Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
ALFABETIZAÇÃO E
LETRAMENTO
ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO
Ana Flávia Valente Teixeira Buscariolo
2021
CASA NOSSA SENHORA DA PAZ – AÇÃO SOCIAL FRANCISCANA, PROVÍNCIA
FRANCISCANA DA IMACULADA CONCEIÇÃO DO BRASIL –
ORDEM DOS FRADES MENORES
PRESIDENTE
Frei Thiago Alexandre Hayakawa, OFM
DIRETOR GERAL
Jorge Apóstolos Siarcos
REITOR
Frei Gilberto Gonçalves Garcia, OFM
VICE-REITOR
Frei Thiago Alexandre Hayakawa, OFM
PRÓ-REITOR DE ADMINISTRAÇÃO E PLANEJAMENTO
Adriel de Moura Cabral
PRÓ-REITOR DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO
Dilnei Giseli Lorenzi
COORDENADOR DO NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA - NEAD
Renato Adriano Pezenti
GESTOR DO CENTRO DE SOLUÇÕES EDUCACIONAIS - CSE
Fernando Rodrigo Andrian
CURADORIA TÉCNICA
Ermelinda Maria Barricelli
DESIGNER INSTRUCIONAL
Luiza Cunha Canto Correia de Morais
REVISÃO ORTOGRÁFICA
Ana Carolina Martins
DIAGRAMADOR
Daniel Landucci
CAPA
Daniel Landucci
INTRODUÇÃO
Nesta unidade, visitaremos a história da alfabetização, para contextualizarmos histori-
camente esse conceito.
Antes de entrarmos nessa “arena de lutas” sobre alfabetização, vamos conversar sobre “a
alfabetização e sua história”, e, para isso, retomar os primórdios da linguagem escrita.
Essa primeira forma de escrita da humanidade foi a escrita cuneiforme, que tinha
como função manter o controle sobre a vida contábil dos palácios reais, era gravada em
grandes blocos de argila por intermédio de um instrumento pontiagudo chamado cunha.
6
Figura 01. Bloco de argila contendo registros mesopotâmicos feitos na escrita cuneiforme 1
Fonte: 123RF.
Existem também registros de escritas feitas pelos homens primitivos, muitos deles en-
contrados por arqueólogos em cavernas. Essa escrita se apresenta na forma de picto-
gramas, que se relacionam ao formato do objeto a ser representado, e ainda escritas
em ideogramas, nas quais cada ideograma corresponde a uma palavra. Assim, para
representar uma ideia, são usados vários ideogramas, o que torna a sentença escrita
bastante extensa e complexa.
Figura 02. Pintura rupestre, escrita pictográfica
Fonte: 123RF.
Alfabetização e Letramento 7
Conhecendo os conceitos de alfabetização e letramento
1 Com o passar do tempo, a escrita foi adquirindo valores fonéticos, ou seja, os símbolos
passaram a representar fonemas, o que reduziu a quantidade de símbolos usados para
comunicar uma ideia, simplificando a comunicação. Ainda hoje, algumas sociedades
utilizam a escrita pictográfica e ideográfica, como é o caso dos chineses.
Quando olhamos processo educacional no Brasil, a escrita ainda é visto como um privi-
légio e um marco de divisão social, mesmo que hoje, a escrita seja premência e direito
de todos, observamos que em nosso país os índices de analfabetismo são ainda alar-
mantes em pleno século XX. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
Contínua (PNAD Contínua) 2019, a taxa de analfabetismo das pessoas de 15 anos ou
mais de idade foi estimada em 6,6% (11 milhões de analfabetos), como podemos ob-
servar na imagem abaixo:
Figura 03. Taxa de analfabetismo entre as pessoas de 15 anos ou mais de idade (2019)
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisa, Coordenação de Trabalho e Rendimento, pesquisa nacional por amostra de domicílio
contínuo 2012-2019. Disponível em: https://educa.ibge.gov.br/jovens/conheca-o-brasil/populacao/18317-educacao.html.
Acesso em: 5 jan. 2021.Adaptado.
8
crita. Ao pensarmos na instituição escola, automaticamente nos remetemos à leitura 1
e à escrita enquanto conhecimentos basilares para o desenvolvimento cognitivo dos
educandos. Por isso, a história da alfabetização se entrelaça à história da educação.
Com relação aos embates pedagógicos, podemos dizer que o ideário educacional
carrega a noção de ser humano, a concepção de mundo e a compreensão do que
é uma sociedade. Assim, as posições ocupadas socialmente e politicamente pelos
sujeitos (sujeito-professor e sujeito-aluno) que pensam e propõem as concepções
educativas vão sendo afetadas por eles e para eles.
No cenário educacional surge então um importante debate (para não dizer embate!),
encontrando, de um lado, a defesa ferrenha aos métodos tradicionais, conhecidos
como métodos sintéticos: métodos que se pautam no trabalho por meio do ensino
letra por letra e sílaba por sílaba e palavra por palavra e, de outro lado, os métodos
analíticos que partem do texto ou os métodos híbridos, como veremos a seguir.
Alfabetização e Letramento 9
Conhecendo os conceitos de alfabetização e letramento
1
Fique por dentro
Os métodos sintéticos podem ser divididos em três tipos: o alfabético, o fônico
e o silábico. No alfabético, o estudante aprende inicialmente as letras, quando
então passa a formar as sílabas – juntando as consoantes com as vogais –,
para, em seguida, formar as palavras que constroem o texto. No fônico, ou fo-
nético, parte-se do som das letras – o som da consoante com o som da vogal –,
pronunciando a sílaba formada. O silábico é pautado no trabalho sistemático de
silabação, que consiste em trabalhar as sílabas primeiramente, de forma isolada,
para depois construir palavras. Do outro lado, havia os que apostavam na poten-
cialidade do inédito e dito inovador método analítico para alfabetização, que será
explanado no decorrer desta seção.
Com algumas divergências na busca por tentar formatar o trabalho de alfabetizar, par-
tindo-se de métodos mais estruturados – como o sintético, que propõe que o trabalho
com as letras seja da parte para o todo, da unidade menor (letra) para a maior (sílaba
e, posteriormente palavra) – ou de métodos analíticos – cujo trabalho com a linguagem
escrita parte do todo para as partes –, ou ainda da defesa de métodos híbridos, deu-se
assim a largada para a concorrência dos métodos de alfabetização no cenário educa-
cional. Competição essa que permanece na contemporaneidade.
Frente a esse cenário, tomando como referencial teórico as pesquisas da professora Ma-
ria do Rosário Mortatti (2006), podemos dizer que as concepções de alfabetização se
dividem em quatro etapas – que cronologicamente se situam de 1876 até os dias atuais.
A fase posterior, segunda fase – que se iniciou com a organização republicana – foi
marcada pela guerra dos métodos, uma forte disputa pelos métodos de leitura e es-
crita no campo da alfabetização. As cartilhas ganharam os holofotes e se tornaram pro-
tagonistas enquanto instrumentos pedagógicos usados para alfabetizar. Nessa mesma
época, o acesso à escola, garantido pela proposta de universalização do ensino, empla-
10
ca como a grande ação em busca do progresso e da modernização da nação. Tempo 1
em que se institucionalizou o Método Analítico para alfabetizar. Novamente recorremos
à Mortatti (2006, p. 8), que nos alerta para a questão de que “[...] ao longo desse mo-
mento, já no final da década de 1910, o termo ‘alfabetização’ começa a ser utilizado
para se referir ao ensino inicial da leitura e da escrita”.
Revisitando dados históricos sobre o uso das cartilhas, descobrimos que os primeiros
exemplares de cartilhas datam do século XIX – ano de 1834, para se ser mais exato.
Apesar disso, a cartilha se tornou usual, passando a circular de maneira mais expres-
siva no século seguinte, século XX, sendo definida como: “uma primeira experiência
na área da alfabetização, o que permitiu que a sociedade atual experimentasse novos
métodos” (FARIAS, 2008, p. 3.829).
Figura 04. Método Castilho para o ensino rápido e aprazível do ler impresso,
manuscrito e numeração, e do escrever
Criada no século XIX e difundida no século seguinte, a fama pode ter demorado a chegar,
mas quando se consolidou, a cartilha se popularizou, passou a ser muito divulgada e utili-
zada por inúmeros professores como instrumento pedagógico para alfabetizar as crianças.
Alfabetização e Letramento 11
Conhecendo os conceitos de alfabetização e letramento
Utilizada até a década de 1990, as cartilhas vigoraram por quase cem anos em terras
brasileiras e até hoje, arriscamos dizer, são repaginadas e apresentam ares de moder-
nidade, as cartilhas sobrevivem “maquiadas” em páginas de “modernos” livros didáticos
em pleno século XXI. Porém, em tese, os contextos culturais, econômicos, políticos e
sociais sofreram mudanças com o passar dos anos, o que acarretou a emergência de
outras concepções de alfabetização, a fim de atender às necessidades de ensinar as
crianças a ler e a escrever.
12
Pensando ainda acerca da história da educação brasileira e dialogando com Mortatti, 1
que se tornou uma grande referência no campo da alfabetização, adentraremos a ter-
ceira fase de alfabetização, situada historicamente entre 1920 e 1970.
Esse período, que durou aproximadamente cinco décadas, foi marcado por métodos
mistos – o que hoje chamamos de híbridos. Os estudos de Lourenço Filho, importante
educador brasileiro do século XX, consolidaram-se e trouxeram conhecimentos sobre a
ciência psicológica no contexto da educação, além de estudos sobre o funcionamento
da Escola Nova europeia. Ele lançou ainda estudos ancorados em três importantes
áreas: biologia, psicologia e sociologia.
Frente a esses novos estudos, a alfabetização em nosso país passou a ser balizada
pelo nível de maturidade alcançado pelas crianças. O nível de maturidade possibilitava
a classificação das crianças e a organização em agrupamento de classes homogêneas
para a alfabetização. Dessa forma, as crianças eram agrupadas de acordo com suas
habilidades ou falta de habilidades. Surgiam as “classes dos fortes”, dos “médios” e
dos “fracos’’. Esse tipo de organização, que colocava a criança em exposição e, muitas
vezes, em situações vexatórias, causava um sério problema de evasão escolar: obser-
va-se que, na época, de cada mil crianças que ingressavam na 1.ª série, “[...] apenas
449 chegavam à 2.ª série, em 1964; em 1974 – portanto, dez anos depois – de cada mil
crianças que ingressavam na 1.ª série, apenas 438 chegavam à 2.ª série”.
Desse modo, nos anos 1980, a partir dos altos índices de crianças que desistiram da
escola, iniciou-se no Brasil a organização por ciclos, segundo os quais “[...] a 1.ª série
correspondia à série de alfabetização – só o aluno considerado ‘alfabetizado’ era pro-
movido à 2.ª série” (SOARES, 2012, p. 14).
O tema “fracasso escolar” ganhou visibilidade nos anos de 1980, passando a ocupar
um lugar de destaque nas discussões acadêmicas acerca da escolarização. Os ques-
tionamentos sobre os métodos e a forma de se alfabetizar ganharam força, o que abriu
caminho para o que se denomina o quarto momento da alfabetização: a desmetodiza-
ção do ensino.
Foi nessa época que o ideário construtivista para a alfabetização ganhou força no Bra-
sil. Muitos educadores passaram a usar como base do trabalho com alfabetização as
pesquisas sobre a psicogênese da língua escrita desenvolvidas por Emília Ferreiro,
discípula de Jean Piaget e de seus colaboradores.
Alfabetização e Letramento 13
Conhecendo os conceitos de alfabetização e letramento
SAIBA MAIS
Métodos de alfabetização e Projetos para nação (Live no canal de Bárbara Cortella com a professora
Maria do Rosário Mortatti)
Letramento vem do termo literacy, que se origina da língua inglesa e pode ser traduzido
como a condição de ser um sujeito letrado – considerado como letrado aquele que, para
além de saber ler e escrever, responde adequadamente às demandas sociais da leitura
e da escrita. Nos Estados Unidos e na Inglaterra, embora a palavra literacy já constasse
do dicionário desde o final do século XIX, foi apenas na década de 1980 que passou a
reverberar nos estudos das áreas da educação e da linguagem.
Foi ainda nos anos 80 que os estudos no campo da Psicologia e da Linguística passa-
ram a afetar os estudos sobre alfabetização no Brasil. A influência da argentina Emília
Ferreiro sobre os processos de elaboração das crianças na aquisição da escrita, os
altos índices de analfabetismo e também a ideia de que a escrita tem a função de co-
municar, para além de mera codificação do alfabeto, fizeram com que as práticas de
alfabetização fossem questionadas.
Nessa mesma época, buscando atender à falta de um conceito que se referisse aos
aspectos sócio-históricos da escrita, surge no Brasil as discussões sobre letramento,
14
definido como: “um conjunto de práticas de uso da escrita que vinham modificando 1
profundamente a sociedade, mais amplo que as práticas escolares de uso da escrita,
incluindo-as, porém” (KLEIMAN, 2005, p. 21).
A obra de Mary Kato (1986), intitulada No mundo da escrita: uma perspectiva psicolin-
guística, é apontada como a primeira obra a versar sobre o tema em território nacional.
A autora defende que a função primordial da escola é introduzir a criança no mundo da
escrita, tornando-a uma cidadã funcionalmente letrada, ou seja, capaz de usar a lingua-
gem em contextos sociais, garantindo a comunicação. Cabe ressaltar que, nesse livro,
Kato (1986, p. 140) define o letramento como “processo ou efeito da aprendizagem da
leitura e da escritura” e alfabetização como “iniciação no uso do sistema ortográfico”.
Outras autoras, como Angela Kleiman e Leda V. Tfouni, também trazem o termo letra-
mento nos livros: Os significados do letramento, organizado por Kleiman, e Alfabetiza-
ção e letramento, de Tfouni – ambos publicados em 1995.
Faz-se necessário destacar que, no dicionário Houaiss (HOUAISS; VILLAR, 2001), por
exemplo, a palavra letramento aparece como sendo “o mesmo que” alfabetização e sua
definição consta embutida dentro da própria definição de alfabetização. Esse movimen-
to de conceber alfabetização e letramento como sinônimos só aparece com a dicionari-
zação do conceito de letramento.
Essa dicionarização nos dá indícios do impacto desse termo, letramento, nos construtos
teóricos sobre alfabetização. Soares (2003, p. 18) afirma de forma enfática que:
letramento não é ‘alfabetização’, esta costuma ser um processo de treino para
que se estabeleça relações entre grafema e fonema. Trazer alfabetização e
letramento como tendo o mesmo sentido sem problematizar o significado de
cada palavra nos coloca na discussão sobre o que é alfabetização? O que é
letramento? Alfabetizar é letrar?
1
http://www.ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/glossarioceale/
Alfabetização e Letramento 15
Conhecendo os conceitos de alfabetização e letramento
Fonte: 123RF.
16
Figura 07. Situação de letramento, a escrita em uso na sala de aula (b)
1
Fonte: 123RF.
Podemos dizer que Soares reconhece duas dimensões do letramento: a dimensão in-
dividual e a dimensão social – dimensões essas que balizam os estudos sobre o tema.
Do lugar dos Estudos da Linguagem, Angela Kleiman afirma que: “Letramento não é
alfabetização, mas a inclui!” (KLEIMAN, 2005, p. 11), explicitando que letramento e alfa-
betização não são sinônimos, mas estão intimamente relacionadas.
Alfabetização e Letramento 17
Conhecendo os conceitos de alfabetização e letramento
1 A oralidade também ganha relevância para Kleiman (1995). Ela destaca o fato de al-
gumas crianças estarem expostas a “eventos de letramento” antes mesmo de ingres-
sarem na escola, apropriando-se e fazendo o uso de estratégias orais de letramento
em seu cotidiano, podendo, assim, ser consideradas letradas, antes de ler e escrever
(KLEIMAN, 1995). Por exemplo, um garoto que ainda não iniciou o processo de alfabe-
tização, mas que a família busca estimular à leitura ao ler histórias e apresentar algu-
mas letras que formam as palavras. É possível dizer que este é o início do letramento, já
que os pais estão estimulando a criança para que ela vá além da alfabetização básica,
melhorando sua compreensão de mundo e apreço pela leitura no dia a dia. Frente a
esse cenário, podemos dizer que a família letrada se torna uma eficiente agência de
letramento, em que as práticas e usos da escrita são fatos corriqueiros e permitem que,
antes de conhecer a escrita convencional, a criança passa a conhecer o seu sentido e
a sua função.
Figura 08. Cenas de leitura em família, o que nos remete à uma situação de letramento
Fonte: 123RF.
De acordo com Kleiman, podemos dizer que a alfabetização é uma das práticas de
letramento que compõe um conjunto de práticas sociais do uso da linguagem escrita
na escola. Outras práticas de letramento são: escrever um diário, ler uma receita, enviar
um cartão, ler a bula de um medicamento, enfim, situações nas quais usamos a língua
escrita dentro ou fora do espaço escolar.
Kleiman ainda se refere ao fato de que o meio acadêmico se apropriou do conceito le-
tramento “[...] numa tentativa de separar os estudos sobre o ‘impacto social da escrita’
18
dos estudos sobre alfabetização, cujas conotações escolares destacam as competên- 1
cias individuais no uso e na prática da escrita [...]” (KLEIMAN, 1995, p. 15).
SAIBA MAIS
Uma pessoa não alfabetizada, mas que conhece a função de uma carta, de um rótulo, de um bilhete ou
de uma placa, participa das práticas letradas de sua sociedade, mesmo que de forma limitada, à mar-
gem… Essa pessoa é considerada um sujeito letrado.
Kleiman (1995) ainda critica a postura de alguns pesquisadores que se mostram contrários
ao uso do termo letramento, afirmando que os conceitos por ele designados estão implícitos
no termo alfabetização, que essa seria uma leitura rasa acerca do conceito de letramento.
A alfabetização é defendida como uma prática que se consolida em eventos que se cir-
cunscrevem no espaço e tempo da sala de aula, coordenada pelo professor, que ocupa
o lugar de quem ensina, sistematiza e instrumentaliza os alunos sobre o uso do sistema
alfabético da escrita. “O conceito de alfabetização refere-se também ao processo de
aquisição das primeiras letras e, como tal, envolve sequências de operações cognitivas,
estratégias, modos de fazer” (KLEIMAN, 2005, p. 13).
ALFABETIZAÇÃO LETRAMENTO
• É um processo que está dentro da prática de letra- • Fenômeno cultural, relativo às atividades que en-
mento, de acordo com Magda Soares volvem a linguagem escrita
Alfabetização e Letramento 19
Conhecendo os conceitos de alfabetização e letramento
1 4. FREINET E A ALFABETIZAÇÃO
Célestin Freinet
Sua condição de vida, de certa forma, vai se reverberar em sua concepção sobre a
infância, sobre o trabalho e sobre o desenvolvimento infantil, e, mais tarde, refletir-se-á
em sua prática pedagógica.
Figura 09. Freinet em Vence
Fonte: Institut Coopératif de l’Ecole Moderne (ICEM). Disponível em: https://www.fimem-freinet.org/pt-pt/node/3561. Acesso
em: 5 jan. 2021.
A luta do educador Freinet sempre foi em prol da construção de uma escola do/para
o povo e ele sabia que, para se implementar de fato essa escola popular, era preciso
muito mais do que teorias, era preciso trabalho!
Muito além de educador, Freinet exerceu papel militante na busca por uma escola
realmente “Para o povo”, tendo consciência do papel de reprodução social que a escola
20
representa. Em sua proposta pedagógica, Freinet elaborou instrumentos de trabalho e 1
propôs técnicas que explicitassem o papel libertário da educação
Influenciado por Karl Marx, sua proposta pauta-se na noção de trabalho como produção
humana, que traz ao sujeito realização por sua produção e não alienação. Foi fortemen-
te influenciado pelo pensamento dialético que conheceu no partido comunista francês,
do qual era membro atuante.
Sua primeira formação foi na escola primária; aos 15 anos de idade, ingressou na Es-
cola Normal Masculina de Nice/ França, porém, não chegou a concluir seus estudos,
pois foi recrutado para na Primeira Guerra Mundial. A vivência de guerra o afetou pro-
fundamente. Ferido nas trincheiras de batalha, teve seus pulmões comprometidos, o
que lhe deixou por um longo período em estado de convalescença. As feridas de guerra
também, posteriormente, irão impactar em seu fazer docente.
Touché. Memórias de um ferido de guerra foi um livro que ele escreveu e publicou logo no
pós-guerra – época também em que Freinet escreveu seus primeiros artigos sobre educação.
Foi em uma classe multisseriada, com 35 alunos, que Freinet se fez professor. A maior
parte de seu alunado era formada de filhos de camponeses, o que trazia uma identificação
profunda entre professor e alunos. Apesar de não possuir experiências docentes anteriores,
sua prática era impregnada de um profundo compromisso com a educação de seus pupilos.
Ele registrava, diariamente, as observações que fazia sobre seus aprendizes, narrando os
diferentes tipos de comportamentos e vivências que observava em suas crianças, assim
como suas conquistas e suas dificuldades. O que explicita um profundo respeito pelo de-
senvolvimento de todos e de cada um (BUSCARIOLO, 2015, p. 51).
Em 1925, Freinet conhece Elise, professora de artes, que, com seu olhar aguçado e sen-
sível, por meio da arte, ajuda-o a aprimorar suas técnicas. Casam-se em 1926. Elise foi
uma grande parceira e esteve presente em sua vida afetiva e acadêmica, escrevendo livros
importantes sobre a proposta de Freinet, como O itinerário de Célestin Freinet: a livre ex-
pressão na pedagogia Freinet (1977) e O nascimento de uma pedagogia popular (1969).
Alfabetização e Letramento 21
Conhecendo os conceitos de alfabetização e letramento
1 Logo sua experiência correu pelo continente e ele conseguiu atingir professores primá-
rios de outros países: Bélgica, Espanha, Portugal. Foi então que, em 1957, inaugurou a
Federação Internacional da Escola Moderna (FIMEM), que existe até hoje e conta com
a participação de professores de mais de 30 países de todo o globo – Europa, África,
Ásia e América Latina e Franco-Canadense.
Para Freinet, o ensino nunca foi um sacerdócio e sim uma militância, um en-
gajamento voluntário. [...] Militou para, na medida dos limites que lhe eram
impostos, transformá-la, encarando essa militância como parte de outra maior,
que visava a transformação das próprias estruturas da sociedade. (OLIVEIRA,
1995, p. 98)
Outra frente que Freinet e seus parceiros do movimento abraçaram foi a campanha
“abaixo aos manuais”, que lutava contra os materiais didáticos veiculados na época.
Tais materiais eram considerados artificiais para as crianças. Freinet, então, em parce-
ria com os demais professores do movimento, passou a produzir os fichários escolares,
um material que se tornou referência pedagógica para o movimento da Escola Moderna.
A escrita incessantemente teve uma grande relevância na vida de Freinet, que escrevia
com frequência para os jornais e as revistas de esquerda da época, mesmo antes de
se tornar educador. A materialização dos seus ideais marxistas, anarquistas e republi-
canos se dava pelo impresso, pela palavra, pela possibilidade de circulação da palavra
(MUNHOZ, 2010 apud BUSCARIOLO, 2015, p. 53).
Para ensinar a ler e escrever, Freinet defende o método natural da escrita, legitimando
a alfabetização como prática social, dinâmica e discursiva, ou seja, vista como algo que
pressupõe o outro, interlocutores.
22
Existe entre os Métodos tradicionais e os nossos Métodos naturais uma dife-
rença fundamental de princípio, sem a compreensão da qual todas as apre-
1
ciações serão sempre injustas e errôneas: os métodos tradicionais são espe-
cificamente escolares, criados, experimentados e mais ou menos realizados
por meio escolar, que tem as suas finalidades, os seus modos de vida e de
trabalho, a sua moral e as suas leis, diferentes das finalidades, dos modos
de vida e de trabalho do meio não escolar e a que chamaremos meio vivo.
(FREINET, 1977, p. 39)
O Método Natural se tornou uma metodologia universal, de acordo com o ideário frei-
netiano, por isso, pode se estender para outras aprendizagens: matemática, ciências,
história, enfim, para todos os campos de conhecimento.
Com relação à aprendizagem, é particularmente interessante tentar analisar as
relações que Freinet estabelece entre ela e a natureza. Partindo da observação
e da maneira como, segundo ele, a natureza procede suas transformações
(por ensaio e erro, num imenso e constante “tatear”) e preconiza um ensino
baseado na pesquisa. É o que ele chama de “método natural”. A antinomia
aparente desses dois termos esconde toda uma concepção de aprendizagem:
para ele, por exemplo, a criança aprende “naturalmente” a falar (como que
movida por uma lei da natureza), sem aprender de cor regras prévias, sem mé-
todos preestabelecidos, autocorrigindo-se, a partir da observação dos modelos
que estão a sua volta e das intervenções de sua mãe. Esta não se preocupa
em estabelecer uma gradação na aprendizagem, deixa-a fluir “naturalmente”, a
partir das necessidades do quotidiano. (OLIVEIRA, 1995, p. 96)
Em defesa do método natural, ele afirma: “[...] foi com esta convicção e certeza que
realizamos os nossos métodos naturais, cujo valor os cientistas tentam contestar. To-
dos os progressos se fazem por este processo universal da tentativa experimental [...]”
(FREINET, 1977, p. 14-15).
Alfabetização e Letramento 23
Conhecendo os conceitos de alfabetização e letramento
1 Nessa perspectiva, o papel do professor é o de mediador, aquele que vai ajudar a criança
a aprimorar a técnica, ajustar a mecânica, mas sem interferir no que a criança tem a dizer.
A proposta de Freinet vai de encontro aos métodos tradicionais que criam linguagens
extremamente escolásticas, pautadas no discurso livresco, pensadas a partir da lógica
dos adultos, sem considerar o lugar de fala da criança. Defendendo que “a escrita só tem
sentido se somos obrigados a recorrer a ela para comunicar nosso pensamento além do
alcance da nossa voz, além das barreiras de nossa escola” (FREINET, 1978, p. 38 - 40).
Método Natural da escrita, em especial, tem como intuito a não-separação entre meca-
nismo, compreensão e sentido. Para Freinet, “ler é trabalhar com textos na perspectiva
da comunicação, da expressão, das práticas reais de vida que envolvem a escrita”
(BUSCARIOLO, 2015, p. 68).
Figura 10. Alunos de Freinet usando o prelo na década de 1920
Fonte: Institut Coopératif de l’Ecole Moderne (ICEM). Disponível em: https://www.fimem-freinet.org/pt-pt/node/3561. Acesso
em: 5 jan. 2021.
Ele defende que a leitura acontece pelo contexto, de forma global, pela tentativa expe-
rimental e não por silabação ou palavras soltas. Sobre esse processo, escreveu que as
crianças, na fase inicial da alfabetização:
[...] tentam ler globalmente alguns textos dos seus correspondentes. Distin-
guem algumas palavras, nem sempre de uma forma perfeita. Mas elas têm em
si, intimamente ligada, toda a sua vida psíquica e social, e a imagem de uma
multidão de palavras que, bruscamente, surgirão no seu sentido verdadeiro
e total. Nessa altura, a nossa criança saberá ler para sempre, porque essa
aprendizagem natural ligar-se-á fortemente à própria vida e ao processo de
evolução do indivíduo (FREINET, 1977, p. 52-53).
A fim de que a escrita seja realmente relevante para a criança, Freinet propõe alguns
instrumentos que estimulam o trabalho em sala de aula, como: livro da vida, jornal de
24
parede, ateliês de trabalho, plano de trabalho, roda de conversa (que dá lugar à lingua- 1
gem oral, que também faz diferença no processo de alfabetização), texto livre, como
podemos observar no quadro abaixo, que traz a função de cada um dos instrumentos
mencionados (BUSCARIOLO, 2015, p. 69).
Tabela 02. Síntese dos Instrumentos elaborados por Freinet
Alfabetização e Letramento 25
Conhecendo os conceitos de alfabetização e letramento
1
INSTRUMENTOS IDEALIZADOS POR FREINET
É importante salientar que as descrições sobre os instrumentos apresentados nessa tabela apresentam a
forma de trabalho assumida em nossa prática pedagógica, podendo haver variações.
26
Abordaremos agora, com maior ênfase, os instrumentos que estão diretamente ligados 1
à aquisição da linguagem escrita pela criança.
Figura 11. Situações de escrita significativa: elaboração de texto livre
Fonte: 123RF.
O Texto Livre é definido como um texto que a criança pode escrever de forma livre.
É a ferramenta que conduz o trabalho com a linguagem escrita. É um texto sem um
tema pré-determinado, que dá espaço para que o imaginário produza. Assim, tateando,
colocando no papel as letras que julgam adequadas, testando hipóteses, as crianças
passam a escrever sem pressão, sem medo e com autonomia.
O texto livre é a materialização da livre expressão – tão defendida por Freinet.
Esses textos dão voz ao pensamento da criança, pois são escritos sobre o
assunto que ela elegeu como importante, no espaço escolhido por ela, inicial-
mente, sem preocupações com a estética e a estrutura do texto. (BUSCARIO-
LO, 2015, p. 69)
Nessa proposta de elaboração da escrita, observamos que a criança escreve com pra-
zer. Nas salas de aula freinetianas, a escrita dos textos livres não tem hora determinada
e podem acontecer nos momentos de ateliês de trabalho ou em casa, de acordo com a
necessidade da criança. É livre também essa forma de solicitação – não há obrigatorie-
dade, há o convite… É aconselhável que cada criança tenha o seu caderninho de texto
livre, que deve ficar em sua bolsa, para que, quando sinta vontade de escrever, tenha
o suporte sempre em mãos.
Alfabetização e Letramento 27
Conhecendo os conceitos de alfabetização e letramento
Como podemos observar na imagem acima, a criança coloca sua hipótese de escrita
no papel, sem ainda ter muita relação entre grafema e fonema, sem estar convencional-
mente de posse do código escrito, porém, já possui importantes conhecimentos sobre
a escrita: que usamos letras, que um texto em nossa cultura deve ser escrito sobre a
pauta do papel, da esquerda para a direita, enfim, se mostra imersa numa cultura letra-
da, mesmo não estando plenamente alfabetizada.
Depois de escreverem seus textos, no seu tempo, dentro do gênero que escolheram,
as crianças são convidadas a fazer a leitura em voz alta desses textos nas chamadas
“rodas de leitura”, para que os colegas conheçam suas produções. Dessa forma, a pro-
dução da criança ganha visibilidade, é vista pelo outro, torna-se comunicável.
Por trazerem a necessidade real de comunicação, esses textos produzidos
pelas crianças são muito ricos em informações, detalhes e vocabulário. São
cuidadosamente elaborados pelas crianças, pois elas se apropriam do texto
e sabem que ele será lido por muitos leitores em roda ou mesmo impresso.
(BUSCARIOLO, 2015, p. 69)
A criança se torna autora. Nas rodas, os textos lidos recebem sugestões e comentários
dos colegas e também são eleitos pela turma, por votação, aqueles que serão digitados
e depois impressos. Depois, passamos para a correção coletiva desse texto, pois, ini-
cialmente, a escrita segue o curso natural das hipóteses das crianças, mas como serão
publicados, o aprimoramento e a lapidação dessa escrita devem ser realizados.
28
do autor e com o objetivo de garantir uma comunicação mais eficiente entre este e o 1
interlocutor (BUSCARIOLO, 2015, p. 70).
A correção coletiva é um trabalho que atinge todos os alunos, até mesmo os que ainda
não estão alfabetizados, pois as crianças, no momento de correção coletiva, vendo o
texto transcrito na lousa, observando a sua reelaboração, vão compreendendo as nu-
ances da escrita para as quais antes não se atentavam.
É comum que, após as correções, o texto circule em álbuns ou jornais da turma. Por
isso, a correção coletiva dá também ao texto livre um lugar de destaque.
[…] É preciso fazer do texto livre escolhido uma bela página, sem lhe fazer
perder nada da sua frescura e subtil expressão.
Freinet inovou ao levar a imprensa à sala de aula. Ele levou uma impressora de tipos
móveis para os seus alunos. Naquela época, a impressora era uma ferramenta de tra-
balho dos adultos, não deveria ser utilizada pelas crianças. O tipógrafo utilizado por
Freinet era totalmente manual, requerendo muita disciplina e atenção das crianças,
para que seus trabalhos alcançassem um produto final. Ele não foi o primeiro a usar
esse recurso tecnológico para fins educativos, mas foi pioneiro a imprimir textos escritos
pelas crianças (BUSCARIOLO, 2015, p. 70).
[...] Os alunos apaixonaram-se pela composição e pela impressão, coisas que
não eram, todavia, simples com o material ainda rudimentar de que dispúnha-
mos. Eles deixaram-se prender pelas novas tarefas, não porque a ordenação
dos caracteres nos componedores pudesse ser atraente, mas, sobretudo, por-
que tínhamos descoberto um processo normal e natural da cultura; a obser-
vação, o pensamento, a expressão natural tornavam-se texto perfeito. Esse
texto tinha sido vazado no metal, depois impresso. E todos os espectadores, o
autor em primeiro lugar, sentiam, realizado o trabalho, uma profunda emoção
perante o espetáculo do texto enaltecido, que se revestia agora do valor de um
testemunho (FREINET, 1975, p. 25).
A fim de valorizar a escrita e com o intuito de fazer com que as produções das crianças
circulassem, Freinet utilizou um tipógrafo que conseguiu na velha oficina de um colega.
Para trazer a prática para a contemporaneidade, usamos em nossas salas tablets, com-
putadores e impressoras, como se pode ver, o suporte de trabalho muda, mas continua
com a função de comunicar, de fazer com que as produções das crianças - especialmente
o texto livre - sejam lidas e, efetivamente, ganhem a materialidade do impresso, palpável.
O texto livre só tem valor quando se constitui em um documento autêntico,
uma vez que é socializado, que serve de pretexto e de argumento para um en-
riquecimento na direção da cultura e do conhecimento. (FREINET, 1975, p. 68)
Com a imprensa na sala de aula, Freinet trouxe a este local o trabalho como expressão
máxima da realização humana, trabalho que satisfaz e não aliena.
Alfabetização e Letramento 29
Conhecendo os conceitos de alfabetização e letramento
1 Assim, a imprensa escolar mostra aos alunos que eles também podem dominar esse
importante meio de comunicação, que, muitas vezes, é um instrumento de dominação.
A imprensa na sala de aula carrega uma posição política quando fornece às crianças
o acesso aos “bastidores” da produção de textos que circulam pela sociedade, quando
mostra as formas de se fazer de um jornal, por exemplo. Com isso, evidencia-se para
os estudantes que as palavras que circulam são produções humanas e, por isso, pas-
síveis a erros, equívocos e distorções. Freinet deseja mostrar aos alunos que matéria
impressa tem suas fragilidades e que também pode ser lugar de poder e doutrinação
(BUSCARIOLO, 2015, p. 72).
Nos relatos de Freinet e seus colaboradores, fica clara a empolgação das crianças
com a possibilidade de lerem seus textos impressos. Elas cuidavam das ferramentas
da tipografia e mostravam muito apreço pelo trabalho, fazendo o melhor que podiam,
aprendendo a manipular os tipos móveis, o prelo, e isso não era um trabalho fácil, pois
era preciso aprender a organizar a escrita “de trás pra frente”, para que as frases fos-
sem impressas corretamente. Mas como o objetivo era o de ver seus textos nas mãos
de outrem, o desafio valia a pena.
O texto livre conquista mais espaço dentre os instrumentos propostos por Freinet e
não deve ser considerado como um suplemento de nosso trabalho escolar, mas sim
como um elemento significativo que faz parte de um conjunto de práticas que amparam
o conceito de livre expressão, de forma a garantir que se ouça as vozes das crianças
(BUSCARIOLO, 2015, p. 74).
A alfabetização pelo método natural, para além de ensinar que B+A forma “BA”, tem
como objetivo dar a palavra à criança, para que ela entenda seu uso, questione as
palavras que circulam na sociedade, para que se torne autora e cidadã! Freinet não
conheceu o termo letramento, mas podemos seguramente afirmar que sua proposta de
alfabetização contemplava a ideia de letramento que hoje conhecemos.
SAIBA MAIS
Diálogos sobre Alfabetização: Perspectivas discursivas para Alfabetização - LIVE #9 (Live no canal
de Bárbara Cortella com as professoras alfabetizadoras pelo Método Natural da Escrita)
30
5. PAULO FREIRE E A ALFABETIZAÇÃO 1
Paulo Freire
(Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos, 2000, p. 33)
Paulo Regus Neves Freire foi o mais célebre educador brasileiro, com atuação e re-
conhecimento internacional. Nascido no Recife, em 19 de setembro de 1921, “leão do
norte”, de Casa Amarela, bairro tradicional da cidade, caçula de quatro irmãos, filho de
Edeltrudes Neves Freire, bordadeira, dona de casa e pernambucana, e de Joaquim
Temístocles Freire, sargento do exército e nascido no Rio Grande do Norte.
Alfabetização e Letramento 31
Conhecendo os conceitos de alfabetização e letramento
1 Filho de militar, teve uma educação rigorosa, mas não autoritária. Foram seus pais
que o apresentaram ao mundo da leitura e da escrita. Foi alfabetizado a partir de suas
próprias palavras, das palavras de sua infância, de seu quintal. E essa vivência, anos
depois, o influenciou enquanto educador. Ainda menino, foi para escola, uma escola de
educação infantil na rede privada em Recife. Lá encontrou uma professora que traba-
lhava de forma muito respeitosa em relação aos saberes das crianças.
A infância deu lugar a uma adolescência difícil: aos 10 anos, sua família precisou mu-
dar-se para Jaboatão, fugindo da crise de 1929 e buscando melhores condições de
vida. Aos 13 anos perdeu seu pai e acabou por adiar os estudos primários, ficando
atrasado na escola.
Acusado de comunista, Paulo Freire foi preso. Precisou se exilar. Foram 16 anos fora
do país, foi exílio longo e difícil, mas foi nesse período que ele produziu grande parte
de seus trabalhos.
Esteve por cinco anos no Chile, como consultor da Unesco, no Instituto de Capacitação
e Investigação em Reforma Agrária. Em 1970 foi para Genebra, na Suíça, para traba-
lhar como consultor do Conselho Mundial de Igrejas, onde desenvolveu programas de
alfabetização para a Tanzânia e Guiné-Bissau, além de ajudar em campanhas no Peru
e na Nicarágua.
É autor de diversos livros, como: Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro,
Paz e Terra, 1967; Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1970; Extensão
ou comunicação? Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1971; Ação cultural para a liberdade e
outros escritos. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1976; Cartas à Guiné-Bissau. Registros de
uma experiência em processo. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977; Educação e mudan-
ça. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979; A importância do ato de ler em três artigos que se
completam. São Paulo, Cortez, 1982; A Educação na cidade. São Paulo, Cortez, 1991;
Pedagogia da esperança: um reencontro com a Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro,
32
Paz e Terra, 1992; Política e educação. São Paulo, Cortez, 1993; Professora sim, Tia 1
não: cartas a quem ousa ensinar. São Paulo, Olho D’Água, 1993; Cartas a Cristina. Rio
de Janeiro, Paz e Terra, 1994; À sombra desta mangueira. São Paulo, Olho D’Água,
1995; Pedagogia de autonomia. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1996; Pedagogia da indig-
nação. São Paulo, Editora da Unesp, 2000.
Sobre o ato de ensinar, Freire nos deixa a lição de que esse ato exige um profundo
conhecimento de mundo, para além dos conhecimentos acadêmicos.
[...] ensinar já não pode ser este esforço de transmissão do chamado saber
acumulado, que faz uma geração à outra, e aprender não é a pura recepção do
objeto ou do conteúdo transferido. Pelo contrário, girando em torno da compre-
ensão do mundo, dos objetos, da criação, da boniteza, da exatidão científica,
do senso comum, ensinar e aprender giram também em torno da produção
daquela compreensão, tão social quanto a produção da linguagem, que é tam-
bém conhecimento. (FREIRE, 1997, p. 5)
Defende que o ensino se dá num movimento dialético, poético de ir e vir: “[...] envol-
vendo o ensinar do ensinante, envolve também de um lado, a aprendizagem anterior
e concomitante de quem ensina e a aprendizagem do aprendiz que se prepara para
ensinar amanhã [...]” (Freire, 1993), afirmando que “não existe ensinar sem aprender”.
Muitos estudiosos da obra de Freire refutam a ideia de que ele criou um método de alfa-
betização ao considerarem o discurso pedagógico de que método se refere à um “como
fazer”, como aponta Soares (2012, p. 118):
fala-se em alfabetização, pensa-se logo no método para alfabetizar, no cami-
nho pelo qual se levará a criança ou o adulto a aprender a ler e escrever: em
um passado já distante a soletração; depois (e até hoje!) a silabação, ou a
palavração, o método global.
Analfabetismo:
Definido pelo Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa (2010, [on-line]) como:
“estado ou condição de analfabeto”; analfabeto: aquele que não sabe ler e escrever.
Alfabetização e Letramento 33
Conhecendo os conceitos de alfabetização e letramento
1 1960, quando grande parte da população era analfabeta. O acesso à escrita era muito
mais do que ensinar as letras, era a possibilidade de ampliar os horizontes, superação
da condição precária de vida de um povo marcado pela submissão.
Métodos de alfabetização têm um material pronto: cartazes, cartilhas, cadernos
de exercícios. Quanto mais o alfabetizador acredita que aprender é enfiar o
saber-de-quem-sabe no suposto vazio-de-quem-não-sabe, tanto mais tudo é
feito de longe e chega pronto, previsto. Paulo Freire pensou que um método
de educação construído em cima da ideia de um diálogo entre educador e
educando, onde há sempre partes de cada um no outro, não poderia começar
com o educador trazendo pronto, do seu mundo, do seu saber, o seu método e
o material da fala dele (BRANDÃO, 1981, p. 9).
O que chamamos de “Método Paulo Freire” nasceu em meados dos anos 60, com o
trabalho realizado por Freire em parceria com o Movimento Cultura Popular do Recife
(MCP), na região periférica da cidade, nos chamados centros de cultura. A experi-
ência inicial deu-se com um trabalho que atendia cinco educandos – no decorrer do
percurso dois desistiram e três permaneceram –, porém, o grande destaque veio com a
experiência realizada em Angicos, no Rio Grande do Norte, em 1962, onde, em 45 dias,
trezentos alunos foram alfabetizados (GADOTTI, 1996, p. 72).
SAIBA MAIS
Para saber mais, assista: Vídeo-documentário aqui que retrata a Revolução de Angicos – parte 1
e parte 2.
O sucesso de Angicos correu o país, tanto pela grandeza de alfabetizar trezentos alu-
nos, que eram trabalhadores rurais, quanto por Angicos ser a terra natal do então presi-
dente da República, João Goulart. O processo de alfabetização partia das expressões
e vocabulário da comunidade, dos dizeres dos trabalhadores e trabalhadoras. Utilizava-
-se do repertório conhecido pelos educandos, e, assim, ampliava a leitura de mundo, os
horizontes e as possibilidades daquele povo.
Considerar o repertório do educando e dar a ele vez e voz, enfatizando o quanto ele já
sabe para aprofundar conhecimento mais técnico da língua escrita é o que tornou a pro-
posta de Freire tão revolucionária, pois, para além de ensinar a codificar e decodificar
as letras, ele buscava empoderar seu povo.
Em 1963, o presidente João Goulart e seu ministro da Educação, Paulo de Tarso Santos fo-
ram convidados a representar nacionalmente a alfabetização de adultos. No ano seguinte,
se não fosse o Golpe de 64, teria sido realizada a instalação de 20 mil círculos de cultura,
com a perspectiva de atender dois milhões de analfabetos (GADOTTI, 1996, p. 72).
34
O autor se coloca terminantemente contrário ao que ele denominou como “educação 1
bancária”, que é a educação que pressupõe que o aluno é uma tábula rasa e que cabe
à escola depositar os conhecimentos socialmente construídos na mente dos discentes,
a fim de instruí-los. Nesse modelo, o professor ocupa o lugar de douto, detentor de todo
o saber a ser ensinado, enquanto o aluno, que, nessa concepção, não possui conheci-
mento algum, deve apenas receber, sem questionar o saber catedrático do professor.
Sobre seu método de alfabetização, como já anunciado neste texto, sua abordagem
teórica está muito mais para uma teoria do conhecimento, – abarcando um caráter fi-
losófico, social e político da educação – do que para um método de ensino, que acaba
por enquadrar o conhecimento em pacotes aplicáveis. Contudo, contrariando o próprio
autor, correu a fama de um “Método Freire de alfabetizar”.
Muito mais do que o trabalho com alfabetização, o método proposto por Paulo Freire
tem como objetivo conscientizar, ampliar a visão de mundo, de modo a formar cidadãos
críticos, conhecedores de suas realidades, instrumentalizando-os para superá-las! O
ideário freiriano busca mobilizar a transformação social. Freire (2002, p. 45) define que:
“aprender a ler, a escrever, alfabetizar-se, é, antes de tudo, aprender a ler o mundo,
compreender o seu contexto, não numa manipulação mecânica de palavras, mas numa
relação dinâmica que vincula linguagem e a realidade”.
Como já mencionado, o método de alfabetização concebido por Freire surgiu nos círcu-
los de cultura, no Movimento de Cultura Popular do Recife (MCP), que, de acordo com
o próprio autor: “não tinham uma programação feita a priori” (GADOTTI, 1996, p. 82). O
trabalho partia de uma escuta do grupo, que elencava os temas a serem debatidos de
acordo com as necessidades dos envolvidos. Nesse cenário, o papel dos educadores
era abordar a temática e orientar a discussão.
O educador também podia propor algum tema que julgasse pertinente, nunca se so-
brepondo ao saber popular – que nasce das e nas práticas sociais, do cotidiano –, mas
auxiliando na explicitação e compreensão de temas mais complexos.
Alfabetização e Letramento 35
Conhecendo os conceitos de alfabetização e letramento
1 Contrariando a lógica dos métodos tradicionais escolares, Freire mostrou que professor
e aluno aprendem juntos na escola, em comunhão.
Valorizar o trabalho
Esse primeiro contato tinha como objetivo aproximar o educador de seus educandos,
conhecer a realidade e as condições concretas de vida de todos e cada um dentro da
comunidade era combustível para o trabalho nas cadeiras da escola.
36
O contato com a vida dos educandos possibilitava a emergência das palavras e temas 1
geradores, o grande alicerce do método freiriano.
A escolha das palavras geradoras era um enorme trabalho a ser realizado pelo educa-
dor, pois, para além de sua importância de uso na comunidade, era preciso considerar
palavras que carregassem todos os fonemas da língua portuguesa. Sobre as palavras
geradoras, Gadotti (2001) afirma que:
Essas palavras deviam codificar (representar) o modo de vida das pessoas do
lugar. Mais tarde, elas seriam decodificadas, e a cada palavra seria associado
um núcleo de questões ao mesmo tempo existencial (questões ligadas à vida)
e político (questões ligadas aos determinantes sociais das condições de vida).
Assim, por exemplo, para a palavra geradora governo, podiam ser discutidos
os seguintes temas geradores: plano político, poder político, o papel do povo
na organização social, participação popular. [...] a palavra geradora funciona
como chave. Ela era apresentada no contexto concreto, como clássico exem-
plo da figura ao lado, em que a palavra tijolo aparece escrita sobre o tijolo de
uma parede. (GADOTTI, 2001, p. 35, grifos do autor).
Em sua experiência como professor alfabetizador, ele notou que, para se consolidar o
processo de alfabetização inicial na língua portuguesa, em média, vinte palavras gera-
doras são o suficiente.
Paulo Freire defendia que aprender era natural ao ser humano, que assim como o
homem precisa se alimentar, ele precisa aprender. Essa aprendizagem é mediada
pelo mundo.
Três etapas bem delineadas marcam a proposta do método freiriano, vejamos no qua-
dro a seguir:
Tabela 03. Etapas do método de alfabetização de Freire
Alfabetização e Letramento 37
Conhecendo os conceitos de alfabetização e letramento
Importante captar elementos da Desdobramentos do tema inicial Leitura e escrita ganham status de
cultura local em novos temas. objeto de luta.
Nas palavras da própria Madalena: “Se a prática educativa tem a criança como um de
seus sujeitos construindo seus processos de conhecimento, não há dicotomia entre
o cognitivo e o afetivo e sim uma relação dinâmica, prazerosa de conhecer o mundo”
(FREIRE, 1983, p. 15). Assim, o trabalho com a linguagem oral e escrita precisa respei-
tar o tempo e espaço da criança, como sujeito de seu percurso educacional.
Para Freire, a leitura do mundo precede a leitura da palavra (FREIRE, 1989), desse
modo, a alfabetização, enquanto decodificação do código escrito, teria apenas signi-
ficado se os sujeitos – crianças, jovens ou adultos – pudessem emergir de um estado
de “coisificação” e fossem capazes de “ler” a realidade. Sendo assim, o espaço da
educação infantil se faz essencial nesse trabalho de fazer com que as crianças possam
ler o mundo, desvelando-o, por meio da curiosidade – que é marca da infância e da
aproximação da natureza – por intermédio da arte, da literatura infantil, entre outras
possibilidades. Madalena Freire indica que: “O papel da professora, enquanto partici-
pante também, nesta atividade é o de coordenar a conversa. É o de alguém que, pro-
blematizando as questões que surgem, desafia o grupo a crescer na compreensão de
seus próprios conflitos” (FREIRE, 1983, p. 21).
38
Seus apontamentos críticos versam sobre as questões: a escolha de palavras sem nenhu- 1
ma relação com a vida do educando, a decomposição dessas palavras em unidades sono-
ras menores, as sílabas, e no fato de que a combinação fonética fica nas mãos do profes-
sor, restando ao educando, à criança, o trabalho mecânico de decorar o exercício apenas.
Paulo Freire defende, sobretudo, a relação de ensino, a elaboração conceitual feita pelo
educando em parceria com o educador – que está junto nesse processo de aprendiza-
gem –, proporcionando que o aluno interaja com o objeto de conhecimento, experien-
ciando-o de forma concreta, para depois internalizá-lo e se apropriar dele.
Contrário ao modelo cartilhesco, ele criou um material de apoio coerente ao seu ideário
educacional, os Cadernos de Cultura. Para ele, a cartilha emudece o professor e o alu-
no, tirando do aluno a possibilidade de uma aprendizagem significativa e do professor o
lugar de autoria, de criatividade.
Cabe aqui destacar que partir do interesse não significa negar ao educando o acesso
ao conteúdo historicamente construído, ao contrário, é garantir que o conteúdo progra-
mático seja trabalhado de forma a afetar e transformar a vida do aluno, que se apropria
desse conteúdo e o leva para a vida.
SAIBA MAIS
“O legado de Paulo Freire para a Alfabetização” (Live no canal de Bárbara Cortella, com o professor
Mário Sérgio Cortella)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1. ANALFABETISMO. In: Dicionário Aurélio de crianças. 2015. 199 p. Dissertação (Mestrado) -
Língua Portuguesa. 5. ed. [S. l.]: Regis Ltda, 2010. Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de
[On-line]. Disponível em: http://aurelioservidor.edu- Educação, Campinas, SP. Disponível em: http://www.
cacional.com.br/download. Acesso em: 6 jan. 2021. repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/254002.
2. ANALFABETO. In: Dicionário Aurélio de Língua Acesso em: 6 jan. 2021.
Portuguesa. 5. ed. [S. l.]: Regis Ltda, 2010. [On-li- 5. FARIAS, G. F. et al. História de alfabetização: um
ne]. Disponível em: http://aurelioservidor.educacio- recorte temporal sobre as cartilhas. In: CONGRES-
nal.com.br/download. Acesso em: 6 jan. 2021. SO NACIONAL DE EDUCAÇÃO E CONGRESSO
3. BRANDÃO, C. R. O Que é Método Paulo Freire. IBEROAMERICANO SOBRE VIOLÊNCIAS NAS ES-
São Paulo: Brasiliense,1981. COLAS, 3, 2008, Curitiba. Anais... Curitiba: Editora
Champagnat, 2008. p. 3.824-3.834.
4. BUSCARIOLO, A. F. V. T. O texto livre como
instrumento pedagógico na alfabetização de 6. FECCHI, P. G. G. A Atividade docente e a orga-
nização do trabalho pedagógico:
Alfabetização e Letramento 39
Conhecendo os conceitos de alfabetização e letramento
40
1
Alfabetização e Letramento 41
As bases teóricas
UNIDADE 2
2 AS BASES TEÓRICAS
INTRODUÇÃO
O presente texto discorre sobre importantes questões referentes à alfabetização. Iniciaremos
com uma discussão sobre as contribuições da psicologia para o processo de alfabetização.
Na busca pela formação de “novos homens”, a psicologia foi ganhando espaço, es-
pecialmente por sua contribuição aos aspectos metodológicos do ensino, que eram
considerados inovadores, e versavam sobre o “como ensinar”. A necessidade de es-
colarizar e alfabetizar um grande número de pessoas era real. Naquele período, essa
questão revestia-se de importância fundamental frente à necessidade de escolarização
das massas, já que eram altos os índices de analfabetismo no país e os discursos mo-
dernizadores exigiam a sua erradicação (LOURENÇO FILHO, 1930, p. 4-5).
42
não é possível avançar nos conhecimentos matemáticos – como a compreensão e resolução
de problemas de aritmética –, bem como avançar nos demais componentes curriculares.
2
Tanto as produções acadêmicas quanto o discurso pedagógico, chancelados pelas re-
formas curriculares que ganham força de lei, mostram-se fortemente afetados pelo de-
bate entre diferentes correntes psicológicas e suas possíveis “aplicações” na educação,
adensando a relação entre a psicologia e a alfabetização.
Para saber mais sobre a história da Psicologia no Brasil, consultar Lourenço Filho
(1994), Massimi (1990) e Pessotti (1988).
Esse trabalho de Soares nos dá indícios da contribuição dada pela Psicologia na confor-
mação das práticas de alfabetização. Porém, para que possamos compreender melhor
tal influência, tornam-se necessários estudos que explicitem como as diferentes corren-
tes teóricas influenciaram a prática pedagógica, o fazer do docente, o chão da escola.
Para além de identificar as correntes teóricas que balizam o fazer pedagógico, faz-
-se fundamental também adensar a análise a respeito das relações concretas entre as
concepções teóricas e a prática docente. Até porque muitos conceitos embasados em
concepções teóricas antagônicas são usados na prática pedagógica de forma comple-
mentar e associada, o que causa alguns equívocos.
Isso se deve muito à formação docente, que não amplia o olhar sobre as possibilida-
des de trabalho que fujam de métodos pré-determinados, prescritivos e também pelas
condições concretas do fazer do professor que, muitas vezes, mal remunerado, vê-se
obrigado a “dobrar período”, trabalhando em mais de uma escola, com mais de uma
turma, o que o impede de buscar propostas teóricas mais densas e que necessitem de
um maior aprofundamento teórico.
Alfabetização e Letramento 43
As bases teóricas
A seguir, vamos elencar duas questões que polarizam tanto o debate acerca da alfabeti-
zação e da ação docente quanto a relação entre Psicologia e alfabetização e Psicolo-
gia e Educação, refletindo diferentes concepções de conhecimento e diferentes formas
de compreender o papel do professor.
44
Atentar aos modos como o professor alfabetizador reflete sobre o seu trabalho, o ela-
bora e o (res)significa, parece nos dar indícios para compreender como as ideias psico-
lógicas que circulam no meio educacional se fazem presentes na prática pedagógica. 2
Emilia Ferreiro e Ana Teberosky são grandes referências para o campo da alfabetiza-
ção. No final dos anos 1970, elas apresentaram o relato de uma pesquisa, no qual des-
crevem o processo de desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita em crianças
de 4 a 6 anos (FERREIRO; TEBEROSKY, 1984, p. 23).
Alfabetização e Letramento 45
As bases teóricas
Um ponto de grande relevância acerca da produção das autoras Emilia Ferreiro e Ana
Teberosky é a forte crítica aos principais métodos utilizados pelos professores para
alfabetizar. Para elas, a metodologia de ensino é outro aspecto essencial, pois, além
dos problemas sociais, atribuiu-se o fracasso escolar à ineficácia dos métodos tradicio-
nalmente usados, baseados na conversão da letra escrita em sons da fala.
Há uma busca incessante do “melhor” ou “mais eficaz” método, que “dê conta” de sa-
nar todas as questões de alfabetização. Desse modo, consideram-se tradicionais os
métodos analíticos e sintéticos. A proposta desses métodos é a de que o professor
apenas transmita seus conhecimentos às crianças, não observando algumas de suas
dificuldades ao longo desse processo, ao optarem pelo método mais convencional, que
se restringe à junção das sílabas simples e memorização de sons. Isso faz com que a
criança se torne meramente espectadora das aulas, sem possibilidade de ser ouvida,
de se posicionar, de questionar, impedindo que a criança protagonize a elaboração de
seu próprio conhecimento, que ela entenda o verdadeiro sentido da leitura e escrita.
Foi então que as pesquisadoras Emilia Ferreiro e Ana Teberosky encontraram terreno fér-
til para preencher essa lacuna. A investigação das autoras partiu do pressuposto de que
a aquisição do conhecimento se baseia na interação entre a atividade e o sujei-
to com o objeto de ensino, fazendo com que o sujeito, por meio de interações
e experimentações, construa suas ideias e hipóteses sobre o código da leitura
e escrita, acessando seus conhecimentos prévios, vivenciados antes de che-
gar à escola, sendo muito importante para suas novas aprendizagens (SILVA;
SILVA, 2020, p. 23).
No trabalho sobre a psicogênese da língua escrita, fica como métier do professor esta-
belecer a compreensão, bem como o entendimento de todo o processo de construção e
elaboração de conhecimento que é feito pela criança. Só assim o docente terá elemen-
tos para intervir nas produções apresentadas.
46
É também de suma relevância que o professor conheça as hipóteses de escrita elabo-
rada pelas crianças. Ferreiro e Teberosky defendem que “[a] teoria de Piaget não é uma
teoria particular sobre um domínio particular; mas sim um marco teórico de referência, 2
muito mais vasto, que nos permite compreender de uma maneira nova qualquer proces-
so de aquisição de conhecimento” (FERREIRO; TEBEROSKY, 1999, p. 31).
Ao nos debruçarmos sobre o aporte teórico das pesquisadoras, observamos que elas
enfatizam o caráter de construção de conhecimento, descrevendo as etapas que a
criança elabora por meio da leitura do mundo ao seu redor, no qual estão presente
símbolos, imagens e palavras.
Alfabetização e Letramento 47
As bases teóricas
Ferreiro e Teberosky (1999, p. 63) retrata os modos de apropriação dos conceitos pelas
crianças e também como elas se aproximam das habilidades de ler e escrever, explici-
tando que a aquisição desses eventos linguísticos segue uma trajetória muito próxima
àquela que a humanidade percorreu até chegar ao sistema alfabético, isto é, a criança,
gradativamente, constrói diferentes hipóteses acerca do sistema de escrita, partindo de
uma lógica que vai da não compreensão da relação entre a fala e a escrita, caminhando
pela compreensão, até elaborar a representação alfabética da escrita.
Ao percorrer essa trajetória ela precisa, então, responder a duas importantes
questões: o que a escrita representa e a forma que é feita a construção dessa
representação. Esse olhar sobre as hipóteses elaboradas pelas crianças re-
volucionou os conceitos em relação à alfabetização e aos processos de intro-
dução na leitura e na escrita, a proposta de Ferreiro desloca totalmente o eixo
da alfabetização passando de: “Como se ensina?” para “Como se aprende?”.
(SILVA; SILVA, 2020, p. 25-26)
48
O processo da escrita se dá por fase, nas quais a criança se apropria de conceitos que
darão subsídios para os próximos conceitos que ela irá elaborar de forma cumulativa.
2
Ferreiro (2001) acredita que as crianças são participantes ativos de seu próprio
conhecimento e enfatiza a importância da construção de hipóteses de escrita
das crianças. Assim, acredita que o processo de alfabetização não se restrin-
ge à repetição de letras, a alfabetização é um processo de construção e de
representação da linguagem. Toda criança em idade de alfabetização passa
por quatros fases distintas para completar o ciclo de alfabetização, sendo a
construção deste ciclo dividida pelas fases: fase pré-silábica; fase silábica; fase
silábico-alfabética e, por fim, a fase alfabética (SILVA; SILVA, 2020, p. 26).
Alfabetização e Letramento 49
As bases teóricas
2
A criança não é capaz de relacionar as letras, a grafia, com os sons
da língua falada.
FASE SILÁBICA A criança utiliza uma letra para cada emissão sonora.
Pode usar muitas letras para escrever, mas, ao ler, aponta uma letra
para cada fonema.
50
Compreende o uso social da escrita: comunicação.
2
Conhece o valor sonoro de todas ou quase todas as letras do alfabeto.
O recorte teórico feito por Piaget trouxe para o centro de seus estudos o sujeito epis-
têmico, o sujeito universal do conhecimento. Nesse sentido, investigou a fundo o de-
senvolvimento das mais variadas noções (número, classes, relações, substância, peso,
volume, proporções, combinatória, acaso etc.) e também a atuação de várias funções
psicológicas como: a percepção, a imagem mental, memória, linguagem, imitação etc.
Ferreiro e Teberosky, por sua vez, adensaram a pesquisa sobre o desenvolvimento es-
pecificamente da escrita – sobre o processo de aprendizagem desse saber. O método
construtivista, tão difundido no campo educacional, na verdade não existe.
Alfabetização e Letramento 51
As bases teóricas
Não podemos negligenciar a importância da teoria para a educação, já que esta pos-
sibilita ao professor um estudo e uma compreensão acerca de questões educacionais,
fazendo-o repensar sua prática pedagógica e, assim, encarando a criança como um su-
jeito ativo no processo de aprendizagem, especialmente no que tange à alfabetização,
se considerarmos as pesquisas de Ferreiro.
O “Construtivismo piagetiano” não dá respostas sobre o quê ou como ensinar, mas permi-
te compreender de que modo a criança aprende, elabora suas hipóteses, fornecendo um
referencial teórico consistente para identificação de possibilidades e limitações da criança.
SAIBA MAIS
Emilia Ferreiro | Cisão entre alfabetização e letramento - entrevista
A proposta da alfabetização como processo discursivo nasceu por volta dos anos 1980,
dialogando com autores dos campos da Psicologia, da Educação e dos Estudos da
Linguagem e ao mesmo tempo em que se realizava um intenso trabalho empírico de
atuação e investigação com crianças na fase inicial da escrita.
52
Sustentada pelas contribuições teóricas de Vigotski e seus colaboradores – como Luria
e Leontiev – essa perspectiva considera o desenvolvimento da criança não apenas
em seu aspecto cognitivo, mas em seu aspecto discursivo, como nos mostra Smolka. 2
A linguagem, a palavra, torna-se meio/modo de interação, meio/modo de (inter e intra)
regulação das ações e objeto de conhecimento. A ênfase na relação social e na prática
dialógica caracteriza a dimensão discursiva. Vamos então visitar agora o constructo
teórico vigotskiano sobre esse processo de elaboração e apropriação da linguagem
escrita. Nos anos 1929 e 1930, em parceria com Luria, Vigotski investigou a pré-história
da linguagem escrita, salientando a função instrumental auxiliar que esta vai assumindo
no desenvolvimento da criança, e revelando as enormes transformações que ocorrem
no processo da linguagem e escrita (SMOLKA, 1993, p. 43).
Ana Luiza Smolka – uma grande referência no Brasil em alfabetização discursiva – dia-
logando com o constructo teórico vigotskiano, destaca que:
Alfabetização e Letramento 53
As bases teóricas
Vigotski (1989, p. 79) afirma que a linguagem escrita é constituída por um sistema par-
ticular de signos que designam sons e palavras da linguagem falada, os quais, por sua
vez, são signos de relações e entidades reais. Ele destaca ainda que o domínio desse
complexo sistema de signos não pode ser alcançado de forma mecânica e externa,
defendendo que a única maneira de nos aproximarmos de uma solução correta para a
‘psicologia da escrita’ é por meio da compreensão de toda a história do desenvolvimen-
to dos signos na criança. Nas palavras do autor, destacamos:
A escrita é uma função linguística, que difere da fala oral, tanto na estrutura
como no funcionamento. Até o seu mínimo desenvolvimento exige um alto
nível de abstração. É a fala em pensamentos e imagens apenas, carecendo
das qualidades musicais, expressivas e de entonação da fala oral. Ao aprender
a escrever, a criança precisa se desligar do aspecto sensorial da fala e substituir
palavras por imagens de palavras. Uma fala apenas imaginada, que exige a
simbolização de imagem sonora por meio de signos escritos (isto é, um se-
gundo grau de representação simbólica) deve ser naturalmente muito mais difícil
para a criança do que a fala oral. Os estudos mostram que o principal obstácu-
lo é a qualidade abstrata da escrita e não o subdesenvolvimento de pequenos
músculos ou quaisquer outros obstáculos mecânicos (VIGOTSKI, 1989, p. 85).
54
Frente a isso, faz-se urgente questionar a visão de que a escola é apenas “trans-
missora de saberes” – como se a criança não participasse do processo de cons-
trução de conhecimento – possibilitando uma discussão referente aos métodos 2
utilizados no processo de alfabetização, os quais, na maioria das vezes, anulam
as experiências trazidas pelas crianças, mecanizando o ato de escrever, ofere-
cendo trabalhos voltados apenas à codificação dos sons, priorizando o ensino
da associação entre letras e sons, sem estabelecer relação com a função social
que a escrita tem para a criança. Pensar em métodos não afasta a discussão dos
processos pelos quais a criança se apropria da linguagem escrita, mas nos instiga
a olhar para as condições concretas e materiais pensadas para que esse desen-
volvimento da linguagem escrita aconteça.
Aqui podemos explicitar trazendo o vivido em sala de aula. Numa sala de 1º ano,
há alguns anos, experienciei o trabalho com a alfabetização norteado pelos princí-
pios discursivos. O caso a seguir nos dá pistas de como a relação, como o apren-
der com, impacta na elaboração da criança.
Alfabetização e Letramento 55
As bases teóricas
Podemos observar um intenso esforço da aluna em questão para aprender a ler e a escrever,
já que a mesma tinha pressa, queria escrever “igual à Manu”, e isso a impulsionava a tentar.
[...] os processos de mediação permitem que a criança opere e aprenda, graças a essa me-
diação, graças ao apoio dos demais e da cultura, acima de suas possibilidades individuais
concretas, em um determinado momento de seu desenvolvimento (DEL RÍO, 1996, p. 576).
Em agosto do mesmo ano, podemos notar que a escrita de Paula já estava alfabética
no texto a seguir:
56
Figura 03. Texto de agosto do mesmo ano, alguns meses separam
as primeiras hipóteses desta última
2
Vigotski ainda reafirma que: [...] da mesma forma que as crianças aprendem a falar, elas
podem muito bem aprender a ler e escrever. Métodos naturais de ensino da leitura e da
escrita implicam operações apropriadas sobre o meio ambiente das crianças. A leitura e
a escrita devem ser algo que a criança necessite (VIGOTSKI, 1998, p. 156).
Essa fala de Vigotski sobre “métodos naturais” nos remete a uma importante dis-
cussão de sua teoria, na qual ele aborda a questão das necessidades e pos-
sibilidades como operações apropriadas sobre o meio ambiente da criança. O
sentido de natural aqui implica na criação de novas necessidades possibilitadas
pela cultura.
Alfabetização e Letramento 57
As bases teóricas
Abaixo temos um quadro síntese que aponta indícios sobre o que um professor, que
coaduna com o ideário vigotskiano, com a proposta de uma alfabetização discursiva,
2 deve considerar em seu trabalho educativo, em seu ato de ensinar:
Figura 04. Síntese – Alfabetização discursiva
ALFABETIZAÇÃO DISCURSIVA
Conhecer a Literatura Infantil para poder explorar seus valores, sua riqueza,
entre outros elementos.
Tanto Vigotski como Smolka nos oportunizam uma ampliação de horizontes no sentido
de dar visibilidade à escrita em movimento, em funcionamento, na relação com o outro,
mediada, dialogada e compartilhada.
SAIBA MAIS
Para saber mais sobre a perspectiva discursiva leia:
SMOLKA, A. L. B. A criança na fase inicial da escrita. São Paulo: Cortez Editora, 1988.
58
3.1. A DIMENSÃO CULTURAL DA ESCRITA
Como já mencionado anteriormente, a linguagem escrita é compreendida pela psicolo- 2
gia histórico-cultural como uma técnica culturalmente desenvolvida pela humanidade.
“Essa corrente teórica reconhece que, no âmbito filogenético, a maneira de se comu-
nicar passou por diferentes fases ao longo de seu desenvolvimento histórico” (LURIA,
2010, p. 32).
Isso posto, podemos compreender que a linguagem escrita é produto de um longo e di-
nâmico processo, que reflete a própria luta da humanidade pela vida; que o desenvolvi-
mento de uma dada sociedade e dos indivíduos que a constituem estabelecem relações
entre si e que a apropriação, por parte de cada indivíduo, de um bem cultural como este,
possibilita a transformação não só de suas ações no mundo circundante, mas também
de suas próprias funções psicológicas (LURIA, 2010).
O desenvolvimento da linguagem escrita pertence à primeira e mais evidente
linha de desenvolvimento cultural, uma vez que está relacionado com o domí-
nio de sistema externos de meios elaborados e estruturados no processo de
desenvolvimento cultural da humanidade. Contudo, para que o sistema externo
de meios se convertam em uma função psíquica da própria criança, em uma
forma especial de comportamento, para que a linguagem escrita da humanida-
de se converta na linguagem escrita da criança, necessita-se de um complexo
processo de desenvolvimento que estamos tratando de explicar em linhas ge-
rais. (VIGOSTKI, 1995, p. 185)
Luria afirma que a escrita constitui o uso funcional de linhas, pontos e outros signos para
recordar e transmitir ideias e conceitos. A linguagem escrita permite a comunicação além
do tempo, daí sua função como mediadora da cultura para a apropriação pelos sujeitos.
Por essa razão, a escrita é um signo construído historicamente para mediar e registrar as
produções da humanidade além do tempo presente (ZUIN; REYES 2010, p. 68).
Frente a isso, podemos dizer que, no âmbito ontogenético, tal como na filogênese, o
processo de aquisição da linguagem escrita passa também por fases necessárias, de
modo que a pessoa que se encontra à margem de um mundo “letrado” passa, gradual-
mente, a fazer parte dele, externa e internamente, utilizando-se dessa linguagem como
meio para ampliar suas funções psicológicas, tais como memória, raciocínio lógico-lin-
guístico, percepção, atenção, concentração e planejamento.
Alfabetização e Letramento 59
As bases teóricas
derado como uma espécie de “ritual de passagem” e representa uma das apropriações
das habilidades de maior valor para as práticas sociais dos dias atuais, considerando-se
2 a cultura letrada (BUSCARIOLO, 2015, p. 97).
Vigotski nos mostra que a escrita deve ter significado para as crianças, e, assim, a necessidade
de aprender a escrever deve ser despertada e vista como necessária e relevante para a vida:
“Só então poderemos estar certos de que ela se desenvolverá não como hábito de mãos e de-
dos, mas como uma forma nova e complexa de linguagem” (VIGOTSKI, 1989, p. 133).
A importância da mediação é explicitada por Smolka quando ele defende que: A criança se
apropria da escrita através dos processos de atividade mediada, em instâncias interrelacio-
nadas (a mediação pelo outro e a mediação pelos signos). Nesses processos, a atuação do
professor e a dos colegas são relevantes, no sentido da construção conjunta da atividade, a
partir das condições de produção no espaço escolar (SMOLKA, 1993, p. 31, grifos nossos).
Mais uma vez, podemos notar que o papel do professor é colocado como essencial no
processo. Faz diferença o ato de ensinar, apontar, instrumentalizar a criança sobre o
mundo letrado que a rodeia.
A apropriação desse sistema escrito não é espontânea, uma vez que exige a mediação
intencionalmente organizada, tal como podemos depreender das reflexões de Leontiev
(1983), possibilitando o desenvolvimento de funções psíquicas superiores.
Na parede estão expostos os textos escritos pelas crianças do 1º ano – textos esses
que foram lidos em roda e posteriormente digitados e trabalhados pela professora.
60
Vigotski traz a questão da necessidade da criança, que deve, sim, ser ensinada, afir-
mando que: Elas devem sentir a necessidade de ler e de escrever no seu brinquedo
[...]. É evidente que é necessário, também, levar a criança a uma compreensão interior 2
da escrita, assim como fazer com que a escrita seja desenvolvimento organizado mais
do que aprendizado.
Quanto a isso, podemos apenas indicar uma abordagem extremamente geral:
assim como o trabalho manual e o domínio da caligrafia são para Montes-
sori exercícios preparatórios ao desenvolvimento das habilidades da escrita,
desenhar e brincar deveriam ser estágios preparatórios ao desenvolvimento
da linguagem escrita das crianças. Os educadores devem organizar todas
essas ações e todo o complexo processo de transição de um tipo de lin-
guagem escrita para outro. Devem acompanhar esse processo através de
seus momentos críticos, até o ponto da descoberta de que se pode desenhar
não somente objetos, mas também a fala. Se quiséssemos resumir todas es-
sas demandas práticas e expressá-las de uma forma unificada, poderíamos
dizer que o que se deve fazer é ensinar às crianças a linguagem escrita, e
não apenas a escrita de letras (VIGOTSKI, 1998, p. 156-157, grifos nossos).
Aqui explicita-se a importância do ato de ensinar a linguagem escrita – essa invenção cul-
tural que é cada vez mais valorizada em nossa sociedade – trazendo, assim, o professor a
um lugar de destaque nesse processo, como o que organiza as ações para que a criança
aprenda a dominar o código escrito. Mostrando a importância da mediação, Luria (2010,
p. 144) afirma: “Em contraste com um certo número de outras funções psicológicas, a
escrita pode ser definida como uma função que se realiza, culturalmente, por mediação”.
Portanto, podemos destacar a função transformadora da escrita. Escrita essa que é ensi-
nada, uma atividade mediada, um trabalho simbólico carregado de sentidos, mas não se
trata apenas de ensinar pensando em “transmissão de saber”, mas sim de mostrar o seu
uso, fazer essa escrita funcionar, como interação, interlocução não apenas do professor;
a linguagem assim se cria, (trans)forma-se e se constitui como conhecimento humano.
SAIBA MAIS
Perspectiva discursiva para alfabetização.
Alfabetização e Letramento 61
As bases teóricas
(Cagliari, 1989)
Compreender a natureza da linguagem escrita, seus usos e sua função, faz-se urgente
para pensar o processo de alfabetização. O maior problema da alfabetização refere-se
à maneira imprópria pela qual a escola aborda questões de fala: pela falta de entendi-
mento dos processos. Cagliari (1989, p. 87) defende que, antes de ensinar a escrever,
é preciso saber o que os alunos esperam da escrita, qual julgam ser a sua utilidade, e,
a partir daí, programar as atividades adequadamente.
Posto isso, pensar nas contribuições da linguística para a alfabetização nos reporta à
formação do professor alfabetizador. Para que haja impacto nos modos de ensinar, é
preciso entender que aprender a ler pressupõe não só decifrar o código escrito, mas
também interpretar e compreender os textos de diferentes gêneros. Da mesma forma,
aprender a escrever envolve não somente o escrito, estabelecendo correspondência
entre letra e som, mas também a capacidade de produzir textos em diferentes situa-
ções de comunicação.
A alfabetização compreende várias esferas e para que ela se processe com competên-
cia, o papel do educador e a noção de como se dá o processo de aquisição da escrita
precisam considerar que a língua está em constante evolução.
62
Uma estratégia de intervenção proposta por Cagliari parte das expectativas das crian-
ças. Ouvir o que elas sabem acerca da escrita e, partindo disso, discutir aspectos que
talvez as crianças ainda não tenham percebido sobre a linguagem escrita. 2
Indagações sobre: para o quê serve a escrita? Por que a usamos? Em quais situações?
também compõem o rol de questões importantes a serem levantadas junto aos alunos
para que eles possam entender e refletir sobre o uso da escrita.
Cagliari também defende que, em vez de propor redações sem sentido, o professor so-
licite escritas espontâneas, nas quais as crianças possam expressar seus desejos, an-
seios, seu cotidiano, criar histórias da imaginação, enfim, experienciar a autoria. Pode
ser necessário que o professor se torne escriba dessas produções.
Quadro 01. Questões a serem trabalhadas após a escrita de texto espontâneo
Essa história pode ser ampliada? Qual é a parte da história que você pode-
ria escrever mais?
Você pode trocar alguma parte da história, inverter? Isso pode melhorar o
que foi contado ou não?
Dá para diminuir o que foi escrito sem que “fique faltando parte” da sua história?
Você pode trocar alguma palavra dessa história? Isso pode melhorá-la?
Esse tipo de intervenção na escrita do texto da criança pode ajudá-la a refletir sobre sua
produção e aprimorá-la.
Cagliari (1989, p. 148) propõe que repensemos as práticas de leituras escolares, que,
além de serem pouco estimuladas, quando acontecem, vêm ligadas a propostas para
avaliar a pronúncia ou a capacidade de decifrar as letras.
O autor argumenta que a leitura pode (e deve) ser ensinada até antes da escrita, visto
que quem escreve só é capaz de fazê-lo com autonomia se souber ler o que escreveu.
Alfabetização e Letramento 63
As bases teóricas
Enfatiza ainda que, para além da técnica de leitura estar intimamente atrelada ao pro-
cesso de alfabetização, que a mesma deve ser ensinada e estimulada, por ser fonte de
2 prazer, de deleite, o que pode motivar as crianças.
De tudo que a escola pode oferecer de bom aos alunos, é a leitura, sem dúvida, o
maior, o melhor, a grande herança da educação. É o prolongamento da escola na vida
(CAGLIARI, 1989, p. 160).
Por isso, é muito importante que o professor alfabetizador tenha conhecimento das
variações linguísticas existentes, dado que os alunos já chegam à escola usando pelo
menos a variante familiar da língua. Torna-se fundamental formar um usuário compe-
tente da língua, que seja capaz de usar os diversos recursos, de modo adequado, na
elaboração de textos, produzindo efeitos de sentido pretendidos em situações variadas
e específicas de comunicação e, ao mesmo tempo, que seja capaz de compreender os
sentidos veiculados pelos textos que recebe.
Partindo dessa teoria, a linguagem amplifica a sua importância, pois, além de constituir
um instrumento de interação entre os falantes em idade de alfabetização, é um fator que
também determina o desenvolvimento psicológico desses iniciantes no mundo letrado.
Uma criança que entra para a escola chega carregada de conhecimentos oriundos das
relações sociais – nas quais adquiriu um conhecimento e uma habilidade linguística muito
desenvolvida –, ou seja, já tem um dialeto, refletindo e refratando a sua realidade linguística.
Cagliari (1989, p. 17) postula: um dialeto não é simplesmente um uso errado do modo
de falar de outro dialeto. São modos diferentes. Essa mesma criança tem outras neces-
sidades, enquanto que o professor alfabetizador – por sua formação – tem como dever
conhecer os vários níveis que englobam a alfabetização: nível fonético-fonológico, nível
sintático-semântico, nível textual.
64
Conhecendo essas estruturas e sabendo como usá-las, o docente tem mais elementos
para mediar às dificuldades dos alunos. Contudo, embasado apenas nesse conheci-
mento, o professor alfabetizador não realizará um trabalho tão eficaz, uma vez que se 2
faz necessário que ele leve em conta as variações dialetais que seus alunos apresen-
tam, pois uma classe ou comunidade escolar nunca é homogênea no dialeto. Há ainda
variações históricas, geográficas e sociais, e, para tanto, o professor alfabetizador deve
conhecer e respeitar a fala dos alunos que irá ensinar, entendendo sua realidade lin-
guística, já que fazem parte de culturas diversas socialmente.
De acordo com Cagliari, cabe à escola não apenas ensinar o português, mas também
desempenhar um papel imprescindível de promover a visibilidade dos menos favorecidos
pela sociedade. Desse modo, o professor alfabetizador tem a missão de contribuir para o
conhecimento dessas variações linguísticas e de conduzir o trabalho para que compreen-
dam o seu mundo e o dos que os rodeiam, desmitificando o estigma de que a cultura e o
saber são apenas daqueles que fazem o uso da “norma culta”, do dialeto padrão.
Para que essa desmistificação aconteça, o professor necessita ter um conhecimento lin-
guístico, ensinando aos seus alunos a verdade linguística. Dessa forma, almeja-se que a
sociedade possa aceitar as diferenças linguísticas da comunidade que a compõem.
Sabemos que, infelizmente, muitos alfabetizadores se preocupam muito mais com o en-
sino da gramática descontextualizada, estabelecida pela sociedade, e que ignoram as
variantes dialetais. Isso acaba por impor, muitas vezes, sem perceber, a norma da fala
da classe dominante, esquecendo-se do papel fundamental que a oralidade ocupa, o
que gera um desconforto aos seus alunos, fazendo com que muitos se calem por medo
de não atenderem ao que é considerado “correto”.
O que ocorre é que a maneira segundo a qual esse grupo faz o uso da língua vai se im-
pondo como um padrão da gramática normativa para estabelecer os conceitos de “certo
e errado”. O professor pauta-se nesse padrão para o ensino da língua materna, sem ao
menos oferecer ao estudante possibilidades de interpretar, de maneira coerente, que
o modo de sua fala não é “errado”, mas diferente de certas situações. Cabe, então, ao
professor oportunizar o ensino, para que o aluno domine as estruturas, as normas da
língua culta, a fim de que, quando for conveniente, ele tenha condições de utilizá-la sem
perder sua identidade.
Alfabetização e Letramento 65
As bases teóricas
Quando uma pessoa se comunica com outras, para que esse ato se concretize de for-
ma eficiente, é necessário que ela realize a adequação da linguagem. Isso posto, se o
professor alfabetizador tiver essa consciência, será muito mais fácil de ensinar a criança
sobre as regras gramaticais a serem utilizadas. Fiorin afirma que:
São inúmeros os fatores que, individualmente ou combinados, interferem no
modo como o falante ajusta sua linguagem às circunstâncias do ato de co-
municação. Entre esses fatores, destacam-se: O interlocutor – não se fala do
mesmo modo com um adulto e uma criança; O assunto – falar sobre a morte
de uma pessoa amiga requer uma linguagem diferente da usada para lamentar
a derrota do time de futebol; A relação falante-ouvinte – não se fala da mesma
maneira com um amigo e com um estranho; em que uma situação social infor-
mal e em uma formal. (FIORIN, 2004, p. 78)
Como o termo linguagem pode ter um significado abrangente, ele pode referir-se desde
à linguagem dos animais até outras formas de linguagens: música, dança, pintura, arte,
mímica etc. Faz-se necessário destacar que a Linguística se detém somente na investi-
gação científica da linguagem verbal humana. No entanto, é preciso salientar que todas
as formas de linguagens (verbais e não verbais) comungam de uma característica im-
portante: são sistemas de signos usados para a comunicação. A Linguística é, portanto,
uma parte dessa ciência geral; ela estuda a principal modalidade dos sistemas sígnicos,
as línguas naturais, que são a forma de comunicação mais altamente desenvolvida e de
maior uso (FIORIN, 2004, p. 17).
Posto isso, podemos dizer que a educação linguística de cada indivíduo começa no
início da sua vida, nas relações com outros indivíduos: família, escola e comunidade
em que está inserido, formando um conjunto de dialetos que compõem uma sociedade.
A educação, neste contexto atual, necessita de uma análise no que se refere ao cená-
rio das relações entre língua e sociedade, visto que ainda há um equívoco acerca dos
modos como se ensina a língua materna, que desrespeita a fala e o dialeto de cada
falante. Frente a esse cenário, é de grande relevância que o professor alfabetizador
tenha como cerne a sua formação continuada, em busca de aprender a aprender, ou
seja, aprender como ensinar a língua materna, buscando uma formação integral, para
que possa ensinar com propriedade, superando as velhas práticas pedagógicas de um
ensino mecanizado da tradição normativa da língua.
Isso acaba por resultar em uma rejeição por parte dos educadores alfabetizadores e
de ensino da língua materna – bem como dos documentos que regem as políticas de
ensino, como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de Língua Portuguesa e os
PCN do Ensino básico –, tendo esses educadores a dificuldade de dialogar com a ideia
66
de inovação, de interação com o novo, pois não foram apresentados a esse tipo de
reflexão em sua formação.
2
Corroborando com tal afirmação, temos alguns livros didáticos disponibilizados pelo
Ministério da Educação (MEC) que foram erroneamente interpretados. Um protótipo é
o livro didático para o ensino da Educação para Jovens e Adultos (EJA), lançado pela
Editora Global (Coleção Viver e Aprender1 – Para uma vida melhor), cuja proposta era
a de trabalhar as variedades linguísticas e estabelecer um novo modo de se ensinar
uma gramática mais reflexiva no que tange à linguística. O livro traz expressões como
“nós pega os peixe” ou “os menino pega o peixe” e é o único título de português que
circulou para esse segmento de ensino pelo Programa Nacional do Livro Didático para
a Educação de Jovens e Adultos do MEC.
É evidente que a norma padrão precisa ser ensinada ao longo do processo de alfabeti-
zação, entendendo-se, num sentido mais amplo, que alfabetizar não é somente ensinar
a ler e a escrever, mas criar condições para que a formação desse sujeito seja plena
e participativa na sociedade na qual ele está inserido, considerando-se as variedades
linguísticas existentes.
Esse trabalho implica a formação desse docente, que deve alicerçar-se numa pedago-
gia que se coloque contra o tradicionalismo – que ignora a profundidade da educação,
na busca de ideias e técnicas mais eficientes para a alfabetização de seus alunos –,
tendo como tarefa principal propiciar a educação linguística, oferecendo propostas teó-
ricas e práticas que visem o interesse e a necessidade do aluno, adequando, portanto,
a suas variedades linguísticas.
Com a compreensão dos modos pelos quais se processa a aprendizagem e sobre qual
modelo deve prevalecer para o pleno desenvolvimento dos sujeitos falantes, que fazem
uso de dialetos diferentes do português escrito, permite-se ao professor conhecer melhor
1
Viver, Aprender é uma coleção de livros dedicada à Educação de Jovens e Adultos (EJA) desenvolvida pela
ONG Ação Educativa, em parceria com a Global Editora. Voltadas à Alfabetização, ao Ensino Fundamental e
ao Ensino Médio, as obras trazem conteúdos atualizados e de acordo com as indicações presentes no PNLD,
definidas pelo Ministério da Educação. Vale ressaltar que o volume de Alfabetização pode ser adotado separa-
damente nas turmas do Programa Brasil Alfabetizado (PBA) e com alunos das escolas públicas que mantenham
turmas exclusivamente de alfabetização de jovens e adultos. O conteúdo desse volume e o do volume 1 do 1º
segmento – Cultura escrita, trabalho e cotidiano – é o mesmo.
Alfabetização e Letramento 67
As bases teóricas
seus alunos e seu universo linguístico, oferecendo materiais diversos, que não se restrin-
jam às variedades cultas, mas que ampliem o repertório de seus alunos. As instituições
2 formadoras desses alfabetizadores têm de rever as práticas desse profissional, para que
este tenha domínio da escrita e da linguagem para maior fonte de métodos e técnicas.
Muitos estados e municípios foram contemplados por esses programas, contudo, ainda
há muita resistência em aderir a eles e muitos dos que aderem desistem por falta de
incentivo do próprio governo ao atrasar o valor da bolsa estipulada para a engajamento
do professor, por exemplo.
SAIBA MAIS
O renomado pesquisador Luiz Carlos Cagliari falou à TV Imago sobre sua trajetória de pesquisa, alfabe-
tização, publicações e futuros projetos.
Assistam:
CONCLUSÃO
Nesta unidade, pudemos adensar a discussão sobre as contribuições da psicologia
para o processo de alfabetização, destacando a importância que as pesquisas da psi-
cologia trouxeram para o redimensionamento das práticas alfabetizadoras.
68
A proposta de se pensar a alfabetização como um processo discursivo, que se sustenta
na teoria histórico-cultural postulada por Lev Vigotski e seus colaboradores, surge para
trazer as relações como constitutivas para o desenvolvimento da escrita das crianças 2
na fase inicial da alfabetização. Destaca-se o papel do outro, a mediação – dos pares e
dos professores – colocando em perspectiva o ato de ensinar, de se ensinar uma escrita
em movimento, atendendo à sua função social.
Por fim, ao versar sobre influência da linguística para o trabalho com alfabetização, evi-
denciou-se a importância da escrita de textos espontâneos e o lugar que a leitura deve
ocupar no trabalho com a alfabetização, bem como a formação docente pautada nas
questões próprias da linguística, especialmente no que se refere às variações linguísti-
cas que encontramos no extenso território brasileiro.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1. BUSCARIOLO, A. F. V. T. O texto livre como contribuições da psicologia aos processos de
instrumento pedagógico na alfabetização de ensino e aprendizagem. São Paulo: Cortez, 1992.
crianças. 2015. 199 p. Dissertação (mestrado) - 11. GÓES, M. C. R. de; SMOLKA, A. L. B. A aborda-
Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de gem microgenética na matriz histórico-cultural: uma
Educação, Campinas, SP. Disponível em: http://www. perspectiva para o estudo da constituição da subje-
repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/254002. tividade. Cad. CEDES, Campinas, v. 20, n. 50, abr.
Acesso em: 27 ago. 2018. 2000, p. 9-25.
2. CAGLIARI, L. C. Alfabetização e Linguística. 12. GOULART, M. C. A apropriação da linguagem es-
São Paulo: Scipione, 1989. crita e o trabalho alfabetizador na escola. Cadernos
3. DECIETE, N. Tecendo os sentidos da alfabetiza- de Pesquisa, n. 110, p. 157-175, julho/ 2000.
ção: repercussões do letramento e das relações de 13. GOULART, M. C. Letramento e polifonia: um es-
ensino em foco. 2013. 126 p. Dissertação (Mestrado) tudo de aspectos discursivos do processo de alfabe-
- Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de tização. Rev. bras. de educ., n. 18, 2001.
Educação, Campinas, SP.
14. GOULART, M. C. Letramento e modos de ser
4. DEL RÍO, P.; ALVAREZ, A. Souvenirs du futur: l’ letrado: discutindo a base teórico metodológica de
héritage d’un Maitre. Bulletin de Psychologie, Pa- um estudo, set./dez. 2006.
ris, v. 426, p. 561-564, 1996.
15. GOULART, M. C. Práticas de letramento e im-
5. DI NUCCI, E. P. Alfabetizar Letrando: Um Desafio plicações para a pesquisa e para políticas de alfa-
para o Professor. In: LEITE, S. A. da S. (org.). Al- betização e letramento. In: MARINHO, Marildes,
fabetização e Letramento: Contribuições para as CARVALHO, Gilcinei T. (Org.). Cultura escrita e le-
Práticas Pedagógicas. Campinas, SP: Komedi: Arte tramento. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010.
Escrita, 2001.
16. GONTIJO, C. M. M. A apropriação da lingua-
6. FRADE, I. C. A. da S. Métodos e didáticas de gem escrita. Dissertação (Mestrado em Educação)
alfabetização: história, características e modos de - Programa de Pós-Graduação em Educação. UFES,
fazer de professores: caderno do professor - Belo Vitória – ES, 1996.
Horizonte: Ceale/FaE/UFMG, 2005. Acesso em: 25
de novembro de 2020. 17. GONTIJO, C. M. M. O processo de alfabetiza-
ção: novas contribuições. São Paulo: Martins Fon-
7. FERREIRO, E.; TEBEROSKY, A. Psicogêne- tes, 2002.
se da língua escrita. Porto Alegre: Artes Médicas,
1999. 18. GONTIJO, C. M. M. Alfabetização: a criança e a
linguagem escrita. Campinas, SP: Autores Associa-
8. FERREIRO, E. Reflexões sobre alfabetização. dos, 2003.
São Paulo: Cortez, 2001.
19. LOURENÇO FILHO M.B. Introdução ao estudo
9. FIORIN, J. L. Introdução à Linguística I Objetos da Escola Nova. São Paulo: Cia. Melhoramentos,
Teóricos. São Paulo: Contexto, 2004. 1930.
10. GÓES, M. C. R. de; SMOLKA, A. L. B. A criança 20. LURIA, A. R. O desenvolvimento da Escrita na
e a linguagem escrita: Considerações sobre a produ- Criança. In: Vigotski, L. S. Linguagem, Desenvol-
ção de textos. In: ALENCAR, E. S. de (org.). Novas vimento e Aprendizagem. Tradução de Maria da
Alfabetização e Letramento 69
As bases teóricas
Pena Villalobos, 11. ed. São Paulo: Ícone, 2010. A. L. B.; GÓES, Maria Cecília R. de. (Org.). A lin-
21. MEYER, J. F. da C. A., BERTAGNA, R. H. O en- guagem e o outro no espaço escolar: Vigotski e a
2 sino a ciência e o cotidiano. Campinas: Editora construção do conhecimento. Campinas, SP: Papi-
Alinea, 2006. rus, p. 33-63, 1993. (Coleção Magistério: Formação
e Trabalho Pedagógico).
22. MORTATTI, M. do R. L. O I Seminário Internacio-
nal sobre História do Ensino de Leitura e Escrita. In: 31. SMOLKA, A. L. B. Jogos de Imagens, espaço de
Maria do Rosário Longo Mortatti (Org.). Alfabetiza- diferença: uma análise das relações e das condições
ção no Brasil: uma história de sua história. São Pau- de desenvolvimento humano na instituição escolar.
lo; Marilia: Cultura Acadêmica, Oficina Universitária, In: Caderno de Resumos: 17 Intercâmbio de Pes-
2011. quisas em Linguística Aplicada (InPLA): Perspecti-
vas, Dimensões e Desafios da Linguística Aplicada.
23. NOGUEIRA, A. L. H. A atividade pedagógica e a São Paulo: PUC/SP, 2009.
apropriação da escrita. Dissertação (Mestrado em
Educação) - Faculdade de Educação, Universidade 32. SMOLKA, A. L. B.; NOGUEIRA, A. L. H. (org.)
Estadual de Campinas, Campinas, 1991. Questões de desenvolvimento humano: práticas
e sentidos. Campinas, SP. Mercado de Letras, 2010.
24. NOGUEIRA, A. L. H. Eu leio, ele lê, nós lemos:
processos de negociação na construção da leitura. In: 33. SILVA, F. M. da; SILVA, A. C. da. A psicogênese
SMOLKA, A. L. B.; GOES, M. C. R. de (Org.). A lin- da língua escrita: uma análise de suas contribuições
guagem e o outro no espaço escolar: Vigotski e a ao processo de alfabetização. REEDUC – UEG, Goi-
construção do conhecimento. Campinas: Papirus, ânia, v. 6, n. 1, p. 21-32, jan./jun. 2020. Disponível
1993. em: https://core.ac.uk/download/pdf/288225023.pdf.
Acesso em: 2 dez. 2020.
25. NOGUEIRA, A. L. H. (Org.). Ler e escrever na
infância: imaginação, linguagem e práticas culturais. 34. SOARES. M. B. As muitas facetas da alfabetiza-
Campinas: Leitura Crítica, 2013. ção. Cad. Pesq. São Paulo, n. 52, fev. 1985. p. 19-
24.
26. OLIVEIRA, M. K. de. Vigotski: Aprendizado e
Desenvolvimento: um processo sócio-histórico. São 35. SOARES, M. B. Letramento: um tema em três
Paulo: Scipione, 1997. gêneros. 2. ed. 3. reimpr. Belo Horizonte: Autêntica,
2001. [1998].
27. SMOLKA, A. L. B. Projeto de Incentivo à Leitu-
ra. Relatório de Atividades. Convênio, UNICAMP/ 36. TEBEROSKY, A. T.; COLOMER, T. Aprender a
MEC/SESU. Campinas, 1985. ler e a escrever. Porto Alegre: Artmed, 1985.
28. SMOLKA, A. L. B. A criança na fase inicial da 37. VIGOTSKI, L., S. Pensamento e linguagem.
escrita. São Paulo: Cortez, 1988. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
29. SMOLKA, A. L. B. A linguagem como gesto, como 38. VIGOTSKI, L. A formação social da mente. São
jogo, como palavra. Revista de Leitura: Teoria e Paulo: Martins Fontes, 1989.
prática, n. 5. Editora Mercado Aberto, RS, 1989. 39. ZUIN, P. B.; REYES, C. R. O ensino da língua
30. SMOLKA, A. L. B. A dinâmica discursiva no ato de materna: dialogando com Vygotsky, Bakhtin e Freire.
escrever: Relações oralidade escritura. In: SMOLKA, Aparecida: Ideias & Letras, 2010.
70
2
Alfabetização e Letramento 71
Os conceitos de alfabetização e de letramento nos documentos oficiais
UNIDADE 3
OS CONCEITOS DE ALFABETIZAÇÃO E DE
3 LETRAMENTO NOS DOCUMENTOS OFICIAIS
INTRODUÇÃO
Iniciaremos falando sobre o tema Gêneros Textuais, que, em nosso país, entrou em cena
a partir da implementação, em todo o território nacional, dos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCNs), em 1998, que consistem em um documento de orientação materialista
histórico-dialética. Esse documento, com base nas teorias e concepções sobre a lingua-
gem, o aprendizado e o desenvolvimento do sujeito de Vigotski e de Bakhtin, indica ao
professor uma prática reflexiva em textos – sejam eles do aluno, sejam eles de outros
autores – baseada numa das teorias dos gêneros textuais e na gramática reflexiva.
O trabalho com texto desde a fase inicial da escrita é um desafio, porém, mostra-se
bastante fecundo.
Alfabetização e inclusão são temas que vêm para fechar esta unidade. Discorreremos.
Primeiramente. sobre o conceito de inclusão e o que esse conceito carrega em termos
de mudanças de práticas em sala de aula, na busca por uma educação de qualidade
a todos. Na sequência, traremos algumas possibilidades do trabalho de alfabetização
para crianças com deficiência.
72
Até o final da década de 80, pouco se falava sobre “gêneros textuais” em território brasi-
leiro. Apenas linguistas e pesquisadores especialistas se debruçaram sobre esse tema.
Em 1998, com os Parâmetros Curriculares Nacionais se tornando documento orientador
obrigatório em todo país, os gêneros textuais passaram a integrar o campo educacional. 3
Nas pesquisas a respeito do tema: gêneros do discurso realizados no Brasil, Bakhtin é um
dos autores mais citados. Porém, podemos observar uma grande diversidade conceitual
em estudos embasados por sua análise dos gêneros. Isso resulta de uma concepção não
hegemônica do conceito de gêneros. Existe ainda, a questão das diferentes interpreta-
ções e apropriação dessa noção pelos estudiosos desse campo de conhecimento.
No entanto, os PCNs (1998), documento oficial, até a chegada da Base Nacional Co-
mum Curricular (BNCC), sustenta-se nas teorias e concepções sobre a linguagem vi-
gotskiana e bakhtiniana – é o que norteia o fazer pedagógico docente sobre essa ques-
tão do trabalho com gêneros textuais na escola. Esse documento indica ao professor
uma prática reflexiva e um intenso trabalho com o texto – seja ele autoral do próprio
aluno, seja ele de outros autores como suporte para o trabalho com a leitura – pautado
numa das teorias dos gêneros textuais e na gramática reflexiva.
Figura 01. Cena de leitura em sala de aula
Fonte: 123RF.
Na sociedade em que vivemos, textos fazem parte de nosso cotidiano: placas, bulas,
letreiros, revistas, murais, panfletos, mensagens de celular, livros, revistas, rótulos, en-
fim, uma infinidade de textos nos rodeiam.
Alfabetização e Letramento 73
Os conceitos de alfabetização e de letramento nos documentos oficiais
A ideia de gêneros textuais, postulada pelo linguista brasileiro Luiz Antônio Marcuschi
(2005), também referência, é a de que:
Fruto de trabalho coletivo, os gêneros contribuem para ordenar e estabilizar
as atividades comunicativas do dia a dia. São entidades sociodiscursivas e
formas de ação social incontornáveis em qualquer situação comunicati-
va. No entanto, mesmo apresentando alto poder preditivo e interpretativo das
ações humanas em qualquer contexto discursivo, os gêneros não são instru-
mentos estanques e enrijecedores da ação criativa. Caracterizam-se como
eventos textuais altamente maleáveis, dinâmicos e plásticos. Surgem apare-
lhados à necessidades e atividades socioculturais, bem como na relação com
inovações tecnológicas, o que é facilmente perceptível ao se considerar a
quantidade de gêneros textuais hoje existentes em relação a sociedades
anteriores à comunicação escrita. (MARCUSCHI, 2005, p. 20, grifos nossos)
Faz-se necessário destacar que os gêneros são dinâmicos e permeáveis, maleáveis, po-
dendo se moldar de acordo com as demandas sociais, bem como podem emergir gêneros
novos ao longo da história, muitas vezes substituindo gêneros anteriores, por exemplo, uma
mensagem de texto via celular ser a versão moderna do antigo bilhete. Novos gêneros não
são uma inovação absoluta, pois estão ancorados em outros gêneros já existentes.
Figura 02. Exemplos de gêneros que nasceram de outros gêneros
Alguns exemplos
Outro fator relevante a ser analisado nos estudos sobre gêneros textuais é o fato de que
eles podem se misturar entre si, ou seja, há uma hibridização, fato que ocorre quando
um gênero assume a função de outro.
Temos como exemplos desse hibridismo: um texto publicado numa revista científica é um artigo
científico, enquanto mesmo texto veiculado em um jornal diário é um artigo de divulgação cientí-
fica. Embora seja o mesmo texto, não tem a mesma classificação para a comunidade científica.
Na hierarquia de valores da produção científica, ocupam lugares distintos. A priori, o “mesmo
74
texto” e “mesmo gênero” não são automaticamente equivalentes, por não estarem no mesmo
suporte. O suporte, esse portador que carrega o texto, é de extrema importância. Marcuschi
(2003, p. 10) definiu o suporte de um gênero como “um lócus físico ou virtual, com formato
específico, que serve de base ou ambiente de fixação do gênero materializado como texto”. 3
Já os gêneros textuais referem-se às estruturas dos textos, sejam orais ou escritas. São so-
cialmente reconhecidas, pois são compostas por características comuns e intenções de co-
municação semelhantes. Os gêneros textuais são estruturas particulares que se formam a
partir dos diferentes tipos de texto. Essas estruturas dão forma aos textos e fazem com que
estes assumam um padrão. O que diferencia os gêneros textuais é o modo como cada um
cumpre sua função de comunicação de acordo com sua finalidade, estabelecendo um padrão.
É o gênero textual que nos dá pistas para que possamos distinguir um bilhete ou uma
carta de uma lista de compras ou um artigo, por exemplo.
GÊNEROS TEXTUAIS
Poesia
Reportagem
Resenha
Entrevista
Receita culinária
TIPOS TEXTUAIS
Narrativo
Descritivo
Dissertativo
Expositivo
Injuntivo
Alfabetização e Letramento 75
Os conceitos de alfabetização e de letramento nos documentos oficiais
Isso posto, podemos entender que um gênero textual, tal como um e-mail, pode encon-
trar uma variedade de sequências tipológica textuais: narrativa, injuntiva, expositiva,
argumentativa, entre outras. Cabe a ressalva de que o inverso também pode acontecer,
ou seja, um tipo textual pode estar associado a diversos gêneros.
A comunicação humana se dá por meio de textos. Bakhtin trouxe, pela primeira vez, o
conceito de gênero discursivo, definindo-o como “tipos relativamente estáveis de enun-
ciados” (BRAIT, 2006, p. 24).
Para o autor russo, a língua é viva, e, portanto, deve ser vista por meio do enunciado.
Os gêneros primários referem-se a situações comunicativas do dia a dia, espontâneas,
mais corriqueiras e informais, que sugerem uma comunicação imediata, normalmente
no âmbito familiar, por exemplo a carta, o bilhete, o diálogo cotidiano.
Os gêneros secundários, por sua vez, estão intimamente ligados à linguagem escrita,
que será trabalhada, oficialmente e intencionalmente, na escola, circulando nas esferas
mais públicas da sociedade.
Os gêneros secundários se constituem a partir dos gêneros primários, que fazem parte
da vida de qualquer sujeito, independentemente de seu grau de conhecimento sobre a
linguagem escrita formal. Os gêneros secundários, na maioria das vezes, são mediados
pela escrita e se evidenciam em situações comunicativas mais complexas, como em
uma palestra, em uma apresentação teatral, por exemplo. Os gêneros são os mesmos,
o que os diferencia, é o nível de complexidade em que se apresentam.
Os gêneros não são entidades naturais como as borboletas, as pedras, os rios
e as estrelas, mas são artefatos culturais construídos historicamente pelo ser
humano. Não podemos defini-los mediante certas propriedades que lhe devam
ser necessárias e suficientes. Assim, um gênero pode não ter uma determina-
da propriedade e ainda continuarem sendo aquele gênero. Por exemplo, uma
carta pessoal ainda é uma carta, mesmo que a autora tenha esquecido de as-
sinar o nome no final e só tenha dito no início: querida mamãe (MARCUSCHI,
2005, p. 30).
76
à demanda cultural, à tecnologia que surge, enfim, são plásticos, e atendem às
necessidades da sociedade.
Usamos muito mais a oralidade do que a linguagem escrita. Pela linguagem oral nos
comunicamos, pela fala é que participamos de uma roda de conversa na sala de aula,
por exemplo. É também por intermédio da fala que, muitas vezes, exigimos nossos
direitos como cidadãos, defendemos nosso ponto de vista, enfim, nos relacionamos.
“Quando falamos, fornecemos informações sobre a nossa identidade social e sobre as
nossas diversas competências em nos comunicar com pessoas/ públicos diferentes e
em situações distintas” (BENTES, 2012, p. 269).
Figura 03. Roda de conversa
Pensando na relação entre as linguagens oral e escrita, podemos dizer que há uma
complementaridade: gêneros orais e gêneros escritos se intercruzam, fundem-se. A
linguagem oral é, relativamente, não planejável, ou seja, o planejamento e verbalização
acontecem de forma simultânea.
Alfabetização e Letramento 77
Os conceitos de alfabetização e de letramento nos documentos oficiais
Podemos dizer que a fala e a escrita estão conjugadas nas práticas de oralidade e
letramento. Tanto o texto escrito carrega marcas típicas da oralidade como a oralidade
apresenta marcas do escrito.
A escola pode ensinar muito mais que comunicação ao desenvolver a oralidade, pro-
movendo situações nas quais o aluno tenha a necessidade de se expressar pela fala.
Figura 04. Exemplos de situações de oralidade que podem
ser trabalhadas em sala de aula
DEBATE ENTREVISTA
• Regras definidas previamente para que haja a • Pressupõe conhecimento prévio do entrevis-
participação dos interlocutores; tado e do interlocutor;
• Pode ser mais ou menos formal – importân- • Textos que se originam de práticas sociais e
cia da adequação da variante linguística ao circulam de geração a geração em sua modali-
público-alvo; dade oral. Exemplo: parlendas;
78
O trabalho com os gêneros orais também se mostra importante para o desenvolvimento
da criatividade. A capacidade de expressar suas ideias, defender seus pontos de vista,
argumentar, questionar, enfim, colocar-se enquanto sujeito de direitos, também faz
parte dos ensinos escolares. 3
Nas diversas situações sociais do cotidiano do indivíduo que se coloca fora dos muros
da escola – a busca de serviços, as tarefas profissionais, os encontros institucionaliza-
dos, a defesa de seus direitos e opiniões – os alunos serão avaliados (aceitos ou não),
à medida que forem capazes de responder a diferentes exigências de fala.
Marcuschi (2008, p. 18) afirma que – mais importante e urgente do que identificar prima-
zias ou supremacias entre oralidade e letramentos, e até mesmo mais urgente do que
observar oralidade e letramentos como simples modos de uso da língua – é a tarefa de
esclarecer a natureza das práticas sociais que envolvem o uso da língua, seja escrita
ou falada, de um modo geral.
EXEMPLO
Vejam situações com gêneros orais
Um pé de que – Formiga
Alfabetização e Letramento 79
Os conceitos de alfabetização e de letramento nos documentos oficiais
O ensino pautado nos gêneros textuais é uma oportunidade de lidar com a linguagem
oral e escrita nos seus mais diversos usos autênticos no dia a dia (MARCUSHI, 2005,
p. 73). O estudo dos gêneros nos permite compreender o que ocorre com a linguagem
quando a empregamos em uma determinada situação.
Os defensores dos gêneros textuais afirmam que usar os gêneros como instrumentos
de ensino na escola dá mais sentido ao fazer escolar, porque os aproxima da língua
que é usada em nosso cotidiano, da linguagem em movimento, seja em comunicações
formais ou informais.
Podemos ainda afirmar que a noção de gêneros se refere a “famílias” de textos que
compartilham algumas características comuns, embora heterogêneas, como visão ge-
ral da ação à qual o texto se articula, tipo de suporte comunicativo, extensão, grau de
literalidade, por exemplo, existindo em um número quase ilimitado.
80
As produções dos estudantes nos revelam muito sobre isso. Muitas vezes, as crian-
ças trazem em seus textos marcas como “era uma vez”, para iniciar o texto, ou “foram
felizes para sempre”, para finalizá-lo, o que nos remete, automaticamente, ao gênero
conto. Pensando nos gêneros orais, ao escutar a expressão “senhoras e senhores”, a 3
expectativa é a de ouvir uma apresentação de espetáculo, pois se sabe que nesses
gêneros essas marcas são características.
Dessa mesma forma, podemos reconhecer outros gêneros, como e-mails, cartas, re-
portagens, anúncios, poemas, notícias etc. O emprego dos gêneros textuais amplia
as possibilidades de trabalho com a língua em seus mais diversos usos e aponta para
novos caminhos possíveis para as práticas pedagógicas.
SAIBA MAIS
Leia: Os diferentes textos em salas de alfabetização. Ano 01; Unidade 05. In: Pacto Nacional pela
Alfabetização na Idade Certa Ministério da Educação Secretaria de Educação Básica Diretoria de Apoio
à Gestão Educacional Brasília 2012.
Dessa forma, o trabalho com a produção de texto pode ser mais significativo para o estu-
dante, pois é mediante a contextualização da escrita no processo de alfabetização que a
criança se torna capaz de se apropriar da linguagem escrita em seus múltiplos contextos.
Alfabetização e Letramento 81
Os conceitos de alfabetização e de letramento nos documentos oficiais
A linguagem escrita deve ser ensinada levando-se em conta as práticas sociais, prepa-
rando o educando para agir e entender diferentes situações de comunicação.
Por isso, o trabalho com o texto em sala de aula se torna essencial desde as etapas
mais iniciais de alfabetização – o texto como pretexto para que a criança se arrisque e
elabore suas hipóteses de escrita.
A escrita significativa – seja de uma lista de compras, um bilhete, uma receita para um
a culinária – torna-se o combustível para que a criança se interesse por essa apren-
dizagem e se alfabetize. Abaixo, temos uma lista elaborada durante uma aula-passeio
ao zoológico. Podemos observar que a escrita dos nomes dos animais encontrados
se torna significativa. A lista foi produzida a partir da proposta de se registrar o que se
observou na aula-passeio.
Figura 05. Aula-passeio e trabalho com gênero Lista
82
Figura 06. Correspondência interescolar
O texto livre, que pode ser compartilhado com a turma, como no caso a seguir, em que
o aluno escreveu seu texto, posteriormente, com a ajuda da professora, digitou-o, e o
mesmo foi disponibilizado a todos da turma para que fosse ilustrado.
Figura 07. Texto livre
Alfabetização e Letramento 83
Os conceitos de alfabetização e de letramento nos documentos oficiais
Essa escrita que circula, o convite à experienciar diferentes gêneros, torna fecundo o
trabalho de alfabetizar. De acordo com Orlandi (1999, p. 56), “o texto é uma unidade
significativa”, sabemos que, para a criança em fase inicial de alfabetização, faz muito
3 mais sentido um texto do que palavras ou sílabas escritas “soltas”.
O trabalho pedagógico a ser desenvolvido com textos em sala de aula pelo professor
exige esforço e tempo. O trabalho pedagógico com o texto requer idas e vindas, leituras,
releituras, reescritas, significações e ressignificações.
É preciso salientar ainda que, de acordo com o enfoque discursivo, um texto é pensado
à luz das condições concretas de produção, ou seja, a partir da consideração do con-
texto histórico-cultural e ideológico de maneira ampla, bem como a partir de condições
imediatas de enunciação.
Dessa forma, fatores como quem escreveu, quando escreveu, o que escreveu, como
escreveu, para quem escreveu e com qual finalidade escreveu são importantes para
o processo de atribuição, produção de sentidos e compreensão textual, uma vez que
assinalam o funcionamento da discursividade.
I - erradicação do analfabetismo;
84
Também na Legislação Educacional (pós/1988) notamos que as palavras alfabetiza-
ção e letramento não estão presentes no texto base da LDBEN/1996, mas estas ficam
subentendidas na forma da lei, pois, em seu artigo primeiro, parágrafo segundo, lemos
que: “A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social”, 3
e, em seu artigo 32, estabelece que
O ensino fundamental obrigatório, com duração de 9 (nove) anos, gratuito na
escola pública, iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade, terá por objetivo a for-
mação básica do cidadão, mediante: (Redação dada pela Lei n. 11.274, de
2006) I - o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios
básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo. (BRASIL, 1996,
Art. 32)
Ao longo dos anos delineados após a Constituição Federal Brasileira de 1988, outros
caminhos foram trilhados no campo da política de alfabetização.
A LDB, aprovada em 1996, determinou aos entes municipais e também aos estados e
à União a obrigatoriedade da matrícula de todas as crianças a partir dos sete anos de
idade e, facultativamente, a partir dos seis anos no ensino fundamental (VIEGAS; SCA-
FF, 2015) – já nesse momento a intenção do governo era a de incluir os educandos na
faixa etária de seis anos no ensino obrigatório.
Em 2005, o governo federal altera a redação dos artigos 6º, 30, 32 e 87 da LDB, por
meio da Lei nº 11.114/2005, com o objetivo de tornar obrigatório o início do ensino
fundamental aos seis anos de idade.
Em 2006, foi lançado o Programa de Apoio a Leitura e Escrita, chamado PRALER, que
tinha como objetivo principal a formação continuada para professores do ciclo I, de
forma a complementar as ações promovidas pelas secretarias de educação de cada
município ou estado (BRASIL, 2006, p. 27).
Alfabetização e Letramento 85
Os conceitos de alfabetização e de letramento nos documentos oficiais
Outro acontecimento correlato a isso foi a aprovação do Decreto nº 6.094, de 2007, que
implementou o “Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação”, pela União, em
regime de colaboração com municípios e estados, mediante programas de assistência
3 técnica e financeira. Com relação à educação infantil, este determina que:
I – estabelecer como foco a aprendizagem, apontando resultados concretos
a atingir;
86
‘chaga’, nem uma ‘erva daninha’ a ser erradicada, nem tampouco uma enfermidade,
mas uma das expressões concretas de uma realidade social injusta”. (FREIRE apud
FERRARO, 2009, p. 7)
3
Na mesma toada, buscando “formar melhor” os professores, em 2012 é lançado o Pac-
to Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), agora com ações e diretrizes
gerais de abrangência nacional. A União (art.1º) reafirma e amplia a meta prevista no
Decreto nº 6.094/2007 e determina nos documentos posteriores: alfabetizar as crianças
até, no máximo, os oito anos de idade, por intermédio da verificação de resultados ava-
liativos periódicos, abrangendo:
I - a alfabetização em língua portuguesa e em matemática;
III - o apoio gerencial dos estados, aos municípios que tenham aderido às
ações do Pacto, para sua efetiva implementação. (BRASIL, 2012, p. 1-2).
O PNAIC ainda traz, em seu art. 6º, um contingente de ações dimensionadas no sentido
de intensificar o processo: I – formação continuada de professores alfabetizadores; II
– materiais didáticos, literatura e tecnologias educacionais; III – avaliação, por meio da
Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA) e; IV – gestão, controle e mobilização social.
No campo das políticas públicas, temos a discussão da Base Nacional Comum Curricu-
lar (BNCC), que se iniciou em 2015 e foi oficializada e publicada em 2017.
Muitas questões foram levantadas sobre a BNCC: quanto tempo é necessário para al-
fabetizar? Qual a melhor maneira de ensinar a ler e a escrever? O que significa, no fim
das contas, estar alfabetizado?
Essas questões não foram totalmente resolvidas, apesar de o documento ter sido aprova-
do. O documento mantém os principais pressupostos presentes em diretrizes anteriores,
como os Parâmetros Nacionais Curriculares (PCNs), mas também incorpora mudanças.
Oficialmente, a BNCC não traz direcionamentos sobre as abordagens que devem ser
adotadas, mas existe uma perspectiva que está posta como “pano de fundo”: o trabalho
com algumas relações entre fala e escrita, a consciência fonológica, ganha relevo. O
documento justifica essa ênfase como um reconhecimento de que a apropriação do
sistema alfabético de escrita tem especificidades e colocando-a como foco principal
da ação pedagógica nos anos iniciais do Ensino Fundamental.
Alfabetização e Letramento 87
Os conceitos de alfabetização e de letramento nos documentos oficiais
Com relação ao método, a BNCC propõe a mescla de duas linhas de ensino: a primeira
indica para a centralidade do texto e para o trabalho com as práticas sociais de leitura
e escrita; a segunda, soma a isso o planejamento de atividades que permitam aos alu-
nos refletirem sobre o sistema de escrita alfabética (estudar, por exemplo, as relações
entre sons e letras e investigar com quantas e quais letras se escreve uma palavra, e
onde elas devem estar posicionadas ou como se organizam as sílabas)
[...] alfabetizar é trabalhar com a apropriação pelo aluno da ortografia do portu-
guês do Brasil escrito, compreendendo como se dá este processo (longo) de
construção de um conjunto de conhecimentos sobre o funcionamento fonológi-
co da língua pelo estudante. Para isso, é preciso conhecer as relações fono-or-
tográficas, isto é, as relações entre sons (fonemas) do português oral do Brasil
em suas variedades e as letras (grafemas) do português brasileiro escrito. Dito
de outro modo, conhecer a “mecânica” ou o funcionamento da escrita alfabéti-
ca para ler e escrever significa, principalmente, perceber as relações bastante
complexas que se estabelecem entre os sons da fala (fonemas) e as letras da
escrita (grafemas), o que envolve consciência fonológica da linguagem: perce-
ber seus sons, como se separam e se juntam em novas palavras etc. Ocorre
que essas relações não são tão simples quanto as cartilhas ou livros de alfa-
betização fazem parecer. Não há uma regularidade nessas relações e elas são
construídas por convenção. (BRASIL, 2017, p. 88)
Cabe a ressalva que, diferentemente dos PCNs, que ofereciam ao professor orienta-
ções didáticas e elementos para avaliação, a BNCC não trata dessa questão de ordem
prática. O documento se detém sobre a proposição das competências e habilidades
essenciais que todos os alunos devem desenvolver a cada ano da Educação Básica, ou
seja, o foco está em “o que ensinar”. A construção do “como ensinar” virá, futuramente,
nos currículos, cuja revisão está a cargo de redes, escolas e docentes.
Anterior à BNCC, o Plano Nacional de Educação (PNE), Lei nº 13.005 de 2014, vigente
até o ano de 2024, estabelece metas e estratégias para a alfabetização: “alfabetizar to-
das as crianças até o final do terceiro ano do ensino fundamental” (BRASIL, 2014, p. 57).
Nesse cenário, temos indícios de que as políticas de alfabetização no Brasil ainda têm
muitos desafios a enfrentar, especialmente com relação ao período compreendido
como ciclo da alfabetização. A “idade certa” é incompatível tanto com as metodologias
propostas quanto com as condições de trabalho docente, e, além disso, ela propõe um
ideal de aluno distante da realidade das periferias.
Há que se considerar o real da sala de aula, o vivido, as condições de vida das crianças,
a segurança alimentar, a saúde, o direito à moradia, a garantia de direitos, o acesso à
educação – que não é garantido apenas pela criança estar na escola –, a permanência
no espaço escolar. Para além da formação docente, as políticas públicas precisam olhar
para a valorização docente. O desmonte da educação é um fato.
88
3. ALFABETIZAÇÃO E A CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA
Para nós, professores, a inclusão é um tema que nos inquieta. Incluir é lidar com nos-
sas próprias limitações, é nos assumirmos como professores capazes e especializados
em todos os alunos. Trabalhar com o diferente é encarar uma postura reflexiva sobre
nossas práticas, é lidar com o desconhecido (que muitas vezes nos assusta), é desafio,
é trabalho, é estudo, é busca!
Nos últimos anos, a inclusão escolar vem sendo bastante discutida no âmbito educa-
cional, visto que a educação é um fator de extrema importância para a formação do
indivíduo e da sociedade como um todo.
De acordo com Werneck (2000, p. 93), no cenário educacional, a busca de uma escola
que atendesse a todos foi documentada pela primeira vez no México, em 1979. Naquela
ocasião, por iniciativa da Unesco, foi assinado, por um grupo de países, o Projeto Princi-
pal de Educação. Esse projeto tinha por objetivo delinear e adotar medidas que fossem
capazes de combater a elitização da escola na América Latina.
Alfabetização e Letramento 89
Os conceitos de alfabetização e de letramento nos documentos oficiais
Além desse avanço, o Artigo 208, Inciso III, de nossa Constituição, assegura “[...] o
atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmen-
te na rede regular de ensino”.
O direito à inclusão de alunos com deficiência ao ensino comum, também está con-
templado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, 1994), na qual se
enfatiza também que o processo educacional desses alunos deve ocorrer “preferencial-
mente” na rede regular de ensino, buscando oferecer uma educação que seja capaz
de promover o desenvolvimento integral do educando, formando pessoas produtivas e
preparadas para viver em sociedade.
A proposta de inclusão traz contribuições para todos, pois, mesmo os alunos “normais”,
na escola inclusiva passam a ter acesso a papéis sociais distintos, perdem o medo e o
preconceito em relação ao diferente, desenvolvendo a cooperação e podendo adquirir
grande senso de humanidade, além de serem preparados para a vida, visto que, desde
cedo, assimilam que as pessoas, as famílias e os espaços sociais não são homogêneos
e que as diferenças são enriquecedoras para o ser humano em geral.
Já os alunos com deficiência aprendem e crescem com seus pares, sujeitos mais expe-
rientes, sentindo-se parte da sociedade, podendo encarar suas diferenças como algo
que nos aproxima, que nos faz crescer, entendendo que todos nós somos diferentes,
únicos, mas nunca inferiores.
90
Muitas escolas até defendem um discurso histórico-cultural que valoriza as potenciali-
dades do educando, mas, na prática, continuam a massificar o ensino, segregando os
indivíduos que “fogem do padrão” ideal.
3
A educação inclusiva é necessariamente “para” e “com” as diferenças. A inclusão esco-
lar é um projeto onde cabem todos!
Cabe à escola permitir que o aluno participe ativamente do seu processo de aprendiza-
gem, capacitando-o a digerir as informações, questionando-as, criticando-as.
Incluir significa muito mais do que aceitarmos crianças com deficiências ou outras dificulda-
des de aprendizado em nossas salas de aula, a proposta de inclusão vem para descons-
truir os paradigmas que há séculos sustentam as escolas, rompendo barreiras, mudando
as estruturas desta escola que direciona olhares, prioriza o ensino frontalizado – no qual
o professor é o centro e detentor de todo o saber – que desconsidera a individualidade do
educando e todas as relações por ele estabelecidas para além dos muros da escola.
Os benefícios trazidos pela prática inclusiva de educação não se limitam aos alunos com
deficiência, ao contrário, criam condições para que os talentos e capacidades individuais
contribuam para o trabalho de todos os educandos. E ainda possibilita a todos o respeito
e a valorização dessa diferença como algo que nos aproxima, enquanto seres humanos,
além de promover o encontro entre todos, crianças com ou sem deficiência, mostrando
que todos têm talentos, habilidades e fraquezas. Diferentes somos todos nós!
Alfabetização e Letramento 91
Os conceitos de alfabetização e de letramento nos documentos oficiais
Quando chegou o mês de abril, recebemos na turma uma criança com síndrome
de Down (que chamaremos de Pedro), que, além do quadro característico da sín-
drome, também apresentava um comportamento impulsivo e agressivo. Em nossas
rodas de conversa e nas reuniões de Jornal de Parede, surgiam os comentários
das próprias crianças, questionando e até mesmo reclamando dessas situações.
Conversávamos muito sobre a importância de resolver os problemas por meio do
diálogo. Fizemos alguns combinados e o principal deles era de que o João, que
no início do ano mostrava dificuldades em lidar com suas emoções, passaria a ser
ajudante de Pedro.
Sua função enquanto ajudante era justamente mostrar para o amigo como deve-
mos fazer quando a gente fica bravo: que não podemos sair gritando, empurrando
e batendo nos outros. Com esse combinado, assumido com muita responsabilida-
de pelo João, ajudando o outro, ele estava na verdade se ajudando, crescendo e
aprendendo sobre si mesmo. Foi muito interessante ver esse movimento todo, o
esforço que ele fazia para se conter e dar “um bom exemplo” ao amigo. Seu em-
penho era nítido! Podíamos notar em seus olhinhos, no seu tom de voz, o quanto
ele se policiava, continha-se, para não deixar que a raiva, a braveza e a irritação
transparecessem para seu amigo.
Outra situação que explicita a importância dessa convivência entre crianças com
deficiências e crianças ditas “normais” também aconteceu nessa turma de 1ª série.
Durante os trabalhos em ateliês, um grupo estava fazendo uma lista de animais ma-
míferos. Pedro estava no ateliê de jogos, utilizando materiais variados para formar
sequências. Ele trabalhava nisso ajudado por um outro colega. Num outro ateliê,
o grupo trabalhava na elaboração de uma lista com nomes de animais mamíferos,
discutindo e anotando todas as informações que conseguiram sobre o tema.
92
Fiquei muito surpresa e feliz, pois ele me mostrou o quanto estava presente na turma!
São essas surpresas que nos fazem acreditar em nosso trabalho, acreditar no
quanto é urgente lutarmos para que a inclusão aconteça, rompendo barreiras, 3
transformando nossas práticas!
Em minha experiência docente, também pude notar que a inclusão escolar, a partir
de concepções freinetianas de educação, tem como base o trabalho, a cooperação, a
autonomia e a livre expressão, respeitando o caminho das descobertas, minimizando a
competitividade, reconhecendo e valorizando as habilidades de cada um, trabalhando
essencialmente com a diferença, como algo que nos identifica e nos aproxima.
O relato acima nos mostra que as crianças com deficiência necessitam de ações me-
diadas, dos agentes mediadores, da postura de mediação do professor, sempre em
interação com crianças ditas normais. Na medida em que esse processo se consolida,
alunos “normais” tornam-se também mediadores para seus colegas com deficiência, e
a educação se redimensiona. A inclusão exige novas posturas, nas quais a interação
social é imprescindível.
É importante destacar que não há uma receita para que a criança com deficiência se
alfabetize, por inúmeras razões: existe uma gama de deficiências muito diversa em
nossas escolas – crianças surdas, cegas, com paralisia cerebral, autistas, síndrome de
Down, disléxicas – enfim, e ainda pensando no indivíduo, temos que considerar suas
especificidades, visto que nem todas as crianças autistas se alfabetizam da mesma ma-
neira, por exemplo. A deficiência não estabelece uma forma universal de aprendizagem,
ela deve ser compreendida frente às demandas culturais que as produzem.
A tecnologia pode dar novas condições às pessoas com deficiência, mas é importante
considerar também a pertinência dos instrumentos às especificidades da deficiência.
Proclamar a validade da ferramenta independentemente do caso é privilegiar a técnica
a despeito das condições da pessoa.
Vamos pensar em algumas situações que podemos encontrar em nossas salas de aula.
A primeira delas, a deficiência motora.
A deficiência motora caracteriza-se pelos impedimentos nos movimentos e na
coordenação de membros e/ou de cabeça, em que a pessoa necessitará de
adaptações que garantam a acessibilidade motora, ou seja, o seu acesso a
todos os espaços, serviços e instituições. Isso significa que é preciso permitir
tanto o acesso aos espaços físicos, com uma estrutura arquitetônica apropria-
da, garantindo a autonomia e independência da pessoa, como também de uma
prática pedagógica que considere as especificidades da criança. (BRASIL,
2012, p. 10)
Alfabetização e Letramento 93
Os conceitos de alfabetização e de letramento nos documentos oficiais
Nesse caso, para facilitar o trabalho com a leitura e escrita, algumas alternativas estão
disponíveis e podem ser construídas, por exemplo: o uso de pranchas de comunicação,
do computador, de lápis e canetas adaptados etc.
3
Figura 08. Teclado adaptado para escrever no computador
Fonte: http://emag.governoeletronico.gov.br/cursodesenvolvedor/introducao/tecnologia-assistiva-teclados-de-mouses-
adaptados.html. Acesso em: 25 jan. 2021.
Em situações de crianças não verbais, ou seja, que não se comunicam pela fala, o uso
de pranchas de comunicação alternativa pode ser um caminho para a comunicação da
criança, bem como pranchas alfabéticas e de palavras, a construção de cartões de co-
municação, símbolos de comunicação pictórica, vocalizadores e computadores.
A expressão “comunicação alternativa” e/ou “comunicação suplementar” vem
sendo utilizada para designar um conjunto de procedimentos técnicos e meto-
dológicos direcionado a pessoas acometidas por alguma doença, deficiência
ou alguma outra situação que impede a comunicação com as demais pessoas,
por meio dos recursos comumente utilizados, mais especificamente a fala. A
Tecnologia Assistiva tem se constituído como um recurso que pode contribuir
significativamente para a comunicação e interação dessas pessoas. Assim,
destacamos a Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA), que faz parte
da área da Tecnologia Assistiva, destinada à ampliação de comunicação de
pessoas sem fala ou sem escrita funcional ou em defasagem entre sua neces-
sidade comunicativa em falar e/ou escrever. (BRASIL, 2014, p. 22-23)
94
Figura 09. Prancha de comunicação alternativa, material do acervo da autora
Atualmente, existem tablets com programas específicos para que a professora, junto
com a criança, selecione os ícones para que a comunicação entre ela e a turma se dê
de forma eficiente.
A escolha de recursos para trabalhar com as crianças com deficiência deve ser feita de
forma bastante criteriosa pelo professor, que precisa conhecer e avaliar as possibili-
dades físicas do aluno: acuidade visual e auditiva; habilidades perceptivas; habilidades
motoras – preensão manual, flexão e extensão, de membros superiores, habilidade
Alfabetização e Letramento 95
Os conceitos de alfabetização e de letramento nos documentos oficiais
96
quando falamos do lúdico e de como ele é fundamental para a aprendizagem
das crianças, estamos pensando que as crianças surdas ou cegas também
devem brincar, jogar e explorar essas potencialidades do lúdico em suas vidas
e durante sua escolarização. Quando sugerimos que um tipo de material seja
usado, por exemplo, os Blocos Lógicos, então esse material deve ser usado 3
com todas as crianças, sendo proveitoso de diferentes maneiras para aquelas
com deficiência intelectual ou paralisia cerebral. De outro lado, quando nos
aprofundarmos nos recursos tecnológicos disponibilizados para a Educação
Inclusiva, é importante que o professor perceba o quanto esses materiais po-
dem ser úteis para todos os alunos, nas aulas do dia a dia. De fato, só quan-
do conseguirmos agir naturalmente dentro dessa via de mão dupla, sem nos
preocuparmos com estratégias especiais para a matemática ou a linguagem
ou a geografia... só então é que estaremos vivenciando, em nós mesmos, a
inclusão. (BRASIL, 2014, p. 6)
A deficiência, seja ela em que grau for, causa impacto no ambiente e poderá ser fonte
geradora de possibilidades ou limitações. Portanto, todo trabalho seria para superar as
dificuldades e encorajar o aluno para que se desenvolva ao máximo, respeitando os
seus limites, porém, não o deixando estagnado.
Segundo Vigotski (2009, p. 134), a experiência da criança deve ser ampliada para pro-
porcionar uma base sólida à atividade criativa. Quanto mais a criança aprende, quanto
maiores e expressivas forem suas experiências, mais capaz ela será de processar dife-
rentes aprendizagens.
Alfabetização e Letramento 97
Os conceitos de alfabetização e de letramento nos documentos oficiais
Figura 11. Aluno com síndrome de Down realizando atividades com sua turma
Fonte: 123RF.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. BENTES, Anna C. Linguística textual. In: MUSSA- 2007.
LIM, Fernanda; BENTES, Anna C. (Org.). Introdução 9. BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
à linguística: domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez, Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.
2012. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/
2. BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, l9394.htm. Acesso em: 27 jan. 2021.
Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins 10. BRASIL. Lei nº 11.114, de 16 de maio de 2005. Al-
Fontes, 2003, p. 261-306 tera os arts. 6º, 30, 32 e 87 da Lei nº 9.394, de 20 de
3. BRAIT, B. (Org.). Bakhtin outros conceitos-chave. dezembro de 1996, com o objetivo de tornar obrigatório
São Paulo, Contexto, 2006. o início do ensino fundamental aos seis anos de idade.
4. BRASIL. Ministério da Educação, Secretaria da Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
Educação Básica. Orientações Gerais para Rede Na- ato2004-2006/2005/lei/l11114.htm. Acesso em: 27 jan.
cional de Formação Continuada de Professores da 2021.
Educação Básica. Brasília, 2005. 11. BRASIL. Lei nº 11.274, de 6 de fevereiro de 2006.
5. BRASIL. Ministério da Educação. Pacto Nacional Altera a redação dos arts. 29, 30, 32 e 87 da Lei nº 9.394,
pela Alfabetização na Idade Certa: Educação Inclusi- de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretri-
va. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Bá- zes e bases da educação nacional, dispondo sobre a
sica, Diretoria de Apoio à Gestão Educacional. - Brasília: duração de 9 (nove) anos para o ensino fundamental,
MEC, SEB, 2014. com matrícula obrigatória a partir dos 6 (seis) anos de
idade. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/cci-
6. BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional vil_03/_ato2004-2006/2006/lei/L11274.htm. Acesso em:
Comum Curricular – educação é a base. 3ª versão. Mi- 27 jan. 2021.
nistério da Educação. Brasília: SED/CONSED/UNDIME,
2017. 12. BRASIL. Ministério da Educação. Elementos con-
ceituais e metodológicos para definição dos direitos
7. BRASIL. Constituição da República Federativa do de aprendizagem e desenvolvimento do ciclo de al-
Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov. fabetização: (1º, 2º e 3º anos) do ensino fundamental.
br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm. Acesso em: Brasília, DF: MEC/SEB, 2012.
15 dez. 2020.
13. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de
8. BRASIL. Decreto nº 6.094, de 24 de abril de 2007. Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Na-
Dispõe sobre a implementação do Plano de Metas cionais: 1º e 2º ciclos do ensino fundamental. Brasília:
Compromisso Todos pela Educação. Brasília, DF: MEC, MEC, 1998.
98
14. BRASIL, Ministério da Educação e Desporto. Secre- BEZERRA, M. A. (Org.). Gêneros textuais e ensino. 2.
taria de Educação Fundamental. Parâmetros Curricu- ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2003.
lares Nacionais: arte. Brasília: MEC/SEF, 1997. 29. MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de
15. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da Edu- gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola Edito-
cação Básica. Fundamentos pedagógicos e estrutura rial, 2008. 3
geral da BNCC. Brasília, DF, 2017. 30. MARCUSCHI, L. A. Gêneros Textuais: configuração,
16. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de dinamicidade e circulação. In: KARWOSKI, A. M.; GAY-
Educação Básica. Diretrizes curriculares nacionais para DECZKA, B.; BRITO, K. S. (Org.). Gêneros textuais, re-
a educação infantil / Secretaria de Educação Básica. – flexões e ensino. 2. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2006.
Brasília: MEC, SEB, 2010. 31. MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais: definição e
17. FERRARO, A. R. História inacabada do analfabe- funcionalidade. In: DIONÍSIO, A. P.; MACHADO, A. R.;
tismo no Brasil. São Paulo: Cortez; BBHEB, 2009. BEZERRA, M. A. (Org.). Gêneros textuais e ensino. 3.
18. FERREIRA, J. R. A nova LDB e as necessi- ed. Rio de Janeiro: Lucerna, p. 19-36, 2005.
dades educativas especiais. Cad. CEDES [on- 32. MARCUSCHI, L. A. O papel da atividade discursiva
line]. v. 19, n. 46, p. 7-15, 1998. Disponível em: no exercício do controle social. Cadernos de Lingua-
https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_abstrac- gem e Sociedade, v. 7, p. 7-33, 2004/2005. Disponí-
t&pi1-32621998000300002&lng=en&nrm=iso&tlng=pt. vel em: https://periodicos.unb.br/index.php/les/article/
Acesso em: 15 dez. 2020. view/9697/8564. Acesso em: 15 dez. 2020.
19. FERREIRA, J. R.; FERREIRA, M. C. Sobre inclusão, 33. MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de
políticas públicas e práticas pedagógicas. In: GÓES, M. gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola Edito-
C. R.; LAPLANE, A. L. F. (Org.). Políticas e práticas de rial, 2008.
educação inclusiva. Campinas: Autores Associados, 34. ORLANDI, E. Análise de discurso: princípios e pro-
2004. cedimentos. Campinas: Pontes, 1999.
20. FREINET, C. Para uma escola do povo: guia práti- 35. ORLANDI, E. A linguagem e seu funcionamento:
co para a organização material, técnica e pedagógica da As formas do discurso. 4. ed. Campinas: Pontes, 2006.
escola popular. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
36. FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de
21. GERALDI, J. W. (Org.). O texto na sala de aula. 4. Janeiro: Paz e Terra, 1987.
ed. São Paulo: Ática, 2006.
37. SCHNEUWLY, B.; DOLZ J. Gêneros orais e escri-
22. GERALDI, J. W. Portos de passagem. 5. ed. São tos na escola. São Paulo: Mercado das Letras, 2004.
Paulo: Martins Fontes, 2013.
38. SILVA, S.; VIZIM, M. Educação Especial: Múltiplas
23. LUCACHINSKI, E. S.; TONDIN, C. F. Alfabetização Leituras e Diferentes Significados. Campinas: Mercado
de crianças com deficiência e redução das desigualda- de Letras: ALB, 2001. 191p.
des no âmbito do pacto nacional pela alfabetização na
idade certa. Revista da FAEEBA – Educação e Con- 39. SEAL, A. G. de S. Estratégias de ensino na alfabeti-
temporaneidade, Salvador, v. 25, n. 45, p. 217-234, jan./ zação da pessoa cega e com baixa visão. In: BRASIL.
abr. 2016. Disponível em: https://revistas.uneb.br/index. Ministério da Educação. Caderno de Educação Espe-
php/faeeba/article/viewFile/2296/1602. Acesso em: 15 cial: A alfabetização de crianças com deficiência: uma
dez. 2020. proposta inclusiva. Brasília, DF: MEC/SEB, 2012. p. 21-
27.
24. MANTOAN, M. T. E. (Org.). Caminhos pedagógi-
cos da inclusão: como estamos implementando a edu- 40. SOARES, M. Letramento: um tema em três gêne-
cação (de qualidade) para todos nas escolas brasileiras. ros. Belo Horizonte: Autêntica, 1998.
São Paulo: Memnom, 2001a. 41. VIEGAS, E. R. dos S.; SCAFF, Elisangela Alves da
25. MANTOAN, M. T. E. (Org.). Pensando e fazendo Silva. Políticas de avaliação educacional e formação
educação de qualidade. São Paulo: Editora Moderna, continuada de professores. Revista diálogo educacio-
2001b. nal, v. 15, n. 14, p. 111-131, 2015. Disponível em: https://
periodicos.pucpr.br/index.php/dialogoeducacional/arti-
26. MANTOAN, M. T. E. Inclusão escolar: o que é? por cle/view/5068/14691. Acesso em: 15 dez. 2020.
quê? como fazer? São Paulo: Moderna, 2006.
42. VIGOTSKI, L. S. Imaginação e criação na infância.
27. MARCUSCHI, L. Da fala para a escrita: atividades São Paulo: Ática, 2009.
de retextualização. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2001.
43. WERNECK, C. Ninguém mais vai ser bonzinho na
28. MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais: definição e sociedade inclusiva. 2. ed. Rio de Janeiro: WVA, 2000.
funcionalidade. In: DIONÍSIO, A. P.; MACHADO, A. R.;
Alfabetização e Letramento 99
Teoria e prática
UNIDADE 4
TEORIA E PRÁTICA
INTRODUÇÃO
Nesta unidade, abordaremos, primeiramente, Letramento e Métodos de alfabetização,
discorrendo sobre os principais métodos de alfabetização e orientação teórica.
E, para finalizar esta unidade, dissertaremos acerca das atividades práticas, as possi-
bilidades de trabalho com as crianças na fase inicial da escrita, com o intuito de instru-
mentalizar os leitores sobre os modos de ensinar, de modo a enfatizar a organização da
sala para o trabalho com alfabetização.
Os métodos analíticos, também conhecidos como métodos globais, partem do todo para as
partes, numa busca por uma ruptura com a decodificação e decifração.
100
de aula, ao chamado “ambiente alfabetizador”, à seleção de materiais de apoio e aos modos
de ensinar. A escolha sobre o melhor método refere-se aos procedimentos de ensino – são to-
madas de decisões pautadas nos conteúdos de alfabetização que se quer ensinar e no conhe-
cimento docente acerca dos processos de elaboração das crianças sobre a linguagem escrita.
4
1.1. MÉTODO ALFABÉTICO E DE SOLETRAÇÃO
Método alfabético é um dos mais antigos – usado desde a Antiguidade até o século XIX, em
diversos lugares que usam o sistema de escrita alfabética. Esse método se pauta no princípio
geral dos métodos sintéticos de centrar a atenção do aprendiz em unidades menores e abs-
tratas a serem combinadas progressivamente.
Sua proposta é aprender, primeiramente, os nomes das letras do alfabeto, identificar cada
letra fora da ordem que ela ocupa no alfabeto, decorar algumas sílabas, realizar a soletração
e, posteriormente, tentar redescobri-las em palavras ou textos, a partir da soletração – com
separação por hifens ou espaços que vão guiando a verbalização. Tradicionalmente, encon-
tramos o uso das expressões: Cartas de letras” ou “Cartas do ABC”, “Cartas de sílabas” e
“Cartas de nomes” em referência à sequência em que a soletração é trabalhada.
A prática de soletração consiste em dizer o nome das letras ao visualizar sílabas e palavras,
com o objetivo de traduzir em sons uma palavra visualizada. No entanto, a pronúncia do nome
da letra, desvinculada de um contexto, cria um gap entre a criança e o significado da palavra
que é soletrada.
ABC do Sertão
Compositores: Luiz Gonzaga / Zedantas
O uso de silabários também é comum nesse método. Os silabários, que são tabelas
com diferentes sílabas escritas, variam de acordo com a região e o número de sílabas
que se quer apresentar aos alunos. As sílabas são aprendidas como uma sequência
de letras que são soletradas e, frequentemente, colocava-se os alunos para cantarem
as sílabas, tendo em vista um trabalho mais lúdico e menos maçante, já que as sílabas
4
eram trabalhadas fora de contexto real de uso.
Cabe destacar que ensinar o alfabeto é essencial para o trabalho com alfabetização,
porém, esse conhecimento pode ser abordado de outras maneiras menos mecânicas.
A ideia é a de que a consoante só pode ser enunciada se tiver a vogal como apoio. As-
sim, a sílaba serve como unidade linguística para o trabalho com alfabetização. A tarefa
com esse método consiste em escolher a ordem de acordo com o grau de dificuldade –
ou seja, das sílabas mais fáceis para as mais complexas – para apresentar às crianças.
Como podemos observar nas cartilhas, o trabalho se inicia com as vogais, depois, com
encontros vocálicos, para, então, partir para as sílabas simples.
Figura 01. Página da cartilha Caminho Suave, de Branca Alves de Lima
102
Na sequência do trabalho com as vogais e famílias silábicas, são apresentadas as famílias
silábicas compostas – primeiramente, pelas sílabas simples, formadas por consoantes e
vogais, como: BA, BE, BI, BO, BU. Aos poucos, frases curtas são introduzidas e depois
textos simples, partindo da combinação de sílabas que já foram trabalhadas anteriormente.
O sentido do texto parece pouco importar, o foco é a sílaba, uma professora disse: 4
“Quando eu era criança não me conformava com a ‘lição do GI’, o texto era:
‘Gina ganhou um gira-gira e Gigi ganhou uma girafa’, eu pensava: que foi
que a coitada da Gigi fez para ganhar uma girafa, que vai dar mais trabalho
do que diversão, legal é ter um gira-gira”.
* Relato retirado do Diário de Campo de Estágio da autora. Entrevista com pro-
fessora alfabetizadora realizada em 19 de junho de 2002.
Esse método nasce como uma reação às fortes críticas que o método de soletração
vinha recebendo. Ganha destaque quando passa a ser trabalhado por Montessori, na
Itália, em 1907.
O trabalho com o método fônico começa pela forma e som das vogais e, posteriormen-
te, das consoantes. Cada letra, conhecida como grafema, é ensinada como um som,
chamado de fonema, que se juntam a outros fonemas, formando sílabas e palavras. Os
sons também devem ser ensinados dos mais simples aos mais complexos.
Figura 02. Capa de cartilha. Método Misto de Ensino da Leitura e da Escrita e História da Abelhinha – Guia
do Mestre, de Almira Sampaio Brasil da Silva, Lúcia Marques Pinheiro e Risoleta Ferreira Cardoso, 1973
Uma importante crítica a esse método refere-se ao fato de que, na língua portuguesa,
há poucas relações diretas entre letras e sons, pois uma mesma letra pode representar
diferentes sons, segundo sua posição, assim como um mesmo som pode ser represen-
tado por diferentes letras, também segundo sua posição. Desta forma, o sistema de
escrita é uma representação complexa e suas particularidades precisam ser compreen-
didas pela criança por meio de diversas abordagens e estratégias.
104
Nomes importantes, como Claparède (1933), Decroly (1932) e Freinet (1978), mostram-
-se a favor desse método global para o ensino da linguagem escrita.
PONTOS DE CONVERGÊNCIA
O aprendizado da escrita não pode ser feito por fragmentos de palavras, mas
por seu significado.
No geral, o trabalho com esse método parte de um texto em que a criança memoriza o
sentido global do que foi “lido” e, partindo disso, são analisadas as frases e encontradas
as palavras, comparando-se, então, as suas composições silábicas.
Os autores, partidários da memorização pelo delineamento gráfico, defendem ser essa es-
tratégia cognitiva “natural” ao ser humano. Como estratégia de trabalho, são empregados
procedimentos tais como: cartões para fixação – com palavras de um lado e figuras de outro
– e atividades para o ensino do traçado de escrita de cada palavra, entre outros. Cabe a
ressalva de que o recurso visual de ilustração nem sempre é consensual entre os defenso-
res desse método, visto que preconiza a memorização de um conjunto de palavras. Alguns
autores defendem que o aluno deve ligar a ideia à forma e, assim, a palavra se desenhará.
106
ser uma frase. Esse texto é lido, algumas vezes copiado no caderno ou no livro da vida
e, muitas vezes, impresso. Freinet usava um tipógrafo, atualmente máquinas de escre-
ver e impressoras são utilizadas. Muda-se o suporte, mas permanece a essência: a do
texto circular entre as crianças e na comunidade escolar.
O trabalho com o texto pode acontecer de outras maneiras, por exemplo, ser registrado em 4
uma folha grande e ser recortado em tiras, para ser remontado pelos alunos ou ser digitado
pelo professor, para, posteriormente, ser trabalhado pela turma, como veremos no quarto
tópico desta unidade ao abordarmos as práticas dos professores alfabetizadores.
O uso da imprensa em sala de aula ganha relevo no Método natural de Freinet. Nessa
pedagogia, as crianças escrevem porque é preciso – é a escrita em movimento – para:
um jornal escolar, uma correspondência, um texto livre que será impresso e não apenas
para cumprir uma atividade escolar, elas escrevem para interlocutores reais. Percebe-
-se, assim, que a produção de textos visava a cumprir uma função social, contribuindo
para uma vivência democrática na escola.
108
Figura 05. Tabela com aniversariantes da turma
A sala de aula com os materiais que contenham escrita mais explícitos para o ensino –
como livros, alfabeto, calendário, cartazes de atividades – é um ambiente alfabetizador,
mas não só, pois a escola pode ser toda pensada para oferecer estímulos à leitura e
escrita, por exemplo, o quadro no refeitório onde o cardápio do dia é escrito.
Figura 06. Cartazes de parlenda e também calendário
Fonte: 123RF.
Um texto não precisa ser extenso, podendo ser longo ou curto, desde um romance até
uma placa de trânsito, uma palavra pode ser um texto. A placa escrita “PARE” é um
texto, em que se tem uma função comunicativa de orientar uma ação.
Destacar a linguagem escrita nos espaços escolares é algo simples, por exemplo, a
identificação das salas de aula, banheiros, armários, utilização de cardápio, placas in-
dicativas, cartazes, horários, além, é claro, das produções das crianças, como mostram
as imagens abaixo:
110
Figura 08. Textos e desenhos elaborados pelas crianças pregados na parede da sala
Figura 09. Painel de textos livres de autoria das crianças exposto no corredor da escola
Os materiais expostos devem ser organizados de maneira que a criança tenha acesso
e manipule os materiais escritos com facilidade, bem como as letras precisam estar
visíveis para a criança.
Figura 10. Alfabeto para consulta e exploração ao alcance da criança
4
Fonte: 123RF.
Para as crianças em processo de alfabetização, é importante que a maior parte dos mate-
riais sejam escritos com letra maiúscula nos espaços escolares. Não que seja proibido ter
placas e informações com outros tipos de letras, porém, o tipo de letra bastão e em caixa
alta é o mais recomendado para crianças na fase inicial da escrita, como explicitaremos
mais adiante nesta unidade. Já o apoio das imagens em conjunto com a escrita auxilia nas
inferências que a criança fará frente ao texto, antecipando informações do seu conteúdo.
Outro aspecto relevante acerca da escolha dos materiais que circulam na escola se re-
fere à utilização de “textos do mundo”, “textos reais”, ou seja, aqueles textos que circu-
lam socialmente. A escola não deve se limitar a utilizar textos exclusivamente escolares,
mas sim ofertar textos encontrados nas ruas, lojas, supermercados, nos shoppings, na
feira, em espaços culturais, tal como Teberosky (2003, p. 57) sugere: a utilização de
textos autênticos auxilia em dois processos: contextualiza a aprendizagem e, em con-
trapartida, colabora para a interação da criança com a escrita fora da escola.
Outra questão que merece destaque é o excesso. Muitas vezes nos deparamos com
uma diversidade de escritos em nosso cotidiano – como livros, jornais, revistas, cartazes,
panfletos –, entretanto, não fazemos o uso adequado dessa infinidade de estímulos. Mais
valia tem uma sala com menos recursos pendurados na parede – mas recursos que se-
112
jam de fato explorado pelo professor – do que uma sala lotada de cartazes com textos e
palavras que não são trabalhados pelo professor. Novamente, ressalva-se que a diferen-
ça é a qualidade da mediação feita pelo professor frente ao ambiente alfabetizador.
Figura 11. Mediação do professor
4
Fonte: 123RF.
É muito importante que os materiais fixados na parede como mera decoração, textos,
alfabetos, quadros informativos, calendários, sejam atrelados ao trabalho do professor
para se tornarem efetivamente materiais significativos de leitura. Esse material, escrito
com o propósito de instrumentalizar a criança sobre o sistema de escrita alfabético, só
é significativo se a criança puder interagir com ele, se procurá-lo constantemente com
um propósito ou uma necessidade.
Smith (1999, p. 53) salienta que, quando a palavra está dentro de um contexto significa-
tivo, a identificação ocorre de forma mais rápida e previsível. Por exemplo, ao consultar
o quadro com nome dos amigos da sala, uma criança que chama Mariana facilmente
encontra o nome Matheus, por reconhecer a primeira sílaba MA.
Dessa forma, a criança mobiliza seus conhecimentos prévios e tateia, testa hipóteses,
buscando elaborar o significado das mensagens escritas e compreender o texto. O de-
sejo para compreender o que está escrito é impulsionado pela necessidade real, seja
ela a de descobrir informação, seguir regras, recordar fatos ou por deleite.
A questão que aparece em primeiro lugar refere-se aos métodos desenvolvidos no co-
tidiano escolar. No entanto, para que possamos tecer essa reflexão sobre a prática do
professor alfabetizador, parece-nos fundamental a compreensão de que a linguagem é
constitutiva do pensamento e, portanto, do desenvolvimento humano.
114
O professor lê, escreve, aponta, nomeia, questiona, ajuda a elaborar e entender as
hipóteses, convida à escrita quando registra a rotina no Livro da vida, por exemplo, ou
escreve um bilhete. É apresentar a escrita em movimento, em sua função comunicativa,
fazendo sentido.
No mundo letrado em que vivemos, orientar o olhar da criança para a escrita, para essa 4
linguagem tão corriqueira, mas também tão cheia de encanto, torna-se o grande desa-
fio para o professor em sala de aula.
Contudo, podemos lançar mão de algumas propostas, ideias de trabalho, que tornam
possível acessar a criança e convidá-la a escrever, a se arriscar, encorajá-la… Porque
há de se ter coragem para escrever – a gente comunica, expressa sentimentos e ideias,
a gente se coloca em nossa escrita!
É a teoria vigotskiana que nos ajuda a sustentar esse argumento: para que as fun-
ções mentais se consolidem, é necessário significar. O domínio da linguagem escrita
aprofunda o processo de elaboração psíquica ao oportunizar à criança uma relação
de abstração e de operação de conceitos. A linguagem escrita tem papel fundamental
no desenvolvimento cultural da humanidade. Trata-se de um “[...] sistema particular de
símbolos e signos cuja dominação prenuncia um ponto crítico em todo o desenvolvi-
mento cultural da criança” (VIGOTSKI, 2007, p. 126).
A escrita deve ter significado para as crianças, que uma necessidade intrínseca
deve ser despertada nelas, e a escrita deve ser incorporada a uma tarefa rele-
vante para a vida. Só então poderemos estar certos de que ela se desenvolve-
rá não como hábito de mãos e dedos, mas como uma forma nova e complexa
de linguagem. (VIGOTSKI, 2007, p. 144)
4 Pensando nessa escrita vinculada à vida, que faz parte do universo das crianças, defen-
demos que, para além de atividades “soltas”, o trabalho com propostas de alfabetização
pode (e deve) estar relacionado a projetos maiores, pesquisas, propostas de trabalho com
potencial de engajar as crianças. Lançar mão do lúdico também pode ser uma boa ideia.
Figura 12. Papel do professor
Encorajar os alunos
Para que a criança elabore hipóteses de leitura sem ser leitora, ela faz o uso do reper-
tório que já tem sobre a escrita e faz inferências e suposições sobre o que pode estar
escrito. É comum nessa fase a criança imitar a leitura do adulto e, inclusive, passar o
dedinho sobre a palavra que está “lendo”. Isso mostra que ela já sabe muitas coisas
sobre o ato de ler: que a escrita na nossa língua é grafada da esquerda para direita, que
ler necessita de entonação, enfim, muitas vezes, a postura de leitor se apresenta antes
do domínio técnico, da codificação e decodificação da escrita.
A tentativa de leitura de textos que as crianças conhecem de cor pode ajudar a estabele-
cer relações entre letra e som. Temos como exemplo o trabalho com parlendas e cantigas.
116
Figura 13. Parlendas
As parlendas são textos recitados e ritmados de forma lúdica. A criança passa a ter no-
ção das habilidades, como a observação, a dramatização e a oralidade, por meio delas.
Mas o que significa essa consciência fonológica?
SAIBA MAIS
Ateliês são grupos de alunos que se juntam para trabalhar determinada atividade, na proposta de Freinet
(1978). O que une as crianças no ateliê é o trabalho e não o nível de saber da criança, portanto, uma
criança que não sabe escrever pode estar junto a uma que tem escrita autônoma.
4
Consultem em: BUSCARIOLO, A. F. V. T; LIMA, C. V. B; FECCHI, P. G. G. Por uma outra organização do
trabalho escolar. In: IX FALA OUTRA ESCOLA, 2019, Campinas. Anais eletrônicos... Campinas, Galoá,
2019. Disponível em: https://proceedings.science/fala-outra-escola-2019/papers/por-uma-outra-organi-
zacao-do-trabalho-escolar. 27 jan. 2021.
Figura 14. Situação de interação entre os alunos, semelhante aos ateliês de trabalho
Fonte: 123RF.
SAIBA MAIS
Para saber mais sobre as trocas produtivas no processo de alfabetização, leia:
O texto livre como instrumento pedagógico na alfabetização de crianças. Dissertação de Mestrado de Ana
Flávia Valente Teixeira Buscariolo, publicada em 2015, no Repositório da Produção Científica e Intelectual da
Unicamp. Disponível em: http://www.repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/254002. Acesso em: 5 jan. 2021.
Vale dizer que zona de desenvolvimento proximal é aquilo que a criança ainda
não consegue fazer sozinha, mas faz com algum apoio ou com as pistas recebi-
das de outra pessoa mais experiente, que pode ser o professor ou algum colega.
118
Nas palavras de Vigotski:
ela é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma de-
terminar através da solução independente de problemas, e o nível de desen-
volvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a
orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes.
(VIGOTSKI, 1998, p. 56) 4
Nessa perspectiva, convidar as crianças para escreverem texto de autoria, o Texto livre,
em que a criança elabora suas hipóteses e, posteriormente, a professora faz a reescrita,
trazendo a referência da escrita convencional, como podemos ver na imagem a seguir:
SAIBA MAIS
Texto livre é um instrumento da pedagogia Freinet (1978) – em que a criança escreve livremente, livre
para escolher o tema, o gênero e o lugar que fará seu texto – e é o carro-chefe do trabalho com alfabeti-
zação na proposta pedagógica do autor francês.
Assista também:
A hipótese de escrita da criança ainda sem relação entre letra grafada e o va-
lor sonoro e abaixo, em azul, a reescrita da professora, trazendo a referência da
escrita convencional.
Outra forma de se trabalhar com produção de texto com crianças pequenas é a de, a
partir do que é narrado pela criança no momento da roda de conversa, registrar – nesse
caso a professora ocupa o lugar de escriba – o texto da criança e propiciar trabalhos a
partir deste texto de autoria da criança.
4 A professora fez uma cópia do texto para cada aluno. A primeira proposta foi a de ilus-
trar o texto, depois a de leitura de palavras, quando a criança, mesmo que não leitora
autônoma, poderia descobrir onde estava a palavra BICICLETA. Na sequência, há uma
atividade de preencher as lacunas da palavra. A professora colocou as consoantes e
deixou as vogais para que os alunos completassem, solicitando ainda que as crianças
contassem quantas letras tem a palavra. E, por fim, fez uma pergunta que remetia ao
campo semântico que o texto trazia. Abaixo temos um exemplo desse trabalho.
120
Figura 17. Exemplo 2 de atividade de trabalho partindo do texto do aluno
Outras propostas de trabalho com crianças na fase inicial de alfabetização são possí-
veis, como a de encontrar palavras que fazem parte de seu repertório em textos conhe-
cidos, como podemos ver no poema abaixo, intitulado MAR, de Lalau e Laurabeatriz.
Após trabalhar com o texto, lê-lo e torná-lo conhecido pelas crianças, podemos pedir
que elas encontrem as palavras: SIRI e DOCE (que possuem sílabas simples, para em
um segundo momento passar para palavras com sílabas compostas).
Figura 18. Poesia sobre animais marinhos
122
D) ILUSTRE A PARTE QUE MAIS GOSTOU ATÉ O MOMENTO.
124
4
Algumas coisas simples do cotidiano da sala de aula podem fazer muita diferença nes-
se processo.
Por exemplo, a roda da chamada. Aqui, cabe ao professor chamar a atenção da turma
para aspectos como: a primeira letra de cada nome; posteriormente, pode solicitar, de
forma lúdica, que as crianças batam palma para cada “pedacinho” (sílaba) dos nomes
chamados; pedir que, em vez de responder “presente”, a criança responda dizendo o
nome de um animal que comece com a mesma letra do seu nome. Enfim, usando a
imaginação, desde os primeiros minutos em sala de aula, o professor pode aproveitar
para trabalhar noções de nosso sistema alfabético, sem que isso seja maçante e can-
sativo para a criança.
O educador pode também organizar a fila para ir ao recreio em ordem alfabética, de-
pois, na ordem inversa do alfabeto. No outro dia, inverte, indicando primeiro as crianças
que têm o nome com dois “pedacinhos”, por exemplo: Laura, Pedro e João, depois os
que tem três “pedacinhos”: Marina, Vinícius, Thiago. Enfim, é mais uma oportunidade
de trabalhar noções alfabéticas, consciência fonológica, sem ter que pegar no caderno!
Podemos lançar mão de jogos, como o jogo de tabuleiro do alfabeto riscado no chão,
em que a criança lança uma pedrinha e precisa falar uma palavra que tem determina-
da letra no começo, meio ou fim. A regra cabe ao professor elaborar junto aos alunos.
Jogos do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC): Caça rima, Quem
escreve sou eu?, Troca letra, Mais uma, Dado sonoro, entre outros.
Figura 20. Crianças trabalhando com os Figura 21. Um grupo de crianças trabalhando com
os jogos do PNAIC
jogos do PNAIC
Temos ainda situações nas quais a escrita cumpre sua função de comunicar, como:
escrita de cartas reais, bilhetes, jornal de parede, lista de ingredientes culinária (e claro,
fazer a culinária com eles), escrever as etiquetas para os materiais da sala, ler nas ro-
das de leitura de texto livre, anotar no Livro da vida o nome de quem vai ler na roda ou
mesmo os acontecimentos do dia.
CURIOSIDADES
Jornal de parede: instrumento da pedagogia Freinet que contém 4 envelopes: eu felicito, eu proponho, eu crí-
tico e eu quero saber, assim, a criança escreve bilhetes para resolver questões referentes aos temas acima.
SAIBA MAIS
Jornal de parede: instrumento da pedagogia Freinet que contém 4 envelopes: eu felicito, eu proponho, eu crí-
tico e eu quero saber, assim, a criança escreve bilhetes para resolver questões referentes aos temas acima.
126
Figura 22. Aluno registrando no Livro da vida
O trabalho com o nome próprio é outra proposta possível: reconhecimento das letras;
procurar objetos que comecem com cada letra do nome da criança e depois incentivá-la
a escrever o nome do objeto; fazer bingo de letras com as letras dos nomes das crian-
ças da turma; escrever lista de nome dos amigos; enfim, muitas possibilidades aprovei-
tando o repertório conhecido pelo aluno.
Figura 23. Exemplo de usos da letra bastão
Fonte: 123RF.
Por último, trago uma conversa sobre o tipo de letra mais adequado para se trabalhar em
classes de alfabetização. Apesar de não ser consenso, há, entre os educadores, uma forte
defesa sobre o uso da letra bastão, em caixa alta, para crianças em fase de alfabetização.
d b
q p
Fonte: elaborada pela autora.
Isso, com frequência, faz com que as crianças se confundam, o que é mais difícil acon-
tecer com as mesmas letras – P, B, D, Q – grafadas em caixa alta.
Quanto ao ensino da letra cursiva, o mesmo não é descartado. Tão logo a criança con-
solida seu processo de alfabetização, parte para esse novo trabalho, o de aprender a
letra “de mão” – como as próprias crianças dizem. E aprender esse tipo de letra é algo
que as crianças desejam muito, é como uma conquista!
128
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. CAGLIARI, L. C. O que é necessário para ler. In: R. F. Método Misto de Ensino da Leitura e da Es-
CAGLIARI, L. C.; MASSINE, G. Diante das letras: A crita e História da Abelhinha – Guia do Mestre. 7.
escrita na alfabetização. 3. ed. Campinas: Mercado ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1973.
de letras. 1999. 16. SMITH, F. Compreendendo a leitura: Uma aná-
2. CLAPARÈDE, E. A educação funcional. Tradução lise psicolinguística da leitura e do aprender a ler.
4
de Jayme Grabois. São Paulo: Nacional, 1933. Tradução de Daise Batista. 4. Ed. Porto alegre: Artes
3. DECROLY, O. Études de psychogénèse: Obser- Médicas, 1989.
vations, expériences et enquêtes sur le développe- 17. SMITH, F. Leitura significativa. Tradução de Be-
ment des aptitudes de l’enfant. Bruxelles, Belgique: atriz Affonso. 3. Ed. Porto Alegre: Artmed, 1999.
Lamertin, 1932. 18. SMOLKA, A. L. B. (Org.). Questões de desen-
4. FERREIRO, E. Com todas as letras. 15. ed. São volvimento humano: Práticas e sentidos. Campi-
Paulo: Cortez, 2008. nas: Mercado das Letras, 2010.
5. FREINET, C. Para uma Escola do Povo: Guia 19. TEBEROSKY, A. Ambiente Alfabetizador: De-
prático para a organização material, técnica e peda- poimento. [Novembro, 2005]. Revista Nova Escola.
gógica da escola popular. Lisboa: Editorial Estampa, Ed. Abril. Entrevista concedida à Revista nova esco-
1978. la. Disponível em: https://novaescola.org.br/conteu-
6. FREINET, C. Método Natural III – a aprendizagem do/940/entrevista-com-emilia-ferreiro. Acesso em: 05
da escrita. São Paulo: Editora Estampa, 1977. jan. 2021.
7. JOLIBERT, J. Formando crianças leitoras. Tra- 20. TEBEROSKY, A. Aprender a ler e escrever:
dução de Bruno Charles Magne. Porto Alegre: Artes Uma proposta construtivista. Porto Alegre: Artmed,
Médicas, 1994. Vol. 1. 2003.
8. JOLIBERT, J. et. al. Além dos muros da esco- 21. VIGOTSKI, L. História del desarrollo de las fun-
la: A escrita como ponte entre alunos e comunidade. ciones psíquicas superiores. In: VIGOTSKI, L. Obras
Tradução de Ana Maria Netto Machado. Porto Ale- Escogidas. Traducción de José María Bravo Madrid:
gre: Artmed, 2006. Visor, 1995. Vol. 3.
9. LIMA, B. A. Cartilha Caminho Suave. 131. ed. 22. VIGOTSKI, L. Pensamento e linguagem. Tradu-
- renovada, ampliada e atualizada com o Novo Acor- ção de Jefferson Luiz Camargo. 2. ed. São Paulo:
do Ortográfico. São Paulo: Caminho Suave Edições, Martins Fontes, 2000.
2011. 23. VIGOTSKI, L. O desenvolvimento psicológico
10. MORTATTI, M. R. L. Os sentidos da alfabetiza- na Infância. Tradução de Claudia Berliner. São Pau-
ção. São Paulo: UNESP, 2000. lo: Martins Fontes, 1998.
11. PERES, E.; Ramil, C. A. Alfabetização pela ima- 24. VIGOTSKI, L. A formação social da mente: De-
gem: uma análise iconográfica da cartilha Caminho senvolvimento dos processos psicológicos superio-
Suave e do material de apoio. Cadernos de Pesqui- res. Tradução José Cipolla Neto, Luis Silveira Menna
sa, Vitória-ES, v. 19, n. 41, p. 53-79, jan./jun. 2015. Barreto, Solange Castro Afeche. 7. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2007.
12. ROCHA, R. A escolinha do mar. Rio de Janeiro:
Editora Salamandra, 2009. 25. VIGOTSKI, L. A construção do pensamento e
da linguagem. Tradução de Paulo Bezerra. 2. ed.
13. SOLIGO, R. Cartas pedagógicas sobre a do- São Paulo: Martins Fontes, 2009.
cência. São Paulo: GFK, 2015.
26. VIGOTSKI, l. S; LURIA, A. R; LEONTIEV, A. N.
14. SILVEIRA, V. C. P; AMARAL, T. C. O Ambiente Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem.
Alfabetizador. Revista Iniciare, Campo Mourão, v. Tradução de Maria da Pena Villalobos. 12. ed. São
1, n. 1, p. 5-17, jul./dez. 2016. Disponível em: http:// Paulo: Ícone, 2012.
revista2.grupointegrado.br/revista/index.php/iniciare/
article/view/2332/830. Acesso em: 5 jan. 2021.
15. SILVA, A. S. B. da; PINHEIRO, L. M.; CARDOSO,