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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Luiz Antonio Zahdi Salgado

Contraponto Hipermídia:

Uma proposta de inter-relação de linguagens.

DOUTORADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

SÃO PAULO

2009
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Luiz Antonio Zahdi Salgado

Contraponto Hipermídia:

Uma proposta de inter-relação de linguagens.

DOUTORADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

Tese apresentada à Banca Examinadora da


Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do
título de Doutor em Comunicação e Semiótica
sob a orientação do Prof. Doutor Arlindo
Machado

SÃO PAULO

2009

2
Banca Examinadora

_____________________________________

_____________________________________

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_____________________________________

_____________________________________

3
Resumo

Contraponto hipermídia: uma proposta de inter-relação de linguagens.

O principal interesse desta pesquisa foi buscar, através de reflexão e produção, respostas
para a possibilidade de construção de uma mensagem hipermidiática a partir de uma inter-
relação das linguagens não hierárquica, agregando repertórios de variados níveis. Também
importante foi colocar em questão a possibilidade de utilização de uma linguagem
rizomática, mais próxima do modo natural como se estabelece o pensamento humano.

Para alcançar estes objetivos longe das padronizações e partindo do critério da não
hierarquia entre as linguagens, o foco foi estudar métodos de composição ao longo da
história que se estabeleceram na articulação das unidades em prol da elaboração do todo,
mas sem, entretanto, desprezar suas particularidades. A partir dos estudos sobre a
linguagem sonora se encontrou o contraponto musical de Bach mais especificamente da
técnica de composição de fugas, e também da música dodecafônica de Schoenberg e por
conseqüência o serialismo. Da linguagem visual a montagem polifônica de Eisenstein
mostrou-se adequada tendo em vista que amplia os conceitos de contraponto para o
audiovisual. Da linguagem verbal a poesia concreta e a obra “Nome” de Arnaldo Antunes
completam o percurso em direção ao contraponto hipermídia.

Para sustentação teórica foi necessário desenvolver pesquisa diacrônica das linguagens
citadas, os aspectos sincrônicos teóricos e técnicos da hipermídia e os estudos semióticos.

Optou-se pela Teoria geral dos signos de Charles Sanders Peirce dirigidos em dois pontos
fundamentais. O primeiro relacionado ao modo como se estabelece a percepção e o
pensamento: a seqüencialidade do pensamento não é linear e se realiza conectando
informações variadas e até mesmo distantes dentro de um processo de edição que seleciona
os conteúdos percebidos e processados pelo cérebro. Entende-se que ocorre permanente
interrupção e retomada destes conteúdos que são atualizados constantemente,
confrontando com o repertório de informação de cada indivíduo e gerando o pensamento
consciente. Mais especificamente para este fim considero os avanços teóricos realizados por
Lucia Santaella como o mais indicado. O segundo ponto diz respeito à criação da hipermídia.
Para apoiar teoricamente este trabalho considero a Tradução Intersemiótica de Júlio Plaza
como fundamental no desenvolvimento coerente dos elementos Sonoros Visuais Verbais,
bem como na inter-relação entre eles.

Os conceitos relativos às novas tecnologias presentes nas principais correntes como o


pensamento de Pierre Lévy, Edmond Couchot, Lev Manovich, Júlio Plaza, Lucia Santaella e
Arlindo Machado entres outros, foram considerados no sentido de observar convergências e
divergências, na busca de conceitos mais adequados para fundamentar o contraponto
hipermídia.

Palavras-chave:

Hipermídia, contraponto, inter-relação, linguagens, sonoro, visual, verbal.

4
Abstract
Hypermedia counterpoint: a proposal on interrelation of languages.

The main interest of this research was to search for, through reflection and production,
answers to the possibility of the construction of a hypermediatic message originated from a
nonhierarchical interrelation of languages, aggregating repertories from varied levels. It was
also important to raise the question concerning the possibility of the utilization of a
rizomatic language, closer to the natural way the human process of thinking is established.

In order to reach these objectives without the use of standardizations and based on a
nonhierarchical criterion among languages, the focus was studying methods of composition
throughout history which were established in the articulation of the units concerning the
elaboration of the whole, but without, though, leaving out its particularities. From the
studies on the language of sound Bach’s musical counterpoint was found, more specifically
from the technique of fugue composition, and also from the dodecaphonic music by
Schoenberg and consequently the serialism. With respect to visual language, Eisenstein’s
polyphonic assemblage showed to be adequate since it broadens the concepts of
counterpoint to the audiovisual. As for the verbal language concrete poetry and the piece
“Nome” by Arnaldo Antunes complete the way towards the hypermedia counterpoint.

Regarding the theoretical basis it was necessary to develop a diachronic research on the
cited languages, the theoretical and technical synchronic aspects of hypermedia and the
semiotic studies.

The General Theory of Signs by Charles Sanders Peirce was opted and lead towards two
fundamental points. The first is related to the way perception and thinking occur: the
sequentiality of thinking isn’t linear and it takes place in the connection of varied and even
distant information in a process of edition which selects the perceived and processed
contents by the brain. It is known that there’s the occurrence of permanent interruption and
retake of these contents that are updated constantly, confronting with the repertory of
information of each individual and generating the conscious thinking. More specifically for
this purpose I consider the theoretical advances accomplished by Lucia Santaella as the most
indicated. The second point is concerning the creation of the hypermedia. To sustain that
work theoretically, I consider the Intersemiotic Translation by Julio Plaza as fundamental in
the coherent development of the sonic, visual and verbal elements, as well as the
interrelation among them.

The concepts related to the new technologies present in the main chains as the thinking of
Pierre Lévy, Edmond Couchot, Lev Manovich, Julio Plaza, Lucia Santaella e Arlindo Machado
among others, were considered towards the observation of convergences and divergences,
in the search for more adequate concepts to ground the hypermedia counterpoint.

Keywords:

Hypermedia, counterpoint, interrelation, languages, sound/sonic, visual, verbal.


5
ADVERTÊNCIA

Este trabalho foi totalmente desenvolvido para ser apresentado em forma de hipermídia. O
texto impresso é apenas o conteúdo verbal bruto da hipermídia, mas não tem os links e nem
os materiais sonoros e visuais do DVD. Portanto, preferencialmente deve-se optar pela
leitura da hipermídia e não do texto impresso.

6
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 Quadro comparativo – interações Reativa e Mútua. .................................................49


Figura 2 Quadro de relações: Fenomenologia, Matrizes da Linguagem, eixos........................61
Figura 3 Série Harmônica. Fonte: (Wisnik, 1989).....................................................................97
Figura 4 Contraponto de Machault. Fonte: (Koellreuter, 1989) ...........................................101
Figura 5 Contraponto Josquin des Prés. Fonte: (Koellreuter, 1989) .....................................102
Figura 6 Contraponto de Bach. Fonte: (Koellreuter, 1989)...................................................103
Figura 7 Contraponto ao estilo Albrechtsberger. Fonte: (Koellreuter, 1989).......................104
Figura 8 Contraponto Dodecafônico de Schoenberg. Fonte: (Koellreuter, 1989) ...............105
Figura 9 Contraponto Dodecafônico de Anton Webern. Fonte: (Koellreuter, 1989) ...........106
Figura 10 Contraponto de primeira espécie. Fonte: (Koellreuter, 1989)...............................107
Figura 11 Contraponto de segunda espécie. Fonte: (Koellreuter, 1989)...............................107
Figura 12 Contraponto de terceira espécie. Fonte: (Koellreuter, 1989)...............................107
Figura 13 Contraponto de quarta espécie. Fonte: (Koellreuter, 1989)..................................108
Figura 14 Parte da partitura Fuga II em do menor de Bach. Fonte: (Atlas, 1989) ................113
Figura 15 Esquema da fuga II do Cravo bem Temperado de Bach. Fonte: (Atlas, 1989)......114
Figura 16 Escala de Dó Maior. ................................................................................................117
Figura 17 As quatro formas de uma série. Fonte: (Penalva, 1990)........................................117
Figura 18 Séries de Schoenberg Op. 25. Fonte: (Penalva, 1990)...........................................118
Figura 19 Séries de Schoenberg Op. 33a. Fonte: (Penalva, 1990).........................................118
Figura 20 As três primeiras transformações da série. Webern. Fonte: (Penalva, 1990) ......119
Figura 21 Série A. Webern. Fonte: (Penalva, 1990)...............................................................119
Figura 22 Séries Suíte Lírica de A. Berg. Fonte: (Penalva, 1990) ...........................................120
Figura 23 Série Concerto para violino de A. Berg. Fonte: (Penalva, 1990) ...........................120
Figura 24 Interpenetração de séries de A. Berg. Fonte: (Penalva, 1990)..............................120
Figura 25 Serialização de durações. Fonte: (Penalva, 1990) .................................................121
Figura 26 Serie de durações de Messian. Fonte: (Penalva, 1990).........................................121
Figura 27 Série de intensidades. Fontes: (Penalva, 1990).....................................................122

7
Figura 28 Série de "ataques". Boulez. Fonte: (Penalva, 1990) ..............................................122
Figura 29 Serialização global. Fonte: (Penalva, 1990) ...........................................................123
Figura 30 Série "Stop" de Stockhausen. Fonte: (Penalva, 1990)...........................................124
Figura 31 Exemplos de composição da imagem. Frames isolados.........................................135
Figura 32 Seqüência do filme "O Novo e o Velho" de Eisenstein. Múltiplos pontos de vista da
câmera. ...................................................................................................................................136
Figura 33 Seqüência do filme "O Novo e o Velho" de Eisenstein. Ênfase da composição
gráfica. ....................................................................................................................................136
Figura 34 Seqüência do filme "O Novo e o Velho" de Eisenstein. Cena do envenenamento da
vaca.........................................................................................................................................137
Figura 35 Seqüência do filme "O Novo e o Velho" de Eisenstein...........................................138
Figura 36 Seqüência do filme "O Novo e o Velho" de Eisenstein...........................................139
Figura 37 Movimento por contrastes.....................................................................................140
Figura 38 Seqüência sonora. ..................................................................................................141
Figura 39 Duas páginas do poema Un Coup de Dés de Mallarmé. ........................................144
Figura 40 Guillaume Apollinaire, Lettre-Océan, 1914............................................................146
Figura 41 Frames do clipoema Pessoa. ..................................................................................156

8
SUMÁRIO

Introdução( .....................................................................................................................11
(1) hipermídia..................................................................................................................19
O mesmo...............................................................................................................................19
A barreira ..............................................................................................................................20
Livro ......................................................................................................................................21
Hipertmeíxdtioa....................................................................................................................23
Entre um e outro ..............................................................................................................26
+ para a Hipermídia ..........................................................................................................28
+ definições.......................................................................................................................29
Interface................................................................................................................................33
Interatividade .......................................................................................................................40
Interatividade diacrônica..................................................................................................41
Interatividade sincrônica (abertura de terceiro grau)......................................................45
Interatividade X reatividade .............................................................................................47
(2) Inter-Relação das linguagens Sonora, Visual e Verbal (IR SVV).....................................51
Teoria Geral dos Signos ........................................................................................................51
Primeiro a Fenomenologia ...............................................................................................52
, depois(agora) a Semiótica. .............................................................................................53
Matrizes da Linguagem e do Pensamento ...........................................................................58
A ligação entre Pensamento e Linguagem: ......................................................................58
3 matrizes 3 eixos .............................................................................................................60
Lógica das Matrizes ..........................................................................................................62
Tradução InterSemiótica (TI) ................................................................................................64
Tipologia de Traduções InterSemióticas: .........................................................................67
As Linguagens Sonora Visual Verbal.....................................................................................70
IR SVV é um fenômeno natural. .......................................................................................70
Entrando um pouco nos eixos ..........................................................................................73
Linguagem sonora ........................................................................................................73
Linguagem visual ..........................................................................................................76
Linguagem verbal .........................................................................................................82
Conceito de fragmentação ...................................................................................................86
O conceito de fragmentação nas linguagens audiovisuais ..............................................89
(3) Referências históricas de inter-relação teórica e prática..............................................94
Contraponto .........................................................................................................................94
Monodia ...........................................................................................................................94
Polifonia............................................................................................................................95
+ Contraponto ..................................................................................................................99
Sintaxe contrapontística.................................................................................................107
Johann Sebastian Bach ...................................................................................................110
Serialismo .......................................................................................................................114
Dodecafonismo...............................................................................................................115
Schoenberg.....................................................................................................................116
Princípio da apreensibilidade .........................................................................................124
9
Montagem de Eisenstein....................................................................................................126
Sergei Eisenstein.................................................................................................................128
Representação e imagem ...............................................................................................128
Montagem Vertical.............................................................................................................129
Composição e movimento..................................................................................................134
Poesia Concreta ..................................................................................................................142
Vídeo Poesia e Nome......................................................................................................155
(4) Contraponto Hipermídia: final .................................................................................. 165
composi(cria)ção: ...........................................................................................................166
e a Semiótica: .................................................................................................................171
Bibliografia.................................................................................................................... 174

10
Contraponto Hipermídia = CH
: uma proposta de
inter-relação de linguagens.

Introdução(
Os acontecimentos ocorridos nestes últimos anos em relação às novas tecnologias da
comunicação e informação têm apresentado novos aspectos no modo de produção,
transmissão e recepção de mensagens. Muitos teóricos têm enfatizado a importância deste
momento como um dos maiores acontecimentos da história humana, influenciando os mais
diversos setores da sociedade. A cada nova descoberta, a cada nova invenção, as linguagens
se alastram e se desenvolvem mais rapidamente e por múltiplos caminhos.

O surgimento das novas mídias, a hibridização das linguagens e a convergência dos meios,
potencializam um novo tipo de mensagem focado na inter-relação das linguagens sonora,
visual, verbal determinando uma recepção diferenciada. Esta multiplicidade de informação
ofertada simultaneamente para o receptor pode ser explorada em uma linguagem especial
chamada de HIPERMÍDIA, como já ocorre tanto online na rede mundial de computadores,
quanto em mídias offline em CDs ou DVDs. Entretanto o ponto focal da pesquisa é propor
uma concepção de MENSAGEM NÃO HIERARQUIZADA, e que apresente maior
INDEPENDÊNCIA ENTRE AS MENSAGENS SONORA, VISUAL E VERBAL (SVV), que denomino
aqui de CONTRAPONTO HIPERMÍDIA (CH).

Nas mídias tradicionais se observa linguagens híbridas que articulam o som a imagem e o
texto verbal. Por exemplo, o teatro e a dança, expressões artísticas mais antigas. Mais
recentemente o cinema tornou-se um dos mais bem sucedidos neste sentido. Entendo,
entretanto, que esta inter-relação a partir das novas tecnologias apresenta potencial
diferenciado em função da unificação das linguagens em matrizes numéricas, recursos
disponíveis nos meios digitais que permitem tratamento semelhante na produção de textos
sonoros, visuais e verbais, ou seja, as linguagens podem ser tratadas da mesma forma apesar
das particularidades de cada uma apresenta.
Também tem sido bastante citado nas pesquisas recentes a condição de PARTICIPANTE do
usuário/receptor. Em nenhum outro momento a INTERATIVIDADE foi tão presente e tão
importante na recepção/percepção das mensagens. Porém estes aspectos têm sido pouco
explorados pelos webdesigners que em geral tem optado por interfaces previsíveis onde
quase sempre o usuário escolhe uma das opções disponíveis para apenas acessar uma tela
cuja estrutura aponta para outras mídias como, por exemplo, o livro ou o cinema. Raras
exceções creditadas ao campo da arte.

Desta forma entende-se que os recursos oferecidos pela ferramenta digital ainda não são
utilizados potencialmente, permanecendo o autor, e por conseqüência também o receptor,
ambos envolvidos em uma padronização imposta pela indústria tecnológica.

Observa-se também que a hipermídia tem sido tratada por teóricos e práticos, de forma
bastante diferente e distante. Enquanto teoricamente vis/deslumbra-se uma linguagem
potencialmente inédita, abrangente e que incita um novo modo de pensar, na prática a
padronização comercial trilha outro caminho.

Partindo, portanto da premissa de que as TECNOLOGIAS DIGITAIS apresentam as condições


técnicas necessárias, pretendo nesta pesquisa, buscar elementos teóricos e práticos para
justificar uma nova possibilidade de utilizar linguagens diferentes em uma mesma
mensagem, procurando não só ilustrar ou reforçar uma determinada informação, mas
AMPLIAR as possibilidades de SIGNIFICADOS, CRUZANDO também DIFERENTES
REPERTÓRIOS.

Por fim concebo CH como fluxo de dados que podem ser interativos e/ou provocados por
programação procurando oferecer as informações de modo semelhante como ocorre o
pensamento.

Síntese:

CH é pesquisa, reflexão e produção sobre Linguagem hipermídia a partir de:


1. Inter-relação das linguagens Sonora, Visual e Verbal;
2. Mensagem não hierarquizada;
3. Independência das linhas de informação SVV;
4. Interatividade.
5. Ampliar as possibilidades de significados.
2
6. Cruzamento entre linguagens e repertórios variados níveis.
7. Experimentar a possibilidade de utilização de uma linguagem mais próxima do modo
natural como ocorre o pensamento humano.

O interesse de CH não é o de se transformar no modelo ou padrão a se seguir, pelo contrário


o objetivo é despertar possibilidades e realizar experiência com o intuito de contrariar a
cristalização desta linguagem.

Conceito CH

O conceito de Contraponto adotado neste trabalho é inspirado no Contraponto Musical.


Mas não se trata da simples idéia de ponto contra ponto ou nota contra nota a que a palavra
aponta mais diretamente, o estudo do Contraponto musical mostra que é muito mais do que
isto, trata-se de inter-relação de melodias, ou seja, há uma relação mútua entre as linhas
melódicas, e é esta idéia que é a essência do CH.

O Contraponto musical é o marco zero, é o ponto de partida, de certa forma é o embrião do


CH, é a base de sustentação para a edificação deste projeto. As linhas melódicas neste tipo
de composição seguem regras estritas para serem criadas e são pensadas com uma dupla
intenção: como melodias em si mesmas (qualidade horizontal), e em contraponto uma com
a outra gerando outras sonoridades (qualidade vertical). Apesar de não apresentar inter-
relação com as linguagens visual e verbal de modo explícito1, o modo como ocorre a
estruturação dos seus elementos é exemplar e pode ser um modelo nesse sentido.

Partiu-se, portanto, da hipótese de que a Hipermídia pode ser conceitualmente um


contraponto, no sentido de inter-relação, entre as diversas possibilidades das linguagens
SVV. Acredita-se que sons musicais ou ruídos, pura qualidade sonora ou remetendo a suas
fontes ou mesmo articulados em composição, imagens estáticas ou em movimento,
figurativas ou abstratas, digitais ou analógicas e palavras ditas, cantadas ou escritas, ou seja,
todas as formas possíveis de SVV podem ser articuladas em contraponto/inter-relação. Isto é
CH.2

1
Como poderá ser observado mais adiante, conforme Santaella, cada matriz da linguagem e de pensamento se
estabelecem em eixos característicos, a sintaxe para matriz sonora, a forma para a matriz visual e o discurso
para a matriz verbal, sendo o contraponto musical, a partir destas premissas, também uma linguagem híbrida.
2
Evidentemente que se deve considerar os aspectos específicos de cada meio, por exemplo, a música precisa
ser executada para uma audição enquanto a hipermídia precisa de um usuário participativo.
3
O contraponto/inter-relação ocorre de vários modos dentro da pesquisa, pode-se observar
entre os acontecimentos selecionados, entre os pensamentos de cada teórico, e ao final,
entre as linguagens SVV dentro do CH.

++

Esta pesquisa apresenta múltiplos caminhos que se inter-relacionam em função do objetivo


de conhecer, desenvolver e criar Hipermídia. A hipótese inicial é que a linguagem hipermídia
apresenta um potencial diferenciado capaz de promover um modo de apresentação de
mensagens múltiplas, sons, imagens e textos verbais das mais variadas tipologias, através da
inter-relação entre estas linguagens, porém de forma não hierarquizada. Acrescenta-se
ainda que se vislumbra a hipermídia como um prolongamento interativo do pensamento.

Trata-se de estudo sobre as tecnologias digitais. Nasce do conflito entre a teoria e a prática
sobre este assunto. Ambas têm sido intensamente produzidas nesta área, entretanto com
muito pouco contato entre elas. Observa-se uma defasagem e um distanciamento entre
estas realidades. Mas um enorme potencial a ser desenvolvido. O Interesse, portanto, foi
desenvolver investigação e experimentação que busque diálogo e inter-relação entre estes
dois campos.

Este aspecto tornou-se uma premissa para a pesquisa. Desta forma procurou-se
preferencialmente encontrar referências em autores e/ou trabalhos que tenham
envolvimento tanto com a teoria como também com a prática.

A dificuldade maior está em organizar os dados alcançados de modo tradicional, traçar um


percurso linear, hierarquizar a seqüência em começo, meio e fim, isto porque a linguagem
hipermídia se caracteriza pela não linearidade e não hierarquização, justamente os aspectos
fundamentais do argumento desta pesquisa. Entretanto este conflito se faz necessário já
que esta linguagem ainda está nos seus primeiros passos e ainda não é consenso entre
pesquisadores e mesmo entre usuários.

Partindo, portanto, por esta via dupla, três caminhos distintos se abriram. Porém observou-
se durante o percurso o quanto se tocam se cruzam e se contaminam (contraponto/inter-
relação). O alvo é a convergência destes caminhos na apresentação final dos resultados, da
pesquisa em linguagem hipermídia, em hipermídia (metalinguagem).
4
São os caminhos:
(1) Teoria da linguagem hipermídia.
(2) Inter-Relação das linguagens Sonora, Visual e Verbal (IR SVV).
(3) Referências históricas de inter-relação teórica e prática.

(1) Teoria da LINGUAGEM HIPERMÍDIA.

Esta etapa trata da conceituação da hipermídia. Os estudos desta parte são importantes
para determinar claramente a concepção de hipermídia desejada. Vários autores nos últimos
anos têm se dedicado a essa pesquisa sendo, portanto interessante para a pesquisa cruzar
estas posições teóricas com intuito de conceber uma posição particular sobre este assunto.

Nesta etapa os conceitos de hipertexto, interface, metáfora e interatividade são


fundamentais. Como já foi dito vários autores tem se dedicado a este assunto. André Lemos,
André Parente, Arlindo Machado, Júlio Plaza, Lev Manovich, Lúcia Leão, Lúcia Santaella,
Pierre Lévy, Sérgio Bairon, Steven Johnson, Vicente Gosciola, entre outros, são referências
importantes para a estruturação do projeto Contraponto Hipermídia.

(2) Inter-Relação das linguagens Sonora, Visual e Verbal (IR SVV):


Esta etapa apresenta dois segmentos: [

(2.1) Teoria Geral dos signos de Charles Sanders Peirce.

Para nortear teoricamente esta pesquisa que tem como foco principal a inter-relação das
linguagens SVV optou-se pela Teoria geral dos signos de Charles Sanders Peirce. Esta escolha
se deve ao fato de que se trata de uma teoria que percebe o signo como qualquer coisa que
surja a mente independente da natureza do objeto representado. As teorias de Peirce
podem ser aplicadas a qualquer tipo de signo seja um som, uma imagem ou uma palavra,
aspectos fundamentais para o estudo da inter-relação das linguagens SVV.

A partir deste potencial teórico três aspectos são destaques imprescindíveis:


1 O primeiro aspecto diz respeito as questões básicas porém fundamentais para a
compreensão das teorias de Peirce. Mais precisamente da Fenomenologia e a Semiótica. A
intenção foi consolidar estes conhecimentos objetivando compreender como ocorre o

5
pensamento. O pensamento não é linear e se realiza conectando informações variadas e até
mesmo distantes dentro de um processo de edição que seleciona os conteúdos percebidos e
processados pelo cérebro. Entendo que ocorre permanente territorialização-
desterritorialização-reterritorialização destes conteúdos que são atualizados
constantemente, confrontando com o repertório de informação de cada indivíduo e gerando
o pensamento consciente.

2 Os estudos das linguagens SVV estão fundamentados nos avanços teóricos realizados por
Lúcia Santaella. Trata-se das Matrizes da Linguagem e de Pensamento (2001) que são
orientações que dão suporte para a inter-relação das linguagens. Destaque para a teoria das
linguagens híbridas que distingue princípios lógicos para cada uma das modalidades SVV.

Segundo Santaella todas as linguagens são originárias de apenas três matrizes: a sonora, a
visual e a verbal, a autora vai mais além quando desenvolve estudos argumentando que
estas matrizes se aplicam também ao pensamento. Esta forma de entender a formação do
pensamento e a sua relação com aquilo que Peirce determinou como as três categorias
fenomenológicas, indicam uma direção teórica consistente para apoiar a proposta desta
pesquisa.

3 Ainda no âmbito da teoria geral dos signos Júlio Plaza se destaca pelas suas contribuições
teóricas e práticas. Considera-se importante a Tradução Intersemiótica deste autor como
fundamental no desenvolvimento coerente dos elementos SVV, bem como na inter-relação
entre eles. Isto porque Júlio Plaza leva a idéia de tradução para além dos limites exclusivistas
da lingüística apresentando paralelamente uma aplicação prática artística de seu trabalho.

Também apoiado nas teorias de Peirce, Plaza entende o pensamento como tradução. A
tradução intersemiótica é o mesmo que pensamento intersemiótico. O contraponto
hipermídia se aproxima bastante deste conceito.

(2.2) A Inter-relação das Linguagens Sonora Visual Verbal (IR SVV)

Nesta etapa o estudo das linguagens e seus eixos foi o foco bem como também se
conceituou o que é Inter-relação das Linguagens Sonora, Visual e Verbal.

6
Sustentado pela teoria das Matrizes da Linguagem e Pensamento nesta etapa procurou-se

(3) Referências históricas de inter-relação teórica e prática.


Nesta etapa da pesquisa procurou-se buscar na história referências que tivessem como
premissa, além de uma forte contribuição teórico-prática, que também apresentassem inter-
relações entre os elementos.

1 Contraponto musical ----- serialismo


O primeiro destes caminhos inicia-se pelo contraponto tradicional buscando absorver o que
esta linguagem, que exige habilidade no tratamento entre as linhas melódicas e por todas as
experimentações a que já foi exposta, pode contribuir para a linguagem hipermídia.

No CONTRAPONTO a simultaneidade e a seqüencialidade temporal das linhas melódicas


seguem regras de estrutura que amarram e mantém coerente o estilo e a estética da obra. O
mais interessante é que cada voz, uma vez separada do todo, guarda em si mesma
qualidades independentes de informação musical. O ponto culminante do contraponto está
na obra musical de Bach principalmente a técnica de composição de fugas.

Em seguida o contraponto tradicional passa por uma releitura desenvolvida nas composições
dodecafônicas do começo do século XX. E a partir destas contribuições nasce as idéias do
serialismo que, levado às últimas conseqüências atinge a serialização de todos os elementos
musicais.

Na estrutura SERIAL, a organização do todo ocorre a partir da construção de várias partes


que, conforme vão sendo agrupadas ganham diferentes valores de informação. O serialismo
nasce com a música dodecafônica de Schoenberg e caracteriza-se por romper com o sistema
hierárquico do tonalismo. O serialismo de todos os elementos da composição é um
antecedente exemplar para a inter-relação das SVV.

2 A montagem audiovisual de Eisenstein. Neste caso se encontra as linguagens SVV numa


espécie de CONTRAPONTO AUDIOVISUAL onde o próprio autor explicita em vários
momentos de sua contribuição teórica, as íntimas relações com a polifonia musical. Ao
refletir sobre o próprio trabalho, Eisenstein cita o teatro japonês como referência, o que

7
demonstra uma grande preocupação com os valores individuais de cada elemento da
composição audiovisual. EISENSTEIN desenvolve um conceito de montagem cinematográfica
onde domina intensamente cada elemento articulando-os para alcançar os significados
desejados. A sua teoria também se estabelece na lógica da polifonia contrapontística
musical.

3O CONTRAPONTO VERBIVOCOVISUAL = POESIA CONCRETA apresenta um outro aspecto


de contraponto bastante importante e diferenciado dos anteriores, pois é a “palavra” o
centro de todas as articulações. O SOM, a palavra falada ou cantada, a IMAGEM, o modo
(escrita) e o lugar (espaço) onde esta palavra se apresenta e a PALAVRA, além do que já
significa como convenção, o modo como se estrutura como criação poética, já contém
elementos de inter-relação de linguagens tendo em vista que o contraponto aqui se
apresenta na combinação entre som e texto ou som e imagem ou imagem e texto ou todos
ao mesmo tempo. A percepção da obra neste caso é ampliada exigindo do receptor uma
atenção sinestésica.

Outro aspecto é que a poesia concreta em contato com as novas tecnologias salta do papel,
se apropria de outras mídias e através desta dinâmica amplia seus limites, se mantém
atualizada e principalmente apresenta elementos de que apontam para uma linguagem
hipermidiática.

A obra “Nome” de ARNALDO ANTUNES, também apresenta inter-relação das linguagens,


porém na minha dissertação de mestrado (2003) já houve um aprofundamento. Pretende-se
resgatar estes estudos para complementar meu argumento.

A partir destes estudos o passo seguinte será a criação de uma hipermídia aplicando os
conceitos desenvolvidos, pretende-se demonstrar amplas possibilidades na utilização das
linguagens, agregando à mensagem múltiplos significados em variados repertórios.

8
(1) hipermídia

O mesmo

As novas tecnologias tem sido tema de todo tipo de discussão e pesquisa. Bate papos,
palestras, oficinas, encontros, congressos, mesas redonda, exposições, artigos, dissertações,
teses e livros, tanto online quanto offline, surgem a todo o momento das mais variadas
origens. O assunto virou moda. Muitos autores têm se debruçado sobre esse assunto. Após
certo contato com alguns deles se observou a alta taxa de redundância na maioria. Mesmos
os que mais se destacam pela qualidade diferenciada de pensar, também refazem o mesmo
percurso.

O método aplicado está em reescrever a mesma coisa com outras palavras, criando
aparentemente um novo tecido, novas roupagens, uns mais conservadores outros mais
transgressores, mas qualquer um que dedique um pouco mais de atenção sobre a malha
aparente, observa que se trata do mesmo “mesmo”.

Nenhum problema com o “mesmo”, apenas um desconforto inicial por um certo tempo
perdido, somado a outro: o receio de também fazer o “mesmo”.

Mas não há interesse aqui de pregar o abandono do assunto, pelo contrário a presente
reflexão mais do que nunca questiona o modo como se deve tratar este tema.
Aparentemente o “olhar” ainda está determinando um ponto de vista fixo: da perspectiva
do lugar seguro.

Especificamente para esta pesquisa, a barreira parece intransponível, um muro de Berlim


particular impedindo a progressão.

No início da pesquisa, na parte mais larga da boca do funil, o que mais se sabe é o que não é.
Desta maneira o que não é afirma com maior intensidade o que é. Em outras palavras, trata-
se de conhecer através do que não é. Também se pode dizer que a afirmação do que não é
carrega em si muito do que é.

9
Portanto, tendo como objeto de estudo a linguagem hipermídia, considerando a alta taxa de
redundância sobre o assunto, parte-se para afirmar mais uma vez, o que não é, ou seja, não
é neste caso um foco histórico, também não é apontar os elementos da linguagem
descrevendo o que cada um faz. Não é observar as mudanças que causa nas diversas áreas
da cultura humana. Não é Vannevar Busch, também não é hipertexto. Não é desktop, nem
mouse. Mas é ao mesmo tempo, o “mesmo” em outro momento.

Tendo em vista que já foi dito muitas vezes, não há porque dizer novamente. Portanto
restrinjo tempo e espaço ao essencial. E o essencial do que não é, é necessário que seja
objetivo, sem rodeios nem roupagens de aparência. Guarda-se o tempo e o espaço para
gastá-lo no “como” mostrar o já dito, o tão dito ou o mal dito. O “como” é o que é. Tudo de
novo novamente.

A barreira

Desenvolver pesquisa sobre uma linguagem nova, a hipermídia, e abraçar na completude a


proposta de inter-relação das linguagens de modo não hierárquico nesta linguagem, já
estabelece de saída, uma incapacidade de realizar uma pesquisa científica de modo
tradicional. Todos os aspectos que envolvem o trabalho científico, do levantamento dos
dados a documentação final, estão nesta proposta, implicitamente sendo questionados por
apresentar um novo/outro modo de produção de pensamento e diferir do convencional. É
imenso o desconforto quando a proposta que se deseja apresentar esta submetida a leis
pré-estabelecidas que contradizem o próprio modo de inscrição que se quer apresentar.

Os recentes recursos tecnológicos possibilitam novos modos de produção e recepção de


mensagens e, portanto novos modos de percepção do mundo. Entretanto as raízes culturais
tradicionais que regem o conhecimento impedem que as mudanças ocorram com maior
rapidez e eficiência.

Entretanto este sentimento primeiro, imediato não é solitário, se materializa quando


encontra outras vozes indicando a mesma direção. Neste sentido Marcus Bastos (2005, p. 9)
aponta o quanto o “[...] apego aos modelos já instituídos percorre o debate acadêmico,

10
revelando um conservadorismo inexplicável em um espaço supostamente consagrado ao
debate de idéias pioneiras.”

É impressionante tomar conhecimento que estas questões em relação aos métodos


tradicionais de produção e leitura já tenham sido constatadas a mais de 60 anos, o que
demonstra o quanto as mudanças se estabelecem lentamente. Conforme Bush (1945):

Profissionalmente, nossos métodos de transmitir e analisar os resultados da


pesquisa são antiquados e totalmente inadequados aos propósitos para os quais os
empregamos. Se o tempo total usado para escrever trabalhos de pesquisa e para
lê-los pudesse ser avaliado, a razão entre o tempo dedicado a uma e a outra coisa
iria surpreender. Aqueles que conscientemente tentam se manter em dia, através
de leitura atenta e contínua, com o pensamento corrente, mesmo em campos
muito restritos, hesitariam em se submeter a um teste que verificasse quanto do
conteúdo lido poderia ser reproduzido, se ou quando necessário.

Como se pode aceitar que tal situação permaneça? Como se pode continuar escrevendo da
mesma forma como se nada tivesse acontecido? Como se pode desprezar as mudanças que
já estão alterando o dia a dia?

O convívio a mais de três décadas com as tecnologias digitais evidentemente alterou o


comportamento dos pesquisadores em relação às suas produções, assim como atingiu todos
os aspectos sociais. É evidente o uso dos recursos digitais na construção de qualquer
trabalho científico atualmente, entretanto esta usabilidade ainda permanece dependente
dos critérios anteriores, causando um desconforto e uma incoerência. Arlindo Machado em
1997 já se reportava sobre este assunto sugerindo que o modo tradicional do livro fosse
substituído por uma nova escrita, mais adequada aos novos tempos.

É preciso ainda que os atuais e infindáveis exercícios de retórica sejam substituídos


por textos condensados, dotados da precisão de um diagrama e da velocidade de
um haicai. Acima de tudo, os novos livros deverão ser escritos em “camadas” ou
níveis diferenciados de aprofundamento, aproveitando a estrutura tridimensional
das escrituras hipertextuais, de modo que se possa fazer uma leitura apenas
informativa, quando se quiser somente saber do que se trata, mas também se
possa mergulhar fundo na argumentação, se o interesse do leitor for mais longe.
(p. 186)

11
Livro

O livro impresso, por exemplo, está tão fortemente impregnado na cultura que se impõe sob
as novas possibilidades de leitura. As metáforas do livro, distribuição dos conteúdos em
páginas, escrita da esquerda para a direita e de cima para baixo, sistemas de arquivamento
de documentos (pastas e gavetas) e de critérios de organização de bibliotecas são
constantemente utilizadas no ciberespaço. Para Gizelle Beiguelman (2003) “Isso não nos
remete a um mero problema de erro de termos, mas a um problema epistemológico. A
identificação do conteúdo online com a página reitera a linearidade de uma história sobre o
mesmo que se faz pelo apaziguamento das instabilidades.” (p. 11)

A dificuldade maior está na linearidade da escrita verbal em oposição a diversidade de


caminhos possíveis da hipermídia. Organizar uma seqüência linear significa hierarquizar os
conteúdos. A contigüidade reduz as possibilidades de compreensão e fluidez da leitura a um
percurso único.

Para a produção de um texto linear se faz necessário aplicar estratégias específicas. A ordem
seqüencial deve estabelecer prioridades. Hierarquias determinam o que vem antes e o
depois e por este motivo as conexões só ocorrem ao longo do percurso da leitura. É curioso
que o paradigma do livro tenha impregnado na cultura tão fortemente, tendo em vista que a
linearidade e a hierarquização são contrárias ao que ocorre no fluxo do pensamento. O
pensamento é rizomático, as semioses são encadeamentos infinitos de signos.

Com tantas novidades tecnológicas, recursos audiovisuais cada vez mais complexos, redes
de comunicação e informação cada vez mais acessíveis, o que se faz necessário neste
momento são outras espécies de livros, de literatura, revistas enfim de novas espécies de
obras de referência. (Machado, 1997, p. 186)

A contradição define o momento. O contraste entre o dizer e o fazer ilustram a dificuldade


presente. Por um lado vê-se o avanço teórico apoiado principalmente nos alicerces dos fatos
sincrônicos profetizando um novo tipo de discurso bastante idealizado, porém distante da
prática. E por outro se vê o avanço técnico abrindo espaço para variadas possibilidades de
produção, mas que é subutilizada. As opções que se faz estão ainda impregnadas de

12
paradigmas tradicionais. Concordando com Nelson3 (1999, apud Beiguelman (2003, p. 67))
basicamente o que os computadores simulam são a hierarquia e o papel.

A hierarquia foi cuidadosamente colocada na estrutura dos arquivos do


computador porque os que assim o fizeram consideraram-na correta, natural e a
única forma. O papel foi também simulado na estrutura dos computadores porque
parecia correto, natural e a única forma. Acredito que ambas são formas de
aprisionamento que constrangem e distorcem nosso trabalho e nosso pensamento.

O (hiper)texto(mídia) parecia ser a porta de entrada para uma nova forma de


disponibilização de informação. O vislumbre inicial de poder navegar determinando
caminhos personalizados, criando narrativas diversas, combinando textos, imagens e sons
com a finalidade de construir uma nova história, encontrou como resistência as interfaces
culturais tradicionais presente tanto na indústria da informática como também nos usuários.
Ambos se satisfazem com o impressionante mundo maravilhoso das máquinas. Mais ou
menos como mostrar um espelho há quem nunca viu um.

Mas olhando agora para trás, depois de alguns anos de press-release e waporware,
o que impressiona é o grau ínfimo em que isso aconteceu. Entre os textos baseados
na Web preponderam de longe os francamente lineares. Quase todas as matérias
jornalísticas são peças únicas, unidimensionais, artigos que seriam exatamente os
mesmos se fossem compostos de tinta e papel em vez de zeros e uns. (Johnson,
2001, p. 95)

Seguem-se então alguns aspectos e questões importantes que envolvem a linguagem


prometida: a Hipermídia.

Hipertmeíxdtioa

Os termos hipertexto e hipermídia são muito próximos. Muitas vezes se confundem e são
tratados como a mesma coisa. A Hipermídia está potencialmente presente no hipertexto.
Este surge antes, determina uma nova linguagem e, por conseguinte um novo modo de
escrita. Da evolução do Hipertexto origina a linguagem hipermídia.

Uma das possibilidades para se entender o hipertexto é que se trata de um documento


digital que apresenta dois textos, um “por baixo”, voltado para dentro, em linguagem de

3
NELSON, Theodor Holm. “Deeper Cosmology , Deeper Documents”. Hypertext 2001 – The Twelfth ACM
Conference on Hypertext and Hypermedia. University of Aarhus, Aarhus, Dinamarca, 14-18 de agosto, 2001.
http://www.ht01.org/tech.html.
13
máquina, escrito/codificado para ser interpretado por programas que permitem a
navegação pelo usuário. E outro “por cima”, voltado para fora, visível, com as informações
escritas para serem lidas pelo usuário. Este duplo texto permite conexões com outros
documentos digitais. Nos primórdios do hipertexto, as conexões eram feitas apenas através
de palavras ou frases onde eram ancorados os links para outros documentos. Tendo em vista
que a linguagem digital não descrimina tipo de dados, os documentos podem apresentar
não só textos verbais, mas também textos visuais e sonoros.

O hipertexto evoluiu juntamente com os computadores. As máquinas ganharam em


capacidade de processamento e armazenamento tanto em termos qualitativos quanto
quantitativos. Este aperfeiçoamento tecnológico permitiu também que o hipertexto
ampliasse suas possibilidades tanto nas conexões entre documentos quanto nas relações
com o usuário. Este hipertexto mais encorpado se chama hipermídia. Atualmente falar em
hipermídia automaticamente significa falar em hipertexto e é deste modo que ocorre nesta
pesquisa.

Ainda em relação ao hipertexto, trata-se da possibilidade de conexões entre diversos tipos


de dados permitindo ao usuário uma leitura mais personalizada não-linear. É através do
hipertexto que se torna possível a “navegação” pelo ciberespaço. As alternâncias offline,
entre arquivos variados e softwares e também as online, entre conteúdos diversos, páginas
ou sites, ocorrem devido à técnica do hipertexto.

Por outro lado, o conceito de hipertexto é bem mais complexo do que isto, porque envolve
mudanças de pensamento. Gera um conflito entre a contigüidade e a similaridade, o
logocentrismo e a inter-relação das linguagens, entre a linearidade e os saltos qualitativos.
Mas o que ainda se observa é a utilização do hipertexto como prática lúdica. Ir e vir através
dos cliques. Na prática, o hipertexto tem se apresentado predominantemente através de
associações por contigüidade.

Memex

14
Muitos teóricos já observaram as analogias existentes entre o hipertexto e a estrutura do
pensamento humano, Vannevar Bush4 foi o primeiro a se pronunciar sobre isto comparando
o modo como se estrutura e organiza o pensamento humano e as possibilidades de
associações entre dados armazenados em uma máquina. O pensamento é fragmentado5,
saltando entre signos de naturezas diversas e através de semioses múltiplas simultâneas
e/ou seqüenciais. O ideal seria uma obra hipertextual semelhante a estrutura do
pensamento, no entanto o que ocorre atualmente em termos de hipertexto ainda é bastante
limitado e modelado pelos conceitos de conexões da interface livro.

Não se pode dizer que a tecnologia do hipertexto seja algo novo. O livro já apresenta
conexões hipertextuais. (Lévy, 1993) O dicionário e a enciclopédia são exemplos óbvios do
uso deste recurso. Nas convenções da escrita acadêmica também se encontra dispositivos
de conexões estruturadas de modo a facilitar a leitura. A organização em capítulos, os
sumários, as notas e referências são modelos de hipertexto com funcionalidade
comprovada.

Na leitura de textos digitais, o hipertexto possibilita caminhos não lineares. A leitura pode
ocorrer por saltos, seguindo um encadeamento personalizado pelo usuário
instantaneamente, em tempo real. Conforme Couchot6:

O acoplamento interativo, ainda mais eficaz porque se conjuga em tempo real,


introduz mudanças radicais nas relações tradicionais entre a obra, o autor e o
espectador. A obra interativa só tem existência e sentido na medida em que o
espectador interage com ela. Sem essa interação, de que depende totalmente,
ainda que reduzida apenas a um gesto elementar, ela continua sendo uma
potencialidade não-perceptível. A obra não é mais fruto exclusivo da autoridade do
artista, mas se engendra durante um diálogo em tempo real com o expectador.

Entretanto, como novo modo de leitura determina questionamentos e exige quesitos


especiais por parte da autoria. A dimensão não linear do hipertexto, não só determina uma

4
Vannevar Bush é considerado o primeiro a desenvolver um projeto visando acesso multidirecional,
manipulação e personalização de informação. O equipamento pensado por Bush foi chamado “Memex”
apresentado no artigo “As we may think”, publicado na revista Atlantic Monthly em 1945. Este artigo tem sido
citado constantemente no ambiente acadêmico atual. Esta máquina foi idealizada como uma biblioteca de
informação científica que poderia armazenar uma grande quantidade de documentos que poderiam ser
acessados de forma não-linear conforme se desenvolvesse o interesse do usuário. Artigo disponível no site
http://www.theatlantic.com/doc/194507/bush (acesso em 08 de março de 2008).
5
Ver conceito de fragmentação.
6
COUCHOT, Edmond. “O tempo real nos dispositivos artísticos”. In: LEÃO, Lucia (org.) Interlab. Labirintos do
pensamento contemporâneo. São Paulo: Iluminuras, 2002.
15
nova lógica de narrativa, mas também coloca em cheque a relação entre leitor e escritor.
Cabe ao escritor de hipertexto disponibilizar os caminhos. Na maioria das vezes a
multiplicidade de possibilidades fica submetida a leitura personalizada do escritor, ou seja,
os caminhos disponibilizados na produção são determinados pelos interesses dele. A
abertura para o hipertexto, como agente capaz de causar mudanças no pensamento é
fundamental não só para usuários, mas todos os envolvidos com a mensagem hipertextual,
dos programadores, escritores aos usuários.

Xanadu

Theodore Nelson inventou o termo hipertexto7 para nominar o que ele definia como "escrita
não seqüencial, com elos controlados pelo leitor". Xanadu foi o nome do sonho de Nelson:
uma biblioteca universal com dados de várias naturezas, um dispositivo para publicação de
hipertexto global, um “espaço” para interconexão e interação, para comentários e
anotações. “Xanadu, enquanto horizonte ideal ou absoluto do hipertexto seria uma espécie
de materialização do diálogo incessante e múltiplo que a humanidade mantém consigo
mesma e com o seu passado.” (Lévy, 1993, p. 29)

No entanto este projeto não se realizou pela falta na época de programas de controle de
dados que pudesse dar conta da imensa quantidade e variedade de informação além das
dificuldades de gerenciamento dos dados: digitalização, organização, disponibilidade aos
diferentes usuários, etc. (Lévy, 1993, p. 30)

Entre um e outro

Para Lévy (1993, p. 25) o hipertexto extrapola os limites da comunicação podendo ser
ampliado como “metáfora válida” para todas as esferas da realidade em que significações
estejam em jogo.”

7
Theodore Nelson realizou uma conferência no congresso nacional da Associação de Maquinaria Informática
em 1966, onde apresentou pela primeira vez a palavra hipertexto.
16
O autor determina seis princípios abstratos para caracterizar um modelo do hipertexto: (1)
Princípio da metamorfose; (2) Princípio da heterogeneidade; (3) Princípio de multiplicidade e
de encaixe das escalas; (4) Princípio de exterioridade; (5) Princípio de topologia; (6) Princípio
de mobilidade dos centros.

O hipertexto (Lévy) como signo (Peirce)

Na concepção de hipertexto ampliada de Lévy, percebe-se analogia com o signo peirceiano.


Para Peirce semioses são encadeamentos de signos que se transmutam uns nos outros
infinitamente estruturando o que chamamos de pensamento. No Princípio de (1)
metamorfose de Lévy, a rede hipertextual está em constante construção e renegociação.
Para ambos “Sua extensão, sua composição e seu desenho estão permanentemente em jogo
para os atores envolvidos, sejam eles humanos, palavras, imagens, traços de imagens ou de
contexto, objetos técnicos, componentes destes objetos, etc.” (Lévy, 1993, p. 25)

Na (2) heterogeneidade do hipertexto/signo, qualquer tipo de informação pode ser


encontrado na memória, sons, imagens e palavras e seus desdobramentos, bem como
múltiplas sensações, modelos, hábitos e leis. A partir destes dados podem ocorrer múltiplas
conexões. As conexões podem ser variadas, por exemplo, lógicas ou afetivas. Na cibercultura
convive todo tipo de informação, nos mais diversos interesses e níveis de repertório para
todos os tipos de pessoas.

Na teoria do rizoma, Deleuze e Guattari determinam certos princípios para diferir o múltiplo
do linear. Observam-se certas similaridades com a idéia de hipertexto/Lévy e signo/Peirce
que se associa neste estudo. Os primeiros princípios do rizoma, conexão e heterogeneidade
são exemplo. Num rizoma

[...] cada traço não remete necessariamente a um traço lingüístico: cadeias


semióticas de toda natureza são aí conectadas a modos de codificação muito
diversos, cadeias biológicas, políticas, econômicas, etc. colocando em jogo não
somente regimes de signos diferentes, mas também estatutos de estados de
coisas. (Deleuze & Guattari, 1999, p. 15)

No (3) princípio de multiplicidade e de encaixe das escalas o hipertexto/signo se organiza de


tal modo que

17
[...] qualquer nó ou conexão, quando analisado, pode revelar-se como sendo
composto por toda uma rede, e assim por diante, indefinidamente, ao longo da
escala dos graus de precisão. Em algumas circunstâncias críticas, há efeitos que
podem propagar-se de uma escala a outra: a interpretação de uma vírgula de um
texto (elemento de uma microrede de documentos), caso se trate de um tratado
internacional, pode repercutir na vida de milhões de pessoas (na escala da
macrorrede social). (Lévy, 1993, pp. 25-26)

A rede assim como o repertório, é alimentada pelo que vem de fora, nas suas mais diversas
formas. Neste (4) princípio de exterioridade, Lévy (1993, p. 26) entende que

[...] a rede não possui unidade orgânica, nem motor interno. Seu crescimento e sua
diminuição, sua composição e sua recomposição permanente dependem de um
exterior indeterminado: adição de novos elementos, conexões com outras redes,
excitação de elementos terminais (captadores), etc.

No (5) princípio de topologia o autor considera que tudo funciona por proximidade, por
vizinhança. Não há espaços homogêneos capazes de possibilitar ligações. “Tudo que se
desloca deve utilizar-se da rede hipertextual tal como ela se encontra, ou então será
obrigado a modificá-la. A rede não está no espaço, ela é o espaço.” (Lévy, 1993, p. 26)

Este princípio difere parcialmente do que ocorre com o fluxo de pensamento, entende-se
que é possível que ocorram saltos entre nós independentemente de qualquer determinação
ou hierarquia. Em contrário o hipertexto tecnológico depende da existência da malha que o
define.

O (6) princípio de mobilidade dos centros, entretanto mostra que a rede não tem um centro
definido. Apresenta diversos centros permanentemente móveis “[...] saltando de um nó a
outro, trazendo ao redor de si uma ramificação infinita de pequenas raízes, de rizomas, finas
linhas brancas esboçando por um instante um mapa qualquer com detalhes delicados, e
depois correndo para desenhar mais à frente outras paisagens do sentido. (Lévy, 1993, p. 26)

O fluxo do pensamento/signo também apresenta centros móveis tendo em vista que na


passagem do tempo as semioses sofrem interrupções e retomadas alternando entre um e
outro centro e interesse (conceito de fragmentação).

18
+ para a Hipermídia

Música, sonoplastia, vídeo, imagens fotográficas, imagens digitais, texto verbal escrito e
falado, enfim diversos modos de expressão das linguagens SVV, disponíveis em uma mesma
mídia e abertos a participação interativa.

Dito desta forma parece que a hipermídia é apenas mais uma possibilidade técnica de
apresentar conteúdos diversos, replicação de linguagens conhecidas, porém é bem mais do
que isto, é uma linguagem híbrida nova, de inter-relação das linguagens sonora, visual e
verbal, mas que está apenas se movimentando através dos seus primeiros passos.

Como já é esperado, pois já se viu este tipo de acontecimento antes, esta nova linguagem
questiona o modelo vigente alterando-o para um novo modo de perceber e pensar o
mundo. No mesmo momento em que o modifica, sofre também as mudanças por ele
exigidas.

Se se introduz uma tecnologia numa cultura, venha ela de fora, ou de dentro, isto
é, seja ela adotada, ou inventada pela própria cultura, e se essa tecnologia der
novo acento ou ascendência a um ou outro de nossos sentidos, altera-se a relação
mútua entre todos eles. Não mais nos sentimos os mesmos, nem nossa vista e
ouvido e demais sentidos permanecem os mesmos. (McLuhan, 1977, pp. 48-49)

Estas transformações avançam dialogicamente num vai e vem constante e infinito. Neste
sentido a hipermídia é uma mensagem híbrida, aberta, múltipla, multidirecional e não
hierárquica. Entretanto, mesmo já sendo um fato, um existente, uma tecnologia, ainda o que
se vê é próximo de uma reprodução de outras linguagens existentes e já estabelecidas
culturalmente como já foi dito, por exemplo, o livro, o cinema e a TV.

+ definições

Muitos autores se dedicaram ao estudo da hipermídia tendo em vista a importância que este
novo meio trouxe para a transmissão e recepção de informações. Surgiram, portanto vários
modos de definir o que é hipermídia, entretanto com muita semelhança entre eles.

Para Júlio Plaza (1990, p. 22):

A hipermídia, pois, é uma forma combinatória e interativa da multimídia, onde o


processo de leitura é designado pela metáfora de “navegação” dentro de um mar
19
de textos polifônicos que se justapõem, tangenciam e dialogam entre si. Abertura,
complexidade, imprevisibilidade e multiplicidade são alguns dos aspectos
relacionados à hipermídia. A partir do momento em que o usuário pode interagir
com o texto de forma subjetiva, existe a possibilidade de formar sua própria teia de
associações, atingindo a construção do pensamento interdisciplinar.

Arlindo Machado (1997, p. 252) define hipermídia desta forma:

Com base na arquitetura não-linear das memórias de computador, pode-se hoje


conceber obras em que textos, sons e imagens estariam ligados entre si por elos
probabilísticos e móveis, podendo ser configurados pelos receptores de diferentes
maneiras, de modo a compor possibilidades instáveis em quantidades infinitas.

Gosciola (2003) desenvolveu estudos sobre roteiros para as novas mídias, onde avaliou
vários aspectos desta linguagem e concluiu hipermídia como sendo:

[...] o conjunto de meios que permite acesso simultâneo a textos, imagens e sons
de modo interativo e não-linear, possibilitando fazer links entre elementos de
mídia, controlar a própria navegação e, até, extrair textos, imagens e sons cuja
seqüência constituirá uma versão pessoal desenvolvida pelo usuário.

E ainda esclarece, “a hipermídia [...] está mais para um produto com um nível de
navegabilidade, de interatividade e de volume de documentos maior do que a multimídia e
com mais intensidade em conteúdos audiovisuais do que o hipertexto.” (p. 34)

Para Gosciola o conceito de linguagem hipermídia agrega um conjunto de linguagens como a


sonora e a visual, mais especificamente a fotográfica, a audiovisual e a própria
cinematográfica.

Em uma abordagem semiótica Santaella observa a hipermídia como “brotando da


convergência fenomenológica de todas as linguagens” e ainda:

[...] significa uma síntese inaudita das matrizes da linguagem e pensamento sonoro,
visual e verbal com todos os seus desdobramentos e misturas possíveis. Nela estão
germinando formas de pensamento heterogêneas, mas ao mesmo tempo,
semioticamente convergentes e não-lineares, cujas implicações mentais e
existenciais, tanto para o indivíduo quanto para a sociedade, estamos apenas
começando a apalpar. (Santaella L. , 2001, p. 392)

Santaella (2004, p. 46) ao tratar da linguagem hipermidiática encontra traços característicos


e gerais que determinam essa linguagem independente do conteúdo ou da aplicação dessa
hipermídia.

20
“O primeiro traço encontra-se na hibridização de linguagens, processos sígnicos, códigos e
mídias que a hipermídia aciona e, conseqüentemente, na mistura de sentidos receptores, na
sensorialidade global, sinestesia reverberante que ela é capaz de produzir, na medida
mesma em que o receptor ou leitor imersivo interage com ela, cooperando em sua
realização.” (Santaella L. , 2004, p. 48)

O segundo traço está na sua capacidade de armazenar informação e, por meio da interação
do receptor, transmutar-se em incontáveis versões virtuais que vão brotando na medida
mesma em que o receptor se coloca em posição de co-autor. Isso só é possível devido a
estrutura de caráter hiper, não seqüencial, multidimensional que dá suporte às infinitas
opções de um leitor imersivo. (Santaella L. , 2004, pp. 48-49)

O terceiro traço se trata do cartograma navegacional. (Santaella L. , 2004, p. 52) Trata-se das
estruturas desenvolvidas para que o usuário não se desoriente na sua navegação/leitura.
São roteiros, sistemas de busca, filtros e outros dispositivos de controle existentes na rede.

O quarto traço definidor é que a hipermídia é uma linguagem eminentemente interativa.

O leitor não pode usá-la de modo reativo ou passivo. Ao final de cada página ou tela, é
preciso escolher para onde seguir. É o usuário que determina qual informação deve ser vista,
em que seqüência ela deve ser vista e por quanto tempo. Quanto maior a interatividade,
mais profunda será a experiência de imersão do leitor, imersão que se expressa na sua
concentração, atenção, compreensão da informação e na sua interação instantânea e
contínua com a volatilidade dos estímulos. (Santaella L. , 2004, p. 52)

Muitos teóricos da hipermídia têm enfatizando principalmente as qualidades existentes nos


dispositivos tecnológicos, que não eliminam, mas empalidecem a presença da recepção.
Muitas vezes o sentimento é que a novidade é a máquina e que o usuário já está pronto para
essa nova condição. Percebe-se uma contradição. Fala-se muito em mudança de
pensamento, mas destaca-se a evolução da máquina.

Santaella ao contrário, salienta nestes traços que caracterizam a linguagem que existe uma
inter-relação equilibrada entre a leitura e a hipermídia. Destaca não somente as capacidades
hipermidiáticas, mas também as capacidades sensoriais e sinestésicas do receptor que só
estará em conjunção com a hipermídia através da interação. Esta inter-relação só faz sentido
21
no momento em que deixarem de ser coisas separadas para formarem um todo. A
hipermídia não é limitada somente as condições da máquina, mas sim se realiza quando
forma, com o leitor interativo, uma unidade.

A multiplicidade de formas de exibição para os dados, só se destaca em relação aos modos


anteriores de produção e recepção de mensagens, quando permite uma identificação
estrutural entre os modos de leitura e interação com a hipermídia e o modo como ocorre o
fluxo do pensamento. Entende-se que é esta aproximação estrutural que representa o
grande salto na história da comunicação.

Para complementar, Arlindo Machado8 nos informa:

Se entendermos a consciência e a imaginação como processos de associação


contínua e de reestruturação de imagens e conceitos selecionados pela memória,
não é difícil perceber que a hipermídia resulta uma representação mais adequada
dessa mesma consciência ou dessa mesma imaginação do que os códigos
seqüenciais restritivos das escrituras lineares. (Domingues, 1997, p. 147)

Com intuito de mostrar o que é, através de analogias ou metáforas, Arlindo Machado


considera o labirinto como sendo a melhor metáfora para a hipermídia. Entende o labirinto
como um desafio, um espaço a ser percorrido sem a possibilidade de indicações ou mapas
de auxílio, mas que deve ser realizado por completo. Espaço este que instiga a astúcia do
navegante que deve buscar com inteligência recursos para não cair nas artimanhas do
labirinto.

A idéia de labirinto traz à consciência, a importância do navegador que deve ter habilidades
e inteligência para fazer o percurso. É importante ressaltar a fundamental importância do
usuário para que se efetive a idéia de hipermídia.

De certo modo o único que age é o usuário, a tecnologia somente disponibiliza. Todo
potencial tecnológico é pré-determinado. A memória, a velocidade de acesso, o
processamento, as tarefas, os programas, o hipertexto/hipermídia, enfim todo este
complexo se apresenta para o usuário estático, guardando em si um potencial dinâmico.
Entretanto este potencial só poderá sair deste estado através do interesse do usuário. São as

8
MACHADO, Arlindo. “Hipermídia: O Labirinto como Metáfora”. In: DOMINGUES, Diana (org.) A Arte no Século
XXI – A Humanização das Tecnologias. São Paulo: Editora UNESP, 1997, p.147.
22
conexões qualitativas entre o potencial semiótico do homem e o da máquina que
possibilitarão o sucesso efetivo da linguagem hipermídia. Concordando com Couchot9

A obra interativa só tem existência e sentido na medida em que o espectador


interage com ela. Sem esta interação, da qual é totalmente dependente, ela estaria
simplesmente reduzida a um gesto elementar, a obra permanece uma
potencialidade – computacional, pois é feita de cálculos – não perceptível. A obra
não é mais fruto somente da autoridade do artista, mas se produz no decorrer de
um diálogo, quase instantâneo – “em tempo real” – com o espectador.

Interface

De modo geral entende-se que interface é algo que permite a comunicação entre dois
sistemas diferentes, como por exemplo, um painel de comandos onde o operador determina
o funcionamento de um equipamento. Cada um com um código diferente. A interface acaba
funcionando como tradutora, um dispositivo com duas frentes uma para o operador e outra
para a máquina recebendo dados nos dois sentidos, decodificando as mensagens e
redirecionando para cada destino. A noção de interface remete a operações de tradução, de
estabelecimento de contato entre meios heterogêneos. (Lévy, 1993, p. 176)

Mais especificamente na comunicação entre humano e o computador, o espaço de ligação


entre um e outro se desenvolveu com o objetivo de por um lado ser mais “amigável” e por
outro cada vez realizar tarefas mais complexas. A parte de fora, voltada para um usuário
comum tornou-se visual. A época do controle da máquina através de códigos/palavras em
língua inglesa que exigiam um conhecimento prévio para operar, deu lugar para interfaces
gráficas ancoradas em idéias metafóricas, ou seja, signos visuais que indicam como interagir.

Johnson, teórico da interface, considera que metáforas visuais têm uma função cognitiva
importante e cada vez mais indispensável. “Ajudam-nos a imaginar nossa informação, a
concebê-la toda uma visão abrangente, numa paisagem bem ordenada de dados que rolam
por nossas telas.” (Johnson, 2001, p. 110)

A outra parte, a de dentro, a caixa preta tornou-se cada vez mais invisível e sofisticada,
ganhou em complexidade e é programada para realizar tarefas previsíveis culturalmente.

9
COUCHOT, Edmond. “A Arte pode ainda ser um relógio que adianta? O autor, a obra e o receptor na hora do
tempo real”. In: DOMINGUES, Diana (org.) A Arte no Século XXI – A Humanização das Tecnologias. São Paulo:
Editora UNESP, 1997, p.135.
23
Muitas ferramentas/programas são desenvolvidas para simular procedimentos de outras
mídias. O que se assiste é uma máquina capaz de realizar uma grande variedade de tarefas
com textos verbais, imagens e sons.

+ Interface

A grande revolução dentro de uma já revolucionária invenção que foi o computador foi o
momento quando a interação entre humano e computador deixou de ser através de
digitação de códigos. Havia a necessidade de transformar esta relação difícil e que exigia um
conhecimento técnico, em modos mais acessíveis a um usuário comum. As diferenças entre
o pensar humano e o processar da máquina necessitavam de modos mais ágeis de interação,
como aponta Johnson (2001, p. 17):

Os seres humanos pensam através de palavras, conceitos, imagens, sons,


associações. Um computador que nada faça além de manipular seqüências de
zeros e uns não passa de uma máquina de somar excepcionalmente ineficiente.
Para que a mágica da revolução digital ocorra, um computador deve também
representar-se a si mesmo ao usuário, numa linguagem que este compreenda.

Deste conflito entre humano e computador, do choque entre estas partes, surge a interface
gráfica. O principal acontecimento que foi determinante para a cultura da interface se deve
ao lançamento em 1984 do computador Macintosh da Apple cuja proposta apresentava uma
interface gráfica organizada numa metáfora visual: a do desktop. Junto com esta idéia
surgiram também outros elementos como menus, ícones, pastas e lixeiras, que apesar de
todo avanço tecnológico nestes mais de vinte anos, permanecem absolutos nas interfaces
atuais.

Manovich (2001, p. 63) aponta aspectos importantes sobre o nascimento da interface


gráfica: surge já contaminada pelos valores modernistas de claridade e funcionalidade.

In contrast to the dark, decayed, “post-modern” vision of Blade Runner, the


Graphical User Interface (GUI), popularized by Macintosh, remained true to the
modernist values of clarity and functionality. The user’s screen was ruled by strait
lines and rectangular windows which contained smaller rectangles of individual
files arranged in a grid. The computer communicated with the user via rectangular
boxes containing clean black type rendered again white background. Subsequent
versions of GUI added colors and made possible for users to customize the
appearance of many interface elements, thus somewhat deluding the sterility and
boldness of the original monochrome 1984 version. Yet its original aesthetic
24
survived in the displays of hand-held communicators such as Palm Pilot, cellular
telephones, car navigation systems and other consumer electronic products which
use small LCD displays comparable in quality to 1984 Macintosh screen.

O aspecto funcional presente desde a primeira interface gráfica acabou determinando um


caminho padronizado e predominante nas interfaces desde então. A estética da Apple
permanece ativa e influenciando, não só as interfaces de computador, mas todas as áreas
envolvidas com as tecnologias digitais atuais. A influência foi absorvida mais profundamente
na indústria de hardware e software que dirigem a sua produção em torno da estética de
uma funcionalidade cega.

Observa-se, na área do design visual e web design, atualmente um entendimento


equivocado do que significa funcionalidade. Escolas e profissionais estão desenvolvendo
projetos e currículos cada vez mais padronizados e dependentes da ditadura da indústria
digital. Longe de poderem disputar com a indústria, tornam-se escravos das novidades que
surgem cada vez mais rápidas no mercado. Desta forma perde-se muito tempo assimilando
estas novidades sem conseguir desenvolver capacidades críticas sobre estas tecnologias.
Mais claramente se quer dizer que computadores e programas são mais eficientes que os
usuários, e antes que este possa argumentar, novas versões se sobrepõem sombreando
possíveis investidas criativas e individualizadas. Por outro lado, os produtores de programas
continuam determinando os padrões que deverão ser usados.

+(

Tendo em vista que o uso do computador passa obrigatoriamente pelo uso da interface do
sistema operacional pode-se dizer em primeira instância, que toda a ação do usuário está
condicionada aos métodos implícitos na interface. A interação neste caso ocorre a partir de
uma proposta pré-estabelecida pelos produtores do sistema. A navegação fica limitada a
uma seqüência de tarefas que devem ser realizadas conforme a proposta injetada pelo
fabricante.

O sistema operacional é um dispositivo de tradução que permite comunicação entre


humano e máquina. Sem este recurso não há como um usuário comum utilizar a
potencialidade da máquina. Portanto o sistema operacional é uma necessidade, algo
25
indispensável e desta maneira algo que não se permite questionamentos. Do contrário seria
necessário que o usuário tivesse um conhecimento profundo sobre o funcionamento da
máquina.

Os sistemas operacionais mais conhecidos são: o utilizado pela Apple, o Mac 10; na
plataforma PC o mais utilizado é o sistema Windows da Microsoft e o sistema LINUX
utilizado por um pequeno grupo de usuários. Estes sistemas, em relação ao usuário,
apresentam mais semelhanças do que diferenças. Em geral todos permitem personalizações
superficiais como, por exemplo, escolha de cores e imagens para área de trabalho. Todos
permitem configurações para adequar as qualidades do computador às do sistema.
Entretanto do ponto de vista estrutural de organização e acesso dos arquivos, funcionam
todos do mesmo modo.

Outra questão relevante são as interfaces dos aplicativos que rodam em cima das interfaces
dos sistemas operacionais. Editores de textos, planilhas de cálculos, editores de imagens,
animação 2D e 3D, programas para desenvolver sites, etc., são aplicativos que apresentam
interfaces particulares projetadas para executar tarefas específicas. Os aplicativos são
estruturados a partir do mesmo modelo estabelecido pelos sistemas operacionais: ao
usuário é permitido arranjos personalizados dentro de propostas fixas que o programa
oferece. A variedade de recursos disponíveis multiplicado pelo número de arranjos possíveis
torna estes aplicativos imensamente extensos impossibilitando que apenas um usuário
esgote todas as combinações de uso. Esta imensidão somada ao vislumbre pelo aparato leva
o usuário a não perceber o quanto suas produções/interações são pré-estabelecidas pela
programação da máquina, do sistema operacional e do aplicativo e, todos estes programas
por sua vez, pré-programados por outros interesses. E ainda, em termos de interface, a
predisposição dos padrões funcionalistas estabelecidos desde o lançamento da Apple.

Sobre este assunto Flusser (1998) pensou a Filosofia da Caixa Preta onde argumenta que as
máquinas são aparatos tecnológicos dotados de conceitos científicos que determinam o
modo de operação e funcionamento e também os resultados produzidos, ou seja, as
máquinas são criadas para responderem a certas ações executando tarefas previstas por
seus autores.

26
Utilizando a máquina fotográfica como exemplo, Flusser demonstra o quanto sistemas
complexos como este guardam informações/segredos desconhecidos do usuário, a quem ele
chama de funcionário. Destaca que:

Se o aparelho fotográfico não fosse uma caixa preta, de nada serviria ao jogo do
fotógrafo: seria um jogo infantil, monótono. O negrume da caixa é o seu desafio,
porque, embora o fotógrafo se perca na barriga negra, consegue, curiosamente,
dominá-la. O aparelho funciona, efectiva e curiosamente, em função da intenção
do fotógrafo. Isto porque o fotógrafo domina o input e o output da caixa: sabe com
que ‘alimentá-la’ e como fazer para que ela cuspa fotografias. Domina o aparelho
sem, no entanto, saber o que se passa no interior da caixa. (pp. 44-45)

E mais, considera que “Pelo domínio do input e do output, o fotógrafo domina o aparelho,
mas pela ignorância dos processos no interior da caixa, é por ele dominado.” (1998, p. 45)

Sobre estas mesmas questões Machado (2007, pp. 11-12) afirma que:

Neles [aplicativos], a parte ‘computável’ dos elementos constitutivos de


determinado sistema simbólico, bem como as suas regras de articulação e os seus
modos de enunciação, é inventariada, sistematizada e simplificada para ser
colocada à disposição de um usuário genérico, preferencialmente leigo e
‘descartável’, de modo a permitir a produtividade em larga escala e atender a uma
demanda de tipo industrial.

!!!

...

aspecto importante diz respeito às interfaces dos browsers. Estes programas que permitem
a busca e o acesso das informações ao mesmo tempo organizam e filtram estes dados a seu
modo. Manovich (2001, p. 64) observa que em termos semióticos, a interface do
computador age como um código que carrega mensagens culturais de uma variedade de
mídias. Todas estas informações passam obrigatoriamente pela interface do browser e, por
conseguinte pela interface do sistema operacional. E então alerta que um código afeta a
mensagem ao transmiti-la, enfatizando também o seu próprio modelo de mundo, seu
próprio sistema lógico, ou ideologia. Desta forma todas as mensagens criadas a partir deste
código seriam condicionadas por este modelo, sistema ou ideologia. Manovich chama esta
idéia de “não transparência do código”.

27
Desta forma, a interface determina o modo como o usuário irá pensar o seu próprio
computador bem como o modo que irá pensar qualquer outra informação de qualquer outra
mídia acessada. Ou seja, a interface ao invés de permitir um acesso transparente, traz com
ela enormes mensagens dela própria.

))

Entretanto

O uso cego das interfaces prontas impossibilita justamente um avanço sobre os aspectos
mais fundamentais das novas mídias: a liberdade de ação e a inter-relação livre entre as
linguagens. Do contrário as novas mídias não passam de releituras das mídias anteriores. Em
concordância com Beiguelman (2003, p. 21): “A riqueza da criação cultural contemporânea,
no entanto, reside em sua capacidade de se realizar nas (e a partir das) intersecções entre as
linguagens. A complexidade dos projetos criativos demanda cada vez mais a diversidade de
interfaces [...]”

Outras interfaces

Como pensa Lévy (1993, p. 179), todas as técnicas e tecnologias intelectuais podem ser
analisadas em redes de interfaces. A interface livro, por exemplo, contém a escrita que é a
interface visual da língua ou pensamento, que se segue a do alfabeto fonético, o tipo da
escrita, o material utilizado e assim por diante. Uma espécie de encadeamento de interfaces
culturais.

Manovich (2001) ao tratar “the language of new media”, determina que esta linguagem se
estrutura sobre elementos de outras formas culturais já estabelecidas. A linguagem do
cinema, a da palavra impressa e a da HCI (human-computer interface) formam uma
linguagem híbrida que o autor chama de interfaces culturais (cultural interfaces).

Para esclarecer, HCI é um conjunto de dispositivos físicos de entrada e saída de dados: um


monitor, um teclado e um mouse, com programas que consistem de uma metáfora visual e
de uma gramática de ações significantes que o usuário pode executar.

Manovich mostra que HCI apesar de ter uma história bastante recente em comparação com
o cinema ou a imprensa, foi gradativamente sendo desenvolvida desde o início da década de
28
50, sendo que só se tornou uma convenção para operar um computador no início da década
de 80 principalmente com o lançamento da interface gráfica. Na década de 90, entretanto,
sofreu novas transformações a partir da popularização da internet. O computador deixou de
ser apenas uma ferramenta para se tornar também uma máquina de media universal
podendo ser usada não somente para produção de conteúdo cultural, mas também para
armazenar, distribuir e acessar todas as mídias. (2001, p. 69)

Ainda para Manovich (2001, p. 73) a imprensa e o cinema podem ser pensados como
interfaces. Cada uma tem sua própria gramática de ações, suas próprias metáforas, e
interfaces físicas particulares. O livro é um objeto sólido composto de páginas organizadas
em seqüências lineares, no caso do cinema, sua interface física apresenta um arranjo
arquitetônico particular, e como metáfora, a janela aberta para um espaço virtual 3D.
Cinema e imprensa juntam-se a HCI para formarem uma nova linguagem. Desprendem-se de
suas interfaces físicas para associar-se a um novo conceito onde se tornam realmente
interfaces.

(in)[com]clusão...

Entende-se, portanto, que os problemas que envolvem a interface são os seguintes:

.Observa-se que muitos teóricos das novas mídias têm analisado a interface apenas como
um meio de facilitar o acesso a informações;

.Produtores e usuários não percebem que a mensagem está colada a interface, e que esta
interfere na leitura;

.Usuários de aplicativos ou navegadores da internet ficam tão envolvidos/vislumbrados pela


tecnologia e a velocidade de atualização dela, que não percebem a mensagem;

.Esta falta de consciência impede que se desenvolva uma crítica;

.Sem crítica ocorre uma padronização das interfaces/metáforas dos sistemas operacionais,
dos aplicativos e dos browsers.

.Sem crítica = sem alternativas, sem alternativas o usuário não percebe as padronizações.

+
29
.As interfaces atuais são interfaces culturais no sentido de Manovich, linguagens híbridas
que envolvem cinema, palavra impressa e HCI;

.Isto implica que a linguagem hipermidiática ainda não se desenvolveu de acordo com a sua
potencialidade, ou seja, ainda não se desenvolveu uma escrita hipermidiática.

Interatividade

A interatividade não é privilégio das novas mídias, e nem tampouco uma exclusividade dos
dias de hoje. A vida no mundo é um processo de interação constante. A existência humana
se estabelece nas interações realizadas entre seus membros e a natureza. Estas interações
se estabeleceram conforme o contexto de cada momento. Por exemplo, por um longo
período da história as interações entre indivíduos eram diretas, presenciais, frente a frente.

Com o desenvolvimento das máquinas na era industrial, surgiram novos interesses e, por
conseguinte novos modos de comunicação e interação social. Os contatos passam a ser
mediados por máquinas e essa novidade traz em si mudanças complexas de pensamento. As
relações espaço-temporais são reestruturadas e a interação deixa de ser realizada apenas
por contato direto.

Situação mais complexa ocorre com as Novas Tecnologias digitais onde as noções físicas do
espaço e do tempo são deixadas de lado e a interação humana ocorre independente dessas
situações. Com estes novos conceitos de comunicação a interatividade tornou-se
obrigatória, não há como pensar em passividade por parte do usuário nos dias de hoje. Até
mesmo as mídias tradicionais sofreram transformações neste novo paradigma.

Ocorrem dois modos distintos quando se trata de abordar a questão da interatividade. Por
um lado os estudiosos tratam do tema observando a linha do tempo dos acontecimentos
históricos observando as convergências e divergências entre esses períodos (diacrônico). Por
outro lado os pesquisadores têm entendido que a interatividade que interessa neste

30
momento é a interatividade digital, ou seja, aquela possibilitada pelas tecnologias digitais
(sincrônico).

Interatividade diacrônica

A interatividade está longe de ser apenas uma questão técnica e funcional, ela é um agente
transformador que implica física, psicológica e sensivelmente o espectador. (Manovich,
2001, p. 20)

Arlindo Machado (1997) observa que a discussão sobre a interatividade não é recente e cita
momentos onde essa preocupação já existia. “Já em 1932, Bertold Brecht (1967, pp. 81-92)
falava em interatividade ao se referir ao processo de inserção democrática dos meios de
comunicação numa sociedade plural, com participação direta dos cidadãos...”. “Nos anos 70,
Enzensberger (1979, p. 25) pensou a interatividade como um mecanismo de troca
permanente de papéis entre emissores e receptores e supôs que, um dia, o modo de
funcionamento dos meios de comunicação poderia deixar de ser um processo
unidirecional...”. Ainda nos anos 70, “Raymond Willians (1979, p.139) dizia que a maioria das
tecnologias vendidas e difundidas como ‘interativas’ eram na verdade simplesmente
‘reativas’, pois diante delas o usuário não fazia senão escolher uma alternativa dentro de um
leque de opções definido.”

Trabalho interessante neste sentido foi realizado por Júlio Plaza (1990, p. 1) no texto
intitulado “Arte e Interatividade: autor-obra-receptor”. Neste trabalho Plaza analisa teorias
existentes procurando identificar como ocorrem as relações entre autor-obra-receptor e a
arte interativa. O olhar aqui se diferencia por apresentar uma panorâmica teórica sobre a
perspectiva da recepção participativa e a obra de arte. Para o autor essa relação de abertura
está relacionada necessariamente às três fases produtivas da arte: a obra artesanal,
industrial e eletro-eletrônica, classificadas como imagens de primeira, segunda e terceira
geração respectivamente e que cada uma delas determina um tipo de abertura a recepção.

Determina, portanto três graus de abertura. A abertura de primeiro grau está para a idéia de
Obra Aberta. Identifica neste primeiro grau, à polissemia, à ambigüidade, à multiplicidade de
leituras e à riqueza de sentido. A abertura de segundo grau da obra se identifica com a arte
31
de participação, onde processos de manipulação e interação física com a obra acrescentam
atos de liberdade sobre a mesma. A abertura de terceiro grau está relacionada com a
Interatividade tecnológica, também chamada de interatividade digital e identifica-se pela
relação homem-máquina.

Ainda Plaza percebendo as diferenças entre as formas de recepção classifica em três tipos de
participação: participação passiva, obras que exigem contemplação, percepção, imaginação,
evocação, etc.; participação ativa trata-se daquelas que exigem exploração, manipulação do
objeto artístico, intervenção, modificação da obra pelo espectador; participação perceptiva
(arte cinética) e interatividade, como relação recíproca entre o usuário e um sistema
inteligente. (1990, p. 10)

A abertura de primeiro grau, identificada pela idéia da Obra Aberta (Eco, 2001)10, o receptor
é imerso na multiplicidade de leituras e abertura de significados que podem ser
decifrados/entendidos conforme, no confronto entre a mensagem estética e o repertório do
espectador, o teor de informação da obra vai surgindo a mente.

Neste contexto, várias teorias foram desenvolvidas. A abertura dialógica de Mikhail Bakhtin
propõe que as obras sejam polifônicas, e possam ser continuadas e relacionadas com
diversos textos no ato da leitura. Julia Kristeva conceitua “intertextualidade” de maneira
mais específica, com a inserção de um texto em outro, formando um “mosaico”,
diferenciando seu conceito do de Bakhtin pela especificidade contextual. Para Júlio Plaza,
“[...] o conceito bakhtiniano de ‘intertextualidade’ prenuncia avant la lettre o conceito de
‘hipertexto’” (1990, p. 10). Contudo, acredito que há diferenças relevantes entre os
conceitos: enquanto para Bakhtin o mais importante é a multiplicidade de vozes, gerando
textos “dialógicos”, em contraste aos “monológicos”, onde a voz autoritária do autor limita
as possibilidades interpretativas, para Kristeva o conceito de “intertextualidade” se refere às
possibilidades de abertura que um texto sofre ao ser inserido em outro contexto. (Salgado,
2003)

10 A Teoria da Obra Aberta (Eco, 1962), A Arte no Horizonte do Provável de Haroldo de Campos (1963)

32
A teoria da Obra Aberta de Umberto Eco (2001)do início dos anos 60 trata da abertura da
obra de arte a múltiplas fruições. O autor entende que apesar do artista produzir obras
acabadas, no momento em que esta se apresenta a recepção:

[...] no ato da reação à teia dos estímulos e de compreensão de suas relações, cada
fruidor traz uma situação existencial concreta, uma sensibilidade particularmente
condicionada, uma determinada cultura, gostos, tendências, preconceitos pessoais,
de modo que a compreensão da forma originária se verifica segundo uma
determinada perspectiva individual. (2001, p. 40)

O intérprete é estimulado a buscar respostas profundas no seu repertório pessoal.

Neste sentido a obra de arte é ao mesmo tempo acabada/fechada e aberta. Considerada


perfeitamente concluída pelo autor, mas aberta a múltiplas interpretações sem, entretanto
perder a sua singularidade.

Haroldo de Campos (1963) no campo da poesia, também teorizou sobre a abertura da obra
de arte11 destacando as obras de Mallarmé, Joyce, Pound e Cummings como os eixos
radicais que determinavam de modo mais amplo a obra de arte aberta, como se pode
constatar nos trechos extraídos do artigo citado.

A concepção de estrutura pluridividida ou capilarizada que caracteriza o poema-


constelação mallarmeano [...]

Donde o poder dizer-se do Finnegans que retém a propriedade do círculo, da


eqüidistância de todos os pontos em relação ao centro: a obra é porosa à leitura,
por qualquer das partes através das quais se procure assediá-la.

Para cummings a palavra é físsil. [...] interessado na palavra a partir do próprio


fonema, orienta-se para uma forma poética aberta, [...]

Estrutura aberta oferecem também os Cantos de Ezra Pound, em particular os


‘Pisanos’, que organizados pelo método ideogrâmico, permitem uma perpétua
interação de blocos de idéias que se criticam reciprocamente, [...]

Os poetas concretos brasileiros estavam completamente envolvidos nesta concepção de


obra aberta, como se pode observar nos textos críticos e manifestos escritos nos anos 50 e
60. A palavra como imenso potencial de possibilidades.

11 Publicado originalmente no Diário de São Paulo em 3 de julho de 1955, in Teoria da poesia concreta. São Paulo: Brasiliense, 1987. pp. 36
a 39.
33
Arlindo Machado (1997) informa que “Todo o texto, mesmo o texto linear e seqüencial, é
sempre a atualização (necessariamente provisória) de uma infinidade de escolhas, num
repertório de alternativas que, mesmo eliminadas na apresentação final, continuam a
perturbar dialogicamente a forma oferecida como definitiva” (p. 253).

A abertura de segundo grau, a relação do receptor é com o ambiente artístico. “[…] é o


corpo do espectador e não somente seu olhar que se inscreve na obra”. (Plaza, 1990, p. 14)

A Arte Participativa iniciada nos anos 60 destaca-se por transgredir o espaço da arte
permitindo que o espectador participe com o próprio corpo. Ambientes artísticos acrescidos
da participação do espectador contribuem para o desaparecimento e desmaterialização da
obra de arte substituída pela situação perceptiva: a percepção como re-criação. Sobre o
assunto Popper12 comenta que “o essencial não é mais o objeto em si, mas a confrontação
dramática do espectador a uma situação perceptiva”. Nesta concepção, o artista provoca o
receptor a participar dos processos de manipulação e interagir fisicamente com a obra.
Machado (1997, p. 252), destaca trabalhos artísticos neste contexto:

Os móbiles de Calder, os espetáculos coletivos do Living Theatre, os happenings do


grupo Fluxus, as instalações e os ambientes imaginados por artistas como Donald
Judd, Richard Serra ou Robert Morris, os poemas desmontáveis de Raymond
Queneau, os bichos de Lígia Clark, os parangolés de Hélio Oiticica são apenas
alguns exemplos, dentre milhares de outros, de obras que pressupõem a
intervenção ativa do leitor/espectador para a plena realização, que solicitam da
audiência resposta autônoma e não prevista, abolindo, pelo menos nas
experiências mais radicais, as fronteiras entre autor e fruidor, palco e platéia,
produtor e consumidor.

No Brasil, Hélio Oiticica se destaca como pioneiro. No Projeto Cães de Caça (1961), o
primeiro de seus Penetráveis, o artista oferece ao espectador um labirinto “onde o caráter
coletivo – tanto da obra enquanto proposição quanto como produto – é afirmado, não se
completando a obra senão através de outros artistas e espectadores, transformados a partir
daí em participantes”. (Justino, 1998, p. 29)

Nos Penetráveis o participante é levado a realizar experiências multisensoriais através de


contato direto com o espaço. “Da vivência da cor, passando pela cor-luz e pela cor-temporal,

12 POPPER, F. Art, action et participation. Klincksieck, 1980, p. 13 Citado por Edmond Couchot (Domingues, 1997: p. 137)

34
experimentando através do contato físico com as placas soltas e móveis no espaço, o
participante caminha sobre a areia, sente pigmentos, entrelaça linguagens, busca o
escondido e propõe alternativas, isto é, inventa” (Justino, 1998, p. 32)

A abertura de terceiro grau, a fase eletro-eletrônica, da Interatividade tecnológica, “coloca a


intervenção da máquina como novo e decisivo agente de instauração estética” (Plaza, 1990,
p. 9), sendo que “a interatividade como relação recíproca entre usuários e interfaces
computacionais inteligentes, suscitada pelo artista, permite uma comunicação criadora
fundada nos princípios da sinergia, colaboração construtiva, crítica e inovadora”. (Plaza,
1990, p. 17)

Desta forma percebe-se que muito do entusiasmo atual em relação à participação do


usuário, se deve as diferenças impostas pelos novos processos de produção que possibilitam
e exigem outro modo de comportamento de recepção. Ou seja, a intensidade desta
novidade reside na diferença entre a participação ativa, reflexo do tipo de produção de um
período anterior, para participação interativa do período atual. É importante lembrar que
estes processos de produção e recepção não são isolados nem excludentes, o que significa
encontrar normalmente nos dias de hoje obras que podem exigir da recepção participações
tanto passivas, como ativas, como interativas, como também participações híbridas.

Interatividade sincrônica (abertura de terceiro grau)

A interatividade nas novas mídias é mais um assunto que tem sido tratado à exaustão pelos
pesquisadores. Encontra-se grande quantidade de informação redundante e pouco
proveitosa para a prática da produção de hipermídia. Uma das críticas diz respeito a
banalização do termo que tem sido utilizado das mais diversas maneiras e para os mais
diversos fins. Observa-se rapidamente que o termo tornou-se moda e sinônimo de
atualidade tecnológica. Muitos sites utilizam o termo em suas páginas sem mesmo
apresentar qualquer qualidade nessa direção. Para a grande maioria dos webdesigners e
usuários, a existência de qualquer dispositivo que conecte um texto a outro, já é aceito

35
como interativo. A presença de botões, imagens ou palavras “clicáveis”, já é entendido como
se tratando de um ambiente interativo.

O uso indiscriminado do termo tem causado um enfraquecimento no seu significado


tornando-o raso e de entendimento superficial para a maioria dos usuários. Para Machado
(1997, p. 250) “um termo tão elástico corre o risco de abarcar tamanha gama de fenômenos
a ponto de não poder exprimir coisa alguma.”

Entretanto, como é de conhecimento, os recursos tecnológicos atuais oferecem muito mais


possibilidades para que a comunicação homem-máquina ou homem-homem seja mais
interativa possibilitando melhor aproveitamento no seu uso. Entende-se que o usuário
através da interação, pode ampliar criativamente sua atuação como agente da comunicação,
livre das situações pré-estabelecidas embaladas numa espécie de falsa interatividade onde o
usuário é levado a pensar que realizou uma determinada escolha.

++

Outro aspecto importante a se entender é que todos os componentes da dinâmica da


existência são interativos. Não há nenhuma situação onde se possa encontrar o vazio da não
interatividade. Estar vivo é estar em interação com alguma coisa seja interna ou externa. A
existência é um processo de interação entre os homens, entre os diversos elementos da
natureza e entre os homens e a natureza. Das mídias tradicionais como a TV e o cinema, até
as redes como a internet passando pelos jogos eletrônicos, todos carregam certa
interatividade. Diferem, entretanto, na forma como ocorrem.

André Lemos (1997, p. 1) distingue dois tipos de interatividade: interação social e interação
técnica, para diferenciar comunicação entre pessoas e com a máquina respectivamente, e
destaca que estes dois tipos convivem normalmente, ou seja, um não exclui o outro.

Por exemplo, na experiência diária observam-se diversas formas de interação ao mesmo


tempo técnica e social. Esta interação misturada é uma atividade tecno-social presente em
todas as etapas da civilização.

36
Lemos sugere uma subdivisão da interação técnica: o analógico-mecânico e o eletrônico-
digital.

[...] além da interatividade técnica de tipo ‘analógico-mecânica’ e da interação


social, podemos dizer que os novos media digitais vão proporcionar uma nova
‘qualidade’ de interação, ou o que chamamos hoje de ‘interatividade’: uma
interação técnica de tipo ‘eletrônico-digital’, correspondendo à superação do
paradigma ‘analógico-mecânico’. Aqui, acirra-se a querela entre novos e velhos
media. (1997, pp. 2-3)

A interação do tipo eletrônico-digital possibilita que a interação ocorra não somente entre
usuário e a máquina ou a ferramenta, mas também diretamente com o conteúdo. “A
interação homem-técnica (analógica ou digital) tem evoluído, a cada ano, no sentido de uma
relação mais ágil e confortável. Vivemos hoje a época da comunicação planetária,
fortemente marcada por uma interação com as informações (“bits”), cujo ápice é a realidade
virtual.” (Lemos, 1997, p. 3)

A partir da interatividade digital mediada por computador, Santaella (2004, p. 163) distingue
dois tipos de interatividade considerando as possibilidades on e offline. Os suportes off-line,
por apresentarem limites de armazenamento e, por conseguinte, possibilidades de conexões
hipermidiáticas finitas, são mais simples em contraste com as possibilidades infinitas e muito
mais complexas e dialógicas presentes na internet.

Interatividade X reatividade

Outro aspecto bastante importante e também intensamente discutido diz respeito a questão
do quanto as escolhas interativas apresentam realmente leituras particulares e
determinadas pelo usuário, o quanto às mensagens hipermidiáticas são construídas numa
relação de parceria entre o autor e o usuário, ou seja, o quanto se pode dizer que o usuário é
co-autor da obra? Nesta discussão entendo que o embate está entre o que está previsto
pelo autor e o que realmente significa a participação interativa do receptor.

Marco Silva (2000) entende a interatividade como um conceito de comunicação e não de


informática e que pode ser empregado entre interlocutores humanos, entre humanos e
máquinas e entre usuário e serviço. O autor ainda determina duas disposições básicas para
que haja a interatividade:
37
1. A dialógica que associa emissão e recepção como pólos antagônicos e complementares
na co-criação da comunicação;
2. A intervenção do usuário ou receptor no conteúdo da mensagem ou do programa,
abertos a manipulações e modificações.

A partir destas condições pode-se dizer que muito pouco, ou quase nada do que se encontra
no ciberespaço é interativo. A possibilidade de navegação encontrada nos dias de hoje no
que ela implica de participação efetiva do usuário não é considerada como interativa.

Araujo (2005, p. 123) entende que os novos formatos tecnológicos determinam um nível
diferente de acesso e participação da recepção, e que a partir disto ocorre diluição entre os
papéis de autor e receptor já que o envolvimento deste não é passivo. Por outro lado
entende também que esta participação é limitada já que foi previamente planejada pelo
sistema.

É constante encontrar autores que supervalorizam as possibilidades da máquina como se


todos os problemas possam ser resolvidos por ela, e mais, que vêem a interatividade digital
como libertadora do usuário.

Primo (2000) sugere outro caminho que não focalize apenas a máquina, mas que valorize
principalmente o que ocorre entre o homem e a máquina, ou seja, enfatizar o estudo na
“relação que emerge da ação entre eles.” Esta teoria não se estabelece na valorização da
autoria nem do usuário, mas entre um e outro, nos aspectos que ocorrem no momento da
conexão entre eles.

Se de um lado, os paradigmas mecanicistas e lineares fundamentam interfaces de


interação tipicamente reativas e restritivas, perspectivas como a construtivista e da
pragmática da comunicação valorizam a construção entre os interagentes, isto é,
uma interatividade não-previsível e de conteúdos que emergem durante a relação
(que não estão prontos a priori como no modelo anterior). (Primo, 2000)

A partir destas premissas Primo classifica dois modelos de interação: a interação reativa e a
interação mútua. E a partir delas sugere sete dimensões para análise e confronto visando
caracterizá-las. A seguir apresenta-se um quadro/montagem com a intenção de facilitar a
leitura das informações do autor.

38
Reativa Mútua
Sistema Conjunto de objetos Fechado. Aberto.
ou entidades que se Relações lineares e Elementos
inter-relacionam unilaterais, o reagente tem interdependentes. Se um é
formando um todo. pouca ou nenhuma afetado o sistema todo se
condição de alterar o modifica.
agente.
Processo Acontecimentos que Estímulo-resposta. Através da negociação.
apresentam
mudanças no tempo.
Operação A relação entre a Fecham-se na ação e Dá-se através de ações
ação e a reação. Um pólo age e o interdependentes, por
transformação outro reage. Uma vez cooperação. Cada agente,
estabelecida a hierarquia, ativo e criativo, modifica o
ela passa a ser repetida em comportamento do outro, e
cada interação. também tem seu
comportamento modificado.
A cada evento comunicativo,
a relação se transforma.
Fluxo Curso ou seqüência Apresenta-se de forma Fluxo dinâmico e em
da relação linear e pré-determinada, desenvolvimento.
em eventos isolados.
Assim, o usuário age em
um sistema reativo apenas
nos limites que o
programador planejou.
Throughput Os que se passa É mero reflexo ou O diálogo de interação
entre a automatismo. Os processos mútua não se dá de forma
decodificação e a de decodificação e mecânica, pré-estabelecida.
codificação, inputs e codificação se ligam por Cada mensagem recebida,
outputs programação. Não há uma de outro interagente ou do
seleção consciente, ambiente, é decodificada e
verdadeiramente interpretada, podendo então
inteligente, do gerar uma nova codificação.
computador. O Cada interpretação se dá
computador oferece uma pelo confronto da
falsa aparência mensagem recebida com a
interpretativa, já que seu complexidade cognitiva do
funcionamento é pré- interagente.
determinado.
Relação O encontro, a Rigidamente causal. Construção negociada. A
conexão, as trocas Por operar através de ação relação é constantemente
entre elementos ou e reação, os sistemas construída pelos
sub-sistemas. reativos pressupõem a interagentes. Não se pode
sucessão temporal de dois jamais pré-determinar que
processos, onde um é uma certa ação gerará
causado pelo outro. Esse determinado efeito. Logo a
vínculo subentende uma interação mútua é um
causa e um efeito. Nesses processo emergente, isto é,
sistemas, isso é visto como ela vai sendo definida
uma relação lógica, um durante o processo.
39
fato objetivo. Quando uma Portanto, as correlações
mesma causa ocorrer o existem, mas não
mesmo efeito será gerado. determinam
Sempre. necessariamente relações de
causalidade.
Interface Superfície de Sistemas reativos Sistemas interativos mútuos
contato, apresentam uma interface se interfaceiam
agenciamentos de potencial. virtualmente.
articulação,
interpretação e
tradução.
Figura 1 Quadro comparativo – interações Reativa e Mútua.

O autor alerta que a interatividade não ocorre isolada em apenas uma interface de contato,
pode ser múltipla e simultânea. Por exemplo, quando em um chat, a interação não ocorre
somente com outra pessoa conectada, mas também estará ocorrendo interação com o
mouse, com o teclado, com o software, etc. Desta forma em alguns casos poderá ocorrer
interações reativas e mútuas simultaneamente. E também se preocupa em acrescentar que
os conceitos não são rígidos.

))))

É fato o quanto a rede possibilita variedade de conexões, de formas de interatividade,


leituras não lineares, acesso veloz e infinito de informações, etc. Tanto quanto também é
fato o quanto a linguagem digital acrescenta de qualidade e quantidade no nível de
interatividade das media tradicionais e de modo mais intenso nas novas media.

40
(2) Inter-Relação das linguagens Sonora, Visual e Verbal (IR SVV)

Para um bom desenvolvimento das questões que se pretende colocar sobre a IR SVV carece
iniciar com esclarecimentos sobre as teorias que servirão de sustentação para o percurso da
pesquisa. A intenção não é abarcar o todo destas teorias, pretende-se apresentar aspectos
mais básicos e gerais necessários para o acompanhamento das idéias que aqui serão
dispostas.

Para tratar da IR SVV como já foi dito, optou-se pelas Teorias de Charles Sanders Peirce
expandidas pelas contribuições de: Lúcia Santaella, principalmente as Matrizes da
Linguagem e Pensamento, teoria semiótica que considera que todas as linguagens derivam
de 3 matrizes Sonora, Visual e Verbal. Percebendo as afinidades com o CH pretende-se
apenas apresentar alguns aspectos que auxiliem na sustentação das argumentações aqui
apresentadas.

Outra afinidade semiótica foi encontrada nas Matrizes Fundamentais de Tradução de Júlio
Plaza que fornece importantes subsídios teóricos e fundamentalmente instigantes idéias
para a criação da hipermídia CH.

Inicia-se com:

Teoria Geral dos Signos

Charles Sanders Peirce (1839-1914), norte-americano, desenvolveu uma filosofia


abrangente. Estruturou os estudos de filosofia e lógica iniciando com a fenomenologia
também chamada de phaneroscopia, onde desenvolveu as suas categorias universais. A
partir da base fenomenológica Peirce desenvolveu as Ciências Normativas dividida em
Estética, Ética e Semiótica ou Lógica. Por fim desenvolve a Metafísica ou ciência da
realidade. (Santaella L. , 1983, p. 27)

É de interesse neste momento se concentrar na fenomenologia e, dentro das Ciências


Normativas, a Teoria Geral dos Signos ou Semiótica, como base para alcançar os objetivos
41
desta pesquisa que é desenvolver um conceito e uma aplicação própria da IR SVV, como será
visto mais adiante.

Primeiro a Fenomenologia

A estrutura fundamental da filosofia de Peirce é a fenomenologia. O autor desenvolveu os


seus estudos procurando definir as categorias universais, aquelas que estão presentes em
todos os fenômenos. Como FENÔMENO Peirce entende ser tudo aquilo que aparece a
mente, independente de sua origem, de ser interno ou externo, de pertencer ao mundo real
ou fictício, e livre de qualquer pressuposto. Dedicou boa parte do seu trabalho procurando
demonstrar que o que está presente em uma mente é causado por algo que vem de fora e
não por algo a priori que determina o pensamento.

Na busca pelas categorias universais Peirce chega a três. Partindo da hipótese de que não há
nada presente a mente num determinado instante, um fenômeno ao ser captado pelos
sentidos cria imediatamente um sentimento, seguido de um sentido de resistência e então
um pensamento.

Conforme o autor

[...] as verdadeiras categorias da consciência são: primeira, sentimento, a


consciência que pode ser compreendida como um instante no tempo, consciência
passiva da qualidade, sem reconhecimento ou análise; segunda, consciência de
uma interrupção no campo da consciência, sentido de resistência, de um fato
externo ou outra coisa; terceira, consciência sintética, reunindo tempo, sentido de
aprendizado, pensamento. (2000, p. 14)

Por vários momentos Peirce procurou confirmar os três elementos da consciência. “A tríade
estava continuamente aparecendo na lógica e nas ciências especiais, primeiro na psicologia,
então na fisiologia e na teoria das células, finalmente na evolução biológica e no cosmos
físico como um todo.” (Santaella L. , 1983, p. 36) Passou então a buscar os termos para as
categorias as quais chamou de primeiridade, secundidade e terceiridade.

Portanto:

42
Primeiridade é qualidade. É a idéia que é independente da algo mais. Quer dizer é uma
qualidade de sensação. É o modo de ser daquilo que é tal como é e sem referência a
qualquer outra coisa.

Secundidade é relação, conflito. É a idéia daquilo que é, como segundo para algum primeiro,
independente de algo mais, em particular independente de Lei, embora podendo ser
conforme uma Lei. O que é dizer, é reação como um elemento do fenômeno. É o modo de
ser daquilo que é tal como é, com respeito a um segundo, mas independentemente de
qualquer terceiro.

E terceiridade é representação. É a idéia daquilo que faz de Terceiro, ou Medium, entre um


segundo e seu primeiro. Quer dizer, é representação como um elemento do fenômeno. A
terceiridade predomina nas idéias de generalidade, infinidade, continuidade, difusão,
crescimento e inteligência.

E nas palavras de Lúcia Santaella (1983):

Primeiridade é a categoria que dá a experiência sua qualidade distintiva, seu frescor,


originalidade irrepetível e liberdade. Não a liberdade em relação a uma determinação física,
pois que isso seria uma proposição metafísica, mas liberdade em relação a qualquer
elemento segundo.
Secundidade é aquilo que dá a experiência seu caráter factual, de luta e confronto. Ação e
reação ainda em nível de binariedade pura, sem o governo da camada mediadora da
intencionalidade, razão ou lei.
Terceiridade, que aproxima um primeiro e um segundo numa síntese intelectual,
corresponde à camada de inteligibilidade, ou pensamento em signos, através da qual
representamos e interpretamos o mundo. (pp. 50-51)

, depois(agora) a Semiótica.

A Semiótica é a Teoria Geral dos Signos cujo objeto de estudo é toda e qualquer coisa que se
organize ou tenda a organizar-se sob a forma de linguagem, verbal ou não, ou seja, é a
ciência geral de todas as linguagens. Isto só é possível porque esta teoria criada por Peirce

43
foi desenvolvida a partir das categorias fenomenológicas universais determinando uma
lógica para a sua definição e classificação dos signos. Esta lógica, entretanto, não causa
nenhuma hierarquia prévia e não é determinada por nenhuma regra ou lei anterior, sendo
neste sentido muito adequada para o CH.

Assim sendo, as definições e classificações de signo formuladas por Peirce são


logicamente gerais, quase matemáticas. O nível de abstração exigido para
compreendê-las é, sem dúvida, elevado. Entretanto, uma vez assimilado esse
campo de relações formais, essa assimilação passa a funcionar para nós como uma
espécie de visor ou lente de aumento que nos permite perceber uma
multiplicidade de pontos e distinguir sutis diferenciações nas linguagens concretas
pelas quais estamos perpassados e com as quais convivemos. (Santaella L. , 1983,
p. 57)

Como se ouVê através da escrita de Santaella, a semiótica serve ao estudo das mais diversas
linguagens possibilitando compreender como ocorrem as particularidades de cada uma e, de
vital importância para CH, como se inter-relacionam.

Com apoio de Pignatari (1979) reforça-se: para que serve a semiótica?

Serve para estabelecer as ligações entre um código e outro código, entre uma
linguagem e outra linguagem. Serve para ler o mundo não-verbal: ‘ler’ um quadro,
‘ler’ uma dança, ‘ler’ um filme – e para ensinar a ler o mundo verbal em ligação
com o mundo icônico ou não-verbal. (p. 12)

Acrescento somente que serve para ler e também para escrever.

Se Semiótica = Teoria dos Signos,

Nas palavras de Pignatari, signo é toda e qualquer coisa que substitua ou represente outra,
em certa medida e para certos efeitos. (1979, p. 9)

Entretanto Peirce se dedicou intensamente em bem esclarecer o seu pensamento, deixando


inúmeros escritos tratando ao máximo a sua concepção de signo.

Então, para Peirce signo:


É representação
Representa parcialmente o seu objeto
Comunica algo externo (objeto)

44
É qualquer coisa independente de origem.
Informa apenas parte do objeto que representa
Não é idêntico ao seu objeto.
É uma abstração já que considera apenas alguns aspectos do seu objeto.
Pode ter mais de um objeto.
Pode criar o seu objeto.
Não é absolutamente preciso.
O objeto de um signo pode ser fictício.
O significado de um signo é outro signo.
Pode ser: pan-sêmico (aberto a todos os significados possíveis), poli-sêmico (aberto a
vários significados), mono-sêmico (fechado a significados únicos).
Nenhum tipo de signo é auto-suficiente ou completo.

Ou seja:

Todo pensamento é signo. Pensamos em signos e com signos. O homem é signo.

E ainda, tendo em vista que não existe nada a priori numa mente, o acesso ao real só é
possível através dos signos.

?signoobjetointerpretante?

São três elementos de um processo. São inseparáveis e por isso são mais facilmente
entendidos quando definidos em conjunto.

Peirce:

Signo é um Cognoscível, que, de um lado, é assim determinado (isto é,


especializado, bestimmt) por algo diverso dele, chamado o seu Objeto, enquanto,
por outro lado, ele próprio determina uma Mente existente ou potencial,
determinação essa que denomino o Interpretante criado pelo Signo, e onde essa
Mente Interpretante se acha assim determinada mediatamente pelo Objeto.
(Peirce, 1974, p. 121)

O signo é incompleto, ele só se completa no processo de SEMIOSE OU AÇÃO DO SIGNO que


envolve a cooperação de três elementos: o signo, o objeto e o interpretante, influência esta
tri-relativa que não pode ser resolvida em ações entre pares.
45
339. A idéia mais simples de Terceiridade dotada de interesse filosófico é a idéia de
um signo, ou representação. Um signo “representa” algo para a idéia que provoca
ou modifica. Ou assim – é um veículo que comunica à mente algo do exterior. O
“representado” é o seu objeto; o comunicado, a significação; a idéia que provoca, o
seu interpretante. O objeto da representação é uma representação que a primeira
representação interpreta. Pode conceber-se que uma série sem fim de
representações, cada uma delas representando a anterior, encontre um objeto
absoluto como limite. A significação de uma representação é outra representação.
Consiste, de fato, na representação despida de roupagens irrelevantes; mas nunca
se conseguira despi-la por completo; muda-se apenas para uma roupa mais
diáfana. Lidamos então com uma regressão infinita. Finalmente, o interpretante é
outra representação a cujas mãos passa o facho da verdade; e como representação
também possui interpretante. Aí está uma nova série infinita! (Peirce, 1974, p. 93)

Objeto:

É aquilo que o signo representa.

Em relação ao objeto é preciso ter intimidade ou experiência colateral com aquilo que o
signo denota. Ou seja, para conhecer o objeto é preciso ter alguma experiência anterior com
ele.

Para obter noções mais qualificadas sobre o que é o objeto do signo, é indispensável
distinguir entre dois sentidos de objeto.

O Objeto imediato (dentro do signo, no próprio signo) é tal como representado no signo.
São as aparências de um objeto no modo como é representado.

O Objeto dinâmico é o objeto real. Pelo modo de ser das coisas, o signo não pode mostrar,
pode apenas indicar, deixando ao intérprete a tarefa de conhecê-lo por experiência
colateral. O objeto dinâmico é o objeto que a ciência pode explorar.

Interpretante:

É aquilo que o signo cria na mente do intérprete, algo esse que foi também, de maneira
relativa e mediata, criada pelo objeto do signo, embora o objeto seja essencialmente diverso
do signo. (Peirce, 1974, p. 122)

46
Ora, o signo só pode representar seu objeto para um intérprete, e porque
representa seu objeto, produz na mente desse intérprete alguma outra coisa (um
signo ou quase-signo) que também está relacionada ao objeto não diretamente,
mas pela mediação do signo. Cumpre reter da definição a noção de interpretante.
Não se refere ao intérprete do signo, mas a um processo relacional que se cria na
mente do intérprete. A partir da relação de representação que o signo mantém
com seu objeto, produz-se na mente interpretadora um outro signo que traduz o
significado do primeiro (é o interpretante do primeiro). (Santaella L. , 1983, pp. 58-
59)

O interpretante = significação,
pode ser entendido de três formas: interpretante imediato, interpretante dinâmico e
interpretante lógico.

Interpretante imediato:

[...] é o que o signo está apto a produzir numa mente interpretadora qualquer. Não
se trata daquilo que o signo efetivamente produz na minha ou na sua mente, mas
daquilo que, dependendo de sua natureza, ele pode produzir. Há signos que são
interpretáveis na forma de qualidades de sentimento; a outros que são
interpretáveis através de experiência concreta ou ação; outros são passíveis de
interpretação através de pensamentos numa série infinita. (Santaella L. , 1983, p.
60)

Interpretante dinâmico é aquilo que um signo efetivamente produz em cada mente


individual. É o interpretante singular, particular, efetivado em cada intérprete.

O interpretante dinâmico apresenta três níveis. 1emocional, 2energético e 3lógico.

1emocional = qualidades de sentimento. O primeiro efeito de um signo é o de


provocar um sentimento. Muitas vezes as condições que envolvem este signo bem como a
falta de experiência colateral do intérprete com este signo, leva a semioses enfatizadas pela
qualidade de sentimento.

2energético = gerados a partir de experiência concreta ou ação, ou seja, requer um


esforço que pode ser físico, mas também pode ser um esforço mental. Isto só ocorrerá a
partir da mediação de um interpretante emocional.

3lógico = que funciona como uma regra de interpretação.

Interpretante final. É aquilo que finalmente se concluiria ser a interpretação verdadeira e


conhecendo o assunto profundamente se fosse possível chegar a uma opinião definitiva.

47
O interpretante final que é o efeito que o signo produziria em qualquer mente, se a
semiose fosse levada suficientemente longe, isto é, se fosse possível que o signo
pudesse produzir todos os interpretantes dinâmicos de modo exaustivo e final.
Uma vez que isso não é possível, o interpretante final está sempre em progresso,
num processo evolutivo infinito, pois cada um de nós, intérpretes particulares,
apenas capazes de produzir interpretantes dinâmicos singulares, falíveis e
provisórios, não estamos nunca em condições de dizer que um interpretante já
tenha esgotado todas as possibilidades interpretativas de um signo, constituindo-
se no seu interpretante final. É em razão disso que estamos sempre no meio do
caminho da interpretação de todo e qualquer signo. (Santaella L. , 2001, p. 49)

Matrizes da Linguagem e do Pensamento

A intenção nesta etapa da pesquisa tem com alvo os aspectos mais básicos, porém
fundamentais das Matrizes da Linguagem e de Pensamento, isto porque se trata de uma
teoria bastante minuciosa, articulada sob um conhecimento amplo das três linguagens. O
interesse é apalpar os conceitos mais gerais que já será de extrema importância.

As inter-relações entre as linguagens SVV naturalmente encontrou consonância na teoria das


Matrizes da Linguagem e de Pensamento de Santaella (2001). Nesta obra a autora
argumenta que são apenas três matrizes: a sonora, a visual e a verbal. A síntese de todas as
linguagens em apenas três, e o entendimento de que a multiplicidade existente se da pela
combinação entre elas, representa um grande avanço teórico e uma poderosa ferramenta
para estruturar esta pesquisa. Este feito se sustenta nos estudos realizados por Peirce,
principalmente na fenomenologia criada por ele e que como já foi visto, é a base para toda a
sua teoria. As matrizes da linguagem e pensamento é um estudo amplo sobre o modo como
cada uma das matrizes SVV se caracterizam, seus eixos, o modo como se estruturam e
também como se inter-relacionam. Estas idéias dão origem ao conceito de linguagem híbrida
tão rica para o conceito de CH.

Outro aspecto importante argumentado por Santaella é a convicção de que existem


raízes lógicas e cognitivas específicas que determinam a constituição do verbal, do visual e
do sonoro e de toda variedade de processos sígnicos que eles geram. Este aspecto bem mais
profundo desvia o foco que tem sido intensamente voltado para a superfície dos canais e
mensagens para a constituição das três matrizes.

48
A ligação entre Pensamento e Linguagem:

Para Peirce todo pensamento se dá em signos. Sendo signo qualquer coisa presente em uma
mente, pensamento, portanto, também se dá a partir de qualquer coisa. Desta forma a
noção de pensamento extrapola definitivamente os limites da exclusividade logocêntrica e
se expande em todas as direções. Um sentimento, uma imagem, palavras ou qualquer outra
coisa, tudo isto pode ser pensamento. Entretanto, para ser conhecido, um pensamento
precisa ser explicitado através da linguagem. “Pensamento e linguagem são atividades
inseparáveis: o pensamento influencia a linguagem e esta incide sobre o pensamento.”
(Plaza, 2001, p. 19)

Com intuito de justificar as relações que encontra entre o pensamento e linguagem,


Santaella esclarece que “[...] os signos podem ser internos ou externos, ou seja, podem se
manifestar sob a forma de pensamentos interiores ou se alojar em suportes ou meios
externos, materiais.” (2001, p. 56)

No pensamento os signos são extremamente dinâmicos. A partir de um dado contexto os


signos se propagam em busca de sentidos. Em altíssima velocidade semioses vão
acontecendo, conectando informações internas e externas no cursor temporal da mente.

Fora do pensamento os signos são criados e se fixam em linguagens, se materializam e


dividem o espaço com a natureza, ocupam um lugar. A partir da era industrial os signos se
multiplicaram ainda mais rapidamente. Novas e inúmeras máquinas semióticas são
produzidas e nascem suportes cada vez mais sofisticados para suportar a avalanche de
signos que surgem continuamente. Cada linguagem é organizada dentro de certos padrões
culturais que, a partir destas forças, determinam o modo de perceber o real, orientando a
forma de pensar e a consciência.

A expressão de nossos pensamentos é circunscrita pelas limitações da linguagem.


Ao povoar o mundo de signos, dá-se um sentido ao mundo, o homem educa o
mundo e é educado por ele, o homem pensa com os signos e é pensado pelos
signos, a natureza se faz paisagem e o mundo uma ‘floresta de símbolos’. (Plaza,
2001, p. 19)

Outro aspecto que Santaella esclarece é o porquê nomina Matrizes da Linguagem e


Pensamento e não de Matrizes de Signos e Pensamento. A questão é que os signos são mais
abstratos do que as matrizes da linguagem e servem de apoio para o desdobramento das
49
matrizes sonora, visual e verbal em suas modalidades. As matrizes da linguagem, menos
abstratas, já são modos de manifestação das classes dos signos como, por exemplo, a
música, as diferentes formas de visualidade ou o discurso verbal. As variações se sustentam
nas diferenciações encontradas em cada matriz e nas sub-modalidades que surgem a partir
das classes dos signos. Ou seja, as inúmeras linguagens encontradas e que continuam
surgindo, nascem das misturas entre as modalidades e sub-modalidades o que ocorre
quando se concretizam em suportes ou mídias específicas. (2001, p. 56)

As matrizes também estão relacionadas à percepção e esta aos sentidos humanos. Assim
sendo, enquanto a matriz verbal é mais abstrata e, portanto, menos dominada por um
sentido determinado, a visual está mais ligada ao olho e o sentido da visão, enquanto a
sonora está ligada ao ouvido e o sentido da audição. (Santaella L. , 2001, p. 57)

3 matrizes 3 eixos

Partindo então das categorias fenomenológicas de primeiridade, secundidade e terceiridade,


Santaella (2001) percebeu relações com as três linguagens sonora, visual e verbal
respectivamente:

A matriz sonora é dominantemente qualitativa tendo em vista que se estabelece no


momento presente. O som é contínuo e invisível ao sentido da visão que o torna
dependente do tempo. Neste sentido é sempre original. Estas características aproximam a
matriz sonora com a primeira categoria de Peirce. A linguagem visual se caracteriza por
apontar o seu referente com maior clareza que o sonoro e o verbal o que a aproxima da
segunda categoria de Peirce. As relações entre a linguagem verbal e a terceiridade é mais
direta já que ambas caracterizam-se por serem convenções.

Tendo em vista a lógica das categorias, de primeiro, segundo e terceiro, Santaella sempre
ressalta que a primeiridade é a base onde a secundidade se alicerça, e a primeiridade e a
secundidade alicerçam a terceiridade. Na lógica das categorias não há exclusão nem
isolamento, a questão não é optar por uma ou outra, funcionam como uma unidade, que
pode apresentar ênfase ora em uma, ora em outra categoria.

50
Santaella (2001, p. 79) junta a esta primeira relação, outra que determina eixos de
estruturação para cada uma das linguagens. Evidentemente obedecendo a lógica peirciana,
observa que a “sintaxe” é a sustentação para a “forma”, que juntas, sustentam o “discurso”.
Deste modo a autora fundamenta a lógica da sua teoria das matrizes da linguagem e de
pensamento.

Categorias de Peirce Linguagem e pensamento Eixo


Primeiridade Sonora Sintaxe
Secundidade Visual Forma
Terceiridade Verbal Discurso
Figura 2 Quadro de relações: Fenomenologia, Matrizes da Linguagem, eixos.

Confirmando:

Enfim, o substrato dessas correspondências lógicas está na postulação de que


aquilo que a matriz sonora tem de mais específico e dominante, aquilo que faz dela
uma linguagem é a sintaxe. A sintaxe é eminentemente uma questão da
sonoridade. Não há material mais livre e propício à mais pura experimentação e
invenção sintáticas do que o som. Aquilo que a matriz visual tem de mais específico
e dominante, aquilo que faz dela uma linguagem é a forma a qual implica,
evidentemente, uma sintaxe. A materialidade da sintaxe visual não vem do som, é
claro, mas a lógica da sintaxe pertence à sonoridade, visto que é a sonoridade que
está mais habilitada para perseguir as potencialidades da sintaxe até seus limites
últimos, assim como a visualidade persegue as potencialidades da forma até seus
limites últimos. Embora o discurso verbal deva a sua natureza de linguagem ao seu
caráter simbólico e convencional, não haveria discurso sem sintaxe e sem forma,
evidentemente uma sintaxe e uma forma que se enquadram na especificidade do
discurso verbal e de seus padrões convencionais, mas cujos princípios e
desenvolvimentos lógicos têm suas moradas precípuas na sonoridade e na
visualidade respectivamente. (Santaella L. , 2001, p. 80)

Cabe ainda uma reflexão importante o fato de Santaella colocar a matriz sonora no âmbito
da secundidade, na contramão do que dizem os semioticistas. O que a autora defende é que
“a linguagem visual, como forma de representação, sempre se corporifica em uma
materialidade singular, forma particular ou caso de representação icônica, que encontra na
matriz do sin-signo indicial dicente o foco de dominância para a sua inteligibilidade.” (2001,
p. 196)

Entende-se que não ocorre conflito entre os conceitos criados por Santaella e os seus
colegas peircianos, a questão é que a autora introduz uma nova proposta de visualização das

51
teorias de Peirce, que não tem efeito de contradizer o que já foi dito, mas observar de modo
mais amplo aquilo que cada matriz tem de mais proeminente: o seu eixo lógico.

Lógica das Matrizes

A partir da matriz principal ocorre uma primeira divisão lógica, dando origem as
modalidades, que se alicerça nas idéias de primeiridade, secundidade e terceiridade, ou seja,
qualidade, existência e lei (convenção), em seguida cada uma destas modalidades sofrem
divisões lógicas determinando as submodalidades seguindo o mesmo princípio aplicado
anteriormente. Finalmente cada matriz chega a nove divisões lógicas.

A matriz sonora (1), dividida em 1.1 sintaxes do acaso; 1.2 sintaxes dos corpos sonoros; 1.3
sintaxes convencionais.

A matriz visual (2), dividida em 2.1 formas não-representativas; 2.2 formas figurativas; 2.3
formas representativas

A matriz verbal (3), dividida em 3.1 descrição; 3.2 narração; 3.3 dissertação.

A máxima coerência reside no fato de que dentro de uma mesma matriz se encontra a
aplicação das categorias fenomenológicas de Peirce, e, por conseguinte, nos
desdobramentos e subdivisões se observa a presença dos domínios característicos de cada
matriz. Desta forma as matrizes estão em permanente inter-relação e mistura. Por exemplo,
a matriz sonora (1) tem na primeira divisão 1.1, em primeiridade, a matriz sonora no
domínio do sonoro; 1.2 em secundidade, a matriz sonora no domínio do visual; 1.3 a
terceiridade, a matriz sonora no domínio do verbal. Significando que para a matriz sonora, o
1.1 é a modalidade mais pura por estar sob o domínio do sonoro; 1.2 e 1.3 apresentam
misturas do domínio do visual e do verbal respectivamente.

Deste modo também ocorre na divisão da matriz visual (2) tem na primeira divisão 2.1 a
matriz visual no domínio do sonoro; 2.2 a matriz visual no domínio do visual; 2.3 a matriz
visual no domínio do verbal. Significando que para a matriz visual, 2.2 é a modalidade mais
pura por estar sob o domínio do visual enquanto 2.1 e 2.3 apresentam misturas do domínio
do sonoro e do verbal respectivamente.

52
Esta mesma lógica também ocorre na divisão da matriz verbal (3) tem na primeira divisão 3.1
a matriz verbal no domínio do sonoro; 3.2 a matriz verbal no domínio do visual; 3.3 a matriz
verbal no domínio do verbal. Significando que para a matriz verbal, 3.3 é a modalidade mais
pura por estar sob o domínio do verbal enquanto 3.1 e 3.2 apresentam misturas do domínio
do sonoro e do visual respectivamente.

Portanto as matrizes não são puras, se apresentam sempre contaminadas uma pelas outras
a partir de uma lógica de interpenetração entre elas. Se dentro de uma mesma matriz já
ocorre contaminação, a autora vai mais longe observando também entre as matrizes.

A outra questão importante é a aproximação entre as matrizes. Em cada matriz uma das
modalidades é exclusiva enquanto as outras duas são pontes de inter-relação entre uma
matriz e outra. Assim como foi observado nas divisões internas de cada modalidade, as
matrizes também apresentam ênfases nas suas características de domínio. Ou seja, a matriz
sonora (1) apresenta nas (1.1) sintaxes do acaso o seu eixo de domínio; nas (1.2) sintaxes
dos corpos sonoros a ponte de inter-relação para a matriz visual (2) nas (2.1) formas não-
representativas; e nas (1.3) sintaxes convencionais a ponte de inter-relação para a matriz
verbal (3) na (3.2) narração.

A matriz visual (2) por sua vez apresenta nas (2.1) formas não-representativas a ponte de
inter-relação para a matriz sonora nas (1) sintaxes dos corpos sonoros; nas (2.2) formas
figurativas o seu eixo de domínio; nas (2.3) formas representativas a ponte de inter-relação
para a matriz verbal (3) na modalidade (3.1) descrição.

A matriz verbal (3) finalmente apresenta na (3.1) descrição a ponte de inter-relação para a
linguagem visual (2) nas (2.3) formas representativas; na (3.2) narração a ponte de inter-
relação para a linguagem sonora (1) na modalidade (1.3) sintaxes convencionais; e na (3.3)
dissertação o seu eixo de domínio.

A questão é a existência em cada matriz do ponto central onde ocorre domínio dos aspectos
de secundidade, ou seja, conforme explica a autora, “[...] indica que cada matriz chega aí o
mais perto que lhe é possível do seu objeto semiótico, ou seja, daquilo que, em uma
linguagem menos técnica, costuma-se chamar referente.” (Santaella L. , 2001, pp. 373-374)

53
Tradução InterSemiótica (TI)

O pensamento sobre inter-relação de linguagens na concepção presente neste trabalho


passa pela idéia de resgate de uma inter-relação sinestésica que de certa forma foi sendo
formatada e foi perdendo sensibilidade ao longo da história em prol da criação de padrões
(especialização das linguagens). Os fenômenos estão permanentemente presentes e
invadem uma mente através das interfaces/sentidos. Entretanto as semioses produzidas
nesta mente se estabelecem na multiplicidade de possibilidades presentes a consciência
naquele instante. Mas é certo também que está presente no repertório do indivíduo, um
repertório coletivo. O corpo da cultura direciona leituras/interpretantes.

A teoria das Matrizes Fundamentais de Tradução de Plaza (2001) vem a se encaixar


perfeitamente com os interesses do CH. Principalmente porque o objetivo desta pesquisa é
pensar, ler e “escrever” de forma intersemiótica. A TI fornece ferramentas importantes
neste sentido, pois distingue tipos de tradução partindo dos signos e não das linguagens.

Desta forma, apoiado em Peirce, Plaza apresenta recursos para o desenvolvimento de


mensagens apoiadas na inter-relação das SVV.

Entendo Intersemiótica ≅ Inter-relação das linguagens SVV

Ressalta-se que o interesse é desenvolver mensagens que sejam apresentadas nas possíveis
hibridizações entre as três matrizes SVV, mas inseridas em uma proposta não linear, não
hierárquica buscando experimentar outros caminhos diferentes do que convencionalmente
se observa no uso dos sons, imagens e textos verbais.

Analisando as teorias de Santaella e Plaza observa-se que, além da semiótica, há vários


outros pontos de contato e afinidades entre estes dois pensadores. Ambos tratam do estudo
entre linguagens, no caso das Matrizes da linguagem e pensamento, as hibridizações são
entendidas a partir de certos aspectos específicos de cada uma das três linguagens, que se
misturam e se reorganizam em novas possibilidades. Como já foi visto, Santaella,
fundamentada na fenomenologia, demonstra que cada uma das matrizes esta estabelecida
sobre um eixo principal, a sintaxe como eixo do sonoro, a forma como eixo do visual e o
discurso como eixo do verbal, o que não significa que estes eixos sejam exclusivos de cada

54
uma destas linguagens, mais do que isto Santaella mostra o quanto as linguagens são
misturadas, contaminadas, híbridas.

Plaza foca sua teoria aproximando a idéia de tradução à idéia de signo de Peirce, trata dos
modos de tradução entre as linguagens enfatizando, entretanto, as possibilidades de
tradução criativa e intencional.

Para Plaza Pensamento é tradução:

O pensamento ocorre a partir de signos, e um signo é sempre compreendido através de


outro signo, neste sentido qualquer pensamento é necessariamente tradução. No processo
de pensar ocorre tradução já que aquilo que está presente à mente, independente do que
seja, um sentimento, uma imagem ou qualquer outra coisa, passa a ser representado por
outros signos. Pode-se dizer que um pensamento é tradução de outro pensamento. O
segundo é o interpretante do primeiro e assim por diante. Não há um pensamento em si.
Um pensamento/signo em si é um sentimento, sem um outro signo para traduzi-lo, não
significa nada.

Segundo Peirce, um conhecimento imediato não é possível, visto que não há


conhecimento sem antecedentes pensamentais. Negando, portanto, a concepção
cartesiana de intuição como conhecimento imediato, para Peirce, qualquer
pensamento presente, na sua imediaticidade, é mero sentimento e, como tal, não
tem significado algum, não tem valor cognitivo algum, pois este valor reside não
naquilo que é realmente pensado, mas naquilo a que este pensamento pode ser
conectado numa representação através de pensamentos subseqüentes; de forma
que o significado de um pensamento é, ao mesmo tempo, algo virtual. (Plaza, 2001,
p. 18)

O que é tradução intersemiótica?

Plaza (2001) informa que a primeira referência a Tradução Intersemiótica que conheceu foi
através dos escritos de Roman Jakobson. Está se referindo a classificação dos tipos de
tradução de Jakobson (2005, pp. 64-65), onde o autor distingue três espécies de tradução

1- A tradução intralingual ou reformulação (rewording) consiste na interpretação dos


signos verbais por meio de outros signos da mesma língua.
2- A tradução interlingual ou tradução propriamente dita consiste na interpretação dos
signos verbais por meio de alguma outra língua.

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3- A tradução inter-semiótica ou transmutação consiste na interpretação dos signos
verbais por meio de sistemas de signos não-verbais.

Plaza acrescenta que a tradução intersemiótica acontece de um sistema de signos para outro
independente do tipo de signos que estejam em jogo, por exemplo, de signos verbais para
visuais ou dos signos visuais para os verbais. (2001, p. XI)

Pode-se observar que a partir do século XX cada vez mais constante a interação entre as
linguagens, porém Plaza enfatiza que:

Contudo, todos os fenômenos de interação semiótica entre as diversas linguagens,


a colagem, a montagem, a interferência, as apropriações, integrações, fusões e re-
fluxos interlinguagens dizem respeito às relações tradutoras intersemióticas mas
não se confundem com elas. Trazem, por assim dizer, o gérmen dessas relações,
mas não as realizam, via de regra, intencionalmente. Nessa medida, para nós, o
fenômeno da TI estaria na linha de continuidade desses processos artísticos,
distinguindo-se deles, porém, pela atividade intencional e explícita da tradução.
(Plaza, 2001, p. 12)

Uma das contribuições importantes destes escritos de Plaza é o uso destas relações
tradutoras intersemióticas intencionalmente como modo de criação e produção valorizando
a inter-relação das linguagens SVV.

Conforme já foi visto anteriormente, o signo possui dois objetos, objeto imediato e objeto
dinâmico, este último que se trata do objeto real passível de análise e investigação e o
primeiro que se refere ao modo como este signo representa seu objeto, por exemplo, se é
um desenho, uma pintura, uma foto. Pode-se dizer que o objeto imediato é o “como” e o
objeto dinâmico é o “o que” o signo representa. Para a TI antes mesmo de tratar do objeto
dinâmico, referencia-se ao código presente em seu objeto imediato, são as características do
objeto imediato que oferecem elementos para a tradução intersemiótica, para a inter-
relação das linguagens e para mensagens verdadeiramente hipermidiáticas.

Antes de se referir a alguma coisa que está fora dele (o objeto dinâmico), cada
código ou meio referencia-se a um outro código que está embutido nele de forma
virtual. Enquanto a linguagem visual figurativa, por exemplo, antes de referir-se ao
real, referencia-se com códigos de representação, a linguagem verbal escrita, por
seu lado, referencia-se com o próprio código visual e, fundamentalmente, com o
código oral do qual é tradução. É justamente essa rede entre os sentidos
(intercurso) e conseqüentemente embutimento de um meio dentro do outro, ou
seja, é justamente essa rede de referências entre os sentidos e meios – mais
imediatamente presente ao signo do que a referência aos objetos dinâmicos –
aquilo que dá fundamento e possibilita a TI como intercurso dos sentidos ou
trânsito de meios e canais. (Plaza, 2001, pp. 47-48)

56
Se os meios e, por extensão, as linguagens que eles veiculam são ampliações diferenciadas
da diversidade do nosso, sistema sensório, de uma forma ou de outra, o caráter desse
sistema sensório fica inscrito ou traduzido nesses meios. Sendo as qualidades materiais dos
meios e linguagens que determinam o caráter do Objeto Imediato do signo, o Objeto
Imediato indica, isso sim, as qualidades do meio e do código como extensões dos sentidos
nos quais ele se consubstancia. Desse modo, todas as vezes que produzimos um signo,
também construímos um Objeto Imediato que não alcança ser e não é o objeto dinâmico. Se
o Objeto Imediato constitui-se, assim, num afastamento e abstração em relação ao real,
também constrói um “enriquecimento”, pois ele nos dá, isto é, nos apresenta suas próprias
qualidades materiais sui generis. (Plaza, 2001, p. 48)

Captar o real como um todo é algo que a capacidade humana é incapaz, está além das
possibilidades do próprio signo.

Tipologia de Traduções InterSemióticas:

1Tradução Icônica:

Este tipo de tradução caracteriza-se pelo princípio de similaridade de estrutura. Ou seja,


tem-se analogia entre os objetos imediatos. Conforme determina a fenomenologia, e em
seguida a classificação dos signos, mais especificamente naquilo que Peirce postulou a partir
das relações entre signo e objeto, a tradução icônica está apta a produzir significados sob a
forma de qualidades e de aparências, similarmente. Desta forma privilegia os aspectos
sintáticos. Ou seja, a ênfase está nas relações formais entre os diversos signos. A
predominância na sintaxe aponta para signos considerados mais como coisas em si mesmas
do que para o que apontam para fora. Portanto, na tradução icônica são dominantes as
causas: formal, material e operativa. Predomina neste caso a informação estética em
oposição à informação semântica.

Tendendo a informação estética, a Tradução Icônica busca despertar sensações análogas ao


original. Referenciando o objeto imediato, a ênfase recai para as qualidades materiais do
original, não havendo, portanto, nenhuma conexão dinâmica, nem interesse simbólico ou
convencional com ele.
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Tendo em vista o tipo de jogo que ocorre entre o original e a tradução, produzindo
significados sob a forma de qualidades, Plaza determina que a Tradução Icônica é uma
TRANSCRIAÇÃO. (Plaza, 2001)

2Tradução Indicial:

Na tradução indicial destaca-se o contato entre o original e tradução. Há continuidade entre


original e tradução. O objeto imediato do original é transposto para um outro meio. Nesta
transposição, a qualidade do Objeto imediato se transforma, tendo em vista que ao passar
para o novo meio, ao se adequar as possibilidades da nova linguagem, ao passar pelo filtro
de um novo código, a informação é semantizada.

Na Tradução indicial, no processo de transposição, pode-se considerar tanto uma parte


como o todo da informação.

Nas traduções deste tipo a informação semântica é dominante. As relações com o objeto
predominam para um receptor preparado.

É o signo original que determina a Tradução Indicial, podendo esta relação ocorrer de dois
modos, através de uma relação de causa-efeito (caso da tradução de um signo para outro
meio) ou através de uma relação de contigüidade por referência que se resolverá na sua
singularidade, pois acentuará os caracteres físicos do meio que acolhe o signo. Contudo, ela
será interpretada através da experiência concreta. Neste caso a tradução será uma
TRANSPOSIÇÃO. (Plaza, Tradução Intersemiótica, 2001)

3Tradução Simbólica:

A tradução simbólica caracteriza-se pela contigüidade instituída, o que é feito através de


metáforas, símbolos ou outros signos de caráter convencional. Ou seja, ao enfatizar a
referência simbólica, evita-se o objeto imediato contra uma priorização dos significados
lógicos, gerais, mais abstratos e intelectuais do que sensíveis.

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Desta forma, a relação entre o original e a Tradução Simbólica se da por força de uma
convenção, não havendo nenhuma outra possibilidade, pois o símbolo semiótico peirciano
consiste em uma regra ou lei que determinará sua significação. Neste caso a tradução é
TRANSCODIFICAÇÃO. (Plaza, Tradução Intersemiótica, 2001)

59
As Linguagens Sonora Visual Verbal

IR SVV é um fenômeno natural.

Os seres humanos interagem com o mundo ao seu redor através da recepção das diversas
informações captadas pelos sentidos. Os vários canais de percepção estão
permanentemente ligados captando e informando ao corpo e a mente sobre variadas
situações. Agem simultaneamente e são estimulados por diversos fatores internos e ou
externos. Servem para situar e manter o homem vivo. A audição, a visão, o tato, o olfato e o
paladar, os cinco sentidos funcionando simultaneamente servem como interface para a
existência do homem no mundo. Cada sentido é encarregado de receber um tipo de
informação específico. A junção das informações recebidas em cada um destes canais
possibilita ações do sujeito no seu meio ambiente.

É natural para o homem receber um fluxo contínuo de informação e de diversas origens


simultaneamente, porém, a recepção destas informações ocorre de forma fragmentada,
sofre seleção conforme o contexto ou o interesse e segue assim, na dinâmica do tempo
presente, sincronizando e intercalando os diversos sinais recebidos por cada um dos
sentidos.

Entretanto as necessidades de sobrevivência fizeram com que o homem fosse


desenvolvendo cultura para ajudá-lo a resolver estes problemas. As soluções foram
ocorrendo criando interfaces entre o homem e a natureza. As linguagens surgem deste
conflito. Foi deste modo que se desenvolveu a comunicação social e humana. Cada uma das
linguagens/interfaces ao mesmo tempo em que possibilita a relação do homem com o
mundo, também determina modos específicos de convivência e leitura. Desta forma,
contrariamente a potencialidade natural da percepção humana, o caminho percorrido foi o
da especialização dos sentidos, do qual a fala e a escrita são exemplos.

Plaza (2001, p. 11):

O homem para sobreviver, começa a transmutar o mundo em signos, em palavras e


imagens, tomando posicionamentos e delineando as fronteiras da realidade em
nosso entendimento. Ao representar, o homem esquematiza o real e materializa
seu pensamento em signos os quais são pensados por outros signos em série
infinita, pois o próprio ‘homem é signo’. Essa atividade de cristalização em signos (a
60
partir de possibilidades e sentimentos), em formas significativas e simbólicas é o
que caracteriza a comunicação social e humana.

Apesar da especialização dos sentidos através das linguagens, o:


Homem
é percepção
é signo
é pensamento
é IR SVV

Ou seja, apesar da ilusão de departamentalização dos sentidos, o homem mantém as suas


características naturais de perceber e pensar através da inter-relação das diversas linhas de
informação que lhe rodeiam e que se resumem em 3 Matrizes: SVV. A ilusão se deve ao
isolamento da linguagem verbal que produziu, no lado ocidental do planeta, um modo de
pensar estruturado na lógica da contigüidade, acreditado por muitos, como estrutura do
pensamento.

Entende-se que IR SVV é fundamentalmente da natureza humana. E é a partir desta idéia


que se torna possível o desenvolvimento da hipermídia que se quer neste projeto.

O Q É IR SVV?

O que chamo de inter-relação das linguagens SVV nesta pesquisa pode ser entendido como =
relação mútua entre as três linguagens. A idéia de relação mútua significa que o sonoro o
visual e o verbal se articulam em linhas de informação que justapostas geram novos
significados. Processo semelhante a montagem cinematográfica de Eisenstein, que por sua
vez se inspira no ideograma oriental.

Cada elemento, cada parte, cada linha de informação carrega significados que podem vir a
compor em contraponto outros significados. Isto é o fundamento do CH.

Assim para que ocorra CH é necessário que duas convenções fortemente enraizadas
culturalmente sejam desconsideradas: a linearidade e a hierarquia.

Conseqüentemente 2NÃOS importantes se destacam:


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1ºNÃO! - a não estruturação de modo linear.
2ºNÃO! - a não hierarquia entre as linhas de informação.

1ºNÃO! - IR SVV não se estabelece na lógica linear, não se ajusta as idéias logocêntricas, não
ocorre através de associações por contigüidade. Valoriza-se a simultaneidade. As linhas de
informação podem ser justapostas de vários modos, porém não há privilégio ou predomínio
da lógica verbal. Os significados surgem por associações analógicas. Cabe esclarecer que a
NÃO linearidade não exclui a linearidade, apenas descarta-se o conceito de linearidade.

2ºNÃO! – IR SVV não se estabelece por hierarquia, ou seja, as linhas de informação são
independentes, as relações entre estas linhas ocorrem através de associações livres.

1EX:emplo de hierarquia pode ser observado na linguagem cinematográfica, onde os


elementos audiovisuais são na maioria das vezes subordinados a narrativa verbal. O cenário,
o figurino, a iluminação, a sonoplastia, a música, por exemplo, são desenvolvidas na maioria
das vezes em função do interesse do argumento do filme, como apoio para contar história.
Estes elementos não são pensados como linhas de informação que podem agir
individualmente. Até mesmo porque o meio não permite que isto ocorra completamente.

OBS.: Seria ingênuo considerar estes 2NÃOS!! como normas rígidas, cabe à recepção o modo
de leitura, portanto casos por exemplo, como o da ilustração, onde uma imagem funciona
apenas como redundância visual do texto verbal, poderão ocorrer, ainda assim de modo não
tradicional, pois a intenção que se quer é gerar significados a partir da justaposição de linhas
de informação por sobreposição ou em seqüência.

A IR SVV surge, então, de um caminho determinado pela crescente proliferação de


linguagens híbridas, que se misturam e se contaminam cada vez mais intensamente.

A partir da linguagem digital, que permite transformar dados de todos os tipos em


informação numérica aumentou muito as possibilidades de mistura entre linguagens. Esta
possibilidade coloca qualquer elemento sonoro, visual ou verbal, nas mesmas condições de
edição, manipulação, armazenamento e apresentação.

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Anteriormente a Revolução Industrial, no período pré-fotográfico, as produções sonoras,
visuais e verbais eram mais autônomas. Mesmo já apresentando algum tipo de
contaminação entre elas. Neste período estas linguagens ficavam limitadas a poucas
misturas sendo que, quando ocorriam, se caracterizavam principalmente por uma hierarquia
entre elas, ou seja, uma subordinada a outra.

Através da história se pode observar que em momentos variados, sistemas diferentes de


produção de linguagens estiveram presentes. A cada etapa que se sucedeu as combinações,
misturas, contaminações ou apropriações entre linguagens se tornaram mais freqüentes e
em maior quantidade.

Entrando um pouco nos eixos

Linguagem sonora
Audição

A audição é responsável pela captação de ondas sonoras geradas pela movimentação de


objetos no ar. Estes movimentos causam variações na densidade do ar que podem vir a ser
captadas pelas membranas sensíveis dos ouvidos. Este fenômeno denomina-se som. Os sons
se caracterizam fundamentalmente por existirem na passagem do tempo. A imaterialidade
das manifestações sonoras caracteriza-se como um fenômeno do instante presente sendo
de todos os fenômenos possíveis de captação perceptiva é o que menos se permite
aprisionar na memória. “A escuta captura o sensível do som, mas não pode retê-lo. Eis o
grande paradoxo: o ouvido é o menos confiável de todos os juízes.” (Santaella L. , 2001, p.
138)

A percepção neste caso funciona como um cursor do tempo que dispensa o que se
apresenta na mesma velocidade em que se atualiza. Isto não significa que não existe
memória auditiva, a redundância sonora principalmente no que diz respeito às qualidades
timbrísticas dos fenômenos, estabelece referências concretas para que se possa reconhecer
e compreender os significados desses sons. Segundo Peirce os signos, em relação ao seu
objeto, podem representar por semelhança (ícone), por conexão direta com o objeto (índice)
ou por convenção (símbolo). Apesar de todos os signos terem um pouco de cada uma destas
63
classificações, ênfases são encontradas. Os signos sonoros também se caracterizam desta
forma. Um alarme sonoro que pode causar surpresa a um ouvinte desprevenido e causar
uma carga de adrenalina, também informa uma invasão.

Tarefa mais árdua para a memória são os sons organizados em forma de música, quando
esta é feita somente por instrumentos e não se apóia na estrutura vocal/verbal. A matriz
sonora é mais facilmente relembrada quando se estrutura de forma híbrida com elementos
específicos das outras duas matrizes, a visual e a verbal.

Como Linguagem

A linguagem sonora é a que apresenta maiores dificuldades para ser aceita como linguagem
tendo em vista que constantemente se recorre ao modelo da lógica verbal par efetuar
comparações. Esquece-se que se trata de signos de naturezas muito diferentes que
requerem estruturas de organização e códigos próprios. Porém observa-se que os elementos
sonoros são mais facilmente compreendidos quando se encontram organizados de forma
híbrida, ou seja, quando a Matriz da Linguagem sonora se mistura com as Matrizes das
Linguagens visual e verbal.

É interessante observar que grande parte da música ocidental, especificamente todas as que
estão organizadas pelo sistema tonal, tem se baseado em analogias com o sistema
lingüístico para designar e estruturar os seus próprios elementos. Entretanto esta restrição
tem sido pouco a pouco abandonada a partir da dissolução do tonalismo, momento onde a
música se abre a múltiplas possibilidades.

A teoria geral dos signos, ao contrário da lingüística, foi desenvolvida de tal forma que
qualquer coisa é signo. Peirce fundamentou a classificação dos signos partindo das
categorias universais da sua fenomenologia, fez da semiótica uma ferramenta teórica que
pode ser aplicada a qualquer tipo de signo, estudar vários sistemas semióticos analisando-os
e compreendendo-os como linguagem. Desta forma considera-se o sonoro também como
possibilidade de ser organizado como linguagem.

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Características:

A linguagem sonora se caracteriza por depender da passagem do tempo. Como não se fixa,
só existe no momento presente. O som surge e imediatamente desaparece. É um fenômeno
exclusivo do sentido da audição, que o torna ainda mais escravo do tempo.

As ondas sonoras se propagam no ar, movem-se em todas as direções, chocando-se com


diversos obstáculos de todos os tipos e origens, vibram em materiais diversos e desta forma
podem ser sentidas através do conTato com o corpo. As ondas podem ser percebidas pelo
tato, mas o que causam ao movimentar-se pelo ar só são sentidos pela audição.

Este modo de ser do som dificulta o estudo e o controle, por este motivo vários sistemas de
escrita foram criados ao longo da história. Através da tradicional partitura tornou-se possível
também a reprodução de músicas por diferentes intérpretes em diferentes momentos. Do
ponto de vista do suporte, para que possa ser ouvida independente da presença dos
músicos, depende de equipamentos especiais que a cada dia são mais complexos e
sofisticados envolvendo cada vez mais parâmetros de controle.

Por ser escorregadio seu aspecto qualitativo e emocional se destacam e por isto mesmo
torna-se de difícil memorização. Questão que fica ainda mais complexa tendo em vista que é
uma linguagem que não possui referência externa.

A música, entretanto, dada sua grande fragilidade referencial, compensada por seu
enorme poder evocador, produz em nós uma espécie de predisposição para a
dominância do percipuum em nível de primeiridade. Não tendo atrás de si, como
acontece com a imagem visual, um objeto real ou pressentido, não estando presa,
como acontece com a linguagem verbal a conceitos mais ou menos fixos, a música
é presença quase pura, presentidade como está presente, capaz de estreitar o
fosso que separa o percepto do percipuum, produzindo uma fusão entre ambos.
(Santaella L. , 2001, p. 109)

Do ponto de vista da autoria a sintaxe sonora exige um conhecimento específico e complexo


exigindo intensa dedicação. Em se tratando da música como obra intelectual, além da
sensibilidade auditiva necessária os caminhos para a elaboração compositiva apresentam
níveis mais altos de abstração. O conhecimento musical é composto por três partes
imprescindíveis: 1audição treinada, 2intenso esforço envolvendo o aprendizado seja vocal
ou instrumental e 3domínio da linguagem.

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Hibridizasom

A música se desenvolveu na hibridação entre a linguagem sonora e a verbal em analogia


com a fala. A fala é o resultado de uma articulação entre os sons das palavras e a sua
entonação que tem como função enfatizar os aspectos da mensagem que se quer
comunicar. As variações de altura, intensidade e mesmo timbre podem ser observados na
fala comum. A música é o resultado do controle destas variações + o interesse estético.

Em termos de mistura de linguagens, a música, mesmo já sendo em alguns casos utilizadas


em eventos como cerimônias religiosas, danças, cantorias, entre tantas outras
manifestações não exclusivamente musicais, apresentava ainda certa independência. Em se
tratando de linguagem musical, as maiores referências históricas que se tem notícia são as
realizações artísticas de grandes compositores que se dedicaram exclusivamente a música.
Prova disto são as formas musicais que marcaram profundamente a história e a cultura
musical. O culto às formas musicais, que perdura até os dias de hoje, pré-determinava e
padronizava a idéia de utilização “pura” da linguagem musical. Sabe-se neste momento que
está pureza de linguagem, à luz da teoria das Matrizes da Linguagem e Pensamento, já se
apresentava contaminada.

Entretanto nos poucos casos onde a Matriz da Linguagem Sonora expandiu os seus limites e
se apropriou de novas linguagens de modo mais explícito, como o caso da ópera, por
exemplo, as linguagens agregadas foram mantidas subordinadas a linguagem musical.
Outros exemplos clássicos que se pode citar são a dança e o teatro, no primeiro caso a
música servindo a coreografia, no segundo ao texto verbal.

Linguagem visual
Visão

A visão é um processo complexo que se inicia com a captação das radiações luminosas,
passando por certos mecanismos fisiológicos e psicológicos que determinam impressões do
mundo: as cores, as formas, o movimento, a distância e também o relevo.

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O olho é o órgão sensorial da visão e por onde começa a percepção. É por ali que os raios
luminosos emitidos ou refletidos pelos objetos entram passando por um processo de busca
e focalização automático para então formar uma imagem nítida sobre a retina. A retina,
composta de células sensoriais fotossensíveis (cones e bastonetes), transmite os dados
visuais, que seguem através do nervo óptico e do núcleo geniculado lateral, para o córtex
cerebral. Finalmente no cérebro ocorre o processo de análise e interpretação dos dados que
permite compreender as distâncias, cores, movimentos e formas dos objetos. (Nishida,
2007)

A 300.000 Km/s a luz se propaga isso significa que a fotorrecepção é tão sensível que pode
informar ao sistema nervoso central em tempo quase real sobre o que ocorre no ambiente
externo, possibilitando excelente resolução espacial e temporal.

Entretanto isto não é tudo, além da construção visual sobre o ambiente onde se encontram,
as imagens são utilizadas como elementos de comunicação. Os estudos sobre percepção
visual têm mostrado que o que se vê está longe de ser apenas a imagem conforme ela se
forma na retina. Muitos estudiosos têm se dedicado a esse assunto, destaca-se, entretanto,
a Gestalt como uma das mais importantes teorias da percepção visual do século XX.

Gestalt significa aproximadamente forma, mas está + para estrutura/organização.

Para os estudiosos desta teoria os elementos visuais são percebidos como padrões
estruturais organizados e significativos. As chamadas leis de organização da Gestalt
apresentam seis aspectos principais que determinam a percepção visual: proximidade,
similaridade ou semelhança, fechamento, simetria, destino comum e continuidade.

Como Linguagem

Conforme já foi visto anteriormente os signos podem ser internos ou externos, ou seja, as
representações visuais podem ser formadas na mente assim como também podem ser
estruturadas como linguagens externas. Muito antes de o homem registrar em imagens a
palavra falada, já o fazia com as representações visuais do mundo: as pinturas nas cavernas
constantemente têm sido retomadas justamente pela importância e significação que tiveram

67
para a expressão e comunicação humana. Desde então o interesse pelas imagens, nos seus
mais diversos tipos e desdobramentos, nunca mais cessou, pelo contrário este interesse se
disseminou se multiplicando em variadas formas de linguagem.

Até a invenção da fotografia a representação visual restringia-se apenas a suportes fixos,


mas a partir do advento do cinema, à imagem se junta o elemento tempo multiplicando
ainda mais as possibilidades do surgimento de novas linguagens.

Características:

A linguagem visual se caracteriza por ter a forma como eixo. A percepção da forma esta
condicionada principalmente a visão apesar do não menos importante apoio do sentido
háptico. O sentido da visão é o que mais subsidia a apreensão dos objetos do mundo físico,
sendo, portanto, a linguagem visual a que mais aproxima o homem do mundo que o rodeia.

Gibson (apud Santaella, 2001, p. 204-205) realiza um exame minucioso em torno da palavra
“forma” procurando restringir o uso às formas visuais e se referindo somente aquelas que
derivam de objetos físicos. A partir desta restrição distingue três significados gerais para o
termo:

(1) A figura de um objeto em três dimensões. Diz respeito à forma dos objetos físicos. Esta
apresenta as seguintes subdivisões: forma sólida e forma de superfície.

(2) A projeção de tal objeto em uma superfície chapada, seja através da luz do objeto, seja
pelo ato humano de desenhar ou pela operação de construção geométrica, de que são
exemplos as imagens, pinturas, desenhos e esboços.

Subdivididas em: forma de esboço; forma pictórica; forma do plano; forma perspectiva;
forma sem sentido.

(3) A forma geométrica abstrata composta de linhas imaginárias, planos ou de suas famílias.

Subdivididas em: forma geométrica plana; forma geométrica sólida; forma projetada.

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A Imagem

Em relação à produção da imagem muitos autores desenvolveram estudos para


compreender estas etapas e suas características. Júlio Plaza e Monica Tavares (1998, p. 24)
consideram três os paradigmas da imagem a partir do caráter, da produção e da recepção.
As imagens de primeira geração, de caráter artesanal e único, cujo regime de produção é o
analógico (desenho, pintura, etc.) e cujo regime de recepção é o “valor de culto”.

As imagens de segunda geração, imagens técnicas de caráter reprodutível cujo regime de


produção é o analógico/digital (gravura, fotografia, cinema, vídeo) em que o regime de
recepção é o “valor de exposição”.

E as imagens de terceira geração, que sob o rótulo genérico de Imagens de Síntese, são
realizadas por computador com a ajuda de programas numéricos ou de tratamento digital e
sem auxílio de referentes externos. Estas imagens em disponibilidade permanente em
matrizes-memórias numérico-magnéticas inauguram uma nova forma de reprodutibilidade,
cujo regime de recepção é o “valor de recriação”.

Para Santaella & Nöth (1998, p. 163) também são três os paradigmas da imagem: paradigma
pré-fotográfico, ou produção artesanal, que dá expressão à visão por meio de habilidades da
mão e do corpo. Paradigma fotográfico, que inaugurou a automatização na produção de
imagens por meio de máquinas, ou melhor, de próteses óticas. Paradigma pós-fotográfico
ou gerativo, no qual as imagens são derivadas de uma matriz numérica e produzidas por
técnicas computacionais.

Já Paul Virilio (2002, p. 91) divide em três eras: a era da lógica formal da imagem, é a da
pintura, da gravura e da arquitetura, que se conclui com o século XVIII. A era da lógica
dialética é a da fotografia, da cinematografia ou, se se preferir, do fotograma, no século XIX.
A era da lógica paradoxal da imagem é a que começa com a invenção da videografia, da
holografia e da infografia.

Das classificações apresentadas acima se observa parcial similaridade entre elas. Para efeito
neste trabalho, destaco um período artesanal, o do contato direto das mãos do artista no
suporte/imagem; um intermediário onde o aspecto principal é a inserção de um aparato

69
tecnológico entre o artista e a imagem; e um terceiro onde o aparato tecnológico, hardware
e software geram as imagens.

Hibridização

Levando em conta os paradigmas citados pode-se observar que na passagem de um para


outro aumentou e muito a hibridez das produções visuais.

No primeiro paradigma, o artesanal, a linguagem visual foi marcada por um longo período
por se manter independente. Estas manifestações mais puras da produção de imagens
caracterizam-se por estar mais voltadas a questões específicas da linguagem visual. Houve
quem estivesse interessado na sintaxe como também outros que estavam preocupados com
a similaridade com o real. Como já foi visto não há forma sem qualidades, portanto nessas
representações visuais o eixo do sonoro já estava presente, bem como também o eixo do
verbal, porém essa hibridização ainda estava se manifestando contidamente.

Conflito interessante ocorre a partir do nascimento da fotografia, neste novo período,


surgem novos interesses. Este período da história da imagem, no século XIX, caracteriza-se
por uma forte tensão causada pelo “encontro” entre o fazer artesanal e o fotográfico. Dois
paradigmas que se chocam e passam a coexistir. Evidentemente as mudanças não ocorrem
num corte isolado no tempo, as novidades vão se alastrando e alterando gradativamente o
ambiente. Não apenas implantando o novo, mas também questionando o antigo.

Por um lado (1) os artistas pressionados pelo invento procuram novos horizontes e acabam
introduzindo novos elementos em suas linguagens, ainda transitando pelo período artesanal,
e por outro (2) surgem artistas que se dedicaram a explorar as possibilidades da nova
máquina, estes no período fotográfico.

Neste período, desse conflito, surgiram muitas transgressões artísticas que causaram
mudanças importantes que avançaram para além dos limites da arte.

O dadaísmo, especificamente com Marcel Duchamp e os seus “readymades” introduziram


novos conceitos. Ao questionar o que é e o que não é arte, Duchamp abre espaço para a
invasão de elementos de naturezas diversas e contaminação da obra de arte como
70
linguagem visual autônoma. O surrealismo de Magritte quando inclui na pintura a palavra
escrita, inicia outro caminho, agora a inter-relação entre signos visuais e verbais.

Caracterizado pela inserção da máquina entre o homem e a obra, este período é rico em
misturas e contaminações entre as linguagens. As inter-relações já apresentam maior
complexidade. Trata-se das imagens de segunda geração, do paradigma fotográfico.

A fotografia é a porta de entrada de um novo paradigma. Resultado de pesquisas em vários


âmbitos, esta tecnologia possibilita a captação de uma imagem para a gravação de uma
matriz, um filme em negativo, do qual é possível tirar cópias. Este invento inaugura e
simboliza uma era de novos “olhares” para o mundo. A fotografia já nasce com a bandeira
da inter-relação das linguagens, é resultado da união entre os conhecimentos de física
mecânica e ótica, e da química.

Da fotografia nasce o cinema. Agregando novos conhecimentos a máquina se torna um


processo de captura, gravação e projeção de imagens criando nos observadores uma ilusão
de movimento.

A linguagem cinematográfica é uma mistura de linguagens. É uma conjunção de elementos


audiovisuaisverbais. Num primeiro momento o que se apresenta mais objetivo e mais claro
para a recepção é a apresentação da imagem em movimento, porém o que articula tanto a
seqüência, quanto os aspectos destas imagens é a narrativa verbal já pré-determinada no
argumento. As relações da imagem dinâmica com a sonora num primeiro momento não se
tratam de relações entre signos, ocorre apropriação da linguagem sonora no que é
representativo e específico dessa linguagem: a passagem do tempo.

Cinema também é verbal já que ocorre narrativa. No cinema as relações entre signos
auditivos e visuais torna-se essencial. Cinema é som e imagem sincronizados, sejam nos
aspectos relativos à narrativa, aos diálogos, ou nos aspectos visuais/sonoros: nas
imagens/trilha sonora e nas imagens/sonoplastia. Em geral o cinema prioriza o verbal. Os
elementos visuais e sonoros complementam a narrativa.

Se a fotografia reformulou o pensamento no século XVIII e inaugurou um novo paradigma, a


imagem digital agora faz esse papel neste início de século XXI.

71
As imagens digitais também chamadas de imagens de síntese, imagens da terceira geração
ou paradigma são produzidas em computadores e programas. São derivadas de uma matriz
numérica e neste estado ficam permanentemente disponíveis.

Partindo do tratamento digital similar para todas as três linguagens, surge a hipermídia
como ponto culminante deste paradigma. A possibilidade de utilização de sons, de imagens
e de textos verbais seja escrito ou falado em uma mesma mensagem, disponibilizá-la
virtualmente para o uso e permitir ao usuário que determine a direção e a seqüência da
leitura, é um fato inédito.

Linguagem verbal
A Matriz da Linguagem verbal, ao contrário da sonora e da visual que estão ligadas a audição
e a visão respectivamente, não possui um sentido exclusivo. A linguagem verbal se
estabelece nas convenções estabelecidas coletivamente. É o resultado das ligações entre
homem e a natureza, surgiu como interface, como mediação, serviu para o homem
compreender e desenvolver conhecimento sobre as coisas que o rodeia. Desta forma pode-
se dizer que é o resultado das escolhas feitas pelo homem, escolhas que o mundo exterior
impôs e que percebidas “exigiram” determinadas ações.

Em termos semióticos o que distingue os signos verbais é o fato de que representam alguma
coisa através de relações codificadas, estabelecidas por convenções edificadas pelo uso, por
hábitos ou leis. Exigem, portanto, do intérprete conhecimento dos códigos e sistemas que
regem estes signos. Longe de guardarem semelhanças com o objeto a que se referem os
signos verbais requerem lógica de organização e por isso são também mais abstratos.

Estas convenções abstratas se desenvolveram sob qualidades e materializações específicas


contempladas ao mesmo tempo por dois códigos distintos, o verbal sonoro = a fala, e o
verbal visual = a escrita.

O verbal falado ou a oralidade, conforme observa Lévy (1993), divide-se em dois momentos:
a oralidade primária quando diz respeito ao papel da palavra antes da adoção da escrita por
uma sociedade, e a oralidade secundária quando o uso da palavra complementa ao da
escrita. “Numa sociedade oral primária, quase todo o edifício cultural está fundado sobre as
72
lembranças dos indivíduos. A inteligência, nestas sociedades, encontra-se muitas vezes
identificada com a memória, sobretudo com a auditiva.” (p. 77)

Os recursos de memória das sociedades orais ficam restritos a possibilidades em torno da


fala, pode-se dizer que

[...] as representações que têm mais chances de sobreviverem em um ambiente


composto quase que unicamente por memórias humanas são aquelas que estão
codificadas em narrativas dramáticas, agradáveis de serem ouvidas, trazendo forte
carga emotiva e acompanhadas de música e rituais diversos. (Lévy, 1993, p. 83)

Ou seja, o recurso para manter a memória foi criar novas possibilidades a partir da
justaposição de outras linguagens, buscando associações entre elementos que pudessem
funcionar como veículos indiciais de lembranças. = um tipo de linguagem híbrida.

Entendo que as linguagens híbridas podem ser de dois tipos, 1justaposição de duas ou mais
linguagens já estabelecidas, como, por exemplo, quando o verbal falado e a música se
justapõem = canção. 2quando é o eixo de uma matriz que é emprestado para a outra
linguagem = a musica instrumental tonal é exemplo, nela não ha texto verbal propriamente,
mas está estruturada dentro de uma lógica ou eixo da Matriz da Linguagem verbal que é o
discurso. : Não é sem sentido falar de frases musicais, frases interrogativas, frases
conclusivas, períodos, entre muitas referências que se faz à linguagem verbal, porém quando
está se tratando de música = linguagem sonora.

O verbal visual = a escrita inseriu outra questão: a possibilidade da comunicação


independentemente do aqui e agora. A oralidade requer sempre uma re-apresentação, um
contar de novo, e a presença do emissor e do receptor. A escrita rompe com essa
necessidade sincrônica.

A memorização das informações em suportes físicos, de modo que possam ser acessadas a
qualquer momento causam grandes mudanças de pensamento e, por conseqüência na vida
das pessoas. A escrita “[...] ao intercalar um intervalo de tempo entre a emissão e a recepção
da mensagem, instaura a comunicação diferida, com todos os riscos de mal-entendidos, de
perdas e erros que isto implica.” (Lévy, 1993, p. 88)

Se por um lado a escrita representa a perda da interação em tempo real entre emissor e
receptor, por outro lado se desenvolveu silenciosamente buscando cada vez mais construir
73
discursos auto-suficientes = as teorias. Desta forma a escrita fez história. O LIVRO. Todas as
atividades humanas passaram a ser eternizadas neste suporte de memória permanente. A
invenção da imprensa potencializa estes aspectos e de certa forma nos prende
culturalmente nesta interface modelo de ver, ler e pensar o mundo.

Características

A linguagem verbal, falada e escrita, se estabelece a partir de um código estabelecido


convencionalmente carregando em si uma certa lógica: uma lógica discursiva, linear, de
causa e efeito, de princípio/meio/fim. Décio Pignatari (2004) informa que:

Essa lógica se baseia na estrutura fundamental das línguas ocidentais, que é a


predicação: sujeito/predicado/atributos. Na predicação, há um verbo que domina
todo o sistema: é o verbo ser. Dentro desse sistema, você pode afirmar qualquer
coisa, por mais absurda e contraditória que pareça, no mesmo nível de certeza:
Deus é grande, Deus é pequeno, Teófilo é burro, você é legal, você é careta, a Nena
já era.

Essa lógica é composta por um código alfabético escrito com pouco mais de duas dezenas de
sinais com capacidade de produzir milhares de palavras. Desta forma “[...] favorece a
dominação da contigüidade e da metonímia: ela nos leva a ver o mundo em pedacinhos
separados, desligados uns dos outros. Essa lógica permitiu o avanço da ciência, mas relega a
arte a um papel secundário na sociedade.” (Pignatari, 2004, p. 47)

Os âmbitos do sonoro e do visual são delimitados obviamente pelos fenômenos auditivos e


visuais respectivamente. O que delimita a linguagem verbal, entretanto, é o seu próprio
sistema de convenção, os seus códigos estabelecidos e o modo como se organizam. Estas
características determinam uma forma de escrita e de leitura do mundo e
conseqüentemente um modo de pensar.

A escrita((lei)tura) da direita para a esquerda, de cima para baixo, bem como o modo como
se estruturou em volume, seqüências de páginas numeradas, organização em capítulos,
determinou um modo de compreensão e comunicação com o mundo, entretanto
sedimentou-se culturalmente de tal modo que quase não se percebe outras possibilidades

74
de linguagem. O homem tornou-se escravo da sua própria forma de ler e representar o
mundo. Porém, é impossível negar a sua importância.

A Matriz da linguagem verbal tem como eixo o discurso.

Santaella (2001, p. 287) informa que a discursividade é, como eixo do verbal, “[...]
seqüencialização de um argumento, descritivo, narrativo e dissertativo, é uma característica
própria da matriz verbal, visto que nenhuma outra linguagem consegue realizá-lo de
maneira tão otimizada quanto a linguagem verbal.”

Tanto o sonoro quanto o verbal são dependentes do tempo diferem pelo fato de que as
seqüências sonoras são desprovidas das qualidades de representar algo fora do som ou das
fontes de onde vêm, enquanto só a verbal é capaz de dissertar.

Hibridização

A linguagem verbal é por natureza híbrida. Conforme já foi comentado possui dois códigos, o
primeiro verbalsonoro cuja conexão com o objeto que representa é mais direta e o segundo
verbalvisual, um código desenvolvido para memorizar informações do código verbalsonoro.

Observando outros aspectos menos óbvios do caráter híbrido da linguagem verbal,


considerando os eixos predominantes de cada matriz, também se pode observar facilmente
a presença dos eixos do sintático e da forma, da matriz sonora e visual respectivamente. Não
há discurso sem sintaxe e forma.

Pode-se perceber facilmente sem muito investimento a presença da linguagem verbal, eixo
do discurso na quase totalidade das atividades humanas, porém, para os interesses desta
pesquisa o que mais interessa e se destaca pela inter-relação das 3 Matrizes é a Poesia
Concreta13.

13
Ver capítulo (3) Referências históricas de inter-relação teórica e prática. Poesia Concreta.
75
Conceito de fragmentação

Como ocorre o fluxo do pensamento?

Para Peirce, fenômeno é qualquer coisa que surja a mente independente de sua origem. Não
é difícil imaginar que a mente é um complexo de múltiplos fenômenos que surgem
constantemente formando uma espécie de contraponto de semioses que dão sentido a um
pensar. As semioses não são únicas e isoladas no tempo. O pensamento não é linear,
embora culturalmente dominados pelo logocentrismo se pense que seja.

Observa-se que ocorre constante fragmentação no fluxo do pensamento. Não há uma cadeia
ininterrupta de interpretantes que esgote um signo para depois surgir outro, bem como
também não ocorre isolamento de um único signo presente a mente. Pelo contrário o
pensamento é complexo, é múltiplo, infinito e sofre constante transformação, ou seja, no
instante presente vários signos podem compor o pensamento, ampliando possibilidades e
sugerindo conexões entre as cadeias de interpretantes, que se contaminam e se alteram
constantemente nesse processo.

A fragmentação não se trata apenas de um conceito de interrupção do encadeamento da


semiose, as interrupções ocorrem por interferência de novos fenômenos que surgem
independentemente, determinando novas semioses, fazendo ou não parte do mesmo
contexto. Por exemplo, ao mesmo tempo em que estou pensando no como escrever este
texto, não deixo de perceber vários outros fenômenos que se apresentam a mim, os quais
também sugerem e determinam outras e novas semioses. Entretanto o pensamento inicial
pode ser retomado e, conforme interesse ou conforme a disponibilidade dos dados na
consciência ou na memória, seguir o fluxo normal da semiose.

Portanto o conceito de fragmentação sugerido neste caso é o de interrupção e retomada.


Quando a continuidade de um dado pensamento é interrompida, muitos outros se
apresentam a mente, mas quando o interesse surge novamente, em seguida, ocorre a
retomada. Cabe dizer que tanto a interrupção como a retomada não se apresentam aqui

76
como acontecimentos em si mesmos, independentes e isolados, pelo contrário, ambos são
contaminados pelos demais signos presentes a mente naquele instante. O fluxo do
pensamento é como uma montagem de várias semioses que ocorrem simultaneamente ao
cursor do tempo.

Certo apoio a estas idéias sobre o fluxo do pensamento se encontra na teoria do


neurocientista António Damásio (2003) que ao tratar do problema da consciência na
perspectiva da neurobiologia, resume assim sua idéia de pensamento:

[...] o processo a que chamamos mente, quando as imagens mentais se tornam


nossas devido à consciência, é um fluxo contínuo de imagens, muitas das quais se
revelam logicamente interligadas. O fluxo move-se para a frente no tempo,
depressa ou devagar, de forma ordeira ou sobressaltada e, algumas vezes, avança
não apenas numa seqüência mas em várias. Outras vezes, as seqüências
concorrem, convergente ou divergentemente, e algumas vezes sobrepõem-se. O
pensamento é uma palavra aceitável para traduzir um tal fluxo de imagens. (pp.
362-363)

Imagem para Damásio não se refere apenas a visualidade, o autor entende por imagem um
padrão mental originado de qualquer uma das modalidades sensoriais como, por exemplo,
uma imagem sonora, uma imagem táctil, a imagem de um estado de bem-estar. “As imagens
representam aspectos das características físicas do objecto e podem representar o gosto ou
aversão que se pode nutrir por um objecto, os planos que se podem formular para esse
objecto, ou a teia de relações desse objecto com outros objectos.” (2003, p. 28)

Considerando que são muitos os fenômenos que se apresentam as interfaces da percepção,


pode-se imaginar que boa parte deles não são completamente absorvidos. Alguns aspectos
são apreendidos e outros ignorados. Variam de acordo com a força de ação de cada
fenômeno, ou mesmo a capacidade perceptiva do indivíduo naquele instante que por outros
fatores sejam internos ou externos não é capaz de absorver. É importante ressaltar que o
bombardeio de fenômenos que atingem constantemente um indivíduo, apesar de serem
captados apenas em parte, os que geram semioses são suficientes para apresentar a imensa
complexidade que é o pensamento humano. Observando Damásio (2003, p. 156) :

Preste atenção, por um momento, à sua tarefa actual. As palavras desta página e os
pensamentos que estas geram exigem, em termos psicológicos tradicionais, um
fenômeno chamado atenção, uma capacidade bem limitada, quando se trata de
processamento mental em tempo real. As minhas palavras e os seus pensamentos
dominam quase integralmente toda a capacidade de processamento atento que o
leitor tem disponível. Com toda a probabilidade, o leitor não está simultaneamente
77
atento a todas as imagens que neste momento evoca, ao mesmo tempo que
analisa este texto, e muito menos poderá estar atento a outras imagens que
também está a evocar, e que não se relacionam com o texto. Conseqüentemente, é
provável que alguns dos meus pensamentos se tornem salientes, enquanto outros
desaparecem do primeiro plano mental – por exemplo, as palavras desta página
poderão ficar desfocadas momentaneamente, ou até desaparecer, se o leitor
começar a reflectir sobre outras imagens no seu pensamento. A subtileza não
atinge desproporcionalmente e desfavoravelmente os representantes do seu eu. A
subtileza caracteriza o funcionamento da mente. (Damásio, 2003, p. 156)

O conceito de fragmentação incorpora a idéia de interrupção e retomada, que funciona na


composição do pensamento de modo similar a montagem cinematográfica. Esta montagem
ocorre na passagem do tempo e intercala cenas diversas que ao se encadear se contaminam
e se transformam constantemente.

Reformulando,

a multiplicidade de informações percebidas simultaneamente mostra a capacidade humana


de receber, processar e transmitir informação. O pensamento apesar de ininterrupto é
fragmentado e capaz de articular vários temas, passeando por um ou por outro ou vários,
tecendo uma rede complexa de signos. É um encadeamento de signos que podem ser
interrompidos e novamente conectados sem perder a lógica ou a coerência. Pode ser
retomado.

Em mensagens múltiplas ocorre uma seleção dos dados no ato da recepção seja por
interesse do receptor, algo que chame a atenção, ou motivado por um contraste no
momento da percepção, algo que o desloque para a atenção. No primeiro caso ocorre um
interesse particular, baseado no repertório do sujeito, que determina a atenção, no segundo
um fato novo, de surpresa, um choque perceptivo torna-se alvo da atenção.

As ondas sonoras, os feixes de luz, a materialidade dos objetos, o cheiro e o gosto; e os


modos como são captados: a audição, a visão, o tato, o olfato e o paladar; estas variedades
de elementos que se apresentam a percepção permitem que múltiplas mensagens sejam
compreendidas e processadas. Os sentidos são como interfaces que captam e permitem a
entrada de informação externa para serem processadas e sintetizadas pela mente/cérebro.

78
Por fim ainda cabe dizer que a entrada de dados através da percepção não obedece a
seqüência ou hierarquia, a chuva de informações adentra a mente onde são selecionadas e
sintetizadas.

O conceito de fragmentação nas linguagens audiovisuais

Nesta etapa foi desenvolvido estudo com o intuito de analisar algumas linguagens a partir do
conceito de fragmentação e em seguida observar divergências e convergências entre a
estrutura do pensamento e estas linguagens.

Na história observa-se que a cada nova descoberta, a cada novo avanço tecnológico, a
cultura é afetada. Com o uso novos hábitos surgem e acabam condicionando o modo de agir
no mundo. Os hábitos são forças de comando invisíveis contra as quais não há reação.

A escrita impressa ocidental, por exemplo, estruturada de cima para baixo, da esquerda para
a direita, a organização das páginas em formato retangular e em seqüência determinada, o
alfabeto, entre outras características, condicionou não somente a leitura/escrita verbal
como também impediu que outros modelos pudessem ser estabelecidos.

Na linguagem cinematográfica a passagem de imagens em seqüência, os enquadramentos, a


montagem, entre outros elementos, determinam uma forma de leitura audiovisual que se
tornou padrão, dificultando que qualquer outra forma se desenvolva. A própria TV,
influenciada pela linguagem cinematográfica, acabou se apropriando/acatando, por
exemplo, a imagem recortada, em forma de retângulo, como padrão. Outros formatos de
exibição acabaram sendo pouco pesquisados.

Independentemente para qual lado ocorrem as expansões, o que se mantém e o que se


renova em cada uma delas, o conflito entre novos e antigos paradigmas tecnológicos age
sempre em torno dos hábitos. Por exemplo, o avanço tecnológico em direção da captação e
reprodução de imagens em movimento gerou um choque na forma de pensar no século XX,
um embate entre hábito linear determinado pela escrita e a não linearidade da cultura
digital.

79
Cinema

A linguagem cinematográfica se estabeleceu a partir das experiências realizadas entre a


câmera e o objeto filmado. Entende-se a câmera não somente como o dispositivo de
captura, mas como também o lugar/olhar do selecionador do enquadramento que almeja
por fim o olhar do espectador. Em poucas palavras pode-se dizer que inicialmente o
movimento ocorria a partir do movimento do objeto em frente a câmera parada, depois a
linguagem se desenvolveu na dinâmica entre as possibilidades com a câmera e com o objeto,
organizadas em seqüências/montagens.

A montagem era realizada a partir da seleção de imagens em seqüências que eram


literalmente coladas uma depois da outra de maneira que no momento da projeção, as
cenas se sucedessem conforme a lógica desenvolvida no roteiro.

Ao olhar para o mundo através de um espaço delimitado pela lente e pelo enquadramento
retangular, e em seguida determinar uma seqüencia para o espectador, produz-se uma
informação selecionada e recortada/fragmentada.

Desta forma, a linguagem cinematográfica se aproxima do conceito de fragmentação. Neste


caso o que se tem é apenas uma única seqüência que sofre interrupções e retomadas
planejadas para dar o sentido que se deseja ao filme. Os receptores guardam na memória
essas seqüências/signos e as reconstroem numa lógica totalmente possível de entendimento
da mensagem. Em obras cinematográficas que se exige pouca interação deste tipo, as
mensagens são compreendidas da mesma forma pelos receptores, em outras esta
possibilidade da linguagem como recurso de criação artística serve para produzir significados
abertos ao receptor.

TV

A linguagem televisiva apresenta duas possibilidades de produção e transmissão. Uma


realizada totalmente ao vivo e outra programada. Nas produções e transmissões ao vivo, o
recorte/enquadramento e a seqüência são determinadas por uma escolha em tempo real
diferentemente do modo tradicional programado para ser apresentado em uma

80
determinada seqüencia. Neste aspecto não há diferença para relacionar com o conceito de
fragmentação. Ambas apresentam este conceito, porém a montagem/edição ao vivo, por ser
ao vivo, está mais próxima do conceito de fragmentação.

Outro aspecto que acusa a presença do conceito de fragmentação e é uma característica


específica da TV, trata-se da interrupção que a seqüência de um filme ou programação sofre
para apresentação de comerciais, que poucos minutos depois, é retomada do ponto onde
havia parado. Este procedimento surgiu na mídia televisiva como forma de viabilizar a
produção e a transmissão da programação. Os telespectadores absorveram esta forma de
apresentação. A interrupção e a retomada neste caso não acarretam nenhum prejuízo ao
entendimento da mensagem.

De modo mais radical, as programações que são apresentadas em capítulos diários ou


semanais são também exemplos de interrupções aceitas normalmente pelos
telespectadores. O conceito de fragmentação, interrupção e retomada, neste caso por ser
bastante dilatado permite que uma grande quantidade de informação extra e externa se
misture e contamine até que o efeito de retomada ocorra. A continuidade sofre, portanto,
uma sobrecarga de informações vindas de diversas fontes, desde o contato entre as pessoas
até a influência oriundas de outras mídias como a revista, o rádio, o jornal e da própria
programação da televisão.

Hipermídia

Na linguagem hipermídia o conceito de fragmentação é ainda mais complexo e intenso. Três


aspectos principais corroboram para isto: a disponibilidade e cruzamento das informações,
os modos de leitura aliados ao potencial de escolha dado ao usuário.

Estes três aspectos aceleraram e ampliaram as possibilidades de obtenção e compreensão


das mensagens abrindo uma multiplicidade de caminhos e conseqüentemente uma
variedade de resultados. Mas também super ampliaram a fragmentação das mensagens.

81
A disponibilidade e cruzamento das informações são facilmente observáveis com uma
simples busca on-line. Qualquer pesquisa denuncia tanto a quantidade e a qualidade de
dados disponíveis quanto a diversidade de repertórios existentes.

Os modos de leitura possibilitam inter-relação das linguagens sonora, visual e verbal em


todos os seus desdobramentos. Desta forma a fragmentação se intensifica porque as
mensagens são sempre híbridas, em contraponto e tendem para a não hierarquia.

O potencial de escolha dado ao usuário é um poderoso dispositivo de fragmentação. A


autoridade e o domínio do que e como se deseja obter as informações, a seqüência e a
montagem em tempo real, as misturas ou combinações entre dados são freqüentemente
interrompidos e retomados.

O conceito de fragmentação neste caso ganha em complexidade. O potencial existente na


tecnologia da hipermídia no ciberespaço eleva este conceito a similaridades e aproximações
com a complexa estrutura do pensamento, ou seja, ao ofertar interação não hierarquizada,
inter-relação de linguagens e disponibilidade de informação, o conceito de fragmentação
ganha amplitude e se aproxima da complexidade do pensamento.

Conclusão

Conforme apresentado acima, o conceito de fragmentação foi ganhando em complexidade


conforme foram surgindo novas tecnologias capazes de capturar e reproduzir movimento. A
montagem da linguagem cinematográfica apresenta um nível baixo de interrupção e
retomada tendo em vista que a seqüência não foi montada em tempo real, e também foi
realizada dentro de certa expectativa de leitura. Na linguagem da TV a complexidade
aumenta porque também aumentam as possibilidades de interrupção e retomada (a
montagem tradicional, a montagem ao vivo, a fragmentação da programação). E por fim a
linguagem hipermidiática, num nível ainda mais complexo, que se destaca principalmente
por permitir que interrupção e retomada seja uma opção dada ao usuário.

Observa-se então que ocorrem aproximações e semelhanças entre a linguagem


hipermidiática e o modo como se estrutura o fluxo do pensamento. Evidentemente que

82
diferem muito em vários aspectos, como por exemplo, em capacidade de processamento e
na velocidade como ocorrem às interrupções e retomadas. De qualquer forma, estas
semelhanças apontam, ainda que de forma prematura, não só para uma reorganização da
forma de estruturação do pensamento, mas também para uma estabilização da linguagem
hipermidiática, entretanto, para isto se faz necessário que haja descontaminação daquilo
que atravanca: o pensamento e a cultura linear.

83
(3) Referências históricas de inter-relação teórica e prática.

Contraponto

O estudo do contraponto nesta pesquisa visa buscar, na sintaxe deste estilo de composição,
recursos para uma aplicação possível na criação de mensagens hipermidiáticas. Acredita-se
que um contraponto entre as linguagens SVV é uma possibilidade natural da concepção de
composição contrapontística. A sobreposição de vozes, apesar de soarem juntas, são
compostas e executadas de tal modo a permitirem ser percebidas como unidades distintas,
mas que também compõe um todo. No contraponto musical, nas várias etapas históricas em
que esteve presente, destaca-se rigoroso controle de todos os elementos da composição na
elaboração/criação de cada voz, mas ao final observa-se ao mesmo tempo independência e
inter-relação entre elas.

Pode-se dizer de certo modo que o contraponto musical esgotou as suas possibilidades
dentro dos limites do campo sonoro. O que se assiste agora são misturas entre linguagens, e
o contraponto como organização de vozes passa a servir de um possível modelo para o
desenvolvimento de um contraponto amplo entre linguagens.

Nesta etapa, portanto pretende-se apresentar de modo objetivo como o desenvolvimento


musical foi ganhando em complexidade e também adquirindo certas características, alguns
momentos os caminhos musicais foram envolvidos por fatores externos a linguagem como
em outros os avanços dentro da linguagem foram intensos e envolveram vários
compositores. Evidentemente o interesse maior para as intenções desta pesquisa é
aproximar as idéias e conceitos da música polifônica contrapontística com o Contraponto
Hipermídia.

Monodia

Na pré-história a música estava relacionada essencialmente com um sentimento, ou instinto


religioso. Os cantos e ritmos eram simples e repetidos obstinadamente com objetivo de

84
provocar o estado de transe. O ritmo, o emprego do grito e da dança utilizados inicialmente
como uma expressão de pureza primitiva foram se transformando em linguagem. (Stehman,
1964, p. 21)

Já a música grega antiga, que tanto influenciou a música ocidental mais conhecida,
caracterizava-se por ser vocal e monódica, a única voz quando acompanhada por
instrumentos recebia apenas um reforço em uníssono. A música cristã também apresentava
melodia única. Foi integrada a liturgia do ritual cristão desde as primeiras manifestações
onde se manteve fortemente associada durante muitos séculos.

Exemplo que mostra o quanto a música foi sendo conduzida ao longo da história, não
apenas por critérios próprios, mas outras questões extra linguagem ocorreu na primeira
etapa da música cristã (séculos III a XI) chamada de época Gregoriana, assim denominada
devido à reforma/padronização com intenção de unificar os ritos, imposta pela igreja
interessada em eliminar as possibilidades de transformação do rito ambrosiano,
contaminado pelos ritos bizantinos, célticos e moçárabes. Em termos técnicos esta reforma
introduziu o Canto Gregoriano: uma única linha melódica cantada sem qualquer
acompanhamento.

O canto religioso ficou protegido dentro destas regras por muito tempo, entretanto por
volta do século X, os compositores, os mestres do canto como eram chamados, resolveram
enriquecer o gregoriano, dando-lhe maior variedade expressiva. São estes os primeiros
passos da polifonia.

Polifonia

A polifonia caracteriza-se por apresentar mais de uma voz simultaneamente, ou seja, no


instante da execução, no momento sincrônico de duas vozes, quando a sonoridade se soma,
nesse instante a polifonia ocorre.

Uma das primeiras manifestações de polifonia (século X) está na música Enchiriadis, de


Hucbald no qual na “Rex Coeli, Domine Maris” apresenta-se a duas vozes, uma com a

85
melodia e a outra, superior em quartas paralelas. A este início da polifonia chamou-se
Organum. Este tipo de contraponto paralelo a duas vozes também foi chamado de diafonia.

Estes primeiros passos da música vocal a mais de uma voz, conforme foram sendo
estruturados e praticados deu origem a formas inusitadas na época. O Gymel inglês usava
um acompanhamento para a voz principal, em terça abaixo em movimento paralelo. O fá-
bordão, ou falso-baixo, era uma terça acima cantada na oitava abaixo da voz principal. O
conductus consistia em um canto ornamentado por uma segunda voz livre.

Aos poucos a monodia gregoriana foi sendo ornamentada através da polifonia. Stehman
(1964) informa sobre as mudanças em relação ao canto gregoriano:

[...] na sua pureza e nudez, emanação de um espírito adequado aos primeiros


séculos do cristianismo, corresponde a igreja românica na sua simplicidade. No
momento em que decorações e esculturas começam a cobrir estas paredes nuas,
no momento em que se animam as personagens dos frescos, até então
imobilizadas num hieratismo bizantino, surgem também os primeiros ornamentos
sobre a nudez gregoriana: a polifonia. (p. 64)

É fato que as transformações constantes que ocorrem na humanidade não são


acontecimentos isolados, em geral as mudanças se estabelecem envolvendo vários aspectos
daquele determinado momento. As novas informações surgem, vão sendo absorvidas com o
passar do tempo e vão se reestruturando e determinando novas transformações. Desta
forma pode-se dizer que a percepção humana vai se alterando juntamente com as mudanças
do mundo, ou seja, o pensamento, em conexão direta com a percepção, altera e é alterado
por essas mudanças.

Com a percepção auditiva e o pensamento musical também foi assim. Como se observa nas
palavras de Stehman, conforme a igreja românica vai deixando sua simplicidade, alterando a
percepção do mundo e adquirindo novos conceitos, a música segue junto adquirindo novos
contornos. Mas junto com as questões de fora do âmbito musical, foram também ocorrendo
acréscimos nas composições que foram ganhando em complexidade e ao mesmo tempo
desenvolvendo um repertório auditivo cada vez mais sofisticado e que exigia uma audição
mais atenta.

+1X
as transformações ocorridas afetavam >
e eram
86
< afetadas pelas alterações no modo de
perceber o mundo.

Webern (1984, p. 44) informa que a passagem da música com uma voz única para a polifonia
surge de uma necessidade de fazer intervir uma outra dimensão.

Inicialmente as idéias podiam ser apreendidas quando expressas numa só voz; na


mesma forma, nasceram mais tarde idéias que esse modo de apresentação era
insuficiente para exprimir. Foi necessário ganhar mais espaço, acrescentar outras
vozes à primeira. Isso não é acaso.

Outro ponto de observação

A série harmônica é um fenômeno acústico. A partir de um som (fundamental) segue uma


série de harmônicos (outros sons) que soam e compõem juntos, uma determinada qualidade
sonora. Mais especificamente quando uma corda vibra numa certa freqüência fundamental,
ressoam internamente outras freqüências que são seus múltiplos, estas freqüências
progressivamente são mais rápidas, e é esta série inteira que compõem o corpo timbrístico
do som. (Wisnik, 1989, p. 53) Os harmônicos acionados pela nota fundamental são
proporcionais a ela e produzem uma série de relações chamadas de intervalos.

Figura 3 Série Harmônica.


Fonte: (Wisnik, 1989)

Duas questões surgem a partir deste fato físico:

(1o fato de que um determinado som entendido muitas vezes como puro, é na verdade física
um som composto, ou um som série.

Um som tocado ou cantado em determinada altura já apresenta dentro de si um sistema de


intervalos. Pode-se dizer que configura dentro de si uma harmonia de múltiplos intervalos
soando simultaneamente. Uma espécie de acorde oculto. Sob este ponto de vista uma nota
musical deixa de ser apenas uma unidade pura e distinta dentro da composição para ser
87
vista como uma complexa rede harmônica. Complexidade que se amplia e intensifica
quando do encontro simultâneo entre dois sons, “é a série harmônica dos dois que está em
jogo.” (Wisnik, 1989, p. 54)

(2o outro aspecto é que os intervalos/relações determinados pela série assim se


estabelecem numa seqüência que começa pelo maior grau de afinidade entre as freqüências
da nota fundamental e o seu harmônico em direção ao maior grau de complexidade desta
relação.

Avaliando a seqüência dos intervalos se observa que os primeiros que surgem são os que
guardam maior afinidade com a fundamental e por isso também são os mais fáceis de serem
percebidos. Paralelamente a história mostra que a invenção musical percorreu
sucessivamente os intervalos da série acrescentando progressivamente em cada época um
intervalo a mais, cada vez mais d i s t ante da fundamental. O contraste entre os intervalos
de maior afinidade com a fundamental e os mais distantes nessa relação foi determinante
no desenvolvimento do conceito de consonância e dissonância. Este conceito foi-se
alterando e também foi sendo alterado juntamente com o desenvolvimento da escuta.
Assim, o ingresso e aceitação de um intervalo a + na sintaxe musical foram acontecendo
naturalmente em direção da inclusão de todos os harmônicos da série.

Para muitos os termos consonância e dissonância significam coisas opostas, porém


compartilho das idéias de Anton Webern (1984). O autor entende a evolução da música
ocidental pela conquista da escala harmônica donde as consonâncias se caracterizam por
apresentar harmônicos mais próximos na escala enquanto as dissonâncias, harmônicos mais
distantes. Desta forma estes conceitos longe de serem opostos, são apenas distinções
dentro de um mesmo sistema, diferem em graus e não em essência. Apenas se pode dizer
que os graus/harmônicos mais distantes podem provocar sensações mais picantes. (p. 36)

CdOiNsSONÂNCIAainânosSnIoDc

Portanto pode-se dizer que a construção melódica no contraponto é temperada por


encadeamentos que buscam equilíbrio através do controle de consonâncias e dissonâncias e
que boa parte da inteligibilidade da mensagem musical contrapontística está no domínio
deste jogo.

88
O contraponto musical também se alimenta destes conceitos que são aplicados deste a
estruturação da melodia até as relações entre vozes. O êxito deste tipo de técnica de
composição se dá na inter-relação entre as rígidas regras, ou seja, no controle intervalar
sincrônico e diacrônico em conexão com o domínio dos conceitos de consonância e
dissonância.

+ Contraponto

Do latim punctum contra punctum que significa nota contra nota. O entendimento de que o
Contraponto = nota contra nota é uma maneira extremamente simplista de tratar do
assunto. Entende-se contraponto como um conceito bem mais amplo que envolve uma
técnica apurada com requintado grau de invenção musical.

O contraponto é uma técnica de composição musical desenvolvida na idade média que teve
o seu ponto culminante nos séculos XVII e XVIII nas obras de Bach. Caracteriza-se
principalmente pela técnica de composição de melodias que se inter-relacionam como um
móbile de Calder buscando coerência e equilíbrio. Esta técnica também é muito utilizada em
muitas composições do século XX, como por exemplo, o dodecafonismo de Schoenberg.

Tecnicamente trata-se de composição musical que relaciona duas ou mais linhas melódicas
(vozes) simultaneamente. O diferencial é que estas melodias ao mesmo tempo em que
convergem para um macro sentido, também guardam independência, ou seja, cada uma das
linhas melódicas quando tocadas individualmente mantém a coerência e a qualidade da
obra como um todo. Pode-se dizer então, que do contraponto emerge duas dimensões, uma
horizontal dada por cada uma das linhas melódicas em separado e outra vertical que surge
da simultaneidade de duas ou mais linhas melódicas em contraponto.

Para tecer a malha contrapontística horizontal e vertical, exige-se que o compositor atente
para duas questões fundamentais que se entrelaçam: as regras e a criatividade.

As regras para a criação das linhas melódicas são extremamente rígidas. São apertadas com
intuito de garantir a coerência e o estilo. Funcionam como um dispositivo. Determinam
como proceder, mas principalmente indicam o que não deve ser feito, sempre em nome de

89
garantir a boa sonoridade. Servem para orientar a composição no sentido de manter tanto a
qualidade das linhas melódicas quanto as relações entre elas.

Marcas históricas

Em breve relato segue-se as obras que marcaram historicamente o estilo contrapontístico.

A primeira composição cíclica racional composta contrapontisticamente é a Missa de Nôtre


Dame de Guilhaume de Machault (1302-1377 aproximadamente). Composta a 4 vozes
representa a obra-prima do estilo gótico, “[...] parcialmente composta na base de uma série
de ritmos (isoritmia) que lembra a técnica dodecafônica de Schoenberg.” (Koellreuter, 1989,
p. 11)

90
Figura 4 Contraponto de Machault.
Fonte: (Koellreuter, 1989)

Josquin dês Prés (1440-1521) é um dos primeiros compositores que, preparando o período
humanista e racionalista da música, desenvolve valores de caráter acentuadamente
subjetivos em sua obra polifônica (música reservata). (Koellreuter, 1989, p. 13)

91
Figura 5 Contraponto Josquin des Prés.
Fonte: (Koellreuter, 1989)

92
O princípio que orienta o contraponto do século XVIII, cujo representante máximo é J. S.
Bach, é o da harmonia tonal (contraponto funcional). A interdependência das linhas
melódicas é estabelecida na base e lógica das progressões harmônicas, dentro do âmbito do
princípio da tonalidade. (Koellreuter, 1989, p. 14)

Figura 6 Contraponto de Bach.


Fonte: (Koellreuter, 1989)

93
Os princípios do contraponto do século XIX são, basicamente, os de Albrechtsberger,
professor de Beethoven, que parte dos princípios da harmonia diatônica. Talvez se possa
dizer que tal contraponto represente mais um sistema de harmonia movimentada do que
um contraponto propriamente dito. (Koellreuter, 1989, p. 16)

Figura 7 Contraponto ao estilo Albrechtsberger.


Fonte: (Koellreuter, 1989)

94
O contraponto dodecafônico da primeira metade do século XX é, basicamente linear,
lembrando, nesse sentido, o contraponto renascentista. Segue, em primeiro lugar, a ordem
intervalar da série, não deixando, no entanto, de considerar a qualidade dos intervalos
harmônicos, resultante da sobreposição das linhas melódicas. Readquirem importância os
meios tradicionais de estruturação contrapontística, tais como cânone, inversão,
retrogradação, aumentação e diminuição. Deixa de existir, na prática, o dualismo tradicional
consonância-dissonância, que cede lugar a um critério mais tímbrico da qualidade dos
intervalos (emancipação da dissonância). (Koellreuter, 1989, p. 17)

95
Figura 8 Contraponto Dodecafônico de Schoenberg.
Fonte: (Koellreuter, 1989)

96
Figura 9 Contraponto Dodecafônico de Anton Webern.
Fonte: (Koellreuter, 1989)

97
Sintaxe contrapontística

A composição em contraponto é dividida em cinco espécies. Da primeira espécie em direção


a última, o contraponto vai aumentando em possibilidades de expressão e, portanto,
ganhando em complexidade.

O contraponto de primeira espécie apresenta uma estrutura de nota contra nota. Consiste
em uma linha melódica de semibreves que se contrapõe ao cantus firmus.

Figura 10 Contraponto de primeira espécie.


Fonte: (Koellreuter, 1989)

O contraponto de segunda espécie apresenta uma estrutura de duas notas contra uma.
Consiste numa linha melódica de mínimas que se contrapõe ao cantus firmus.

Figura 11 Contraponto de segunda espécie.


Fonte: (Koellreuter, 1989)

O contraponto de terceira espécie apresenta uma estrutura de quatro notas contra uma.
Consiste numa linha melódica de semínimas que se contrapõe ao cantus firmus.

98
Figura 12 Contraponto de terceira espécie.
Fonte: (Koellreuter, 1989)

O contraponto de quarta espécie consiste numa linha melódica de mínimas na qual se liga a
mínima do tempo secundário à mínima do tempo principal seguinte (retardo).

Figura 13 Contraponto de quarta espécie.


Fonte: (Koellreuter, 1989)

O contraponto de quinta espécie, também chamado de florido consiste em uma linha


melódica que reúne todos os valores de duração apresentados nas espécies precedentes.

Imitação

A imitação é uma espécie de contraponto dos mais importantes estilos polifônicos da


Renascença e que continuou sendo utilizado por compositores de vários outros períodos da
história. Trata-se de uma reapresentação melódica/imitação, como resposta, em uma ou
mais vozes, de trechos melódicos e/ou rítmicos que foram apresentados por uma
voz/proposta. Em várias formas musicais aparece este recurso expressivo, como por
exemplo, o cânone e a fuga, e também em obras vocais como moteto, e madrigal.

Através da técnica de contraponto imitativo, alguns recursos surgiram como determinantes


para a coerência e expressividade da obra. Estes recursos são utilizados freqüentemente por
compositores até os dias atuais. Estas possibilidades de trabalhar melodias são
fundamentais também para a concepção de contraponto hipermídia que se pretende nesta
pesquisa.

99
Distinguem-se cinco tipos de imitação: rigorosa, livre, por inversão, por aumentação e por
diminuição. Na imitação rigorosa todos os intervalos são imitados exatamente como na linha
melódica proposta. Na imitação livre os intervalos maiores tornam-se menores e os menores
tornam–se maiores, entretanto deve-se manter o caráter da proposta. Na imitação por
invenção, os intervalos ascendentes tornam-se descendentes e vice-versa. Na imitação por
aumentação os valores da proposta são dobrados na resposta. Na imitação por diminuição
os valores de duração da proposta são diminuídos pela metade na resposta.

Também um recurso bastante utilizado é o movimento retrógrado. Trata-se da melodia


principal sendo tocada/cantada de trás para frente. O retrógrado pode ser aplicado também
aos outros tipos de imitação.

Cânone é um estilo em que a imitação não fica restrita apenas ao motivo inicial mas segue
através de toda a extensão da composição.

A seguir destacam-se algumas regras do contraponto como exemplo do quanto está técnica
garante a sua coerência na rigidez de suas leis.

A primeira linha melódica que serve de base para as demais é chamada de Cantus Firmus.
Esta melodia inicial deve ser elaborada com muito rigor, pois sendo base para as demais, não
pode apresentar nenhum desvio das regras. É importante informar também que não basta
ao Cantus Firmus obedecer as regras, para além delas é necessário que soe bem.

Algumas regras para o Cantus Firmus são:

_Empregam-se exclusivamente semibreves, em número de dez, aproximadamente (linha


melódica isométrica);
_Empregam-se exclusivamente os modos litúrgicos;
_O Cantus Firmus deve ser iniciado e terminado na finalis do modo;
_A última nota deve ser alcançada por grau conjunto, ascendente ou descendente;
_O âmbito melódico não deve exceder uma oitava;
_A linha melódica deve consistir de pequenos intervalos, facilmente cantáveis. Para tanto,
deve ser usado o maior número possível de graus conjuntos.

100
Do mesmo modo que o Cantus Firmus, as vozes em contraponto também estão sujeitas a
regras que devem ser seguidas com intuito de garantir um resultado coerente para o
contraponto. Como por exemplo:

_O desenho melódico, em princípio, obedece às diretrizes da composição do Cantus Firmus;


_Em tempo principal só deverão ocorrer consonâncias;
_Movimento por grau conjunto;
_Saltos devem ser compensados por movimentos contrários;
_A linha melódica deve ter apenas um ponto culminante (nota mais aguda);
_Os pontos culminantes do Cantus Firmus e das vozes não devem coincidir;
_Não são corretos: movimento cromático, repetição seguida de notas, seqüencias tonais
(marchas), repetição de motivos;
_Quintas e oitavas sucessivas, assim como quintas e oitavas em tempos principais
consecutivos são incorretos.
Estas são apenas algumas das regras utilizadas na composição contrapontística apresentadas
aqui como exemplo de rigidez e de coerência.

Johann Sebastian Bach

Johann Sebastian Bach (1685-1750) é considerado um dos maiores compositores da história


e o maior do período Barroco. Destaca-se a sua qualidade e excelência no uso da técnica do
contraponto e na arte da fuga.

Bach foi o herdeiro de aproximadamente quinhentos anos de música polifônica o que lhe
proporcionou sólida estrutura para desenvolver a sua própria linguagem. Para o compositor
uma melodia já suscita outras independentes e complementares. “O pensamento musical de
Bach apresenta-se sempre, e da maneira mais espontânea, como uma polimelodia, uma
estrutura combinatória em que as linhas musicais conservam toda a sua independência
melódica.” (Massin, 1997, p. 461)

Mas ao mesmo tempo também conviveu com outra linguagem musical que já estava sendo
elaborada desde o início do século XVII. A novidade desta outra linguagem carregava a idéia
de harmonia e do baixo contínuo, em outras palavras significa outro novo paradigma que,
101
em contraste com a polifonia, considera fundamentalmente a superposição das vozes agora
guardando as relações entre as notas musicais em sua simultaneidade e não mais na
seqüencialidade do desenrolar paralelo das vozes no tempo. (Massin, 1997, p. 462) Webern
(1984) confirma:

É interessante notar que, na época de Bach, a conquista da escala de doze sons tenha ocorrido ao
mesmo tempo que a conquista da harmonia. À época da polifonia porém sucedeu uma outra, que
inicialmente , de maneira mais rudimentar, se limitou ao retorno da monodia; naturalmente com um
‘acompanhamento’, uma vez que a polifonia estava admitida, mas sem o emprego dos recursos da
polifonia autêntica. (p. 52)

Esta foi a grande questão/problema para Bach a qual soube enfrentar controlando estas
duas fortes tradições musicais em prol de sua obra. Pode-se dizer que deste conflito resultou
a sua própria gramática. A grandeza essencial de Bach reside no fato de que ele surge como
um músico de síntese, síntese dos estilos da época, síntese do passado e do presente,
síntese de todos esses elementos que ele ultrapassa numa arte inteiramente pessoal.
(Stehman, 1964, p. 167)

A habilidade virtuosa como manipula os elementos sonoros capacita o compositor a


combinar melodias em múltiplas possibilidades, porém sem perder as suas características
particulares.

O repertório de articulações e recursos expressivos em Bach é rico em padronizações que o


compositor se utiliza freqüentemente em sua obra. Pode-se observar que possui um
vocabulário de que ele se serve de maneira quase automática. Por exemplo, “ir” e “subir”
traduzem-se por uma linha ascendente; “acompanhar”, por um cânone; a interrogação, por
um acorde sobre a dominante. Há, por outro lado, um vocabulário expressivo, mais variado,
mais rico e que exerce maior influência sobre o desenrolar da música. A morte, o mal, a
alegria, o sofrimento, cada um destes tem muitos modos de expressão, todos eficazes e as
vezes até mesmo patéticos. Entretanto o uso destes recursos que poderiam transformar a
sua obra numa colcha de retalhos, pelo contrário se apresenta sempre integrada. (Massin,
1997, p. 465)

O Cravo bem temperado e a Arte da Fuga

O Cravo Bem Temperado é um conjunto de vinte e quatro prelúdios e fugas para teclado.
Trata-se de composições desenvolvidas nos vinte e quatro tons maiores e menores. Datados
102
de 1722. Em 1744 Bach desenvolveu um segundo livro o qual chamou de “Vinte e quatro
Prelúdios e Fugas”. Atualmente estes dois livros são reconhecidos como livro I e livro II do
Cravo bem Temperado.

A Arte da Fuga é uma obra inacabada, um conjunto de doze fugas e dois cânones numa
primeira versão (1745), em uma segunda versão (1750) publicada depois de sua morte
apresentava um conjunto de quatorze fugas e quatro cânones. Nesta obra Bach mostra toda
sua capacidade e conhecimento de uma das formas de expressão musical mais complexa da
história, o contraponto. Esta obra se destaca por apresentar temas simples, mas que são
tratados com enorme qualidade musical.

Fuga

A palavra fuga vem do latim fugare (perseguir) e fugere (fugir).

A fuga se desenvolveu no século XVII a partir das formas imitativas do século XVI e do
Barroco primitivo, como a fantasia e o ricercare. Inicialmente tratava-se de contraponto
imitativo e também cânone, hoje, entretanto são coisas diferentes. Originou-se da técnica
de imitação em que a mesma frase musical inicial era repetida começando numa nota
diferente. De técnica de improvisação tornou-se técnica de composição. O compositor
renascentista Giovanni Pierluigi da Palestrina (1525-1594), deixou exemplos de missas
compostas com contraponto modal e imitação. Porém, os motetos imitativos de Palestrina
não seguem as regras estritas da fuga.

Fuga é um tipo de composição em contraponto que foi bem desenvolvida por compositores
barrocos como, por exemplo, Dieterich Buxtehude (1637–1707) e Johann Pachelbel (1653–
1706) que muito contribuíram para o desenvolvimento da técnica. Entretanto a linguagem
alcançou o ponto culminante nas obras de Bach. Muitos compositores desenvolveram
composições nesta técnica/forma mesmo depois do contraponto ter deixado de ser único
meio de expressão musical para dar lugar a melodia acompanhada do período clássico.
Haydn, Mozart e Beethoven tiverem momentos de suas carreiras que utilizaram esta forma,
assim como os compositores do período romântico Hector Berlioz e Richard Wagner
também o fizeram. No século XX também vários compositores se embrenharam nas

103
possibilidades da escrita de fugas. Para os objetivos desta pesquisa é importante ressaltar
que esta técnica se tornou parte da base teórica do dodecafonismo de Schoenberg.

Estrutura

Em termos estruturais a fuga apresenta muitas variações, tanto do ponto de vista do


número de vozes que participam da composição, como também número de temas na
mesma composição (fugas politemáticas). A organização das entradas dos temas e seus
contrapontos também são variados.

Para melhor compreender a estrutura de uma fuga segue uma análise da Fuga II (em dó
menor) do Cravo bem temperado de Bach que apresenta apenas um tema.

Figura 14 Parte da partitura Fuga II em do menor de Bach.


Fonte: (Atlas, 1989)

Inicia com o tema sendo apresentado nos compassos 1 e 2 de forma mais marcada e segue a
partir do compasso 3 de forma menos marcada. O tema, chamado de sujeito, soa pela
primeira vez em sua forma fundamental como dux (conductor) na voz média. Em resposta é
apresentado na voz superior, nos compassos 3 e 4. A apresentação inicial esta em Dó menor
104
e começa na nota dó. A resposta está no quinto grau dominante e inicia na nota sol. A
terceira entrada está novamente na forma fundamental e ocorre nos compassos 7 e 8,
porém agora as outras duas vozes prosseguem em contraponto. A fuga segue intercalando
momentos de rígido contraponto temático (desenvolvimento), variando entre as vozes e
momentos de contraponto mais livre (episódio). No final uma coda onde o tema soa pela
última vez sobre um pedal.

E I D I D I D I D I C
E - Exposição; D - Desenvolvimento; I – Episódio; C – Coda.

Tema Contraponto Contraponto Voz livre Pedal

Figura 15 Esquema da fuga II do Cravo bem Temperado de Bach.


Fonte: (Atlas, 1989)

Suma do Contraponto:

1. Técnica de criação de melodias (horizontal);


2. Ênfase VALOR INDIVIDUAL de cada melodia;
3. INTER-RELAÇÃO entre as melodias (vertical);
4. VALORização do todo;
5. REGRAS estritas com intuito de manter coerência;
6. A REPETIÇÃO como recurso para a inteligibilidade;
7. REPETIÇÃO em forma de variação;
8. VARIAÇÃO por imitação;
9. Quatro modos de apresentar/variar a melodia: ORIGINAL, INVERTIDA,
RETRÓGRADO, INVERSÃO DO RETRÓGRADO.

105
Serialismo

Atonalismo

Entende-se por atonalidade uma espécie de composição que rejeita totalmente as relações
entre os graus da escala diatônica, desconsidera as cadências e também o princípio de
oposição entre consonância e dissonância. Diferencia do conservadorismo tonal por possuir
um valor harmônico autônomo. O princípio de atonalidade atua com critérios próprios e
independentes da harmonia funcional. Em relação aos aspectos melódicos, ampliou
consideravelmente as possibilidades, estabelecendo novas relações entre os intervalos
invertendo as regras encontradas na composição tonal tradicional. Intervalos de segundas e
as nonas menores, as segundas maiores, quartas e quintas aumentadas e sétimas maiores
desempenham um papel fundamental, os demais intervalos são considerados como
passagem. Em termos harmônicos compreende os acordes como uma “[...] congelação
vertical dos processos melódicos, ao mesmo tempo que como eixos ou geradores de outros
acordes, contrapontos secundários ou elementos contrastantes, que apóiam a ação
unificadora; decorre desse princípio sua concepção individualista das formas.” (Paz, 1976,
pp. 113-114)

Dodecafonismo

Passagem

Uma das principais transformações que já ocorreram na história da música ocidental foi sem
dúvida nenhuma o rompimento com a tonalidade. O distanciamento histórico muitas vezes
gera a ilusão de que certos acontecimentos ocorreram num corte rápido e radical e do dia
para a noite, com a dissolução da tonalidade não foi diferente, entretanto foi uma passagem
que envolveu um longo período e com o envolvimento de vários personagens.

Os primeiros vinte anos do século XX se caracterizaram por essa busca incessante pela
dissolução do tonalismo. Dois caminhos foram explorados com este objetivo: a utilização
excessiva dos elementos cromáticos e uma busca desesperada de uma nova situação para o
diatonismo.

106
O cromatismo foi um dos modos de composição deste período. Nasceu do uso intenso da
modulação e do desrespeito às voltas obrigatórias para afirmar a tonalidade, cujo exemplo
mais famoso é o prelúdio de “Tristão e Isolda” de Richard Wagner. Outra espécie de
cromatismo caracteriza-se por uma insistente alteração cromática de notas acidentais, de
passagem, bordadura e apojatura. E ainda uma terceira possibilidade a utilização de acordes
dissonantes de certa complexidade quando fazem alterações cromáticas.

Além do cromatismo dois outros sistemas de composição contribuíram para a tensão


aplicada aos limites tonais: o microcromatismo que buscou em subdivisões do semitom as
novas possibilidades de expressão; e o diatonismo que explorou, ainda dentro da lógica
tonal, outras situações como, por exemplo, o uso de modos orientais, modo de tons inteiros,
modos bartokianos. Destes períodos se podem destacar os seguintes compositores: Wagner,
Debussy, Bartok, Strawinski entre outros.

Neste ambiente tenso de idéias e interesses musicais também se encontrava o compositor


Arnold Schoenberg.

Schoenberg

Foi o compositor do século XX que causou maior impacto. Ao avançar os limites da música
ocidental para campos desconhecidos detona novos modos de pensamento musical. A
história do compositor, entretanto apresenta quatro fases diferentes que mostra o quanto
conhecia e como pensava música.

As fases do seu trabalho de criação podem ser entendidas como tonalismo, tonalismo vago,
dodecafonismo e dodecafonismo-tonalismo referencial. Observando estas fases se pode
compreender o quanto a composição com doze sons estava para Schoenberg como algo
decorrente natural do tonalismo.

Na fase do tonalismo Schoenberg estava conectado as idéias de Wagner, Brahms e Strauss é


deste período a obra “Noite Transfigurada”, op.4 (1899). Da fase do tonalismo vago destaca-
se o II Quarteto em Fá sustenido menor, op. 10 (1907-1908). O dodecafonismo surge pela
primeira vez na quinta peça da op.23, “Funf Klavierstuecke” (1920-1923). E por fim da última

107
fase onde o compositor volta a realizar passagens tonais destaca-se “Ode a Napoleão” op. 40
(1942) e “Sobrevivente de Varsóvia”, op. 46 (1947).

Schoenberg limitou-se a trabalhar com serialização de alturas e com apenas uma série. Na
elaboração compositiva a série é submetida a todas as transformações clássicas do
contraponto. Schoenberg liberta-se da tonalidade, porém ainda conserva hábitos estruturais
como criação de melodias, ritmos, seqüências e clímax. Mas o aspecto diferente é que cada
uma de suas obras apresentam procedimentos de composição próprios impossibilitando a
observação de uma gramática geral, cada obra se estabelece num sistema desenvolvido
especificamente para ela.

Na música tonal, todo o sistema se estrutura a partir de uma ordem determinada explícita
em seqüências de notas, as escalas, que sustentam todo o discurso musical (FIGURA 16). Por
exemplo, dentro de uma tonalidade Dó Maior estão determinados todos os aspectos
referentes a esse tom, as consonâncias, as dissonâncias, as regras de encadeamento, a boa
sonoridade. Pode-se dizer que as leis deste tipo de composição estão em estado de
virtualidade bastando determinar o tom que se deseja e instantaneamente o campo tonal já
estará colocado. O modelo serve para todas as tonalidades.

Figura 16 Escala de Dó Maior.

A música dodecafônica, entretanto, insere outro modo de pensar a composição musical. Ao


invés de escalas pré-determinadas, aqui o compositor cria as suas próprias introduzindo
relações entre os sons, não mais pelas suas afinidades ou discordâncias físicas (consonância
e dissonância), mas por interesses estéticos particulares. Perde-se em relação ao discurso
narrativo (tonal), porém, se ganha na exploração das sonoridades.

Neste exemplo (FIGURA 17) se pode ver a série O = original conforme determinada pelo
autor e, neste caso, já se obtém as séries derivadas, o R = retrógrado, a I = inversão e o RI =
retrógrado invertido.

108
Figura 17 As quatro formas de uma série.
Fonte: (Penalva, 1990)

Formas da série do Op. 25 de Schoenberg.

Figura 18 Séries de Schoenberg Op. 25.


Fonte: (Penalva, 1990)

Série do Op. 33ª de Schoenberg.

109
Figura 19 Séries de Schoenberg Op. 33a.
Fonte: (Penalva, 1990)

Mas tão importante quanto suas composições são as influências que Schoenberg causa em
outros compositores que acabam contribuindo para uma diversificação do uso e aplicação
do serialismo. Anton Webern e Alban Berg foram seus alunos e formaram com ele a Nova
Escola de Viena. Ambos desenvolveram obras no estilo dodecafônico, porém com
diferenciações estilísticas.

WEBERN desenvolveu composições serializando alturas, porém em uma nova proposta de


organização do espaço sonoro sem qualquer intenção melódica ou harmônica.

Série do Op. 21 de A. Webern:

110
Figura 20 As três primeiras transformações da série. Webern.
Fonte: (Penalva, 1990)

Neste exemplo se pode observar a importância e a atenção dada a criação das séries. Série
do Op. 24 de A. Webern.

Figura 21 Série A. Webern.


Fonte: (Penalva, 1990)

BERG quebra a unidade da série. Utilizou várias séries e também mesclou seções
dodecafônicas com tonais.

Série da Suíte Lírica de Alban Berg e suas duas derivações.

111
Figura 22 Séries Suíte Lírica de A. Berg.
Fonte: (Penalva, 1990)

Série do Concerto para violino de Alban Berg.

Figura 23 Série Concerto para violino de A. Berg.


Fonte: (Penalva, 1990)

Interpenetração de séries de Alban Berg da obra “Lulu”.

Figura 24 Interpenetração de séries de A. Berg.


Fonte: (Penalva, 1990)

Outros compositores como Oliver Messian, Pierre Boulez e Karlheinz Stockhausen


desenvolveram a música serial estendendo este critério a outros parâmetros/elementos da
composição.

112
MESSIAN estende a serialização para o campo métrico e dinâmico. BOULEZ estende para
serialização de valores, timbres, ataques, intensidade e forma e STOCKHAUSEN estende
ainda para massas harmônicas verticais, números de eventos, escolha de registro,
articulações, alterações de texturas, entre outros.

Serialização de durações de Stockhausen:

Figura 25 Serialização de durações.


Fonte: (Penalva, 1990)

Serialização de durações em “Ile de Feu 2” de Messian:

Figura 26 Serie de durações de Messian.


Fonte: (Penalva, 1990)

Serialização de intensidades. Doze possibilidades de execução dos sons, do mais “piano” ao


mais intenso. Em seguida quatro arranjos da série para dinâmica.

113
Figura 27 Série de intensidades.
Fontes: (Penalva, 1990)

Serialização de ataques14 de Boulez. A partir da serialização dos “ataques”, quatro arranjos


foram criados.

Figura 28 Série de "ataques". Boulez.


Fonte: (Penalva, 1990)

Serialização global:

14
Modo de fazer soar a nota.
114
Figura 29 Serialização global.
Fonte: (Penalva, 1990)

Modos livres de desenvolver o dodecafonismo também ocorrerram, por exemplo “Stop”


(1965) de Stockhausen. Trata-se de uma improvisação estruturada sob uma série, as notas
vão surgindo periodicamente.

115
Figura 30 Série "Stop" de Stockhausen.
Fonte: (Penalva, 1990)

Como se pode observar no percurso progressivo da música serial, cada avanço levou a idéia
de serialização a um grau maior de complexidade, que inicia a partir da serialização das
alturas até a das articulações e alterações de texturas. Nos limites dos elementos musicais a
serialização contemporânea terá obrigatoriamente que escapar do seu campo próprio e
invadir o de outras linguagens.

Princípio da apreensibilidade

A idéia de serialização é bem simples, mas o que garante o êxito são os critérios, regras ou
leis bem desenvolvidas. Neste sentido Anton Webern (1984) foi ciente de que certos
aspectos são determinantes para o êxito da composição musical com doze sons. Em suas
palestras realizadas nos anos de 1932 e 1933, apresentou suas idéias sobre o princípio da
apreensibilidade, que trata da inteligibilidade das obras musicais. Destacou como
fundamental para qualquer espécie de composição musical e até mesmo para obras de arte
fora da música a coerência como qualidade máxima.

Webern (1984) explica que, para tornar idéias musicais compreensíveis é fundamental a
apreensibilidade. Ou seja, para comunicar alguma coisa, para se tornar inteligível se faz
necessário se expressar precisamente sem se perder em considerações desnecessárias e
vagas. Para se alcançar este objetivo Webern destaca dois outros aspectos: (1distinguir os
elementos observando a diferenciação entre eles, identificando quais são fatos principais e
quais são secundários; e (2o uso de estratégias que busquem a máxima coerência. (p. 43) A
maioria dos grandes compositores de diversas épocas tratou destas questões com atenção e
cuidado. A coerência é a garantia de que material tão fugidio como o sonoro possa ser
116
organizado com o objetivo de ser apreendida pela audição. Como coerência se pode
entender também unidade, coesão, correlação ou simplesmente relação.

Para Webern a composição com doze sons, o dodecafonismo, atingiu em coerência um grau
de perfeição jamais verificado anteriormente.

O que se absorve da herança deixada pela música serial é que, para alcançar a coerência
necessária, para ter êxito com qualquer tipo de informação, é fundamental determinar
critérios precisos para a sua elaboração. Estes critérios devem ser elaborados procurando
ressaltar as diferenças existentes entre o que se propõe e o que já está estabelecido
tradicionalmente. Uma vez instalada as regras/leis que vão assegurar a coerência e, por
conseguinte a apreensibilidade, o compositor/artista está “livre” para comunicar o que
deseja.

Desta forma o dodecafonismo/serialismo é exemplar e apresenta um modelo para outras


espécies de serialização conforme se pode observar ter acontecido na história.

117
Montagem de Eisenstein

A linguagem do cinema é um modelo importante para o desenvolvimento de outras


linguagens híbridas e que relacionam elementos sonoros, visuais e verbais como, por
exemplo, a televisão, o vídeo e também a hipermídia. Mais especificamente para os
interesses do Contraponto Hipermídia, além do caráter híbrido, a linguagem cinematográfica
contribui com mais de um século de estudos, experimentação e uso do processo de
montagem, processo fundamental para o desenvolvimento das mensagens através das
novas propostas digitais. Tendo em vista a busca por um modo de tratamento das
linguagens SVV mais adequado as potencialidades virtuais da hipermídia, o estudo da
montagem como um processo de inter-relação dos variados elementos que a envolvem, é
fundamental principalmente quando o foco se dirige para a contribuição teórica e prática de
um dos maiores cineastas da história: Sergei Eisenstein.

(1)

Conforme foi comentado quando tratado o Conceito de Fragmentação, um dos aspectos que
a linguagem cinematográfica trouxe a consciência da cultura é a idéia de que se pode
compreender uma mensagem mesmo que ela seja apresentada aos pedaços. Trata-se do
processo de montagem, um modo/recurso de contar histórias fragmentadas, projetadas na
linearidade temporal sem prejudicar a compreensão da narrativa. Desta possibilidade o
cinema nunca mais abriu mão, mesmo quando se quis desprezá-la o máximo que se
conseguiu foi uma tentativa de escondê-la numa espécie de invisibilidade.

Basicamente a montagem consiste num processo simples de justaposição de dois


fotogramas. Ou seja, dois planos independentes, filmados em separado e em momentos e
lugares muitas vezes diferentes e distantes, são unidos na montagem e projetados em
seqüência. O espectador reconstrói mentalmente a mensagem fragmentada da montagem
compreendendo-a naturalmente. Eisenstein (2002) considera a idéia de montagem como
um fenômeno que ocorre sempre onde haja justaposição de dois fatos ou objetos. “Estamos
acostumados a fazer, quase que automaticamente, uma síntese dedutiva definida e óbvia
quando quaisquer objetos isolados são colocados à nossa frente lado a lado.” (p. 14)

118
O controle deste processo possibilita que se controle os significados que se pretende gerar
para o espectador, ou seja, é um processo que permite a manipulação de significados. A
partir dos interesses de quem conduz a montagem em relação com a recepção, surgem dois
níveis básicos e contrastantes de montagem, uma interessada em não se deixar perceber
procurando certa invisibilidade e outra que procura justamente intensificar o choque entre
os fotogramas envolvidos. Pode-se dizer que na “invisibilidade” os significados ficam
implícitos no interior da montagem enquanto no segundo caso, no “choque” a significação
está na explicitação da montagem. (Leone & Mourão, 1993, p. 56)

Os importantes estudos sobre montagem realizados por Pudovkin e Kuleshov, comprovam o


quanto se altera o significado de um determinado fotograma quando justaposto com outro.
A um plano do ator Moujoskin apresentando expressão neutra, realizaram montagem de
três seqüências experimentais. Na primeira seqüência, o plano do ator foi justaposto a um
plano de um prato de sopa colocado sobre uma mesa. Na segunda, o plano foi articulado ao
de um túmulo, no qual jazia uma mulher morta. E na terceira, ao plano de uma menina
entretida com um brinquedo. O resultado comenta Pudovkin15 (1970, apud Leone &
Mourão, 1993, pp. 49-50):

Quando apresentamos essas três combinações a uma platéia que ignorava as


nossas intenções, o resultado foi impressionante. Os espectadores vibraram com o
desempenho do ator. Elogiaram o seu ar pensativo ao contemplar a sopa
esquecida, sentiram e comoveram-se com a profunda tristeza com que olhava a
mulher morta, e admiraram o ligeiro sorriso de felicidade com que observava a
menina a brincar. Nós, porém, sabíamos que a expressão do ator era exatamente a
mesma nos três casos.

A experiência citada mostra que cada plano apresenta um potencial de significação isolado e
incompleto, como unidades mínimas que aguardam seleção. O montador, portanto, é um
agente poderoso capaz de manipular este material em função de enfatizar determinados
aspectos da ação ou tirar o foco de outros considerados desnecessários ou menos
importantes. Desta forma pode-se dizer que a montagem no seu poder estruturante, pode
manipular diretamente as imagens de um plano interferindo e provocando significados.

Segundo Leone & Mourão (1993, p. 59):

15
Pudovkin, V.I. Film technique and film acting. New York, Grove Press, 1970. p. 27
119
A montagem, propriamente dita, efetua, sobre o fotográfico, autênticos atos de
subversão. Ao privilegiar os traços deste ou daquele fotograma, e realizar um
trabalho de conexão fundamentado nas características desses traços, essa
montagem destrói, em boa parte, as formas do visual fotográfico anterior, para
trazer ao espectador as configurações de uma nova visualidade, conseguida por um
jogo de relações que fazem perceptíveis elementos que o olho humano não podia,
antes, captar.

Sergei Eisenstein

Tendo em vista os interesses desta pesquisa em estudar a inter-relação entre som, imagem e
texto verbal nos mais diversos desdobramentos que podem surgir destas relações,
objetivando principalmente levantar dados históricos para auxiliar na reflexão mais profunda
e cuidadosa sobre as possibilidades da linguagem híbrida da hipermídia, é inevitável dedicar
espaço para estudar as teorias da linguagem cinematográfica desenvolvidas por Sergei
Eisenstein. Trata-se dos escritos realizados entre 1928 e 1940 reunidos e editados em dois
volumes: “O sentido do filme”, publicado em 1942, e “A forma do filme”, publicados em
1949. Ambos traduzidos e publicados na língua portuguesa em 2002.

Como já foi dito Eisenstein entendia a montagem como um fenômeno de síntese dedutiva
definida e óbvia que ocorre sempre onde se justapõe dois objetos independentemente de
sua origem ou característica. Naturalmente o que se observa é a capacidade da mente
humana em processar e inter-relacionar signos diversos e simultâneos e desenvolver
pensamento sintético. Graças a essa condição Eisenstein desenvolve um método criativo
que relaciona todos os elementos cinematográficos em uma estrutura única, respeitando as
diferenças de cada um deles.

Cabe esclarecer que, na concepção do cineasta, da justaposição de um plano mais outro


plano o resultado não é a soma destas partes, mas sim o produto. O resultado é
qualitativamente diferente de cada elemento considerado isoladamente.

Representação e imagem

Eisenstein (2002) distingue dois novos conceitos: representação e imagem. Trata-se de um


processo de memorização. A representação como um elemento independente e isolado, e
120
um conjunto destas representações formando uma imagem. São estágios de um mesmo
processo. O primeiro onde a memória responde com dificuldade reconhecendo cada parte
(representação), porém ainda não como imagem única. E um segundo onde todos os
elementos surgem independentes, mas não como uma cadeia, mas como algo único, se
fundem em uma única imagem. Em outro momento o cineasta/teórico diferencia os dois
estágios fundamentais como sendo o primeiro a “reunião” da imagem, enquanto o segundo
como “resultado” desta reunião e seu significado na memória.

[...] entre a representação de uma hora no mostrador de um relógio e nossa


percepção da imagem dessa hora, há uma longa cadeia de representações
vinculadas aos aspectos característicos distintos dessa hora. E repetimos: o hábito
psicológico tende a reduzir esta cadeia intermediária a um mínimo, a fim de que
apenas o início e o fim do processo sejam percebidos.
Mas assim que precisamos, por qualquer razão, estabelecer as conexões entre uma
representação e a imagem a ser suscitada por ela na consciência e nos
sentimentos, somos inevitavelmente impelidos a recorrer novamente a uma cadeia
de representações intermediárias que, juntas, formam a imagem. (Eisenstein, 2002,
p. 20)

Este processo de montagem cinematográfica foi inspirado nas partituras musicais para
orquestra onde cada pentagrama corresponde a um instrumento ou grupo de instrumentos
que devem tocar uma determinada seqüência de notas. Da execução simultânea e vertical
dos vários pentagramas da partitura surge a polifonia: modelo utilizado por Eisenstein para
desenvolver suas teorias.

Montagem Vertical

A montagem polifônica chamada por Eisenstein de “montagem vertical”, não se apresenta


apenas como um deslocamento metodológico da composição musical para a da imagem, a
proposta engloba o controle conceitual de todos os elementos utilizados na realização do
produto cinematográfico. A montagem vertical objetiva a inter-relação das linguagens
sonora, visual e verbal em função de um todo artístico, preservando os aspectos específicos
de cada elemento dentro da composição da obra.

Na Montagem polifônica

[...] um plano é ligado ao outro não apenas através de uma indicação – de


movimento, valores de iluminação, pausa na exposição do enredo, ou algo

121
semelhante –, mas através de um avanço simultâneo de uma série múltipla de
linhas, cada qual mantendo um curso de composição independente e cada qual
contribuindo para o curso de composição total da seqüência. (Eisenstein S. , 2002,
p. 55)

Cada linha é formada por um determinado elemento que se deseja controlar dentro da
linearidade temporal do todo do filme. Planos e movimentos de câmeras bem como
seqüências e deslocamentos dos personagens pelo espaço fílmico assim como a trilha
musical e a iluminação são compostos e “arranjados” obedecendo a uma rigorosa estrutura
vertical. Num dado momento todas as linhas poderiam ser acionadas, em outros, apenas
duas ou três conforme a necessidade determinada por todos os aspectos da série.

Mais do que isto para Eisenstein entre os elementos não ocorre hierarquia, o tratamento de
cada parte ocupa um espaço fundamental dentro do total da obra, sem perder as suas
características e importância separadamente. No texto “Uma inesperada junção” (2002, pp.
27-34), ao tratar do teatro Kabuki, Eisenstein manifesta seu entusiasmo se identificando com
o modo como ocorre a relação entre as partes que compõem o famoso teatro. “Os
japoneses nos mostraram outra forma, extremamente interessante, de conjunto. Som –
movimento – espaço – voz, aqui não acompanham (nem mesmo são paralelos) um ao outro,
mas funcionam como elementos de igual significância.” (2002, p. 29)

Eisenstein ainda reconhece no tratamento artístico do teatro japonês uma “provocação total
do cérebro humano”, propiciando um direcionamento aos vários órgãos dos sentidos ao
mesmo instante. E ainda destaca: “Em lugar do acompanhamento, é o método sem
subterfúgios de transferência que chama a atenção no teatro Kabuki. Transferindo o objetivo
afetivo básico de um material para outro, de uma categoria de ‘provocação’ para outra.”
(2002, p. 29)

Ainda é importante citar que Eisenstein reconhece e divide em cinco categorias formais de
montagem: métrica, rítmica, tonal, atonal e intelectual, entendendo que cada categoria não
exclui a anterior, mas sim acrescenta novos conceitos ao processo de montagem.

Na montagem métrica “o critério fundamental dessa construção são os comprimentos


absolutos dos fragmentos. Os comprimentos são únicos de acordo com seus comprimentos,

122
numa fórmula esquemática correspondente à do compasso musical. A realização está na
repetição desses ‘compassos’.” Neste caso se controla a tensão através do efeito da
aceleração mecânica encurtando os fragmentos, porém sem perder a proporção original. O
objetivo da montagem métrica não é para ser percebida pelo espectador, mas sua clareza
pode fazer funcionar em uníssono a pulsação do filme e a pulsação da platéia. (2002, pp. 79-
80)

Na montagem rítmica (emotiva-primitiva), além do comprimento dos fragmentos leva-se


igualmente em consideração, o conteúdo dentro do quadro. Neste caso, “o comprimento
real não coincide com o comprimento matematicamente determinado do fragmento de
acordo com uma fórmula métrica. Aqui, seu comprimento prático deriva da especificidade
do fragmento, e de seu comprimento planejado de acordo com a estrutura da seqüência.”
(2002, p. 80)

Neste tipo de montagem o movimento dentro do quadro provoca o movimento da


montagem, é o que chamo de movimento interno e externo respectivamente. O movimento
interno pode surgir de variados modos: a partir do movimento dos personagens ou objetos;
de certos direcionamentos dentro do quadro causados graficamente; também através de
combinações ou contrastes de luz e cor; como também através do olho do espectador
percorrendo as linhas de algum objeto imóvel. O ritmo da montagem se adéqua as
possibilidades do movimento interno.

Na montagem tonal (emotiva-melódica) preservam-se os conceitos da montagem rítmica


diferindo apenas pela percepção do movimento que ocorre de maneira mais ampla. “O
conceito de movimentação engloba todas as sensações do fragmento de montagem. Aqui a
montagem se baseia no característico som emocional do fragmento – de sua dominante. O
tom geral do fragmento.” (Eisenstein S. , 2002, p. 82)

Observo na montagem tonal, a abrangência da palavra tonalidade para todos os elementos


de composição do filme. Ao exemplificar, Eisenstein cita tonalidade de luz e tonalidade
gráfica como recursos baseados no som emocional dominante dos fragmentos. Entendo a
dominante neste caso por analogia com a tensão causada pelo acorde de dominante
existente dentro do campo harmônico de uma tonalidade musical.

123
A montagem atonal “é distinguível da montagem tonal pelo cálculo coletivo de todos os
apelos do fragmento. Esta característica eleva a impressão de um colorido melodicamente
emocional, uma percepção diretamente fisiológica.” (2002, p. 84) Basicamente o atonalismo
neste caso se refere a não obediência hierárquica a melodia e harmonia tonal, mas sim
através de uma percepção sinestésica possibilitar uma montagem com contrastes e
divergências tonais.

Por fim a montagem intelectual “é a montagem não de sons atonais geralmente fisiológicos,
mas de sons e atonalidades de um tipo intelectual, isto é, conflito-justaposição de sensações
intelectuais associativas.” (2002, p. 86)

Apesar da classificação em categorias, não significa que cada uma delas deva ser utilizada
isoladamente, o que ocorre é um diálogo permanente entre elas dependendo do interesse
de enfatizar determinados elementos. Também é importante observar que as categorias
estão classificadas em níveis de repertório e de exigência da atenção perceptiva. É mais fácil
perceber uma seqüência métrica do que o contraponto audiovisual em uma montagem
atonal.

O aspecto teórico mais significativo na inter-relação das linguagens após a invenção do


cinema é a contribuição dada pelo método de montagem de Eisenstein. Ao relacionar som e
imagem sob uma mesma estrutura, inter-relacionando todos os elementos, Eisenstein não
só cria um novo direcionamento para a linguagem cinematográfica como abre caminho para
uma reflexão que vem a ser nos dias de hoje a linguagem hipermídia. Considerando
evidentemente, neste caso, as relações que aproximam cinema e hipermídia: a utilização de
som, imagem e texto verbal.

O som. Não era a primeira vez que S.M.E. se debruçava sobre esse material
cinematográfico; já em 1928, no célebre manifesto, ele defendia não a utilização
naturalista e/ou pleonástica do som, mas o método a que chamou contrapontual,
no qual o som era tratado como mais um elemento de montagem e não como algo
directa e inelutavelmente ligado a uma imagem de onde emanasse. Ou seja, já em
1928, Eisenstein levantava o problema do sincronismo, isto é, a questão de saber
se uma dada imagem carregava consigo, por arrastamento, um som determinado
ou se, ao invés, as razões da sonorização dessa imagem eram devidas sobretudo a
estruturas de montagem. S.M.E. defendeu então o “não sincronismo” opondo a

124
noção de filme-falado (que, justamente, temia que se transformasse em mais uma
forma teatral) à de filme sonoro. (Ramos, 1981, p. 52)

Sobre a montagem vertical, o autor se utiliza de vários elementos específicos da música,


aproximando as relações entre som e imagem em movimento, já que ambas necessitam a
passagem do tempo para existirem. A possibilidade do modelo da partitura só é possível
pela aproximação temporal existente tanto na música quanto no cinema. A visualização da
montagem em forma de contraponto polifônico permite interferências precisas e essenciais
para um domínio completo dos significados que se deseja intensificar e disponibilizar ao
público receptor. Cabe dizer que o contraponto polifônico musical é um método de
composição que utiliza regras bem definidas e muita rigidez na concepção das vozes. A
presença do ponto culminante em cada frase também faz parte do método. Em alguns casos
entendo que a dominante citada por Eisenstein está mais relacionada com o ponto
culminante do que com a idéia de dominante da música tonal.

Para não adentrar muito nas questões específicas da linguagem musical, destaca-se apenas
o fato de que a música tonal está sistematicamente dentro do conceito de tensão e
relaxamento. De certo modo a música tonal é tensão entre as ondas sonoras que só é
resolvida no acorde final da execução. O grau de tensão é variável e tem como ponto
culminante a dominante. A dominante é a maior responsável pelo movimento interno da
música, de certo modo se pode dizer que é operária, a classe trabalhadora do centro tonal. É
interessante observar as aproximações realizadas pelo empréstimo tonal feito por
Eisenstein: tensão e relaxamento. Outra consideração referente a música tonal é a estrutura,
a forma rigorosa e hierárquica pela qual ela se estabelece. A divisão em frases e períodos,
perguntas e respostas aproximam bastante das questões que envolvem a literatura oral e
escrita. De certo modo este cinema russo também apresenta esta estrutura.

Porém o que aparece mais sugestivo para os dias de hoje, se refere às questões das últimas
categorias de montagem propostas por Eisenstein, o atonalismo. Ao chegar ao conceito de
atonalismo o autor abre as possibilidades para uma percepção mais ampliada e diversificada
onde a tonalidade não é renegada, porém não é tratada estruturalmente como a música
tonal, apenas pode vir a ser como parte integrante do atonalismo. No atonalismo o mais

125
importante são as concentrações de informação, compostas de elementos variados e
organizados de modo não hierárquico, mais próximo da música serial.

Composição e movimento

Com a montagem Eisenstein buscava quebrar a linearidade das seqüências com intuito de
causar contrastes e chamar a atenção do espectador. A montagem de conflitos mostra um
mundo fragmentado e, portanto que Eisenstein não estava interessado na reprodução
verossímil da natureza buscava outro modo de produção de sentidos.

Conflito de direções, conflito de cores ou tonalidades, conflito de jogos de iluminação, de


volumes, de velocidades. Muitas vezes utilizando-se destes recursos para criar um
“ambiente” didático, de fácil entendimento. Não se pode deixar de lado o fato de que
Eisenstein estava determinado ideologicamente no seu fazer cinema. (Machado, 1982)

Mesmo com todo engajamento político e social, muitas seqüências se destacam pela
composição gráfica chegando até em alguns momentos a uma espécie particular de
abstracionismo. Nestes frames (Figura 31) retirados do filme “O Novo e o Velho” percebe-se
facilmente que a composição visual aplicada por Eisenstein é singular na história do cinema.
Destacam-se as qualidades sintáticas, o controle dos aspectos específicos da linguagem
cinematográfica, o enquadramento como indício indiscutível da distribuição dos elementos
formais buscando os conflitos que tanto teorizou e o rigor no controle da luz como se cada
plano fosse tratado como pintura particular.

126
Figura 31 Exemplos de composição da imagem. Frames isolados.

Apesar de contidos movimentos de câmera, Eisenstein desenvolve a dinâmica a partir dos


movimentos internos da imagem que se somam as seqüências criadas na montagem. Desta
forma o movimento se estabelece no passar dos frames. Nesta seqüência (Figura 32)
observa-se que cada plano foi realizado de um ponto de vista diferente. A montagem
Intercala planos da mulher caída e mulher caída + bezerro. Os planos são realizados em
torno da cena finalizando no plano da mulher sorrindo vista por entre as pernas do bezerro.
Este modo de ver a cena, bastante utilizado por Eisenstein, exemplifica bem o seu estilo
contrário ao modo “invisível” da montagem americana que privilegia a manutenção das
referências espaciais através do posicionamento da câmera.

127
Figura 32 Seqüência do filme "O Novo e o Velho" de Eisenstein. Múltiplos pontos de vista da câmera.

Esta seqüência (Figura 33) Eisenstein apresenta dois aspectos interessantes: o efeito gráfico
da composição e a solução encontrada para mostrar a força do trator.

Figura 33 Seqüência do filme "O Novo e o Velho" de Eisenstein. Ênfase da composição gráfica.

128
Esta próxima seqüência (Figura 34) inicia-se concentrada nos olhos do sapo (1) – vaca (2) –
sapo (3)–mulher (4) posicionados na mesma direção/altura dos planos. Estas relações
compositivas reforçam o significado dramático da cena. Em seguida passam-se seis planos
montados com intenção de gerar a atmosfera do já ocorrido envenenamento da vaca. O
plano (10) sugere um ofensivo animal como metáfora da morte.

1 2 3

4 5 6

7 8 9

10
Figura 34 Seqüência do filme "O Novo e o Velho" de Eisenstein. Cena do envenenamento da vaca.

129
Nesta seqüência (Figura 35) a montagem é intercalada por close-up do rosto da mulher e o
do homem. Inicia com o rosto de frente da mulher e em seguida começa um giro para a
esquerda e segue até que a mulher esconda o rosto e o homem fique em posição lateral
com a cabeça abaixada e então segue um plano geral dos dois. Ocorre um movimento na
mesma direção realizado pelos planos dos dois personagens. Observa-se que Eisenstein não
segue o padrão campo/contra-campo para criar uma ilusão da cena, concentra-se em criar
um clima de tristeza e consegue maior dramaticidade tendo em vista o contraste entre os
planos: pano escuro que cobre a cabeça da mulher X chapéu claro + rosto e barba branca.

3 4 5

6 7 8
Figura 35 Seqüência do filme "O Novo e o Velho" de Eisenstein.

130
Nesta outra seqüência (Figura 36) Eisenstein utiliza as mudanças de planos, inclusive com
repetição de um deles (1 e 4), criando um movimento de vai e vem na profundidade de
campo. O movimento vem até o close-up do menino (2) e retorna para plano geral (5), em
seguida breve retorno (6). Este é mais um exemplo de como Eisenstein elabora a dinâmica
dos seus filmes.

3 4 5

6
Figura 36 Seqüência do filme "O Novo e o Velho" de Eisenstein.

131
Seqüência de planos (Figura 37) cuja dinâmica está no contraste entre os planos. Pode-se
observar o movimento das concentrações formais claras e escuras de um lado para outro.

Figura 37 Movimento por contrastes.

Esta cena foi montada de modo a enfatizar a ira do trabalhador que exige o documento de
liberação para a compra do trator. Eisenstein realiza esta seqüência com vários planos
frontais, clouses do chefe, da secretária, e de outros funcionários e também imagens de
explosão. O resultado é sonoro. O modo como o trabalhador se dirige ao chefe, é
intensificado pelo seu gesto, pelos olhares dos presentes e pela explosão. Recursos
utilizados para levar os espectadores a compreender o que está ocorrendo.

132
Figura 38 Seqüência sonora.

O objetivo destes breves comentários foi observar pequenas aplicações do método de


montagem de Eisenstein. Não foi de interesse aprofundar-se nos aspectos narrativos de
cada seqüência ou da narrativa como um todo, apenas chamar a atenção para as
possibilidades dessa montagem.

Eisenstein procurava controlar todos os elementos cinematográficos com intuito de


intensificar os significados que pretendia. O resultado dessa busca levou-o a um conceito de
montagem bastante amplo para além da simples junção de planos, a montagem já começava
no momento da filmagem, nas articulações dos elementos internos da imagem. Conforme
Arlindo Machado (1982, p. 80):

[...] montagem não designaria apenas a combinação de planos entre si, mas
também toda e qualquer associação de elementos no interior do mesmo plano. Se
o papel do pensamento ‘sensorial’ é tornar o mundo inteligível, através da
aproximação de elementos díspares, introduzindo ou revelando neles uma
familiaridade, o quadro – espaço da película a ser preenchido de imagens – seria o
local de tal reunião. O que quer dizer que a composição do plano, o preenchimento
do quadro, o enquadramento no seu sentido amplo tornam-se também montagem.

Esta visão ampla de montagem, considerando os vários elementos como integrantes da


mesma linguagem, articulados em uma montagem ideogrâmica é que fundamentalmente
interessa para o CH. Reconhece-se no método de Eisenstein um indicativo, um ponto de
partida para o que se entende ser uma direção para a montagem hipermídia.

133
Poesia Concreta

Na década de 50 os poetas Augusto de Campos, Haroldo de Campos e Décio Pignatari,


criaram o Grupo Noigandres, iniciaram um movimento de vanguarda e de abrangência
internacional, que abriu novos caminhos, não só para a poesia brasileira, mas para o
desenvolvimento teórico e prático das artes em geral. A crítica feroz, apoiada num apurado
conhecimento intelectual, justaposta à qualidade artística dos poemas concretos, ou seja, o
equilíbrio entre teoria e prática são fundamento e herança da Poesia Concreta. Esta inter-
relação das linguagens que é modelo ainda não se observa quando se trata de linguagem
hipermidiática.

Em vários momentos o Grupo se manifestou deixando bastante claro os interesses teóricos e


artísticos desejados com a criação da Poesia Concreta16. Por um lado a idéia era expandir o
campo da poesia às manifestações artísticas de vanguarda que estavam ocorrendo nas artes
plásticas e na música, bem como também buscar sintonia com as novidades vindas da
pesquisa científica, por outro, a poesia concreta nasce de uma percepção apurada da crise
do verso e da linearidade da escrita bem como do ranço da poesia clássica.

A consistência do Grupo é marcada pela sintonia de seus integrantes com as concepções


artísticas e teóricas, não somente pelo que estava acontecendo naquele momento, mas
também pelo que vinha acontecendo a partir do final do século XIX. Tratam-se das
referências fundamentais deixadas por Mallarmé (un coup de deux – 1897), James Joyce
(finnegans wake), Ezra Pound (cantos – ideograma), e.e. cummings e, também, em segundo
plano, Apollinaire (calligrammes) e as experimentações futuristas-dadaístas. Estes
artistas/poetas criaram um procedimento poético que ia contra a organização convencional
estruturada em verso e apontavam para novos modos de fazer literatura.

16
O livro Teoria da Poesia Concreta, editado pela primeira em 1965, por exemplo, é uma publicação que junta
vários textos críticos e manifestos do período de 1950 a 1960, onde o Grupo Noigandres edifica sua teoria.
134
(

(1

MALLARMÉ no prefácio da edição do poema Un coup de dés jamais n’abolira le hasard17 na


revista Cosmopolis em maio de 1897 (Campos, Campos, & Pignatari, Mallarmé, 1991), ao
comentar sobre o poema de forma bastante objetiva lançou a semente daquilo que veio a
desencadear na inter-relação das SVV em poesia. Escreveu assim Mallarmé:

Os ‘brancos’, com efeito, assumem importância, agridem de início; a versificação os


exigiu, como silêncio em derredor, ordinariamente, até o ponto em que um
fragmento, lírico ou de poucos pés, ocupe, no centro, o terço mais ou menos da
página: não transgrido essa medida, tão-somente a disperso. (Campos, Campos, &
Pignatari, 1991, p. 151)

Mallarmé insere um aspecto novo e transgressor que determina outra dinâmica muito
diferente do convencional, o branco da página, os tipos gráficos, a composição do poema,
não mais se limitam apenas ao que dizem as palavras, mas mais além fazem parte delas. Os
“traços sonoros regulares ou versos” (Campos, Campos, & Pignatari, 1991, p. 151) sedem a
uma nova proposta que vem a ser uma importante referência para a Poesia Concreta.

Conforme Augusto de Campos: “Corolário primeiro do processo mallarmeano é a exigência


de uma tipografia funcional, que espelhe com real eficácia as metamorfoses, os fluxos e
refluxos do pensamento.” (Campos, et al., 1991 p. 24) Em suma, o lance de Mallarmé estava
na importância dada ao “como” dispor as palavras do poema na página, o modo como
sistematizou o emprego de diversos tipos buscando enfatizar motivos diferentes distribuídos
em posições diferentes para indicar o sobe e desce da entonação, porém sem perder as
conexões com os significados.

Além de inaugurar agregando os aspectos visuais à poesia, Mallarmé também apresenta


raízes musicais já que as pausas e intervalos de dicção são tratados com maior plasticidade
no espaço gráfico do poema. Entretanto o que fica mais claro nesta relação com a música é o
uso dos temas em contraponto, conforme informa Augusto de Campos:

17
Um lance de dados jamais abolirá o acaso.
135
De modo geral as lições estruturais que Mallarmé foi encontrar na música se
reduzem à noção de tema, implicando também a idéia de desenvolvimento
horizontal e contraponto. Assim, Un Coup de Dés compõe-se de temas ou, para
usarmos da expressão do poeta, de motivo preponderante, secundários e
adjacentes, indicados graficamente pelo tamanho maior ou menor das letras e
ainda distinguidos um do outro pela diversificação dos caracteres. (1991, p. 25)

A obra de Mallarmé com certeza representa um marco histórico, o ponto de virada que se
tornou referência para os interessados em linguagens híbridas.

Observam-se abaixo duas páginas do Un Coup de Dés. Facilmente se percebe que o poema
não mais se submete apenas as leis do verbal, mas acrescentaram-se a importância do
espaço e dos tipos, elementos visuais que também dizem coisas. O poemapalavra ganha em
possibilidades, se por um lado a palavra aponta convenções agora ela também
in(forma)em(forma). Tem-se um contraponto entre verbal e visual. A leitura torna-se
independente: pode ser linear ou não-linear.

Figura 39 Duas páginas do poema Un Coup de Dés de Mallarmé.

136
(2

O FUTURISMO e o DADAÍSMO são exemplos de movimentos que retomaram as questões


colocadas por Mallarmé, e também são citados como importantes para a Poesia Concreta.
Augusto de Campos destaca essa importância, porém reconhece que não tiveram a mesma
importância do poeta francês.

Marinetti se manifesta no Manifesto técnico da literatura futurista, contra o modo


tradicional de distribuir o texto na página, configurando harmonicamente a tipografia na
página e também contra o fluxo e refluxo como o texto ocupa a folha impressa, assim
declara: “Nós empregamos numa mesma página quatro ou cinco tintas de cores diferentes e
vinte caracteres distintos, se for necessário. Exemplo: cursivas para as séries de sensações
análogas e rápidas, negrito para as onomatopéias violentas, etc.” (Campos, Campos, &
Pignatari, 1991, p. 26) Pode-se perceber claramente nas palavras de Marinetti o interesse de
agregar o sentido visual aos aspectos verbais.

(3

Através dos Calligrammes, APOLLINAIRE foi outro poeta de importância para a Poesia
Concreta, bastante considerado pelas idéias e menos pela realização. Conforme informa
Augusto de Campos:

[...] a estrutura é evidentemente imposta ao poema, exterior às palavras, que


tomam a forma de recipiente mas não são alteradas por ele. Isso tira grande parte
do vigor e da riqueza fisiognômica que possam ter os ‘caligramas’, em que pese a
graça e ‘humor’ visual com que quase sempre são ‘desenhados’ por Apolliare.
(1991, p. 28)

O que se vê nos Caligramas é o uso da palavra como linhas de demarcação formal, algumas
vezes como contorno substituindo o traçado do desenho outras vezes o texto é orientado
como preenchimento ou textura da forma.

137
Figura 40 Guillaume Apollinaire, Lettre-Océan, 1914.

Apollinaire, bastante seguro do que criou, ao falar do seu poema Lettre-Océan, argumenta
que se tratava de uma “Revolução: porque é preciso que nossa inteligência se habitue a
compreender sintético-ideograficamente em lugar de analítico-discursivamente.” (Campos,
Campos, & Pignatari, 1987, p. 27)

(4

Porém, uma referência mais consistente para os poetas concretistas justamente por fundar
definitivamente a teoria do ideograma aplicado à poesia foi EZRA POUND.

Diferentemente das citadas influências recebidas pela Poesia Concreta, a contribuição de


Pound não está ligada diretamente à visualidade, Pound estava voltado para novas questões
da estruturação verbal, advindas da experiência e o entendimento que obteve dos estudos
que realizou sobre a escrita chinesa. Na prática poundiana observa-se a essência do
processo de composição oriental: “Neste processo de compor, duas coisas reunidas não
produzem uma terceira, mas sugerem alguma relação fundamental entre elas.” (Fenollosa).
138
Sobre Os Cantos, Augusto de Campos esclarece:

Nessa extraordinária epopéia moderna, fragmentos se justapõem a fragmentos,


Cantos a Cantos, sem qualquer ordenação silogística, atendendo tão somente aos
princípios ideogrâmicos: o poema [...] assume ele próprio a configuração de um
fantástico ideograma da cosmovisão poundiana. (1987, pp. 28-29)

Para Pignatari, “Ezra Pound, baseado nos estudos sobre a escrita chinesa, nos fornece uma
idéia elementar, mas clara, do que é ideograma”. A poesia concreta vai além desse processo
como foi utilizado por Pound, introduzindo no ideograma “o espaço como elemento
substantivo da estrutura poética: desse modo, cria-se uma nova realidade rítmica, espácio-
temporal. O ritmo tradicional, linear, é destruído.” (1987, p. 66)

José Lino Grünewald (Pound, 2002) fala de interpenetração de estruturas, de temas e de


motivos e destaca que o básico de Os Cantos é a dialética entre os métodos de montagem
ou princípios do ideograma com a idéia de metamorfose (Ovídio).

Por isso, nos mesmos Cantos, passa-se muitas vezes, como de flash a flash, de um
tema, assunto, mote ou alusão para outro, heterogêneo, rompendo-se assim com
os cânones tradicionais da linearidade. Na estrutura referencial dominante,
interpolam-se também a Odisséia e a Divina Comédia, além da mitologia grega,
Virgílio e trechos da história da China, dos Estados Unidos e da Itália.
O documentário alia-se, no mesmo sentido de montagem, às narrativas,
pensamentos, invocações, descrições: a collage de fragmentos de textos históricos
com cartas, mensagens, documentos burocráticos, transcrição de outros autores.
Em paralelo, não apenas a reprodução dos ideogramas chineses e das passagens
em grego, como inúmeros trechos ou fragmentos e expressões em diversas línguas
estrangeiras. E mais o enjambement freqüente, a separação das palavras, a
alteração de nomes próprios, os desenhos, traços, figuras geométricas.
Continuando: a freqüente despontuação, os recursos de sincopar, o uso da
visualidade das palavras e dos sinais de pontuação. (2002, pp. 15-16)

O ideograma de Pound é abrangente tanto no que diz respeito ao “o que” como ao “como”
justapor, passando por diversos modos e conteúdos de escritas. “Enfim, essa épica hors
concours mescla versos e linhas, poemas “poéticos” e poemas prosaicos. Na superfície, a
impressão de um caos intencional; no fundo, a versão sintético-ideográfica de como acionar
o pensamento. (Pound, 2002, p. 16)

(5

Outro importante para a Poesia Concreta é e.e.cummings. Este poeta americano destacou-
se pelo rompimento dos limites do modo tradicional de escrever, as convenções, o sistema
que rege a lógica da escrita. Cria uma nova organização poética que reestrutura os
139
elementos ortográficos inserindo novas funções para velhos usos. Alguns aspectos do seu
estilo são: o rompimento com o tradicional modo de montagem das palavras começando
pelo uso do espaçamento entre letras criando espaços em branco por dentro das palavras,
criando uma espécie de (sínc ope) em alguns casos e pausas em outros. As letras em CAIXA-
ALTA passam a ser utilizadas como recursos estilísticos e não como o uso comum determina.
A pontuação é quase abolida. Sinais como interjeições e exclamações são utilizados no meio
das palavras, entre letras ou no lugar delas.

A supressão do espaço entre palavras, bem como também os espaçamentos entre letras
determina uma nova ordem que exige também um novo modo de leitura. Essa escrita
poética proporciona conflitos visuais e lógicos através dos choques causados pelos
encontros entre consoantes ou entre vogais, entretanto o sentido do que cummings quer
dizer fica preservado.

Para Augusto de Campos o poeta-inventor “leva o ideograma e o contraponto à miniatura.


Sem incidir no letrismo ou na formação de agrupamentos sonoros destituídos de vivência,
Cummings libera o vocábulo de sua grafia, põe em evidência seus elementos formais, visuais
e fonéticos para melhor acionar a sua dinâmica.”

140
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(Campos, 1986)

142
(6

E agora JAMES JOYCE.

+ uma referência para a Poesia Concreta. Joyce desenvolve uma narrativa complexa se
utilizando de dois recursos:

1 (fluxo da consciência): a narrativa mistura o pensamento com ação presente, ou seja, o


autor expõe o que os personagens pensam misturando ao mesmo tempo com o que está
ocorrendo no momento presente. Desta forma ocorre um rompimento com a narrativa
linear bem como também com quebra as noções de presente e passado.

2 entretanto o que aparenta ter chamado a atenção dos poetas concretos diz respeito a obra
Finnegans Wake, onde Joyce extrapola não só com a narrativa linear, a idéia de começo,
meio e fim mas, com alto nível de inventividade, desenvolveu complexas montagens de
palavras, abusando dos trocadilhos multilíngües, neologismos, justaposições e as palavras
portmanteau, inventada por Lewis Carroll, mas intensamente utilizada por Joyce.

Os poetas concretos observam que se encontra em FinnigansJJoyce o conceito de


ideograma, dos chineses, de Fenollosa, de Ezra Pound, de Eisenstein, da Poesia Concreta.

Para Décio Pignatari “Joyce [...] não utiliza o branco da página como elemento de
composição, mas realiza em cada uma de suas famosas palavras-metáforas um pequeno
ideograma verbivocovisual [...]:

Silvamoonlake
(silva = silva (do latim, selva) e
silver = prata, moon = lua, lake = lago).

Para Augusto de Campos, “O implacável romance-poema de Joyce realiza também, e de


maneira ‘sui generis’, a proeza da estrutura. Aqui o contraponto é moto perpetuo, o
ideograma é obtido através de superposições de palavras, verdadeiras ‘montagens’ léxicas
[...]” (1987, p. 30)

Segue fragmento14 do Finnegans Wake traduzido por Augusto de Campos (1986, pp. 70-71),
onde se pode observar as citadas referências a obra de JJoyce.
143
A time.

Act: dumbshow.

Clouseup. Leads.

Man with nightcap, in bed, fore. Woman, with curlpins, hind. Discovered. Side point
of view. First position of harmony. Say! Eh! Ha! Check action. Matt. Male partly masking
female. Man looking round, beastly expression, fishy eyes, paralleliped homoplatts,
ghazometron pondus, exhibits rage. Business. Ruddy blond, Armenian bole, black patch,
beer wig, Gross build, episcopalian, any age. Woman, sitting, looks at ceilling, haggish
expression, peaky nose, trekant mouth, fithery wight, exhibits fear. Welshrabbit teint,
Nubian shine, nasal fossette, turfy tuft, undersized, free kirk, no age. Closeup. Play!

Um tempo.

Ato: pantomima.

Closeup. Astros.

Homem com gorra de dormir, na cama, à frente. Mulher, com mamelotes, atrás. Nus.
Perspectiva lateral. Primeira posição de harmonia. Diga! Eh? Ha! Checamate. Maca. Macho
mas cara metade. Homem olhando em torno, bronquiaberto, olhos piscosos, paralelípedos
homoplatos, ghazometron pondus, denota raiva. Negócio. Sanguíneo louro, tronco armênio,
pinta negra, cachaço ursuto, grossa estaltura, episcofálico, qualquer idade. Mulher, sentada,
olha para o teto, selvagina expressão, nariz a pique, boca nina, peso pênis, de monstra
medo. A cor corada, capelo núbil, fosseta nasal, tufo turfosa, nanica, presbuterina, sem
idade. Clouseup. Ação!

O fragmento 14 é a primeira “tomada” da “fornicopulação” de HCE e ALP. O ato é


presenciado, de 4 ângulos diferentes, pelos 4 julgadores: “Cena muda I. Primeira
posição de harmonia (visão de Matthew): close up; vista de lado. Cena muda II.
Segunda posição de discórdia (visão de Mark): vista de trás; o homem parcialmente
eclipsa a mulher. Cena muda III. Terceira posição de concórdia (visão de Lucas):
excelente vista de frente; mulher imperfeitamente encobrindo o homem. Cena

144
muda IV. Quarta posição de solução (visão de João): “tableau” final; vista do
horizonte; homem e mulher descobertos.” (Campos & Campos, 1986, p. 95)

Fragmento 14 + tradução + Xcitação

Vêem-se duas questões: o ex mostra as características do estilo de Joyce, as palavras


justapostas, as montagens léxicas, e montagem das seqüências. E também mostra Augusto
de Campos.

Estes breves comentários sobre estas referências para a Poesia Concreta têm apenas a
função de ilustrar o ambiente intelectual ao qual estavam interessados estes poetas.

A Poesia Concreta nasce, portanto de uma consistente base teóricaprática de onde os


poetas do Grupo souberam reter a essência deixando de lado as questões menos relevantes
filtrando com rigor crítico e aguçada percepção os aspectos fundamentais para o movimento
que criaram.

A contribuição importante da poesia concreta está na composição de uma obra que se utiliza
não apenas da linguagem verbal escrita, mas considera igualmente os elementos visuais e
sonoros. Mais especificamente os poetas concretos valorizam a apresentação visual dos
caracteres do poema, explorando o aspecto gráfico da escrita e a distribuição destes
elementos na página. Ocorre um cruzamento entre a poesia e o design gráfico, pois é
particularidade deste, desenvolver as estratégias de apresentação visual. “Os signos verbais
da poesia se abrem para a visualidade das Artes Plásticas e do Design Gráfico, a leitura
tradicional rende-se para uma visão multidirecional da distribuição do poema pelo espaço da
página: os tipos se soltam sobre a superfície branca plana.” (Salgado, 2003, p. 21)

Outros teóricos também destacam estes aspectos, para Menezes (1991), no seu livro:
“Poética e Visualidade: Uma trajetória da Poesia Brasileira Contemporânea”, o momento
concretista é “( ) o caminho da crescente presença da visualidade, que acabaria por
aprofundar a implosão sintática, chegando a própria unidade molecular do discurso verbal: a
palavra.” (p. 13)

145
Santaella e Nöth (1998) também tratam do mesmo assunto e ainda acrescentam que “no
Brasil, o polêmico movimento da poesia concreta foi o primeiro a pôr programaticamente
em discussão a visualidade na poesia (…)” (pp. 70-71)

Não só a linguagem VISUAL, mas também a SONORA, estavam presentes na dinâmica


concretista desde o início. Muito da estrutura da poesia concreta está na combinação
criativa das letras, sílabas e palavras determinando uma sonoridade particular tanto na
palavra-poema recitada quanto na cantada. Além das referências citadas no campo da
linguagem verbal, estes poetas estavam também conectados aos grandes compositores que
inovaram e ampliaram os conceitos musicais do século XX, como Schoenberg, Webern,
Boulez, Xenakis, Cage, entre outros e sofreram influência deles.

Augusto de Campos declara em entrevista a Ricardo Araújo que “[...] a idéia de conjugar
palavra, som e imagem esteve presente nas propostas da Poesia Concreta desde o início.
Nós usávamos a expressão verbivocovisual, que é uma palavra extraída do vocabulário de
James Joyce, para sintetizar essa conjugação. Embora, em geral, se acredite que a Poesia
Concreta só possua este aspecto visual privilegiado, ela, desde o início, pensava em utilizar o
som ao lado da imagem.” (Araújo R. , 1999, p. 50)

Outro aspecto importante e que já estava presente no pensamento concretista foi a


EXPLORAÇÃO DE NOVOS SUPORTES.

Antecipando a explosão das variadas manifestações da poesia visual (poema


processo, poesia experimental, alternativa, arte postal, gestual, poesia visiva,
grafismo, letrismo), a poesia concreta, especialmente nos desdobramentos por que
viria passar na obra de Augusto de Campos, antecipou também o pulsar dos
movimentos em luz ou som de uma poética eletrônica na era da automação.
(Santaella & Nöth, 1998, p. 71)

Entretanto, através dos mesmos poetas fundadores, Augusto de Campos, Haroldo de


Campos, Décio Pignatari, e juntando-se a eles o artista plástico Júlio Plaza e também o artista
multimídia Arnaldo Antunes, novas experimentações surgiram na composição com signos
verbais e não verbais.

A linguagem VERBIVOCOVISUAL da poesia concreta encontrou, nas tecnologias, novas


interfaces para criação e suporte, com inusitadas possibilidades de expressão artística, como
define Arlindo Machado:

146
[...] quando a palavra é colocada na tela de TV ou restituída tridimensionalmente
através da luz coerente do laser, quando ela ganha a possibilidade de movimentar-
se no espaço, de evoluir no tempo, de transformar-se em outra coisa e de
beneficiar-se do dinamismo cromático, a gramática que a rege torna-se
necessariamente outra, as relações de sentido se ampliam e o próprio ato da
leitura se redefine. (Machado, 2001, p. 169)

Vídeo Poesia e Nome

Em 1992, ocorreram dois acontecimentos importantes que avançaram os limites da poesia


brasileira o “Vídeo Poesia” e a obra “Nome” de Arnaldo Antunes. O “Vídeo Poesia” se refere
à Tradução Intersemiótica de poemas inicialmente impressos, para o campo da animação
visual através da utilização da computação gráfica. Este evento ocorreu no Laboratório de
Sistemas Integráveis da Escola Politécnica da USP (LSI) e participaram deste evento os poetas
Décio Pignatari, Augusto de Campos, Haroldo de Campos, Júlio Plaza e Arnaldo Antunes.
(Araújo R. , 1999, p. 15) Como se observa entre os participantes a presença dos que na
década de 50 introduziram os conceitos da poesia concreta e que quase 50 anos depois são
os pioneiros na utilização dos recursos da linguagem digital. Para Décio Pignatari em
entrevista concedida a Ricardo Araújo (1999) para a pesquisa “Vídeo Poesia” no dia
15.04.1996, “O Vídeo Poesia é uma evolução genética da Poesia Concreta”.

A obra “Nome” de Arnaldo Antunes ocorreu quase simultaneamente a “Vídeo Poesia”, no


entanto, a meu ver Arnaldo Antunes avança na direção do que entendo ser uma inter-
relação entre as linguagens SVV de modo não hierárquico entre elas.18 Uma nova
proposição.

A obra “Nome” se apresenta como a continuidade natural do percurso iniciado pelo


concretismo. Em entrevista concedida a Ricardo Araújo, Arnaldo Antunes reforça a relação e
influência que sua obra recebeu da poesia concreta: “Mas já havia, dentro da tradição da
Poesia Concreta, da poesia visual, muita sugestão de movimento na palavra escrita, como
por exemplo, no poema “Organismo” de Décio Pignatari, onde você tem o mover das
páginas criando aquele ‘zoom’ no ‘o’, e isso era sugerido graficamente” (Araújo R. , 1999, p.
105)

18
Na dissertação de mestrado (2003) apresentei uma análise e reflexão sobre a obra “Nome” de Arnaldo
Antunes e os diferenciais que ela apresenta.
147
Na mesma entrevista o artista comenta a relação da palavra falada, cantada e escrita na
obra “Nome”.

[...] há a ocorrência simultânea do som. Você tem várias possibilidades de explorar


essa relação da palavra falada ou cantada simultaneamente. São duas formas de
recepção do verbal que podem se atritar e criar diversos planos de relação
interessantes. Então, às vezes, você está lendo uma coisa e ouvindo outra. No
vídeo ‘Nome’ a gente explora isso de várias maneiras. Em alguns vídeos, você lê
uma coisa e escuta outra. Quer dizer: cada forma de trabalhar esses dois planos
cria efeitos diferentes e muitas vezes você pode criar “desconcentrações”. Na
verdade, você pode “desconcentrar” a pessoa de um plano em função de outro, e
essa “desconcentração” acaba criando um outro plano de concentração, que é
muito interessante, porque atrita realmente essas duas áreas. Isto foi o que mais
me interessou basicamente: a questão do movimento na palavra escrita e a
questão da simultaneidade de duas ocorrências do verbal: a palavra ouvida ou
cantada recebida pelo som, e a palavra escrita percebida pelo olhar. (Ibid., p. 105)

Nestes comentários se pode entender o modo como AA utilizou as linguagens, destacando o


interesse que ele tem na articulação da palavra nos modos escrito, falado e cantado, sendo
que o movimento da palavra escrita faz contraponto com as simultâneas ocorrências do
verbal. No meu entender esta atitude criativa multiplica as possibilidades de significados
permitindo variados caminhos para a compreensão da mensagem pela recepção. Mas, além
disto, de uma obra capaz de gerar, no receptor, possíveis saltos conectando elementos
distantes, com significados variados, criando relações de todos os tipos.

EX:

148
Figura 41 Frames do clipoema Pessoa.

O clipoema19 Pessoa (Antunes, 1993)

Inicia-se com uma imagem de fundo, movimentando-se para a direita. A imagem é composta
de rascunhos, escritas a mão, riscos e rasuras, causam um ruído branco na mensagem,
indícios que denunciam a existência do poeta. Na estrutura do clipoema, a imagem/fundo
serve de suporte contrastante para os tipos digitais do poema escrito se movimentarem para
a esquerda. O movimento contrário entre as imagens causa dificuldades para a percepção
do poema escrito. Entretanto, na fragmentação do poema não ocorre perda de qualidade
na informação. Uma outra interferência de teor metalingüístico aumenta a sensação de
estranhamento e de desconcerto perceptivo: ao mesmo tempo em que o poema passa pela
tela, se pode ouvir, simultaneamente, Arnaldo Antunes fazendo a análise gramatical do
poema. Diferentemente do habitual, onde o texto verbal falado se relaciona com poema
escrito ou de forma recitativa ou através de melodia musical, neste clipoema os signos
verbais se relacionam em contraponto, o receptor lê o poema e ouve a análise sintática.
Ainda se pode perceber a presença de sons graves de um baixo acústico aumentando a
expectativa em torno do clipoema. A quantidade de informação verticalizada, acontecendo
simultaneamente na horizontalidade seqüencial do vídeo, em determinado momento causa
um estado parecido com a hipnose, um desconcerto multisensorial.

Na tentativa de buscar uma interpretação imediata, o receptor é levado a se distrair na


inter-relação das linguagens, fragmentando a compreensão racional do clipoema. O
resultado é uma sensação ramificada causada por um movimento que se estabelece
conforme o receptor identifica os signos mais conhecidos, seja na imagem, na escrita, na fala
ou no som. A mensagem, para o receptor, realiza-se como um patchwork, um mosaico de
significâncias. (Salgado, 2003) O sentido se estabelece nas fragmentações percebidas.

19
Também denominado vídeo poesia.
149
Em seguida observam-se alguns exemplos da prática da Teoria da Poesia Concreta.

150
Décio Pignatari (1986)

Automação.

Conforme o próprio autor, o recurso estrutural do poema é o processo de retro-alimentação


(feedback) da cibernética. O poema se apresenta como resultado de uma impressão onde
ocorreu um erro que a máquina identificou procurou corrigir e continuou a impressão.

Erro.

Quando todas as letras da palavra terra que iniciam no centro da primeira linha, passam
para o grupo do lado esquerdo, na sexta linha, para a máquina surge um erro que é
reproduzido até o final. Visualmente a uma quebra de expectativa e a leitura passa a contar
também com a palavra “erra”. Também visualmente percebe-se uma mudança de direção,
criando um movimento em diagonal. As relações com a atividade de arar a terra surgem
naturalmente.
151
Correção.

152
Ideogramas verbais de Décio Pignatari (1986)

As palavras dizem coisas: homem mulher, a montagem sugere novos significados. O


posicionamento das palavras buscando continuidade gráfica entre as formas de cada
tipoletra = forma, unidade, gestalt. Somam-se tipos de leitura. Contigüidade e analogia.
Inter-relação das linguagens.

153
POETAMENOS

Augusto de Campos

ou aspirando à esperança de uma

KLANGFARBENMELODIE
(melodia de timbres)
com palavras

como em Webern:

uma melodia contínua deslocada de um instrumento para outro, mudando


constantemente de cor:

instrumentos: frase/palavra/sílaba/letra(s), cujos timbres se definam p/ um tema


gráfico-fonético ou “ideogrâmico”.

. . a necessidade de representação gráfica em cores (q ainda assim apenas


aproximadamente representam, podendo diminuir em funcionalidade em certos casos
complexos de superposição e interpenetração temática) excluída a representação
monocolor q está para o poema como uma fotografia para a realidade cromática.

mas luminosos, ou filmletras, quem os tivera!

reverberação: leitura oral – vozes reais agindo em (aproximadamente) timbre para o


poema como os instrumentos na klangfarbenmelodie de Webern.

(1987, p. 21)

154
Da série poetamenos

(texto previsto para 2 vozes-cores, masculina e feminina)

(1987, p. 22)

155
Haroldo de Campos (1958)

nascemorre

Este poema desenvolvido no par antagônico nascemorre foi estruturado buscando equilibrar
está polaridade dos significados. Percebem-se quatro blocos triangulares: “se nasce”, “re”,
“des” e “morre se”. A oposição vertical do primeiro e do último triângulo formam
visualmente a metáfora maior do que começa e do que termina. A oposição do segundo e
terceiro triângulo aparentemente é horizontal, no entanto também é vertical. Os
significados contrários se equilibram a partir de uma leitura que se inicie na palavra “re” no
centro e siga em duplo movimento linha alinha para cima e para baixo. “Percebe-se que há,
em todos os subconjuntos e na relação entre eles um movimento dinâmico que acentua o
equilíbrio sintático e semântico como resultado ao modo Yin Yang, o que cria uma espécie
de transfusão perpétua do nascer em morrer e vice-versa.” (Plaza, 2001, p. 104)

As aliterações soando em contrastes reiteram o equilíbrio das polaridades. Síntese: o poema


propicia uma leitura ideogrâmica em contraponto verbivocovisual.

156
Júlio Plaza (1984)

Tradução intersemiótica do poema “nascemorre” de Haroldo de Campos.

Tradução simbólica considerado por Plaza como Transcodificação. Neste tipo de tradução
convencionam-se as equivalências de um para outro código.

157
Sintetizando nas palavras de Augusto de Campos (1987, p. 31):

A verdade é que as ‘subdivisões prismáticas da Idéia’ de Mallarmé,


o método ideogrâmico de Pound,
a apresentação ‘verbivocovisual’ joyciana e
a mímica verbal de Cummings
convergem para um novo conceito de composição,
para uma nova teoria de forma – uma organoforma –
onde noções tradicionais como princípio-meio-fim, silogismo, verso tendem a desaparecer e
ser superadas por uma organização
poético-gestaltiana, poético-musical, poético-ideogrâmica da estrutura:
POESIA CONCRETA.

Neste breve passeio pela Poesia Concreta, os objetivos foram, em primeiro lugar situar a
importância destas ações artísticas que permanecem presentes durante mais de 50 anos na
história brasileira. Neste período a produção deste grupo de poetas teóricos não
permaneceu estática vivendo apenas do passado, muito foi produzido até chegar aos
clipoemas e a poesia digital. Considerando a IR SVV, entendo que esta forma de expressão
poética alcança avanços na obra “Nome” de Arnaldo Antunes. Estes avanços se devem aos
recursos tecnológicos disponíveis para a produção: hardwares e softwares da computação
gráfica, além, evidentemente do potencial criativo inerente ao artista.

O segundo objetivo está no modo como a Poesia Concreta foi inscrita, rompendo com as
fronteiras da poesia e da linguagem verbal expandindo o campo da linguagem para o
universo das linguagens híbridas.

158
(4) Contraponto Hipermídia: final
CH é o resultado da observação de várias questões teóricas e manifestações artísticas. Cada
uma delas apresenta particularidades importantes e foram influindo na montagem de um
grande quebra-cabeça. Todas elas tiveram sua importância como unidades de estudo e que
em contraponto possibilitam novos caminhos, como tudo que se deseja neste projeto.

Desta forma pode-se dizer que CH pode ser entend(perceb)ida a partir de múltiplos pontos
de vista. Apesar de setas apontando para todo lado, a estrutura foi pensada como um todo.
A premissa dos doisnãos: 1não linearidade e da 2não hierarquia, teve como conseqüência e
resultado, um produto fragmentado. A fragmentação por sua vez, tornou-se um conceito,
tendo em vista que se observou aproximações semióticas entre os modos de representação
do mundo [exter(sig)nos] e a estruturação do pensamento [sig(inter)nos] & a(s)
hiper(mídia(s). Esta conjunção “f r a g MENT(E)ada” transformou-se na essência do CH.

Um dos aspectos do CH é que funcione como extensão do pensamento, e sendo que no


pensamento surgem signos de todos os tipos e origens que se contaminam em múltiplas
semioses, fragmentando-se através de fluxos de interrupções e retomadas (conceito de
fragmentação), buscou-se possibilitar que CH também pudesse disponibilizar os seus signos
de modo semelhante ao como ocorre com o usuário (+contraponto).

Desta forma a interatividade, outro aspecto importante para as discussões sobre as mídias
digitais, surge de forma bastante natural sem a força da imposição dos recursos gráficos e
dos templates dos programas comerciais. CH possibilita o
leitorreceptorinteratorautorusuário a percorrer um caminho próprio, mas não isolado, a
estrutura da programação “sugere” !radnomicmaente! informações veiculadas em diversos
tipos de signos sonoros, visuais eou verbais. Assim a interatividade física, a dos cliquesteclas,
fica motivada pela interação entre as semioses do leitorusuário e as informações
audiovisuais propostas pelo CH. Não é exagero dizer +1X que o pensamento e as
representações digitais do CH se inter-relacionam em contraponto.

Sobre os conteúdos, a seleção e distribuição em séries, evidentemente foram filtradas. Desta


forma não se pode dizer que o usuárioreceptor tem toda liberdade de interação como, por
159
exemplo, tem no caso dos jogos digitais, no CH os conteúdos foram organizados de modo
que as sugestões/provocações realizadas pelo computador/programa sejam feitas
coerentemente com aquilo que está sendo lido. Esta questão foi exaustivamente estudada já
que se trata de uma tese de doutorado que requer alto nível de abstração, cujas regras de
elaboração são bastante rígidas e sedimentadas, sendo, portanto, este modo de
apresentação uma exceção.

Em se tratando da estruturação do CH partiu-se de uma idéia geral sobre contraponto


advinda da minha experiência teórico-prática com essa linguagem musical. Esta opção
também foi feita tendo em vista a percepção natural, quase lógica, de que tudo está em
contraponto, em constante inter-relação, os pensamentos, o contato com a natureza e a
cultura de um determinado indivíduo. Nova(mente) a fragmentação.

composi(cria)ção:

Dos estudos sobre Contraponto Musical surgiram muitos aspectos importantes para a
composição do CH. As melodias inspiraram a criação de linhas de informação. Estas linhas
funcionam como melodias hipermidiáticas tendo em vista as variadas formas de
apresentação do conteúdo. Assim como as melodias do contraponto, as linhas de
informação foram criadas como unidades de conteúdo, ou seja, foram compostas como
unidades auto-suficientes de informação. Cada unidade apresenta coerência interna de
sentido, porém quando em CH com outras linhas de informação possibilitam novas leituras,
assim como ocorre na técnica de criação de melodias. A valorização individual de cada linha
de informação significa, portanto, valorização do todo.

Dos ensinamentos adquiridos no Contraponto Musical a rigidez das regras de composição e


as repetições por variações mostram o caminho da coerência. Neste aspecto a construção
das leis do CH foi estruturada a partir da observação da experiência de outro momento
musical não menos rígido, o serialismo, porém sob a rígida supervisão da programação.

Ainda da experiência advinda do Contraponto Musical o modo de repetição dos motivos e


melodias como recurso de inteligibilidade, refiro-me a repetição em forma de variação, a
qual se destaca a variação por imitação, no CH as repetições ocorrem através das variadas
160
formas de apresentação de conteúdo possíveis na hipermídia: texto verbal escrito de várias
formas, apresentados em blocos ou em legendas, texto verbal falado, imagens, texturas,
referências visuais, sonoplastia, experimentações sonoras.

É importante destacar um dos modos de variação contrapontístico e também presente nas


composições serialistas e que são recursos utilizados no CH, trata-se das variações a partir
do ORIGINAL, as possibilidades de inversão, retrógrado, inversão do retrógrado.

Schoenberg desenvolveu um tipo de composição musical atonal chamado dodecafonismo.


Esta técnica de composição caracteriza-se por utilizar séries pré-estabelecidas estruturadas a
partir das 12 notas da escala cromática sob a qual a composição se estabelecia. O
dodecafonismo, assim como o contraponto, era regido por regras muito estritas que além de
garantir a coerência também garantiam a não destruição do próprio conceito de composição
atonal.

O que importa fundamentalmente para o CH é a herança deixada pelo serialismo, no modo


de tratar os elementos da composição, a organização das séries e as inter-relações entre
elas. De Schoenberg até Messian, Boulez e Stockhausen, o que se viu foi um caminho
trilhado em direção da serialização de todos os elementos sonoros. Entendo ser o CH a
oportunidade da serialização de todos os elementos hipermidiáticos, ou seja, para além das
fronteiras do sonoro.

A Montagem cinematográfica de Eisenstein complementa a idéia de contraponto. A


montagem se realiza na justaposição de dois fragmentos ou seqüências de filme. O resultado
deste conflito pode ser uma espécie de ambientação, ou seja, criar um clima tal que dele
surja um conceito. Como por exemplo, nas cenas iniciais do filme “O velho e o novo”,
Eisenstein realiza uma seqüência que visa, mais do que narrar, criar um conceito de pobreza.
Também na montagem pode-se criar significados justapondo-se duas seqüências
contrastantes.

A montagem no CH não ocorre previamente com acontece no cinema, as possibilidades de


montagem são pensadas quando da seleção e organização das séries que, aliadas a
programação, têm objetivo de garantir a coerência da leitura. O resultado da montagem
161
pode aparentar uma colagem digital, porém difere por que não se tem objetivamente o
interesse de camuflar as sobreposições ou justaposições dos dados. Considero Eisenstein
neste caso, como um precursor desta idéia de uma montagem mais livre apoiada na seleção
serial dos conteúdos.

As experiências e referências da Poesia Concreta deram sustentabilidade para o uso


inventivo da palavra. O contraponto e a montagem neste caso apresentam estratégias
intelectuais criativas aliadas ao alto nível de repertório dos integrantes do movimento. A
palavra na Poesia Concreta apresenta valores que vão além do sentido lógico digital pela
qual aponta, almejam a iconicidade, significando também na sua visualidade e sonoridade. O
percurso histórico da Poesia Concreta mostra sintonia e conexão com as invenções
tecnológicas. Entendo ser natural a passagem pela hipermídia.

Desta forma foram formadas as seguintes séries.

1Séries sonoras:

Composição:

As séries da Composição são eventos sonoros criados, angariados,


apropriados20,selecionados e separados em grupos. Estes sons são escolhidos e executados
randomicamente pelo programa, desta forma o controle dos resultados pela autoria fica
restrito ao conhecimento das regras impostas via programação e a construção das séries.
Evidentemente que se pode ter uma idéia sobre os resultados, mas não exatamente.

Este módulo apresenta séries de sons, de repetições, pausas e intensidade.

Também estão incluídas nestas séries as palavras chave faladas no original e retrógrado.

Sonoplastia:

20
As apropriações foram realizadas na Web e são restritas a pequenos eventos sonoros, não caracterizam
nenhuma música de autoria, nem são utilizados compassos ou partes de alguma obra de autor. Timbres e
efeitos foram realizados a partir de softwares comerciais como Reason e o Soundforge. Informo ainda que
poderiam ser criados ou gravados a partir de qualquer programa ou mesmo em estúdio, o que significa dizer
que não foram utilizados dos programas citados nenhum template ou ação pré-estabelecida pelos fabricantes.
162
São os efeitos sonoros usados para enriquecer os ambientes da Hipermídia. São
tradicionalmente utilizados no rádio, TV ou cinema. Trata-se de gravação ou produção de
sons imitando sons da natureza, de animais, objetos, ações ou movimentos, com intenção
de realçar, destacar ou ilustrar as qualidades de um ambiente em determinadas situações. A
montagem da sonoplastia pode reforçar a naturalidade do que está acontecendo, ou criar
sensações ambientais fictícias. Também foram utilizados recursos sonoros como delay,
reverb, chorus e controle de pan, como signos de qualidade que, aplicados aos sons,
sugerem determinados espaços, como por exemplo, a ilusão de estar dentro de salas
pequenas ou salões imensos.

Estes signos sonoros são de fácil entendimento por representam seus objetos por
similaridade, por apresentarem conexões diretas com os seus objetos e também por já
fazerem parte de uso coletivo nas mídias audiovisuais tornando-se, portanto, também uma
convenção.

Diferentemente do modo como a sonoplastia tem sido utilizada nas mídias audiovisuais, no
CH estes sons não são ilustrações ou reforços das cenas, são eventos particulares, individuais
que têm como objetivo levar o receptor a ter sensações imediatas das quais já tem
experiência no mundo concreto, seja através da natureza ou das produções culturais.

O único aspecto de controle da sonoplastia do CH são as montagens das séries ficando


totalmente livre de associações pré-definidas ou ilustrativas, a ação do usuário levará a
execução de um dos efeitos de sonoplastia da série, seja através da interação ou por
execução randômica feita pelo computador.

2Séries visuais:

Imagens Texturas:

Séries organizadas com imagens texturas cujo objetivo é simplesmente proporcionar


sensações visuais sem qualquer referência externa (imagens apresentativas).

Imagens telas de sites:

Séries organizadas com telas de sites que são referências para o CH. Algumas telas servem
para identificar o período de realização da tese.
163
Imagens frames de filmes:

Séries organizadas com frames de filmes que são referências para o CH. Algumas são
referências diretas como, por exemplo, as imagens do filme “O novo e o velho” de
Eisenstein, outras são referências indiretas, mas que fazem parte do universo de afinidades
com os assuntos tratados na tese, por exemplo, frames do “A TV Dante” (Grã-Bretanha,
1989) direção de Tom Phillips e Peter Greenaway que foram veiculados na TV britânica,
referência indiscutível para a hipermídia assim como frames de filmes de Jean-Luc Godard
que apresenta afinidades com o conceito de fragmentação.

Imagens breves trechos de filmes:

Séries organizadas com trechos de filmes que são referências para o CH. Algumas são
referências diretas como, por exemplo, as imagens do filme “O novo e o velho” de
Eisenstein, outras são referências indiretas ou afinidades, seleção idêntica a aplicada para
série de imagens frames de filmes.

3Séries verbais:

Palavras chave:

Séries organizadas a partir das palavras chave que fazem parte do conteúdo da tese.
Exemplos: contraponto, hipermídia, interatividade, linguagens, sonoro, visual, verbal.

Os exemplos da Poesia Concreta e de Arnaldo Antunes são fundamentais para estas


vinhetas. A palavra é o centro das atenções, porém articulada de modo a agregar os
aspectos audiovisuais.

Escritas:

Manuscritas: Blocos de texto do conteúdo da tese escritos a mão. O texto verbal


escrito a mão acrescenta a referência do traço de quem escreveu, singularizando o signo
verbal codificado. O desenho das letras e possíveis resvalos caligráficos acrescentam aspecto
icônico ao símbolo verbal.

164
Digitais: Blocos de texto do conteúdo da tese com fontes digitais.

Faladas:

Blocos de texto do conteúdo da tese falados. Os textos são lidos sem nenhuma imposição de
leitura, nenhuma interpretação, nem recurso profissional de locução. Cada “voz” faz a
leitura como qualquer pessoa o faria. Não há nenhuma trucagem ou camuflagem em função
de apresentar um texto verbal perfeito, o interesse está no valor da leitura comum.

Foram utilizados recursos de edição sonora com intuito de exemplificar as múltiplas


possibilidades de uso do som buscando caminhos menos percorridos para a linguagem
sonora. O uso das simulações de ambientes através de efeitos de reverb, delay, chorus e
flanger não seguem regras pré-estabelecidas, foram pensadas de modo semelhante a da
experiência de Eisenstein quando chama a atenção para determinados elementos buscando
concentrações do espectador para outras possibilidades de significação diferentes das
padronizações culturais.

e a Semiótica:

A semiótica como fundamento teórico para CH também foi sustentáculo para a prática. O CH
foi produzido a partir de uma estruturação semiótica. Em cada signo criado as questões
teóricas estiveram sempre presentes. O fundamento dos signos foi pensado sempre
objetivando, por um lado, qualidades coerentes com o conteúdo a que se referem e, por
outro, sempre que possível procurou-se que os signos fossem apresentados conforme foram
teorizados, ou seja, que o signo pudesse também ser articulado em metalinguagem.

Desta forma CH não apresenta interface gráfica com metáfora visual de orientação e
navegação mediando a leitura/interação e a programação/informação. Os aspectos gráficos
já são eles próprios interface e informação, exceção apenas para certas marcas e indicações
necessárias para que o usuário possa controlar a sua navegação.

CH foi estruturado em linhas de informação como unidades de significado mínimo


organizado em séries. Estas linhas de informação podem ser apresentadas de variadas
formas. Estes dois aspectos mostram que CH é bastante fragmentado, porém o modo como
165
as séries foram estruturadas permite leituras coerentes. Pretende-se com isto que a
apreensão dos significados ocorra progressivamente conforme as semioses vão acontecendo
provocadas pelas linhas de informação que ora surgem em linguagem sonora, ora em visual
ou verbal ou tudo junto ao mesmo tempo.

A tradução Intersemiótica de Júlio Plaza contribuiu principalmente na criação das linhas de


informação tendo em vista que o mesmo conteúdo pode ser apresentado de variadas
formas. O que foi visto antes será revisto depois, porém ditos/escritos de outras formas, as
redundâncias ocorrem para garantir a compreensão, como por exemplo, as variações em
música garantindo a coerência da obra como um todo. Entender os tipos de tradução
intersemiótica, transcriação, transposição e transcodificação, facilita o trânsito entre as
linguagens.

A teoria das Matrizes de Linguagem e Pensamento está presente na articulação geral da


construção da teoria e prática do CH. Principalmente como modo de pensar. O
entendimento de cada matriz e os seus eixos possibilitou pensar as linguagens sem
hierarquia, entendendo a importância de cada uma delas e facilitando as aplicações. Esta
teoria elimina as fronteiras entre as linguagens possibilitando um domínio mais conceitual
de cada uma diferentemente do pensamento focado no estudo aplicado delas. De qualquer
modo, através desta pesquisa foi possível aliar os 2 aspectos importantes: o estudo
conceitual, abstrato e fundamental para o entendimento das Matrizes das Linguagens + a
aplicação estudada de forma cruzada, diacrônica e sincronicamente tendo como premissa a
inter-relação das linguagens.

Por fim a inter-relação das linguagens sonora, visual e verbal (IR SVV) torna-se um modo de
pensar e a hipermídia uma aplicação. Pensar IR SVV significa pensar Matriz das Linguagens,
ou seja, pensar através dos eixos de cada matriz.

IR SVV está naturalmente para linguagem híbrida, o que falta é desativar os modos de escrita
e leitura tradicionais e compreender que é possível receber, compreender e interagir com
mensagens híbridas não hierarquizadas, já que entendo ser natural para o homem a leitura
fragmentada e a construção do sentido a partir do contexto. A hipermídia é, portanto, a
tecnologia necessária e suficiente para que isto ocorra. O Contraponto Hipermídia uma
experimentação.
166
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