parte do universo de afinidades
com os assuntos tratados na tese, por exemplo, frames do “A TV Dante” (Grã-Bretanha,
1989) direção de Tom Phillips e Peter Greenaway que foram veiculados na TV britânica,
referência indiscutível para a hipermídia assim como frames de filmes de Jean-Luc Godard
que apresenta afinidades com o conceito de fragmentação.
Séries organizadas com trechos de filmes que são referências para o CH. Algumas são
referências diretas como, por exemplo, as imagens do filme “O novo e o velho” de
Eisenstein, outras são referências indiretas ou afinidades, seleção idêntica a aplicada para
série de imagens frames de filmes.
3Séries verbais:
Palavras chave:
Séries organizadas a partir das palavras chave que fazem parte do conteúdo da tese.
Exemplos: contraponto, hipermídia, interatividade, linguagens, sonoro, visual, verbal.
Escritas:
164
Digitais: Blocos de texto do conteúdo da tese com fontes digitais.
Faladas:
Blocos de texto do conteúdo da tese falados. Os textos são lidos sem nenhuma imposição de
leitura, nenhuma interpretação, nem recurso profissional de locução. Cada “voz” faz a
leitura como qualquer pessoa o faria. Não há nenhuma trucagem ou camuflagem em função
de apresentar um texto verbal perfeito, o interesse está no valor da leitura comum.
e a Semiótica:
A semiótica como fundamento teórico para CH também foi sustentáculo para a prática. O CH
foi produzido a partir de uma estruturação semiótica. Em cada signo criado as questões
teóricas estiveram sempre presentes. O fundamento dos signos foi pensado sempre
objetivando, por um lado, qualidades coerentes com o conteúdo a que se referem e, por
outro, sempre que possível procurou-se que os signos fossem apresentados conforme foram
teorizados, ou seja, que o signo pudesse também ser articulado em metalinguagem.
Desta forma CH não apresenta interface gráfica com metáfora visual de orientação e
navegação mediando a leitura/interação e a programação/informação. Os aspectos gráficos
já são eles próprios interface e informação, exceção apenas para certas marcas e indicações
necessárias para que o usuário possa controlar a sua navegação.
Por fim a inter-relação das linguagens sonora, visual e verbal (IR SVV) torna-se um modo de
pensar e a hipermídia uma aplicação. Pensar IR SVV significa pensar Matriz das Linguagens,
ou seja, pensar através dos eixos de cada matriz.
IR SVV está naturalmente para linguagem híbrida, o que falta é desativar os modos de escrita
e leitura tradicionais e compreender que é possível receber, compreender e interagir com
mensagens híbridas não hierarquizadas, já que entendo ser natural para o homem a leitura
fragmentada e a construção do sentido a partir do contexto. A hipermídia é, portanto, a
tecnologia necessária e suficiente para que isto ocorra. O Contraponto Hipermídia uma
experimentação.
166
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