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ELOGIO AO ESTUDO E A VI RTUDE,

REBELDI A E LI BERTAÇÃO

Ci ro Bezerra
ci ro. uf al @ gm ail . com

F abi o Mont es
f abi oci enci associ ai s@ gm ail . com

Estudar é um ato de rebeld ia e libertação


Alvan ia Mendonça
Resumo

Muitos já diagnosticara m e identificara m o proble ma da educaçã o


brasileira. Problema já manifesto entre os filósofos atenienses da
Grécia Antiga. O que inclui os sofistas. Trata -se da dualidade estrutural
imanente à apropriação dos conhecimentos objetivos, siste matizados e
científicos. Conhecimentos i mpossíveis de sere m incorporados vivendo -
se a vida naturalmente, na e xperiência da vida (“deixando a vida nos
levar” pelo mercado e a dinâ mica do capital). A apropriação dos
conhecimentos ob jetivos resulta, sob retudo, e intensivamente, do
trabalho da razão para compreend er o mundo. A vida hu mana
pressupõe esta co mpreensão, be m no sentido do adágio “decifras -me
ou te devoro! ”. A faculdade da razão se faz presente, desde o mo mento
originário da humanidade, nos ato s do trabalho, na dialética do
trabalho (teleologia, nexos causais e elaboração dos meios. Ela está
aqui de corpo inteiro! ). Mas o que nos parece politicamente
funda mental é que a apropriação do conhecimento ob jetivo fortalece o
governo de si. Ora, a perve rsidade de toda e qualquer escravidão é que
além do ser hu mano estar condenado a vida inteira a trabalhar como
instrumento de trabalho para o senho r, o governo do outro, o trabalho
escravo anula todas as possibilidades de o escravo governar a si
mesmo e a própria vida e, por extensão, em participar do governo da
cidade. Nisto está a perda da liberdade e, com ela, a perda da
dignidade hu mana. O trabalho escravo anula ta mbé m a voz e o
pensa mento do escravo. Mais perverso ainda: anula a escrita do
escravo, a possibilidade de ele historiar como é escravizado na
geografia escravizada: como e xist e na apropriação do território
escravizado pelo governo do senhor, pelas relações e formas sociais
escravocratas e na apropriação dos recursos e xistentes, ele próprio
sendo recurso: recurso humano. Por isso os povos escravizados não
tê m história. A única história possível é escrita por seus senhores.
Escravos não tê m história porque lhes é negado o direito de estudar e,
co m isso, fica m i mpedidos de ler e escrever ao mundo s obre si.
Si mples assi m! Mas os escravos ta mb é m alimenta m a versão ao estud o
e à escrita porque é sacrifício para suas almas co mpreendere m a sua
condição humana e declarar publicamente esta vida a todo o mundo.
Não tê m coisas bonitas a dizer sobre si. O que impera e m suas vidas é
tragédia e desgraça. O que te m par a registrar no papel é miséria,
desonra e fo me , perseguições e segre gações de todo tipo. O escravo já
vive assim, para que, mais u ma vez, viver isto no pensar e n o
2

escrever? Não se per mite o escravo sentir o prazer na leitura e a


sensação que a escrita provoca quan do liberta a mente do presente e
dá azas a i maginação. É o que despert a a vontade de libertação, fuga e
enfrenta mento. Este ensaio trata da escravidão do povo brasileiro, que
ainda persiste. Ela se materializa na concreta negação da liberdade e
direito dos brasileiros estudarem e pe squisarem. Não se nega o direito
a matrícula e m escolas, o que se nega é o te mpo socialment e
necessário para se apropriar dos conhecimentos ob jetivos. Trata -se da
condenação de nosso e tantos outros povos ao mercado, ao go verno do
capital.
Palavras-chave: estudo, ética das virtudes, governo de si, for mação
hu mana, apropriação de conheci mento s, revolução, “trabalho de si, e m
si, por si e para si”

INT RODUÇÃO

A escravidão do corpo é obra da sorte. A da al ma é


obra do vício. Quem desfruta da liberdade do corpo é
escravo, se te m agrilhoada a alma; qu e m te m a al ma
livre desfruta de inteira liberdade, embora carregado
de pesados grilhões. A natureza, com a morte, põ e
cobro à escravidão do corpo, mas a da alma só cessa
co m a virtude.
Epiteto (Má xi ma Nº1 1)

No mundo moderno a escravidão persiste, e de formas diversas,


muito mais sutis e simbolica mente imperceptíveis à consciência
hu mana. Porque no mundo moderno o senhor é patrão, e mpresário e
e mpreendedor; na ad ministração pública o senhor é gestor (reitor, p ró-
reitores, diretor de unidades acadêmicos e institutos, presidentes de
ONG, diretor de escola, coordenador e supervisor pedagógico, inspetor,
todo tipo de administrador subalterno às políticas públicas do capital);
nas igrejas senhor é padre, papa e past or; na política vereador,
governador, deputado, presidente e senador. No mundo moderno o
senhor usa muitas máscaras para e nganar os escravos. Escravo no
mundo moderno é, sobretudo, o profissional. Quanto mais qualificado,
escolarizado, quanto maior o nú mer o de diplomas e certificados, mais
escravo é o animal (racional é claro, mas ani mal! ). Escravos são todos
os trabalhadores assalariados, presentes e futuros, por exe mplo, o

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professor (no presente) e o estudante (no futuro). Eu, por e xe mplo, sou
escravo.

O sistema capital é um siste ma de escravos, mas co m outr a


cara, de tipo novo, é constituído de escravos modernos, que usa m
ternos e gravatas e falam mais de uma língua como os e mpresários -
e mpreendedores, juristas, políticos, advogados, ad ministradores e
magi strados. O robe dos e scravos mo dernos é viajar e postar fotos no
facebook. Todas essas for mas sociais patronais (profissional,
e mpresário, empreendedor, gestor etc.) são vassalos do senhor capital.
Co m Gra msci podemo s entende -los co mo intelectuais orgânico s ao
capital, o que permite a este constituir -se co mo governo hege mônico.

No mundo moderno o chicote foi substituído por salário. Da


mesma for ma que o chicote, o salário pune, violenta e hu milha. Mas
ninguém ouve os gritos dos sofriment os dos escravos, seg regados em
suas casas e m grotas e favelas. Nesses lugares o que se houve são
rajadas de me tralhadoras. Rajadas d e metralhadoras são també m os
gritos de medo das burguesias, nos ouvidos dos escravos, por eles
sere m escravos e desejare m o direito e a liberda de de estudar. Mas
este é lugar de gente não de escravos, e escravo não é gente. Por isso
o salário não escandaliza. Pelo contrário, o que faz o escravo ser
escravo é o que os escravos mais de seja m: sere m profissionais e ter
carteira assinada. É pela vonta de do escravo desejar ser forte mente,
u m si mples trabalhador assalariado, se possível profissional de alta
qualificação, que a modernidade reproduz o ciclo perpétuo da
escravidão. Como os escravos não vê m que m deposita a merreca de
salário em suas conta s -correntes, quando se sente m real mente co mo
escravos, fica m i mpedidos de reagir.

Os escravos, todo tipo de e scravo, ant igo e moderno, é i mpedido


de estudar porque estudar é u ma o cupação consigo me smo, é u ma
“atividade humana” ob jetiva, que se exterioriza se interiorizando no
corpo do sujeito que estuda (sujeitos pedagógicos: professor -
pesquisador e estudante-pesquisador), aquele ou aquela que
desenvolve a atividade de apropriação do conheci mento ob jetivo. O
4

resultado desta atividade é “incorporado” no corpo h umano, fica aí


dentro como energia. Marx cha mou est a energia de força de trabalho (o
imater ial do trabalho material de apropriação do conhecimento). O
sujeito (sobretudo os su jeitos pedagógicos), neste caso, vive uma
situação ambivalente, ele é, simultanea mente, su jeito -objet o
(encarnação do espírito do Deus Janus, força motriz das revoluções).

Nos diversos procedimentos de apropriação de conhecimento s


eles (os sujeitos pedagógicos) agem, certa mente, sobre os ob jetos
dessa apropriação (por exemplo, so bre os livros), mas age ta mbé m
sobre si mesmos. Os su jeitos p edagógicos que trabalham na
apropriação de conhecimentos pode m pensar e refletir sobre si, no seu
lugar e situação neste trabalho. Port anto, u ma das características do
estudo ou trabalho pedagógico e m pe squisa é de ele ser “trabalho de
si, e m si, por si” e para si (tudo de b o m). Os su jeitos pedagógicos no
trabalho de apropriar conhecimentos t rabalham e m si, e m seus corpos,
e sae m deste processo de trabalho enriquecidos com os conheci mentos
sistematizados por u m outro profe ssor -pesquisador-intelectual, um
escritor. E neste processo o corpo ganha valor porque ele agrega e
incorpora conhecimento a si, e conh ecimento ta mbé m é riqueza. Nós
nos enriquecemos pela apropriação conhecimentos.

Para o capital exprop riar esses conhecimentos acu mulados


durante anos de estudos, só te m u m jeito: fazer ho men s e mulheres,
que trabalharam duro no enriquecime nto de si, por se apropriarem de
conhecimentos, força -los me smo, a se assalariarem. E co mo isso é
feito? Controlando o sistema educacional: a política curricular, a
política de formação de professore s e a política de avaliação de
dese mpenho dos estudantes. Sub me tendo o sistema educacional à
ideologia da profissionalização 2. Por isso postula mos que o estudo o u

2
Por ex em pl o, n os Cur sos d e Li c en ci a t ur a s da Un i ver si da de F eder a l de Al a goa s é
si m bol i ca m en t e r epr esen t a ti vo de st a dom i n a ção a di s ci pl i na Pr ofi ssã o D oc en t e. E st a
di sci pl i n a é i m post a pel a Pr ó -r ei t or ia de Gra dua çã o a t odos os Cur sos d e Li cen ci a t ur a, i st o
é, Cur sos de F or m a çã o de Pr ofes s or es. Qua l o s en t i do dest a di sci pl i na n os cur sos d e
for m a çã o de pr ofes s or es ? In t erna l iz ar n os est uda nt es de l i cen ci a t ura s com o el e s ser ã o n o
fut ur o, quan do con cl uí r em seus cur sos de for ma çã o de pr ofess or e s: pr ofi ssi on a i s. E
pr ofi s si on a l é escr a vo. Por t an t o, un i ver si da des br a si l eir a s com o a Un i ver si da de Feder a l de
5

trabalho pedagógico em pesquisa fortalece o governo de si contra o


governo dos outros. E ta mbé m é por isso que Paulo Freire e Alvania
Mendonça tê m razão: “o ato educativo é u m ato político” e “estudar é
u m ato de rebeldia e libertação”. Estudar é o grito de liberdade do
governo de si dos escravos, certamente gritos silenciosos, mas a s
revoluções sociais contra o governo dos outros é o barulho que o
estudo te m reservado às burguesias. Por isso estudar exige silêncio!

DUAL IDADE EST RUT URAL: PROBLEMA T RANS -HIST ÓRICO NA


APRO PRIAÇÃO DO CONHECIMENT O OBJET IVO, SIST EMAT IZ ADO E
CIENT ÍF ICO

O problema da dualidade estrutural foi subestimado na


abordagem de Anísio Teixeira. E Acá cia Kuenzer, quando se debruço u
sobre ele, perdeu u ma grande oport unidade de de monstrar os seu s
limites geohistóricos. Mas ele se e xplicitou claramente na antiguidade.
Os egípcios, por exe mplo, conseguiram for mulá -lo de forma muito clara
e consciente e m u m papiro citado por Mason:

Em u m papiro egípcio do ano 1100 a.C.,


presu mivelmente u m pai aconselha seu fi lho: ‘prefere
a atividade de escriba e poderás abster -te de
qualquer trabalho árduo, tornando -te u m magistrado
de elevado prestígio. O escriba está livre de todo
trabalho manual e é quem manda. Tenho visto u m
fundidor de metais em sua faina à boca da forna lha
co m seus dedos se melhantes aos d e u m crocodilo.
Ele exalava u m cheiro pior do que ova de peixe .
Nunca vi um ferreiro em cargo de re sponsabilidade,

Al a goa s t a m bém c on tr i buem pa ra a escr a vi dã o. E o que ess es pr ofe ss or es t r an sfor m a dos


em es cr a vos, por per son i fi ca r em a for m a soci a l pr ofi s si on a l , for m a soci a l i m pr esci n dí ve l
a o fun ci on a m ent o do si st em a ca pi t a l, en sin arão n a s esc ol a s ? E n sin arã o os est uda n t es
ser em l i vr es? O m esm o oc or r e com a pol í t i ca de est á gi o sup er vi si on a do e cur r i cul ar n a
m esm a uni ver si da de. Por que n ã o exi st e em n enh um a uni ver s i da de br a si l ei r a est á gi o
super vi si on a do em pe squi sa ? Pr i m ei r o: por que a pol í t i ca de est á gi o sup er vi si on a do foi
i nt r oduz i da por n or t e -a m eri ca n os n o Br a si l , n o per í odo da Di t a dur a Em pr esa r i al -Mi l i tar ,
pa ra o gover n o do ca pi t a l mi l i tar i za do e a m i l i ta ri z a çã o do g over n o do ca pi t a l con s egui r
desm obi l i z ar o m ovi m en t o e st uda n t il e a cr ít i ca un i ver si t ár ia . Segun do: por que est a gi ár i o
é o pi or dos es cr a vos m od er n os, exi st en t e n o si st em a ca pi t al , a l ém de escr a vo t em p or á ri o
n em sa lár i o r ece be pel o s eu t ra ba l h o. O que d ói é ver est a pol í t i ca se expa n dir par a dentr o
da un i ver si da de que l eci on o c om o pol í t i ca da Pr ó -r ei t or i a de Gr a dua çã o. O que si gn i fi ca
c on sen t ir o m er ca do pr i va t iz ar a un i ver si da de, com pr eca r i z a çã o e m er can t i li z a çã o dos
est uda n t es de gr a dua çã o que, por n e cessi da de, s e subm et er ã o a est a pol í t i ca .
6

ne m u m fundidor nas funções de e mbai xador 3


(MASON, 1962, p. 12).

A dualidade estrutural é, portanto, um problema da s sociedades


que vivem na “pré -história da humanidade”. Não é específico à
civilização moderna, ta mpouco à so ciedade e escola capitalista.

Nossa tese é que esta dualidade deter mina modos de vida,


modos de ser e e xistir em sociedades. Em outros t er mos, na for mação
da apropriação do território pelos seres humanos (o que envolve o
controle de relações sociais -governo-recursos e xistentes e nece ssários
à reprodução social). E as condições de possibilidade da dualidade
estrutural se manifestar, ontogeo graficamente (o que significa
apropriação do território pelos atos de trabalho, co m o ob jetivo de o ser
hu mano saciar suas nece ssidades), são as desigualdades nas relações
sociais de produção e apropriação do excedente econô mico. Em outros
ter mos, desigual dades na apropriação de riquezas e poder.

Um dos ob jetivos deste ensaio é en fatizar a singularidade do


estudo co mo trabalho pedagógico. Na verdade, ressaltar u ma de suas
faces, o de ser “trabalho de si, e m si e por si” na apropriação de
conhecimentos ob jet ivos 4.

Sobre a singularidade do estudo o professor Pierluigui Piazzi 5


fez i mportantes considerações. Po r exe mplo, distinguiu o que

3
MASON, L. F. – Hi st óri a da Ciê nc i a: a s pr in ci pa i s cor r en t es do pen sa m ent o ci en t í fi c o.
Sã o Pa ul o: E di t or a Gl obo, 1962.
4
A a pr opr i a çã o de con h eci m en t os r evel a tr ês ca r act er í st i ca s bá si ca s. Pr i m ei r o el a si gn i fi ca
pr oce ss o d e s oci a l i z a çã o. Nest a s oci a l i z a çã o oc orr e a a ssi m il a çã o da cul t ur a e do et h os, e
de um a ét i ca que or i ent a a s a ções e a t i vi da des do s er h uman o n a vi da , in c l usi ve a vi da n o
t ra ba l h o. Na m oder n i da de a a pr opr i a çã o de con heci m en t os é vi st a com o, si m ul tan ea m en t e,
en ri queci m en t o dos s er es h um an os e da s N a ções. Ma s n a a nt i gui da de cl á ssi ca a
a pr opri a çã o de c on h eci m en t os est a va r el a ci on a da a o des en vol vi m en t o da s vi r t udes.
5
Pr ofe ss or de cur sinh os pr é -ve st i bul a r es que pr epa ra m joven s par a in gr essa r em n a s
un i ver si da des públ i ca s. S obr e a r el a çã o en t r e cér ebr o e a pr opr i a çã o de c on h eci m en t os o
Pi a z z i escr e veu t r ês l i vr os pa r a “a l un os” , pa i s ou r espon sá vei s e pr ofes s or es,
r espect i va m en t e: [1] A pre nde ndo Int e l i gê nc i a. Man ua l de In st r uções d o Cér ebr o pa r a
E st udan t es em Ger a l (Vol um e I); [2] E st i mul ando Int e l i gê nc i a . Man ua l de In str uçã o d o
Cér ebr o d e s eu Fi l h o (V ol um e II); [3] E nsi nando Int e l i gê nc i a. Man ua l de In str uções d o
Cér ebr o d o s eu Al un o (V ol um e III). Há out r a s obr a s a cessí vei s de Pi a z z i : Col e ç ão
Ne uroapre ndi zage m -pi a z z i, Pi erl ui gui (e -book s) ; Int e li gê nci a e m Conc ursos . Man ual de
In str uçõe s do Cér e br o pa ra Con cur sei r os e Ves t i bul a n dos (Vol um e IV); e A pre nde ndo a
apre nde r: com o t er suces s o em m a t em á ti ca , ci ênci a s e qua l quer out ra m a t éri a .
7

aparentemente é equivalente: aluno e estudante. Isto é: aluno não é


estudante. E eu acrescento: professor não é, necessariame nte,
intelectual orgânico, co mpro metido co m a for mação hu mana, for mação
o minilateral, ainda que escreva livros. Mas baseando -nos no vídeo
Como adqu ir ir Inteligência (https://yo uto.be/Q1MllPy2rMc ) percebe-se
o missões e desconheci mento da r ealidade concreta dos su jeitos
pedagógicos na apropriação do território brasileiro. Sobretudo a
especificidade do lugar dos sujeitos pedagógicos nesta apropriação.
Realidade que agora faz -se necessário explicitar porque é uma lac una
nos escritos de muitos estudiosos sob re o funcionamento do cérebro e
a correlação desses estudos com a situação da educação brasileira. O
vídeo de Piazzi não foge à regra. Nor mal mente os neurocientistas não
enxerga m, e por isso não ressalta m, a importâ ncia do posicionamento
teleológico do professor -intelectual no ordenamento territorial
brasileiro. O lugar dos su jeitos p edagógicos neste ordena mento,
inclusive como e e m que condições ele participa desse ordenamento.

Na verdade, há muitas lacunas nas for mulações de Pierluigui


Piazzi. Mas u ma crítica mais con sistente ficará para uma outra
oportunidade porque exige a leitura imanente dos seus principais livros.
Mas já se no s parece patente o desco nhecimento da s teorias sociais e
pedagógicas em seus vídeos. E e le preenche esta lacuna com
analogias entre as categorias cérebro (entendido biologicamente), o
co mputador e o estudo. Estudo con cebido co mo aprendizage m. Tal
analogia, do nosso ponto de vista, mais e mpobrece e limita do que
enriquece e esclarece a sua e xposição.

Entretanto, o problema de ste ensaio não to ma às reflexõe s de


Piazzi como ob jeto de análise. Elas apenas estartaram e motivara m
nossa escrita, por convergirem co m u m dos pressupostos do método da
leitura imanente (voltare mos as car acterísticas des se método mais
adiante): a sala de aula, os encontros didáticos e pedagógicos, são
mo mentos be m e specíficos do processo de apropriação de
conhecimentos, e não é o mais impor tante. Mais importante é quando
se estuda e pesquisa de for ma regular, siste mática e co m disciplina.
8

Mas o dispositivo que tem o poder de registrar as informações no


córtex cerebral e criar me mória é a crítica. Por isso, estudar não é
simplesmente ler e marcar o te xto, sublinhando com lapiseira ou
marcador de texto a marelo, mas registrar e reescrever
sistematica mente o que os livros didáticos e trabalhos acadêmicos
propõem. Sobre essas características do estudo o professor de
cursinho Piazzi nada diz. De fato, nosso objetivo maior é sistematizar e
sintetizar a nossa proposição acerca da d idática de estudo que
for mula mos a partir do método da leitura imanente proposto, a
princípio, por Sérgio Lessa 6 (2014, 2011).

A conclusão a que chega mos após ter ouvido e transcrito o


vídeo Como Ad qu ir ir Inteligência de Piazzi é u ma verdade
incontestável: a aula processada e m salas de aula, por melhores que
seja m os professores, é incapaz e insuficiente para desenvolver a
autono mia intelectual dos estudantes, quando co mparado a apropriação
de conhecimento s processada por e studos siste máticos, regulares e
fecundos. Isto é, quando co mparado co m o trabalho pedagógico em
estudos e pesquisas.

Mas o que nos deixa perplexo é que nem os filósofos gregos,


para que m educação era vista co mo Paideia ou forma ção hu mana.
Tampou co para os neurocientistas (como parece se intitular Piazzi) ou
pedagogos mais célebres da cont e mporaneidade (co mo Libâneo)
contribuíram para o que, desde muito tempo, identificou -se co mo
condições necessárias para se alcançar a “tranquilidade da alma”, a
autono mia intelectual 7 ou a conquista da inteligência.

Do nosso ponto de vista há, então, u ma lacuna histórica nas


for mulações daqueles que se deparara m co m o proble ma da dualidade
estrutural na apropriação de conhecimentos. Ou por defini -la de forma

6
LE SSA, S. – O re v ol uc i onári o e o e st udo : por que n ã o est uda m os ? Sã o Pa ul o: In st i t ut o
Luká cs, 2014 e LE SSA, S. – Trabal ho e prol etari ado no c apit al i smo c ont e mporâne o . 2ª
edi çã o. Sã o Pa ul o: Cor t ez , 2011.
7
Pi a z zi fa l a em “esca da da in t el i gên ci a” . Que t em os que su bi r t odos os di a s se de se ja m os
dei xa r de tra t ar n ossa s vi da s c om o ba n a l i da des. Degr a us m uit o ba i xos. Os degr a us da
i nt el i gên ci a sã o ba i x os. P or t an t o, t ra t a -se de um a con qui st a ár dua e qua se i m per cept í ve l
i m edi a t am en t e pel os suj ei t os peda g ógi c os.
9

pouca precisa e, por isso, as i ntervenções qualificadas na realidade se


frustraram e m seus resultados esperados; ou por ignorarem a natureza
profunda desse problema. O fato de ele determinar modos de vida,
for mas de existir socialmente e, por conseguinte, a ocupação efetiva
co m o e studo e a pe squisa. Isto é, a dedicação ao te mpo social mente
necessário para a apropriação de conhecimento ob jetivo. Co mo não se
consegui superar tal problema na sociedade capitalista, que é um
obstáculo a qualquer proposição consistente de formação hu mana, o
recurso e alternativa foi valer -se de metáforas ou analogias como
ilustração e referências para encaminhar soluções. Ma s, sabe -se,
fadadas ao fracasso, desde a sua for mulação.

Na visão ingênua de Piazzi 8, por exe mplo, está a convicção de


que o fracasso do sistema do ensino brasileiro se explica pelo fato da
estruturação do sistema de socialização de conhecimentos obje tivos
basear-se na categoria aluno e não na categoria estudante.
Estruturação baseada num pressupo sto falso: que as(os) alunas(os)
estuda m e aprende m na escola, quando estão em sala, sentadas(os)
e m sua s carteiras, assistindo aulas. Mas e sta tese de Piazzi é apenas
parcialmente plausível. Realmente as(os) estudantes que apenas
assiste m aulas não aprendem! Mas, e os que estuda m, não deveriam
aprender? E porque não aprendem? E, em muitos casos, são
estudantes que não se li mita m a estu dar para as provas, estuda m co m
afinco, e não aprendem.

8
Apesa r de t er for m ul a do pr oposi ç õe s i n t er essa nt es a poi a da s n a r egul ar i da de da l ei t ur a e
es cr i t a e, in cl usi ve, se r efer i r a o pr a z er em l er, Pi az z i n ã o dei xa de com et er equí voc os
t eór i c os. Da m esm a for m a com o eu com et o e c om et er ei , sem pr e! Nã o h á com o e vi t a r.
Por que n ós h um an os som os a ssi m m esm o, i m per fei t os. E que n ã o se pen se p or m inha
l in gua gem e for m a de di z er a s coi sa s qu e est ou desd en han do ou d e boch a n do de Pi a z z i .
E scr evo des se j ei t o p or q ue esc ol h i o gên er o li t er ár i o da cr í ti ca , que pode expl or a r a
i r on ia , a tr a gédi a, o dr am a , et c. Ma s t enh am a m inha pa l a vr a que o fa ç o em n om e da
ver da de e pel a s r az ões ét i ca s e ut ópi ca s que m ovem o m eu ser . E u n ã o t enh o pr obl em a s de
ser si n cer o e di z er a ver da de, a in da que doa a qui den tr o! T em gen t e que per gunt a se eu
“pr efi r o a doce m en t i ra ou a am ar ga ver da de” . E st a pess oa di z que pr efer e a “a m ar ga
ver da de” , m a s nã o con h eci a in da uma pessoa t ão popul i st a e “m en t ir osa ” , que m en t e a si
m esm a par a m an t er a p ose e a i m a gem de fel i c i da de n a in fel i ci da de. A si m ul a çã o é t ã o
per fei t a que n in guém desc on fi a de seu s or r i so post i ç o.
10

Para enfrentar essas questões Piazzi se contentou fazer


analogia com o que cha mou de “escada da inteligência 9”. Assi m, os
sujeitos pedagógicos pode m se pro jet ar e se ver na figura da escada, e
imaginar (ilusoriamente) que pode m subir indefinidamente. Mas Piazzi
sabe que eles nunca chegarão ao último degrau, e a culpa será se mpre
deles, por eles não terem se dedicado o suficiente, porque a “escada
da inteligência”, é constituída de degrauzinhos de espessura pequena,
quase invisíveis a olho nu, e o cume se encontra infinitamente longe do
primeiro degrau. É por isso que, do nosso ponto de vista, metáforas e
analogias são ar madilhas sociais. É co mo a tese de Delfi m Neto e
Mário Henrique Simonsen no te mpo da Ditadura Empresarial -Militar.
Eles afirmava m, co mo Piazzi, que é preciso fazer o bolo crescer para
depois dividir. Para nós, entretanto, é preciso revolucionar a escol a
agora! E nós não apenas temos consciência desta possibilidade, mas
sabe mos fazê-lo! Contra nosso projeto só te mo s o siste ma capital e
seus intelectuais orgânicos (que se dize m de esquerda! ). Mas se Deus
está conosco que m poderá ser contra nós! (Isso é só para amenizar o
desespero e a dor intelectual alojada no meu interior).

Vou ser mais radical: a for mação de p rofessores oferecida pelas


Universidades Federais e Estaduais, nos Cursos de Graduação e m
Licenciaturas, deixa m muito a deseja r no desenvolvimento intelectual
dos futuros professores. Isto é, os pr ofessores for mados nas próprias
universidades públicas, colocam e m q uestão esta for mação na medida
em que quando da conclusão de seus cursos sente m muitas

9
E m a l guma obr a E in st ei n a fi rm ou que i n t el i gên ci a nã o é dom ou pri v i l é gi o dos que
nasc e m e m be rç o de ouro , é “99% de es for ç o e 1% de for ça de von t a de” , em ser es
h uman os sem pr obl em a s bi ol ógi c os. Ni n guém em sã con sci ên ci a a cr edi t a que o “ ouro”
a juda , n em E in st ein . E na obr a A Di st i nç ão Bour di eu, o cr í ti co da educa çã o bur guesa
Bour di eu, expl i ca em det a l h es e exa ust ã o, de for m a con si st en t e em sua s pesqui sa s, o
por quê d o pr obl em a da dua li da de est r ut ur a l det er min ar tã o si gn i fi ca t i va m en t e os fr a ca ss os
de en si n o na m a i ori a dos pa í ses depen den t es. Ma s, cer t am en t e, n ã o é por que o en sin o est á
ba s ea do n o a l un o e n ã o n o est uda n t e; ou p or que a l un o c on ve r sa em sa l a de a ul a ; ou por que
a l un o s ó e st uda pa r a pr ova ; ou p or que a l un os n ã o l e em l i vr os. A a de sã o m a ssi va a e ss es
a r gum en t os é que el es sã o m ei a ver da de. Ist o oc or r e, ma s se s ol uci on a dos n ã o r es ol vem o
pr obl em a da dua l i da de est r ut ur a l. Ent ã o o ca pi t a l com pr a est a i dei a de Pi a z zi e m a ssi fi ca
t err i t or ia l m en t e atr a vés da publ i ca çã o de seus l i vr os e fi n an ci a m en t o de con fer ên ci a s.
Ma s, en quan t o, o pr ofes s or pen sar a ssi m a soci eda de n ã o m uda . T am pouc o m uda a
educa çã o br a si l ei r a , o pr ofe ss or e o e st uda n t e. As m ei a s ver da des a l i m en t am o si st em a d e
dom i n a çã o.
11

dificuldades em conclui -los por incapacidade de el aborarem artigos,


trabalhos de conclusão de curso ou u ma si mples monografia. Ora,
ninguém du vida que os e studantes dos Curso s de Licenciaturas
estuda m e estudara m. Então o que explica a limitada incapacidade
intelectual desses estudantes? Nós acreditamos q ue se ja a for ma de
eles estudare m, a concepção que eles tê m de estudo e pesquisa, e
ta mbé m do que pensa m sobre ser p rofessor 10. Porque, no fundo, as
universidades, o Ensino Superior, transfor mara m -se e m u m pool de
cursos de qualificação profissional modular , seme stral, que oferece m
u ma quantidade de disciplinas e conteúdos impossí veis de sere m
apreendidos semestral mente. Situaçã o que se repete todo semestre, e
que se nos parece indiferente de nossas vontades e co mpro missos.
Situação que parece estar posta a í por alguma força ou criatura
(Estado) e que não podemos fazer na da a não ser nos resignarmos e m
repetir todo o semestre a mesma coisa.

Esta situação revela que não há qualquer compro misso co m a


for mação teórica sólida, crítica e socialmente referenciada n os cursos
de graduação e m licenciaturas, e o que parece importar é, tão so mente,
a e missão de diplomas e certificados e m massa. Ve ja, eu estou falando
de cursos de formação de professores . Há de manda do mercado e o
Estado atende. Eis co mo ocorre a reprodução do problema da
dualidade estrutural. E assim, os estu dantes e futuros professores são
“excluídos no interior” do sistema d as instituições de ensino. Pouco
conta se isto ocorre no Ensino Superior. Aliás, cada vez mais se nivela
ao Ensino Médio, T écnico e Profissional.

Sócrates, entre os gregos, co mo indicado nos diálogos de


Platão, ressaltou a “humildade” ascética. Paratanto, usava o recurso da
aporia como meio de questionar a arrogância do poder e da força do
pensa mento for jado no senso co mu m, ma s ta mbé m co mbatia as
crenças e convicções filosóficas, cristalizadas no espírito dos filósofos,
adquiridas co m a própria experiência de filosofar. Deste modo o diálogo
10
Que est e s exi st em pa r a t ran sfer i r , in for m a r ou pa ssa r con h eci m en t os pa ra os a l un os em
sa l a de a ul a . E, par a t ant o, exi st em l i vr os di dá t i cos. E n tã o, par a que esquen t a r a ca be ça em
est uda r , est á t udo pr on t o!
12

era o que deveria ser preservado, p orque era o que deter minava o
modo de vida dos filóso fos, e não suas crenças e opiniões, que o
aco mpanhava m e m seus tú mulos.

Co m a maiêutica e a técnica da aporia Sócrates persegue e m


seus discursos redigidos por Platão coerência entre os conhecimentos
adquiridos com a e xperiência da vida filosófica e o conh ecimento
construído co m a “razão sábia”. Ora, tanto o método dialógico ou
maiêutica e a técnica da aporia foram propostos, vividos e e xercidos,
efetivamente, co mo meio de co mb ater o problema da dualidade
estrutural em no me da for mação de si, e pelo “trabal ho de si, e m si e
por si”. Assi m os filósofos atenienses viviam e se curtia m, conferindo
prioridade à vida filosófica, dialogando entre si. Nós sabe mos o fi m
trágico a que levou o combate e mpre endido por Sócrates à dualidade
estrutural. Ele foi preso e em no me da ética da virtude que defendia de
for ma intransigente tomou a cicuta e co meteu suicídio.

Por outro lado, estoicos e epicuristas postulara m contra a


dualidade estrutural a busca intransigente da “tranquilidade da alma” e
do “be m viver”. Princípios vi rtuosos por eles valorizados. Renunciaram
intransigentemente o dinheiro, o te mor a Deus, a fa ma e os prazeres da
carne e m no me do estudo e da filosofia. E, co m isso, negara m o
governo dos outros, porque o estudo e a filosofia só podem ser vividos
co mo ética, co mo modo de vida, no governo de si, mesmo que para
isso seja necessário viver com o n ecessário e nele sentir o maior
prazer.

Até modernos co mo Descartes, que se preocupara m co m a


apropriação dos conhecimentos ob jetivos co mo valor ético, não tiveram
outra escolha senão propor, no caso de Descartes, a dúvida em
conhecer co mo força motriz da busca do saber. Não há co mo certificar
este tipo de dúvida, senão seguir estudando e pesquisando. Sim
porque a cada descoberta, dela deve -se duvidar. Duvidar da própri a
dúvida que se duvida é o sentido da filosofia cartesiana. Não há limites
para razão, para o conhecimento. Ele é um dos pressupostos
ontológicos do ser humano e está presente nos atos do trabalho
13

hu mano. Portanto, na vontade despertada pela necessidade de


conservar a própria vida. A dúvida ascética de Descartes funciona
co mo princípio primordial para manter viva a necessidade intransigente
do ser hu mano conhecer. De ser e estar consciente do fato da
apropriação do conhecimento ob jetivo ser condição vital d a e xistência
hu mana. Ainda que esta pretensão limite -se a verdade racional ele
percebeu, reconheceu e formulou a dúvida ontológica como fonte da
sabedoria moderna. A razão de ser do conhecimento ob je tivo.

Pois be m, ainda não localizei em t odos esses filóso fos uma


proposição consistente para enfrentar o problema da dualidade
estrutural e o lugar da filosofia e do estudo dentro desta problemática.
Toca-se, tangencia-se, tem-se a impre ssão de que os grandes filósofos
tê m consciência deste fato, mas não há u ma teoria, u ma dissertação,
u m discurso profundo, direto e be m trabalhado e arquitetado sobre
essa hipótese que estamo s levantando neste ensaio: de o estudo ou
trabalho pedagógico em pesquisa ser uma ar ma poderosa no
enfrenta mento da dualidade estrutural.

Algu mas pistas valiosas nesse sentido, que pode m transfor mar
nossa hipótese em tese, são as obras de Verney, Spinoza, Rousseau,
Erasmo de Roterdã e, conte mporanea mente, os Hadot’s. Ma s esse
objeto te m que ser construído por nós porque ele não e xiste e mp írica e
teoricamente for mulado. Os filósofos só concreta mente o esboçara m.
Não propusera m u ma atitude ou p rocedimento que nós pode mos
realizar, didaticamente, tendo em vista esta finalidade. O que
entende mos ser u ma política. O que se percebe clara e fortemente é
que o pressuposto desta política para enfrentar a dualidade estrutural,
para muitos, co mo os socráticos, estoicos e epicuristas, e que lhes se
revela como fonte e elixir da felicidade hu mana, da vida e da existência
co mo be m, princípio de toda virtude e libertação, seja da e scravidão ou
do obscurantismo, é o estudo e a pesquisa; em su ma: viver a filosofia
co mo modo de vida.

Ora a sociedade capitalista é absurdamente contrária a fazer do


estudo e da filosofia uma política, um modo de vida, u m direito a ser
14

garantido pelo Estado Nacional. Por conseguinte, não há nada mais


anticapitalista do que isto. Esse deveria ser o ponto de partida de todas
as lutas contra -hegemônicas ao capital. Como não há consenso sobre
esta tese, só nos resta seguir constru indo esse consenso neste lugar.
O que acalenta nosso espírito é saber da possibilidade de esse
co mbate poder se socioterritorializar.

Esse tipo de “trabalho de si, em si e por si”, que caracteriza o


estudo ou trabalho pedagógico e m pe squisa: intelectual e pedagógico
ao mesmo te mpo, co mpro metido teleologicamente co m a descoberta do
desconhecido; com o conheci mento objetivo; co m as técnicas e
transfor mações destas e m tecnologias para facilitar o trabalho pesado,
e gerar te mpo livre para maior desfrute do ócio por todos os ho mens e
mulheres vivos. Em u ma palavra, o ca mpo de atividades reconhecido
co mo ca mpo das ciências e cientistas, no qual os seres humanos
ocupa m-se e xclusiva mente co m o e studo e a pesquisa, o trabalho
exercido neste ca mpo, é singular, totalmente difere nte de tudo quanto é
trabalho, quando vivido como modo d e vida e orientado pela ética das
virtudes.

A ciência, como co mple xo social e complexo categorial, hoje, é


absolutamente necessária à sociedade e ao sistema capital. É condição
imprescindível da moder nidade e do capitalismo; pressuposto do
conhecimento ob jetivo e, e m ter mos geohistóricos, do devir humano.
Se ja qual for o modo de produção a ser erigido pelos homens e
mulheres no futuro o conhecimento científico se manifestará co mo
exteriorização do gêne ro humano. Não te m sentido pensar e m outra
alternativa geohistórica e ontogeográfica.

As atividades científicas compõe m co m outros co mple xos de


atividades o ethos e a cultura mod erna e, inclusive, é endógena à
síntese do processo histórico da ge ografia hum ana. Apesar da sua
singularidade, a ciência, os resultados por ela gerados se fazem
presentes na vida dos habitantes de todo o planeta e até na galáxia.

Pois be m, co mo pou cos procurara m clarear a concreticidade


desta nobre e genuína atividade humana, que é o e studo: fonte de
15

tantas prosas e poesias que ressalta m as virtudes hu manas; ma s


ta mbé m por reconhecer a sua desgraça quando a apropriação de
conhecimento é privatizada e negada à maioria de nós, negada a
liberdade e o direito de estudar. Portanto, por e xistir esta contradição
na modernidade, é que nós ousamo s a nos arriscar em fazer u ma
pequena contribuição neste ensaio: apresentar u ma sequência
pedagógica que chama mos didática de estudo e analisar as
consequências políticas desta proposição metodológica .

Um dos ob jetivos, portanto, deste ensaio é, justa mente,


problematizar as consequências políticas deste método, ad mitindo a
hipótese de o estudo ser assu mido co mo a categoria estruturadora
deste método. Ou, co mo preferi mos, u m con junto de “atividades”,
exercícios, “hu manos”, que aguça m o ca mpo perceptivo, “sensível”, dos
sujeitos pedagógicos. Este ensaio foi escrito para esses su jeitos e a
“atividade humana sen sível” é u m dos conceitos atribuídos por Marx à
categoria trabalho humano, no capí tulo 1, livro I , Volume I de O
Capital. Onde discute a categoria mer cadoria. Nós trabalhamos nossas
reflexões sobre o “trabalho de si, em si e por si” a partir deste conceito.

Mas que método é este? Qual o seu objetivo? Por que atribuir
tanta importância a um con junto de procedimentos? Será que um
método pode mudar o mundo? Claro que não! Santa ingenuidade se
pensásse mos que si m. Mas pode mudar a vida de muita gente,
particularmente dos su jeitos pedagó gicos: apenas a população de
estudantes e professores do mundo inteiro (mas é pouco! ).

O método que propo mos é apenas u m método de e studo e


pesquisa. Ele ajuda fazer revisões bibliográficas e estudos da arte de
for ma mais rigorosa, menos arbitrária. Mesmo no â mbito das pesquisas
socioeducativas ele se propõe apenas co mo métod o de revisão
bibliográfica. Ele també m pode co ntribuir com pesquisas que se
proponham fazer estudos da arte. O que de certa forma conforta nossa
alma é saber que toda e qualquer pesquisa, independente se no â mbito
das ciências humanas, da natureza o u das e xatas é necessário fazer
revisão bibliográfica. Porque é nela que se delimita o te ma, se constrói
16

o ob jeto, quando se funda menta teórica e filosoficamente a pesquisa,


se processa os recortes do objeto, quando se adquire a familiaridade
necessária do pesqui sador com o campo de investigação ou tema da
pesquisa. De acordo co m Ada Judith Alves não é possível fazer
pesquisa se m estudo bibliográfico e, quando feito superficialmente,
gera m pesquisas de péssi ma qualidade.

O método que propo mos afirma u ma for ma de t rabalho, o


“trabalho de si, em si e por si” dos su jeitos pedagógicos. Exercido por
esses su jeitos co m a finalidade de se realizar no estudo e na pesquisa,
no ca mpo da ciência, do conhecime nto sistematizado e científico. A
este tipo específico de trabalho c oncreto no mea mos de trabalho
pedagógico em pesquisa ou, si mplesmente, estudo.

O método da leitura imanente, proposto por nós, que alguns


estudantes carinhosa mente apelidam de Método de Estudo Ciro
Bezerra, é composto, por enquanto, de quatro mo mento s 11, mas esse s
mo mentos pode m au mentar de acord o co m as nossas ne cessidades
intelectuais, de aumentar a co mpreensão do objeto:

1. Diálogo Crítico;
2. Mapa das unidades significativas e das unidades
epistemológicas;
3. Diário Etnográfico;
4. Interpretação Co mpreensiva.

Em linhas gerais, o objetivo dos dois primeiros mo mentos é


desenvolver a me mória. O terceiro, diário etnográfico, desenvolve a
consciência de si dos sujeitos pedagógicos na escrita. Na escrita
porque a proposta fundamental do método é que se aprenda estudar,
criticamente, fazendo diálogo crítico co m o autor, escrevendo e
registrando as críticas, e não simplesmente lendo. É preciso, portanto,
interrogar o autor e convertê -lo em interlocutor, apenas. Não é outro o
sentido do “trabalho de si, em si, por si”.

11
E st es m om en t os sã o t r a ba lh a dos c om m a i s det a lh es n o l i vr o Prof e s sore s
De sac orre nt ados na Cé (l u)l a de A ul a ou Formaç ão de Si : um m ét od o pa ra r esi st i r e
em a n ci par , a in da nã o publ i ca d o.
17

No mo mento diário etnográfico registra mos os efeitos que o s


trabalhos acadêmicos e livros didáticos provoca m em nossos
sentimentos e ca mpo perceptivo, co m suas diversas linguagens,
materializadas e m categorias, conceitos, ideias e u m con junto de
palavras desco nhecidas pelos sujeitos pedagógicos. Os registros no
mo mento diário etnográfico corresponde m, e m certo sentido, aos ato s
falhos em Psicanálise: imagens rep entinas; pensamentos dispersos,
aparentemente descone xos e se m cor relação direta com os conteúdos
estudados; viagens mentais, ocasionais, e m que o pensa mento vaga
espontanea mente se m o consentimento consciente dos su jeitos
pedagógicos; insights; intuições, entre outras manifestações. No quart o
mo mento, o da interpretação compreensiva, o exercício regular de
interpretar a compreensão, desenvolve a capacidade da escrita
sistemática, organizada e m introduçã o, desenvolvimento e con clusão.
O que o aproxi ma de u m artigo, é a ele similar.

Gostaría mos de fazer u ma observaçã o muito i mportante: não se


aprende a faze r o método de leitura imanente ouvindo -se a minha
explicação, ou de qualquer outra pessoa que domine essa técnica de
estudar e pesquisar. Mas se exercitando nela, trabalhando nela,
refletindo-se sobre essa atividade. E co m regularidade, persistência,
paciência e disciplina. Caso contrário não é possível entende -la.
Porque não é algo que se compreenda ouvindo, mas se e xercitando. É
a regra! O método ta mbé m não é u ma ca misa de força, ma s u ma
orientação. Com o te mpo os su jeitos pedagógicos se libertam do rotei ro
proposto e inventa o seu próprio mod o de estudar. O que i mporta para
nós e que agora não nos encontramos órfãos e m relação ao saber
estudar: ler e escrever, e que há u ma proposição consistente que pode
ser vivida, experimentada e criticada. Portanto, sa ímos da
arbitrariedade.

O obje tivo desses quatro e xercícios, em que se registra


sistematica mente a apropriação dos conhecimento s ob jetivos, é
desenvolver a autono mia intelectual dos su jeitos pedagógicos. São
exercícios cu ja meta é transfor mar as(os) leitor as(es) (sujeitos
18

pedagógicos) em escri toras(es). O que se trabalha no método é o


desenvolvimento da autoria, a conquista, depuração e aprimora mento
de u m estilo próprio de escrever.

O sentido deste método é, precisa me nte, apenas u m: de molir o


poder da autoridade intelectual do autor -escritor, na medida e m que o
converte e m interlocutor. Co m isso o método for ja, cria condições, para
afirmação da autoridade dos su jeitos pedagógicos (estudantes -
professores-pesquisadores), leitores -escritores. Paratanto é neces sário
ta mbé m desfazer -nos da hierarquia entre os su jeitos pedagógicos no
ensino, nos encontros didáticos e pedagógicos. Esta atividade deve
e mpoderar “as(os) alunas(os)” na medida em que, si multanea mente ,
a(o) professora(o) for se desempodera ndo. É o que, do nosso ponto de
vista, tende a contribuir com a elevaçã o da autono mia intelectual.

O que se propõe é a ruptura co m a r eprodução de u ma cultura


ancorada na “pedagogia bancária”, que posiciona teleologicamente o
estudante, e isso desde sempre, desde a edu cação familiar, na
condição de filho (destituído de qualquer poder, autoridade e razão)
perante a autoridade e poder dos pais (adultos). Desta forma as
pessoas são postas co mo ob jeto de sde se mpre, da tenra idade. E
aprendem a obedecer e cu mprir ordens. Est e po sicionamento precisa
ser superado e a cultura destruída, pelas próprias mãos das(os)
estudantes. É o que se exige, implicitamente. E co m golpes de marreta.
Outro posicionamento teleológico é o suficiente para tal de molição.
Posicionamento que coloque a s(os) estudantes na condição/lugar de
sujeitos, nas relações pedagógicas. Este é o posicionamento que o
método da leitura imanente, através dos exercícios realizados nos
quatro mo mentos, e xige dos estu dantes, mas ta mbé m das(os)
professoras(es). O que gera enor mes conflitos entre os su jeitos
pedagógicos, e dos sujeitos co m eles mesmos. Pois o que se propõe é
que eles assu ma m a responsabilidade e o co mpro misso co m a
for mação de si. Isto é, a ssu ma m o governo de si, a decisão e m
priorizar determinadas atividade s completa mente desvalorizadas, em
geral, pelas autoridades das instituições sociais (pais, padres,
19

pastores, dirigentes das organizações sociais). E, em grande medida,


pelas(os) próprias(os) professoras(es): o estudo e a pesquisa.
Atividades tidas como ba nais e se m re levância comparadas a u ma série
de ações correntes no cotidiano. Tais co mo: iteração nas redes sociais;
trabalho remunerado; malhação e m acade mia; jogos a morosos e
afetivos; diversão e lazer de um mod o geral; assistir televisão. E tudo
aquilo que a juventude representa co mo “tô de boa”. Estudar e
pesquisa, nesta realidade, não deixa, certamente, ningué m “de boa”,
mas” “tô mal”, “tô do w”, “tô pra bai xo”. Levantar a cabeça, estar pra
cima, curtir a vida é tudo, menos e studar e pesquisar. Estas fo ra m
convertidas, por esta cultura, e m atividades supérfluas. Reduzidas a
assistir aulas e fazer provas para conseguir média para aprovação.

A conversão ou transfiguração das pessoas na forma social


estudante-pesquisador, isto é, sujeito geohistórico compro metido e
responsável por sua for mação, é a condição primordial da educação
escolar. A personificação da forma social estudante -pesquisador é o
pressuposto necessário para desenvolver a autonomia intelectual, o
autogoverno ou governo de si. O controle da vi da por si e para si. Esta
personificação é realizada nas ocupações das pessoas co m certas
atividades que forja m deter minadas personalidades, como co mpreende
Gra msci (a teoria da personalidade formulada por este pensador).

Deste modo é na personificação da for ma social -pesquisador e


na destruição do personagem aluno, por meio desta meta morfose
provocada pelos quatro mo mentos do método da leitura imanente, que
se subverte a hierarquia intelectual existente na e scola capitalista: a
“pedagogia bancária”, por uma pedagogia libertária, que se conquista
co m o trabalho pedagógico. Agora não mais subordinado à obrigação
de assistir aula, fazer provas e conseguir média para aprovação no ano
letivo. E, no final, conseguir um certificado ou diploma para se inserir
no mercado de trabalho como profissional, mercadoria qualificada e
desejada pelos patrões e capitalistas, o “ mercado”.

Negando a for mação mercantil e, por conseguinte, a ética


deontológica e profissional que lhe dá sustentação, a leitura imanent e
20

valoriza a escrita de si na vida escolar, como mo mento mágico de


valorização de si, pelos sujeitos pedagógicos, no simples ato de
estudar e pesquisar. E, assi m é que se pensa que é possível conquistar
o prazer e o sabor e m estudar. Por isso, tudo e todos parece m
conspirar contra, e negar aos sujeitos pedagógicos o direito e liberdade
deste ato singelo, escolar, aparentemente inofensivo e
pedagogicamente neutro: o ato de est udar e pesquisar.

Contra tais forças se propõe o “trabalho de si, em si, por si”. O


trabalho pedagó gico em pesquisa o u, si mplesmente, e studo. Para
enfrentar todas as conspirações imp erialistas e das elites nacionais
colonizadoras, as tra mas e regras que nega m o direito e a liberdade de
estudar. Nós considera mos que tod os são livres para estudar ou
reali zar quaisquer atividades. O livre arbítrio é garantido em lei e
reconhecido como direito de expressão pelos direitos humanos. Mas
esta arbitrariedade se reduz significativamente quando pensa mos,
concreta mente, no s su jeitos pedagóg icos e nas escolas. No juí zo d e
ninguém ad mi te -se a hipótese de os médicos ao contrário de tratar
pacientes co m re médios far macológicos usar jogos e brincadeiras para
alegrar os enfermos. As deter minações ontológicas do ser hu mano, sã o
ta mbé m culturais e teleológicas, são deter mina ções geohistóricas e
racionais. Portanto, o ato de estud ar não é u m ato espontâneo e
natural, mas u ma conquista geohistórica, desdobrada do co mplexo do
trabalho, necessário a existência humana. Estudar se forjou na luta do
afasta mento das barreiras naturai s, para se afirmar a hu manidade do
ser hu mano. E por isso foi conquistado co mo direito a ser exercido
plenamente pelos seus sujeitos de direito, os sujeitos pedagógicos,
regularmente no cotidiano do labor desses sujeitos, de for ma
persistente e com pa ciênc ia!

Na prática, nas sociedades que vive m na “pré -história da


hu manidade”, o trabalho pedagógico: o estudo e a pesquisa, desde
se mpre, foi vivido por u m e xíguo co ntingente de pessoas (e m 1100
a.C., no Egito, pelos escribas, como vi mo s). E deste a maioria
populacional de professores, docentes, educadores e for madores então
21

“excluídos”, marginalizados e segregados. Co mo postula Bourdieu,


estão “excluídos no interior”. Portanto, não deixa m de estar dentro do
mercado de circulação do conheci me nto - mercadoria, situacionalmente
aí localizados.

Co mo ato revolucionário o estudo revolve pela raiz os sentidos


da e xistência no mundo 12. O e/ou por de molir as diferentes for mas d e
trata-lo como banalidade, afirma -se o estudo co mo trabalho concreto e
pedagógico, “atividade humana sensí vel”. E, co mo tal, primordial. E,
por isso, deve assu mir a supre maci a na orde m de i mportância das
ações vivenciadas pelos sujeitos peda gógicos. Esta é a razão de ser do
trabalho pedagógico e m pesquisa realizado especificamente pelos
sujeitos pedagógicos. Porque, veja bem, estudar um trabalho
acadê mico, u m livro didático, não é simplesmente lê -lo, mas reconstruí -
lo a partir de um método de estudo q ue possibilite tal reconstrução. É
preciso realizar e ter a consciência de que se está vivenciando,
plenamente, a dialética do trabalho (LUKÁCS, 2004), no trabalho
pedagógico em pesquisa.

Mas toda esta teoria sobre o estudo te m u ma consequência


política, territorial, psicológica, social, cultural e filosófica em todos os
coletivos escolares, em todos os po vos. Porque estudar é, por
excelência, uma atividade ante capitalista, ante utilitarista e ante
prag mática. O estudo e a pesquisa nega m radicalmente o sentido da
sua e xistência reduzir-se aos interesses do mercado. Isto é, hipotecar
a vida (ou alienar a vi da) em no me de u ma profissão, porta de entrada
do trabalho estranhado ou alienado, e razão de ser do capital.

Deste modo, negando a positividade do sentido de ser


profissional, nega -se a coisificação dos su jeitos pedagógicos, a
personificação de for mas soc iais requeridas pelas relações sociais
capitalista. No e pelo estudo e pesquisa os sujeitos pedagógicos são
reconhecidos como pessoas, se afirma m co m seus no mes, e resiste m

12
O m ét odo da l ei t ur a i man en t e é um di sposi t i vo peda g ógi c o - c ogn i t i vo qu e t r a ba l h a n o
r egi st r o de in for m a ções n o c ór t ex. E , com i ss o, ger a m em ór ia cr i a ti va , por que cr í ti ca . É a
cr í t i ca que a t i va a r ede n eura l par a, em segui da , r egi str ar a s in for m a ções c on t i da s n o
si st em a l í m bi co n o c ór t ex. Por t an t o, a cr í ti ca funci on a com o m a r ca dor .
22

co mo seres hu mano s que são: si mples pessoas na conquista da


“tranquilidade da alma” . Eis o primeiro passo da conquista da
autono mia intelectual e afirmação do governo de si. Eis també m as
razões porque não se estuda e pesquisa, e porque “70 milhões de
professores e estudantes ja mais leram um livro” (PIAZZI, Como adquir ir
inte ligência, https://youto.be/Q1 MllPy2rMc ).

Dado as proporções socioculturais e políticas de banalização do


estudo e pesquisa (se mpre ligado a poder, dinheiro, fama e status,
desde pelo menos 1.100 a.C.), convé m enfatizar o se u valor ético,
co mpro me tido em afir mar as virtudes. Faremos esta ênfase
vislumbrando as possíveis consequên cias do trabalho pedagógico em
pesquisa, o “trabalho de si, em si e por si”.

Consequê ncia 1 :

O trabalho pedagógico fortalece a autoesti ma do s


sujeitos pedagógicos, sobretudo dos estudantes -
pesquisadores. Um sinal esta mpad o no rosto dos
estudantes-pesquisadores espelha isto (veja,
professor não é mais do que u m e st udante veterano,
que gosta muito de estudar e, por isso, acaba
encarnando esta forma soci al que é o ser professor,
alguém que vive o estudo -pesquisa co mo condição
hu mana). Quando aprende esta mp a no rosto do
estudante-pesquisadoruma alegria indescritível, é a
impressão do conforto na al ma. Um sinal do que o
poder da faculdade hu mana da ra zão é possí vel:
alegrar a vida.

No e pelo estudo adquire -se a consciência de que o


conhecimento não é u ma propriedade do professor, intrinsecamente a
seu corpo e ao seu ser. O conheci men to está na atividade, no fazer, no
estudar, e não na explicação. Por maior que seja m os esclarecimento s
que a e xplicação proporcione aos “alunos -ouvintes”; o conforto de
passar a entender o que a princípio parecia paradoxal e enigmático. O
que não significa negar a importân cia da explicação co mo recurso
didático e pedagógico e de svalorizar o mérito dos excelentes
23

explicadores. Longe disso. Mas reconhecer apenas que tais méritos


são possíveis de serem alcançados pelo estudo, alcançáveis pela
dedicação, pela quantidade de exercícios que nos dedicamos a u m
deter minado conteúdo, indep endentemente da área de conhecimento :
ciências naturais, exatas e hu manas. A(o) professora(or) é apenas a
representação de uma possibilidade autêntica, concreta e visível, quer
dizer, palpável, de que todo ser humano é portador de conhecimentos
adquiridos nas mais diversas atividades que se pratica intensa e
profundamente , co m método.

Portanto, os conhecimentos estão no f azer e podem se converter


e m me mória através de e xercícios e atividades realizadas no trabalho
pedagógico. Quem trabalha aprende co m o que trabalha, transformando
o objeto. No trabalho ou processo de trabalho, que é um processo de
transfor mação da ma téria -bruta em matéria -prima e, desta, em
produtos ou valores de uso, o ser humano aprende, se apropria de um
conhecimento especí fico, deter mina do pelo objeto de trabalho sobre o
qual se trabalha. Este é u m conheci mento ob jetivo. Trabalhando o ser
hu mano incorpora conhecimento. Há u ma dialética interna em toda
“atividade humana sensível”, concreta, que desencadeia uma co mple xa
transfor mação no ser hu mano: a teleologia, o necessário conheciment o
dos nexos ou séries causais (causalidade) e a elaboração dos meios
(instrumentos de trabalho). Toda essa dinâmica ta mbé m se fa z
presente no trabalho pedagógico em pesquisa. Não há a menor
possibilidade de se fazer qualquer coisa sem o saber. Mas os sere s
hu manos pode m “fazer se m o sabe r” (“fazem mas não o sabe m”).
Faze m se m ter a menor consciência do porquê estão fazendo, da
existência de saberes nos fazeres que realizam. E, assi m, ignora m su a
sabedoria. Aind a que empírica.

É u m mito ou falsa a crença de q ue o professor transmite ,


informa ou passa conheci mentos para os “alunos 13”. E isto mesmo n o

13
Apesa r de a l un o em gr ego si gn i fi ca r sem l uz : a (sem ou a us en t e) l unos (l uz ). O que
si gn i fi ca diz er sem con h eci m en t o, dest i t uí do de ra z ã o, ver da de, fa cul da de de pen sar
l i vr em en t e. Da do est a s l i m i t a çõe s o a l un o depen de de um gui a ou m est r e, que s e ja dot a d o
24

â mbito da educação infantil. O conhecimento está na atividade de


estudar. E “estudar é u m ato de rebeldia e libertaç ão”. Estude, seja
rebelde, liberte -se da mediocridade a que querem sub metê -lo!

Mas e m sociedades desiguais e m qu e a maioria é explorada e


oprimida por u ma minoria, co mo nas sociedades capitalistas, o estudo
é u ma atividade vivida e exercida por poucos: os intelectuais orgânicos
ao capital. Isto é, concreta men te, os gestores públicos (estatais),
gestores privados (administradores, econo mistas, juristas, contadores,
quando em cargos co m gratificação funcional) e as elites religiosas
(aqueles que ocupam cargos de gestão nas Igrejas). Portanto, u m
nú mero insignificante de pessoas.

O que te m fa cilitado imensa mente a g estão do capital pelos seus


intelectuais orgânicos, princípio impo sto co mo i mperativo cultural na
modernidade ocidental e oriental desde, pelo menos, o século XVIII, é
o princípio do trabalho assalariado, estranhado, o que permite
concretizar a alienação das “forças produtivas do trabalho”, a
capacidade produtiva. E toda a ideologia que lhe dá suporte e o
aco mpanha: que “o trabalho dignifica o ho me m e a mulher”; que a
propriedade privada dos meios de produção e do excedente econô mico
se justificam pelo suor do corpo, o trabalho duro. Mas outra coisa
ta mbé m justifica a propriedade privada, a aquisição por meio da
co mpra co m o equivalente geral de mercadorias, o dinheiro. Esses
princípios são aqueles que hegemonicamente regula m a vida social
moderna. Toda existência planetária circula em torno deles. Eles dão
sentido ao ser capital. Porque o capital é um ser, u m modo do se r
social.

O mito do trabalho assalariado tem do minado as mentalidades


na modernidade ocidental e oriental. Aliás, é u m sinal de modernidade.
Mas ta mbé m fortalece o “poder da violência simbólica”, que acaba se
vingando do próprio assalariado, sujeitado -o a uma vida cujo único
conforto é o sentimento de ser u ma mercadoria valorizada no mercad o

dessa s ca pa ci da des pa r a poder a juda -l o a de s en vol vê-l a s. Ist o n ã o é m a i s do qu e o


posi ci on a m en t o t el eol ógi c o da depen dên ci a .
25

de trabalho. Ser mercadoria é a melhor possibilidade que pode


acontecer a um trabalhador assalariado. E é esta hegemonia de
concepção de trabalho 14 o que te m legitimado a e xploração e opressã o
de u ma maioria por uma minoria. Esta, que vive por meio da
expropriação dos conheci mentos adq uiridos ao longo da vida de toda
u ma e xistência escolar, que te m início por volta dos 6 anos (as veze s
antes) e conclusão por volta dos 25 a 30 anos. Mas isto não é a nor ma
co mo be m o de monstra a Educação de Jovens e Adultos nas Nações
colonizadas. Aqueles que exploram e oprime m, e xpropria m esse s
conhecimentos desde o mo mento que os trabalhadores qualificados são
postos a trabalhar e se apropriam da massa de e xcedente e conô mico ,
gerados em volu me cada vez maior, exponencialmente, desfruta m de
u ma qualidade de vida infinitamente superior do que os trabalhadores
assalariados.

Os expropriadores de conhecimentos, exploradores de


trabalhadores assalariados e apropriadores de e xcedente econô mi co ou
mais-valor, isto é, os capitalistas -emp reendedores-patrões se coloca m
se mpre a mesma pergunta: co mo au mentar a produtividade e a
eficiência do trabalhador? Como au mentar o lucro e o mais -valor? Em
outros termo s mais realistas: como e xplorar e oprimir mais
intensamente o trabalhador assalariado? A resposta é basica mente a
mesma e m todo planeta: fazer ho men s e mulheres acreditarem, desde
criancinha (porque os pais e toda uma geração pregressa acredita) que
a vida se reduz a trabalhar pa ra outro, o governo do outro: o mercado,
o estado, o e mpresário e patrão.

Ora, o convenci mento e adesão dos p ovos ocidentais e orientais


a esta ideologia tem sido conquistada através do que Bourdieu (2008,
2006, 1987) nomeou de “violência simbólica”, desen cadeada pelo
“poder simbólico, que entra pelos olhos”, ouvidos e todos os órgãos
dos sentidos, órgãos que configuram o ca mpo dos sentidos. “Violência”
que ocorre sem derra ma mento de sangue, por vontade própria das

14
Sobr et ud o o pr in cí pi o juda i co - cr i st ã o de que “o tr a ba lh o di gn i fi ca o h om em e a m ulh er ”
e é h on r oso possui r t udo o que s e ja p ossí vel , des de que “ c om o su or do seu r ost o” .
26

pessoas, por desejos latentes. É u m t ipo d e dominação mais eficiente


do que as for mas de do minação realizadas co m o martírio e
autopunição ou autoflagelação e tortura. E mesmo as “tecnologias do
poder”, co mo o pan -óptico (panoptikon) (FOUCAULT, 1987).

O convenci mento e adesão ao trabalho estranhad o ou alienado


ta mbé m te m sido conquistado co m as ideologias do capital humano e
da profissionalização, e m suas inú me ras versões. E o que me parece
poderosíssimo para o sucesso dest a do minação naturalizada é a
deontologia ou ética profissional. A entrega de diploma ou certificado
exige que todo profissional preste jura mento a u m código de ética
profissional. E se quebrado algu ma regra ou nor ma a licença é
suspensa. Nesse caso o nú mero d o diploma ou certificado perca
validade no território nacional. Caçar a l icença concedida pelo Estado
significa que o diplomado é desautorizado a exercer a profissão.

A ideologia da profissionalização, ma terializada curricularmente


nas Diretrizes Curriculares Nacionais, nos Parâ metros Curriculares
Nacionais e, agora, na Base Na cional Comu m Curricular, as famosa s
políticas curriculares, tê m reduzido p rogressivamente o s sentidos da
escola a apenas u m sentido: o sentido unilateral de empresa 15. Po r
conseguinte, a funcionar como e mpr esa. E, co mo e mpresa, a escola
deve ser orientada d e acordo com a lógica empresarial do mercado
capitalista. Isto é, produzir mercadorias e m massa e co m regularidade.
O que significa formar força de traba lho qualificada ou imater ial para
abastecer o mercado se m trabalho. E considerando os princípios
contábeis das partidas dobradas e os princípios da administração de
e mpresas (taylorista, fordista e toyotista): controle de tempos e
movi mentos visando eliminar o te mpo morto nos currículos; bater meta s
que visam elevar a produtividade, co m qualidade e eficiênc ia do
trabalho pedagógico: reduzir evasão, repetência e baixo dese mpenh o
escolar; reduzir à cada ciclo produtivo (ano letivo) o custo aluno,
introduzindo as tecnologias de infor mação e co municação nas

15
Ocor r e que es c ol a nã o é em pr esa .
27

atividades escolares, inclusive nas pedagógicas (EAD), para elevar o


retorno ou benefícios frente aos custos.

Alguns gestores (intelectuais orgânicos do capital) vê m n a


for mação de professores, mais profissionalização do que formação,
sobretudo e m Cursos de Graduação, o pressuposto ne cessário para
elevar a produtividade do trabalho pedagógico na escola. A
qualificação de professores au ment aria a circulação de força de
trabalho qualificada no mercado de en sino para atender a e xpansão da
rede privada e estatal de escolas. Isto é, as de mandas e mpresariais.
Ora não é esta a razão de ser das políticas públicas do Estágio
Supervisionado e Curricular na Educação Básica e no Ensino Superior?
Outra política pública com propósit os se melhantes, orientada pela
ideologia da profissionalização, é a política pública do “primei ro
e mprego”: precário e temporário, co mo não poderia deixar de ser!

Co m as políticas curriculares, as políticas de formação d e


professores e as políticas de avaliação de dese mpenho o estado e o
governo capitalistas têm controlado toda sociedade brasileira, geração
após geração, difundindo a ilusão de que a aquisição de diplomas e
certificados, a experiência profissional (adquiridas no 1º emprego, e m
estágios supervisionados e curriculares) é um pressuposto necessário
e suficiente para u ma vida be m-su ce dida, um futuro garantido. O que
significa: emprego estável, be m re munerado, inserido em planos d e
cargos e carreiras.

Na verdade, esta é u ma grande ar madilha ideológica montada


pelo capital após ter saído dos escombros das Guerras Mundiais. Uma
ar madilha em qu e diversas gerações de dirigentes sindicais caíram.
Queda decorrente da derrota do projeto anticapitalista do leste
europeu, de Cuba e todos os povos inclinados ao socialismo.

Uma vez adquirido o diploma do En sino Superior as e mpresas


privadas de ensino en fiam na cabeça dos diplomados que a posse
deste diploma não basta, e que é necessário fazer pós -graduação. Isto
é, curso de especialização, nos quais não se aprende nada, apenas
elevam o fatura mento das e mpresas pr ivadas de ensino superior.
28

Por sua vez, an tes de concluir os cursos de especialização a(o)


estudante descobre que há cursos str ictu sensu. Estes são mestrados e
doutorados. E depois de percorrer toda essa trajetória de
escolarização, que parece infindável 16, ele se depara com a situação do
dese mprego, que é endógeno ao capital. E que, para ingressar numa
Universidade Pública precisa realizar u m concurso pública, quase
exíguo e m te mpos de crise, e m que u ma vaga é disputada por milhões
de candidatos. E alguns com doutorado no exterior e nas melhores
universidades do Brasil, e que falam e escreve m fluentemente mais de
duas línguas. Finalmente o estudant e que concluiu o programa de
strictu sensu descobre co m tristeza que o seu lugar não é alé m daquele
que lecionar em e mpresas privadas que atua m no Ensino Superior, que
não investe m e m pesquisa, paga m u ma hora -aula ridícula, que mal dá
para sobreviver. E, abandonando a ilusão de se tornar u m pesquisador,
se confor ma a ser reduzido a “dador de aula”. E se entope, então, de
hora-aula, consultorias e assessori as provisórias e te mporárias, e vira
trabalhador precarizado, te mporário e, agora, co m o filhote de gabiru
(Temer), intermitente. Isto é o que Mar x cha ma de proletário. Neste
caso, proletário intelectual ou proletário do saber, co mo os professores
da Educação Básica: cu mpridores de horários, e xecutores de
atribuições definidas pelas políticas educacionais, subservientes aos
princípios e norma s organizacionais escolares: estatais, privadas e
confessionais. Como e m qualquer e mp resa capitalista.

Si m, isto só pode ser suportado dentro de algumas condições:

1. Baixíssi ma re muneração;
2. Dese mprego e m massa e;
3. Gestores capachos do siste ma capit al, isto é, subservientes
às políticas públicas governa ment ais e/ou estatais de
educação, controladas pelo capital.

16
Ja cques D el or s em E duc aç ão um Te souro a Desc obri r qua n do di scut e os qua t r o pi l ar es
da educa çã o, n o 4º ca pí t ul o fa l a da educa çã o pa ra o r est o da vi da ou pa ra a vi da in t ei r a.
29

De u m modo geral, a maioria das ocupações escolares, fora da


rede federal 17 de ensino, não têm a menor chance de vincular às
organizações escolares planos de carreira decente. Esses quando
existe m é para confor mar os trabalhadores aceitarem a seguinte nor ma:
u m futuro longínquo, quando se aposentare m, serão be m re munerados
e poderão desfrutar a vida feliz. Mas se ainda tiverem saúde,
disposição e não falecerem antes.

Portanto, o que lhes fizeram acreditar anos a fio não passa de


u ma grande farsa. E, o mais grave, o dou tor que fez curso d e
doutorado e leciona numa e mpresa pr ivada que atua no nível superior
não aprendeu a enfrentar a supere xploração de sua mão -de-obra, co m
o mo vi mento sindical desmontado e desmobilizado, tem que se resignar
a se su jeitar e morrer nesta si tuação!

Consequê ncia 2 :

Se o conheci mento não está no e co m o professor,


educador, docente ou for mador, onde ele está? Está
no trabalho pedagógico, orientado pela a mizade.

A atividade de estudar é a única atividade inventada pelo ser


hu mano capaz de não apenas desenvolver a inteligência. Na verdade
esse desenvolvimento é o meno s imp ortante. O mais significativo é o
desenvolver -se como ser hu mano n o â mbito da ética das virtudes,
subja cente e co mpro metida co m o governo de si.

O estudo é uma for ma de catarse gra msciana. Nele há um


princípio educativo singular que pode ser vivenciado profundamente
pelos sujeitos pedagógicos. Basta observar o que ocorre com alguns
estudantes no ensino superior, estudantes que participam da realização
de pesquisas nas universida des públicas.

17
Ma s n est a o pl an o de car gos e ca rr ei ra s é um en godo. Por que for ça a a scen sã o a o t em po
de ser vi ç o pú bl i c o, r eduz in do a s possi bi l i da des de a scen sã o por m ér i t o em pesqui sa . Que
de ver i a ser pr i or iz a do em r el a çã o a o t em po d e se r vi ço.
30

O estudo não transfor ma apenas as(os) estudantes, ma s


sobretudo os professores -pesquisadores-intelectuais. Isto porque o
estuda muda profunda mente a personalidade das pessoas, pela razão
de elas personificarem a for ma soci al pesquisador. Isto é, realizar
atividades específicas consideradas co mo ocupações e atributos de
u m(u ma) pesquisador(a). Caso contrário, se as pessoas que cursa m
cursos de graduação e pós -graduação e m universidades, por diferentes
motivos, resistirem e negare m esta pe rsonif icação não haverá qualquer
catarse e depuração de si.

Para haver meta morfose das pesso as no â mbito do trabalho


pedagógico elas têm que se ocupar co m as atividades de estudos e
pesquisas. Mas não de u ma for ma arbitrária e desorientada, de
qualquer forma, ou se deixare m su bsu mir na onda de estarem se
profissionalizando para se inserir no mercado de trabalho, co mo se já
não estivésse mos dentro dele, porque este mercado se aloja dento d e
nós pelo discurso dos pais ainda na tenra idade, quando eles
perguntam-nos: “o que é que você va i ser quando crescer?”. Co mo se
não fosse mos nada até então. E até nos transfor mar mo s nesta coisa
quando crescer mos: profissionais, sere mos o quê para a maioria das
pessoas: nada! Ser profissional, personificar as diferentes for ma s
sociais profissionais, é, assim, transfo r mar -se de u ma for ma arbitrária,
desorientada, de acordo com as leis do mercado. Pois u ma coisa é
certa: é inevitável tal meta morfose. Portanto, é inútil lutar contra a
personificação de for mas sociais e m sociedades co mplexas. Porque
elas são necessárias às relações sociais.

A questão funda mental é, pelo meno s co mo a ve jo, que te mo s


u ma marge m de liberdade para lutar contra as for mas sociais imposta s
pelo mercado de trabalho, desde dentr o das escolas, da sala de aula. E
esta luta está em realizarmos atividades que determina m a
personificação das formas sociais anticapitalistas. Atividades assim só
pode m ser atividades anticapitalistas. É o que nós pensamo s ser o
estudo e a pesquisa se realizados desde a ética das virtude s.
31

Esta nossa a ssertiva ad mite um pressuposto não meno s


funda mental: nós pode mos nos dar o pensa mento! E, paratanto, o
primeiro passo é fazer autoanálise ou e xa me de consciência 18.
Identificar e nos autoquestionar acerca dos pensamentos que se
alojara m geohistoricamente em n osso ser. E, se m o nosso
consentimento, co manda m nossas vidas, dão sentido a nossas
existências. E o que é preocupante: e les podem estar agindo contra o
que gostaría mos de ser e contra , efetiva mente, o nosso ser.
Conduzindo-nos às finalidades que contrariam nossa s vontades. Te mo s
o dever então, co mo ho mens e mulheres livres que so mos, de e xpulsar
os pensa mentos que nos do mina m con tra a nossa vontade. Porque eles
são pensa mentos intrusos que nos invade m e nos coloniza m.

Já pensara m nisso? Q ue pode mos n os dar o pensa mento? E


co mo pode mos e xpulsar os pensa me ntos indignos, aqueles que nos
co manda m se m causar nenhu ma indignação, desde de nós mesmos, de
nosso ser, de nosso modo de vida? Que aqui també m reina a luta pela
liberdade de ser e viver, concordante co m o modo de existir que
conforta nossas almas e nos faz feliz? E que é por meio do estudo e da
pesquisa que, e sobretudo, podemos desalo jar os pensa mento s
indignos que nos do mina m e que direcionam a s nossas vidas a se
sub metere m ao governo do s outros: o governo do mercado de trabalho
ou governo do capital, o que é a mesma coisa.

Pois é! Dentre tantas lutas que já fazemos cotidianamente te mo s


mais esta: lutar para nos dar o direito de pensar o pensa men to que
pensa por nós, e m nós (Co m tanta coi sa para pensar eu, agora, venho
co m mais esse problema político -filosófico: que pensamentos tê m
pensado as nossas vidas por nós, se m nós nos dar mos conta disso?).
Esta é u ma luta pela sub jetividade autôno ma, dese jada por nós, que
objetiva se libertar da su bjetividade do capital que nos agrilhoa e
aprisiona (MARX, 2004,1984). O s pensa mentos que dese ja mos é
nobre. Mas agir, assim, criticamente, sobre os pensamentos que nos
18
Col oca r m o-n os c om o obj et o de a n ál i se de n ós m esm os, ser a dvoga do d o di a bo de si , um
di a bo-a d voga d o ou a dvoga d o-di a bo. Ma s cui da do pa r a nã o se t r an sfor m ar n i sso, é
per i gos o!
32

habitam, e xige u ma linguagem específi ca, diferente da do mercado e do


capital. Exige um método para nos apropriarmos dessa linguagem,
método que já é u ma linguagem.

O que sei é que isto é feito e como o é pode ser aprendido. E se


o pode é porque há uma for ma de tra balho que opera tal atividade. E,
nela, há u m saber. E se pode mos trabalhar ni sso, podemos nos educa r
pelo saber que há nesse trabalho. E, o mais i mportante, desde que nos
exercite mos nele. Eis o que os antigos descobriram: os “e xercícios
espirituais” são formas de “trabalho de si, e m si e por si”, “atividades
hu manas sensíveis”. E estes exercícios ou técnicos de si são dotados
de ética e estética relacionados a vida. O que nos conduz a pensar
nessa atividade como modo de viver, de nos permitir viver. Mas isto
não te m nada a ver co m inserir -se no mercado de trabalho. Apenas
vivermos uns para os outros se m co mercializarmo -nos reciprocamente :
vender mo-nos e co mprar mo -nos co mo se fôsse mos mercadorias.

É possível viver assi m, ho je, no capitalismo? Si m. No trabalho


pedagógico em pesquisa ou estudo, co m o único objetivo de aprender a
viver, como su jeitos pedagógicos. Por isso é que a escola pode se
transfor mar no lugar mais incrível para pro mover mo s a revolução
socialista no Brasil. Mas só os su jeitos pedagógicos pode m fazê -lo. O
que assusta incrivelmente a burguesia e os intelectuais orgâni cos da
burguesia: os gestores das escolas e das universidades. E, claro, os
fóruns desses gestores (FORUMDIR, PROIFES, entre outra s
organizações pró -sistema-capital); que deve m no s achar “louco”,
precisando de tratamento psiquiátrico, por ter perdido compl eta mente a
razão e o juízo ao propor mos isso. Por isso nos acusa m de insanos e
desequilibrados. Pelo menos é o que ouço nos corredores na
universidade em que trabalho!

O ponto de partida para per mitir que outros pensa mento s


ocupe m nossas mente s exige, nece ssariamente, que estude mos e
pesquisemos. Não basta ler! É preciso ter a consciência de que quando
estuda mos e pesquisa mos esta mo s op erando e m nós co mo médicos de
nós me smos: de no ssas al mas, espíritos ou consciência. Não import a
33

do que cha me m nossa interi oridade. E opera mos por meio do trabalho
pedagógico em pesquisa. For ma de tr abalho singular este “trabalho de
si, em si e por si”, pena é que só vim descobrir e to mar con sciência
dele já na velhice. Mas ainda há u m p ouquinho de vida que posso vivê -
lo intensamente co m meus a migos: os estudantes de ensino médio e da
universidade aqui em Alagoas. Então cabe -me desfrutá-lo co m
sabedoria e zelo.

Desde esse ponto de vista ele deve ser vivido com regularidade,
disciplina, persistência, paciência e um método especí fico, deter minado
pelo seu objetivo, ainda que tenha que, de algum modo, ser
direcionado pelo objeto de investigação. Precisamos estar conscientes
da pesquisa como “trabalho de si, em si e por si”; que estamos nos
for mando quando estuda mos e pesquisamos. M uito mais do que ir à
escola ou universidade assistir aulas importa assu mir est a
responsabilidade pela nossa for maçã o, porque trata -se de estar mos
construindo a arquitetura de nossas vidas. E o que é melhor: não é
necessário pagar por isso. Porque as coisa s realmente i mportantes não
tê m preço e não se adquire m no mercado, mas vivendo a vida que u m
dia um ho me m e u ma mulher concebera m. E a vida não é u ma coisa
banal, pelo menos não deveria se prestar a banalização.

Muitos são contra o aborto, mas são indifer entes as suas vidas
reais, materiais, realmente e xistente. Não se i mporta m ne m u m pouco
co m o seu modo de vida, se vivem co mo ser hu mano ou co mo coisas:
profissionais e mercadorias. Logo: escravos! E se reproduzem a
escravidão de seus filhos. Por exe mp lo, impondo-os sere m servos ou
vassalos do capital, como são co mo trabalhadores assalariados. Não
impõe a escravidão do capital apenas a seus filhos, mas dese ja m, e
muitas vezes i mpõe m mesmo, tal escravidão, aos filhos dos outros. Há
sinal maior que indique qu e não se importa m e m banalizar suas vidas e
as vida dos outros quando perguntam o que alguém vai ser quando
crescer? Não vê m que esta for ma de viver é uma for ma de abortar, de
morrer diariamente co mo zu mbis: defuntos de olhos abertos? Não
percebe m que a ar te de viver é u ma p olítica, e aí se escreve o aborto,
34

suicídio e a eutanásia? O direito de viver é o mesmo direito de morrer.


A morte, o aborto, não está no futuro, mas no onte m, no que se deixo u
de viver e agora não há mais co mo se r resgatado, porque o te mpo já o
consu miu. Se já morreu abortou, já qu e aborto é morte!

Tem gente que é contra o aborto, mas aborta a si e seus


fa miliares todo santo dia (santo?), ma s não têm consciência disso, não
pode tê-lo, é melhor, para não sofrer co m a força da banalização da
vida que praticam.

A transfiguração de si. Fazer a vida ter sentido, pode ser hoje ,


agora mesmo, desde que viva mos o estudo co mo política 19. Foi o qu e
os antigos descobriram co m suas vid as e cha mara m a arte de operar
tal revolução de filosofia. É isto qu e é filosofia. Filosofia não é um
ca mpo de conhecimento oferecido por instituições de ensino superior e
que as pessoas precisa m ingressar para usufruíre m da arte de
filosofar. Isto é, obtere m diplomas e se transfor mare m e m profissionais:
bacharéis ou licen ciados e m filosofia. Filosofia é a arte de viver
estudando e pesquisando e co mpartilhando desta “atividade humana
sensível” co m os a migos, pelo diálogo, escrita, discurso. É viver a
aventura de descobrir o mundo e a n atureza, e se autodescobrir nesta
“atividade”, compreendendo que é u m único e mesmo ato.

A descoberta dos antigos foi o de que a filosofia, os seus


resultados, são a única forma virtuosa que o ser hu mano possui para
fazer ver aos pósteros hu mano s a sua e xistência no presente: a
dignidade que é filosofar (estudar e pesquisar junto co m os a migos, o s
sujeitos pedagógicos).

O estudo é u ma for ma das pessoas escrevere m a sua e xistência


na ontogeografia do gênero humano. Foi por isso que os antigos se
apaixonara m pelo estudo e a pesquisa, por esse modo de vida que foi

19
No ca pi t a li sm o, com o pol í t i ca públ i ca , ja m a i s! Por que a s pol í t i ca s públ i ca s sã o pol í t i ca s
do ca pi t a l , e l obo n ã o d or m e c om c or dei r o, poi s i m be ci l i da de t em l i m i t es. Veja a a l i an ça
do PT com o PMD B, poi s cor dei r o que dor m e com l obo e st e é o r esul t a do. E aí , va i
en ca r ar ? Pol í t i ca s públ i ca s sã o di r eci on a da s a os que um di a for a m cha m a dos de pobr es,
i n di gen t es, popul a ções m a r gin a i s, depoi s de des ca m i sa dos e h oj e de “. . . ” (qua l quer n om e
que se en ca i xe na m esm a l ógi ca ).
35

destruído pelo capitalismo, porque ele é um modo de vida radicalment e


oposto à lógica e dinâmica do capital (a suas relações e forma s
sociais). O modo de vida requerido pelo estudo é antípoda ao modo de
vida exigido pelo capital. Eis a con tradição entre escola e e mpresa .
São instituições díspares. Na linguage m cristã é como se fosse a luta
entre Deus e o Diabo na Terra do Sol. Porque a arte de estudar e
pesquisar, vividas como atividades que se conte mpla m, se ad mira m e
se deleitam, co m a mor e paixão, mu da a personalidade dos sujeitos
profundamente . Te m o poder de tr ansfigurar as pessoas, for jar a
autono mia intelectual e o governo de si. Tem a força para revolucionar
u m povo. Por quê? Porque o estudo e a pesquisa são u ma for ma de
política. Os antigos não perceberam isso, mas os modernos ta mbé m
não o perceberam, ainda. E é e xata mente porque estudo e pesquisa
são políticas que o sistema capital não populariza o estudo, mas a
matrícula e m escolas e universidades. O estudo e a pesquisa são
negados, co mo direito e liberdade, inclusive, aos sujeitos pedagógicos.
Sobretudo a estes.

O capital reprime e opri me os sujeitos pedagógicos co m


condições indignas de vida (segregação urbana) e salário. Negam o
direito e a liberdade dos sujeitos pedagógicos se d edicarem a esta
atividade política, plenamente. Reduze m-na à u m proble ma salarial e
de infraestrutura, além de provas, cur rículos, formação e avaliação. E
os professores, estudantes e pais adere m a esta sua destruição co m
paixão ardente, porque para muitos tudo o que importa é ser uma
coisa: profissional, mercadoria e escravo do capital; se inserir no
mercado de trabalho para ser u m de se mpregado co m diploma ou ter
acesso a u m salário de miséria. “Tristes Trópicos! ”.

Então, no capitalismo, ao contrário de fo r mação hu mana te mo s


for mação mercantil ou profissional. E isso e m todas a s modalidades ou
etapas do sistema de ensino, e nos três seguimentos do siste ma:
estatal, privado e confessional (que é privado porque cobra
mensalidade).
36

A consciência de si como pes quisador-intelectual, do trabalho


pedagógico em pesquisa co mo for ma ção de si, e xige u m método que
possibilite aos sujeitos pedagógicos atuarem em si mesmos.
Registrando tudo que é vivido nesta atividade e com regularidade. Um
método que faça as pessoas se ocupare m co m esta atividade
longamente. Que instaure a arte de estudar co mo u ma arte terapêutica
e m que os su jeitos pedagógicos a exercendo cuide m de si, não
autobanalizem suas vidas. Um mé todo que permita os su jeitos
pedagógicos atualizarem as potencialidades humanas latentes na
própria “atividade humana sensí vel”: o estudo.

Esta operação metódica, procedi me ntal, racional, impõe ao s


sujeitos pedagógicos que eles se transfor me m e m ob jetos de si mesmo,
no e pelo estudo, e pratiquem autoan álise e se exercitem no e xa me de
suas consciências, enquanto praticantes desta arte que é o estudo e a
pesquisa. Mas, ne m por isso deixe m d e ser su jeitos de si mesmos. Est e
é o princípio do método da leitura imanente. Estudar e pesquisar é
arte, não profissão. A profissão, su a rotina, os co mpro missos que tê m
previamente co m o siste ma capital mata m o sentido artísticos do
estudo e da pesquisa. E a única forma de evitar a morte desta arte, o
aborto desta arte, é viver o estudo e a pesquisa co mo arte. E difundir
esta arte co mo té cnica. Co mo técnica de si e estética da existência.

Co mo indicado anteriormente, o mo mento diário etnográfico da


leitura imanente proporciona as pessoas reconhecere m e percebere m
que estão mudando a si mesmas, por elas mesmas, co m suas mãos e
todo o corpo, mo vendo todo o co mplexo ca mpo dos sentidos do se u
ser, porque muda m sua atitude perante a vida, muda m o seu modo de
vida, simplesmente por passare m a viver de outra forma. Viver de outra
for ma é passar a se e xercitar e m atividades que não se e xercitava, a
se ocupar co m o que não se o cupava, colocar a atividade de estudar no
lugar de qualquer outra atividade. Priorizar o estudo. Por e xe mplo,
deixar de ver televisão para estudar.

Ao ocupar-se co m as atividades d e pesquisa e estudo a s


pessoas deve m perceber -se co mo e stando cuidando de si mesmas;
37

cuidando do que é mais sagrado no ser humano: sua interioridade


(alma, espírito e/ou consciência, ou o no me que se dê a no ssa
interioridade, hoje virou moda cha ma -la de espir itualidade , devido a
obra de Pierre Hadot ). E, deste modo, cuidando de si, vivendo o
trabalho pedagógico e m pesquisa ou e studo co mo técnicas de si, co mo
askesis ou “exercí cio espiritual” (co mo prefere Hadot - 2014) os
sujeitos pedagógicos estão pro moven do a sub jetividade ancorada na
ética das vir tudes. Pois o estudo é vivido como atividade fim, co m a
intenção de viver melhor, mais esclarecido, co m maior capacidade de
ler o mundo, o cosmos e a si mesmos. Para melhor poder expressar o s
seus senti mentos e co mpreensões ao mundo. Estar mais be m
preparado para intervir na realidade da cidade e de sua vida, de forma
mais qualificada, mais racional e apaixonada. Isto é, reduzir
significativamente os riscos e possi bilidades de banalizar a vida e
evitar desastres irreparáveis, como praticar o aborto vivo de seres
vivos, de si e dos outros. Co m esta conquista de viver o estudo e a
pesquisa, o trabalho pedagógico em p esquisa, “trabalho de si, em si e
por si” como arte da política e política da arte, política estética da vida,
pouco importará ver televisão: nove las, jornais e todo esse enlatado e
entulho cultural do imperialismo norte -a mericano (“quer saber, odeio a
rede globo! ” ... odeio o anúncio “agro é tudo, agro é tech, agro é pop,
tá na globo”. Ora, onde poderia est ar? Este é mesmo o lugar das
oligarquias agro em nosso país).

Deste modo, pelo e através do trabalho pedagógico em


pesquisa, os estudiosos, pesquisadores e intelectuais, de todos os
gêneros, etnias, religiões e idades se sente m livres, autôno mos,
governos de suas vidas, e mais felizes por esta con quista pelo direito e
liberdade de estudar. Ainda que se m carrões, aviões e músculos
desenhados co m ferro e bomba nas acade mias. Mesmo não recebendo
reco mpensas por u m Deus que dizem exigir sacrifícios, cumpri mento de
pro messas, caridade, paga mento de dízi mos ou ofertas e m dias de
culto.
38

O “comple xo neurótico de uma época”, de ter que viajar para


ostentar, invejar e e xibir ao mund o suas felicidades plásticas e
inautêntica (o exibicionismo e o na rcisismo que ferve m nas rede s
sociais, como a peste faz ferver), ta mbé m não os mo ve. Ainda que t al
“co mplexo neurótico” se ja vivido por muita gente co m fervor. Pelos qu e
pode m, pelos que não podem ou pelos que podem mas não estã o
dispostos a entrar no jogo burguês do desenraizamento de si. Porque
ainda se sente m gente, hu manos d e corpo e al ma, motiva dos por
referenciais de uma outra ética. Uma ética poderosa, que fundou a
autêntica filosofia antiga: a ética das virtudes. Ética que possibilitou o
ser hu mano viver a estética na vida, no estudo, na filosofia co m
encanta mento e força. Uma estética q ue o “ último Foucault” no meou de
estética da e xistência . Co m esta ética e estética imbricadas o viver nos
encanta e passa a fazer sentido, e se pronunciar como u m viver mais
hu mano e rebelde. Os lugares onde esta experiência pode ser vivida é
espacialmente diver so nas condições ontogeográficas criadas pelos
seres hu manos. Em todos os lugares pode mos viver a e xperiência de
nos surpreender mos co m os e studos que realizamos. Desde que não
seja m estudos arbitrários.

Mas toda esta meta morfose catártica (é assi m que ent endo o
estudo a partir de Gra msci), de pote nciais humanos inco mensuráveis,
pode ser direcionada para objetivos perversos, absolutamente contrário
a este nosso elogia ao estudo. Pode mesmo ser diferente, discordante
e radicalmente contrário aos efeitos do “ trabalho de si, em si e por si”.
A transfiguração catártica, no sentido gramsciano, depende da
orientação política que se dá ao estudo e a pesquisa. Porque a
orientação é tudo, orientação tem poder. Orientação do nosso ponto de
vista é política.

Para ser didático e nos fazer entender sobre o poder da política


que orienta o estudo vou trabalhar co m dois tipos de formação
extre ma mente diferentes entre si. Isso, creio, facilitará uma rápida
co mpreensão do estudo co mo política ou da política do estudo, ainda
que tenhamos consciência de que existe m variedades e variações,
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possíveis co mbinações e graduações, entre os exte mos. Mas o estudo,


considerando os antigos e os modernos, pode ser compro metido, co mo
política artística e estética, a dois tipos de for mação: fo r mação hu mana
(paidef ia) e for mação para o trabalho ( téchne). Veja mo s, e m linhas
gerais, a caracterização de u ma e outra.

O EST UDO CO MO FORMAÇÃO HUMANA

A for mação hu mana, co mo a entend o, pode ser caracterizada


co mo for mação intelectual para o viver bem. O u, e o que é a mesma
coisa: formação hu mana é o sentido d a vida orientado ao “bem viver”. É
u ma for mação que põe o ser hu man o (o posiciona teleologicamente)
co mo finalidade única e exclusiva. O q ue significa isso? Significa que a
finalidade da formação hu mana é o ser hu mano; e que dado a sua
infinitude enquanto gênero, as suas insuperáveis imperfeições e
ilimitados dese jos e necessidades, a for mação se pro jete à su a
consciência como u ma perpetua obrigação (obrigação como dádiva). O
que quer dizer que o ser humano deve se obrigar (endividar e se
engajar) à vida inteira à formação de si. Mesmo porque não se te m
co mo evitar isso. Mas pode não se te r consciência desse fato. E se m
esta consciência não se pode viver plenamente nada, apenas
superficialmente, natura l mente. A f or mação de si é a condição
ontogeográfica, que por primar por u m processo educativo e for mativo
voltado para si e o exa me de si, e m t odo esse processo, per mite o ser
hu mano afir mar e to mar consciência de sua hu manidade.

Portanto, não há ciclo de formação possível quando pensamo s


na formação de si do ser humano. Eis a razão deMarx, e m u ma de suas
teses contra Feuerbach, ter postulado que “o educador precisa ser
educado”. Se o “educador precisa ser educado” todos nós o
precisamos, e enquanto viver mos. O que que consiste no fazer e
refazer humano de cada dia. Esta tese coloca o estudo como u ma
prioridade da existência humana. Por conseguinte, para Marx e os
filósofos antigos, não há etapa ou série ou modalidade de for mação .
Assi m, torna-se u m ab surdo pensar e m certificar ou diplomar algué m
40

pelo término arbitrário de uma for maçã o, pois ela apenas termina co m a
morte, e dar diploma a u m difundo é absurdo. Dar diploma significa
contradizer à natureza da for mação do ser hu mano, da for mação
hu mana, da e xistência e vida humana. Significa admitir que a formação
te m u m fi m antes da morte, o que é u m absudo.

Então o capitalismo decretou o final da for mação hu mana co m


trabalho assalariado, no qual o trabalhador deveria demonstrar tudo o
que anteriormente aprende u. Ainda que à força e co m muito
derrama mento de sangue (leiam co mo foi A acumulação prim it iva de
capita l, no final do livro I, em O Capita l, de Marx).

Co m o trabalho assalariado o capitalismo encerrou u m capítulo


da existência de cada pessoa para iniciar outro: o capítulo do inferno e
do sofrimento. É pior do que estou dizendo. Pior porque, na realidade,
o estudo foi subordinado ao trabalho. E, pasme m, trabalho alienado ou
estranhado, que desu maniza a hu manidade do trabalhador. É, co m toda
certeza (e é bo m ter certezas, isso não nos faz ou nos torna meno s
de mocrático! ), o tipo de trabalho que mais desu maniza o ser human o
e m sua longa história, e em silêncio, se m o trabalhador sentir, daí sua
perversão.

A má xi ma capitalista é que se deve estudar exclusivamen te para


trabalhar. E é por isso que se tem a p olítica de estágio supervisionado
e curricular no Brasil, braço do capital nas universidades e institutos
federais. Paratanto, devemos no s converter em profissionais
qualificados, para podermos nos inserir no r eino do capital: o mercad o
de trabalho. Neste reino o ser humano te m plena liberdade para
circular como mercadoria, para comer cializar sua força de trabalho ao
capitalista que melhor lhe agradar: o que melhor sorrir e o acolher
(patrão trata bem! , pra nós patrão bom é patrão morto).

No mercado de trabalho oferece -se u m punhado de patrões e


capitalistas de empresas (grupos e mpresariais ou grupos de
e mpreendedores, as sociedades anô nimas, anôni ma s para ningué m
saber quem são aqueles que nos oprime e explora), monopólios
extensos, mundiais até. Cada grupo e mpresarial com seu pu jante
41

monopólio de empresas, co m arquitetura esplendorosa, de ponta


mesmo, moderníssi mas, co m vidros espelhados. Lugares onde vive m
de mônios, diabos e vampiros, e m lindos gabinetes de fre nte para o
mar, rios e florestas. Nestes lugares essas coisas fica m alvejand o
co mo transfor mar tudo e m mercadoria, é no que os homens, mulheres,
crianças, idosos e a natureza se transfor ma m pelas suas mãos e
sonhos. Eles se sente m tão confortáveis nesse am biente que
transfor mara m escolas e universidades e m e mpresas, povoadas pelas
mesmas espécies de bichos: vampiros, de mônios e diabos (faltou o
lobisome m e o morcego, desculpe! ). Mas isto só foi possível co m a
inestimável e preciosa contribuição de seus inte lectuais orgânicos: os
gestores de escolas e universidades, os que se dize m de esquerda e o s
assu midos de direita, porque nas instituições de ensino, de toda
estirpe: pública, privada e confessional, todos os gestores são
obrigados a gerir os negócios do c apital, ainda que contra vontade. Ist o
é u m fato na sociedade capitalista. Pode m até espernear, mas são
colaboradores do sistema capital, talvez a gratificação funcional
co mpense o fato de sê -lo.

Então o capitalismo aprofundou o que foi dividido pelas


“sociedades que vivem na pré -história da humanidade”, co mo ele
próprio o vive. Aprofundou a divisão da vida humana e m dois
mo mentos, absoluta mente distintos e dissociados: estudo e trabalho.
Eis o fato geohistórico porque banaliza mos e desvalorizamo s tanto o
estudo em relação ao trabalho. Desvalorizando o estudo
desvalorizamos, i mpreterivelmente, os su jeitos pedagógicos:
professores e estudantes, ainda mais e m e x -colônias de e xploração. O
que nos deixa perplexo é que nem os sujeitos da educação fora m
poupados desta divisão. Então as escolas e universidades não são
lugares de estudo, mas de educa ção, de trabalho. Cha ma m até o
professor de profissional da educação. E o trabalho dos professores foi
reduzido a dar aulas e dos “alunos” assisti -las. Eles ta mbé m tivera m
que se sub meter ao trabalho. Aos professores e estudantes são lhes
negado o direito e liberdade de estudare m e pesquisarem. E foi simples
42

fazer tal negação, tiram-lhes o te mpo de estudar. Ma s, e quando tê m


te mpo? Faz-se qualquer coisa, menos abrir um liv ro e estudar (estudar
não é ler). E mesmo agindo assim os pais anseiam que seus filhos
seja m profissionais (“é pra rir ou pra chorar?” - Gabriel Pensador).

A for mação hu mana é u ma for mação anticapitalista. É u ma


for mação voltada para for mação de si: do ser hu mano ou hu manidade
presente e pulsando em cada pessoa . Formação co mpro metida co m o
viver be m e para o be m viver de todo s; que se materializa no governo
de si, autônomo, no fortalecimen to do autogoverno. Formação
orientada pela ética das virtudes propost a filosoficamente pelos
socráticos, estoicos e epicuristas. Mas ta mbé m por Mar x, desde
se mpre, e muitos mar xistas: Krupska ya, Pistrak, Makarenko, Gra msci,
Paulo Freire, Frigotto. Inclusive pelo “último Foucault”, que parece ter
acordado para vida: a ética das virtudes e estética da existência.
Entretanto, não há co mo negar que os Hadot’s são os herdeiros,
conte mporâneos, desta filosofia. Os mais entusiastas, que dedicara m
suas vidas a reaviva -la. Pierre Hadot e Ilsetraut Hadot são
reconhecidos e muito citad os co mo representantes desta filosofia,
no meada por Pierre de “filosofia espiritual”. Mas no livro Exercí cios
espir itua is e f ilo sof ia ant iga , para n ossa estranheza, o estudo nã o
aparece co mo u m desse s e xercícios. Que estranho! Foi o que nos
surpreendeu, po rque ele esteve muito próxi mo de ver esse s e xercícios
na categoria estudo. De ver o estudo como e xercício espiritual ou
técnica de si. E por não ter visto esta propriedade na categoria estudo
não pode conte mplar e difundir o estudo co mo política artística e
estética. Co mo ideologia antecapitalista, anteutilitarista e
antepragma tista.

O gênero hu mano posicionou teleologicamente o estudo co mo


valor universal. A contradição da episte mologia da prática elaborada
por Perrenoud, Tardif, Nóvoa e seguidores é, just a mente esta: os
sentidos da categoria estudo se cont rapõe aos sentidos da categoria
prática. Esta categoria se adapta muito be m ao neoliberalismo .
Inclusive na conversão desta “atividade hu mana sensível”, do “trabalho
43

de si, e m si e por si”, o estudo, e m p r ática. Mas o trabalho pedagógico


e m pesquisa ou estudo não é u ma prática. É muito mais que isto. Est á
presente no mo mento originário da humanidade, quando ocorreu o salto
ontológico que fundou o ser social. Está, precisa mente, no ato do
trabalho. O estudo está aí, na elaboração dos meios.

Todas as correntes que de alguma for ma se inclinam para a


for mação hu mana parece m convergir para u m ponto: defende m a ética
das virtudes, a formação co mpro metida co m o “be m viver” e o governo
de si, o que só é possí vel co m a superação das “sociedades pré -
hu manas”. Entende m o estudo co mo “trabalho de si, e m si e por si”, e
sobretudo dos sujeitos pedagógicos. Na conquista da “tranquilidade da
alma”; no desenvolvimento da s potencialidades humanas no ócio, no
“te mpo liberado”; portanto, no “tempo livre”, quando se ocupa co m
atividades culturais e vive -se plenamente e m ludicidade, e mbalados por
músicas, arte e no que se costu ma ter por belo, efetiva -se a
hu manidade do ser hu mano mediados pelo estudo.

Nesse te mpo, no s espaços e l ugares onde real mente se vive,


reina o império do governo de si. A combinação de tudo isso promove a
estética da existência contra as “atividades humanas sensíveis” que
alienam e gera m angústia, melancolia, sentimento de i mpotência e
desencanta mento, no se r hu mano. Po rque provoca m o estranha mento
de si no ser humano que labora, que é ta mbé m ser natureza, ser
genérico. O trabalho estranhado ou alienado faz o ser hu mano se sentir
co mo u m não-ser, u m nada ausent e no produto que produz e no
trabalho que realiza . Não se reconhece nesse a mbiente de trabalho
assalariado, se nega extenuante mente nele.

Na forma ção hu mana vive -se a liberdade e o direito de se


praticar o estudo co mo “e xercício esp iritual”, terapêutico, necessário à
existência hu mana, se m estar subordin ado a ter que se profissionalizar
e especializar em u m ca mpo específico do conheci mento. Co mo, po r
exe mplo, ao campo da Biologia, da Química, Medicina, Farmácia,
Geografia, Filosofia, das Licenciaturas, entre outros ca mpos do
conhecimento ob jetivo. Os escr itos dos Hadot’s (Pierre e Ilsetraut)
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sugere m que deve mos estudar porque o estudo faz bem à alma, a
saúde espiritual, fortalece a “tranquilidade da alma”, faz nós nos
sentirmos hu manos, mais con scientes de nossas hu manidades, por
desenvolver a capacidade d e viver melhor o mundo, o cosmo s e a
existência.

A for ma ção hu mana está co mpro metida em desenvolver a


personalidade de dirigente de si, com maior diligência e sobriedade,
mas ta mbé m co m maior radicalidade: não se abrir mão da vida pelo e
para o estudo; das lutas de todos os tipos, for mas e conteúdos pela
conquista de u ma sociedade se m e xplorados e e xploradores;
opressores e opri midos. Uma sociedade autogerida pelos
trabalhadores; uma escola autogerida pelos sujeitos pedagógicos e
seus fa miliares ou responsá veis. Portanto, u ma for mação co mpro metida
co m a revolução da escola capitalista. E isto não é para deixar para
depois, amanhã ou o futuro, mas agor a! Com o trabalho pedagógico em
pesquisa e todos os pressupostos e consequências necessárias para
se conquistar o governo do capital, coletivamente, co m todos os povos
existentes no planeta.

O que significa admitir os povos indígenas, afrodescendentes,


quilombolas (“os povos se m história”) como protagonistas. E, nestas
mesmas condições, os ho men s e mu lheres de to dos os gêneros, de
todos os lugares, de todas as culturas, inclusive os considerados “fora
da lei e da ordem”, pela justiça burguesa.

O EST UDO CO MO FORMAÇÃO MERCANT IL

Há, entretanto, outro tipo de formação , co mpro metido co m outro


projeto, o projeto do cap ital. É o caso da formação mercantil. Formação
inventada pelos sofistas contra Sócrates e os socráticos. Hoje,
atualizada e reinterpretada, a formação mercantil se manifesta e se
materializa e m for mação profissional. Por meio desta for mação a s
unidades escolares de produção, socialização e apropriação de
conhecimentos são privatizadas pelo capital. Privatizada pelas políticas
45

curriculares, de formação de professores e de avaliação de


dese mpenho.

A for mação mercantil, sobretudo moderna, conte mporânea, que


se reproduz no século XXI, está ancorada e referenciada na ética
deontológica ou profissional. Co mpro metida co m a heterono mia. E neg a
de forma flagrante, direta e explícita o direito e liberdade da autonomia
de estudar e pesquisar. É u m tipo de forma ção que afirma valores,
princípios e diretrizes que fortalecem o governo dos outros: do mercado
e do capital. Isto significa que o estudo é negado como modo de vida
social. O sistema de socialização de conhecimentos, as redes
escolares governa mentais, privadas e c onfessionais, per mite m a
matrícula, a frequência nas aulas, uso da biblioteca, mas não o te mp o
socialmente necessário para a apropriações de conhecimentos: estudo
e pesquisa. Esta negação não está limitada aos estudantes,
co mpreende, sobretudo, o universo de professores, sobretudo aos
professores, educadores, for madores da Educação Básica. É aqui que
mais profunda mente atua o capital com suas ideologias.

O restrito nú mero de professores -pe squisadores são docentes


de 40 horas, co m dedicação exclusiva, que le cionam e pesquisa m n o
Ensino Superior, em Universidades Públicas, que é um percentual
exíguo, irrisório e insignificante estatisticamente. Dentre esses u m
nú mero mais insignificante ainda faz extensão, co mpartilham os
resultados de suas pesquisas com a soc iedade e populações que
re munera m seu trabalho. E, dentre esses, u m nú mero mais reduzido
ainda, e de dedicação exclusiva, direcionam e orientam teorica mente
suas pesquisas para a qualidade de vida e bem viver da classe
oprimida e explorada pelo capital.

A maioria das pesquisas são financiadas co m recursos privados


de e mpresas e bancos; ou mesmo financiadas co m recursos públicos. E
a finalidade é, nor mal mente, desenvolver tecnologias, produtos, gestão
de processos nas e mpresas. Portant o, para os interesses d o sistema
capital ou vulgo mercado, co mpro metidos co m a for mação mercantil ou
profissional.
46

Os proponentes da formação mercan til, como disse mos, fora m


os sofistas. Eles propusera m a apropr iação privada de conhecimentos,
na medida e m que o s interessados em saber e conhe cer dese jasse m e
pudesse m pagar por sua come rcialização. Portanto, com a
mercantilização e co mercialização, a socialização dos conhecimento s
incorporados pelos filósofos ganha valor de troca e cria as bases para
um mercado específico, o mercad o do conhecimento - mercadoria.
Aqueles que viviam para e pelo estudo e pesquisa, co mo filósofos, hoje
diríamos intelectuais, poderiam vend er seus conhecimentos por u m
nú mero de horas. Horas o nde seriam co mercializadas
informações/instruções e m troca de dinh eiro. Ou melhor, poderia m
receber pelos serviços de socialização de seus conheci mentos
acu mulados, e m dinheiro, comprados pelos interessados. O suficiente
para gerar o sofisma da apropriação de conhecimentos dos filósofos e
aco modação pacífica e dependente dos clientes. Sofisma porque não é
desta for ma que se aprende. O pro jeto sofista beira ao cinismo.

Ora, os co mpradores de u m nú mero d e horas de socialização de


conhecimentos e informa ções não faz desses co mpradores filósofos,
mas clientes. E, co m os clientes o que se cria é u ma de manda de
conhecimentos e infor mações per ma nente. A ne cessidade co mercial,
contínua e regular dessas informações e conhecimentos. Engendra -se
co m isto u ma relação co mercial de dependência entre valor de uso e
valor de troca. Dependência entre proprietários de conhecimentos e
proprietários de dinheiro. Isto é, um mercado onde circ ulam
conhecimentos e informa ções, vendidos pelos sofistas e co mprados por
consu midores e clientes. Neste mercado o produto, conheci mento e
informação, é inesgotável e aparent e mente i material, intangível. Por
outro lado, a escassez au menta o valor de troca e a abundância o
reduz. Assi m flutua a mercadoria -conhecimento-infor mação co mo toda
e qualquer mercadoria na Grécia, Ro ma ou Brasil (pensa o senso
co mu m).
47

Outra questão funda mental é que a relação entre o negócio dos


sofistas e seus clientes gera dependênc ia entre eles. Dependência
pedagógica e gerada pela situação concreta dessa relação. Co mo
co merciantes de conhecimentos os filósofos aprende m a co mercializar
por expandir suas atividades além d o saber filosófico ao co mércio;
enquanto os compradores aprende m a arte da aquisição, a negociar o
preço justo e a mensurar o valor do conheci mento de acordo co m a
utilidade dos mesmo s. Ambos vira m n egociantes desta arte, aprendem
a negociar. Os filósofos descobrem q ue tê m que agradar seus clientes
se quiserem mantê -los co mo eternos clientes e consumidores de seu
produto 20. E para manter essa relação tê m que dizer o que os clientes
quere m e preferem ouvir, o que exige ta mbé m a criação de artifícios
pedagógicos, pouco importa se o que os clientes queiram ouvir
co mpro me ta a verdade. Eis o princípio da charlatanice de que os
sofistas fora m acusados por Sócrat es e os socráticos, sobretudo
Platão.

Ve ja, se e m Atenas era assi m! Contexto e m que a for maçã o


mercantil dos sofistas, além de não ser hegemônica era co mbatida até
o osso, co m fervor, deter minação e radicalidade, embora já se
manifestasse latente e contagiante. I magine, agora, na educação
brasileira, em que o ensino privado do mina e impõe, co mo pro jeto de
governo e de Estado, a for mação mercantil e profissional.

Uma vez hege mônica a for mação mer cantil perde até o estatuto
de formação, para se propor, sem p udor, apenas como qualificação
profissional. E proíbe ter minante mente que se critique a for ma
mercantil de suas políticas, como as políticas de estágio
supervisionado e curricular, entre outras. Ainda mais se tais críticas
fore m vee mentes e radicais, como te m que ser.

A for mação mercantil exercida pelos sofistas é obrigada aliciar


seus clientes para mantê -los cativos nesta condição de eternos
clientes, ouvintes e pagantes . Eles tê m que ser bo m de escuta para

20
Hoje n ós ch a m a m os essa op er a çã o de fi del i z a çã o de cl i en t e. Pa ra t ant o, se ofer ec e
des c on t os, ofer t a s e br in des. Com o um a espéci e de i sca pa r a fi sga r cl i en t es.
48

ouvir os mur múrios contrários à lógica co mercial. Se os clientes e


pagantes, por alguma razão, dese ja re m transfor mar -se e m filósofo
acaba a festa co mercial. Por isso este desejo deve ser e xter minado n a
raiz e ja mais se r aventado. A relação co mercial tem que reproduzir
simultanea mente co mprador e ven dedor. A pedagogia sofista é
tipicamente u ma pedagogia bancária. Eles també m funda m esta
pedagogia, antes do capitalismo. Talvez a filosofia sofista seja mesmo
a gênese e a fonte da pedagogia bancária.

Portanto, os sofistas rejeita m nesta relação o compro misso


socrático de aprimorar a filosofia e os filósofos no diálogo, através do
exercício da maiêutica e da técnica da aporia. É sintomático na filosofia
praticada pelos sofist as a despolitização da socialização dos
conhecimentos, o que significa na abolição da crítica. A crítica que
engendra, desperta e provoca o se nso crítico nos clientes. Nesta
exigência de ter que reproduzir o mesmo: eterno cliente. Ou então que
se pratique a crítica filosófica dentro de determinado princípios e
limites que não co mpro meta m as relações co merciais. Relações que
reproduzam a dependência entre ven dedor e co mprador, e afir me as
posições dos filósofos e dos clientes interessados e m adquirir saberes
nesta condição.

Os estoicos e epicuristas são mais radicais do que os


socráticos. Porque para estes não bastava ser filósofo, praticar bem o
diálogo e fazer eloquentes discursos filosóficos. E me smo desenvolver
u ma pedagogia que facilitasse a intimidade c o m a filosofia, u m discurso
co mpreensível entre os iguais, ou que se recorresse ou não às
metáforas e analogias para se alcançar a fa miliaridade com a filosofia,
todas essas astúcias pouco importava m para estoicos e epicuristas. O
que eles exigia m de u m fi lósofo é que ele vivesse co mo u m estoico o u
epicurista. O que significa existir para e pelo estudo e pesquisa ou, o
que é o mesmo, para a filosofia. Assim, não havia te mpo i maginável
para que os filósofos se ocupasse m ou imaginasse m a possibilidade de
co mercializar seus conhecimentos, po is suas vidas estava m ocupadas,
49

quase integralmente, e m viver a filosofia: estudando, pesquisando e


conte mplando estas atividades.

A perspectiva teleológica das filosofias estoicas e epicuristas


posicionam o filósofo num lug ar sociogeográfico absolutamente
diferente daquele posicionamento p ro movido pela filosofia sofista.
Nega-se pere mptoriamente a possibilidade de se aprender filosofia
simplesmente ouvindo filósofos discursare m sobre seus conheci mentos
filosóficos. Estoicos e epicuristas questionam radicalmente a for maçã o
mercantil porque nela não há forma ção possível, so mente for maçã o
inautêntica; apenas a reprodução de posições dependentes entre u m
falante e u m ouvinte. A afir mação da eloquência de um aperfeiçoa a
audição do outro. Mas ao preço da per pétua insignificância filosófica do
cliente. A própria filosofia é prejudicada. O posicionamento teleológico -
filosófico estoico -epicurista não apenas nega o dos sofistas, revela o
absurdo da ética deontológica com relação ao sen tido de uma for mação
autêntica. A ética deontológica fortalece a sujeição dos clientes -
ouvintes ao filósofo -falante. É o que acaba legitimando a hierarquia
entre a autoridade intelectual diferenciada entre filósofos e clientes. O
que impede o fortaleciment o da a mizade na filosofia praticada pelos
sofistas. Esqueça -se aqui o princípio da amizade co mo orientação das
relações entre sofistas e clientes e a sólida formação filosófica, tão
requerida por Sócrates nos diálogos de Platão. Não estamos mais no
universo da formação hu mana, mas da for mação mercantil.

A inautenticidade e superficialidade da for mação mercantil é


patente. Proposta pelos sofistas, o que se compro mete na for mação
mercantil é a humanização do ser humano, neste processo de
socialização tão impo rtante, que é a for mação intelectual. Os
for mandos são i mpedidos de personificare m a for ma social filósofo ou
pesquisador. Os formandos não são mais do que um auditório
indiferenciado de clientes ou consu midores de conheci mentos.
Interessados em pagar por sua aquisição. Paratanto, há duas
condições de possibilidade para esta realidade ou situação se
estruturar: [1] algué m ter dinheiro para co mprar u m nú mero de hora s
50

e m que o sofista vai discursar; e [2] alguém estar disposto a vender a


mercadora que se dese ja co mprar. A q uestão é que esta relação, por si
só, gera vícios e dependências mútuas, que co mpro mete m
instantaneamente u m e outro, ne sta re lação que tende a se cristalizar e
se naturalizar. Dentre os vícios criticados pelos socráticos, a
disposição de ou vir sem ponderar, criticar e combater o discurso do
filósofo, com técnicas pertinentes e um bo m raciocínio lógico. Clientes -
ouvintes não debatem, questiona m o u refuta m, apenas conso me m. O
que pode proporcionar grande prazer aos subalternos do filosófico
eloquente.

NEG AÇÃO ABSOLUT A DO EST UDO E QUAL IF ICAÇÃO


PROF ISSIONAL

Pois be m, a perspectiva sofista parece ter sido reforçada por


filósofos liberais como Locke e sociólogos liberais como Co mte. Post a
e m novas bases e sob novos funda mentos categoriais para fun cionar
de modo mais eficaz nas sociedades modernas e capitalistas a
for mação transfor ma -se e m qualificação, porque é mais rápida e
pontual (controle de tempo e movimento). Na obra Sobre o
Entend imento Humano a filosofia mercantil ganha novos fundamentos e
categorias, em função do conte xto i ndustrial e capitalista. Co m isto
ajuda a pro mover as forças ideológicas necessárias, requeridas pela
modernidade burguesa. Neste novo conte xto e m que a burguesia
desponta co mo classe revolucionária o estoicismo, e sobret udo o
epicurismo, são reinterpretados à luz da filosofia utilitarista e empirista
inglesa (Jeremy Bentha m, Locke, Hu me e tatos outros). Essa
reinterpretação é importante porque o utilitarismo é u ma filosofia fonte
do liberalismo. De u m modo geral, o que ca racteriza a filosofia liberal é
a defesa intransigente da regulação social pelo mercado. Isto é, pelos
e mpresários-patrões-capitalistas. Para os liberais todas as instituições
importantes do “estado moderno acabado” devem ser be m geridas e
controladas pelo s empresários.
51

Co m o s filósofos e sociólogos liberais -positivistas-racionalistas-


e mpriristas a forma ção mercantil ganhou a for ma definitiva de
qualificação profissional 21 para atend er os interesses da orde m e
progresso da economia, da ciência e do urbanismo (Co mte). Esses três
fenô menos co mbinados caracteriza m a civilização moderna, que se
propõe superar a escassez, a barbárie e a ignorância promovendo a
abundância e o “bem estar de todos os indivíduos” pela concorrência e
seleção dos mais aptos e produtivos . E e m no me desse trinvirato se
legitimarão e se justificarão as guerras entre povos “letrados” (Europa
e América do Norte) e povos “bárbaro s” (Resto do Mundo, as colônias).
Guerras de todo tipo: religiosas, industriais, arma mentistas, científicas
(quí micas, biológicas e médicas). Gu erras que tinham a finalidade de
conquistar mercados. Guerras que marca m a civilização moderna até
hoje, co m a ju stificativa de promover a paz, garantir a segurança, a
vida e o comércio.

Os fenô menos que marcara m essa transição são be m


conhecidos de todos nós: Revoluções Burguesas: Francesa, Inglesa e
Norte-a mericana; Co muna de Paris; Refor ma e Contrarrefor ma ;
Industrialização; Mercados Nacionais e Internacionais; Colonização;
Revoluções Socialistas no Século XX e criação da Uniã o das
Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), se m sovietes; Grandes
Guerras Mundiais; Ideologias Nazistas, Fascistas e Estalinistas; Estado
de Be m- Estar Social; Guerra Fria; Fim da URSS; Neoliberalismo.

Todos esses fatos geohistóricos co mbinados posicion aram,


ajustara m e reposicionaram os siste mas de ensino e as redes escolares
de muitas e diferentes formas, mundialmente. O mais relevante desta
dinâmica é perceber o enquadramento hierárquico do sistema
educacional escolar às organizações e mpresariais. Est a organização
hierárquica cristalizou e subordinou as redes escolares à
mundialização do capital, e nela a gigantesca massa populacional de
professores e estudantes. Os gestores desse sistema de rede s

21
Já expl i ca m os p or que n ã o pod em os c on si der a r a for m a çã o m er ca n ti l com o um a a ut ên t i ca
for m a çã o e por que é m a i s c oer en t e t ra t a -l a com o qua l i fi ca çã o pr ofi s si on a l .
52

escolares são colaboradores diretos desta subordinação: os suseranos


e vassalos da ordem do capital, seus intelectuais orgânicos.

Não é difícil perceber o quanto esta rede escolar é


imprescindível à reprodução e manut enção do ordena mento territorial
do capital. Cada unidade escolar é u m ponto -local, socioterri torial,
irradiador do capitalismo, não apena s das ideologias desse siste ma
social, mas de sua racionalidade, princípios e diretrizes. O que
constitui para W eber o ethos ou “espírito do capitalismo”.

A rede escolar domina, se m tréguas e diariamente, a


escol arização da massa hu mana de estudantes e professores. Mas o
que isso significa sociogeograficame nte? Significa a coisificação e a
desu manização dos sujeitos pedagógicos. A educação escolar
desu maniza os su jeitos pedagógicos através da organização do
trabal ho pedagógico, que se realiza nas séries, etapas, modalidades de
ensino, apoiados em e mentas, pro jeto s políticos e pedagógicos, livros
didáticos, e avaliações. Anos após anos, territorialmente.

As redes escolares (a universidade integra esse universo)


for ma m e fabrica m, geografica mente, sentidos, sentimentos e a cultura
de geração e m geração. E de for ma contínua, regular e secular. E
co mo o capital se apropria do território e o ordena conforme as suas
lógicas e dinâmicas a escola a ele te m que se subordinar , me smo que a
ferro e sangue (polícia, cassetetes, bombas de gás lacrimogênios,
esprei de pimenta, tiros de borracha, jato d’ água e cães adestrado).

As redes escolares (estatais, privadas e confessionais)


constituem um dos ciclos perpétuos de atualização do capital,
garantindo e assegurando sua reprodução, nos mais diversos lugares
(bairros e municípios), e si multaneamente. E isto sob a lei férrea do
capital. Um ciclo que, contraditoriame nte, é reinventado pelos próprios
sindicatos dos trabalhadores em edu cação, que só aparente mente se
contrapõe ao siste ma capital. Mas eles não só constitue m o siste ma,
co mo o fortalece, ainda que criticamen te. As redes escolares funcionam
co mo garantia imprescindível ao ordena mento territorial do capital,
deter minado pelos interesses, ta mbé m i mprescindível, do mercado de
53

trabalho e da formação de recursos hu manos. Tudo isso e m mo vi mento,


no território do capital, é o que ma nte m a e stabilidade econômica,
política e financeira do sistema.

Ho je pode mos afir mar, inclusive, que n ão há possibilidades de


existir “estado moderno acabado”, o rde m social possível, se m rede
escolar organizada territorialmente. Isto é, u m siste ma de so cialização
de conhecimento s siste matizados, ob jetivos e científicos instalado e e m
funcionamento. Siste ma estruturado e m redes de escolas e m escala
local, regional, nacional e mundial, redes articuladas, e sob o domínio
do siste ma capital (constituído pelas seguintes organizações
multilaterais: PNUD, UNESCO, BM, CEPAL e todas as organizações
que pro movera m a Conferência de Jomtien).

Isto é verdade não só no sistema capitalista. O regime pode


variar: capitalista ou socialista. O fato é que o siste ma de socialização
de conhecimentos ob je tivos se tornou necessário à civilização humana.
No capitalismo é viabilizad o por algumas políticas públicas. Políticas
que per mite m o capital governar o siste ma. Pouco i mporta se as
políticas públicas seja m de governo ou de Estado, esse é u m debat e
inócuo e inútil para a classes trabalhadora assalariada, o que importa é
que o sistema capital governa as políticas públicas, quem as co manda.

As políticas públicas são, mundialment e, políticas de classe, que


viabilizam governos de classe, e qu e garante m a continuidade dos
governos de classe, a burguesia no comando do Estado. Não i mport a o
partido político que esteja no governo. Primeiro porque partidos
políticos são empresas, organizações e mpresariais. E, segundo, o s
partidos políticos são organizações capitalistas, são geridas pelos
intelectuais orgânicos ao sistema capital. No âmbito da educação
escolar, por exe mplo, algu mas políticas públicas são inegociáveis para
as classes capitalistas: [a] políticas curriculares; [b] políticas de
for mação de professores e [ c] políticas de avaliação de desemprego .
Pode-se negociar a política de plan os de cargos e salários, mas não
àquelas. Porque os empresários aprendera m co m Marx que salário é
preço e que é u m engodo i maginar que au mentando o salário do
54

professor haverá valorização do professor. Uma lição que parece que a


ANFOPE, o CNTE e a ANPAE nã o apr enderam.

O que se constata é que há muitos séculos essas políticas tê m


se orientado pelos interesses do mercado (nos estados norte -
a mericanos desde 1870). Isto é, os interesses do siste ma capital. E
para este não importa u ma “for ma ção teórica sólida”, socialmente
referenciada na classe trabalhadora e crítica ao sistema capital. Mas a
qualificação profissional da força de trabalho ou capital variável.

Mas co mo os interesses do capital atua m na rede escolar


existente? De for ma desigual e co mb inada, na fo r mação diferenciada
dos extratos socioeconô micos organizados desde as próprias
e mpresas. Confor me a hierarquia dos estratos sociais existentes nas
organizações empresariais 22: cargos e ocupações realmente e xistentes,
e m cada e mpresa, localizadas em cada bai rro, município, região do
Brasil e do mundo.

Dado esta desigualdade observa -se que em muitas Nações co mo


a brasileira é negado aos sujeitos pedagógicos (professores e “alunos”;
educadores e educandos; docente s e discentes; for madores e
for mandos), o direit o e a liberdade de estudar. Isto é, nega -se o te mpo
socialmente necessário à apropriação de conhecimento s. Esta negação
inclui, praticamente, todos os professores e estudantes das redes de
escolas municipais, estatais e federais da educação básica. E uma
significativa parcela de docentes e discentes do ensino superior.

Em su ma, há u ma política de estado e de governo que nega à


maioria de professores e estudante s a se dedicare m a u m te mpo
socialmente necessário ao estudo e p esquisa. E esta é u ma política do
sistema capital. Há u ma ma ssificação dos su jeitos pedagógicos nas
redes escolares. Nestas redes os sujeitos pedagógicos são alienados e
coisificados, com o ob jetivo de se ma nter o status quo: a hierarquia de
distribuição desigual e combinada d o te mpo socia lmente nece ssário

22
Bour di eu (2008) n o a r ti go “O s ex cl uí dos d o i nt er i or ”, escl a r ece qu e, pa r a a l ém da
“r epr oduçã o” é a di st in çã o ou di fer en ci a çã o que a ssum e um l ugar deci si vo n a esc ol a
c on t em por ân ea .
55

para a apropriação de conhecimentos, que coincide, naturalmente, co m


a apropriação do poder e das riquezas, no território do capital. Nestas
circunstâncias a formação escolar se reduz a formação de u ma massa
hu mana de analfabetos funciona is diplomados, subalternos e
sub missos ao siste ma capital. Que é realmente o que i mporta às elites
econô micas e políticas dos países dependentes, associados às elites
internacionais.

Consequê ncia 3 :

A negação do direito e liberdade efetiva de estudar


impõe aos su jeitos pedagógicos uma luta desleal,
injusta e desu mana. Estudar é lutar durante toda a
vida para viver e desfrutar u m tan tinho assim da
felicidade e da liberdade de estudar u m pouco. E esta
conquista não é co mo outras, que o q ue se conquista
u ma vez é u ma conquista para sempre . Não! Nas lutas
pelo “trabalho de si, em si e por si” revelam -se a mais
sórdida luta de classes por elas negare m
vee mente mente o trabalho alienado e estranhado.
I mpossível conciliar esse antagonismo no capitalismo.
Porque não é só uma luta por direitos, mas pela
liberdade efetiva de um modo d e vida singular
inventado pelos antigos: socráticos, estoicos e
epicuristas. Todas as forças sociais, institucionais e
culturais, na modernidade capitalista, conspira m
contra a dedicação a os estudos.

O estudo é imposto co mo u ma atividade que se realiza para se


fazer provas e concursos. Nada mais! Parece que existe para esses
fins. É difundido co mo ob jetivo se cun dário e banal em co mparação ao
objetivo de ganhar dinheiro como trabalhador ass alariado. O que
importa no mundo e m que e xisti mos é trabalhar, produzir, ser eficiente
e consu mir casas, carros, celulares, roupas, co mputadores,
eletrodomésticos, viagens, ho mes e mulheres. O que a classe média
dos professores universitários chama m de “os tentação”.

É co mo se que m estudasse não fizesse nada aos olhos dos pais


ou responsáveis e os a migos, à sociedade de um modo geral. Para
todos eles estudar é banal! Atividade indesejada e até repugnante para
56

a juventude ou adolescentes. Mas ta mbé m para a qu ase absoluta


maioria dos professores da educação básica. E isto é o que dói e nos
preocupa profundamente. O fato dos professores, sobretudo os da
educação básica, não se compro meter e m e se responsabilizarem co m a
for mação de si, isto é, em estudar e pesqui sar. Se não forma m a si
mesmo co mo contribuir para os outros se formare m autono ma mente? O
professor deve estudar pelo simples fato de ser professor. Não estou
falando de direito, enfermage m, quí mica. Estou falando de educação
escolar. Se ne m os professores i mpor ta m-se co m o “trabalho de si, e m
si e por si” quem se i mportará?

Quando o médico mata, mata u m pa ciente. Professores não dão


aula para um “aluno”, mas para u ma classe. Nor mal mente 40 “alunos”
e m u ma sala de aula. Mas se o professor mata ele não mata apenas
esses 40 estudantes de u ma classe, porque para sobreviver, como é
muito mal re munerado, ele trabalha e m muitas classes. Professo r
quando mata é matança, e das grandes. Essa matança ta mbé m é u ma
for ma de abortar pessoas vivas e m vida, e que continuar ão sendo
abortadas pelo sistema de ensino, gerações após gerações (nenhu m
moralista comenta ou se escandaliza co m e sse tipo de aborto, talvez
porque o abortado não este ja no ven tre da mãe, são seres hu mano s
crianças com mais de seis anos, então parece que não importa mais
que seja m abortados, que se aborte! ).

Quando mata o(a) professor(a) pratica genocídio intelectual de


toda u ma geração. É só pensar, po r exe mplo, e m todos(as) os(as)
professores(as) de u m bairro, muni cípio, Estado e Siste ma - Mundo,
dando aul a se m vontade, dando aula se m do minar o conteúdo co m que
trabalho, dando aula sem e studar e p esquisar a fundo sobre a matéria
ou disciplina com que trabalha 23. Para mi m é o que acontece hoje

23
E u sou pr ofes s or da Un i ver si da de Fed er a l de Al a goa s. T r a ba lh o n o Cur so de
Li c en ci a t ur a em Peda gogi a , n o Cen tr o de E duc a çã o. L eci on o a di sci pl i n a Soci ol ogi a da
E duca çã o. E st a sem a na qui s in ova r . Or gani z ei um a Con fer ên ci a sobr e os c on t eúd os qu e
for a m tr a ba lh a dos a t é a qui . O obj et i vo er a r ecor da r os con t eúdos de um a for m a din â mi ca ,
e ver i fi ca r a ca pa ci da de de os a l un os deba t er em c om i go, m e quest i on a r em . Veri fi ca r o que
el es fi xa r a m. En tã o, n o m ei o d o de ba t e, um est u da nt e que já dá a ul a a fi rm ou “ eu od ei o l er
l i vr o!” . El e já est á n o segun do sem est r e do Curso de Li cen ci a t ur a s em Peda gogi a , e j á dá
a ul a com o c on tr a t a do de um Muni cí pi o. Or a, diz er que nã o gost a de l er é di z er que nã o
57

(2017). E nada indica que esse assassinato intelectual vai parar; essa
sangria intelectual vai estancar; esse aborto de seres humanos vivos,
e m salas de aula, mundialmente, vai ter fim. E no Brasil ainda há leis
que querem calar o professor, como a Lei da Mordaça, a Lei que quer
impedir o professor falar e fazer política e m sala de aula. O que fazer
co m a tese de Paulo Freire, o maior educador do Brasil e da América
Latina: “educar é um ato político! ”.

Eu sinto que há u ma mudança na orde m de prioridade na


educação brasileira. Nas escolas públicas e universidades com a s
quais tenho contato. A prioridade não é mais dar aula, muito meno s
estudar, pesquisar e desvendar a realidade para se descobrir a
verdade, co m a intenção de transfor mar a realidade que se escond e
atrás do que é dado imediata mente ao s sentidos humanos. Não. O que
se valoriza é ser gestor. É o que dá status e poder e até gratificação
funcional.

Ora, e m sociedades capitalistas ser gestor é gerir os negócios


educacionais da burguesia. Paratanto, recebe -se u ma gratificação
funcional. Todas as instituições educacio nais brasileiras funciona m
desta for ma. Não sei se nos outros Estados ocorre isso, mas aqui e m
Alagoas as escolas públicas, e até a s instituições de ensino superior,
costu ma m fi xar e e xibir retratos de diretores em paredes (que coisa
cafona, personalista e coronelista ... sei não! ). No próprio Centro de
Educação, na universidade em que tr abalho, é assim. O que se educa
co m isso? E os professores e estuda ntes que são a razão de ser das
escolas e universidades ficam invisíveis e sem reconheci mento.
Gestão, atividade meio, de suporte, é mais valorizada e reverenciada
que as atividades fins: a docência. O que se educa co m isso?

est uda . E i sso foi di t o por um est udan t e que est á n um a un i ver si da de públ i ca , de um Cur so
de Li c en ci a t ura . E st á ma tr i cul a do n um cur so de for m a çã o de pr ofes s or es. Ma s n ã o é só el e
que pen sa a ssi m . An o pa ssa do fi z um Sem iná ri o n o Mun i cí pi o de Ca juei r o, e uma
pr ofess or a c on cur sa da , pr ofess or a a nt i ga n esse m uni cí pi o, i n com oda da c om a s que st õe s
que eu l eva n t a va sobr e a qua l i da de n o en sin o bra si l ei r o, de r epen t e, sem n in guém esper a r,
se m a ni fest ou: “m a s eu n ã o quer o ser a ca dêm i ca , por que est uda m ui t o, eu sou pr ofes s or a
de m un i cí pi o, nã o de un i ver si da de!” . E por in crí vel qu e pa r eça t oda s e t od os a pl a udir a m
c om for ça e sa t i s fa çã o. T i nh a m ai s ou m en os 8 0 pr ofess or es n o Sem i n ár i o . “É pr a rir ou
pr a ch or ar !” .
58

Há, assi m, u ma siste mática desvalorização dos(as)


professores(as). Falta de reconhecimento do seu trabalho. E isso e m
escolas e universi dade (não estou falando de açougue). Uma
desvalorização flagrante comparada aos gestores. Por que será? O que
se educa co m isso? O fa to é que co m a cu mplicidade dos gestores de
escolas e universidades os governos impõe m goela a dentro dos
sujeitos pedagógi cos o pro jeto burguês de educação e, co m ela, de
sociedade. O que provoca a tão propalada crise de identidade do(a)
professor(a).

O estudo siste mático não é u ma atividade que ocorre


espontanea mente, naturalmente. Ele se processa numa luta intensa. A
visão economicista e espontaneísta das organizações de classe dos
professores da educação básica sobr e esta questão, sobre o estudo,
te m levado, do meu ponto de vista, a derrotas históricas dos
professores, no Brasil e no mund o. Porque as políticas dessas
organi zações e, por e xtensão, dos(as) professores(as), tê m sido
derrotadas primeiro, geograficamente, no lugar fundamental onde atua
o(a) professor(a), nas escolas e redes escolares, no lugar onde se
trava m as lutas decisivas da docência. No lugar onde o profess or se
realiza e justifica sua razão de ser como professor, onde ele trabalha.
Desde a sala de aula. E como o(a) professor(a) da educação básica
trabalha e se realiza? Não é, certame nte, no tipo de “trabalho de si, em
si e por si”. O(A) professor(a) se real iza no trabalho alienado ou
estranhado. Ela(e) se autoaliena de si trabalhando em si
estranha mente, alienadamente. Per de seu ser aí no que faz
cotidianamente, e as organizações de classe dos professores, ne m aí!

Ora, todas as derrotas políticas imp ortante s dos professores,


sobretudo no século XX e, por enqua nto, ta mbé m no século XXI, te m
sido resultado desta derrota fundamental que é a derrota no seu
trabalho, no que o(a) professor(a) faz. O problema é que ser derrotado
no trabalho, no caso do(a) professor (a), te m repercussões territoriais
na política, na cultura, na econo mia, na sociedade. É, portanto, u ma
derrota civilizatória. Mesmo porque u ma das especificidades do
59

trabalho pedagógico é atualizar a cultura historicamente herdada.


Reconstruir os conhecimentos ob jetivos e xistentes. O que significa
reconstruir gerações de homens e mulheres. E é nessa reconstrução
que os su jeitos pedagógicos ta mb é m se reconstroe m. E é isto,
exata mente, que o siste ma capital evita negando politicamente aos
sujeitos pedagógico s realizarem estudos e pesquisas.

Mas nó s vive mo s u ma situação que se ad mite que o(a )


professor(a) pode ser muitas coisas, meno s intelectual. Nenhu ma
organização de classe que representa os interesses do(a) professor(a)
luta efetivamente pela conquista do direito e liberdade do professor
estudar. Primeiro porque nem se investiga como o professor estuda,
co mo ele se apropria dos conhecimentos objetivos que leciona. Parte -
se do princípio que ele domina tais conhecimentos e pronto. Note o
dra ma: não se remuner a m horas de estuo, apenas horas -aula! No
entanto, u ma boa aula não apenas é consequência, ma s é deter minada
pela presteza do estudo, pelo mét odo do estudo e dedicação à
pesquisa. E co mo o professor est uda e pesquisa? Ele estuda e
pesquisa? Que condições e políticas públicas são -lhe oferecidas
paratanto? Portanto, é intencional negar aos sujeitos pedagógicos o
direito e liberdade de estudar e pesqui sar. É u m proble ma político, e de
classe! O professor(a) é um trabalhador assalariado, lembra m?

Na nossa co mpre ensão, ho je, no século XXI, a manutençã o


desta política de conversão do profe ssor e m “boia fria do saber”, e m
profissional e especialista, é uma derrota de todos os trabalhadores do
mundo. Porque é u ma derrota dos sujeitos pedagógicos, os únicos
sujeitos, desde se mpre, capaze s de e mpreendere m u ma revolução
social profunda na contemporaneidade. Esta política internacional que
converte o professor em profissional da educação, sub mete -o à ética
deontológica ou código profissional. Aprisiona o professor dentro desta
ética. Esta é uma conversão que transfigura a pessoa humana na forma
social professor, para ser inserida no mercado de trabalho.

A for ma social professor(a), nas relações sociais capitalistas de


apropriação de conhecimentos, é u ma coisa informe e ind iferente no
60

â mbito da rede escolar. Destrói a aut oridade intelectual do professor,


e m detri mento da autoridade do gestor. E se m esta autoridade o
professor não é nada e o ge stor é tud o. Tudo para o poder do capital.
No â mbito das relações sociais de produç ão capitalista na escola o(a)
professor(a) é u m ser se m potência e se m virtude. É apenas u m
acessório funcional do sistema educacional. Da máquina administrativa
escolar. Ad ministração controlada pelos gestores, inspetores,
coordenadores, secretários escol ares e supervisores pedagógicos.
Intelectuais orgânicos ao capital. Sobre os ombros e e m torno do dorso
dos(as) professores(as) erguem-se u ma colônia de bichos e uma
hierarquia de carniceiros, vampiros, parasitas e hospedeiros que, como
atividades meio, vi ve m às custas do trabalho pedagógico. É muito
mais-valor produzido pelos sujeitos pedagógicos para alimentar esse s
bichos. Só parasitando essas funções -suportes, secundárias até,
pode m e xistir neste sistema educa cional capitalista às custas do
sangue do(a) professor(a).
61

Referências

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