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Heteronímia: Alberto Caeiro

Na obra de Caeiro, há um objetivismo absoluto. Não lhe interessa o que se encontra por de trás das coisas.
Recusa o pensamento, sobretudo o pensamento metafísico. Para representar esta temática, podemos
recorrer a alguns versos do “guardador de rebanhos”:

“Porque pensar é não compreender ...”

“O Mundo não se fez para pensarmos nele (Pensar é estar doente dos olhos)”

“Pensar incomoda como andar à chuva”

“Porque o vejo. Mas não penso nele”

“O que penso eu do mundo?

Sei lá o que penso do mundo!

Se eu adoecesse pensaria nisso.”

“Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores?

A de serem verdes e copadas e de terem ramos

E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar”

Caeiro é o poeta do olhar, procura ver as coisas como elas são, sem lhes atribuir significados ou
sentimentos humanos. Considera que as coisas são como são. Este aspecto da poesia do “Mestre” pode ser
comprovado nos seguintes versos:

“As cousas não têm significação: têm existência.”

“Cada coisa é como é”

“Porque o único sentido oculto das cousas

É elas não terem sentido oculto nenhum,”

“A luz é a realidade imediata para mim”

A poesia de Caeiro é construída através das sensações, apreciando-as como boas por serem naturais (para
ele o pensamento torna a realidade abstrata/confusa, tornando-a “irreal”).

“Para além da realidade imediata não há nada”

“Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...”

“Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores?

A de serem verdes e copadas e de terem ramos

E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar”

“E os meus pensamentos são todos sensações.

Penso com os olhos e com os ouvidos

E com as mãos e os pés

E com o nariz e a boca.”

Caeiro vê o mundo sem a necessidade de explicações, sem princípio nem fim, e confessa que existir é um
facto maravilhoso, por isso crê na “eterna novidade do mundo” (“Sinto-me nascido a cada momento”).
Condena o excesso de sensações, pois a partir de um certo grau de sensações passam de alegres a tristes.
Podemos comprovar isto, temos por exemplo:

“Me sinto triste de gozá-lo tanto.”

Caeiro escreve espontaneamente, sendo a sua poesia inegavelmente natural, como podemos verificar nos
seguintes versos:

“Não me importo com as rimas”

“E a minha poesia é natural como o levantar-se vento...”

“E assim escrevo, querendo sentir a Natureza, nem sequer como um homem,

Mas como quem sente a Natureza, e mais nada.

E assim escrevo, ora bem ora mal,

Ora acertando com o que quero dizer ora errando,”

Optando pela vida no campo, acredita na Natureza, defendendo a necessidade de estar de acordo com ela,
de fazer parte dela. Para comprovar este facto, temos os seguintes versos:

“E assim escrevo, querendo sentir a Natureza, nem sequer como um homem,

Mas como quem sente a Natureza, e mais nada.”

“Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,

Mas porque a amo, e amo-a por isso,”

O “Mestre” mostra-se um poeta pagão, que sabe ver o mundo dos sentidos, ou melhor, sabe ver o mundo
sensível onde se revela o divino, em que não precisa de pensar, como podemos ver em:

“Não acredito em Deus porque nunca o vi”

“Mas se Deus é as árvores e as flores

E os montes e o luar e o sol,


Para que lhe chamo eu Deus?

Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;”

“E amo-o sem pensar nele,

E penso-o vendo e ouvindo,”

O poeta confessa, no poema “guardador de rebanhos”, não ter “ambições nem desejos”. Ser poeta é a sua
“maneira de ficar sozinho”.

Linguagem e Estilo
Ao analisar os poemas de Alberto Caeiro (anexos) pode concluir que o poeta utiliza:

Composição poética: verso livre; ausência de rima e métrica regular; esquemas rítmicos diversos;
presença de assonâncias; de aliterações e de onomatopeias.

Linguagem: simples, repetitiva, oralizante e prosaica; rara adjectivação; predomínio do verbo “ser” e do
Presente do Indicativo.

Sintaxe: simples, com predomínio da coordenação.


Estilo: discursivo, com uso de paralelismos, assíndetos, polissíndetos, tautologias, comparações e
metáforas.

Heteronímia: Ricardo Reis


Na poesia de Ricardo Reis, há um sentimento da fugacidade da vida, mas ao mesmo tempo uma grande
serenidade na aceitação da relatividade das coisas e da miséria da vida. Para o poeta, a vida é efémera, ou
seja curta, e o futuro é imprevisível, sendo por isso que Reis estabelece uma filosofia de vida: “carpe
diem”, isto é, aproveitar o momento, o prazer de cada instante. Estas temáticas estão presentes nos
seguintes versos:

“Que em o dia em que nascem,

Em esse dia morrem”

“Breve o dia, breve o ano, breve tudo.

Não tarda nada sermos”

“O tempo passa,

Não nos diz nada.

Envelhecemos.”

Embora tema a morte, pois desconhece-a, não contesta as leis do destino, às quais nem os deuses são
superiores, e por causa das quais afirma não ter liberdade:

“Como acima dos deuses o Destino

É calmo e inexorável,”

“Na sentença gravada do Destino”

Reconhecendo a fraqueza humana e a inevitabilidade da morte, Reis procura uma forma de viver com um
mínimo de sofrimento. Para isso, defende um esforço lúcido e disciplinado para obter uma calma qualquer.
Para comprovar isto, temos como exemplos os versos:

“Igual é o fado, quer o procuremos,

Quer o 'speremos”

“O Fado cumpre-se.”

“O Fado nos dispõe, e ali ficamos”

“Só nós — ó tempo, ó alma, ó vida, ó morte! —“

Sendo um epicurista (pessoa dada à satisfação dos sentidos), o Poeta procura o prazer, sabiamente gerido,
com moderação e afastado da dor. Reis afirma que o ser humano deve ordenar a sua conduta de forma a
viver feliz, procurando o que lhe agrada.

“Na sentença gravada do Destino

Quero gozar as letras.”

“Tanto quanto vivemos, vive a hora”

“Cada dia sem gozo não foi teu”

“Feliz o a quem, por ter em coisas mínimas

Seu prazer posto, nenhum dia nega


A natural ventura!”

“Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,

Se quise'ssemos, trocar beijos e abraços e carícias,

Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro

Ouvindo correr o rio e vendo-o.”

“Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,

Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,”

A obra de R. Reis apresenta um epicurismo triste, uma vez que busca o prazer relativo, uma verdadeira
ilusão de felicidade, pois sabe que tudo é transitório. Podemos comprovar este facto nos seguintes versos:

“Gozo sonhado é gozo, ainda que em sonho”

“Vem sentar-te, comigo, Lídia”

“A vida que deslembro,

Assim meus dias seu decurso falso”

“Na inteira liberdade

Que é a ilusão que agora

Nos torna iguais dos deuses.”

Próximo de Caeiro, há na sua poesia um fascínio pela natureza onde busca a felicidade relativa, como se
comprova nos seguintes versos:

“E os olhos cheios

De Natureza ...”

“E no seu calmo Olimpo

São outra Natureza.”


Ricardo reis refugia-se na aparente felicidade pagã que lhe atenua o desassossego. Procura alcançar a
quietude e a perfeição dos deuses, desenhando um novo mundo à sua medida:

“E no seu calmo Olimpo

São outra Natureza.”

“Tão pouco livres como eles no Olimpo,”

“Quer sobre o ouro de Apolo

Ou a prata de Diana”

“E assim, Lídia, à lareira, como estando,

Deuses lares, ali na eternidade,

Como quem compõe roupas”

O poeta afirma a crença nos deuses e nas presenças quase-divinas que habitam todas as coisas. Afirma que
os homens devem ter um “fado voluntário”, isto é, fingirem que são donos de si mesmos. Nos seguintes
versos podemos confirmar esta temática de Reis:
“Acima de nós-mesmos construamos

Um fado voluntário

Que quando nos oprima nós sejamos

Esse que nos oprime,

E quando entremos pela noite dentro

Por nosso pé entremos.”

“Os deuses concedem

Aos seus calmos crentes

Que nunca lhes trema

A chama da vida”

“A nossa vista as casas,

Podemos crer-nos livres.”

“Feliz em suma — quanto a sorte deu

A cada coração o único bem

De ele poder ser seu.”

Linguagem e Estilo
Ao analisar os poemas de Ricardo Reis (anexos) pode concluir que o poeta utiliza:

Composição poética: ode (tem a sua origem na poesia clássica grega), composição poética de exaltação,
era dotada de um esquema rígido na época clássica, mas os poetas modernos abandonaram essa rigidez e
usaram-na com esquemas variados.

Verso: regular – decassílabo alternado ou não com o hexassílabo; branco com recurso à assonância, à
aliteração e à rima interior.

Linguagem: erudita, latinizante (recurso a latinismos – utilização de locuções ou palavras própria da


língua latina), como “vólucres, “insciente”, “óbulo”, “ínfero”, “estígio”. Uso frequente do Gerúndio e do
Imperativo.

Sintaxe: complexa, com predomínio da subordinação.

Estilo: denso, cuidadosamente construído, através de anástrofes (inversão da ordem normal das palavras
para se dar mais realce ao pensamento), hipérbatos (alteração da ordem mais comum das palavras,
prejudicando a clareza da expressão) e perífrases que remetem para a mitologia grega e latina. Submissão
da forma ao conteúdo.

Heteronímia: Álvaro de Campos


Álvaro Campos é o poeta que, numa linguagem impetuosa e excessiva fala do mundo contemporâneo,
celebra o triunfo da máquina, da força mecânica e da velocidade. Dentro do espírito do modernismo, exalta
a sociedade e a civilização moderna com os seus valores e a sua “embriaguez”; como podemos confirmar
nos versos seguintes:

“Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno!”

“E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso


De expressão de todas as minhas sensações,

Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas!”

“Ah, poder exprimir-me todo como um motor se exprime!

Ser completo como uma máquina!

Poder ir na vida triunfante como um automóvel último-modelo!”

“Ó ferro, ó aço, ó alumínio, ó chapas de ferro ondulado!

Ó cais, ó portos, ó comboios, ó guindastes, ó rebocadores!”

“Das burguesinhas, mãe e filha geralmente,

Que andam na rua com um fim qualquer;”

“A maravilhosa beleza das corrupções políticas,”

“Ó automóveis apinhados de pândegos e de putas,”

“Ah, e a gente ordinária e suja, que parece sempre a mesma,

Que emprega palavrões como palavras usuais,

Cujos filhos roubam às portas das mercearias

E cujas filhas aos oito anos - e eu acho isto belo e amo-o! -

Masturbam homens de aspecto decente nos vãos de escada.”

“Eia todo o futuro já dentro de nós! eia!”

Diferente de Caeiro (seu “mestre”), que considera a sensação de forma tranquila e saudável, mas rejeita o
pensamento, Campos procura a totalização das sensações, conforme as sente ou pensa, e que lhe causa
tensões profundas. Como sensacionalista, é o poeta que melhor expressa as sensações da energia e do
movimento, bem como as sensações de “sentir de todas as maneiras”. Para ele a única realidade é a
sensação.
Em Campos há vontade de ultrapassar os limites das próprias sensações, numa vertigem insaciável, que o
leva a querer “ser toda a gente e toda a parte”. Numa atitude unanimista, procura unir em si toda a
complexidade das sensações.

Para demonstrar as últimas duas características de Campos temos os seguintes versos:

“Tenho mais sensações do que tinha quando me sentia eu.”

“Ah não ser eu toda a gente e toda a parte!”

“Vi todas as coisas, e maravilhei-me de tudo”

“Vivi todas as emoções, todos os pensamentos, todos os gestos,”

“Sentir tudo de todas as maneiras,

Viver tudo de todos os lados,

Ser a mesma coisa de todos os modos possíveis ao mesmo tempo,

Realizar em si toda a humanidade de todos os momentos”

“De expressão de todas as minhas sensações,”


“Ah, como todos os meus sentidos têm cio de vós!”

“E outra vez a fúria de estar indo ao mesmo tempo dentro de todos os comboios

De todas as partes do mundo,

De estar dizendo adeus de bordo de todos os navios”

Passada a fase eufórica, o desassossego de Campos leva-o a revelar uma fase de “depressão”, a ponto de
desejar a própria destruição. Há ai a abulia (perda da força de vontade) e a experiência do tédio, a
decepção, o caminho do absurdo. Nesta fase verifica-se a presença do niilismo (redução ao nada) em
relação a si próprio, embora reconheça ter “todos os sonhos do mundo”.

“Não sou nada.

Nunca serei nada.

Não posso querer ser nada.

À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.”

“A minha obra? A minha alma principal? A minha vida?

Um caco”

“Começo a conhecer-me. Não existo.”

“Mal sei como conduzir-me na vida”

“Eu sou um internado num manicómio sem manicómio”

“Pobre velha casa da minha infância perdida”

“Se ao menos eu tivesse uma religião qualquer!”

“Minhas conclusões práticas, inúteis...”

Álvaro de Campos evolui ao longo de três fases:

Na primeira fase, encontra-se o tédio de viver, a morbidez, o decadentismo, a sonolência, o torpor e a


necessidade de novas sensações, como exemplo desta fase temos o poema “Opiário”.

“É antes do ópio que a minh’alma é doente.”

“Não faço mais do que ver o navio ir

Pelo canal de Suez a conduzir

A minha vida, cânfora na aurora.”

“Perdi os dias que já aproveitara.

Trabalhei para ter só cansaço”

“Por isso eu tomo ópio. É um remédio.

Sou um convalescente do Momento.”

“E ver passar a Vida faz-me tédio.”

“Meu coração é uma avozinha que anda

Pedindo esmola às portas da Alegria.”


Na segunda fase, há um excesso de sensações, a tentativa de totalização de todas as possibilidades
sensoriais e afectivas (unanimismo), a inquietude, a exaltação da energia de todas as dinâmicas, da
velocidade e da força até situações de extremas. Para comprovar esta fase de Campos temos os poemas
Ode Triunfal e Ode Marítima.

“E arde-me a cabeça de vos querer cantar com excesso

De expressões de todas as minhas sensações,

Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquina!”

“Ah, poder exprimir-me todo como um motor se exprime!”

“Olho pró lado da barra, olho pró indefinido”

“Olho de longe o paquete, com uma grande independência de alma,

E dentro de mim um volante começa a girar, lentamente.”

“Ameaçador de significações metafísicas

Que perturbam em mim quem eu fui…”

“Como a primeira janela onde a madrugada bate,

E me envolve como uma recordação duma outra pessoa

Que fosse misteriosamente a minha.”

“E depois a gritar, numa voz já irreal, a estoirar no ar:”

“Eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh

Eh-lahô-lahô-lahO-lahá-á-á-à-à!

Eh-eh-eh-eh-eh-eh-eh”

Na terceira fase, perante a incapacidade das realizações, volta ao abatimento, a abulia, a revolta e o
inconformismo, a dispersão e a angústia, o sono e o cansaço; como podemos confirmar nos poemas “O que
há em mim é sobretudo cansaço”, “Esta velha angústia”, etc.

“O que há em mim é sobretudo cansaço-“

“Cansaço assim mesmo, ele mesmo,

Cansaço”

“A sutileza das sensações inúteis,”

“Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:”

“Um supremíssimo cansaço,

Íssimo, íssimo, íssimo,”

“Esta angústia que trago há séculos em mim,

Transbordou da vasilha,

Em lágrimas, em grandes imaginações,

Em sonhos em estilo de pesadelo sem terror,

Em grandes emoções súbitas sem sentido nenhum”


“Pobre velha casa da minha infância perdida”

Linguagem e Estilo
Ao analisar os poemas de Álvaro de Campos (anexos) pode concluir que o poeta utiliza:

Composição poética: ode; quadra; verso em geral muito longo; ausência de rima; recurso à onomatopeia,
à aliteração, assonância e à rima interior.

Linguagem: simples, repetitiva, mistura de registos de língua; uso de interjeições; estrangeirismos,


neologismos.

Sintaxe: construções nominais infinitas e gerundivas.

Estilo: esfusiante, torrencial; com recurso a onomatopeias, anáforas, apóstrofes, enumerações, oximoros;
pontuação expressiva (exclamação, interrogações, reticências).

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