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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAPÁ

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE - DCBS


BACHARELADO EM ENFERMAGEM

DOENÇAS DE DEPÓSITO LISOSSÔMICO

ANA LUIZA DE ALMEIDA SILVA


FABIANA PANTOJA CORDEIRO

MACAPÁ, AMAPÁ
2021

1
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAPÁ
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS - DCBS
BACHARELADO DE ENFERMAGEM

DOENÇAS LISOSSÔMICAS DE DEPÓSITO

ANA LUIZA DE ALMEIDA SILVA


FABIANA PANTOJA CORDEIRO

Trabalho da disciplina genética ministrada


pelo docente Klingerry da Silva Penafort do
curso superior Bacharelado em Enfermagem
pela Universidade Federal do Amapá, como
parte dos requisitos avaliativos.

MACAPÁ, AMAPÁ
2021

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RESUMO

As doenças lisossômicas de depósito, ou armazenamento, são um grupo de


distúrbios genéticos causados por alteração no gene que decodifica enzimas
responsáveis pela quebra e digestão de macromoléculas da organela celular, o
lisossomo. Este estudo tem o objetivo de discorrer a respeito destas doenças,
destacando algumas e fazendo uma abordagem minuciosa acerca das mutações
recorrentes, quais genes estão envolvidos e outros participantes deste fenômeno
genético. Trata-se de um estudo bibliográfico explicativo, tendo sua coletânea de
dados retirados de artigos publicados em revistas científicas, dissertações e livros
didáticos que dissertam a respeito do assunto abordado. Recolhemos e avaliamos
informações a respeito dessas patologias, selecionando-as para a análise de como
essas doenças originam-se no organismo.

Palavras-chave: doenças lisossômicas de depósito; mutação; genes.

3
ABSTRAT

The lysosomal storage diseases are a group of genetic disorders caused by


alteration in the gene that decodes enzymes responsible for the breakdown and
digestion of macromolecules of the cellular organelle, the lysosome. This study aims
to discuss this group of diseases, highlighting some and making a detailed approach
about recurrent mutations, which genes are involved and other participants in this
genetic phenomenon. This is an explanatory bibliographic study, having its data
collection taken from articles published in scientific journals, dissertations and
textbooks that discuss the subject. We collected and evaluated information about
these pathologies, selecting them to analyze how these diseases originate in the
body.

Keywords: lysosomal storage diseases; mutation; genes.

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LISTA DE ABREVIATURAS

164deLG Mutação de MPS1


84GG Mutação da DG
ARSB Arisulfatase B
BGA Beta glicosidase ácida
Cis91 Cisteína
D460V Mutação do PSGBA
DG Doença de Gaucher
DLDs Doenças do depósito lisossômico
DNA Ácido desoxirribonucleico
GAGs Glicosaminoglicanos
GC Glicocerebrosidase
IDUA Alfa L-iduronidase
IVS2+1 Mutação da DG
KB Kilobase
L444p Mutação da DG
MPS Mucopolissacaridoses
N370S Mutação da DG
P533R Mutação de MPS 1
p.G137V Mutação de MPS 1
PH Potencial hidrogeniônico
PSGBA Pseudogene da beta glicosidase ácida
RecNail Alelos recombinantes da PSGBA
RecTl Alelos recombinantes da PSGBA
RNA Ácido ribonucleico
SAP-C Saposina C
TRE Terapia de reposição enzimática
V460V Mutação do PSGBA
W402X Mutação de MPS1

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Digestão intracelular………………………………………………………. 8


Figura 2 - Representação estrutural da enzima glicocerebrosidase…………….. 10
Figura 3 - Localização dos alelos na estrutura da glicocerebrosidase……………12
Figura 4 - Localização das mutações na IDUA……………………………………...15
Figura 5 - Estrutura da enzima arisulfatase…………………………………...……..17
Figura 6 - Resposta clínica da TRE…………………………………………………...18

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO…………………………………………………………….……… 8

1.1 Lisossomos...………………………………………………….....….... 9

1.2 Doença de Gaucher………………………………………….……….. 9

1.2.1 Aspectos estruturais…………………………………….……….... 9

1.2.2 Aspectos genéticos……………………………….……………….. 11

1.2.3 Aspectos pseudogeneticos…………………….………………… 12

1.2.4 Aspectos clínicos……………………………………….………….. 13

2 MUCOPOLISSACARIDOSES………………………………………………...... 14

2.1 Estrutura enzimática e genética…………..……………………...… 14

2.2 Síndrome de Hurler………………………………..………………….. 15

2.2.1 Aspectos clínicos………………………………………..………….. 16

2.3 Síndrome de Maroteaux-Lamy…………………………………..….. 16

2.3.1 N-acetilgalactosamina-4-sulfatase..……………………………....17

2.3.2 Aspectos genéticos e clínicos……………………………………..17

3 TERAPIA DE REPOSIÇÃO ENZIMÁTICA (TRE).…………………...………. 18

CONCLUSÃO……………………………………………………………………….. 20

REFERÊNCIAS…………………………………………………………………..…. 21

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1. INTRODUÇÃO

As doenças lisossômicas de depósito são de natureza heterogênea e


hereditária, estas doenças estão conectadas a defeitos relacionados a genes que
são responsáveis por codificarem enzimas lisossômicas incumbidas de degradarem
macromoléculas (Martins et al., 2020). Estas são reagrupadas conforme a
quantidade de substrato acumulado no lisossomo, sendo denominados de
mucopolissacaridoses, esfingolipidoses e outros subgrupos. (Gieselmann, 1995).
Tendo a sua frequência na proporção de 1/1000 em recém-nascidos vivos, as DLDs
são raras e estão relacionadas a outro grupo de doenças denominadas de erros
inatos do metabolismo, se encaixando no grupo 1 da divisão destes distúrbios
genéticos (Karam et al., 2001; Martins, 2003.)

As mutações das DLDs são recorrentes em apenas um gene da sequência


genética a qual a codificação da enzima pertence, sendo monogênicas (Müller,
2009). Após o acúmulo de substrato no interior dos lisossomos, resultantes da
inatividade de enzimas específicas, alterações na organização celular são
percebidas sendo a dilatação da célula afetada a mais evidente, consequentemente
ocorre um aumento do órgão a qual estas células compõe (Vellodi, 2005).

Figura 1. Digestão intracelular. O substrato não é degradado pelas enzimas lisossomais e há


acúmulo deste, no interior dos lisossomos. Disponível em:
(https://dle.com.br/links-relacionados/doencas-lisossomicas) Acesso em mai. 2021.

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1.1 Lisossomos

Lisossomos são organelas localizadas na célula que apresentam em seu


interior uma variedade de enzimas, a formação destas enzimas se dá no retículo
endoplasmático rugoso onde passará por um processo de glicosilação, este
processo é importante para que a enzima seja enovelada e tenha a sua função
ativada (Lothhammer et al., 2009). Após a sua formação, estas proteínas são
levadas ao complexo de Golgi, receberá a marcação da manose 6 fosfato que será
reconhecida por receptores específicos que mediarão o seu transporte até o
lisossomo (Otomo et al., 2015). Essas enzimas são de caráter hidrolíticas e realizam,
além de outras atividades, quebra e digestão de resíduos e moléculas através de
hidrólise (Lothhammer et al., 2009). Porém, defeitos na atividade de enzimas
específicas podem acarretar mau funcionamento das funções do lisossomo levando
ao desenvolvimento de alguns distúrbios denominados de doenças lisossômicas de
depósito.

1.2 Doença de Gaucher

É um distúrbio genético, pertencente ao grupo esfingolipidose, heterogêneo e


transmitido por herança de forma autossômica recessiva, sendo definida por uma
mutação que diminui e/ou inibe a atividade da enzima beta-glicosidase ácida (ou
glicocerebrosidase - GC), acarretando acúmulo de macromoléculas no lisossomo
das células de linhagem dos macrófagos (Ferreira et al., 2011). A enzima beta
glicosidase ácida (BGA) é responsável por catalisar a hidrólise lisossômica do
substrato glicosilceramida (glicocerebrosídeo), um glicolipídeo que se divide em
ceramida e glicose. A inatividade na BGA ocasiona um acúmulo deste substrato nas
células que compõe os tecidos corporais (Ferreira et al., 2008).

1.2.1 Aspectos estruturais

A BGA tem uma estrutura tridimensional e é organizada em 3 domínios. O


domínio 1 é caracterizado por ter uma fita tripla, resíduos de aminoácidos de 1 a 27

9
e 383 a 414 e tem duas pontes de dissulfeto entre os resíduos 4 e 16 e 18 e 23,
domínio 2 tem resíduo de 30 a 75 e 431 a 497 aminoácidos, é formado pela
associação de duas folhas beta, gerando domínio independente, o domínio 3 tem
resíduos de 76 a 381 e 416 a 430 aminoácidos, tomam o formato de barril e tem a
presença de um sítio catalítico. As interações ocorrem entre os domínios 1 e 3 e
entre 2 e 3, sendo este ultimo através de uma alça flexível (Dvir et al., 2003).

Figura 2. Representação estrutural da enzima glicocerebrosidase: O domínio 1 está


representado pela cor azul, domínio 2 pela cor verde e o domínio 3 pela cor amarela. Linker 1 (ciano)
e 2 (cinza) fazem as ligações entre os domínios. A região catalítica está representada pela cor cinza.
Adaptado de: (https://www.mdpi.com/1422-0067/20/23/5962/htm). Acesso em mai. 2021.

O DNA complementar da BGA ocupa 2 kb e o RNA mensageiro tem 2 códons


de iniciação, uma transcrição nestes códons é iniciada e uma proteína, contendo um
polipeptídeo sinalizador de 19 resíduos e outra de 39 resíduos de aminoácidos, será
produzida. Posteriormente estes resíduos darão inicio a produção de uma proteína
madura contendo 497 aminoácidos (Hruska et al., 2008). O gene da BGA localiza-se
na região 2, banda 1, do braço longo do cromossomo 1 (1q21) e existem pelo menos
7 genes funcionais e 2 pseudogenes (PSGBA) nesta região. Este gene ocupa 7,6 kb
da sequência de DNA e é dividido em 11 éxons, os pseudógenes são homólogos ao
gene BGA, ocupam 5,7 kb do DNA, possuem o mesmo arranjo de éxons do gene
funcional e localizam-se a 16 kb da porção terminal 3 do mesmo (Hruska et al.,
2008).

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1.2.2 Aspectos genéticos

O aparecimento de dois alelos mutantes no gene que codifica a BGA causa


uma diminuição parcial ou total da atividade desta, impedindo a hidrólise de
glicocerebrosídeo e acarretando um acúmulo desse lipídeo nos lisossomos das
células do sistema do retículo endotelial, sendo assim denominadas de células de
Gaucher. Alguns dos alelos mutantes mais comuns encontrados são N370S, L444p,
84GG (84inSG) E IVS2 (Ferreira et al., 2008).

A mutação recorrente no alelo N370S é a mais frequente e está relacionada


ao tipo 1 da doença de Gaucher. Ocorre uma transição da base nitrogenada adenina
para guanina no nucleotídeo 1226 que está localizado no éxon 9 da sequência
genética do DNA complementar, a alteração dessas bases nitrogenadas origina uma
substituição do aminoácido asparagina para serina na posição 370 da proteína
glicocerebrosidase (Ferreira et al., 2008). Estas séries de modificações causam
poucas mudanças na estrutura e na ação catalítica da enzima GBA, pois está
localizada em uma região distante do sítio de ativamento da catálise, interface dos
domínios 2 e 3, o que não o faz participar diretamente do processo, porém causa
deficiência na produção dessa enzima causando alterações na digestão lisossômica
provocando o acúmulo de lipídeos. Esta mutação é a mais comum, principalmente
entre os judeus askenazi (Dvir et al., 2003).

Da mesma maneira do tipo 1, a mutação do alelo L444P causa uma transição


da timina para citosina no nucleotídeo 1448, localizado no éxon 10 no gene da GBA.
Esta alteração causa uma substituição do nucleotídeo leucina por prolina no resíduo
444 provocando uma modificação no enovelamento do domínio 2 da
glicocerebrosidase gerando uma proteína instável. Esta mutação é a mais rara e é
conhecida como tipo 2 da doença (Dvir et al., 2003; Ferreira et al., 2008).

No alelo 84inSG (84GG) a mutação ocorre de forma que uma guanina é


inserida no nucleotídeo 84 do DNA provocando uma modificação (frameshift) na
leitura do aminoácido e fazendo com que não haja a produção enzimática (Ferreira
11
et al., 2008). A mutação do alelo IVS2 acontece por um fenômeno denominado de
splicing onde há substituição de guanina por adenina no 1° nucleotídeo do 2° íntron
e também impede a formação da enzima (Ferreira et al., 2008).

Figura 3. Localização dos alelos na estrutura da glicocerebrosidase: os círculos vermelhos


representam os alelos que se modificam por meio da mutação. Glu 235 e 3340 são os nucleófilos da
região catalítica. Disponível em: (https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/jnc.14968). Acesso em
mai. 2021.

1.2.3 Aspectos pseudogeneticos

Há também mutações causadas geradas por crossing over desigual entre a


GBA e o PSGBA, os alelos participantes desta alteração são denominados de
recombinantes e os sítios de recorrência variam entre o íntron 2 e o éxon 11 (Hruska
et al., 2008). Os alelos recombinantes que mais tem mutações é o RecNail, este
sofre alterações de alelos L444P e V460V e o RecTL que engloba as mutações do
RecNail, porém com mais um alelo adicionado, o D409H (Ferreira et al., 2008). Em
alguns casos raros, a inatividade da enzima se dá pela deficiência do ativador de
beta glicosidase ácida, a saposina C (SAP-C). O substrato presente no lisossomo
está envolto em uma bicamada lipídica, a beta glicosidase é ativada pela SAP-C que
tem suas interações com a membrana aumentadas em fator do PH ácido existente
12
no meio e assim facilita a interação da beta glicosidase com a glicosilceramida para
haver a degradação do substrato (Sun et al., 2010). A carência deste ativador
impossibilita que a BGA penetre a bicamada e elimine a glicosilceramida,
consequentemente promovendo acúmulo desses resíduos.

As combinações genotípicas dos alelos determinam o nível de gravidade da


doença, o alelo N370S, mesmo que combinado com alelos nulos ou graves,
expressará mais brandamente a doença, sendo este o tipo 1. Os homozigotos para
L444P apresentam mais gravemente a doença, tipo 3, fazendo suas combinações
com RecNail e alelo nulo. Combinações genotípicas destes alelos muitas vezes não
apresentam fenótipos expressos, demonstrando que esta relação por vezes é
limitada (Siebert, 2010).

1.2.4 Aspectos clínicos

As manifestações clínicas da DG dependem do acúmulo de substrato e o


nível de deficiência enzimática. As células de Gaucher são encontradas
principalmente em órgãos como o baço, pulmão, fígado e gânglios linfáticos. A
disfunção também atinge o sistema nervoso central, tornando as complicações
neurológicas o sintoma que mais difere as três categorias da doença presente.
Lesões neuropáticas não estão presentes na DG tipo 1, mas hepatomegalia,
esplenomegalia, hiperesplenismo seguido de anemia progressiva, trombocitopenia e
leucopenia são recorrentes neste caso, o acúmulo de glicosilceramida na medula
óssea leva a lesões como osteonecrose, fraturas patológicas e dor óssea.
Diferentemente, a DG tipo 2 apresenta condição neuropática acelerada, levando a
morte nos primeiros dois anos de vida, atingindo crianças entre quatro e cinco
meses, comprometendo fígado, baço, pulmão e o cérebro, no qual é recorrente
crises epiléticas e retardo mental. Na DG de tipagem 3, a neuropatia desenvolve-se
de forma lenta e gradual, portadores desta tem a sua vida prolongada entre a
segunda ou terceira década de vida, afetando assim crianças ou adolescentes
(Ferreira et al., 2011).

13
2. MUCOPOLISSACARIDOSES

São doenças de armazenamento lisossômico causadas pelo acúmulo de


mucopolissacarídeos, denominados também de glicosaminoglicanos (GAGs). O
acúmulo deve-se à deficiência da enzima α-L-iduronidase (IDUA) que tem sua
atividade interrompida por mutações no gene, de mesmo nome, que a produz. É de
caráter autossômica recessiva e são doenças metabólicas raras, atualmente
apresentadas em sete tipos diferentes (I, II, III, IV, VI, VII e IX). A MPS I costumava
ser dividida em dois grandes grupos (grave e leve), atualmente, ela pode ser
classificada em MPS I- forma clássica (síndrome de Hurler), MPS Intermediária
(síndrome de Hurler-Scheie) e MPS I-leve (síndrome de Scheie), conforme a
gravidade dos sintomas apresentados pelos pacientes (Loureco et al., 2019).

2.1 Estrutura enzimática e genética

A enzima α-L-iduronidase (IDUA) é sintetizada em uma forma menor,


perdendo assim 100 aminoácidos na zona N-terminal, é marcada pela
manose-6-fosfato e levada para o lisossomo, quando é ativada assume uma forma
monomérica. Composta por 653 aminoácidos, essa enzima é responsável por
hidrolisar terminais de ácido α-L-idurónico do sulfato de dermatano e sulfato de
heparano (Ribeiro, 2012).

O gene que codifica a α-L-iduronidase, tem o mesmo nome, é composta por


14 éxons, localiza-se no braço curto do cromossomo 4, região 1, banda 6 e
sub-banda 3 e tem o tamanho de 19 kb. A IDUA tem dois domínios e conta com dois
resíduos catalisadores de base importantes para o seu funcionamento, denominados
E182 e E299 (Ribeiro, 2012).

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Figura 4. Localização das mutações na IDUA: vermelho representa os casos graves, amarelo
representa casos moderados e laranja os casos leves. Nucleófilos E299 e E182 são representados
pela cor azul, com exceção de E182 que em ‘a’ está sendo representado pela cor verde. Disponível
em: (https://www.nature.com/articles/jhg200860). Acesso em mai. 2021.

2.2 Síndrome de Hurler

Apresenta-se como o tipo I dos mucopolissacarídeos e trata-se de uma


alteração genética, transmitida por herança de forma autossômica recessiva,
caracterizada por um defeito da enzima alfa-iduronidase que provoca acúmulo de
glicosaminoglicanos. O acúmulo progressivo dos GAGs, componente essencial da
estrutura óssea, cartilagem, pele, tendões e outros tecidos do corpo, pode
comprometer diversos órgãos, principalmente o encéfalo. Sua incidência é em torno
de 1 afetado a cada 130 mil nascidos vivos e, dependendo da gravidade do
acometimento ao paciente, toma duas formas, sendo estas Hurler-Scheie e Scheie.
Hurler é a forma grave da doença, apresenta pouca ou nenhuma atividade da
α-L-iduronidase. A mutação mais comum para a doença de Hurler é a W402X, de
característica nonsense, esta gera uma substituição de base que acaba introduzindo
um códon de terminação na posição 402 da IDUA (Atçeken et al., 2016; Pessutto,
2007).

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A síndrome de Hurler-Scheie é uma forma moderada com características
clínicas semelhantes à síndrome de hurler, mas com início mais tardio e a
expectativa de vida gira em torno da 2° década de vida e idade adulta (Haley et al.,
2006). Relacionada a esta, a mutação P533R é responsável por causar a
substituição de um aminoácido prolina por arginina. A síndrome de Scheie atua
como o aspecto mais leve, os sintomas surgem mais tarde e progridem lentamente,
possuem inteligência normal e sobrevive até idade adulta (Pastores et al., 2007).
164deIG é uma das mutações nonsense que causam essa patologia, há uma perda
em uma parte da guanina no códon 26, causando a aparição de um códon de
terminação na posição 107 (Pesutto, 2007).

2.2.1 Aspectos clínicos

A maioria dos pacientes com a forma Hurler apresentam sinais de doença


durante os primeiros 6 meses de vida, como as infecções de vias aéreas e otites
médias de repetição, a expectativa de vida é de menos de 10 anos e o óbito ocorre,
geralmente, na 1° década da vida. As características clínicas comuns são face
infiltrada, retardo mental progressivo, turvação da córnea, obstrução das vias
aéreas, doenças cardíacas, hepatoesplenomegalia e deformidades ósseas. Durante
os primeiros 12 meses, o desenvolvimento motor é afetado, e alguns pacientes
apresentam atraso na linguagem. Pacientes com a forma grave da doença podem
apresentar problemas cardiorrespiratórios, levando-os a apresentar risco de morte
súbita (Lourenco et al., 2019).

2.3 Síndrome de Maroteaux-Lamy

A síndrome de Maroteaux-Lamy ou Mucopolissacaridose tipo VI (MPS VI) é


uma doença autossômica recessiva, causada por um defeito que afeta a degradação
do glicosaminoglicano (GAG) dermatan sulfato nos lisossomos, sendo este causado
16
pela deficiência na atividade da enzima N-acetilgalactosamina-4-sulfatase
(arilsulfatase B – ARSB) em leucócitos (Neufeld e Muenzer, 2001; Schwartz et al.,
2001).

2.3.1 N-acetilgalactosamina-4-sulfatase

Esta enzima é responsável por hidrolisar dermatan sulfato do


glicosaminoglicano. Na sua estrutura tem dois domínios denominados N-terminal e
C-terminal e um sítio ativo onde ocorrerá a ação catalítica da enzima. Um resíduo de
cisteína (Cis91) está presente envolvendo outros resíduos conservados no sítio e é
essencial para a manutenção da atividade enzimática (Motta, 2011).

Figura 5. Estrutura da enzima arisulfatase B. Disponível em:


(https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/39645/000823252.pdf?sequence=1). Acesso em
mai. 2021.

2.3.2 Aspectos genéticos e clínicos

O gene da ARSB está localizado no braço longo do cromossomo 5, na região


1, banda 3 ou 4 e sub-banda 3 ou 1. A maioria dos alelos mutantes está presente
em somente um ou poucos pacientes, indicando uma grande heterogeneidade da
MPS VI (Cancino et al., 2015). A primeira mutação encontrada é a p.G137V,
responsável pela forma intermediária da doença, esta causa uma troca de guanina
por timina no nucleotídeo 410, acarretando uma substituição de glicina por valina na
posição 137 da proteína (Motta, 2011). Pacientes com MPS VI clinicamente
apresentam baixa estatura, dismorfismo facial, opacidade de córnea, otite média

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recorrente, pneumonia, doença obstrutiva das vias aéreas, valvulopatia cardíaca,
esplenomegalia, hérnia umbilical e inguinal, rigidez e contraturas articulares e
anormalidades esqueléticas. A inteligência normal é preservada nesta categoria de
MPS (Turtelli, 2002).

3. TERAPIA DE REPOSIÇÃO ENZIMÁTICA (TRE)

É um tratamento realizado à base de medicamentos que visa a reposição da


enzima deficiente no organismo do indivíduo. Comumente utilizada para o
tratamento das DLDs, esta terapia segue protocolos do Ministério da Saúde
baseando-se no tipo de anomalia que irá ser tratada. Sua eficácia tem sido
comprovada através das análises feitas ao longo dos anos em pacientes que
possuem alguma dessas anomalias e realizam a TRE, possuindo regressão ou
estabilização na maioria das manifestações clínicas causadas pelos distúrbios
lisossomais (Ferreira, 2003; Giugliani et al., 2010).

Figura 6. Resposta clínica da TRE: A esquerda está um caso clínico pré terapia de
reposição enzimática, a criança apresenta a idade de 8 anos e a direita a evidente melhora pós TRE,
com a criança apresentando 10 anos. Disponível em:
(http://www.doencasdofigado.com.br/TRE-2004.pdf). Acesso em mai. 2021.

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CONCLUSÃO

Há uma dificuldade em diagnosticar doenças raras, justamente por suas


incidências serem baixas. O conhecimento prévio a respeito do funcionamento
dessas anomalias é de extrema importância para que o profissional enfermeiro
atente-se para a correlação genótipo-fenótipo destas anomalias e assim obtenha
maior precisão no diagnóstico e na intervenção de enfermagem qualificada,
objetivando atender as necessidades de cada indivíduo e oferecer qualidade de vida
dos portadores destes distúrbios genéticos. Espera-se que o presente trabalho tenha
atingido o seu objetivo em apresentar estas anomalias, suas características
genéticas e clínicas, e possa ser útil para o estudo das mesmas.

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REFERÊNCIAS

ATÇEKEN, Nazente. EVALUATION AND IDENTIFICATION OF IDUA GENE MUTATIONS


IN TURKISH PATIENTS WITH MUCOPOLYSACCHARIDOSIS TYPE I. Turkya: Turkish
Journal Of Medical Sciences, 2016. Disponível em:
https://journals.tubitak.gov.tr/medical/issues/sag-16-46-2/sag-46-2-25-1411-160.pdf
. Acesso em: 18 maio 2021.

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FERREIRA, Jovino S.; FERREIRA, Vera Lúcia P. C.; FERREIRA, David C.. Estudo da
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20
http://dx.doi.org/10.1590/s1516-84842008000100005. Disponível em:
https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-8484200800010000
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