Você está na página 1de 21

)

Larissa Ramina/ Tatyana Scheila Friedrich (Coords.

da Pontifícia
Direitos Humanos dos Programas de Pós-Graduação
da Pontifí cia Univer sidade
Universidade Católica de São Paulo,
Católica do Paraná e da Universidade Pablo de Olavide (Sevilha,
Espanha); visiting fellow do Human Rights Program
da Harvard
for Brazilian
SUMÁRIO
Law School (1995 e 2000), visiting fellow do Centre
visiting fellow do Max
Studies da University of Oxford (2005),
Lawan d Interna tional Law
Planck Institute for Comparative Public
— 2007 e 2008); desde 2009 é Humboldt Foundation
(Heidelberg
Georg Forster Research Fellow Max Planck Institute
no
ho Nacion al de Defesa dos OS NT
INDIVÍDUOS COMO SUJEITOS DO DIREITO INTERNA-
(Heidelberg); membro do Consel
Direitos da Pessoa Humana. Foi membro da UN High Level Task
Force on the implementation of the right to development e é Antônio Augusto Cançado Trindade .......... 15
para O monito ramento do
membro do OAS Working Group
de direitos econômicos, A CARTA INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS,
Protocolo de San Salvador em matéria
COERENCIA E COMPLEMENTARIEDADE?
sociais e culturais.
Emmanel Decaux......sissisiseieersreo 69
A
h

SOBRE A PROTEÇÃO INTERNACIONAL DA PESSOA HUMANA


Jorge Miranda... irc rererarerererenecareranerareranteseceanerananta 89

O DIREITO E A ORDEM INTERNACIONAL NO SÉCULO XXI:


COMPLEXIDADES E REFLEXÕES NA CONTEMPORANEIDADE
Larissa Ramina

A CONCEPÇÃO CONTEMPORÂNEA DOS DIREITOS HUMANOS


O MITO DA UNIVERSALIDADE: OS PARADOXOS DA
UNIVERSALIZAÇÃO PARCIAL DOS DIREITOS
RR Girardi Fachiitsssassaasacisssassanssd
eme ntirstama Dao disto visando 153

A PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NAS RELAÇÕES


PRIVADAS INTERNACIONAIS
Talvana Scheila: FrledilOhas ese ssa ass ces prsensdon os einasiasr ds seaea 169

ÍNDICE ALFABÉTICO ...... es 201


112 Jorge Miranda

V - Regra básica é também, quanto aos indivíduos, a do esgota-


mento prévio dos meios ou recursos internos, salvo prazo razoável [art.
26 da Convenção Europeia, art. 35 após o Protocolo 11; art. 41, 1, alínea |
“e”, do Pacto de Direitos Civis e Políticos, arts. 2º e 5º, alínea “b”, do
Protocolo Adicional Anexo, art. 46, 1, alínea “a”, da Convenção Intera- O DIREITO E A ORDEM INTERNACIONAL
mericana, art. 14, 7, alínea “a”, da Convenção sobre. Discriminação Racial, NO SÉCULO XXI: COMPLEXIDADES E
art. 21,5, alínea “e”, da Convenção contra a Tortura].
REFLEXÕES NA CONTEMPORANEIDADE
Daí, o inerente caráter supletivo ou subsidiário da proteção inter-
nacional dos direitos do homem”. Exceção é o regime do Comitê de
Liberdade Sindical da OIT. Larissa Ramina!
VI - A queixa de um cidadão contra o seu próprio Estado diante
de um órgão internacional, a indagação a que este proceda e a eventual
Sumário: 1. A sociedade internacional clássica e o direito internacional: notas
decisão contra o Estado que venha a decretar (v. g., condenando-o a pa- preliminares. 2. A sociedade internacional pós-Vestefália e o direito
gar uma indemnização ao lesado) abalam de uma maneira irreversível o internacional; 2.1. Problemas globais: novos desafios ao direito in-
dogma da soberania. rernacional: 2.2. A transformação progressiva e radical do direito in-
? rernacional. 3. Considerações finais: a reformulação da soberania
Existe, todavia, um estádio mais avançado de interferência, um estatáf à. Referências
grau mais intenso de proteção dos direitos do homem e de compressão
dos poderes do Estado: é o Direito Internacional Penal quando comine a
criminalização das ofensas mais graves daqueles direitos pelos titulares
de órgãos e agentes desse mesmo Estado e institua tribunais para os pu- 1 A SOCIEDADE INTERNACIONAL CLÁSSICA E O
nirºº. No limite, não se tendo evitado tais violações e para prevenir outras DIREITO INTERNACIONAL: NOTAS PRELIMINARES
no futuro, apela-se a uma justiça internacional”.
Muitos jusinternacionalistas convergem no fato de que o direito in-
ternacional é um direito “intersocial” ou “intergrupal”?, sendo portanto
possível constatar sua existência na época pré-estatal. Essa afirmativa tem
fundamento no fato de que, muito embora a Europa tenha contribuído deci-
sivamente para a afirmação do Estado como conceito central do direito
internacional, a civilização europeia é também herdeira do pensamento
antigo greco-romano e dos princípios cristãos que impregnaram toda a
Idade Média”.
*º CF GUINANO, Jean. La rêgle de ['épuissement des voies de recours internes dans le Para os fins do presente estudo, não obstante, o ponto de partida
cadre des systêmes internationaux de protection des droits de [Fhomme. In: La será a formação da sociedade interestatal, qual seja, a partir do surgimen-
protection international des droits de "homme. p. 91 e ss.; QUADROS, Fausto de.
Exaustão dos Meios Internos (Princípio da). In: Dicionário Jurídico da Administração to do Estado soberano. Quando se pretende refletir acerca do direito e da
Pública. v. IV, p. 268 e ss.; TRINDADE, Cançado. A regra do esgotamento dos recursos
de direito interno na jurisprudência da Comissão e da Corte Interamericana de direitos Direito
Doutora em Direito Internacional pela USP (2006), Professora de
humanos. /n: As garantias do cidadão na jurisdição. Obra coletiva. São Paulo: 1993.
Internacional da UFPR e Professora do Programa de Mestrado em Direitos
p. 369 e ss. e A regra do esgotamento dos recursos internos revisitada. In: Liber
Amicorum Hector Fix-Zamudio, v. |, p. 15 ess. Fundamentais e Democracia da UniBrasil.
2 QUOC DINH, Nguyen; DAILLER. Patrick; PELLET, Alain. Droit International
Sobre o Direito Penal Internacional ver para uma introdução, MIRANDA, Jorge.
Public. Paris: LGDJ. 1999. p. 41.
Curso de Direito Internacional Público. 5. ed. Cascais: 2012, p. 352 e ss. Alain. Droit International
61 3 QUOC DINH, Nguyen: DAILLER, Patrick: PELLET,
Como fez a Constituição brasileira no art. 7º do Ato de Disposições Transitórias (em
Public. Paris: LGDJ. 1999. p. 41.
coerência com o art. 4º-II). Cf., em Portugal. art. 7º, n. | da Constituição.
H4 Larissa Ramina
Direitos Humanos — v. 1 ns

ordem internacional, portanto, é necessário remeter-se à conformação da mento normativo. O surgimento do Estado, de acordo com muitos auto-
sociedade internacional de Estados. res, permitiu a criação de um “sistema”, chamado de “interestatismo” ou
A sociedade internacional clássica foi uma estrutura política ali- “sistema de Estados”, que por sua vez possibilitou o aparecimento do
cerçada no poder do Estado soberano. O poder estatal, bem como o modo direito internacional.
de produção capitalista, por sua vez, se consolidou entre os séculos XII e A Paz de Vestefália consistiu nos acordos de Osnabriick e Muns-
XVII, em especial no continente europeu. Foi, portanto a Europa o palco ter, que puseram fim à Guerra dos Trinta Anos. O tratado de Osnabriick
das principais instituições do direito internacional, que se espalharam foi concluído entre o reino da Suécia e seus aliados, de um lado, e o im-
para o resto do mundo em virtude do expansionismo colonial. perador e os príncipes da Alemanha, de outro. As partes do tratado de
A consolidação da soberania estatal se deu em dois planos, quais Munster foram a França e seus aliados, incluindo o reino da Suécia, e o
sejam, o plano interno e o plano externo. No plano interno, o poder sobe- imperador e os príncipes da Alemanha. Observe-se que ambos os tratados
rano afirmou-se em face dos senhores feudais. No plano externo, a afir- revestiram a forma bilateral, uma vez que a técnica dos tratados multila-
mação do poder soberano deu-se em face do sacro império romano- terais não era conhecida à época. Referida guerra desenrolou-se entre
-germânico e das pretensões universalistas da igreja católica. Jean Bodin 1618 e 1648, e consistiu em um conflito dinástico-religioso que envolveu
esforçou-se em encontrar um fundamento jurídico para fortalecer a ação questões de liberdade de fé e de supremacia política na Europa Ociden-
do rei contra o papado e o Império, com vistas à construção do Estado, o tal. Participaram dos Tratados de Vestefália representantes de pratica-
que está consignado em seu Les six livres de la République, publicado mente todos os países integrantes do sistema europeu de Estados daquele
em 1576, em que percebe na soberania a característica essencial do Esta- período histórico.
do. A Guerra dos Trinta Anos, em princípio, opôs a Áustria monár-
Quando consolidado, o Estado soberano se tornou a principal re- quica e católica aos Estados alemães, feudais e protestantes. Aos poucos
ferência do mundo moderno, inaugurando uma nova fase da evolução da se generalizou, envolvendo outros Estados, e transformou-se em verda-
humanidade, que vem sendo denominada especificamente de sociedade deira guerra europeia.
internacional clássica, cujos marcos temporais são comumente identifi- - Os Tratados de Vestefália foram chamados de “Carta constitucio-
cados como sendo 1648, data da celebração da chamada Paz de Vestefá- nal da Europa”, pois consagraram a dupla derrota do imperador e do papa,
lia, e 1948, data da adoção da Declaração Universal dos Direitos Huma- legalizando formalmente o nascimento dos novos Estados soberanos e a
nos pela Assembleia Geral da ONU”. nova carta política da Europa. A liquidação do império germânico verifi-
A sociedade internacional clássica conformou-se no momento da cou-se pela transformação da Alemanha em vários Estados independentes,
assinatura dos tratados que constituem a Paz de Vestefália. A Paz de e a vitória das monarquias sobre o papado também é consagrada no plano
Vestefália funcionou como uma espécie de divisor de águas entre a Idade religioso, pela instituição da liberdade religiosa”.
Média, centrada no poder da igreja, e a sociedade internacional clássica, Assim, a Paz de Vestefália afirmou três princípios fundamentais,
centrada no conceito de soberania dos Estados, em que o Estado passa a quais sejam, a liberdade religiosa, a soberania dos Estados, ou a supre-.
ser o ponto de referência das relações internacionais. O vínculo religioso, macia sobre o poder espiritual e a igualdade entre os Estados, sem o re-
abalado pela Reforma, foi sendo progressivamente substituído pela nas- conhecimento de qualquer entidade política supra-estatal. Esses três
cente comunidade intelectual humanista surgida do Renascimento. Por princípios vieram a ser os fundamentos de um incipiente “direito público
outro lado, o progresso da navegação tornou possível a empreitada de europew” e da sociedade internacional clássica, que persistiu até o pós-
evangelização dos povos e o incremento do intercâmbio comercial. Con-
seguentemente, as relações ultrapassaram os limites das comunidades
tradicionais dos povos cristãos da Europa e impactaram no desenvolvi- * QUOC DINH, Nguyen: DAILLER, Patrick: PELLET, Alain. Droit International
Public. Paris: LGDJ, 1999. p. 48.
º- QUOC DINH, Nguyen: DAILLER, Patrick: PELLET, Alain. Droit International
É Resolução 217 A (II), adotada em 10.12.1948. Disponível em: MINISTÉRIO DA Public. Paris: LGDJ, 1999. p. 51.
JUSTIÇA: — <http://portal.mj.gov.br/s intern/ddh
edh/culegis
bib inter universal.him>. 7 QUOC DINH, Nguyen: DAILLER. Patrick: PELLET, Alain. Droit International
Acesso em: 01 abr. 2013. Public. Paris: LGDJ, 1999. p. 52.
116 Larissa Ramina
Direitos Humanos - v. | 17
-Segunda Guerra Mundial. Os Tratados de Vestefália constit
uíram, na concebe a guerra como inerente às atividades do príncipe, contrib
verdade, a primeira tentativa de estabelecer uma ordem uindo
internacional para que à guerra apareça como um meio necessário e normal da política
para substituir a Respublica Christiana ou à Respublica sub
Deo sob a internacional dos monarcas absolutos!º. Alguns já pensaram
autoridade da Igreja Católica, e o ponto de partida da evoluç naquela
ão do direito época na manutenção da paz pela via da organização internacional,
internacional contemporâneo. mas
em detrimento de qualquer possibilidade de limitação de sua soberani
A sociedade internacional, em seu período clássico, foi uma a,
so- os monarcas deram preferência ao princípio do equilíbrio do poder.
ciedade exclusivamente interestatal, caracterizada pela aúsênci
a de qual- Em razão da ausência de um poder superior ao poder estatal,
quer poder superior ao Estado soberano. A interpretação
dos Tratados de consequência da soberania absoluta, chega-se ao reconhecimento
Vestefália conduziu os reis a se comportarem como
soberanos absolutos,
da vio-
lência como uma prerrogativa legítima do Estado soberano, e talvez
que apenas aceitavam como limitações à soberania do a
Estado aquelas principal manifestação da soberania do Estado. As relações internac
decorrentes da manifestação da sua vontade. De acordo com io-
Quoc Dinh, nais passam, então, a ser caracterizadas pela legitimidade e a legalida
Dailler e Pellet, “a incompatibilidade é total entre esta de
atitude “indivi- do uso da força por parte dos Estados soberanos. Impede-se, portanto,
dualista” e “nacionalista” e uma ordem “comum” ultrap a
assando e afirmação de valores éticos nas relações interestatais. Como resultant
transcendendo os Estados”. e,
surge o direito internacional como regulador das relações entre os
Como produto do absolutismo, conformou-se um direito Esta-
inte- dos, e seus primeiros institutos, como o direito da guerra e da paz,
restatal que viabilizava a guerra, e uma sociedade interna o di-
cional anár- reito diplomático e, direito do mar.
quica, descentralizada, dependente do interesse nacional de
cada Esta- Vários autores se propuseram a sistematizar o Direito internacio-
do específico. Verificou-se na ordem internacional a ausênc
ia da divi- nal, aos quais se faz referência como os “fundadores do direito interna-
são estatal tripartite de poderes, quais sejam, os Podere
s Executivo, cional”. Entre estes, situados na chamada “Escola do direito da naturez
Legislativo e Judiciário, em outras palavras, ausência de polícia a
, legis- e das gentes”, estão Francisco de Vitória (1480-1546) e Francisco
lador e juiz. Desde então, firmou-se a compreensão hegemô Suárez
nica de que (1548-1617), entre os séculos XV e XVII, no âmbito da escola clássica
o princípio norteador das relações internacionais é o poder
e, por con- espanhola do direito internacional. Aliás, muitos estudiosos
seguinte, a possibilidade de conflitos resultantes da disputa sustentam
pelo poder. que o próprio conceito moderno de direito internacional nasceu
O objetivo perseguido pelos reis nas relações internaciona com a
is era a busca escola clássica espanhola. A crítica mais contundente que se faz
da glória e do prestígio, que poderiam ser obtidos por meios a esses
pacíficos, autores está em sua preocupação de conferir um fundamento jurídico
como pelas relações familiares entre monarcas, decorrentes à
da concep- conquista do Novo Mundo, um alicerce ideológico do caráter eurocên
ção patrimonial do Estado, ou pela expansão territorial, julgad tri-
a pacífi- co do direito internacional".
ca desde que não ameaçasse territórios de Estados europe
us. À primei-
ra aventura colonial da época moderna, as ditas “grandes descob Cronologicamente, em seguida se pode situar Gugo Grócio
ertas”, (1583-1645), considerado por muitos autores como o “pai do
procurou destruir as estruturas sociais diversas do modelo direito in-
europeu, ternacional”, com a obra Do Direito da Guerra e da Paz, que
negando a diversidade e favorecendo uma homogeneização foi a pri-
das socie- meira obra de direito escrita com método. Sustenta os postulados
dades, o que permitiu estender o campo de aplicação geográ do jus-
***
fico do naturalismo racionalista. O mais fiel seguidor de Grócio foi
direito das relações internacionais”. Pufendorf
(1632-1694), que retoma a distinção grociana entre o direito natural
A primeira onda de colonização favoreceu as tensões entre eo
os Es- direito voluntário e reafirma a necessidade de subordinação deste
tados europeus e os riscos de guerra, sendo a vitória militar àquele.
considerada
O fator mais impactante de conquista de glória e de prestígio. Emmerich de Vattel (1714-1767), por sua vez, foi o precursor do
Maquiavel positivismo no direito internacional, segundo o qual as normas internac
io-
*- QUOC DINH, Nguyen; DAILLER, Patrick: PELLET, Alain. Droit International º QUOC DINH, Nguyen: DAILLER. Patrick: PELLET, Alain. Droit International
Public. Paris: LGDJ, 1999. p. 52.
Public. Paris: LGDJ, 1999. p-'53.
QUOC DINH, Nguyen; DAILLER, Patrick: PELLET. Alain. Droit International " FERRAJOLI, Luigi. A Soberania no Mundo Moderno. São Paulo:
Public. Paris: LGDJ, 1999. p. 53. Martins Fontes,
2002.
118 Larissa Ramina
Direitos Humanos - v. |
nais só são obrigatórias se formadas pelo 119
consentimento, tácito ou explíci-
to, dos Estados. Outros teóricos se enga 5º Os Estados soberanos são os único
jaram na mesma via do positivismo, s a apreciarem o que devem ou
como Selden ( 1548-1654), Zouch ( 1590 não fazer nas relações internacio
-1660), Bynkershoek (1673-1743), nais;
e mais tarde Moser (1701-1785) e Geor 6º Nas relações entre Estados sober
ges Frédéric de Martens (1756- anos, a guerra é permitida. O prin-
1821). Também importante foi a contribuição cípio de base é aquele da soberani
a do Estado, sendo todos os outro
de Pasquale Stanislao Man- s
cini (1817-1888), considerado o fund meras consegiiências. Seu conjunto forma
ador da Escola Italiana de Direito Trata-se do sistema interestatal e volun
assim um sistema coerente.
Internacional e sua proposta de reformul tarista!,
ação do fundamento do direito
internacional em proveito do princípio
da nacionalidade.
Naturalmente, o direito internaciona
O conceito moderno de direito internacio l lastreado no uso da força
nal baseado no positivismo resultou em conflitos internacionais.
jurídico foi definido pela Corte Permanen O primeiro grande conflito europeu
te de Justiça Internacional, criada generalizado que envolveu países
pela então Liga das Nações, no Caso Lotus de fora do continente foi a Primeira
1927, da seguinte forma”: Guerra Mundial, que ocorreu entre 1914
e 1918.
O Direito Internacional Soverna as relaç Nas primeiras décadas do século
ões entre Estados independen- XX, após a Primeira Guerra
tes. O direito que vincula aos Estad Mundial, houve a tentativa pioneira
os decorre consequentemente da de institucionalização da ordem in-
própria vontade dos Estados, tais ternacional por meio da criação da
como expressas nos tratados ou Liga das Nações, em 1919, que é con-
usos geralmente aceitos como indic nos siderada a primeira organização inte
ati vos de princípios de direito. Res- rnacional nos moldes modernos, e foi
trições impos tas aos Estados não podem ser presumid criada com o objetivo principal de
as”, manutenção da paz e da segurança
internacionais, ou seja, para evitar
a eclosão de uma segunda guerra de
Conforme Quoc Dinh, Dailler e Pellet, proporções mundiais.
o direito internacional po-
sitivo plenamente consolidado pode ser Na ocasião houve também a primeira
assim definido: tentativa de limitar o direi-
to dos Estados de recorrer ao uso
da força nas relações internacionais.
1º Os Estados são soberanos e i guais Como essa tentativa ainda foi muito
entre eles; tímida em razão da resistência dos
2ºA sociedade internacional é uma Estados em abrir mão de parcelas
sociedade interestatal; do ponto de significativas de sua soberania, a Se-
*** vista de sua estrutura ela aparece gunda Guerra Mundial eclodiu entre
como uma justaposição de entidades 1939 e 1944.
soberanas e iguais entre si, excluindo
todo poder político organizado e O declínio da chamada “sociedade
sobreposto a seus componentes; internacional clássica” acon-
tece depois da ocorrência das refer
3º O direito internacional é também idas duas guerras mundiais, e mais
um direito interestatal que não se exatamente a partir do final da Segu
aplica aos indivíduos; nda Guerra Mundial, grande parte
razão das trágicas consequências huma em
4º No que diz respeito às fontes, nas deste grande conflito. Naquele
o direito internacio
nal é um direito re- momento, esgotam-se as formas cláss
sultante da vontade e do consentimento
dos Estados soberanos; os tra-
icas de exercício de poder pelos
Estados, surgindo a partir de então
tados provêm de um consentimento expre
sso e os costumes de um con- a necessidade de novas formas de
cooperação internacional e formas
sentimento tácito; pacíficas de solução de conflitos entre
os Estados soberanos. Abre-se cami
nho para a reconstrução do direito
internacional pós-vestefaliano.
De acordo com Antonio Au gusto Cança
do Trindade: “Hoje ninguém duvida
era da base supostamente interestatal de que a
exclusiva do Direito Internacional perte
passado, e a tese esposada pela antiga nce ao 2 A SOCIEDADE INTERNACIONAL PÓS
Internacional governa relações intere
Corte de Haia em 1927 de que o Direit
o -VESTEFÁLIA E
emanando tão-somente da “vontade” dos
statais com fundamento em regras
jurídicas O DIREITO INTERNACIONAL
próprios Estados dificilmente refletiria
fidelidade a dinâmica com
do convívio internacional contemporâneo”. Em 1945, é criada a Organização
Humanização do Direito Internacional. Belo In: A das Nações Unidas (ONU), e
Horizonte: Del Rey, 2006. p. 51. em 1948 é adotada a Declaração Universa
3 COUR INTERNATIONALE DE JUSTICE. Affaire de Lotus. l dos Direitos Humanos, pela
Shttp://www icj-cij org/peijlser Disponível em:
ie A/A. 10/30. Lotus Arret. pdf. Acesso em: 01 abr.
2013. Tradução livre. “- QUOC DINH. Neuyen: DAILLER, Patrick; PELL
Publie. Paris: LGDJ, 1999, p. 59. ET, Alain. Droit International
120
Larissa Ramina
Assembleia Geral da
Organização. A ONU Direitos Humanos —
versal podem ser co e a referida Declaraç v.l
nsideradas como Os ão Uni- 121
novos marcos de ref
erência de
ralismo, mais instit
ucionalizada €, portan
partir desse moment to, mais Cooperativa.
o, do surgimento Fala-se, a pendência nas relaçõ
pós-Vestefália ou pó de uma sociedade intern es internacionais.
s-moderna”. Por out acional
com o fenômeno da ro lado, o: momento Nesse contexto, sur
expansão do capitalis coincide ge à Expressão “aldeia
um direito internaciona mo, trazendo a nece retratar a realidade globaP*”, que busca
l que assegurasse o ssidade de em que O globo pas
cionais. respeito aos contratos em razão dos contat sa a ser percebido
interna- os cada Vez mais fre como menor,
várias culturas globai quentes e mais estrei
Com a criação da ON s. Firma-se dorava tos entre as
uso da força nas rel U, pela Primeira vez Problemas que Pass nte à compreensão
ações internacionais! na história, proíbe-se am a desafiar o Estado de que os
princípio obrigatório ” Paralelamente, inf o com os instrumentos não mais podem ser
para os Estados e cor ere-se como do direito interno & resolvidos
guerra a solução pac olário lógico da pro gados a buscar uma portanto, os Estados
ífica das controvérsia ibição da regulamentação int são obri-
s internacionais”. Passam a ser globais. ernac
Observe-se, ademais,
com a aceleração do que o Ppós-Segunda
processo de globaliza Guerra Mundial coinci
ção econômica, vista de 21 Problemas Globais:
como a maior catali por muitos Novos Desafios ao
zadora da desigualda Direito Internacio
isso, Richard Falk int de no Plano intern nal
itula o processo global acional. Por Um dos impactos das
datória!'*”, ao Passo izatório de “globaliz mu da nç as a partir da segund
que Boaventura de ação pre- culo XX está na tr a metade do sé-
Sou ansformação do direit
$ “ão descendente!” ou “globalização de cim za Santos fala em “elobaliza- quantitativo das norm o internacional, e
no aumento
Ç a P para baixo”. mo densificação do
as jurídicas internaci
onais, fenômeno co
direito internacional nhecido co-
ra Mundial, que Pro a partir do final da
cura enfrentar o surg Segunda Guer-
bais. imento dos vários pr
oblemas glo-

5 CASELLA, Paulo Bor


ba. Fundamentos do Direito Internaci
São Paulo: Quartier Lat onal Pós-Moderno.
in, 2008. 1.523 p.
Carta da ONU, art. 2,8
4º: “4, Todos Os Mem
internacionais a ame bros deverão evitar
aça ou o uso da for em suas relações
pendência política ça contra a integrida
de qualquer Estado, de territorial ou a
Propósitos das Naç ou qualquer outra ação de-
ões Unidas”, incompatível com os
Pata no. BOV-br/Ceivil. PLANALTO, Disponível em: <ht
O3/decreto/1930- 194 tp://www.
E Carta da ONU, art. 9/DI984 1 LPS Ace * O conceito de
2º 890. o Todos sso em: 01 abr. 201 “aldeia global” (globa
os Membros dev 3. l village”, no original)
erão resolver Sua educador canadense foi criado pelo filósofo
s controvér- Marshall McLuhan, e
segurança formações sociais Pro consid
e a Justiça internacionais”, vocadas pela revolução erado o Primeiro filósofo das trans-
<http://www. Planalto.
gov.br/cci vil 03/decret PLANALTO. Disponível expressão “aldeia glo tec nol ógi ca das telecomunicações. A
em: bal” Procurou retrat
01 abr. 2013. o/1930- 1949/DI98
4 1 .him>. Acesso em: tava reduzindo todo ar a ideia de que o
q Planeta à siluação progresso tecnológi
8 FALK, Richard. Glo Conceito de uma ald co es-
balização predatóri é o de um mundo int eia. O Princípio que
a. Uma crítica. sociais, fruto da evoluç erligado, com estrei preside este
19 SANTOS,
Lisboa: Instituto Pia
get, ão das telecomunicaçõe tas relações econômicas, políticas e
Boaventura de Sousa. s, e principalmente
hegemónica. In: SEN, El foro social mun da internet, dimi-
Jai; ANAND, Anita; ES dial: hacia una globalización contra-
(orgs.). El Foro Social COBAR, Arturo e WA da interligação entre
Mundial: Desafiando TERMAN, Peter todas as regiões do glo
459-467; SANTOS, Boa Imperios. Mataró: E] Vie dências mútuas e, des bo originaria uma pod
ventura de Sousa. Por jo Topo, 2004. p. se modo. Promoveri erosa teia de depen-
humanos. Jn: SANTOS, uma Concepção multicult ao nível, por exempl a a solidariedade e a
Boaventura de Sousa ural de direitos o da ecologia e da luta pelos mesmos
ideais,
caminhos do “osmopoli (org.). Reconhecer par tável da Terra, superf economia, em prol
do desenvolvimento
tismo multicultural. Por a libertar. Os ície e habitat desta susten-
to: Edições Afrontamento bal Village. Dispon “aldeia global”. MC
LUHAN, Marshall.
, 2004, ível em: <http://w
ww.marshalimeluhan Glo-
2013. .coms. Acesso em:
01 abr.
122
Larissa Ramina

Direitos Humanos - v. |
123
atmosférico, com a chegad
a do homem à lua e O lan
ros satélites. çamento dos primei-

zações internacionais regulado


ras da
economia mundial. A Organi
Mundial do Comércio, criada zação
em 1994, institui um sistema te novo nas relações intern
que visa regulamentar o mercad normativo acionais e na consciência dos
o mundial através da definição astronauta à condição de povos, “ao alçar o
Portamentos lícitos e de com- enviado da humanidade, qua
ilícitos e da prev isão fraterrena, ainda em tempos ndo em missão ex-
nismos de implementação. Port de meca- de acirrada guerra fria, pre
anto, a regulamentação do com humanidade a inspirar nov cursor da ideia de
ternacional, com base em uma ércio in- a evolução da ordem e do
opção político-econômica, que nar? E foi com a aventura Direito Internacio-
em sua liberalização e que, aliás consiste da exploração do espaço cós
, é o aspecto mais conhecido mem deu-se conta de que per mico, que o ho-
batido da globalização econôm e mais de- tence à humanidade como
ica, exige uma solução oriu um todo e não ape-
internacional. A globalização nda do direito nas a uma parte dela identific
da economia é antes de tudo ada em um Estado.
atuação das empresas transnac resultado da
ionais e da unificação dos Citem-se, ainda, as zonas
vocada por elas*!. mer cados pro- passam a ser alvo de cob polares — polo sul e polo
iça por razões de índole norte, que
A regulamentação do comérc novas possibilidades de econômica; além das
io internacional veio do usar antigos espaços, com
(General Agreement on Trade GATT limitado aos interesses da o o alto-mar. Antes
and Tariffs) de 1947, em prin navegação, o mar passa a
cípio, e em de riquezas, e à Convenção ser visto como fonte
de Montego Bay de 1982
premissa fundamental que ali cer um enquadramento jur se ocupa de forne-
menta a liberalização comercial ídico adequado para um enf
livre comércio atua como fato é de que “o Direito do Mar, passando oqu e econômico do
r de crescimento econômico pela delimitação da Plataf
para todos os importância do tema ficou orm a continental. A
evidente após o descobrim
turais, políticas, econôm petróleo no pré-sal brasileiro. ento das jazidas de
icas, níveis de pobreza,
ão
ção de renda.a Provavelment de riqueza e distribui-
e, tendo como uma das caus Entretanto, talvez um dos
as a libe
e
rali
rali
za- maiores desafios da contem
esteja na degradação ambien poraneidade
tal. A humanidade atrave
ambiental da sua história, ssa hoje a maior crise
tro quintos da população mun com o aumento da emissã
dial vive em condições de estufa e as consequências o de gazes de efeito
A ONU já identificou na pob extrema miséria. ligadas ao aquecimento Pla
reza a maior causa mortis no timento das calotas polares, netário, como o derre-
mundo”, e sua o aumento do nível do mar
É evidente que os problemas ea desertificação.
ambientais só podem ser efe
tidos pela via da cooperaçã tivamente comba-
o internacional. As aves
Porte quando cruzam as não apresentam passa-
fronteiras aéreas estatais,
Em seguida, o controle de nov animais marinhos e a poluiç da mesma forma que os
os espaços também depende ão. Resulta desses fatores
gulamentação internacional. de re- tíssimo do “Direito Internaci o surgimento recen-
Cita-se a normatização do esp onal do Meio Ambiente”.
co, necessária com o increm aço atmosféri-
ento da aviação civil, e do
espaço extra-
21
“ MAGALHÃES, José Carlos
de. O Mundo no século XXL
Olavo; RAMINA, Larissa; In: BAPTISTA, Luiz
FRIEDRICH, Tutyana (Org.
Contemporâneo. Curitiba: ). Direito Internacional
22 Juruá, 2014.
PRONER, Carol. Propriedade
intelect ual é direitos humanos: sistema
de patentes e direito ao dese
nvolvimento. Porto Alegre: internacional
. 70. Sergio Antonio Fabris, 2007.
PIOVESAN, Flávia. Direitos
8

Humanos e o Direito Constitu


cional Internacional.
* MAGALHÃES, José Carlos de.
São Paulo: Saraiva, 2009. p.
556. O Mundo no século XXI. !n:
Olavo; RAMINA,. Larissa;
FRIEDRICH, Tatyana BAPTISTA, Luiz
Contemporâneo. Curitiba (Org.). Direito Internac
: Juruá, 2014. ional
124
Larissa Ramina
Direitos Humanos - v. |
internacional pós-Segunda Gue
rra Mundial, com o desenv 125
ONU e da diplomacia multilat olvimento da ambiente de crise econômica,
eral. Trata-se, portanto, de avançou-se dentro do que era
simo, surgido em meados do tema recentís- possível. considerado
século XX, e ainda mais qua
enquanto direito fundamental, ndo se insere, ****
na esfera de proteção do Dire Para além dos limites intrínse
cional dos Direitos Humanos. ito Interna- cos da diplomacia multilateral
dos eventos paralelos mais , um
importantes da Rio+20, a Cúp
O primeiro grande encontro reconheceu no sistema capi ula dos Povos,
intergovernamental que consol talista predatório as princi
a conscientização da sociedade idou pais responsabili-
internacional para as questões
tais foi a Conferência Intern ambien-
acional sobre o Meio Ambien
realizada em 1972 em Estocolmo, te Humano,
na Suécia. Vinte anos mais tarde, o

das energias fósseis.


versidade, além da badalada
Agenda 21, plano de ação foc O problema da violação e
lização do desenvolvimento ado na viabi- a necessidade de tutela dos
sustentável. Na ocasião, ava humanos, que abala a consci direitos
sentido de entrelaçar concei nçou-se no ência jurídica humanitária
tualmente as temáticas amb dade internacionaio de toda a comuni-
desenvolvimento. Em 2002, ientais com o l pós-Segunda Guerra Mun
a fim de implementar os prin mais importantes desafios glob dial, consiste em um dos
tidos na Eco-92, ocorreu em cípios discu- ais a serem enfrentados. Res
Johanesburgo a Cúpula Mun sidade desse enfrentamento ulta da neces-
Desenvolvimento Sustentável. dial sobre o a construção do “Direito Int
Direitos Humanos”, arcabo ern acional dos
uço jurídico internacional
A “Conferência das Nações frente normativa de combate que rep resenta a
Unidas para o Desenvolvime às violações aos direitos hum
Sustentável” — Rio+20, realizada no ano de nto me ressaltado por Jorge Mir anos. Confor-
2012 no Rio de Janeiro, dá anda. é importante a existê
um passo além dos eventos ante ncia de:
riores. Primeiro, porque mob
dade civil, governos, bancos ilizou socie-
multilaterais e setor privado. um vínculo muito estreito
que o documento final, inti Segundo, por- ternacional e a proteção
entre a inst
itucionalização da comuni
dade in-
tulado O F uturo que Querem internacional dos direitos
construção multilateralista os, é resultado da existência de institui do homem. Só a
de um consenso possível, ções e órgãos internaciona
não ideal. Muito tada pelos Estados, is, com autoridade aca-
abre caminho a uma efet
do homem em face desses iva garantia dos direitos
mesmos Estados”.

Vale lembrar, a propósito,


que o fenômeno da intern
ção dos direitos humanos, acionaliza-
que é seguido pela Universal
ção e especificação dos ins ização, prolifera-
trumentos internacionais prot
pós-Segunda Grande Guerra etivos, data do
, com a adoção da Carta das
em 26.06.1945, que Por sua Nações Unidas
vez propugna pela tutela dos
nos como critério para a direitos huma-
manutenção da paz e da seg
inclusão da questão social, na nais, e com a adoção, pela urança internacio-
meta de erradicação da pobreza, Assembleia Geral da ONU,
do conceito de economia verd por meio da Declaração
e, no espectro da proteção
nitivamente, insere-se a questã ambiental. Defi-
o ambiental na proteção dos
manos. Considerando, Portanto direitos hu-
, a relativa novidade da temá
rio internacional, a necessida tica no cená-
de de construção de um con
ca de cento e noventa Países senso entre cer-
para a adoção de um docume = MIRANDA,
nto final, e o Jorge. Sobre a Proteção Internacional da Pessoa Hum
Larissa; FRIEDRICH. Tatyana ana. In: RAMINA,
(Org.). Direito Internacional
reitos Humanos: Evolução, Com Multifacetado. v. 1, Di-
plexidades e Paradoxos. Curi
tiba: J uruá, 2014.
126
Larissa Ramina
Direitos Humanos — v. |
Outro problema global consiste no 127
aumento espetacular dos fe- giado, aplicável somente àque
nômenos migratórios, que já figura les que migram por questões
como um dos temas mais urgentes políticas.
compreendidos no direito internaciona Hoje, passadas mais de seis déca
l da pós-modernidade, que resulta das, aquela definição restrita
das atuais profundas assimetrias econ incompatível com a realidade tornou-se
ômicas, e da trágica desigualdade atual dos fluxos migratórios,
social preponderante. novos motivos de refúgio. Nes que aponta
se sentido, revela-se de máx
uma revisão da Convenção de ima urgência
É notório que as relações internaciona 1951, ou alternativamente à edif
is neste início de século es- um novo marco normativo inte icação de
tão permeadas pelas preocupações rnacional, almejando reconhece
— ainda que por vezes tingidas de inte- refugiados pessoas que são víti r como
resses geoeconômicos e geoestratégi mas de catástrofes ambientais
cos — dirigidas à tão aclamada prote que fog em de condições de mais e pessoas
ção universal dos direitos humanos. - absoluta miserabilidade em seus
Pode-se aferir, por conseguinte, a de origem. Assim, não há mais países
emergência de um novo critério de que se ignorar a existência das
legitimidade a permear a atuação dos categorias
governos, em nível interno e externo,
na arena social internacional, vez
que a questão dos direitos humanos
e, portanto, a dos refugiados, inter
secta elementos de política doméstic -
a e de política internacional. Ness
Seara, a conjuntura internacional atual a
contribuiu para que a situação dos
refugiados ganhasse notoriedade dram cultam a sua efetivação, a exe
ática, e o clamor por sua proteção mplo das legislações anti-imi
jurídica fosse lembrada como essencial Estados Unidos e na Europa — fort gração nos
à tutela dos direitos do homem. aleza em crise.
À preocupação com os refugiados alçou Nesse sentido, autores como
mesmo contexto histórico em que a relevo internacional no Luigi Ferrajoli”” vem chaman
temática dos direitos humanos inter atenção para o fato de que o do a
nacionalizou-se, A intensa moviment - universalismo dos direitos hum
ação provocada pela Segunda Guer sendo desafiado pela pressão, anos está
ra Mundial, com milhões de pessoas - nas fronteiras territoriais do
deslocadas de seus países de origem volvido, de hordas de povos mundo desen-
no interior do continente europeu, caus famintos, de modo que ser uma
ou preocupação aos então aliados, xou de constituir uma condição pessoa dei-
Estados Unidos, União Soviética, Fran suficiente para possuir direitos
ça e Reino Unido, especialmente tos humanos converteram-se . Os direi-
em “direitos de cidadania”,
no tocante à estabilidade e seguranç que a cidadania se transformass faz end o com
a regionais. O sistema internaciona e no pré-requisito para o direito
de proteção dos refugiados surgia, l da e residência no território de de entra-
desde logo, com base em interesses um Estado, e por isso deixando
recíprocos daqueles Estados para gesta de ser o
r os movimentos migratórios. Cer-
tamente, o cenário foi permeado
de forma significativa por diferentes
visões acerca do problema e, principa
lmente, pelos interesses que orien ****
tavam o embate ideológico e político -
entre os dois protagonistas da então
incipiente Guerra Fria, Estados Unid
os e União Soviética, enquadrados
no universalismo institucional onusiano
de matriz angloamericana. Essa clausura do mundo ocid
versalista da ONU, e deforma ental põe em risto o desenh
Não obstante, o sistema internaciona o uni-
l de proteção aos refugiados, à consequente ideia de democr
constituído no âmbito da Organização em virtude do fomento ao ódio acia global
das Nações Unidas pela Conven- pelo não cidadão, ou seja, pelo
ção relativa ao Estatuto dos Refugiad ou pelos “bárbaros”, conforme “outro”,
os de 1951 e com as modificações as lições de Danilo Zolo?. Não
nos últimos séculos os fluxos obstante,
migratórios ocorreram no sent
E O ido oposto,
internacionalmente pelos Estados-Partes. o FERRAJOLI, Luigi. Mas Allá de
A construç ão da definição clás- la soberania y la ciudadanía: um
sica de refugiado pela Convenção de global. Revista Isonomía: Teoría constitucionalismo
1951, todavia, se pautou pelos inte- P.
y Filosofía del Derecho, n. 9, out.
1998, p. 173-181,
resses dos países ocidentais no cont 173. Disponívelno Portal
exto da Europa pós-Segunda Guerra - FichaObra.html?Ref=2003 10& Doxa: <http://bib.cervantesvirtual.com
/
Mundial. O Protocolo à Convenção, portal=4>. Acesso em: 08 abr.
adotado em 1967, buscou remediar E Ca RE Glob alização predatória. Uma 2013.
as restrições de ordem temporal e geog - p. 303. crítica. Lisboa: Instituto Piaget,
ráfica, mas deixou de sanar outras
questões inadequadas na Convenção, * ZOLO, Danilo. La Justicia
como a própria definição de refu- de los Vencedores. De Nur
emberg a Bagdad.
Aires: Edhasa, 2007. p. 205. Buenos
128 Larissa Ramina
Direitos Humanos — v. |
129
ou seja, a invasão e colonização do resto do mundo por europeus. A co-
país. Por outro lado, atores internos e externos
lonização, inclusive, foi teorizada há cinco séculos pela Escola Clássica acabam por envolver-se na
questão dos refugiados, como os países de orige
Espanhola na autoria de Francisco de Vitoria, no clássico De Indis et de m e de acolhimento, orga-
nizações internacionais e também organizações não
Jure Belli Relectiones”, obra em que O jus migrandi fora conceituado governamentais.
como um dos direitos naturais mais básicos do homem. O surgimento de armas de destruição em massa,
por outro lado,
com as bombas de Hiroshima e Nagasaki, repres
Por outro lado, e em alusão às atrocidades empreendidas pelos enta a possibilidade de
destruição total do planeta, de danos irreparáveis
regimes totalitários no decorrer do segundo conflito mundial, especial- ao meio ambiente e aos
seres humanos. Essa nova realidade levou à criaçã
mente o nazista (embora não se deva esquecer os horrores causados pelo o de normas internacio-
nais para o controle das armas nucleares, com o
lançamento das bombas atômicas norte-americanas sobre Hiroshima Tratado sobre a Não Proli-
e feraçã
o de Armas Nucleares (TNP) de 1968"! bem como norma
Nagasaki), o Estado foi considerado potencial violador dos direitos hu-
cionais para o desarmamento, incluindo normas para
s intern a-
manos, passando-se a reconhecer homens e mulheres como verdadeiros a proibição da produ-
ção e da comercialização de certos tipos de armas,
sujeitos do direito internacional. Ao lado do direito internacional vestefa- a exemplo das armas
químicas, bacteriológicas e munições cluster (frag
liano, estatocêntrico porque centrado na racionalidade estatal, emerge um mentação).
direito internacional que pode ser caracterizado como “humanocêntrico”, O TNP, assinado em 1968, em vigor a partir
de 05.03.1970,
algo mais que humanista, emprestando a expressão de Antônio Augusto constitui o principal instrumento internacional
para evitar a disseminação
Cançado Trindade”, pois enraizado na lógica da proteção dos direitos de armas nucleáres e para viabilizar o uso da
energia nuclear para fins
dos seres humanos acima de qualquer interesse do Estado todo-poderoso. pacíficos. No entanto, sustenta-se num desequilíbri
o de direitos, uma vez
que impõe o monopólio das armas nucleares aos
Muito embora no plano normativo o conceito de soberania tenha cinco membros perma-
nentes do Conselho de Segurança, quais sejam,
perdido muito em legitimidade e em efetividade no debate acerca do China, Estados Unidos,
França, Reino Unido e Rússia, com a contrapart
universalismo dos direitos humanos e até mesmo da emergência de um ida do compromisso de
desarmamento progressivo. O texto do TNP é
embrionário constitucionalismo global, é certo que na realidade atual a absolutamente inequívoco
quando dispõe que “Para fins deste Tratado,
concepção de soberania e seus atributos ainda permeiam as relações inte- um Estado nuclearmente
armado é aquele que tiver fabricado ou explodido
restatais. Ora, os refugiados desafiam os controles territoriais e fronteiri- uma arma nuclear ou
outro artefato explosivo nuclear antes de 1º de
gos dos Estados e, portanto, a soberania territorial. Constituem um grupo janeiro de 1967".
específico das migrações internacionais, que decorrem de conflitos intra Sendo assim, imobiliza a geometria do poder nuclea
r imperante à
ou interestatais, por motivos étnicos, religiosos, políticos, de regimes época de sua negociação, impondo aos países
nucleares a proibição de
repressivos e de outras situações de violência e violações de direitos hu- transferência de tecnologia nuclear aos chamados
países não nucleares.
manos em seus países de origem. Devido a ameaças ou efetivas persegui- Aos demais Estados, coube a renúncia ao desen
volvimento da tecnologia
ções, são constrangidos a cruzar as fronteiras nacionais em busca da pro- nuclear para fins militares. Por outro lado, os
Estados não oficialmente
teção de outro Estado, com o objetivo primordial de resguardar suas vi- nucleares, quais sejam, Paquistão, Índia, Israel e
Coreia do Norte, não fir-
das, liberdade e segurança. Ao decidir acolher refugiados, os Estados maram o TNPÊ?. O TNP conta atualmente com
cento e oitenta e nove Esta-
ponderam diversos fatores de política de controle territorial e regulação, dos-partes, sendo que dois dos membros perma
nentes do Conselho de Se-
referentes às regras e procedimentos para admissão de estrangeiros no gurança da ONU, China e França, ratificaram
o Tratado apenas em 1992*.
território nacional, mas também fatores sociais relativos às condições de
MH
vida que serão oferecidas internamente, em térmos de acesso a emprego, Tratado sobre a Não Proliferação de Armas
Nucleares, assinado em Londres, Moscou
e Washington, em Iº de julho de 1968.
moradia, saúde e educação, que viabilizariam o processo de integração no PLANALTO. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil 03/decreto/D2864
htm>. Acesso em: 28 ago. 2012.
Tratado sobre a Não Proliferação de Armas
Nucleares. Disponível em: <http://
? VITORIA, Francisco de. Os Índios e 0 Direito da Guerra (De Indis et de Jure Belli www.planalto.gov.br/ccivil 03/decreto/D2864.h
tm>. Acesso em: 28 ago. 2012.
A Coreia do Norte tornou-se Estado-Parte do
Relectiones). Ijuí: Unijuí, 2006. . . TINP, denunciando-o em seguida para
dar seguimento ao seu programa nuclear.
* CANÇADO TRINDADE, Évolution du droit international au droit des gens. Paris:
Agência Internacional de Energia Atômica. Dispon
Pedone, 2008. ível em: <http://www.iaca.org/
Publications/Documents/Infeires/Others/infirc 140.
pdf. Acesso em: 04 set. 2011.
130 Larissa Ramina
Direitos Humanos - v. |
131
O Brasil, por sua vez, apenas aderiu ao Tratado
em 1998, durante o gover- teria ela se sujeitado à situação de exploração
no do Presidente Fernando Henrique Cardoso, na qual foi inserida. De
quando Brasil é Argentina mais a mais, ainda que houvesse o referido conse
adotaram juntos a decisão de abandonar seus progr ntimento à exploração,
amas nucleares rivais, não parece razoável entender que a vítima poder
pondo fim à corrida armamentista na América Latina ia dispor de seus direitos
e abrindo caminho à fundamentais. Logo, o consentimento dado pela
integração pela via do Mercosul. mulher deve ser conside-
rado como irrelevante para a configuração do
Outro problema global diz respeito ao desen tráfico, pois ninguém pode
volvimento da cri- escolher voluntariamente ser traficada, explorada
minalidade transnacional, qual seja, da criminalid ou escravizada. Além
ade que não pode ser dos fatores já expostos, há pesquisas que salie
combatida efetivamente por meio do direito intern ntam o fato de que as mu-
o, a exemplo dos vá- Iheres e adolescentes em situação de tráfico
rios tipos de tráficos internacionais, como O tráfic sexual comumente já sofre-
o de drogas, o tráfico ram algum tipo de violência intrafamiliar ou
de armas eo tráfico de pessoas (para fins de trabalho forçado, extrafamiliar como abuso
plante de órgãos e principalmente mulheres e
para trans- sexual, estupro, abandono, negligência, maus-trato
s, ou outros tipos de
crianças para os fins de violência em escolas, abrigos ou outros”,
exploração sexual), lavagem de dinheiro, terro
rismo € crimes cometidos
via internet, como a pirataria da informática (ação Por outro lado, a pobreza é um dos principais
dos hackers) e a cor- fatores para vulne-
rupção transnacional. rabilidade a qualquer tipo de exploração. No
caso do tráfico de mulheres,
esse fato adquire um valor particular, vez que
Situações de tráfico de pessoas e trabalho escra muitos estudos concordam
vo não remetem a com que a pobreza no mundo é mais recorrente
um passado distante, casos isolados de violações em mulheres, e inclusive
em lugares remotos e a atribuem a este fenômeno o nome de “feminilização da pobre
um problema superado pela humanidade. Ao contrá za”.
rio, trata-se de ques-
tão que figura como tema central na agenda políti O século XXI, portanto, vê-se diante de um velho
ca internacional. problema, que
Atualmente, o tráfico de pessoas é uma das ressurge com novos contornos, porém caracteriz
atividades mais lu- ado pelas mesmas viola-
crativas do crime organizado no mundo, sendo ções aos direitos humanos. O tráfico de pesso
a terceira mais rentável as é um fenômeno impul-
atividade desse tipo de crime transnacional, sionado pela globalização, expressão da escra
ficando atrás somente do vidão moderna e que as-
tráfico de drogas e de armas. O tráfico de mulhe cende como nova modalidade do crime organ
res para exploração se- izado internacional. É alar-
xual figura como espécie do tráfico de pessoas. mante saber que pesquisas apontam para a existê
Estima-se que da totali- ncia, hoje, de mais pes-
dade de vítimas do tráfico de pessoas, quase soas escravizadas do que em qualquer outro perío
a metade seja subjugada do da história.
para exploração sexual, a qual inclui turismo À internacionalização das crises financeiras
sexual, prostituição força- e econômicas tam-
da, escravidão sexual e casamento forçado. bém é um fato a ser enfrentado pelo direito intern
Entre as principais vítimas, acional. Todavia, esse é
estão as mulheres. Em pleno século XXI, a histór um setor ainda pouco regulamentado, devid
ica vulnerabilidade da o à ausência de consenso
mulher persiste com contornos alarmantes, e na entre os Estados, ainda que o início do novo
forma mais primitiva que século seja palco da pior
se possa imaginar: a da escravidão sexual. crise econômica desde a crise de 1929, que
teve início no capital finan-
No Brasil, o tráfico de mulheres não era consi ceiro dos Estados Unidos em 2008, alastrou-se
derado um proble- para a Europa e impactou
ma relevante até que pesquisas incluíram o país no resto do mundo.
nas rotas internacionais
de tráfico de seres humanos e exploração sexual
, evidenciando também a
existência de rotas nacionais por todo o territ 2.2 A Transformação Progressiva e Radical do
ório.
Na seara das dificuldades conceituais em torno Direito Internacional
do crime de tráfi-
co sexual de mulheres, um dos pontos mais compl
exos é o consentimento A emergência dos problemas globais supra-elen
das vítimas ou seu grau de vitimização. É comu cados provocou a
m pensar que existe dis- progressiva e radical transformação do direito
tinção entre a mulher que escolhe por um traba internacional. O direito in-
lho na indústria do sexo, e
a outra que é forçada a isso. Em termos práticos,
porém, é difícil avaliar
qual é o grau de vontade própria do sujeito. Ainda * RAMINA, Larissa: RAYMUNDO, Louise.
Tráfico
que a pessoa tenha fins de exploração sexual: dificuldades conceit
internacional de mulheres para
consentido com atividades relacionadas à indúst uais,
caracterização das vítimas e ope-
ria do sexo, indaga-se se racionalização. Revista Direitos Fundamentais &
Democracia (UniBrasil). v. 14, Pp.
1-30, 2013.
132
Larissa Ramina
Direitos Humanos - y. |
ternacional do século XXI é radi
calmente diverso daquele de meno
século atrás. São vários os fenôme s de um (b) Proliferação das organi
nos que caracterizam essa evolução zações internacionais e seu
. impacto na teoria das fontes
(a) Densificação do direito inte do direito internacional
rnacional
À primeira grande transformação O segundo fenômeno que cara
do direito internacional refere-se contemporaneidade é a prolif cteriza o direito internaciona
a sua densificação, com o aument eração das organizações inte l na
o quantitativo e a transformaçã desde a constituição da ONU rnacionais, que
tiva de suas normas. Em relação o qualita- , em 1945, vem se multiplic
ao aumento quantitativo das norm impressionante, provocando ando a um ritmo
dicas internacionais, verifica-se as jurí- a progressiva institucionaliz
o fenômeno principalmente em rela nidade internacional. juntam ação da comu-
tratados multilaterais e instituciona ção aos ente com o aumento da com
is, ou seja, aqueles que são aber Organizações internacionais. plexidade dessas
assinatura e ratificação de todo tos à e também o incremento de
s os Estados integrantes da com regulatórios. No contexto atua seus poderes
internacional, e são impulsionado unidade l, parece não mais ser Possível
s por organizações internaciona prática do direito internaciona negar que a
outro lado, o direito internacional, is. Por l abrange também a prática
que até o final da Segunda Grande ções internacionais, reconhece das organiza-
ra era um direito essencialmente Guer- ndo a estas o poder de cria
espontâneo, consuetudinário, pass internacional. Não raro. à dis ção do direito
um direito em efervescente proc a a ser cussão envolve o status dos
esso de positivação, com a tran das organizações internaciona atos unilaterais
sformação is como fontes do direito
de muitas normas costumeiras ainda que parte da doutrina internacional e;
em normas convencionais, inse negue àqueles atos o caráter
tratados, daí sua mudança qualitat ridas em do direito interhacional. adm de “nova fonte”
iva. Ademais, o processo de dese ite-se no mínimo sua con
mento progressivo do direito nvolvi- formação ou cristalização tribuição para a
internacional, previsto na Carta do direito internacional con
também se encontra em efer da ONU, suetudinário, ou
vescência”, Contudo, ainda persistem áreas

Há, portanto, um uso diverso dos


tratados, instrumentos clássicos
do direito internacional, que pass
am à ser cada vez mais multilat
institucionais, tendendo à cons erais e
tituir um conjunto de normas
sempre mais subtraídas da vont obje tivas,
ade dos Estados-partes. A anti
gem contratualista ou voluntarista ga abor da-
, que prioriza a soberania dos
cede lugar a uma abordagem mais Esta dos,
normativista, em que os Estados
dem em boa parte a disponibilid per-
ade dessas normas”. Esse fen
resulta da criação de organismos ôme no
internacionais, jurisdicionais ou
nistrativos, habilitados por tratados admi-
para cuidar da aplicação dos mes Antonio Augusto Cançado
bem como da tendência de nego mos; Trindade chama a atenção
ciação de tratados perenes, a exe de que as questões relativa para o fato
própria Carta das Nações Unidas. mplo da s às organizações internaci
constituir um sistema jurídico onais tendem a
próprio — para além de capí
internacional contemporâneo tulo do direito
— que viabilizarão o estudo
“Direito das Organizações Int das “fontes” do
>> ernacionais 239
O número das organizações
* Carta da ONU, art. 13, $ 1º, (a): internacionais que compõe
fará recomendações, destinados
Art. 13. 1. “A Assembléia
Geral iniciará estudos e onusiano Já é impressionante, o sistema
a: a ) promover cooperação inter sem contar as organizações
político e incentivar o desen volvi nacional no terreno de caráter regional que pro internacionais
mento progressivo do direito liferam nas mais variadas
codificação”. Disponível em:
internacional e a sua regiões do globo.
<http:/Avww.planalto.gov.br/ccivil
1930-1949/D19841 .htm>. Acesso em: 03/decreto/ 38
CANÇADO TRINDADE.
01 abr. 2013. Antonio Augusto. A Humani
A respei
to, vide CANÇADO TRINDADE, cional. Belo Horizonte: Del zação do Direito Interna-
Antonio Augusto. Direito das Orga Rey. 2006. p. 75-80.
Internacionais. 3. ed. Belo Horizonte: nizações 39
CANÇADO TRINDADE,
Del Rey, 2003. Antonio Augusto. A Humani
cional. Belo Horizonte: Del zação do Direito Interna-
Rey. 2006. p. 78-79
134
Larissa Ramina

Nesse ínterim, o continente Direitos Humanos - v. |


americano é a região que 135
número de agrupamentos conta com maior
regionais, nos níveis continen ser institucionalizado em
sub-regional, revelando um tal, regional e 1994, possibilitado pelo fina
objetivo quase obsessivo com a criação da Organizaç l da Guerra Fria,
regional. Desde à Associaçã pela integração ão Mundial do Comércio
o Latino-Americana de Livr tados de Marraqueche. — OMC pelos Tra-
Alalc, que se transformou e Comércio —
em Associação Latino-Ameri
ção — Aladi, passando pelo cana de Integra-
Mercado Comum da Améric
MCCA e pelo Sistema de Int a Central —
egração Centro-Americano
munidade do Caribe — Car — Sica, pela Co-
icom, pela Comunidade And
Can, pela Alternativa Boliva ina de Nações —
riana para as Américas — da consciência da necess
sul, a Unasul e a novíssima Alba até o Merco- idade de Cooperação e int
Aliança do Pacífico. A for bém de uma “necessidade ercâmbio! mas tam-
de Estados provoca a tendên mação de blocos
cia idêntica em outros Estado funcional”
criarem blocos de dimensões s, no sentido de vieram a reconhecer que
equivalentes para enfrentar não mais podiam exercer
Paralelamente, as organizaç os primeiros. públicas individualmente? determinadas funções
ões internacionais vêm
poderes em relação aos Est aumentando seus
ados membros, provocando Interessante constatar que,
to da soberania nacional. Con o enfraquecimen- muito embora a ONU ten
forme leciona Cançado Tri cebida para sustentar-se ha sido con-
ndade, teoricamente nos fundament
vimento e direitos humano os da paz, desenvol-
s, conforme se desprende
Carta das Nações Unidas do Preâmbulo da
o chamado “domínio rese
rvado dos Estados (ou e de seus primeiros artigos,
exclusiva”), particulariz “competência nacional reitos humanos não contou a proteção dos di-
ação do velho dogma da sequer com um órgão esp
superado pela prática das soberania estatal, foi órgãos principais da Organi ecífico dentre os
organizações internaciona zação, e tampouco foi cri
sua inadequação ao plan is, que desvendou ção internacional específic ada uma organiza-
o das relações internac
ionais. Aquele dogma a. a exemplo de uma
havia sido concebido em
outra época, tendo em ment para Proteção dos Direitos Organização Mundial
tracto (e não em suas rela e o Estado in abs- Humanos.
ções com outros Estados (c) Surgimento
ternacionais e outros sujeitos e organizações in- de novas formas de reg
do Direito Internacional), seu impacto na teoria das ulação internacional
são de um poder interno e como expres- e
(tampouco absoluto), próp fontes do direito internaci
mento jurídico de subord rio de um ordena- onal
inação, inteiramente dist
Jurídico internacional, into do ordenamento
de coordenação e Cooper
Estados são, ademais de inde açã o, em que todos os
pendentes, juridicamente nal, ao lado das fontes clá
iguais”, ssicas do direito internaci
dos, costumes e princípios onal, que são trata-
gerais do direito, conforme
bre art. 38 do Estatuto da previsão no céle-
Corte Internacional de J ust
iça”. Tem-se hoje
“MAGALHÃES. José Carlos
de. O Mundo no século XXI.
Olavo; RAMINA, Lari
a; FRIEDRICH. Tatyana In: BAPTISTA, Luiz
Contemporâneo. (Orgs.). Direito Internacional
Curitiba: Juruá, 2014
.
* CANÇADO TRINDADE, Anto ,
nio Augusto. Direito das Org
3. ed. Belo Horizonte: De]
Rey, 2003. p.
anizações Internacionais.
Art. 38. 1. A Corte, cuja 722.
função é decidir de acor
controvérsias que lhe Jore do com o direito internac
m submetidas, aplicará: ional as
quer gerais, quer especiai a) as convenções internac
mércio — OIC, da qual sob s, que estabeleçam regr ionais,
reviveu apenas a Parte IV, los Estados litigantes; b) as expressamente reconhecidas
conhecida como o costume internacional, pe-
GATT (General Agreement aceita como sendo o dire como prova de uma prát
on Trade and Tariffs) de 1947 ito; €) os princípios gera ica geral
, que só veio a Nações civilizadas; d) sob
ressalva da disposição do
is de direito reconhecidos
pelas
a doutrina dos publicistas art. 59, as decisões judiciár
A CANÇADO TRINDADE, mais qualificados das dife ias e
Antonio Augusto. Direito liar para a determina rentes Nações, como meio
Internacionais. 3. ed. Belo Hori das Organizações ção das regras de dire auxi-
zonte: Del Rey, 2003. p. 723. INTERNACIONAL ito. ESTATUTO DA CORTE
DE JUSTIÇA. Disp onív
gov.brccivil 03/decreto/1930 el em: <http:/Awww. planalto.
-1949/ D 9841 htm. Acesso em:
136 Larissa Ramina
Direitos Humanos — v. | 137
que a teoria clássica das fontes, refletida no citado dispositivo, não pode de fato, jus cogens causa algumas modificações na estrutura do direito
ter a pretensão de exaurir as fontes do direito internacional. Ao menos internacional. Ele resgata elementos do antigo direito natural e transfe-
dois tipos dessa nova normatividade internacional podem ser identifica- re o foco das decisões do consentimento individual do Estado para a
dos, para além dos já quase universalmente aceitos atos unilaterais, quais vontade coletiva da comunidade internacional. Além disso, insere no
sejam, as normas de jus cogens e as normas de soft law, cuja natureza sistema a ideia de proteção de direitos superiores'*,
jurídica é discutida, mas cuja importância prática é indiscutível.
Essas novas formas de normatividade no plano do direito inter- A anarquia do direito internacional clássico e a equivalência de
nacional exigem uma reavaliação crítica das suas fontes tradicionais”. suas fontes cede lugar à hierarquização e verticalização das normas de
direito internacional, que passa a reconhecer como superiores as normas
As normas de jus cogens têm sua inspiração em Kant e em seu Projeto de
de jus cogens. Resulta dessa nova configuração normativa a possibilida-
Paz Perpétua (1795), em que explica que um verdadeiro direito cosmo-
de de fazer uso do critério hierárquico para a solução de antinomias en-
polita e universal efetiva-se quando a violação dos direitos em um só
volvendo normas de jus cogens.
lugar da Terra é sentida em todos os outros. Segundo Kant:
O conceito de jus cogens, contudo, é impreciso. Não há definição
Ora, como se avançou tanto no estabelecimento de uma comunidade
precisa sobre o que significa, embora haja consenso geral de que se trata
(mais ou menos estreita) entre os povos du Terra que a violação do direi- de preceitos de caráter universal que asseguram, dentre outros, o respeito
to num lugar da Terra se sente em todos os outros, a ideia de um direito a direitos humanos (muito embora as normas de jus cogens não coinci-
cosmopolita não é nenhuma representação fantástica e extravagante do dam com as normas de proteção dos direitos humanos). E, considerando
direito, mas um complemento necessário de código não escrito, tanto do que o direito internacional regula relações dinâmicas, novos conceitos
direito público como do direito das gentes, num direito público da huma- jurídicos poderão ser incluídos no rol das normas de jus cogens. É justa-
nidade em geral e, assim, um complemento da paz perpétua, em cuja con- mente essa dinâmica que fez com que o papel do Estado tenha se altera-
tínua aproximação é possível encontrar-se só sob esta condição 5 do, com o ingresso de outros atores, dentre os quais as organizações in-
ternacionais, ao auxiliar nesse processo, a exemplo da Corte Internacio-
Trata-se de noção que passa a ser discutida nos bastidores inter- nal de Justiça por meio de sua jurisprudência”.
nacionais a partir da década de sessenta, no momento em que o número
À concepção de jus cogens veio para limitar a autonomia da von-
de Estados que compõe a sociedade internacional aumenta significativa- tade do Estado soberano na ordem internacional, a fim de assegurar a
mente em razão do processo de descolonização na África e na Ásia. Con- ordem pública (ordre public) no cenário mundial, consistindo no princi-
sistem em normas imperativas, portanto de hierarquia superior, que se pal limite ao livre consentimento dos Estados. A noção de ordem pública
sobrepõem à autonomia da vontade dos Estados e que são inderrogáveis internacional ou jus cogens tem sido o principal impulso para o grande
pela vontade dos mesmos, opondo-se ao antigo jus dispositivum. Verifi- progresso do Direito internacional, proibindo os Estados de concluir
ca-se um progressivo abandono do dogma ultrapassado da doutrina vo- tratados que privilegiam interesses particulares em detrimento dos inte-
luntarista, que via na vontade dos Estados o único fundamento de valida- resses comuns de toda a sociedade internacional”,
de do direito internacional, para dar lugar à moderna tendência em se
considerar como obrigatórias certas normas internacionais que não são De mais a mais, a noção de jus cogens não é meramente tcórica,
ao contrário, o termo foi previsto expressamente em texto jurídico inter-
emanadas diretamente da manifestação de vontade dos Estados. Tatyana
nacional de grande relevância, que vem a ser a Convenção de Viena so-
Scheila Friedrich ressalta que

*º FRIEDRICH, Tatyana Scheila. As Normas Imperativas de Direito Internacional


Público. Jus Cogens. Belo Horizonte: Fórum, 2014. p. 182.
CANÇADO TRINDADE, Antonio Augusto. A Humanização do Direito Interna- 47
MAGALHÃES, José Carlos de. O Mundo no século XXI. In: BAPTISTA, Luiz
cional. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.p. 3-96. Olavo: RAMINA, Larissa: FRIEDRICH, Tatyana (Org.). Direito Internacional
45
KANT, Immanuel. A Paz Perpétua. Um Projecto Filosófico. Tradução de Artur Contemporâneo. Curitiba: Juruá, 2014.
Mourão. Covilhã: Universidade da Beira Interior, 2008, p. 22. Disponível em: 48
FRIEDRICH, Tatyana Scheila. As normas imperativas de Direito Internacional
<www.lusosofia.net>. Acesso em: 12 out. 2013. Público. Jus Cogens. Belo Horizonte: Fórum, 2004.
138 Larissa Ramina
Direitos Humanos — v. |
139
bre o Direito dos Tratados de 1969, em seus
arts. 53 e 64º, além de já ter mente, como desprovidos de caráter jurídi
sido contemplada na jurisprudência dos princ co, ou cujo caráter ou alcan-
ipais tribunais internacio- ce é de difícil determinação?,
4 q o. . - SI
nais, como no célebre obter dictum da Corte
Internacional de J ustiça no
Caso da Barcelona Traction de 1970, em que
a Corte faz à distinção entre
obrigações dos Estados vis-à-vis de outro O IDI, portanto, constatou a prática da adoçã
s Estados, e obrigações dos o de textos inter-
Estados em relação a toda a comunidade nacionais que, apesar de gerarem obrigações
internacional, que seriam as para os Estados, não re-
obrigações erga omnes”. vestem caráter jurídico, estando em uma zona
cinzenta entre o universo
Hoje, percebe-se que há uma relação cada vez do direito e do não direito. Opõem-se as norma
mais estreita entre s de soft law às normas
as normas de jus cogens e as normas de de hard law, sendo aquelas caracterizadas
proteção dos direitos humanos, como um direito flexível,
onde estão os exemplos mais correntes maleável ou plástico”. Trata-se de espécie
de normas imperativas, como de regulamentação não
autodeterminação dos povos, proibição da obrigatória, que deixa uma margem de aprec
agressão, proibição do genocí- iação em relação ao cum-
dio, proibição da escravidão, Proibição da primento de seu conteúdo. A relação entre
discriminação racial e proibi- instrumentos de soft law e
ção do apartheid. de hard law constitui um dos problemas
mais delicados do ponto de
vista político, porque aqueles são normalmente
O reconhecimento do jus cogens na Conv retirados dos controles
enção de Viena de dos parlamentos e das jurisdições, tanto nacio
1969 sobre Direito dos Tratados causou impac nais, como internacio-
to aos dogmas voluntaris- nais. Ao mesmo tempo, sua flexibilidade
tas e um repensar dos próprios fundamentos faz-se indispensável, pela
do direito internacional. capacidade de disciplinar situações nas quais
À respeito das normas de soft law, o Instit falta a vontade política de
ut de Droit Internatio- concluir tratados internacionais”.
nal — IDI, sob a relatoria de Michel Virall
y, analisou em sua sessão de Salem Hikmat Nasser destaca a necessidade
Cambridge de 1983, a distinção entre “text de flexibilização do
os internacionais de caráter direito internacional, “acometido de insuficiên
Jurídico e textos internacionais desprovido cias de adequação”*, em
s desse caráter"! que as normas de soft law seriam “regras
cujo valor normativo seria
limitado, seja porque os instrumentos que
Constatando que os Estados adotam frequentem as contêm não seriam juridi-
ente, sob denominações camente obrigatórios, seja porque as disposiçõe
diversas, textos por meio dos quais eles aceita s em causa, ainda que
m, em suas relações mú- figurando em um instrumento constringente,
tuas, compromissos que foram concebidos não criariam obrigações de
expressamente ou implicita-
direito positivo, ou não criariam senão obrig
ações pouco constringen-
tes”*. Acrescenta o referido autor a existência
* Ar. 53; “Tratado em Conflito com uma Norma
imperativa de Direito Internacional não de um conceito único
Geral (jus cogens). É nulo um tratado que, de soft law, mas de um conceito multifacet
no momento de sua conclusão, conflite ado, plural, em que “aquilo
com uma norma imperativa de Direito Intern
acional geral. Para os fins da presente
Convenção, uma norma imperativa de Direito
Internacional geral é uma norma acei- “Constatant que les Etats adoptent fréguenment,
1a e reconhecida pela comunidade intern sous des dénominations diverses,
acional dos Estados como um todo, como des textes par lesquels ils acceptent, dans
norma da qual nenhuma derrogação é permit leurs relations mutuelles, des engagements
ida e que só pode ser modificada por dont il est convenu, expressément ou implici
norma ulterior de Direito Internacional geral tement, qu'ils ne sont pas de caractêre
da mesma natureza”. Art. 64: “Super- juridique, ou dont le caractêre ou la portée
veniên
cia de uma Nova Norma Imperativa est difficile à déterminer”. Disponível em
de Direito Intern
acional Geral ( (jus co- <hup://Awww.idi-ii *
gens). Se sobrevier uma nova norma impera l.org/idiF/resolutionsF/1983 camb 02 fr.PDFS.
tiva de Direito Internacional geral, qual-
— ago. 2013,
Acesso em: 13
quer tratado existente que estiver em conflit
o com essa norma torna-se nulo e extin- * MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direit
gue-se”. CONVENÇÃO DE VIENA SOBRE o Internacional Público. 5. ed.
DIREITO
DOS TRATADOS. . São Paulo: Revista dos Tribunais, 201 1. p. 159.
PLANALTO. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil 03/ At02007-2010/ *
2009/Decreto/D7030.htm>. Acesso em: 01 Hubert Thierry, apud MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito
50 abr. 2013.
Muito embora a Corte Internacional de Internacional Público. 5. ed. São Paulo: Revista
Justiça não tenha conseguido estabelecer dos Tribunais, 201 |. p. 157.
Parâmetros conceituais que aproximam ou os 5 NASSER, Salem Hikmat. Fontes e Normas do Direito
diferenciam as normas de jus cogens e as Internaciona l. Um estudo
obrigações erga omnes. sobre a Soft Law. São Paulo: Atlas, 2005.
plo.
“Textes internationaux ayant une portée juridi %º SALMON. Jean. Les notions à contenu
que dans les relations mutuelles entre variable en droit international public. In:
leurs auteurs et textes qui en sont dépour PERELMAN; VAN DER ELST (Org.).
vus”. Disponível em: <http://www.idi- Les notions à contenu variable en droit.
iil.org/idiF/resolutionsF/ 1983 ca02 Apud NASSER, Salem Hikmat. Fontes
mb fr.PDF>. Acesso em: 13 ago. 2013. é Normas do Direito Internacional. Um
estudo sobre a Soft Law. São Paulo: Atlas,
2005. p. 25.
140 Larissa Ramina
Direitos Humanos — v. |
I41
que se presta a dúvidas é o pertencimento dos fenômenos
da soft law ao 21 e a Declaração intitulada O Futuro que Queremos,
universo jurídico da normatividade internacional”. Conclu adotada por oca-
i o autor que sião da Conferência das Nações Unidas para o Meio
a soft law não constitui nova fonte autônoma de direito Ambiente e o De-
internacional, senvolvimento Sustentável, a RIO+20.
mas que “o direito internacional se transforma, sendo No último caso, foram negocia-
a soft law parte ções difíceis até se chegar à redação de um instrumento
da transformação”, sendo “a ordem jurídica internaciona internacional de
l desafiada e soft law, que tentou acomodar os interesses opostos dos
possivelmente transformada por fenômenos de Juridicidade países desenvol-
menos rígida vidos e em desenvolvimento, o que por si só demonstra
ou de pré-juridicidade”*. a importância da
referida Declaração — ainda que se trate de um texto
de soft law. A ado-
As normas de soft law são mais comuns em algumas áreas, ção de documentos dessa sorte revela a necessidade
quais de flexibilidade da
sejam, a área econômica internacional, como por exempl normatividade inerente às relações internacionais contem
o, os documen- porâneas.
tos adotados pelo G8” (Grupo dos 8), pelo 620º (Grupo
dos 20), pelo Apesar de todos os questionamentos dirigidos à concep
grupo dos BRICS“!, bem como na proteção internacional ção de um
dos direitos direito não vinculante, ou de normas “relativizadas”,
humanos e na proteção internacional do meio ambiente, é fato que os ins-
como a Agenda trumentos de soft law importam para o direito internaciona
l contemporâ-
neo, pois “influenciam os comportamentos, organi
3 NASSER, Salem
Hikmat. Fontes e Normas do Direito Internacional.
zam a sociedade e
Um estudo resultam da combinação de necessidades sociais,
sobre a Soft Law. São Paulo: Atlas, 2005. p. 26. valores e relações de
58
NASSER, Salem Hikmat. Fontes e Normas do Direito Internac poder”, muito embora “diferentemente do direito, as normas
ional, Um estudo criadas por
sobre a Soft Law. São Paulo: Atlas, 2005. p. 29. instrumentos de soft law não resultam dos processos
59 considerados pelo
A sigla G-8 corresponde ao grupo dos oito países mais ordenamento jurídico internacional como aptos a
do qual fazem parte os Estados Unidos, Japão, Alemanh
ricos e influentes do mundo. criarem normas jurí-
a, Canadá, França, Itália, Rei- dicas”
no Unido e Rússia. Antes chamada de G-7. à sigla alterou-s
e com a inserção da Rús-
sia, que ingressou no grupo em 1998. Explicitamente, a função
do G-8 é a de decidir (d) A superação do estatocentrismo no direito intern
quais os rumos da economia mundial. pois esses países
acional
possuem economias consoli- A transformação mais marcante do direito intern
dadas e suas forças políticas exercem grande influência nas acional pós-
instituições e organiza- -vestefaliano, contudo, está na superação do estatocentri
ções mundiais, como ONU, FMI, OMC. A discussão gira em smo que o carac-
torno do processo de
globaliz ação, abertura de mercados, problemas ambientais. ajudas financeiras
terizou durante todo o período clássico.
economias em crise, entre outros. para
O 6-20 consiste num grupo de países emergentes criado A superação do estatocentrismo está comprovada na
em 20 de agosto de 2003, transforma-
sob o comando do Brasil, e cuja atuação se concentr ção da subjetividade internacional. Muitos jusinternaci
ou na agricultura. Na V onalistas têm se
Conferên cia Ministerial da OMC, os objetivos principais do Grupo foram debruçado a descortinar referida transformação, entre
resultados nas negociações agrícolas que refletissem
a defesa de os quais estão, no
o nível de ambição do mandato Brasil, Antonio Augusto Cançado Trindade, Flávia
das negociações da Rodada de Doha e os interesses Piovesan e Paulo
dos países em desenvolvimento. Borba Casella, para quem as principais questões a serem
Os membros do G-20, que podem variar, somavam na ocasião
um número de 24. Seus
enfrentadas pelo
países membros direito internacional incluem “a inserção do indivíduo
respondiam por 60 % da população mundial, 70 % da
população como sujeito de
rural do mundo e 26% das exportações agrícolas mundiais. direito internacional e, igualmente, o estabelecimento
Desde a sua criação, o de limites à sobera-
G-20 conta com membros flutuantes, mas seus representantes nia dos Estados, em favor de um interesse comun.
Índia, Brasil c África do Sul), que respondem juntos por 60%:
formam o G-4 (China, Trata-se de verdadei-
da população mundial e ro resgate histórico, da posição do ser humano no
26% das exportações agrícolas mundiais. Do continente direito internacional,
africano, estão incluídos consoante inclusive as origens históricas da disciplina,
África do Sul, Egito; Nigéria; Tanzânia e Zimbábue. Da Ásia, participam China; bastando lembrar
Filipinas; Índia; Indonésia; Paquistão algumas considerações dos chamados “Jundadores do
e Tailândia Da Europa, estão Turquia; direito internacio-
República Checa e Hungria. Por fim, da América Latina participam Argentina; nal”. O jus communicationis de Francisco de Vitori
a foi concebido como
Bolívia, Brasil; Chile; Cuba; Guatemala: México: Paraguai; Uruguai e Venezuela.
G20, disponível em: <www.g20.0rg>. Acesso em 20 ago.
2012. “ NASSER. Salem Hikmat. Fontes e Normas do
SA sigla BRICS se refere a um grupo de países formado, Direito Internacional. Um estudo
originalmente, por Brasil. sobre a Soft Law. São Paulo: Atlas. 2005. p. 160-161
Rússia, Índia e China, ao qual posteriormente se juntou .
a África do Sul. Trata-se de & CASELLA, Paulo Borba. Direito internacional
um grupo de países em estágio similar de desenvolviment — A Abordagem pós-moderna dos
o econômico, que tem pro- clássicos e os novos desafios. In: RAMINA, Larissa;
curado caminhos de cooperação com vistas à uma maior influênci FRIEDRICH, Tatyana. Direito
a geopolítica. Desde Internacional Multifacetado. v. VI. Aspectos Teórico
o ano de 2009, os líderes do grupo realizam cúpulas anuais. s e Aspectos Históricos. Curi-
tiba: Juruá, 2014.
142 Larissa Ramina
Direitos Humanos — v. |
143
um direito para todos os seres humanos. Assim
, já nos séculos XVI e XVII, para dar ênfase ao poder do Estado.
para Francisco de Vitoria e também para Franc Todavia, os Estados estão subordi-
isco Suárez o Estado não era
sujeito exclusivo do direito das gentes, que nados às organizações internacionais de
incluía os indivíduos e também que participam e às normas de
os povos. No século XVII, Hugo Grócio levou direito internacional geral, dentre as
em consideração antes a quais sobrelevam os costumes e
humanidade, e só depois os Estados. Ao comp princípios gerais de direito, sem menc
reender a ordem jurídica ionar os tratados dos quais são
internacional como necessária e não só volun partes. Encontram-se cómpelidos a respe
tária, Hugo Grócio recorreu à itar os direitos humanos, o que
recta ratio para fundamentar sua posição” nem sempre acontece, mas não se atre
vem mais à afirmar que, dentro de
suas fronteiras, tem liberdade para agir
Cumpre lembrar importante discussão que a seu talante”.
foi travada já em 1929
pelo Institut de Droit International, por meio Registre-se também que no século XIX,
de sua 22º Comissão, e que na Itália, Pasquale Sta-
levou à adoção de uma resolução contendo nislau Mancini (e também Terenzio Mami
a Declaration des droits inter- ani e Pasquale Fiore, com al-
nationaux de P"homme, cujo primeiro cons gumas diferenças) discutiram a concepçã
iderandum afirma que “a cons- o de nação como titular do direi-
ciência jurídica do mundo civilizado exige to de dispor de si mesma, e de se tran
o reconhecimento ao indivíduo sformar em Estado, por isso a nação
de direitos subtraídos do qualquer atentado precederia a própria existência do Estad
por parte do Estado”. o. À ideia seria a construção do
Ao lado dos sujeitos clássicos do direito direito internacional primeiramente
internacional, primeiro a partir da nação, e apenas poste-
Estados e depois organizações internacio riormente a partir do Estado, considerado
nais (que de certa forma não como uma noção artificial oriun-
romperam totalmente com o monopólio da das doutrinas contratualistas. Por isto, dever-se-ia
estatal, vez que são definidas
portante aos indivíduos integrantes de atribuir papel im-
como “associações de Estados”), o indivíduo uma entidade coletiva, se se pre-
reaparece como sujeito do
direito internacional, com o surgimento tendesse um direito internacional justo
de direitos e obrigações a eles . E aqui estava, talvez, o primeiro
destinados no plano internacional, e inclu embrião do princípio da autodeterminação
sive a criação de mecanismos dos povos previsto no art. 1º,
internacionais para assegurar esses direitos $ 2º, da Carta das Nações Unidas*,
e obrigações, a partir da cons- que insere os povos, para além dos
trução de um direito internacional dos direit Estados, como titulares de direitos —
os humanos. o direito à autodeterminação — ad-
Trata-se do fenômeno denominado por vindos do ordenamento jurídico internacio
Cançado Trindade de nal.
“humanização do direito internacional", Há que se fazer breve menção, ainda,
em que a sociedade internacio- à intensificação da atuação
nal deixa de ser interestatal, abrigando de importantes atores internacionais, ident
novos sujeitos, e principalmente ificados nas organizações não
os indivíduos. governamentais. As organizações não
governamentais, constituídas de
A construção do direito internacional dos acordo com as leis nacionais onde têm
direitos humanos im- sua origem, representam a partici-
põe-se como um obstáculo à ideia de que pação cada vez mais densa da soci
o tratamento que o Estado re- edade civil no plano internacional,
servava aos seus próprios cidadãos recaí propondo-se a atuar em defesa do inter
a no resguardo da jurisdição esse público nacional e internaci-
doméstica, também chamada de domínio onal. Hoje, constata-se um declínio
reservado ou autonomia consti- da abordagem clássica de formação
tucional, na esfera da soberania nacional, do direito internacional com base nas
dentro da qual nenhum outro fontes manifestadas nas relações
Estado poderia imiscuir-se, sob pena de interestatais, reconhecendo também
violação do sagrado princípio da as “fontes não estatais”, decorrentes
não intervenção ou não ingerência nos negóc da atuação de entidades da sociedade
ios internos dos Estados. civil no Plano internacional. Para
além dos indivíduos, hoje não é possí
A relativização do conceito de soberania vel desconsiderar as ONGs e de-
nesse contexto é inevi-
tável. A soberania, por certo, ainda const
itui símbolo político invocado
*” MAGALHÃES. José Carlos de. O Mundo no século XXI.
Olavo; RAMINA, In: BAPTISTA, Luiz
Larissa; FRIEDRIC H, Tatyana (Org.).
4 CANÇADO TRINDADE, Antonio Augusto. Contemporâneo. Curitiba: Juruá. 2014. Direito Internacional
A Humanização do Direito Internaci- “* MAFRICA, Chiara Antonia Sofia. Repre
onal. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p.8. sentações do princípio de nacionalid
6s
Disponível em: <www.idi-iil.org>. Acesso em: na doutrina internacionalista do século ade
dez 2013. XIX na construção da ideia de autodeter-
66 CANÇADO TRINDADE, Évolution du droit intern minação dos povos: continuidades
ational au droit des gens. Paris: e rupturas em um discurso liberal. Flori
2014, p. 234. Dissertaçã anópolis,
Pedone 2008.
, o (Mestrado em Direito), Programa de Pós-G
reito (PPGD) — Universidade Federal raduação em Di-
de Santa Catarina, 2014,
144 Larissa Ramina Direitos Humanos — v. | I45

mais entidades da sociedade civil como atuantes no processo de forma- CONSIDERAÇÕES FINAIS: A REFORMULAÇÃO DA
ção e de efetiva aplicação das normas internacionais. SOBERANIA ESTATAL
Por outro lado, a atuação das empresas transnacionais é, para O
bem ou para o mal, em grande parte, responsável pelo estreitamento dos A limitação do conceito de soberania, como já afirmado, tornou-se
mercados globais e pelo impulso da globalização em seu aspecto econômi- até direito positivo, ao ser incluído na Convenção de Viena do Direito dos
co, apreciado por vários analistas como um fenômeno negativo, em razão Tratados preceito que considera nulos os tratados que violem norma de jus
do agravamento do abismo de desigualdade social no cenário mundial. cogens. Embora nem todos os Estados a tenham ratificado, boa parte de
suas disposições são consideradas costume internacional e, portanto, fonte
Acrescente-se a tudo isto o surgimento de uma opinião pública in-
que obriga mesmo os países que dela não são Estados-partes.
ternacional, que tende a posicionar-se a favor ou contra certas regras e
políticas internacionais, a exemplo dos movimentos antiglobalização. A Luigi Ferrajoli já chamou a atenção para o fato de que, após a
utilização da internet possibilita ao ser humano a interação com as variadas Revolução Francesa, percebem-se duas histórias paralelas e opostas da
regiões do planeta, sem a interferência do Estado e sem qualquer controle soberania: de uma progressiva limitação interna da soberania, no plano
eficaz, dando-lhe liberdade, ampliando-lhe a capacidade de análise do do direito estatal, e de uma progressiva absolutização externa da sobera-
mundo. A instantaneidade da informação impede às autoridades governa- nia, no plano do direito internacional. Segundo o referido autor, “a co-
mentais a possibilidade de manipulação de dados e o monopólio da sua munidade selvagem de Estados soberanos atinge seu auge nos cem anos
utilização. A sociedade civil desvencilha-se cada vez mais do aparato go- que vão da metade do século XIX à metade do século XX, e que também
vernamental, tendendo a estabelecer nova forma de organização política são os cem anos da construção, na Europa, do Estado de Direito e da
para coordenar essa multiplicidade de atores internacionais”. democracia”.
Por outro lado, há que se fazer menção às inquietações teóricas O movimento de positivação dos direitos humanos na ordem inter-
de várias correntes de pensamento, que se dedicam a superar o direito nacional iniciou-se no pós-Segunda Guerra Mundial como reação às atro-
internacional centrado nas preocupações com o Estado e com a sobera- cidades e aos horrores verificados na gestão dos sistemas totalitaristas, que
nia. Atualmente, e a partir do final do século XX, despertam interesse as resultaram na “coisificação” do ser humano e na violação da dignidade
chamadas “Abordagens do Terceiro Mundo ao Direito Internacional”, humana, como demonstrou Hannah Arendt em vários dos seus escritos.
tradução da expressão de língua inglesa “Third World Approaches to
International Law (TWAIL)”, que têm atraído estudiosos não apenas dos Na linguagem de Luigi Ferrajoli, os direitos humanos podem ser
países do chamado “Terceiro Mundo”, mas também de autores simpati- identificados como “a lei dos mais fracos” contra a “lei dos mais fortes”,
zantes das correntes críticas (“critical legal studies”) do direito interna- voltados para a proteção da dignidade humana?. Para Antonio Augusto
cional”. Referidas abordagens propõem-se a desviar o foco principal do Cançado Trindade, trata-se de reorientar o direito internacional como
direito internacional na centralidade do Estado, baseando-se na necessi- instrumento para a realização da dignidade humana, e não mais das pre-
dade de democratizar o direito internacional considerando os interesses tensões de poder dos Estados soberanos”*. Em suas palavras,
dos povos do terceiro mundo. Balakrishnan Rajagopal, por exemplo,
propõe redirecionar o foco do direito internacional do Estado para os « a nenhum Estado é dado tentar situar-se acima do Direito, voltamos
movimentos sociais”. às origens conceituais tanto do Estado nacional como do Direito Inter-
nacional. Quanto ao primeiro, não há que se esquecer que o Estado foi
originalmente concebido para a realização do bem comum, e que existe
º MAGALHÃES, José Carlos de. O Mundo no século XXI. In: BAPTISTA, Luiz
Olavo; RAMINA, Larissa; FRIEDRICH, Tatyana (Org.). Direito Internacional FERRAJOLI, Luigi. A Soberania no Mundo Moderno. São Paulo: Martins Fontes,
Contemporâneo. Curitiba: Juruá, 2014. 2002.
7 GALINDO, George Rodrigo Bandeira. A Volta do Terceiro Mundo ao Direito FERRAJOLI, Luigi. A Soberania no Mundo Moderno. São Paulo: Martins Fontes.
Internacional. Disponível em: <www.sistemas.mre.gov.br>. Acesso em: 13 mar. 2014. 2002.
71 RAJAGOPAL, Balakrishnan. El Derecho Internacional desde Abajo. El desarrollo, CANÇADO TRINDADE, Évolution du droit international au droit des gens. Paris:
los movimientos sociales y la resistencia de del Tercer Mundo. Bogotá: ILSA, 2005. Pedone, 2008.
Direitos Humanos — v. | 147
146 Larissa Ramina
vencedores para julgar vencidos, a exemplo de Nuremberg e Tóquio,
para o ser humano, e não vice-versa. Quanto ao segundo, tampouco há
l não era em suas origen s para os tribunais internacionais ad hoc criados por resoluções do Conse-
que se olvidar . de que o : Direito Internaciona
o 5 a
direito das gentes
75
- . lho de Segurança da ONU -— Tribunal Penal Internacional para a Ruanda
um direito estritamente interestatal, mas sim o
e Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia e finalmente para a
m progres- criação do primeiro tribunal internacional permanente da história da hu-
Atualmente, percebem-se dois fenômenos que corroe manidade, com competência para julgar pessoas acusadas de violações de
internacional dos
sivamente a soberania nacional na seara da proteção normas internacionais de proteção dos direitos humanos pertencentes à
o aumento quantita-
direitos humanos, que poderiam identificados como
s humanos, vertente do direito internacional humanitário. Trata-se do Tribunal Penal
tivo dos instrumentos internacionais de proteção de direito
rol de instru mentos Internacional (TPI). criado em 1998 pelo Estatuto de Roma e instituído
sendo que hoje se constata a existência de imenso
consuetudinárias e das nor- em 2002 em Haia”.
internacionais na matéria, além das normas
na como “jurisdi-
mas de jus cogens, e o fenômeno conhecido em doutri A criação dos tribunais penais internacionais viabilizou a com-
l”, com a insti-
cionalização” ou “justicialização do direito internaciona preensão de que os crimes contra o direito internacional dos direitos hu-
tuição de jurisdições internacionais manos lato sensu são cometidos por indivíduos, e não por entidades abs-
passa-se a
A partir da instituição das jurisdições internacionais, tratas, no caso, os Estados.
ativa e passiv a do indivíduo.
falar nas reais capacidades internacionais A jurisdicionalização dos direitos humanos indica o fortaleci-
e a possib ilidad e de pleitear
Em relação à capacidade ativa, menciona-s mento do direito internacional. Nesse sentido, entende-se que há uma
a onusia no de proteç ão dos
junto aos órgãos quase judiciais do sistem os evolução do direito internacional, ou talvez melhor fosse falar de um
Comit ês institu ídos por tratad
direitos humanos, a exemplo dos vários verdadeiro resgate do direito internacional, para o antigo conceito de
is e judicia is dos sistem as region ais
internacionais”, e órgãos quase judicia droit des gens — direito das gentes, que significa a ordem jurídica da co-
u, interamericano e
de proteção dos direitos humanos nos âmbitos europe munidade humana, ou seja, dos indivíduos considerados isoladamente ou
Europe ia de Direit os Humanos, da Corte
africano, a exemplo da Corte
os, da Comis são Intera mericana de Di- em grupos (povos). É certo que entre esses grupos políticos, as coletivi-
Interamericana de Direitos Human
os e dos Povos. dades estatais são os mais importantes. O direito das gentes assim conce-
reitos Humanos e da Corte Africana dos Direitos Human
do indiví- bido propõe um corpo de normas de direito público e de direito privado,
No que diz respeito à capacidade internacional passiva constituindo um direito comum internacional. Tatyana Friedrich ressalta
is intern aciona is institu ídos por
duo, menciona-se a evolução dos tribuna que “vários tratados versando sobre relações privadas internacionais
do Direito referem-se também aos Direitos Humanos” 2.
TRINDADE, Antonio Augusto. A Iumanização
5 CANÇADO
Internacional. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 17. Nessa concepção, identifica-se, após o processo de consolidação
do direito internacional na
76
Uma característica interessante da jurisdicionalização do Estado Democrático de Direito no plano interno, uma progressiva
da, consiste em que no plano
proteção dos direitos humanos, e que merece ser observa constitucionalização do direito internacional, com a identificação de
foi sendo operada na esfera penal, enquanto no plano re-
global, a jurisdicionalização
gional a jurisdicionalização foi sendo operada na esfera civil. valores éticos considerados supremos por toda a comunidade internacio-
em
mn
O principal órgão da ONU responsável pela proteção dos direitos humanos, criado nal. Passa-se, cada vez mais, a aceitar a ideia da existência de uma ver-
é o Conselho de Direitos
2006 para substituir a antiga Comissão de Direitos Humanos dadeira “comunidade internacional”, substituindo progressivamente a
vincula do à Assembl eia Geral. Por outro lado, há atualmente nove órgãos
Humanos, mera “sociedade internacional”,
humanos com o objeti-
convencionais, ou seja, órgãos criados por tratados de direitos
de direitos humanos
vo de supervisionar sua implementação. São eles o Comitê para a 78
Comitê de dircitos econômicos. sociais e culturais (CESCR); Comitê COUR PÉNALE INTERNATIONALE — INTERNATIONAL CRIMINAL COURT.
(CCPR);
eliminação da discrimina-
climinação da discriminação racial (CERD): Comitê para a para os
Disponível em: <http:/Avww.ice-cpi.int/FR. Menus/icc/Pages/default.aspx>. Acesso
ção contra as mulheres (CEDAW): (5) Comitê contra a tortura (CAT); Comitê em: 02 abr. 2013.
migrantes (CMW): Comitê
direitos da criança (CRC); Comitê para os trabalhadores FRIEDRICH, Tatyana Scheila. A Proteção dos direitos humanos nas relações priva-
79

das pessoas portado ras de deficiên cias (CRPD) e Comitê sobre Desapare- das internacionais. /n: RAMINA, Larissa; FRIEDRICH, Tatyana. Direito Interna-
dos direitos FOR THE
cimento Forçado (CED). OFFICE OF THE HIGH ER
COMMISSION cional Multifacetado. v. 1. Direitos Humanos: Evolução, Complexidades e Parado-
HUMAN RIGHTS. Disponível em: <http://www.ohchr.org/EN/Pages/Welcome xos. Curitiba: Juruá, 2014.
Page.aspx>. Acesso em: 02 abr. 2013.
148 Larissa Ramina
Direitos Humanos — v. | 149
Luigi Ferrajoli desenvolve a tese da antinomia irredutível entre de uma ética universal que se contraponha ou limite os valores
soberania e direito. Para o autor, a ideia de soberania é incompatível com econômi-
cos em prol dos valores humanos. Trata-se de impulso ético que
as Cartas Internacionais de Direitos, como a Carta das Nações Unidas e a vem de
baixo, de uma opinião pública global formada a partir dos avanços
Declaração Universal dos Direitos Humanos. Propõe um direito interna- tecno-
lógicos nas áreas de comunicação e de transportes, e que influi
cional fundamentado não na soberania dos Estados, mas na autonomia no direito
internacional contemporâneo.
dos povos, ou seja, a humanidade no lugar dos Estados, um constitucio-
nalismo mundial, inclusive com garantias globais. Para o referido autor,
fora do direito internacional nenhum dos problemas que dizem respeito 4 REFERÊNCIAS
ao futuro da humanidade pode ser resolvido, e nenhum dos valores do BEDIN, Gilmar Antonio. A Sociedade Internacional Clássica
nosso tempo pode ser realizado”. No mesmo sentido, Antonio Augusto e seu Marco Inicial:
Algumas Reflexões sobre a Paz de Westfália. In: Wagner Menezes
Cançado Trindade menciona a . (Org.). Estudos
de Direito Internacional. Curitiba: Juruá, 2008. v. XII, p. 67-72.
CANÇADO TRINDADE, Antonio Augusto. A Humanização do
reconstrução do jus gentium, consoante a recta ratio, como um novo e Direito Inter-
nacional. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 3-96.
verdadeiro direito universal da humanidade. Mediante sua humanização CANÇADO TRINDADE, Antonio Augusto. Evolution du droit
e universalização, o direito internacional contemporâneo passa a ocupar- international
au droit des gens. Paris: Pedone, 2008.
-se mais diretamente da identificação e realização de valores e metas
co- CANÇADO TRINDADE, Antonio Augusto. Direito das Organiz
muns superiores, que dizem respeito à humanidade como um todo. ações Interna-
cionais. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.
CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS. PLANALTO. Disponí
Esse conjunto de reflexões permite vislumbrar uma ordem interna- vel em: <http://www.
planalto.gov.br/ceivil 03/decreto/1930-1949/D 19841 .htm>.
cional mais complexa. O Estado deixou de ter o monopólio das relações
CARTA WINTER, Luís Alexandre e WACHOWICZ, Marcos.
internacionais e simultaneamente deixou de ser o único interlocutor sobre Estado: constru-
ção de uma identidade. Anais do XV Encontro Nacional
assuntos que interessam à humanidade ou, até mesmo, à comunidade esta- do Conpedi — Manaus,
2006, p. 873-897.
tal. Vê-se compelido a conviver com os demais atores e também a dar voz à CASELLA, Paulo Borba. Direito internacional — A Abordagem
estes interlocutores, até mesmo na elaboração de normas*!, O direito inter- pós-moderna dos
clássicos e os novos desafios. In: RAMINA, Larissa:
nacional atual se caracteriza por tendências que o estão transformando FRIEDRICH, Tatyana.
Direito Internacional Multifacetado. v. VI, Aspectos Teóricos e Aspectos
significativamente. O tecido normativo internacional mostra-se hoje mais Históricos. Curitiba: Juruá, 2014.
denso, mais espesso, mais similar ao tecido normativo nacional. Isto tam- CASELLA, Paulo Borba. Fundamentos do Direito Interna
bém em razão da crescente institucionalização ou estruturação da ordem cional Pós-
“Moderno. São Paulo: Quartier Latin, 2008. p. 1.523.
internacional, com a proliferação das organizações internacionais e a insti- CONVENÇÃO DE VIENA SOBRE DIREITO DOS TRATADOS.
tucionalização dos tratados multilaterais e, ainda, pela tendência em preen- PLANALTO. Disponível em: <http:/NAvww.planalto.gov.br/ccivil
cher espaços normativos vazios mediante instrumentos de soft law. 03/ Ato2007-
2010/2009/Decr eto/D7030.htm>.
Por outro lado, a globalização tende a afirmar problemas univer- COUR INTERNATIONALE DE JUSTICE. Affaire de
Lotus. Disponível em: -
sais, que solicitam respostas e soluções globais. A consequente afirmação <hutp://wwwiej-cij org/peij/serie A/A 10/30 Lotus Arret.pd
f>.
de valores globais tende a inserir um elemento de hierarquia no direito COUR PÉNALE INTERNATIONALE — INTERNATIONAL CRIMINAL
internacional antes horizontal, com a inclusão das normas de jus cogens. COURT. Disponível em: <http://www.ice-cpi.int/FR. Menus/icc/Pages/default.
aspx>.
Os fenômenos contra-globalizatórios consistem justamente na imposição
ESTATUTO DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇ
A. Disponível em:
<http://Awwwplanalto.gov.br/ccivil 03/decreto/1930-1949/D 1984]
-htm>.
“º FERRAJOLI, Luigi. A Soberania no Mundo Moderno. São Paulo: Martins Fontes. FALK, Richard. Globalização predatória. Uma crítica.
2002. Lisboa: Instituto Pi-
aget, 2001. p. 303.
“MAGALHÃES, José Carlos de. O Mundo no século XXL In: BAPTISTA. Luiz FERRAJOLI, Luigi. A Soberania no Mundo Moderno.
Olavo; RAMINA, Larissa; FRIEDRICH, Tatyana (Org.). Direito Internacional São Paulo: Martins
Contemporâneo. Curitiba: Juruá, 2014. Fontes, 2002.
150 Larissa Ramina Direitos Humanos — v. |

FERRAJOLI, Luigi. Mas Allá de la soberania y la ciudadanía: um constituciona- PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacio-
lismo global. Revista Isonomía: Teoría y Filosofía del Derecho, n. 9, out. 1998, nal. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 556.
p. 173-181, p. 173. Disponível no Portal Doxa: <http://bib.cervantesvirtual. PRONER, Carol. Propriedade intelectual e direitos humanos: sistema interna-
com/FichaObra.html?Ref=2003 10&portal=4>. cional de patentes e direito ao desenvolvimento. Porto Alegre: Sergio Antonio
FRIEDRICH, Tatyana Scheila. As normas imperativas de Direito Internacio- Fabris, 2007. p. 70.
nal Público. Jus Cogens. Belo Horizonte: Fórum, 2004. QUOC DINH, Nguyen, DAILLER, Patrick, PELLET, Alain. Droit Internatio-
FRIEDRICH, Tatyana Scheila. A Proteção dos direitos humanos nas relações nal Public. Paris: LGDJ, 1999.
privadas internacionais. /n: RAMINA, Larissa; FRIEDRICH, Tatyana. Direito RAMINA, Larissa, RAYMUNDO, Louise. Tráfico internacional de mulheres
Internacional Multifacetado. v. 1, Direitos Humanos: Evolução, Complexida- para fins de exploração sexual: dificuldades conceituais, caracterização das víti-
des e Paradoxos. Curitiba: Juruá, 2014. mas e operacionalização. Revista Direitos Fundamentais & Democracia
FRIEDRICH, Tatyana Scheila. As Normas Imperativas de Direito Internacio- (UniBrasil). v. 14, p.1 - 30, 2013.
nal Público. Jus Cogens. Belo Horizonte: Fórum, 2014. RAJAGOPAL, Balakrishnan. El Derecho Internacional desde Abajo. El desa-
GALINDO, George Rodrigo Bandeira. A Volta do Terceiro Mundo ao Direito rrollo, los movimientos sociales y la resistencia de del Tercer Mundo. Bogo-
Internacional. Disponível em: <www.sistemas.mre.gov.br>. tá: ILSA, 2005.
G20. Disponível em: <www.g20.org>. Acesso em: 20 ago. 2012. SANTOS, Boaventura de Sousa. El foro social mundial: hacia una globalización
contra-hegemónica. In: SEN, Jai; ANAND, Anita; ESCOBAR, Arturo e
INSTITUT DE DROIT INTERNATIONAL. Disponível em: <www.idi-iil.org>.
WATERMAN, Peter (org.), El Foro Social Mundial: Desafiando Imperios.
KANT, Immanuel. A Paz Perpétua. Um Projecto Filosófico. Tradução de Ar- Mataró: El Viejo Topo, 2004. p. 459-467.
tur Mourão. Covilhã: Universidade da Beira Interior, 2008. Disponível em:
SANTOS, Boaventura de Sousa, Por uma concepção multicultural de direitos
<www.lusosofia.net>. Acesso em: 12 out. 2013.
humanos. /n: SANTOS, Boaventura de Sousa (org.). Reconectar para libertar.
MAGALHÃES, José Carlos de. O Mundo no século XXI. In: BAPTISTA, Luiz Os caminhos do cosmopolitismo multicultural. Rio de Janeiro: Civilização
Olavo; RAMINA, Larissa; FRIEDRICH, Tatyana (Org.). Direito Internacional. Brasileira, 2003. p. 21.
Temas Contemporâneos. Curitiba: Juruá, 2014. TRATADO SOBRE A NÃO-PROLIFERAÇÃO DE ARMAS NUCLEARES.
MAFRICA, Chiara Antonia Sofia. Representações do princípio de nacionali- PLANALTO. Disponível em: < http:/Avww.planalto.gov.br/ccivil 03/decreto/
dade na doutrina internacionalista do século XIX na construção da ideia de D2864.htm>.
autodeterminação dos povos: continuidades e rupturas em um discurso liberal. VITORIA, Francisco de. Os Índios e o Direito da Guerra (De Indis et de Jure
Florianópolis, 2014, p. 234. Dissertação (Mestrado em Direito), Programa de Belli Relectiones). Ijuí: Unijuí, 2006.
Pós-Graduação em Direito (PPGD) — Universidade Federal de Santa Catarina,
ZOLO, Danilo. La Justicia de los Vencedores. De Nuremberg a Bagdad.
2014.
Buenos Aires: Edhasa, 2007.
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 5.
ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 1.104.
MIRANDA, Jorge. Sobre a Proteção Internacional da Pessoa Humana. Jn:
RAMINA, Larissa; FRIEDRICH, Tatyana (Org.). Direito Internacional Multi-
facetado. v. I, Direitos Humanos: Evolução, Complexidades e Paradoxos. Curi-
tiba: Juruá, 2014.
MARSHALL MCLUHAN. Global Village. Disponível em: <http://www.
marshallmcluhan.com/>.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Disponível em: <http://portal.mj.gov.br/sedh/
ct/legis intern/ddh bib inter universal.htm>.
NASSER, Salem Hikmat. Fontes e Normas do Direito Internacional. Um
estudo sobre a Soft Law. São Paulo: Atlas, 2005.
OFFICE OF THE HIGH COMMISSIONER FOR THE HUMAN RIGHTS.
Disponível em: <http://www.ohchr.org/EN/Pages/WelcomePage.aspx>.

Você também pode gostar