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Reflexões sobre a inserção de elementos publicitários em centros históricos

A propaganda é parte integrante da sociedade atual, fornecendo informações sobre os mais


variados produtos e serviços. Geralmente são produzidas exatamente para serem
impactantes, vibrantes, diferenciar do comum – exatamente o que não se deseja para
ambiências harmônicas como as dos conjuntos urbanos preservados.
Nos últimos anos, se observa uma descontrolada proliferação desses aparatos pelas cidades
brasileiras. É uma luta pra ver qual estabelecimento se destaca mais, e a arquitetura, tenha
ou não valor cultural, transformou-se em mero suporte para placas de propaganda.

Marília – SP e Belém – PA. A arquitetura, seja ou não de interesse de preservação, torna-se imperceptível por
detrás dos elementos publicitários. Fotos: Dalmo Vieira Filho e Anna Finger, 2010/2011.
Constatamos que na maior parte das cidades brasileiras faltam normativas que regulem os
aspectos mais importantes dos elementos publicitários, tais como tamanho, cor, material,
proporção e localização, e praticamente, não existe fiscalização na maior parte dos casos.
O IPHAN tem atuado pontualmente em algumas localidades, e algumas cidades trabalharam
esse aspecto exemplarmente. Paraty, por exemplo, se destaca como referência no
tratamento da publicidade em fachadas.
Entretanto, faz-se necessária uma reflexão mais geral sobre o problema da sinalização e da
inserção de elementos publicitários em centros históricos, grandes responsáveis pela
poluição visual que se observa nessas áreas. Dar diretrizes claras para a questão, evitando
tanto regras generalizadas que ignorem casos específicos, quanto resoluções pontuais que
desconheçam visões mais amplas do problema, é um dos grandes desafios para a gestão
desses espaços.
Nesse sentido, dois aspectos ligados a especificidades de áreas tombadas no Brasil tornam
nossa realidade diferem de outros países, especialmente europeus, frequentemente
tomados como referencia: a o porte das edificações que compõe os centros históricos
brasileiros, e as linguagens arquitetônicas predominantes no país.
Abordaremos brevemente cada um desses aspectos, e a seguir tentaremos propor diretrizes
que orientem a elaboração de regras para implantação dos elementos publicitários em
diferentes casos.

1. Diferença entre os gabaritos predominantes:


Na Europa, onde parte considerável da configuração atual dos centros de cidades históricas
foi formada no período Medieval, é normal encontrar áreas com gabaritos de até seis
andares. Devido a esse porte, países como Itália e França costumam adotar tratamento
bastante liberais para o térreo. É freqüente a permissão de rasgos inteiros de vitrines e
garagens, fazendo com que na prática, as restrições da preservação se concentrem
exclusivamente nos pavimentos superiores. Do ponto de vista da ambiência urbana, esta
permissividade no térreo é compensada com folga pela massa preservada dos pavimentos
superiores.
Dinan, Paris e Saint Malo, na França. O porte dos edifícios faz com que a liberalidade da sinalização ou
alteração nos vãos do pavimento térreo seja compensada pela proporção dos andares superiores. Fotos: Dalmo
Viera Filho, 2009.

Já no Brasil, onde as alturas são muito menores, a liberalidade no pavimento térreo, quando
aplicada, quase sempre é catastrófica.
País predominantemente rural até meados do século XX, onde o espaço era farto e
raramente as cidades cresciam contritas entre muralhas (ao contrário do que ocorreu na
Europa), os núcleos urbanos desenvolveram-se de forma pouco adensada, com casas muitas
vezes dotadas de muros laterais, hortas e quintais. Assim, salvo poucas cidades como Recife,
Salvador ou Rio de Janeiro, que em determinadas áreas contam com edifícios antigos já de
maior porte, na maioria das cidades brasileiras protegidas, o gabarito predominante se
restringe ao térreo ou, no máximo, a dois pavimentos.
Manaus – AM, e Belém - PA. No Brasil, o porte térreo ou com dois pavimentos torna as placas publicitárias de
alto impacto, por vezes bloqueando completamente a percepção dos edifícios. Fotos: Dalmo Viera Filho e Anna
Finger. 2010 e 2011.

2. Diferentes linguagens arquitetônicas e configurações de fachadas.


Na grande maioria dos núcleos urbanos atualmente preservados no Brasil, predomina a
arquitetura colonial, caracterizada exatamente pelo despojamento e por paredes
predominantemente brancas. Em superfícies como estas o impacto visual derivado de placas
e outros aparatos publicitários tendem a tomar proporções ainda maiores, exigindo
cuidados redobrados na posição, dimensões e escolha das cores.

Paraty – RJ, e Goiás – GO. Observa-se os efeitos entre um espaço onde a inserção de elementos publicitários se
dá em fundo homogêneo e com dimensões controladas, tornando-se praticamente imperceptível, e onde
letreiros, toldos e cores são mais perceptíveis. Fotos: Dalmo Viera Filho, 2009/ 2010.

Logo depois da arquitetura colonial, a segunda linguagem mais encontrada em paisagens


urbanas tombadas no Brasil é a eclética, com sua gama de variedades.
Em países como o nosso, onde o neoclássico foi fugaz, o ornamento predominou de meados
do século XIX até praticamente os anos 40 do século XX. O ecletismo é comumente marcado
pela ornamentação profusa, e é comum que praticamente toda a fachada seja tomada por
relevos decorativos. Grandes portas e janelas, invariavelmente dotadas de bandeiras
envidraçadas ampliam seus espaços nos panos de paredes, emolduradas por tramas de
pilastras e cimalhas. Nesse tipo de arquitetura, torna-se difícil – ou mesmo impossível – a
inserção de placas ou aparatos publicitários no plano das fachadas, sendo comum sua
colocação entre os vãos de portas e janelas, solução quase sempre sofrível e que deve ser
evitada.
Pelotas – RS. Em conjuntos ecléticos a inserção de publicidade torna-se ainda mais difícil, uma vez que a
profusão ornamental diminui o espaço disponível para a fixação desses elementos. Entretanto, observa-se que
diversos imóveis, mesmo originalmente, por terem a função comercial, já contavam com elementos
publicitários. Atualmente, entretanto, esses elementos têm tomado proporções danosas à percepção do
conjunto, por vezes obstruindo quase completamente a fachada do edifício. Fonte: PORTELLA, Adriana Araújo.
EVALUATING COMMERCIAL SIGNS IN HISTORIC STREETSCAPES: the Effects of the Control of Advertising and
Signage on User’s Sense of Environmental Quality. Tese de doutorado. Oxford University, 2007.

Salvador – Cidade Baixa. Em edifícios ecléticos a inserção de publicidade se torna mais complicada devido à
profusão ornamental. Foto: Anna Finger. 2009.

Tipos de placas e formas de inserção


Analisando os efeitos causados pela inserção de publicidade e os diferentes exemplos de
estabelecimento de regras para sua inserção, para o caso de cidades de características luso-
brasileiras, em Paraty1 estão alguns dos melhores resultados, que podem ser tomados como
referência.
Paraty configura o típico caso de cidade formada prioritariamente por arquitetura luso-
brasileira, com casas térreas e assobradadas, quase sempre brancas e dotadas de paredes
despojadas. A solução adotada é formada majoritariamente por placas pequenas, colocadas
em paralelo às paredes, evitando-se alumínio, outros metais ou cores agressivas.

Paraty – RJ. A opção por placas de pequenas dimensões, inseridas prioritariamente em paralelo às fachadas, faz
com que os engenhos publicitários se harmonizem com o conjunto urbano. Foto: Dalmo Vieira Filho, 2010.

Observamos que mesmo em um centro histórico onde o comércio é predominante em


diversas vias e logradouros, o aspecto final é quase sempre harmônico, interferindo muito
menos na ambiência do que nas cidades onde predominam as placas transversais às
paredes.
A solução de placas perpendiculares à fachada, até há pouco tempo era preconizada como
ideal no Brasil. Entretanto, dado o efeito de perspectiva que se tem das ruas, percebemos
que em locais com um grande número desses elementos, o efeito pode ser extremamente
prejudicial, causando tanta poluição visual quanto em locais onde não existam regramentos.

1
A comunicação visual em fachadas no centro histórico de Paraty é regulamentado pelo Código de Obras
(artigos 140 em diante) e pelo Código de Posturas do Município de Paraty (artigo 166 em diante).
Ouro Preto – MG, e Salvador – BA. Percebemos que a inserção de engenhos publicitários perpendiculares à
fachada, pelo efeito de perspectiva, pode causar tanta poluição visual quanto a ausência de controle sobre
esses elementos. Foto: Dalmo Vieira Filho, 2009/ 2010.

Verifica-se que quando esses elementos são colocados transversalmente, em número e


proporções reduzidos, adotando cores e materiais compatíveis, sua presença causa pouca
interferência. Por esse motivo o formato paralelo à fachada é, em geral, preferível na maior
parte dos países do mundo inclusive em Portugal, onde os conjuntos urbanos apresentam,
evidentemente, maior correlação com os brasileiros. Entretanto, a verdadeira profusão com
que essas placas são utilizadas no Brasil, as dimensões exageradas e a diversidade de cores e
formas, geram confusão e agridem consideravelmente o espaço urbano, dificultando sua
apreensão.

Ouro Preto – MG, e Paraty – RJ. Comparação entre o efeito causado pelas placas perpendiculares e paralelas.
No segundo caso, percebe-se que esses elementos tornam-se praticamente imperceptíveis, enquanto no
primeiro têm o efeito de barreiras visuais para a leitura da continuidade das fachadas. Foto: Dalmo Vieira Filho,
2010.

Entretanto, no caso de edifícios singulares, cuja fruição ocorre principalmente através da


visualização da fachada fronteira ao edifício, se a sinalização for indispensável, é grande a
probabilidade de que a melhor solução seja dada pela placa perpendicular, desde que bem
proporcionada e posicionada.
A solução perpendicular também pode ser a mais recomendada para edifícios que
apresentem pintura decorativa ou revestimento em azulejos. Nesses casos devem-se ser
fixadas de forma a não danificar nem encobrir esses elementos.
São Luís – MA. O conjunto apresenta sobrados azulejados característicos, onde a utilização de placas paralelas
à fachada não apenas os encobriria, como danificaria esses elementos. Nesse caso a solução perpendicular
pode ser a mais recomendada. Foto: Anna Finger. 2006.

A solução perpendicular também é a mais compatível com fachadas ecléticas, onde a


ornamentação dificulta a inserção de elementos publicitários paralelos.
Portanto, como regra geral para o caso brasileiro, parece-nos claro que deveria ser dada
preferência – mas não exclusividade – à sinalização paralela às fachadas, sempre em
dimensões, cores e materiais compatíveis, com as prováveis exceções já mencionadas para
edifícios de valor individual e para conjuntos ecléticos.
Jaguarão e Pelotas – RS. Em conjuntos ecléticos, onde a ornamentação das edificações possa dificultar a
inserção de placas paralelas à fachada, a opção perpendicular pode ser a melhor alternativa, desde que ainda
restringidas em número e dimensões. Fotos: Anna Finger. 2010.

Curitiba – PR. Edifício eclético que abriga um banco. A sinalização fez uso de letreiros paralelos e
perpendiculares, de pequeno porte, que não prejudicam a leitura do conjunto. Para a divulgação de um evento
temporário foram utilizados ainda banner e decoração que também acompanham a leitura do edifício. Fonte:
<http://en.wikipedia.org/wiki/File:Palacio_Avenida_HSBC_2_curitiba_brasil.jpg>. Acesso em 18/07/2011.

Deve-se destacar ainda que placas de trânsito e de sinalização urbana, assim como
posteamento, fiação e mobiliário urbano inadequado, também causam transtornos,
principalmente quando acumuladas. Idealmente sua fixação deve ser previamente debatida
com os setores responsáveis pelos trechos urbanos.
De maneira geral, podemos considerar algumas premissas para se tentar reverter o processo
em curso:
 Os veículos de publicidade não deverão encobrir elementos decorativos ou
estruturadores de fachadas de edificações tombadas ou integrantes de conjuntos
urbanos acautelados.
 Em conjuntos onde prepondera a arquitetura de características luso-brasileiras (em
especial com paredes brancas ou claras), deve-se dar preferência a placas pequenas,
colocadas de forma paralela à fachada, junto de portas ou janelas, ou ainda os
letreiros sem fundo, pintados ou fixados nas fachadas. Essa solução se impõe,
principalmente em áreas comerciais, onde a tendência é de haver uma maior
concentração desses elementos.
 Para edifícios ecléticos, onde a ornamentação dificulte a inserção de elementos
paralelos, deve-se optar pelas placas perpendiculares, desde que de dimensões
coerentes com o edifício e com as vias e calçadas correspondentes.
 Para edifícios excepcionais, onde se observe que a inserção de placas paralela à
fachada prejudicaria a visualização preferencial, ou que tenham elementos como
azulejos, sobre os quais não é desejável a fixação de qualquer elemento, a opção
perpendicular, em princípio, é a mais adequada.
 Comunicadores móveis, principalmente se expostos apenas em horários específicos,
podem uma alternativa a ser mais bem estudada no Brasil, onde ainda são pouco
utilizados. Banners podem representar uma solução aceitável quando relacionados a
eventos ou programações temporárias.

Quanto às características gerais dos elementos publicitários, existem diversos estudos e


simulações feitos para sua regulamentação em diferentes cidades brasileiras, que parecem
apontar para resultados semelhantes. Fazendo uma comparação entre esses estudos,
podemos extrair as seguintes recomendações para sua regulamentação: 2

Recomendações gerais:
 Os elementos publicitários não devem encobrir total ou parcialmente elementos
construtivos e/ou decorativos que façam parte da composição original da fachada,
tais como: cantarias, pilastras, cunhais, vergas, gradis, ornatos, esquadrias, azulejos
antigos e demais elementos arquitetônicos de adorno das edificações.

Para inserção de elementos publicitários paralelos à fachada:


 Recomenda-se sua utilização apenas no pavimento térreo;
 Devem ser encaixados preferencialmente sobre as portas, entre a verga das aberturas do
térreo (portas e janelas) e o alinhamento inferior das sacadas (no caso de sobrado), ou dos
frisos, cimalhas, beiras-seveiras ou beirais, devendo estar centralizado vertical e
horizontalmente na área.
 Como alternativa, podem ser utilizadas placas fixadas na parede ao lado das portas, que
devem, entretanto, ter dimensões reduzidas e não se sobrepor aos elementos de marcação
das aberturas, nem interferir na passagem de transeuntes;

2
Tomou-se como base as recomendações utilizadas pelo IPHAN para a inserção de elementos publicitários e
toldos no centro histórico de Iguape – SP, o estudo produzido pelo Programa Monumenta para o centro
histórico de Corumbá – MS, além dos estudos para a regulamentação dos engenhos publicitários produzidos
para Cachoeira – BA, e Porto Alegre - RS.
 Não poderão encobrir os elementos construtivos que façam parte da morfologia da fachada,
tais como: pilastras, colunas, ornatos, vãos, portas de madeira trabalhada e vergas;
 Não é recomendável a colocação de placas e avisos sobre marquises

Para inserção elementos publicitários perpendiculares à fachada:


 Recomenda-se sua utilização apenas no pavimento térreo;
 Devem deixar um espaçamento de, no máximo, 0,15 (quinze centímetros) do alinhamento da
fachada;
 Se colocados no pavimento térreo, podem se projetar sobre a calçada, devendo, entretanto,
respeitar uma altura livre de 2,80 cm (dois metros e oitenta centímetros).

Anúncios pintados sobre a fachada:


 Poderão ser pintados diretamente sobre parede quando não interceptarem os elementos
decorativos da fachada;
 Não poderão ser pintados sobre cantaria, nem painéis de azulejos (elementos de pedra);
 As letras poderão ser aplicadas em relevo, desde que estas não excedam a espessura de 2cm
(dois centímetros);
 Quanto ao uso das cores:
 As letras deverão ser pintadas diretamente sobre a parede, sem uso de fundo
diferenciado da cor da fachada;
 Poderá ser permitida a pintura de frisos emoldurando o anúncio, desde que não
ultrapasse a 5 cm (cinco centímetros) de largura;
 Não será permitida a utilização de tintas fosforescentes ou refletores;
 Todas as letras devem ter, preferencialmente, uma única cor.

Diretrizes para a utilização de toldos:


 Os toldos poderão ser inseridos apenas no pavimento térreo;
 Devem ser retráteis, não metálicos e serem fixados dentro dos requadros das aberturas;
 Os toldos poderão se estender até uma distância máxima de 1,20m (um metro e vinte
centímetros) a contar do alinhamento da fachada, no caso de ruas exclusivas para pedestres.
 No caso de rua de tráfego de veículos, sua extensão deverá ser limitada, preservando uma
distância livre mínima de 50 (cinquenta centímetros) até o meio-fio.
 O número de cores deve ser limitado, recomendando-se o máximo de 02 (duas), escolhidas
de forma a se harmonizarem com as cores do edifício.
 Pode ser permitida a inscrição do nome da atividade e do estabelecimento nas bordas dos
toldos, limitando-se nesse caso, a dimensão das letras.

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