Você está na página 1de 3

WHITE, Hayden. Meta-História: a imaginação histórica do século XIX.

São Paulo: Edusp, 2008

Prefácio

 "Nessa teoria o trabalho histórico como o que ele manifestamente é: uma estrutura verbal na
forma de um discurso narrativo em prosa. As histórias (e filosofias da história também)
combinam certa quantidade de 'dados', conceitos teóricos para 'explicar' esses dados e uma
estrutura narrativa que os apresenta com um ícone de conjuntos de eventos presumivelmente
ocorridos em tempos passados. Além disso, digo eu, eles comportam um conteúdo estrutural
profundo que é em geral poético e, especificamente, linguístico em sua natureza, e que faz as
vezes do paradigma pré-criticamente aceito daquilo que deve ser uma explicação eminentemente
'histórica'. Esse paradigma funciona como o elemento 'meta-histórico' em todos os trabalhos
históricos que são mais abrangentes em sua amplitude do que a monografia ou o informe de
arquivo." p.11
 "Mas tentei primeiro identificar as dimensões manifestas - epistemológicas, estéticas e morais -
do trabalho histórico e só depois penetrar até o nível mais profundo em que essas operações
teóricas fundam suas sanções pré-críticas implícitas. Ao contrário de outros analistas da escrita
histórica, não suponho que a subestrutura 'meta-histórica' do trabalho histórico consista nos
conceitos teóricos explicitamente utilizados pelo historiador para dar a suas narrativas o aspecto
de uma 'explicação'. Acredito que tais conceitos compreendem o nível manifesto do trabalho,
visto que aparecem na 'superfície' do texto e podem comumente ser identificados com relativa
facilidade. [...] Para os argumentos há os modos do formismo, do organicismo, do mecanicismo
e do contextualismo; para as elaborações de enredo há os arquétipos da estória romanesca**, da
comédia, da tragédia e da sátira; e para a implicação ideológica há as táticas do anarquismo, do
conservantismo, do radicalismo e do liberalismo. Uma combinação específica de modos
constitui o que chamo de 'estilo' historiográfico de determinado historiador ou filósofo da
hsitória." p.12
 "Mas, conquanto recentes filósofos analíticos tenham conseguido aclarar até que ponto é
possível considerar a história como uma modalidade de ciência, pouquíssima atenção tem sido
dada a seus componentes artísticos. Através da exposição do solo linguístico em que se
constituiu uma determinada ideia da história tento estabelecer a natureza inelutavelmente poética
do trabalho histórico e especificar o elemento prefigurativo num relato histórico por meio do
qual seus conceitos teóricos foram tacitamente sancionados." p.13
 Em suma, é minha opinião que o modo tropológico dominante e seu concomitante protocolo
linguístico compõem a base irredutivelmente 'meta-histórica' de todo trabalho histórico. E
sustento que esse elemento meta-histórico nas obras dos historiadores magistrais do século XIX
constitui as 'filosofias da história' que implicitamente mantêm suas obras e sem as quais eles não
poderiam ter produzido os tipos de obras que produziram." p.13
 Conclusões: "As conclusões gerais que extraio do meu estudo da consciência histórica
oitocentista podem ser assim sumariadas: 1) não pode haver 'história propriamente dita' que não
seja ao mesmo tempo 'filosofia da história'; 2) os modos possíveis de historiografia são os
mesmos que os modos possíveis de filosofia especulativa da história; 3) esses modos, por sua
vez, são na realidade formalizações de intuições poéticas que analiticamente os procedem e que
sancionam as teorias particulares usadas para dar aos relatos históricos a aparência de uma
'explicação'; 4) não há apodicticamente premissas teóricas infalíveis em que se possa de forma
legítima assentar uma justificativa para dizer que um dos modos é superior aos outros por ser
mais 'realista'; 5) em consequência disso, estamos irremediavelmente presos a uma escolha entre
estratégias interpretativas opostas em qualquer esforço de refletir sobre a história em geral; 6)
como corolário disso, os melhores fundamentos para escolher uma perspectiva da história em
lugar de outra são em última análise antes estéticos ou morais que epistemológicos; e
finalmente, 7) a exigência de cientificização da história representa apenas a declaração de uma
preferência por uma modalidade específica de conceptualização histórica, cujas bases são ou
morais ou estéticas, mas cuja justificação epistemológica ainda está por estabelecer." p.14

INTRODUÇÃO: A POÉTICA DA HISTÓRIA

 "Pensadores da Europa continental - de Valéry e Heidegger a Sartre, Lévi-Strauss e Michel


Foucault - expressaram sérias dúvidas sobre o valor de uma consciência especificamente
'histórica', sublinharam o caráter fictício das reconstruções histórias e contestaram as pretensões
da história a um lugar entre as ciências.* Ao mesmo tempo, filósofos anglo-americanos
produziram uma alentada bibliografia sobre a posição epistemológica e a função cultural da
reflexão histórica, bibliografia que, tomada em conjunto, justifica intensas dúvidas acerca do
estatuto da história como ciência rigorosa ou arte genuína.* [...] Em suma, é possível conceber a
consciência histórica como um viés especificamente ocidental capaz de fundamentar
retroativamente a presumida superioridade da moderna sociedade industrial." p.17-18
 Proposta de avaliar os componentes discursivos: "Meu método é, para dizê-lo numa só palavra,
formalista. Não tentarei decidir se a obra de um determinado historiador é uma descrição
melhor, ou mais correta, de um conjunto definido de eventos ou de um segmento do processo
histórico, do que a descrição deles feita por algum outro historiador; procurarei, de preferência,
identificar os componentes estruturais dessas descrições." p.19
 Mais argumentos individuais do que ciência: "Isso posto, porém, fica evidente de imediato que
as obras produzidas por esses pensadores representam concepções alternativas, e ao que tudo
indica mutuamente exclusivas, não só dos mesmos segmentos do processo histórico mas
também das tarefas da reflexão histórica. Consideradas puramente como estruturas verbais, as
obras por eles produzidas parecem ter características formais radicalmente diferentes e arranjar o
aparato conceptual, usado para explicar os mesmos conjuntos de dados, de maneiras
fundamentalmente diferentes. No nível mais superficial, por exemplo, a obra de um historiador
pode ser diacrônica ou processional por natureza (salientando o fato da mudança e
transformação no processo histórico), ao passo que a de outro pode ser sincrônica ou estática na
forma (acentuando o fato da continuidade estrutural)." p.20
 A imaginação histórica: "A fim, portanto, de identificar as características de família dos diversos
tipos de reflexão histórica produzidos pelo século XIX, é necessário em primeiro lugar
esclarecer em que poderia consistir a estrutura típico-ideal da 'obra histórica'. Uma vez
elaborada essa estrutura típico-ideal, disporei de um critério para determinar que aspectos de
qualquer obra histórica ou filosofia da história conhecida devem ser considerados no afã de
identificar seus elementos estruturais distintivos. Em seguida, reconstituindo as transformações
operadas nos modos pelos quais os pensadores da história caracterizam aqueles elementos e os
arranjam numa ordem narrativa específica para chegar a uma 'impressão explicativa', devo ter
condições de cartografar as mutações fundamentais ocorridas na estrutura profunda da
imaginação histórica referente ao período em estudo." p.20
 "Assim concebida, a obra histórica representa uma tentativa de mediação entre o que eu
chamarei de campo histórico, o registro histórico não processado, outros relatos históricos e um
público." p.21
 "Mas a história difere das ciências precisamente porque os historiadores discordam, não só sobre
quais são as leis de causação social que poderiam invocar para explicar uma dada sequência de
eventos, mas também sobre a questão da forma que uma explicação 'científica' deve assumir. Há
uma longa história de controvérsia sobre se as explicações científicas naturais e as históricas
devem ter as mesmas características formais." p.28

Você também pode gostar