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O que são os NFTs e porque estão a ser vendidos


por milhões?
A sigla NFT tem vindo a ganhar visibilidade no último ano. Em causa estão as vendas milionárias de
alguns conteúdos digitais. Saiba o que são os Non-Fungible Token e quais as questões legais que
levantam.

10:47 12 Fevereiro, 2022 | Filipa Traqueia

Jack Dorsey vendeu o NFT do primeiro tweet a ser publicado na plataforma. Esta imagem
que marca um momento histórico no desenvolvimento das redes sociais, custou 2,9
milhões de dólares (2,56 milhões de euros). Para muitos, a sigla NFT passou a ser
conhecida nesta altura, mas a corrida a estes registos já tinha começado anteriormente e
já fazia circular dezenas de milhões de dólares.

Não foi a única imagem milionária a ser vendida no decorrer de 2021. O NFT da obra de arte
de Beeple “The First 5.000 days”, por exemplo, foi vendida no primeiro leilão de arte digital
por 69 milhões de dólares (60,8 milhões de euros). A obra “The Merge”, da autoria de Pak,
bateu todos os recordes e tornou-se o NFT mais caro de sempre: 91,8 milhões de dólares
(80,9 milhões de euros).

Com estas notícias, surgem várias perguntas: a�nal o que é um NFT? E porque se está a
pagar tanto por eles? NFT é a sigla para Non-Fungible Token (registo não fungível, em
português) e representa um registo único e inalterável que é inserido numa cadeia de
blockchain – o mesmo sistema utilizado na base das criptomoedas -, tendo como objetivo
atestar a autenticidade de um determinado conteúdo e atribuir propriedade ao seu
detentor.

“Um NFT é uma representação digital de qualquer ativo que tenha um caráter
único, distinto e não igualável a qualquer outro”, explica Frederico Antunes,
CEO da RealFevr e presidente da Associação Portuguesa de Blockchain e
Criptomoedas (APBC). Este mecanismo pode ser utilizado em conteúdos de
arte digital, mas também em tudo o que diz respeito a registos que tenham um
número de série único – “em última instância, um bilhete para um jogo de
futebol também é ele próprio um NFT.”

Na lista dos NFTs mais lucrativos está também a imagem “Doge”: um cão que olha com ar
de estranheza em direção à câmara. O NFT desta fotogra�a, que é muitas vezes partilhada
nas redes sociais e fóruns como um meme, foi comprado por 4 milhões de dólares (3,5
milhões de euros). Mas isso signi�ca que esta imagem passou a ser privada?
Foto: Reprodução/Know Your Meme

Na prática, o NFT é um código informático que signi�ca um “certi�cado de posse de algo”,


esclarece Miguel Pupo Correia, especialista em cibersegurança e blockchain e professor no
Instituto Superior Técnico. “É um certi�cado de que a pessoa é dona daquilo, mas não quer
dizer que não haja cópias”.

O professor dá um exemplo: “Uma serigra�a é um quadro, mas imprime-se com quantidade


limitada. A pessoa tem uma coisa que, de certo modo, é única, mas há cópias. Também
pode haver cópias menos �áveis e que não seja de facto daquelas que o autor numerou.”

Confuso? Imagine que fez um desenho e quer registá-lo como seu. Para isso poderá
introduzir numa plataforma de blockchain o registo do desenho que fez, ou seja, criar um
NFT. Depois disso, decide vender o seu desenho e respetivo NFT. Quando realizar a
transação, volta à plataforma para inserir um novo registo a atestar a venda do desenho na
blockchain. O NFT passará a apresentar a informação de quem criou o registo e de quem é
o atual proprietário.

Quem compra o seu desenho e o respetivo NFT não �ca impedido de o copiar e reproduzir o
conteúdo vezes sem conta. O registo apenas lhe dá posse do desenho e comprova que é
autêntico.

“Uma pessoa pode comprar uma mala da Louis Vuitton na loja o�cial – paga
entre cinco a 20 mil euros -, mas também pode ir à feira de Massamá e traz
uma Louis Vuitton na mesma. Mas não é verdadeira”, exempli�ca Frederico
Andrade, reconhecendo que a questão da contrafação pode existir também no
mundo digital. “A tecnologia blockchain garante que aquilo que se está a
comprar é efetivamente o ativo genuíno e não o contrafeito.”
Foto: Getty Images

O funcionamento das blockchain – que, como o nome indica, é um sistema de blocos em


cadeia – não permite a alteração de qualquer registo previamente inserido, podendo
apenas ser acrescentada uma nova transação a cada um dos NFTs existentes. A cada nova
transação é somado um novo bloco à cadeia, contendo a nova informação e, uma vez
adicionado, o seu conteúdo é imutável. Isso signi�ca que o registo de transações nunca
poderá ser adulterado.

Se o NFT é o registo, o que se está a comprar quando se compra um NFT? Muitas pessoas
têm dúvidas e não sabem ao certo o que se está a comprar. Será apenas o registo de
propriedade? Enquanto o NFT se refere apenas ao código de registo que é inserido na
blockchain, o conteúdo é disponibilizado numa plataforma interplanetária, a IPFS (sigla para
Sistema de Arquivos Interplanetário).

“Temos o NFT, que não é mais do que uma linha de código, e temos o ativo em
si. Para garantir que o ativo está colado à blockchain, precisamos de um
alojamento descentralizado. Atualmente usamos o IPFS – um alojamento de
imagens e vídeos descentralizado onde não é tecnicamente possível apagar
�cheiro. É essa ligação que �ca codi�cada no NFT, de maneira a que, quando o
NFT é transacionado, o ativo adjacente está necessariamente colado a ele“,
esclarece Frederico Antunes.

DIREITOS DE AUTOR E OUTRAS QUESTÕES LEGAIS


Há várias questões legais que se colocam quando o tema é NFTs. Se uma pessoa compra
um NFT e passa a ser detentora da obra, onde �cam os direitos de autor do criador? E se o
comprador passa a poder partilhar o conteúdo como se fosse seu? E tendo em conta que as
blockchain são descentralizadas, que lei se aplica?

“Aquele registo nada diz sobre a propriedade do bem, nem quem compra tem
quaisquer direitos sobre o bem, a menos que o vendedor de facto faça algum
contrato nesse sentido”, a�rma André Gouveia, analista �nanceiro na Proteste
Investe. “Levanta muitas questões legais porque as próprias criptomoedas são
uma área um bocadinho cinzenta, um vazio legal.”

O especialista na área �nanceira considera que este mecanismo tem muito potencial, mas
lembra que está ainda “numa fase inicial”, num “espaço muito eufórico”. 

“O problema é quando o digital interage com o mundo real: substituir os direitos


de autor seria difícil. No fundo, seria preciso que a legislação dos países
reconhecesse que aquele registo é um contrato válido. Neste momento
parece-me um bocadinho longe de ali estar”, acrescenta.

Por outro lado, Frederico Antunes sublinha que as leis que já existem também se aplicam a
este caso. “A lei da propriedade intelectual e da propriedade digital não se aplica apenas e
só aos ativos físicos, aplica-se também aos ativos digitais. A lei é transposta e adaptada à
nova realidade.”

E quem faz um NFT de algo que não lhe pertence? Voltando ao exemplo do desenho:
imagine que publicou o seu desenho num fórum ou numa rede social, alguém o viu e
decidiu fazer o registo de NFT numa blockchain. Qualquer pessoa poderá fazer um registo
sobre qualquer coisa, incluindo algo que não lhe pertença. No entanto, quem vai comprar o
NFT do seu desenho poderá ver na blockchain o autor do NFT e atribuir-lhe valor (ou não).
Frederico Antunes lembra que artigos contrafeitos também existem no mundo real.
“Eu posso ir ao [museu do] Louvre tirar uma fotogra�a do quadro da Mona Lisa
e criar um NFT. Esse NFT não tem valor absolutamente nenhum porque estou a
criar um NFT de uma coisa que não me pertence. Estou a cometer um ato
ilícito, é crime. Por outro lado, se for o Louvre – que é o detentor do quadro – a
lançar o NFT o�cial, com a representação digital o�cial da Mona Lisa, esse terá
necessariamente valor”, exempli�ca.

Foto: Getty Images

Além de atestar a propriedade do conteúdo, os NFTs podem incluir, no seu código


informático, diretrizes para a distribuição de royalties ou comissões. Ou seja, o criador do
NFT pode de�nir que cada vez que o conteúdo for vendido, é lhe transferida uma
percentagem para a sua carteira digital. Uma possibilidade de resposta a algumas das
questões legais levantadas.

Além de royalties, os NFTs podem incluir todo o tipo de indicações. Por exemplo, a empresa
de fast food norte-americana Taco Bell criou 25 NFTs de GIFs promocionais da marca e, a
acompanhar, iam 500 dólares (440 euros) em cartão de oferta. Os NFTs foram vendidos em
30 minutos.
O FUTURO: PODEM OS NFTS SER USADOS EM CASAS, TERRENOS E
AUTOMÓVEIS?
Para já, a criação de NFTs está mais ligada à arte, assumindo um caráter de
“colecionismo”, um termo utilizado por Miguel Pupo Correia. Mas o potencial desta
tecnologia pode ir muito além de simples imagens, memes ou músicas. Existem já NFTs
que podem ser trocados por objetos: uma empresa criou 500 NFTs de cubos de tungsténio
que correspondem, de forma aleatória, a cubos de diferentes dimensões.

“Estes NFTs que estão a surgir são casos mais ou menos anedóticos. Mas, de
facto, há a possibilidade de os NFTs serem utilizados para representarem
outras coisas – como uma propriedade física, um imóvel, um terreno, um
automóvel. Isso é possível, neste momento a barreira é legal. Eu posso fazer
um NFT a dizer que tenho a minha casa e vendê-lo, mas depois não tenho
nenhuma maneira de, perante o tribunal, provar que a casa é minha porque
comprei o NFT”, explica o professor.

Foto: Getty Images

Também André Gouveia reconhece o potencial que os NFTs podem ter na transação de
bens físicos. Reconhece que o ato de compra e venda tem vindo a avançar nos últimos
anos, mas “o processo do registo de bens ainda é muito arcaico”. Ao comprar um NFT de
bens físicos, atualmente, ainda é necessário concretizar a compra e venda seguindo a
burocracia aplicada a cada caso.

“A nossa casa também só é nossa porque há um registo público que diz que
nós comprámos a casa. Isso é verdade, mas ninguém copia a minha casa de
um lado para o outro e ninguém está a tentar dizer que não tenho nenhum
contrato, por isso tenho de sair”, acrescenta.

Para Frederico Andrade, os NFTs são, sem dúvida, caminho a seguir. Não só para no setor
imobiliário ou de vendas, mas até para o registo dos cidadãos. 

“Existem quatro áreas da sociedade que serão transformadas


necessariamente nos próximos 10 anos: registo comercial, registo predial,
registo civil e a nossa própria cidadania”, a�rma o presidente da APBC. “O
nosso cartão de cidadão atesta a unicidade do cidadão com um número, que,
do ponto de vista do NFT, é uma coisa relativamente simples e rápida. Tem
uma consequência direta: o proprietário do ativo �ca efetivamente a pessoa
que detém o ativo e não a custódia numa terceira parte. Os NFTs resolvem
alguns problemas, claro que vamos precisar de tempo.”

Mas esta visão, embora partilhada, tem diferenças. Frederico Antunes defende um sistema
descentralizado – como o que acontece atualmente com as plataformas de blockchain -,
aberto a toda a gente e em que os Governos não podem interferir. Já Miguel Pupo Correia
admite a possibilidade de cada um dos países – ou a União Europeia como um todo –
possa criar a sua própria blockchain, onde serão registados os ativos físicos. 

A tecnologia tem um carácter disruptivo, e estes avanços podem abrir portas a novas
formas de ver o mundo. Se há 20 anos não imaginávamos ter a tecnologia a permitir o
teletrabalho, por exemplo, quem sabe se daqui a 20 anos os bebés não passam a ser
registados em NFTs.

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