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Alocuções sobre o Apostolado dos Leigos

set 21, 2009


1951-1957
 
ALOCUÇÕES
Sobre o Apostolado dos Leigos
 
* Ao fim, uma pequena apresentação do tema feita pelo Rev. Pe. Joël Danjou, FSSPX
I – Discurso ao Congresso Mundial do Apostolado Leigo de 1951
1. É grande a consolação e alegria que inunda Nosso coração ante o espetáculo de vossa
imponente assembléia, onde vos vemos reunidos sob Nossos olhos, a vós, Veneráveis
Irmãos no Episcopado, e a vós também, queridos filhos e filhas, que acorrestes de todos os
continentes e de todas as regiões ao centro da Igreja, para aqui celebrar esse Congresso
Mundial sobre o Apostolado dos leigos. Vós lhe estudastes a natureza e o objeto, lhe
considerastes o estado presente e meditastes sobre os importantes deveres que lhe
incumbem em previsão do futuro. Foram para vós dias de oração instante, de sério exame
de consciência, de troca de pontos de vista e experiências. Para concluir, viestes renovar a
expressão de vossa fé, de vosso devotamento, de vossa fidelidade ao Vigário de Jesus Cristo
e rogar-lhe que fecunde com Sua bênção vossas resoluções e vossa atividade.
2. Muito freqüentemente, no decorrer de Nosso pontificado, temos falado, em
circunstâncias e sob aspectos bastante variados, desse apostolado dos leigos, em nossas
mensagens a todos os fiéis ou ao Nos dirigirmos à Ação Católica, às Congregações
Marianas, aos operários e às operárias, aos mestres e às mestras, aos médicos e aos juristas,
e também aos meios especificamente femininos, para insistir acerca de seus deveres atuais
mesmo na vida pública, bem como a outros. Foram para Nós outras tantas ocasiões de
tratar, incidental ou expressamente, de questões que encontraram, nesta semana, lugar
marcado em vossa pauta.
3. Desta vez, em presença de tão numerosas elite de Sacerdotes e de fiéis, todos bem
conscientes de sua responsabilidade nesse ou para com esse apostolado, desejaríamos, com
uma palavra muito breve, “situar” seu lugar e seu papel atual à luz da história passada da
Igreja. Ele nunca lhe foi estranho; seria interessante e instrutivo seguir-lhe a evolução no
decurso dos tempos passados.
4. Costuma-se dizer com freqüência que, durante os quatro últimos séculos, a Igreja foi
exclusivamente “clerical”, por reação contra a crise que, no século XVI, pretendera chegar à
abolição pura e simples da Hierarquia e, a propósito, insinua-se que está em tempo de
ampliar ela os seus quadros.
5. Semelhante julgamento está de tal modo longe da realidade quando foi precisamente
desde o santo Concílio de Trento que o laicato tomou posição e progrediu na atividade
apostólica. É coisa fácil de verificar; basta recordar dois fatos históricos patentes entre
muitos outros: as Congregações Marianas de homens exercendo ativamente o apostolado
dos leigos em todos os domínios da vida pública, e a introdução progressiva da mulher no
apostolado moderno. E convém, a respeito desse ponto, relembrar duas grandes figuras da
história católica: uma é a de Maria Ward, essa mulher incomparável que, nas horas mais
negras e mais sangrentas, a Inglaterra católica deu à Igreja; a outra, a de S. Vicente de
Paulo, figura incontestavelmente plana entre os fundadores e os promotores de caridade
católica.
6. Não se deveria também deixar passar despercebida, nem lhe desconhecer a benéfica
influência, a estreita união que, até a Revolução francesa, colocava em relações mútuas, no
mundo católico, as duas autoridades estabelecidas por Deus: a Igreja e o Estado. A
intimidade de suas relações no terreno comum da vida pública criava – em geral – uma
como que atmosfera de espírito cristão que dispensava grande parte do trabalho delicado,
ao qual devem hoje se dedicar os Padres e os leigos para proverem à salvaguarda e ao valor
prático da fé.
7. No fim do século XVIII um fator novo entra em jogo. De um lado, a constituição dos
Estados Unidos da América do Norte – que tomavam um desenvolvimento
extraordinariamente rápido e onde a Igreja devia logo crescer consideravelmente em vida e
em vigor – e, de outro lado, a Revolução francesa, que, com suas conseqüências tanto na
Europa quanto no além-mar, terminava por separar a Igreja do Estado. Sem efetuar-se em
todo lugar ao mesmo tempo nem no mesmo grau, essa separação teve por toda parte como
conseqüência lógica deixar a Igreja prover por seus próprios meios à existência de sua ação
e ao cumprimento de sua missão, na defesa de seus direitos e de sua liberdade. Foi a origem
dos assim chamados movimentos católicos que, conduzidos por Sacerdotes e leigos,
arrastam, confiados nos seus efetivos compactos e na sua sincera fidelidade, a grande massa
dos fiéis ao combate e à vitória. Não é já uma iniciação e uma introdução dos leigos no
apostolado?
8. Nesta solene ocorrência, consideramos dever muito agradável dirigir uma palavra de
reconhecimento a todos os que, Sacerdotes e fiéis, homens e mulheres se incorporaram a
tais movimentos pela causa de Deus e da Igreja e cujos nomes merecem ser citados com
honra em toda parte.
9. Eles sofreram, combateram, unindo do melhor modo seus esforços por demais dispersos;
os tempos não estavam ainda maduros para um congresso tal qual o que acabais de
celebrar. Como chegaram eles, pois, à maturação no decurso desse meio século? Vós o
sabeis; em ritmo cada vez mais acelerado, a fenda que desde muito tempo separara os
espíritos e os corações em dois partidos, pró e contra Deus, a Igreja e a Religião, alargou-se
e se aprofundou; ela delineou, talvez não com igual nitidez por toda parte, uma fronteira no
próprio seio dos povos e das famílias.
10. Existe, é verdade, toda uma multidão confusa de tíbios, irresolutos e flutuantes, para os
quais a religião é ainda talvez alguma coisa mas algo de bem vago, sem nenhuma projeção
em sua vida. Essa turba amorfa pode, a experiência e ensina, ver-se de um dia ou outro, de
improviso, na contingência de tomar uma decisão.
11. Quanto à Igreja, tem Ela ante todos uma tríplice missão a cumprir: erguer os fiéis
fervorosos ao nível das exigências do tempo presente: introduzir aqueles que se demoram
nos umbrais, na cálida e salutar intimidade do lar; reconduzir os que se afastaram da
religião, e que no entanto Ela não pode abandonar à sua miserável sorte. Bela tarefa para a
igreja, mas que se tornou difícil devido a que, embora no conjunto Ela tenha crescido
consideravelmente, seu Clero todavia não aumentou em proporção. Ora, o Clero tem
necessidade de se poupar antes de tudo para o exercício de seu ministério propriamente
sacerdotal, onde ninguém o pode substituir.
12. Um complemento fornecido pelos leigos ao apostolado é portanto de necessidade
indispensável. Que ele seja de precioso valor, a experiência da fraternidade de armas ou de
cativeiro ou de outras provações da guerra aí está para dar testemunho. Ela atesta,
principalmente em matéria de religião, a influência profunda e eficaz dos companheiros de
profissão, de condição, de vida. Esses fatores e muitos outros, devidos às circunstâncias de
lugar e de pessoas, tornaram mais largas as portas à colaboração dos leigos no apostolado
da Igreja.
13. A abundância de sugestões e experiências permutadas no decurso de vosso Congresso,
como também o que dissemos nas ocasiões já mencionadas, Nos dispensam de entrar em
pormenores mais amplos acerca do apostolado atual dos leigos. Contentar-Nos-emos, pois,
em vos expor algumas considerações que podem lançar um pouco mais de luz sobre um ou
outro dos problemas que se apresentam.
14. – 1. Todos os fiéis, sem exceção, são membros do corpo místico de Jesus Cristo. Segue-
se que a lei da natureza e, mais premente ainda, a lei de Cristo, lhes impõe a obrigação de
dar o bom exemplo de uma vida verdadeiramente cristã: “Christi bonus odor sumus Deo in
iis qui salvi fiunt, et in iis qui pereunt”. – “Somos para Deus o bom odor de Cristo em meio
àqueles que são salvos e em meio àqueles que se perdem” (2 Cor 2, 15). Todos estão
também convocados, e hoje sempre mais intensamente, a pensar, na oração e no sacrifício,
não somente em suas necessidades privadas, mas ainda nas grandes intenções do reino de
Deus no mundo, conforme o espírito do “Pater noster”, que o próprio Jesus Cristo ensinou.
15. Poder-se-ia afirmar que todos são igualmente chamados ao apostolado na acepção
estrita da palavra? Deus não deu para tanto a todos nem a possibilidade, nem as aptidões.
Não se pode exigir que se encarregue de obras desse apostolado a esposa, a mãe, que educa
cristãmente os filhos, e que deve além do mais trabalhar em casa para ajudar o marido a
sustentar os seus. A vocação de apóstolos não se destina portanto a todos.
16. Realmente, é árduo traçar com precisão a linha demarcatória, a partir da qual começa o
apostolado dos leigos propriamente dito. Dever-se-á, por exemplo, considerar como tal a
educação dada seja pela mãe de família, seja por educador e educadora santamente zelosos
no exercício de sua profissão pedagógica; ou então o procedimento do médico afamado e
francamente católico, cuja consciência não transige nunca quando a lei natural e divina está
em jogo, e que milita com todas as suas forças em favor da dignidade cristã dos esposos, dos
direitos sagrados da prole; ou ainda a ação do estadista católico em favor de uma política
ampla acerca de casas para os menos favorecidos?
17. Muitos se inclinariam para a negativa, não vendo em tudo isso mais que o simples
cumprimento, bastante louvável, mas obrigatório, do dever de estado.
18. Conhecemos, entretanto, o poderoso e insubstituível valor, para o bem das almas, desse
simples cumprimento do dever de estado por milhões e milhões de fiéis conscienciosos e
exemplares.
19. O apostolado dos leigos, no sentido próprio, está sem dúvida em grande parte
organizado na Ação Católica e nas outras instituições de atividade apostólica aprovadas pela
Igreja; mas, fora destas, pode haver e há apóstolos leigos, homens e mulheres, que olham o
bem a fazer, as possibilidades e os meios de fazê-lo; e eles o fazem preocupados unicamente
em conquistar almas para a verdade e a graça. Pensamos também em tantos leigos
excelentes, que, nas regiões em que a Igreja é perseguida como o era nos primeiros séculos
do Cristianismo, substituindo da melhor maneira os Sacerdotes, encarregados, pondo
mesmo em perigo a próprio vida, ensinam ao redor de si a doutrina cristã, instruem acerca
da vida religiosa e do justo modo de pensar católico, conduzem à freqüência dos
Sacramentos e à prática das devoções, especialmente da devoção eucarística. Vós os vedes
em ação, a todos esses leigos; não vos inquieteis em perguntar-lhes a que organização
pertencem; admirai antes e reconhecei de bom grado o bem que eles fazem.
20. Longe de Nós a intenção de depreciar a organização ou de subestimar o sei valor como
fator de apostolado; Nós a estimamos, pelo contrário, muitíssimo, principalmente num
mundo em que os adversários da Igreja se precipitam sobre esta com a massa compacta de
suas organizações. Mas não deve ela conduzir a um exclusivismo mesquinho, ao que o
Apóstolo chamava “explorare libertatem”: “espreitar a liberdade” (Gal 2, 4). No quadro de
vossa organização, deixai a cada um grande amplitude para desenvolver suas qualidades e
dons pessoais em tudo o que pode servir ao bem e à edificação: “in bonum et
aedificationem” (Rom 15, 2) e regozijai-vos quando fora de vossas fileiras virdes outros,
“conduzidos pelo espírito de Deus” (Gal 5, 18), conquistar seus irmãos para Cristo.
21. – 2. O clero e os leigos no apostolado. – É fora de dúvida que o apostolado dos leigos
está subordinado à Hierarquia Eclesiástica; esta é de instituição divina; não é portanto
possível independer dela. Pensar de outro modo seria solapar pela base a rocha sobre a qual
o próprio Cristo edificou a sua Igreja.
22. Isto posto, seria ainda errôneo crer que no âmbito da diocese, a estrutura tradicional da
Igreja ou sua forma atual colocasse essencialmente o apostolado dos leigos em linha
paralela ao apostolado hierárquico, de sorte que o próprio Bispo não pudesse submeter ao
Pároco o apostolado paroquial dos leigos. Ele o pode; e pode estabelecer como regra que as
obras de apostolado dos leigos destinados à própria paróquia estejam sob a autoridade do
Pároco. O Bispo constituiu a este pastor de toda a paróquia, e ele é, como tal, responsável
pela salvação de todas as suas ovelhas.
23. Que possa haver, de outra parte, obras de apostolado leigo extra-paroquiais e mesmo
extra-diocesanas, – diríamos de mais bom grado supra-paroquiais e supra-diocesanas –
segundo exija o bem comum da Igreja, é igualmente verdade e não é necessário repeti-lo.
24. Em Nossa alocução de 3 de maio último à Ação Católica Italiana deixamos entendido
que a dependência do apostolado dos leigos em relação à Hierarquia admite graus. Essa
dependência é mais estreita para a Ação Católica; esta representa com efeito o apostolado
dos leigos oficial; ela é um instrumento nas mãos da Hierarquia, deve ser como que o
prolongamento do seu braço, está por essa razão submetida por natureza à direção do
superior eclesiástico. Outras obras de apostolado dos leigos, organizadas ou não, podem ser
deixadas mais à livre iniciativa, com a amplitude que exigirem os fins a atingir. É claro que,
em todo o caso, a iniciativa dos leigos no exercício do apostolado deve-se manter dentro dos
limites da ortodoxia e não se opor às prescrições legítimas das autoridades eclesiásticas
competentes.
25. Quando comparamos o apóstolo leigo, ou mais exatamente o fiel da Ação Católica, a um
instrumento nas mãos da Hierarquia, de acordo com a expressão que se tornou corrente,
entendemos a comparação no sentido de que os superiores eclesiásticos dele usam da
maneira pela qual o Criador e Senhor usa das criaturas racionais como instrumentos, como
causas segundas, “com uma doçura cheia de atenções” (Sb 12, 18). Que façam, pois, uso
deles, com a consciência de sua grave responsabilidade, encorajando-os, sugerindo-lhes
iniciativas e acolhendo de bom grado as que lhes forem propostas por eles, e conforme a
oportunidade, aprovando-as com largueza de vistas. Nas batalhas decisivas é por vezes do
front que partem as iniciativas mais felizes. Disto oferece a história da Igreja exemplos
assaz numerosos.
26. De maneira geral, no trabalho apostólico é de desejar que a mais cordial harmonia reine
entre Sacerdotes e leigos. O apostolado de uns não é concorrência ao de outros. E mesmo,
para bem dizer, a expressão “emancipação dos leigos” se se ouve aqui e acolá em nada Noz
apraz. Soa de maneira desagradável. Aliás é historicamente inexata. Eram então crianças,
menores, e tinham necessidade de esperar a emancipação, esses grandes condottieri aos
quais fazíamos alusão ao falar do movimento católico dos últimos cento e cinqüenta anos?
De resto, no reino da graça, todos são tidos como adultos. E é isto que tem valor.
27. O apelo ao concurso dos leigos não é devido à fraqueza ou ao revés do Clero em face de
sua tarefa presente. Que tenha havido fraquejamentos individuais, é a inevitável miséria da
natureza humana, e coisa que se encontra por toda parte, mas, para falar de modo geral, o
Padre tem olhos tão bons quanto o leigo para discernir os sinais do tempos, e não tem o
ouvido menos sensível para auscultar o coração humano. O leigo é chamado ao apostolado
como colaborador do Padre, freqüentemente colaborador muito precioso, e mesmo
necessário em virtude da falta de Clero, muito pouco numeroso, dizíamos, para ser apto a
satisfazer sozinho sua missão.
28. Não podemos terminar, queridos filhos e filhas, sem recordar o trabalho prático que o
apostolado dos leigos realizou e realiza no mundo inteiro, em todos os domínios da vida
humana individual e social, trabalho cujos resultados e experiências conferistes e
discutistes nestes dias: apostolado a serviço do matrimônio cristão, da família, da criança,
da educação e da escola; para os jovens e as jovens. apostolado de caridade e de assistência
sob seus aspectos hoje incontáveis; apostolado em prol de melhoria prática das desordens
sociais e da miséria; apostolado nas missões ou em favor dos emigrantes e dos imigrantes;
apostolado no domínio da vida intelectual e cultural; apostolado das diversões e do esporte;
enfim, e não é o menor, apostolado da opinião pública.
29. Recomendamos e louvamos vossos esforços e vossos trabalhos, e, acima de tudo, o vigor
da boa vontade e do zelo apostólico que trazeis em vós, que espontaneamente manifestastes
durante o próprio Congresso, e que, quais fontes poderosas de águas vivificantes, tornaram
fecundas suas deliberações.
30. Felicitamo-vos por vossa resistência a essa tendência nefasta que reina mesmo entre
católicos, e que desejaria confinar a Igreja nas questões ditas “puramente religiosas”: e nem
é necessário fazer esforço para saber ao certo o que se entende por esta expressão: contanto
que a Igreja se confine no santuário e na sacristia, e deixe preguiçosamente a humanidade a
debater-se fora, na angústia e nas necessidades, nada mais se lhe pede.
31. É a pura verdade: em certos países ela é forçada a se enclausurar assim. Mesmo nesse
caso, entre as quarto paredes do templo, ela deve ainda fazer do melhor modo o pouco que
ainda lhe é possível. Ela aí não se confina nem espontânea nem voluntariamente.
32. Necessária e continuamente a vida humana, privada e social, se encontra em contato
com a lei e o espírito de Cristo; daí resulta, por força das coisas, uma compenetração
recíproca do apostolado religiosa e da ação política. Política, no sentido elevado da palavra,
não quer dizer outra coisa senão colaboração para o bem da Cidade, Polis. Mas esse bem da
Cidade se estende muito amplamente e, por conseguinte, é no terreno político que se
debatem e também se ditam as leis de maior alcance, como as que concernem ao
matrimônio, à família, à criança, à escola, para Nos limitarmos a esses exemplos. Não são
questões que interessam de modo capital à religião? Podem elas deixar indiferente, apático,
a um apóstolo? Na alocução citada mais acima (3 de maio de 1951), traçamos o limite entre
a Ação Católica e ação política. A Ação Católica não deve entrar em luta na política de
partido. Mas como dizíamos também aos membros da Conferência Olivaint, “tanto é
louvável manter-se acima das querelas contingentes que envenenaram as lutas dos
partidos… quanto seria reprovável deixar livre, para dirigir os negócios do Estado, aos
indignos e aos incapazes” (28 de março de 1948). Até que ponto pode e deve o apóstolo
manter-se à distância desse limite? É difícil, acerca deste ponto, formular uma regra
uniforme para todos. As circunstâncias, a mentalidade, não são as mesmas em todas as
partes.
33. Recebemos vossas resoluções com prazer; elas exprimem vossa firme boa vontade de
vos estenderdes a mão uns aos outros, por sobre as fronteiras nacionais, a fim de chegar a
uma plena e eficaz colaboração na caridade universal. Se há no mundo uma potência capaz
de derrubar as mesquinhas barreiras de preconceitos e de “partis pris”, e de dispor as almas
a uma franca reconciliação e a uma fraternal união entre os povos, é bem tal potência a
Igreja Católica. Podeis regozijar-vos com altivez. A vós cabe contribuir para isso com todas
as vossas forças.
34. Poderíamos dar a vosso Congresso melhor conclusão do que repetir as admiráveis
palavras do Apóstolo das nações: “De resto, irmãos, estai na alegria, tornai-vos perfeitos,
animai-vos uns aos outros, tendo um mesmo sentimento, vivei em paz, e o Deus de amor e
de paz será convosco”? (2 Cor 13, 11). E quando o Apóstolo conclui: “Que a graça de Nosso
Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunicação do Espírito Santo sejam com todos
vós” (ib. 13), exprime ele aquilo mesmo que toda ação vossa procura levar aos homens. Que
esse dom encha também vossas próprias almas e vossos corações.
35. Seja este Nosso voto final. Queira Deus atendê-los e cumular-vos, a vós e a todo o orbe
católico, com Suas melhores graças, em penhor das quais vos concedemos, com toda a
efusão de Nosso coração, Nossa Bênção Apostólica.
II – Normas aos Participantes do II Congresso Mundial para o Apostolado dos
Leigos de 1957
1. Seis anos são decorridos, caros filhos e caras filhas, desde que, falando ao primeiro
Congresso Mundial para o Apostolado dos Leigos, dizíamos, terminando o Nosso discurso:
“Se há no mundo poder capaz… de dispor as almas para uma franca reconciliação e para
uma fraternal união entre os povos, é bem a Igreja Católica. Disto podeis regozijar-vos com
ufania. A vós compete contribuir para isso com todas as vossas forças” (Ver acima I, n. 33).
2. Hoje contemplamos com alegria a assembléia seleta que reúne, para este segundo
Congresso Mundial, dois mil representantes vindos de mais de oitenta nações, e entre os
quais se contam Cardeais, Bispos, padres, leigos eminentes. Dirigimo-vos a Nossa saudação
paterna e cordial, e felicitamo-vos pelo trabalho considerável realizado em alguns anos para
concretizar os objetivos que vos haviam sido fixados. A documentação reunida pelo “Comitê
Permanente dos Congressos Internacionais para o Apostolado dos Leigos” revela
primeiramente que grande número de Bispos têm consagrado a este assunto cartas
pastorais; lembra, em seguida, a série dos congressos nacionais e internacionais provocados
pelo de 1951 e destinados a lhe prolongar a ação na Índia, no Sudão, na Suíça, na Bélgica
(onde mais de três mil dirigentes leigos se encontraram em Lovaina), no México, na
Espanha, em Portugal; em Kisubi (Uganda) para toda a África, em Manilha para a Ásia, em
Santiago do Chile e em Montevidéu para treze países da América Central e Meridional. A
isso acrescentemos ainda os encontros destinados a preparar o segundo Congresso
Mundial, e que tiveram lugar em Gazzada, Castel Gandolfo, Roma, Würzburg e Paris.
3. Sem dúvida alguma, o primeiro Congresso Mundial para o Apostolado dos Leigos foi
como que um poderoso apelo que suscitou em toda parte múltiplos ecos. Incitou os
católicos a considerarem não só os seus deveres para consigo mesmos, mas também os que
eles têm para com a Igreja, para com a sociedade civil e para com toda a humanidade.
Sublinhou com força a importância do empenho pessoal dos leigos em assumirem e
levarem a bem numerosas tarefas no domínio religioso, social e cultural. Fortaleceu, assim,
neles o senso das suas responsabilidades na sociedade moderna e a coragem de enfrentá-
las, e contribui notavelmente para promover a colaboração e a coordenação entre as
diferentes formas de apostolado dos leigos.
4. Como tema do presente Congresso, que foi cuidadosamente preparado por teólogos e
especialistas das questões sociais internacionais, escolhestes: “Os leigos na crise do mundo
moderno: responsabilidades e formação”. Se, para corresponder ao vosso desejo, vos
dirigimos a palavra no começo do vosso Congresso, é na intenção de, por algumas
observações sobre os princípios diretores do apostolado dos leigos e sobre certos pontos
práticos concernentes à formação e à ação do apóstolo leigo, completarmos o que já seis
anos dizíamos.
II. i. ALGUNS ASPECTOS FUNDAMENTAIS DO APOSTOLADO DOS LEIGOS
Hierarquia e Apostolado
5. Tomaremos como ponto de partida destas considerações uma das questões destinadas a
precisar a natureza do apostolado dos leigos: “O leigo encarregado de ensinar a religião com
‘missio canonica’, com o mandato eclesiático de ensinar, leigo para quem esse ensino
constitui talvez mesmo a única atividade profissional, não passa, por isso mesmo, do
apostolado leigo para o ‘apostolado hierárquico'”?
6. Para responder a esta pergunta, cumpre lembrar-se de que Cristo confiou aos seus
próprios Apóstolos um duplo poder: primeiro, o poder sacerdotal de consagrar, poder
concedido em plenitude a todos os Apóstolos; em segundo lugar, o poder de ensinar e de
governar, isto é, de comunicar aos homens, em nome de Deus, a verdade infalível que os
obriga, e de fixar as normas que regulam a vida cristã.
7. Estes poderes dos Apóstolos passaram para o Papa e para os Bispos. Estes, pela
ordenação sacerdotal, transmitem a outros, em medida determinada, o poder de consagrar,
ao passo que o poder de ensinar e de governar é próprio do Papa e dos Bispos.
8. Quando se fala de “apostolado hierárquico” e de “apostolado dos leigos”, cumpre, pois,
ter em conta uma dupla distinção: primeiro, entre o Papa, os Bispos e os sacerdotes, de um
lado, e o conjunto do laicato, do outro lado; depois, no seio do próprio clero, entre os que
detêm em sua plenitude o poder de consagrar e de governar, e os outros clérigos. Os
primeiros (Papa, Bispos e sacerdotes) pertencem necessariamente ao clero; se um leigo
fosse eleito Papa, só poderia aceitar a eleição com a condição de estar apto a receber a
ordenação e disposto a fazer-se ordenar; o poder de ensinar e de governar, bem como o
carisma da infalibilidade ser-lhe-iam concedidos desde o instante da sua aceitação, mesmo
antes da ordenação.
9. Agora, para responder à questão formulada, importa considerar as duas distinções
propostas. Trata-se, no caso vertente, não do poder de ordem, mas do poder de ensinar.
Deste, só os detentores da autoridade eclesiástica são depositários. Os outros, sacerdotes ou
leigos, colaboram com eles na medida em que eles lhes fazem confiança para ensinar
fielmente e dirigir os fiéis (cf. cân. 1327 e 1328). Os sacerdotes (que agem vi muneris
sacerdotalis) e os leigos também podem receber esse mandato que, conforme os casos, pode
ser o mesmo para ambos. Distinguem-se, entretanto, pelo fato de um ser sacerdote e o
outro leigo e de, por conseguinte, ser sacerdotal o apostolado de um, e o do outro, leigo.
Quanto ao valor e à eficácia do apostolado exercido pelo docente de religião, dependem da
capacidade de cada um e dos seus dons sobrenaturais. Os docentes leigos, as religiosas, os
catequistas em país de missão, todos os que pela Igreja são encarregados de ensinar as
verdades da fé, também podem aplicar a si com toda razão a palavra do Senhor: “Vós sois o
sal da terra”; “sois a luz do mundo” (Mt 5, 13-14).
10. Claro é que o simples fiel pode propor-se – e é altamente desejável que se proponha –
colaborar de maneira mais organizada com as autoridades eclesiásticas, ajudá-las mais
eficazmente no seu labor apostólico. Por-se-á ele então mais estreitamente sob a
dependência da Hierarquia, única responsável perante Deus pelo governo da Igreja. A
aceitação, pelo leigo, de uma missão particular, de um mandato da Hierarquia, se o associa
mais de perto à conquista espiritual do mundo, promovida pela Igreja sob a direção dos
seus Pastores, não basta para fazer dele um membro da Hierarquia, para lhe dar os poderes
de ordem e de jurisdição, que ficam estreitamente ligados à recepção do sacramento da
Ordem, nos seus diversos graus.
11. Até aqui não consideramos as ordenações que precedem o sacerdócio e que, na prática
atual da Igreja, só são conferidas como preparação para a ordenação sacerdotal. O ofício
ligado às ordens menores há muito que é exercido por leigos. Sabemos que atualmente se
cogita de introduzir uma ordem do diaconato concebido como função eclesiástica
independente do sacerdócio. Hoje pelo menos, a idéia ainda não está madura. Se tal viesse a
suceder um dia, nada mudaria ao que acabamos de dizer, senão que esse diaconato tomaria
lugar, com o sacerdócio, nas distinções que indicamos.
Responsabilidade dos Leigos
12. Seria desconhecer a natureza real da Igreja e o seu caráter social o distinguir nela um
elemento puramente ativo, as autoridades eclesiásticas, e, de outra parte, um elemento
puramente passivo, os leigos. Todos os membros da Igreja, como Nós mesmo o dissemos na
Encíclica Mystici Corporis Christi, são chamados a colaborar na edificação e no
aperfeiçoamento do Corpo Místico de Cristo (cf. Acta Ap. Sedis, a. 35, 1943, p. 241). Todos
são pessoas livres, e devem, pois, ser ativos. Às vezes abusa-se do termo “emancipação dos
leigos”, quando se utiliza esse termo com um sentido que deforma o caráter verdadeiro das
relações existentes entre a Igreja ensinante e a Igreja ensinada, entre sacerdotes e leigos. A
respeito destas últimas relações, consignemos simplesmente que as tarefas da Igreja são
hoje demasiado vastas para permitirem que as pessoas se entreguem a disputas
mesquinhas. Para guardar a esfera de ação de cada um, basta que todos tenham bastante
espírito de fé, bastante desinteresse, estima e confiança recíprocas. O respeito da dignidade
do sacerdote foi sempre um dos traços mais típicos da comunidade cristã. Em
compensação, o próprio leigo tem direitos, e o sacerdote, de seu lado, deve reconhecê-los.
13. O leigo tem direito a receber dos sacerdotes todos os bens espirituais, a fim de realizar a
salvação de sua alma e de chegar à perfeição cristã (cân. 87, 682): quando se trata dos
direitos fundamentais do cristão, pode ele fazer valer as suas exigências (cân. 467, 1; 892,
1): é o sentido e a própria finalidade de toda a vida da Igreja que aqui está em jogo, bem
como a responsabilidade, perante Deus, tanto do sacerdote como do leigo.
14. Provoca-se inevitavelmente um mal-estar quando só se olha à função social. Este não é
um fim em si, nem em geral nem na Igreja, pois em definitivo a comunidade está a serviço
dos indivíduos, e não inversamente. Se a história mostra que, desde as origens da Igreja, os
leigos tinham parte na atividade que o sacerdote desenvolve a serviço da Igreja, verdade é
que hoje em dia mais do que nunca devem eles prestar essa colaboração com ainda maior
fervor, “para a edificação do Corpo de Cristo” (Ef 4, 12), em todas as formas de apostolado,
e em particular quando se trata de fazer penetrar o espírito cristão em toda a vida familiar,
social, econômica e política.
15. Um dos motivos desse apelo ao laicato é, sem dúvida, a falta atual de sacerdotes, porém
mesmo no passado o sacerdote esperava pela colaboração dos leigos. Mencionemos apenas
a contribuição considerável que os professores e professoras católicos, bem como as
religiosas, trouxeram ao ensino da religião e, em geral, à educação cristã e à formação da
juventude – pense-se, por exemplo, nas escolas católicas dos Estados Unidos. A Igreja lhes
é reconhecida por isso: não era esse um complemento necessário do trabalho sacerdotal?
Mas persiste que a falta de sacerdotes é hoje particularmente sensível e ameaça vir a sê-lo
ainda mais; pensamos em particular nos imensos territórios da América Latina, cujos povos
e Estados conhecem na época presente um desenvolvimento rápido. Ali o trabalho dos
leigos não é senão mais necessário.
16. Por outro lado, mesmo independentemente do pequeno número dos sacerdotes, as
relações entre a Igreja e o mundo exigem a intervenção dos apóstolos leigos. A “consecratio
mundi” é, no essencial, obra dos próprios leigos, de homens que estão intimamente
entremeados à vida econômica e social, que participam do governo e das assembléias
legislativas. Do mesmo modo, as células católicas que devem criar-se em cada fábrica e em
cada meio de trabalho, para reconduzirem à Igreja os que dela estão separados, só pelos
próprios trabalhadores podem ser constituídas.
17. Aplique também aqui a autoridade eclesiástica o princípio geral do auxílio subsidiário e
complementar; confiem-se ao leigo as tarefas que ele pode executar tão bem ou mesmo
melhor do que o sacerdote, e, nos limites da sua função ou nos limites traçados pelo bem
comum da Igreja, possa ele agir livremente e exercer a sua responsabilidade.
18. Além disso, dever-nos-emos lembrar de que a palavra do Senhor: “Dignus est…
operarius mercede sua” (Lc 10, 7), aplica-se também a ele. Muitas vezes tem-nos
impressionado o vermos lembrar, nos Congressos missionários para o apostolado dos
leigos, a obrigação de dar a esses colaboradores o salário a eles devido; muitas vezes o
catequista é completamente ocupado pela sua tarefa missionária, e, por conseguinte, ele
próprio e sua família dependem, para viver, daquilo que a Igreja lhes dá. Por outro lado,
não deve o apóstolo leigo ofender-se se se lhe pede não fazer à missão que o mantém
exigências exageradas.
19. Em ocasião precedente evocamos a figura desses leigos que sabem assumir todas as suas
responsabilidades. Dizíamos então serem “homens constituídos na sua integridade
inviolável como imagens de Deus; homens ufanos da sua dignidade pessoal e da sua sã
liberdade; homens justamente ciosos de serem iguais aos seus semelhantes em tudo o que
concerne ao fundo mais íntimo da dignidade humana; homens ligados de maneira estável à
sua terra e à sua tradição” (Alocução aos novos Cardeais, 20 de fevereiro de 1946 –
Discursos e Radiomensagens, vol. VII, p. 393). Um tal conjunto de qualidades supõe que se
tenha aprendido a dominar-se, a se sacrificar, e que se haura incessantemente luz e força
nas fontes da salvação que a Igreja oferece.
20. O materialismo e o ateísmo de um mundo em que milhões de crentes devem viver
isolados obriga a formar em todos eles personalidades sólidas. Do contrário, como
resistirão aos arrastamentos da massa que os cerca? O que é verdadeiro para todos é-o
primeiramente para o apóstolo leigo, obrigado não somente a se defender, mas também a
conquistar.
21. Isso não tira nada ao valor das medidas de precaução, como as leis de proteção da
juventude, a censura dos filmes, e todas as disposições adotadas pela Igreja e pelo Estado
para preservar da corrupção o clima moral da sociedade. Para educar o jovem nas suas
responsabilidades de cristão, importa conservar-lhe a mente e o coração num ambiente
sadio. Poder-se-ia dizer que as instituições devem ser tão perfeitas que possam, por si sós,
assegurar a salvaguarda do indivíduo, ao passo que o indivíduo deve ser formado na
autonomia do católico adulto, como se só tivesse que contar consigo mesmo para triunfar
de todas as dificuldades.
O Apostolado dos Leigos
22. Elaboramos aqui o conceito de apostolado dos leigos no sentido estrito consoante o que
mais acima explicamos a respeito do apostolado hierárquico: consiste ele na tomada, por
leigos, do encargo de tarefas que emanam da missão confiada por Cristo à sua Igreja. Vimos
que esse apostolado persiste sempre apostolado de leigos, e não se torna “apostolado
hierárquico” mesmo quando se exerce por mandato da Hierarquia.
23. Daí se segue ser preferível designar o apostolado da oração e do exemplo pessoal como
apostolado no sentido mais amplo, ou impróprio, do termo. A este respeito, não podemos
senão confirmar os reparos que fazíamos na Nossa carta ao III Congresso Mundial da União
Mundial dos Docentes Cristãos, em Viena: “Quer a atividade profissional dos mestres e
mestras católicos pertença ou não ao apostolado dos leigos no sentido próprio, persuadi-
vos, caros filhos e filhas, de que o mestre cristão que, pela sua formação e dedicação, está à
altura da sua tarefa, e que, profundamente convicto da sua fé católica, dá o exemplo dela à
juventude que lhe é confiada, como uma coisa que se compreende por si mesma e que se
tornou nele uma segunda natureza, exerce a serviço de Cristo e da sua Igreja uma atividade
semelhante ao melhor apostolado dos leigos” (5 de agosto de 1957). Pode-se repetir esta
afirmação a respeito de todas as profissões, e especialmente das dos médicos ou
engenheiros católicos, mormente na hora atual, em que, nos países subdesenvolvidos e nos
territórios de missão, eles são chamados ao serviço dos governos locais ou da UNESCO e
das outras Organizações internacionais, e pela sua vida e pelo exercício da sua profissão dão
o exemplo e uma vida cristã plenamente desabrochada.
24. A Ação Católica traz sempre o caráter de um apostolado oficial dos leigos. Dois reparo
aqui se impõem: o mandato, sobretudo o de ensinar, não é dado à Ação Católica no seu
conjunto, mas sim aos seus membros organizados em particular, segundo a vontade e a
escolha da Hierarquia. A Ação Católica também não pode reivindicar o monopólio do
Apostolado dos leigos, porquanto, ao lado dela, subsiste o apostolado leigo livre. Indivíduos
ou grupos podem colocar-se à disposição da Hierarquia e ver lhes serem por ela confiadas,
para duração fixa ou indeterminada, certas tarefas para as quais eles recebem mandato.
Decerto pode a gente então perguntar-se se também não se tornam membros da Ação
Católica. O ponto importante é que a Igreja hierárquica, os Bispos e os sacerdotes, podem
escolher para si colaboradores leigos, quando acham pessoas capazes e dispostas a ajudá-
los.
25. Parece necessário fazermos aqui conhecer, ao menos nas suas linhas gerais, uma
sugestão que Nos foi comunicada bem recentemente. Assinala-se que reina atualmente um
mal-estar lamentável, assaz largamente difundido, que acharia a sua origem sobretudo no
uso do vocábulo “Ação Católica”. Com efeito, esse termo seria reservado a certos tipos
determinados de apostolado leigo organizado, para os quais ele cria, perante a opinião
pública, uma espécie de monopólio: todas as organizações que não entram no quadro da
Ação Católica assim concebida – afirma-se – inculcam-se de menor autenticidade, de
importância secundária, parecem menos apoiadas pela Hierarquia, e ficam como que à
margem do esforço apostólico essencial do laicato. Daí resultaria o fato de uma forma
particular de apostolado leigo, isto é, a Ação Católica, triunfar em detrimento das outras, e
assistir-se à manumissão da espécie sobre o gênero. Bem mais, chegar-se-ia, na prática, a
fazer-se exclusivista e a fechar a diocese aos movimentos apostólicos que não trazem o
rótulo da Ação Católica.
26. Para resolver essa dificuldade, encaram-se duas reformas práticas: uma de
terminologia, e, como corolário, outra de estrutura. Primeiramente, haveria que restituir ao
termo “Ação Católica” o seu sentido geral, e aplicá-lo unicamente ao conjunto dos
movimentos apostólicos leigos organizados e reconhecidos como tais, nacional ou
internacionalmente, quer pelos Bispos no plano nacional, quer pela Santa Sé para os
movimentos que visem a ser internacionais. Bastará, pois, que cada movimentos particular
seja designado pelo seu nome e caracterizado na sua forma específica, e não segundo o
gênero comum. A reforma de estrutura seguir-se-ia à fixação do sentido dos termos. Todos
os grupos pertenceriam à Ação Católica e conservariam o seu nome próprio e a sua
autonomia, mas formariam todos juntos, como Ação Católica, uma unidade federativa.
Cada Bispo ficaria livre de admitir ou de recusar tal movimento, de mandatá-lo ou não, mas
não lhe pertenceria recusá-lo como não sendo Ação Católica pela sua própria natureza. – A
realização eventual de um tal projeto requer, naturalmente, reflexão atenta e prolongada.
Pode o vosso Congresso oferecer uma ocasião favorável de discutir e examinar este
problema, ao mesmo tempo que outras questão similares.
27. Resta ainda uma palavra a dizer, para rematar estas considerações de princípio, sobre as
relações do apostolado dos leigos com a autoridade eclesiástica. Basta então repetir o que,
já em 1951, estabelecíamos como regra geral: que o apostolado dos leigos, nas suas formas
mais variadas, deve “manter-se sempre nos limites da ortodoxia, e não se opor às legítimas
prescrições das autoridades eclesiásticas competentes” (Ver I, n. 24). Entrementes vimo-
Nos forçado a refutar uma opinião errônea sobre a “teologia leiga”, opinião que derivava de
uma concepção inexata da responsabilidade do leigo (Aloc. “Si diligis”, 31 de maio de 1954 –
Discursos e Radiomensagens, vol. XVI, p. 45). O termo “teologia leiga” é destituído de
qualquer sentido. A norma que se aplica em geral ao apostolado dos leigos, e que acabamos
de relembrar, vige tão naturalmente, e mais ainda, para o “teólogo leigo”; mas, se ele quiser
publicar escritos sobre matérias teológicas, também precisa da aprovação explícita do
Magistério eclesiástico.
28. A atividade do leigo católico é particularmente oportuna nos domínios onde a
investigação teológica ladeia a das ciências profanas. Recentemente, por iniciativa da
Görres-Gesellschaft, um grupo de teólogos e de naturalistas acordaram discutir, em
encontros regulares, sobre as questões comuns que lhes interessam. Só podemos felicitá-los
por tal iniciativa.
II. ii. FORMAÇÃO DOS APÓSTOLOS LEIGOS. EXERCÍCIO DO APOSTOLADO
DOS LEIGOS.
29. Alguns reparos bastarão a respeito da formação dos apóstolos leigos. Nem todos os
cristãos são chamados ao apostolado leigo no sentido estrito. Já dissemos que o Bispo
deveria poder tomar colaboradores entre aqueles que ele achar dispostos e capazes, pois a
disposição somente não basta. Os apóstolos leigos formarão, pois, sempre um escol; não
por se conservarem afastados dos outros, senão, muito ao contrário, por serem capazes de
atrair os outros e de agir sobre eles. Assim se compreende que, além do espírito apostólico
que os anima, devam eles possuir uma qualidade sem a qual fariam mais mal do que bem: o
tato.
30. Por outro lado, para adquirir a competência requerida, cumpre evidentemente aceitar o
esforço de uma séria formação: esta, cuja necessidade para os docentes ninguém põe em
dúvida, impõe-se igualmente para todo apóstolo leigo, e com prazer soubemos que o
encontro de Kisubi insistiu fortemente sobre a formação intelectual. – Quanto aos leigos
que se ocupam da administração dos bens eclesiásticos, sejam eles escolhidos com
prudência e com conhecimento de causa. Quando uns incapazes ocupam esses cargos, não
sem prejuízo para os bens eclesiásticos, a culpa disso recai menos sobre eles mesmos do que
sobre as autoridades que os chamaram ao su serviço.
31. Na hora atual, até mesmo o apóstolo leigo que trabalha entre os operários nas fábricas e
nas empresas tem necessidade de um saber sólido em matéria econômica, social e política,
e também deverá, pois, conhecer a doutrina social da Igreja. Conhece-se uma Obra de
apostolado para os homens que forma os seus membros num “Seminário Social” que recebe
300 participantes durante cada semestre de inverno, e dispõe dos serviços de vinte
conferencistas: professores de Universidade, juízes, economistas, juristas, médicos,
engenheiros, conhecedores de línguas e de ciências. Ao que nos parece, este exemplo
merece ser seguido.
32. A formação dos apóstolos leigos será tomada em mão pelas próprias obras de
apostolado leigo, que acharão auxílio junto ao clero secular e às Ordens religiosas
apostólicas. Os Institutos seculares trar-lhes-ão também, estamos certos, uma colaboração
apreciada. Para a formação das mulheres no apostolado leigo, as religiosas já têm no seu
ativo belas realizações, em países de missão e alhures.
33. Quiséramos chamar especialmente a vossa atenção para um aspecto da educação dos
jovens católicos: a formação do seu espírito apostólico. Em vez de ceder a uma tendência
um pouco egoísta, pensando só na salvação da sua alma, tomem eles também consciência
da sua responsabilidade para com os outros e dos meios de os ajudar. Nenhuma dúvida,
aliás, de que a oração, o sacrifício, a ação corajosa para ganhar os outros para Deus, sejam
penhores seguríssimos da salvação pessoal. Com isto absolutamente não pretendemos
censurar o que se fez no passado, pois não faltam nele realizações numerosas e notáveis a
este respeito. Pensamos, entre outros, nos hebdomadários católicos, que têm alimentado o
zelo de muitos pelas obras caritativas e pelo apostolado. Movimentos como a Obra da Santa
Infância têm tido, neste sentido, iniciativas fecundas. Todavia, o espírito apostólico
implanta-se no coração da criança não somente na escola, mas também muito antes da
idade escolar, pelos cuidados da própria mãe. Aprenderá ela como rezar na Missa, como
oferecê-la com intenção que abranja o mundo inteiro e sobretudo os grandes interesses da
Igreja. Examinando-se sobre os deveres para com o próximo, ela não se perguntará
somente: “Fiz mal ao próximo?”, mas ainda: “Mostrei-lhe o caminho que conduz a Deus, a
Cristo, à Igreja, à salvação?”
34. Quanto ao exercício do apostolado leigo, já que as reflexões acima emitidas tocaram
vários pontos, só trataremos aqui de certos campos de apostolado de onde se levanta, por
enquanto, um apelo mais urgente.
A Paróquia
35. Não é um sinal confortador o fato de, hoje em dia, até mesmo adultos considerarem
como uma honra o servirem no altar? E os que, pela música e pelo canto, contribuem para o
louvor de Deus e para a edificação dos fiéis, exercem, sem dúvida alguma, um apostolado
leigo digno de elogios.
36. O apóstolo leigo empenhado no apostolado de bairro, e que vê lhe serem confiados
grupos de casas da paróquia, deve tratar de se informar com exatidão da situação religiosa
dos habitantes. As condições de habitação são más ou insuficientes? Quem é que teria
necessidade do socorro das obras caridosas? Há ali casamentos a regularizar? crianças a
batizar? Que valem as bancas de jornais, as livrarias, as bibliotecas circulares do bairro?
Que é que lêem os jovens e os adultos? A complexidade e às vezes o caráter delicado dos
problemas a resolver neste tipo de apostolado convidam a só aplicar nele uma “elite” dotada
de tacto e de verdadeira caridade.
Imprensa, Rádio, Filme, Televisão
37. As empresas de edições e de livraria são, para o apostolado leigo, um terreno de escolha.
Folgamos de saber que a grande maioria dos editores e livreiros católicos consideram a sua
profissão como um serviço da Igreja.
38. A biblioteca paroquial pode ser mantida convenientemente por leigos, que
habitualmente serão leitores e leitoras experimentados. Nas bibliotecas circulantes, bons
católicos acharão também ensejo de fazer o bem.
39. O jornalista católico, que exerce o seu mister com espírito de fé, é muito naturalmente
um apóstolo leigo. O Congresso de Manilha pediu para a Ásia jornalistas católicos e uma
imprensa católica. Aliás, é normal que os católicos colaborem com a imprensa, mesmo com
a de interesse local.
40. No que diz respeito ao rádio, ao cinema, à televisão, encaminhamos ao que dissemos na
Encíclica Miranda prorsus, de 8 de setembro deste ano (1957). Dupla tarefa deve cumprir-
se: evitar todo elemento de corrupção, e promover os valores cristãos. Contam-se
atualmente no mundo inteiro doze bilhões de pessoas que freqüentam cada ano as salas
locais de espetáculo. Ora, sobejos espetáculos, entre os que lhes são oferecidos, não atingem
o nível cultural e moral que se estaria no direito de esperar. O fato mais lamentável é que,
as mais das vezes, o filme apresenta um mundo em que os homens vivem e morrem como
se Deus não existisse. Trata-se, pois, de evitar aqui perigos mortais para a fé e para a vida
cristã. Jamais se poderia arcar diante de Deus com a responsabilidade de tolerar
semelhante situação, e com todas as forças deve-se tentar modificá-la. Por isto somos
gratos a todos os que, no domínio do rádio, do filme e da televisão, empreendem um
trabalho corajoso, inteligente e sistemático, já recompensado por muitos resultados que
autorizam sérias esperanças. Em particular recomendamos as associações e ligas que se
propõem fazer prevalecer os princípios cristãos no uso do cinema.
41. Nas paróquias, ou ao menos nos decanatos, grupos de trabalho formarão não somente
os seus membros e os seus colaboradores, mas também o público, nos seus deveres para
com o rádio, o cinema e a televisão, e ajuda-los-ão a cumpri-los. No que concerne à
televisão, é indispensável que a Igreja esteja representada nos “comitês” encarregados de
elaborar programas, e que especialistas católicos tomem assento entre os produtores. Os
sacerdotes bem como os leigos são convidados a esta tarefa – pode o sacerdote possuir nisto
competência igual à do leigo, – mas em todos os casos a intervenção dos leigos é requerida.
O Mundo do Trabalho
42. Vinte milhões de jovens entram cada ano no trabalho no mundo inteiro. Entre eles
achamos católicos, mas também milhões de outros que são bem abertos a uma formação
religiosa. Por todos eles deveis sentir-vos responsáveis. Quantos deles a Igreja conserva?
quantos torna a ganhar? Visto que o clima da empresa é nefasto ao jovem, a “célula”
católica deve intervir nas oficinas, como também nos trens, nos ônibus, nas famílias, nos
bairros; em toda parte ela agirá, dará o tom, exercerá uma influência benéfica, difundirá
uma vida nova. Assim, um contramestre católico será o primeiro a se ocupar dos recém-
vindos, por exemplo, para lhes achar uma casa conveniente, para lhes proporcionar boas
amizades, para os pôr em relação com a vida eclesiástica local, e velará por que eles se
aclimem facilmente à sua situação.
43. O apelo que o ano passado lançávamos aos católicos alemães dirige-se também aos
apóstolos leigos do mundo inteiro, onde quer que reinem a técnica e a indústria: “Uma
tarefa importante vos incumbe, – dizíamos-lhes, – a de dar a esse mundo da indústria uma
forma e uma estrutura cristãs… Cristo, para quem tudo foi criado, o Senhor do mundo,
também continua sendo Senhor do mundo atual, pois este igualmente é chamado a ser um
mundo cristão. A vós pertence conferir-lhe a marca de Cristo” (Mensagem radiofônica ao
Kölner Katholikentag, 2 de setembro de 1956 – Discursos e Radiomensagens, vol. XVIII, p.
397). Tal é realmente a mais pesada, mas também a maior, tarefa do apostolado laico
católico.
A CECA
44. Recentemente reuniu-se em Luxemburgo um Congresso sobre os problemas sociais na
Comunidade européia do carvão e do aço. O relatório que o ICARES (Institut International
Catholique de Recherches Socioecclésiales) apresentou sobre ele continha três pontos que
Nos parecem de importância particular para a questão aqui tratada. Primeiro, a população
mineira do território da Comunidade, que se estende do Ruhr à Bélgica e aos Pirineus,
compõe-se, na maioria, de emigrantes pertencentes aos diversos países da Europa. Em
segundo lugar: quanto à prática religiosa, os mineiros, em comparação com o meio social
circundante, só representam a mais fraca minoria, porque são mais facilmente
desarraigados do que as outras categorias de trabalhadores. Têm, pois, necessidade de uma
reintegração social. Em terceiro lugar, e isto se aplica à vida da comunidade católica, a
conduta religiosa do mineiro emigrado depende estreitamente da situação de sua família,
das condições de habitação, da integração mais ou menos rápida no meio que o recebe. Diz,
mesmo, o relatório que o apostolado leigo deve propor-se aplicar concretamente aos
emigrados as normas da Constituição Apostólica Exsul familia.
45. Cumpre absolutamente evitar que os mineiros da CECA se tornem a presa de
movimentos ateístas, e pôr tudo por obra a fim de que eles sejam salvos e venham a Deus e
a Cristo.
A América Latina
46. A situação da Igreja na América Latina é caracterizada por um aumento rápido da
população: esta, que em 1920 contava 92 milhões de pessoas, breve contará 200 milhões.
Nas grandes cidades, a população acumula-se em massas enormes: o progresso técnico e
industrial avança rapidamente; em compensação, os padres são em número insuficiente:
em vez dos 160.000 que seriam estritamente necessários, achamos apenas 30.000. Enfim,
quatro perigos mortais ameaçam ali a Igreja: a invasão das seitas protestantes; a
secularização da vida toda; o marxismo, que nas universidades se revela o elemento mais
ativo e tem em mãos quase todas as organizações de trabalhadores; e, finalmente, um
espiritismo inquietador.
47. Nestas circunstâncias o apostolado leigo parece-Nos incumbido de três
responsabilidades principais: primeiro, a formação de apóstolos leigos para suprir a falta de
padres na ação pastoral. Em certos países onde o comunismo está no poder, diz-se que a
vida religiosa, após a prisão dos padres, tem podido continuar de maneira oculta, graças à
intervenção dos apóstolos leigos. O que é possível em tempo de perseguição deve sê-lo
também em período de relações pacíficas. Apliquem-se, pois, as pessoas a formar
sistematicamente e a por em obra os apóstolos leigos nas paróquias gigantes, de cinqüenta
a cem mil fiéis, ao menos por todo o tempo enquanto durar a falta de padres. Depois,
introduzam-se no ensino, da escola primária à universidade, homens e mulheres católicos
exemplares como docentes e como educadores. Em terceiro lugar, sejam eles metidos na
direção da vida econômica, social e política. Há quem se queixe de que na América Latina a
doutrina social da Igreja seja muito pouco conhecida. Ali se sente, pois, a necessidade de
uma formação social aprofundada, e da ação de uma “elite” operária católica para disputar
pacientemente as organizações de trabalhadores à influência do marxismo. Já agora
associações obreiras católicas trabalham de maneira notável em vários lugares. A elas
somos, por isso, muito reconhecido. Mas não deve isso ser a exceção, antes deve ser a regra,
num continente católico como a América Latina.
Nas Missões da Ásia e da África
48. Entre os numerosos problemas que aqui poderíamos tratar, reiteremos alguns que Nos
parecem mais importantes. Por ocasião do Congresso dos Leigos em Manilha, uma voz
autorizada pos em evidência uma tarefa cuja natureza precisa e cuja exata concepção a
Hierarquia eclesiástica pode ter de fixar, mas que, sob as suas mil formas, deve ser
cumprida pelos leigos. Trata-se da utilização das forças católicas – e estas podem ser muito
consideráveis – para que a vida nacional se desenvolva harmoniosamente, livre do
nacionalismo extremista e do ódio nacional, a despeito de todos os azedumes que as épocas
passadas possam ter acumulado, e isso unindo os valores da cultura nada têm de
repreensível.
49. Salvo nas Filipinas, os católicos da Ásia, como, na maioria, os da África, constituem
entre o seu povo minorias. Distingam-se eles, pois, tanto melhor pelo exemplo! De modo
particular, deverão interessar-se mais pela vida pública, econômica, social e política. Com
efeito, onde quer que o fazem, eles têm adquirido a estima dos não-católicos, mas só
entrarão na vida pública depois de para isto se haverem bem preparado. A doutrina social
católica ainda é pouquíssimo conhecida na Ásia. Por isto as Universidades católicas da
América e da Europa deverão prestar de bom grado o seu auxílio aos cristãos da Ásia e da
África que desejem preparar-se para os cargos públicos.
50. Formar-se-ão docentes de valor para as escolas de todos os graus. Na Ásia como na
África, as escolas católicas são muito estimadas pelos não-católicos. Por Nossa parte
desejamos que o ensino da religião vele mais por não separar a doutrina da vida.
51. Uma palavra a respeito do emprego dos catequistas. A Ásia e a África contam, para um
bilhão e meio de habitantes, uns 25 milhões de católicos, com 20.000 a 25.000 padres e
74.000 catequistas. Se a este número juntarmos os docentes, que, muitas vezes, são os
melhores catequistas, chegamos a 160.000. O catequistas representa talvez o caso mais
clássico do apostolado leigo, pela própria natureza da sua profissão e por suprir a falta de
padres. Avalia-se, ao menos entre os missionários da África, que um missionário
acompanhado de 6 catequistas consegue mais do que conseguem 7 missionários; com
efeito, o catequista competente trabalha num meio familiar, cuja língua e cujos costumes
ele conhece bem; entra em contato com os indivíduos bem mais facilmente do que um
missionário vindo de longe.
52. Os catequistas são, pois, uns apóstolos leigos autóctones; mas existe também um
apostolado de leigos e de ajudantes de leigos missionários estrangeiros. Médicos,
engenheiros, trabalhadores manuais de diversas profissões querem apoiar nas missões o
trabalho dos padres pelo seu exemplo e pela sua atividade profissional, mormente para a
formação dos indígenas. Simultaneamente com a sua formação profissional, ou depois
desta, recebem eles uma formação espiritual em mira à sua atividade missionária. Existem
presentemente doze destes movimentos ou obras, coordenadas por um secretariado geral
em Milão. Mas o laicato missionário ainda está no início da sua expansão, e, de resto, só
pode aceitar uma “elite”.
53. Pela sua economia, a Ásia persiste, à razão de 70%, uma região de agricultura, e com
toda razão se tem dito que, se o agricultor é o homem mais importante da Ásia, também é o
mais descurado. A este respeito, os católicos têm consciência de deverem examinar-se. Nas
Filipinas, os leigos católicos, que, com o padre, se ocupam do reerguimento social e
religioso dos agricultores, são os apóstolos leigos mais apreciados.
54. As mulheres da Ásia e da África oferecem ao apostolado leigo feminino inúmeras
ocasiões de empregar-se: nas escolas de todo gênero, na luta contra os casamentos de
meninos, contra os casamentos forçados, contra o divórcio, contra a poligamia. Do mesmo
modo quanto ao preparo das moças para o casamento, o qual se faz com fruto por meio de
religiosas, por exemplo, em Hong-Kong, no Congo Belga e em Uganda, e quanto à formação
de grupos de mulheres católicas, que se ajudam mutuamente e trazem o seu apoio caridoso
às mulheres não-católicas do seu bairro.
55. Apostolado difícil, sem dúvida, o das mulheres, mas também cheio de esperança.
Porquanto, em todos os territórios de missão onde o catolicismo se tem desenvolvido, a
experiência mostra que a dignidade feminina é mais bem respeitada.
56. Na África especialmente, vemos com alegria e gratidão o dinamismo extraordinário das
jovens gerações de católicos nas tarefas culturais, sociais e políticas. Cooperem eles, pois,
nos movimentos sindicais de inspiração cristã, como no Vietnam e na África equatorial e
ocidental, e formem cooperativas de venda e de consumo; participem da representação
nacional e dos negócios comunais: a Igreja não faz somente induzir à piedade, mas
responde a todas as questões de vida. Portador de riquezas espirituais do seu continente, o
jovem laicato africano será a testemunha delas e as cultivará na sua vida e na sua ação.
57. Para findar, damo-vos duas diretrizes: primeiro, colaborardes com os movimentos e
organizações neutras e não-católicas, se e na medida em que, com isso, servirdes o bem
comum e a causa de Deus. Em segundo lugar, participai mais das organizações
internacionais. Esta recomendação dirige-se a todos, mas concerne particularmente aos
técnicos da agricultura.
Conclusão
58. Sempre houve na Igreja de Cristo um apostolado dos leigos. Santos como o Imperador
Henrique II, Estevão, o criador da Hungria católica, Luís IX de França, eram apóstolos
leigos, se bem que, no início, não estivessem cônscios disto, e que o termo apóstolo leigo
ainda não existisse naquela época. Mulheres também, como Santa Pulquéria, irmã do
Imperador Teodósio II, ou Mary Ward, era apóstolos leigos.
59. Se hoje em dia esta consciência é despertada, e se o termo apostolado leigo é um dos
mais empregados quando se fala da atividade da Igreja, é porque a colaboração dos leigos
com a Hierarquia nunca foi necessário até este ponto, nem praticada de maneira tão
sistemática.
60. Essa colaboração traduz-se em mil formas diversas, desde o sacrifício silencioso
oferecido pela salvação das almas, até à boa palavra e ao exemplo que força a estima dos
próprios inimigos da Igreja, até à cooperação nas atividades próprias da Hierarquia,
comunicáveis aos simples fiéis, e até às audácias que se pagam com a vida, mas que só Deus
conhece e que não entram em nenhuma estatística. Talvez que este apostolado leigo oculto
seja o mais precioso e o mais fecundo de todos.
61. O apostolado leigo tem, aliás, como qualquer outro apostolado, duas funções: a de
conservar e a de conquistar, ambas as quais se impõem com urgência à Igreja atual. E, para
o dizermos bem claramente, a Igreja de Cristo não cogita de abandonar sem luta o terreno
ao seu inimigo declarado, o comunismo ateu. Este combate será prosseguido até o fim, mas
com as armas de Cristo!
62. Ponde-vos em obra com uma fé ainda mais forte do que a de São Pedro quando, ao
chamado de Jesus, largou a sua barca e andou sobre as águas para ir ao encontro do seu
Senhor (cf. Mt 14, 30-31).
63. Durante estes anos tão agitados, Maria, a Rainha gloriosa e poderosa do céu, tem feito
sentir, nas mais diversas regiões da terra, a sua assistência de maneira tão tangível e
maravilhosa, que lhe recomendamos com confiança ilimitada todas as formas do
apostolado leigo.
64. Em penhor da força e do amor de Jesus Cristo, que se difundem também no apostolado
leigo, concedemos aos Nossos Veneráveis Irmãos no Episcopado aqui presentes, aos
sacerdotes que participam do vosso Congresso e a todos vós, homens e mulheres do
apostolado leigo, a todos os que aqui vieram e aos que trabalham no mundo inteiro, a Nossa
paternal Bênção Apostólica.
PAPA PIO XII
* Apresentação:
pelo Rev. Pe. Joël Danjou
 
O apostolado leigo, uma questão atual de grande importância.
Apresentamos a seguir dois documentos fundamentais do Papa Pio XII.
No primeiro deles o Papa Pio XII dizia em 1951: “Um complemento fornecido pelos leigos
ao apostolado é portanto de necessidade indispensável.”(nº12). Em conseqüência é
necessário saber quem é chamado a esse apostolado e quais são os princípios que permitem
assegurar os seus melhores efeitos para as almas. É no respeito e na aplicação dos
princípios que as mais diversas obras de apostolado podem esperar esses bons frutos. “É
fora de dúvida que o apostolado dos leigos está subordinado à Hierarquia Eclesiástica; esta
é de instituição divina; não é portanto possível independer dela. Pensar de outro modo seria
solapar pela base a rocha sobre a qual o próprio Cristo edificou a sua Igreja.”(nº21). Esse
apostolado, é como “um instrumento nas mãos da Hierarquia”(nº25). “ O leigo é chamado
ao apostolado como colaborador do Padre, freqüentemente colaborador muito precioso, e
mesmo necessário em virtude da falta de Clero, muito pouco numeroso, dizíamos, para ser
apto a satisfazer sozinho sua missão.”( nº27).
Num segundo documento do ano 1957, Pio XII precisa ainda mais os aspectos
fundamentais do apostolado dos leigos. Explica expressões e noções como “apostolado
hierárquico” e “apostolado dos leigos”, discerne quem deve e quem pode ensinar, e de qual
maneira. Insiste sobre a necessária “formação dos apóstolos leigos” e o “exercício do
apostolado dos leigos”.
Muito prático também, o documento do Papa indica vários exemplos concretos. Considera
com uma lucidez confirmada pela situação presente, as necessidades próprias da América
Latina, da Ásia e da África.
“… quatro perigos mortais ameaçam ali (América Latina) a Igreja: a invasão das seitas
protestantes; a secularização da vida toda; o marxismo, que nas universidades se revela o
elemento mais ativo e tem em mãos quase todas as organizações de trabalhadores; e,
finalmente, um espiritismo inquietador.”(nº46).
Com essa leitura, compreendemos que o verdadeiro apostolado leigo é motivo de muitas
esperanças para a Igreja, causa viva de santificação para os leigos, e fonte do espírito
missionário que faz inevitavelmente brotar as vocações sacerdotais e religiosas.

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