E mais fria e insensível que o granito, E que eu que passo aí por favorito Vivo louco de dor e de martírio.
Contam que tens um modo altivo e sério,
Que és muito desdenhosa e presumida, E que o maior prazer da tua vida, Seria acompanhar-me ao cemitério.
Chamam-te a bela imperatriz das fátuas,
a déspota, a fatal, o figurino, E afirmam que és um molde alabastrino, E não tens coração como as estátuas.
E narram o cruel martirológio
Dos que são teus, ó corpo sem defeito, E julgam que é monótono o teu peito Como o bater cadente dum relógio.
Porém eu sei que tu, que como um ópio
Me matas, me desvairas e adormeces És tão loira e doirada como as messes E possuis muito amor... muito "amor próprio".
Este poema de Cesário Verde é constituído por 5 quadras, com versos
decassilábicos (10 sílabas métricas). Possui rima interpolada ABBA. Contam que tens um modo altivo e sério, A
Que és muito desdenhosa e presumida, B
E que o maior prazer da tua vida, B
Seria acompanhar-me ao cemitério. A
O poema também contém rimas ricas (ou seja, a rima faz-se entre vocábulos de classes gramaticais distintas) e rimas pobres (rima entre palavras da mesma classe).
Nas primeiras quatro estrofes, o sujeito poético retrata e admira a mulher da
cidade, descrevendo-a como fria, altiva, insensível. Uma mulher fatal e inalcançável, artificial como uma estátua, sem sentimentos e de corpo perfeito, mas mesmo assim ele sente uma atração imensa por ela. Na quinta e última estrofe, o sujeito poético reconhece a fatalidade da mulher, aprecia os cabelos "doirados" e por fim critica e realça que o único amor que ela sente é por si própria. Quanto aos recursos expressivos, a ironia faz-se presente na descrição das quatro primeiras estrofes. A comparação é utilizada no primeiro verso relativamente à pureza da mulher (“Dizem que tu és pura como um lírio”), a adjetivação, por exemplo, no verso “E mais fria e insensível que o granito” e ainda a hipérbole, pelo exagero da dor supostamente sentida, “Vivo louco de dor e de martírio”. É possível identificar também a enumeração (“a déspota, a fatal, o figurino”) e a anástrofe (“E julgam que é monótono o teu peito”).