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21
Avaliação laboratorial
da Função Renal
de resultado falso-positivo) e alta sensibilidade (há baixo crônica geralmente é progressiva, a perda de néfrons e a
índice de resultado falso-negativo). Historicamente, em conseqüente redução da TFG predispõem os néfrons
medicina veterinária é mais coumum utilizar o picrato remanescentes a lesão adicional à medida que sofrem
alcalino ou reação de Jaffé, que apresenta menor espe- hipertrofia compensatória para manter a função renal.
cificidade e reage com vários cromo gênios não oriundos
da creatinina e presentes nas amostras biológicas. Quociente Recíproco da
RELAÇÃO QUANTITATIVA ENTRE Concentração Sé rica de Creatinina
PARÂMETROs sANGüíNEOs E TAXA A associação hiperbólica entre o teor sérico de creatinina
e a TFG pode ser transformada em uma função linear
DE FilTRAÇÃO GlOMERUlAR descrita pela relação entre o tempo e o quociente recí-
proco da concentração sérica de creatinina em indiví-
Intervalos de Referência duos com perda progressiva da função renal (Fig. 21.3).
para Nitrogênio da Uréia sangüínea Esse método foi inicialmente empregado com êxito na
monitoração da evolução da doença renal em humanos
e Creatinina e, mais recentemente, tem sido aplicado a outras espé-
cies. Além de melhor quantificar as alterações no teor
Uma das desvantagens de considerar o aumento de NUS
ou da concentração sérica de creatinina como parâmetro sérico de creatinina na doença renal progressiva, a equa-
para detecção da diminuição da TFG é a ampla faixa de ção de regressão linear (que indica a relação entre o
variação dos valores de referência utilizados no labora- quociente recíproco da creatinina [l/cr ou cri] e o tempo)
tório clínico. Mesmo quando o estudo destinado a esta- pode ser utilizada para prever a progressão da disfunção
belecer intervalos de referência envolve grande quantidade renal, bem como um tempo aproximado de sobrevida.
de animais sadios, verificam-se "valores normais" em Além disso, a representação gráfica dessa equação de
uma faixa de variação razoavelmente ampla. No Colorado regressão pode ser utilizada para mostrar aos clientes o
State University Veterinary Teaching Hospital, os limi- grau de deterioração da função renal do seu animal de
tes de referência para NUS (cães: de 7 a 28mg/dL; ga- estimação. Alterações da função renal em resposta a mo-
tos: de 17 a 32mg/dL) e para creatinina sérica (cães: de dalidades terapêuticas específicas (por exemplo, altera-
0,9 a 1,7mg/dL; gatos: de 0,9 a 2,lmg/dL) são suficien- ções dietéticas, controle de hipertensão, administração
temente amplos, de modo que o animal pode apresentar de drogas para controle de uremia) também podem ser
importante redução da TFG antes que se detecte azotemia constatadas como "interrupções" nessa linha devido às
(considerando os valores de pacientes saudáveis). Por alterações na inclinação da relação. Desse modo, o quo-
exemplo, caso um cão apresente NUS normal de 7mg/dL, ciente recíproco da concentração de creatinina também
teoricamente é necessária uma redução de quatro vezes é útil como indicador de prognóstico.
na TFG antes que se detecte um aumento fora do inter-
valo de referência. Alguns animais sadios apresentam va-
lores desses índices abaixo do limite inferior da variação
Proporção Nitrogênio da Uréia
de referência; por exemplo, um cão com teor normal de sangüínea:Creatinina
creatinina de 0,5mg/dL teoricamente deve ter redução
de três vezes na TFG antes que se detecte um aumento Em pessoas sadias e naquelas com azotemia não asso-
fora do intervalo de referência. Caso também sejam ciada a fatores extra-renais, a proporção NUS:creatinina
consideradas as influências da dieta, do metabolismo é cerca de 10: 1. Valores superiores a 10: 1 são constata-
endógeno e das vias de excreção extra-renais, fica evi-
dente que as determinações de NUS e de creatinina sérica
não são testes de triagem seguros para o diagnóstico de 20 200
disfunção renal. A relação matemática entre os valores
de NUS ou de creatinina sérica e a TFG parece ser de 15 150
natureza logarítmica ou hiperbólica (Fig. 21.2). Geral- Creatinina
Nitrogênio
mente, considera-se necessária redução de 75% ou mais sérica
100 de uréia
o. na TFG, antes que se possa detectar aumento significa- (mg/dL) 10
ob sangüinea
'D tivo no NUS ou na concentração sérica de creatinina acima (mg/dL)
"i'..;- da variação de referência. Quando a doença renal provo- 5 50
~ ca perda de néfrons funcionais, os remanescentes menos
;2 afetados costumam apresentar hipertrofia compensató- o o
~
cr.
ria. Desse modo, a TFG do néfron aumenta, preservando I I I I I
a TFG geral e mantendo os valores de NUS e creatinina O 25 50 75 100
dentro dos limites de normalidade. Assim, a doença re- TFG (% de normal)
nal pode ter se instalado há muito tempo, sendo possível
haver perda de mais de 75% dos néfrons antes que se Figura 21.2 - Relação idealizada entre creatinina sérica ou
detecte clinicamente a azo temia com base nos métodos nitrogênio de uréia sangüínea e taxa de filtração glome-
de triagem padronizados. Além disso, como a doença renal rular. (TGF).
288 Bioquímica Clínica Aplicada aos Principais Animais Domésticos
e extracelulares. Lesão celular que resulta na liberação determinações (por exemplo, concentração sérica de
de fosfatos intracelulares, a partir de produtos interme- creatinina). Contudo, pode ser útil na monitoração das
diários do metabolismo fosforilado de alta energia, pode alterações no teor sérico de P, ao longo do tempo para
causar hiperfosfatemia. Desequilíbrios ácido-básicos avaliar a resposta ao tratamento de insuficiência renal
também podem influenciar a distribuição de P, A alcalose crônica (por exemplo, restrição dietética de Pi' forneci-
tem efeito tampão em ácidos produzidos durante o me- mento de calcitriol exógeno). A determinação e a inter-
tabolismo, removendo o produto de inibição do mecanismo pretação da EFp serão discutidas posteriormente junto à
de feedback por prótons no metabolismo intermediário. excreção fracionada de outros eletrólitos.
Isso, por sua vez, possibilita a rápida formação de me-
diadores fosforilados e a absorção de mais P, pelas células. ESTIMATIVA DA TAXA DE FILTRAÇÃO
A acidose tem efeito oposto, bloqueando as vias meta-
bólicas pelo acúmulo de produtos finais ácidos e inibin- GLOMERULAR POR MÉTODOS QUE
do a absorção celular de P, O fósforo liberado pelos ossos REQUEREM COLETA DE URINA
tem importante função no tamponamento do excesso de
Em pacientes com ou sem azotemia, mas que apresen-
ácido no organismo. Sabendo-se o produto de solubilidade
tam outros sinais clínicos de doença renal (por exemplo,
pH-dependente da relação entre Ca e Pi' não surpreende
proteinúria persistente, menor capacidade de concentra-
o fato de que a acidificação induza desmineralização óssea,
ção de urina), pode ser útil a determinação da "depuração"
que por sua vez disponibiliza mais tampão fosfato para
para estimar a TFG ou o fluxo plasmático renal efetivo
neutralizar o ácido. Além disso, o fosfato representa a
(FPRE). Geralmente esse exame é realizado apenas de-
principal fonte de "acidez titulável" nos túbulos renais,
pois que outros testes de triagem indicarem a possibili-
atuando como aceptores de prótons em que as células
dade de disfunção renal. O exame da depuração requer
tubulares secretam ativamente ácido à urina. O ácido
mais tempo e gastos analíticos; além disso, pode haver
fosfórico é utilizado por alguns fabricantes de alimentos
necessidade de administração de uma substância quími-
comerciais destinados aos animais de estimação com
ca exógena. No entanto, os resultados quantitativos as-
intuito de propiciar fósforo dietético e acidificação de
sim obtidos são mais confiáveis do que aqueles de alguns
alimentos de gatos para evitar distúrbios no trato urinário
testes de triagem; sendo assim, sua avaliação periódica
inferior de felinos.
pode propiciar uma estimativa mais precisa sobre a evo-
Como a excreção urinária de P, depende de filtração
lução da doença em determinado paciente.
:5; glomerular e reabsorção tubular, as reduções no fluxo
Seja qual for o método empregado, o objetivo é o mes-
~ sangüíneo renal e na TFG freqüentemente resultam em
mo. Para avaliar a TFG, utiliza-se uma substância que,
~ hiperfosfatemia. Do mesmo modo, quando há ruptura de
uma vez presente na circulação sistêrnica, é eliminada
J:; bexiga, o P, excretado na urina é reabsorvido no abdô-
apenas por meio de filtração glomerular. Para estimar a
~ men e retorna ao sangue, provocando hiperfosfatemia,
FPRE, utiliza-se uma substância que, quando presente
~ que também pode ser decorrente de ingestão excessiva na circulação sistêrnica, é totalmente eliminada por fil-
de fósforo. Em todos os casos, a hiperfosfatemia pode tração glomerular e secreção tubular. Os métodos que
induzir, secundariamente, hipocalcemia e hipocalcitrio- requerem coleta de urina total quantitativa ao longo de
lemia, que, por sua vez, estimulam a liberação de PTH. um determinado período permitem o cálculo da depura-
Assim, a retenção de quantidade excessiva de Pi ocasiona ção a partir da seguinte fórmula: sendo a substância "X"
duas formas de hiperparatireoidismo secundário: renal, excretada apenas por filtração glomerular, então Cx =
induzido pela hiperfosfaternia causada pela menor excreção TFG; caso a substância "X" seja excretada por filtração
de Pi' e nutricional, induzido pela hiperfosfatemia cau- glomerular e secreção tubular, então Cx = FPRE. Assim:
sada pela maior ingestão de fósforo. Em ambas as situa-
ções, o PTH induz desmineralização óssea com intuito
de restabelecer os teores sanguíneos de Ca, resultando
em osteopenia e doença óssea metabólica (Fig. 21.4). em que Cx representa a depuração (mL/kg/min) da subs-
tância "X"; Ux indica a concentração urinária (mg/mL)
Doença Renal da substância "X"; V corresponde ao volume de urina
(mL/kg/min) coletada em um determinado período; e
As respostas endócrinas envolvidas no hiperparatireoi- Px representa a concentração plasmática (mg/ml.) da
dismo secundário renal conseguem manter a concentra- su bstância "X".
ção sérica de P. dentro de limites relativamente normais Os dois métodos mais empregados para calcular a TFG
durante algum tempo; acredita-se que deve haver perda são os testes tradicionais de depuração de creatinina
de aproximadamente 85% da TFG antes que se instale "endógeno" e "exógeno".
hiperfosfatemia persistente. Desse modo, o início de hiper-
fosfatemia pré-renal ou renal não é um parâmetro muito
sensível para detectar a redução na TFG. A excreção
Depuração de Creatinina Endógena
fracionada de Pi (EFp) tem sido determinada em razão Para o estudo da depuração de creatinina endógena, ini-
de sua capacidade de detectar alterações na função re- cialmente realiza-se a cateterização da bexiga para eli-
nal; entretanto, não é um teste tão sensível quanto outras minar toda a urina preexistente. Em seguida, o animal é
290 Bioquímica Clínica Aplicada aos Principais Animais Domésticos
colocado em uma gaiola metabólica que possibilita a coleta CÁLCULO DA TAXA DE FILTRAÇÃO
total de urina excretada durante o tempo determinado
para a avaliação da depuração. Normalmente a urina é GLOMERULAR E DO FLUXO
coletada ao longo de 24h e uma única amostra de sangue PLASMÁTICO RENAL EFETIVO SEM so/'
é obtida no meio ou no final do teste. Determina-se o
teor de creatinina na urina e no soro; calcula-se a depu-
NECESSIDADE DE COLETA DE URINA ~
~
~
ração para estimar a TFG. Para eliminar o procedimento tedioso e os riscos de erro O-
Cromogênios não relacionados à creatinina podem da coleta de urina para determinar a TFG e o FPRE nos 00 o-
interferir na determinação de creatinina pelo método do protocolos mais recentes, utilizando injeção única de um \o
picrato alcalino. Como a concentração urinária da maio- soluto marcador exógeno, obtêm-se amostras de sangue
ria dos cromogênios não associados à creatinina presen- seriadas para determinar farmacocineticamente o desa-
tes no soro (por exemplo, piruvato, ácido acético, ácido parecimento do soluto, sem necessidade da coleta simul-
acetoacético, ácido ascórbico, glicose, proteína, ácido úrico) tânea de urina (Fig. 2l.5). Inicialmente, esses métodos
é geralmente baixa, o denominador da fórmula para o cálculo foram desenvolvidos com solutos marcadores radioati-
da depuração, descrita anteriormente para avaliar a TFG, vos que podiam ser administrados por via intravenosa
pode ser falsamente alto e os valores para a depuração de em quantidade mínima, detectando-se concentração
creatinina endógena de Jaffé podem subestimar a TFG. mínima com muita precisão em volume muito pequeno
de amostras de sangue seriadas.
Depuração de Creatinina Exógena
Método de Duplo-isótopo
Para obter a depuração de creatinina exógena, injeta-se
uma solução de creatinina (50mg/mL) por via subcutâ- com Injeção Única
nea na dose de 75 a 100mg/kg; por uma sonda estomacal Tem-se calculado o FPRE a partir da avaliação do desa-
administra-se um volume de água correspondente a apro- parecimento do ácido orgânico 13lI-iodoipurato de sódio
ximadamente 3% do peso corporal. Realiza-se a catete- ou da base orgânica 3H-brometo de tetraetilamônio. Essas
rização da bexiga, esvaziando-a após um período de duas substâncias são filtradas nos glomérulos e secretadas
equilíbrio de 40 a 60min; as coletas de urina são reali- por transporte ativo nos túbulos proximais renais; são
zadas em intervalos de 20min. As amostras de sangue totalmente depuradas do sangue a cada vez que passam
são obtidas no início de cada período de coleta; determi- nos rins. A TFG tem sido calculada a partir da avaliação
na-se o teor de creatinina na urina e no soro e calcula-se do desaparecimento de 125I-iotalamato de sódio ou
a depuração para estimar a TFG. Como a hidratação in- 14C-inulina do plasma, ambas excretadas pelos rins por
fluencia o FPRE e a TFG e como o estado de hidratação meio de filtração glomerular. Emissores de partículas gama
não pode ser precisamente determinado com base no exame (por exemplo, compostos iodados) ou de partículas beta (por
físico do animal, os protocolos de depuração devem ser exemplo, 3H, 14C) podem ser administrados ao mesmo
padronizados em relação à administração oral de volu- tempo, de modo que a TFG e o FPRE possam ser deter-
me consistente de fluido para corrigir um possível défi- minados simultaneamente por meio da análise farmaco-
cit e induzir produção de volume razoável de urina durante cinética de suas curvas de desaparecimento após exame
o estudo da depuração. Trabalho recente indica que o cintilográfico de amostras de plasma. As avaliações si-
fornecimento de 30mL de f1uido/kg, por via oral, propi- multâneas de TFG e FPRE por tais métodos são muito
cia valores de TFG estáveis em três intervalos de coleta precisas; além disso, possibilitam a determinação dafra-
de 20min após a administração de creatinina exógena. ção defiltração, outro parâmetro de avaliação da função
A creatinina exógena é administrada para aumentar renal. A fração de filtração corresponde ao volume de
artificialmente a concentração sérica de creatinina em sangue que chega aos rins e que é verdadeiramente fil-
relação ao teor de cromogênios não associados a ela e trado nos glomérulos. Alteração na fração de filtração
para aumentar o conteúdo de creatinina excretada na urina pode indicar desequilíbrio glomerulotubular, no qual as
a fim de minimizar o risco de erro em sua quantificação taxas de perda das funções glomerulares e tubulares são
urinária. Uma pesquisa comparativa entre o valor obtido desiguais; podem refletir a patogênese particular de doença
na depuração de inulina (um marcador sintético para renal em um determinado paciente. Esse método requer
determinação da TFG) e os estudos sobre a depuração mais tempo, mas é altamente preciso e útil em hospital-
de creatinina, como naqueles em que se utiliza o método escola de referência.
do picrato alcalino ou da creatininase, mostraram que o O teste de desaparecimento da emissão gama do áci-
método enzimático propicia resultado mais confiável. do 99mTc-dietilnetriaminopentacético (99mTc-DTPA) do
Devido a um relato publicado, indicando que a redução plasma foi validado recentemente para a determinação
da massa renal de cães machos induz maior secreção da TFG em cães e gatos. Além disso, a TFG pode ser
tubular de creatinina, tem-se comparado experimental- determinada por método não invasivo mediante cintigrafia
mente os resultados da depuração de creatinina exógena renal quantitativa, utilizando uma câmara gama para ima-
e de inulina, simultaneamente, para validar a depuração gem nuclear dos rins em vários momentos após a admi-
de creatinina como uma estimativa da TFG. A propor- nistração intravenosa de 99mTc-DTPA. Esse é um método
ção de depuração creatinina:inulina não é influenciada não invasivo rápido e confiável que se mostra muito pro-
pelo grau de disfunção renal. missor; no entanto, requer equipamento e treinamento
Avaliação laboratorial da Função Renal 291
da doença renal, freqüentemente notado antes do apare- por solutos determina o gradiente osmótico para a re-
cimento dos sinais de azotemia. Em cães, a perda da cuperação de água nos túbulos coletores durante a for-
capacidade de concentração urinária se manifesta após mação de urina. Desse modo, a determinação direta da
nefrectomia de dois terços do órgão; nota-se azo temia osmolalidade urinária por meio da elevação do ponto de
clinicamente detectável apenas após a perda de, aproxi- vapor ou da depressão do ponto de congelamento é um
madamente, 75% da TFG, que pode representar uma perda valor mais preciso a respeito da capacidade de concen-
da quantidade total de néfrons em torno de 90%, com tração osmótica dos rins do que a determinação da den-
hipertrofia funcional dos néfrons remanescentes. sidade específica. A comparação matemática entre a densi-
As principais causas de perda da capacidade de con- dade urinária e a osmolalidade revela uma associação
centração urinária incluem vários outros distúrbios ex- muito estreita, mas o limite de confiança para um único
tra-renais clinicamente importantes que não causam doença valor de osmolalidade como prognóstico para uma densi-
renal, mas que prejudicam a manutenção do gradiente dade específica é muito amplo. Em um estudo, uma den-
da concentração medular ou a resposta renal à vasopressina sidade específica de 1,005 correspondeu à osmolalidade
(Tabela 21.1). Assim, embora a constatação de azotemia de 185 mOsmJkg; no entanto, o intervalo de confiança de
e de densidade urinária inadequadamente baixa, simul- 95% variou de O a 380 mOsmlkg. Essa variação é muito
taneamente, sejam consideradas indicadores de doença ampla para ser utilizada de maneira confiável na avalia-
renal, deve-se também levar em conta, no diagnóstico ção da função renal.
diferencial, a possibilidade de distúrbios secundários
Considera-se que densidade urinária em torno de 1,010
oriundos de desequilíbrios eletrolíticos ou endócrinos ou
(com variação de 1,008 a J ,012) representa urina isoste-
de efeitos de medicamentos.
núrica (isto é, concentração semelhante àquela da filtra-
ção glomerular); valores inferiores a este indicam diluição
Densidade Específica da urina e valores superiores, urina concentrada. Em
humanos, os rins normais são capazes de concentrar urina
versus Osmolalidade em uma densidade específica de 1,025 ou mais. A capa-
Densidade urinária específica é o método de triagem mais cidade máxima de concentração urinária em humanos é
utilizado para detectar alterações na capacidade de con- de aproximadamente 1,040, enquanto em cães é 1,060,
centração da urina. A densidade específica corresponde ou mais, e em gatos é 1,080, ou mais. Assim, em huma-
à densidade de um fluido (isto é, a proporção do peso nos, uma densidade urinária de 1,025 provavelmente indica
deste fluido em relação a igual volume de água); pode melhor função tubular renal do que em cães e gatos. Como
ser determinada por gravimetria ou refratometria. O pri- evidência de concentração renal aceitável, geralmente
Avaliação laboratorial da Função Renal 293
Doença Mecanismo
Diabetes insípido pituitário Produção deficiente de vasopressina
Diabetes insípido nefrogênico primário Deficiência congênita de resposta renal à vasopressina
Diabetes insípido nefrogênico adquirido Deficiência adquirida de resposta renal à vasopressina
Antagonismo da ação da vasopressina Efeitos diretos, que também podem ser acompanhados de:
Hipercalcemia Fluxo sangüíneo medular renal alterado
Prejuízo à reabsorção de sódio
Nefropatia hipercalcêmica
Perda de gradiente de concentração medular renal Prejuízo à reabsorção de água independentemente da ação da
Hiponatrem ia vasopressina
Hipocloremia
Sobrecarga de fluido
Polidipsia psicogênica
Distúrbios endócrinos
Acromegalia Antagonismo da insulina pelo hormônio do crescimento,
causando hiperglicemia, glicosúria e diurese osmótica
Diabetes melito Hiperglicemia, glicosúria e diurese osmótica
Hipoad renocorticismo Prejuízo à reabsorção de sódio
Hiperad renocorticismo Efeitos do excesso de glicocorticóides
Hiperparatireoid ismo Efeitos da hipercalcemia
Hipertireoidismo Efeitos do excesso de hormônios de tireóide
Doença renal primária Efeitos do prejuízo funcional ou morfológico primário dos rins,
que também podem estar acompanhados de:
Insuficiência renal crônica Diurese osmótica em néfrons remanescentes
Insuficiência renal aguda não oligúrica Prejuízo à reabsorção de sódio
Fluxo sangüíneo medular renal alterado
Prejuízo à sensibilidade da vasopressina
(Continua)
294 Bioquímica Clínica Aplicada aos Principais Animais Domésticos
Tabela 21.1 - Principais causas de perda da capacidade de concentração uriná ria (continuação)
Doença Mecanismo
considera-se urina concentrada quando a densidade especí- de azotemia ou na detecção de anormalidades na com-
fica for superior a 1,030 em cães e a 1,035 em gatos. Em posição da urina. Por exemplo, a diferenciação entre
um estudo, relata-se que cães sadios privados de água azotemia pré-renal e renal é fundamental nos casos em
por 72h concentravam urina em densidade específica de, que a capacidade de concentração da urina estiver pre-
aproximadamente, 1,060. A osmolalidade urinária cor- judicada devido a anormalidades extra-renais no con-
respondente era cerca de 2.300 mOsmlkg e a UOsm:POsm trole do equilíbrio de eletrólitos e incapacidade de
máxima (isto é, a proporção osmolalidade da urina:os- manutenção do gradiente de concentração medular re-
molalidade do plasma) era de, aproximadamente, 7,5: I. nal. Insuficiência renal aguda é definida como deterio-
Em gatos, pode ocorrer redução significativa na TFG e ração súbita da função renal e conseqüente retenção de
no FPRE, resultando em azotemia clinicamente detectável resíduos de produtos nitrogenados, além de perda da ca-
antes da perda da capacidade de concentração da urina. pacidade de controle do equilíbrio entre soluto e água.
Gatos sadios avaliados antes e após nefrectomia pardal Embora tradicionalmente a oligúria seja considerada a
(58 a 83%) concentravam urina em osmolalidade de, apro- principal característica de insuficiência renal aguda, há
ximadamente, 2.300 mOsmlkg e 1.950 mOsmlkg, antes relatos cada vez mais freqüentes de insuficiência renal
e após nefrectomia, respectivamente. aguda não oligúrica em pessoas e animais.
Para avaliação da função renal, pode-se realizar o teste Ainda não se sabe ao certo sobre o mecanismo etiológico
de privação de água para induzir a máxima concentração da deficiência de concentração da urina que ocorre na
urinária. Para evitar insuficiência renal aguda iatrogênica, insuficiência renal aguda não oligúrica. Essa síndrome é
esse teste não deve ser realizado em animais desidrata- uma manifestação de desequilíbrio glomerulotubular, na
dos ou azotêmicos. O peso corporal deve ser monitorado qual há menor função glomerular, menor TFG e azotemia.
e o teste deve ser concluído quando a densidade urinária No entanto, a produção de urina é mantida com graus
alcançar valores de 1,025 a 1,035; a UOsm:POsmatingir variáveis de perda de funções tubulares particulares,
valor de 3: 1, ou mais; a osmolalidade plasmática supe- principalmente a capacidade de concentração urinária e
rar 320 mOsmlkg; houver azotemia; ou houver diminui- de reabsorção de eletrólitos. Caso o paciente com azotemia
ção do peso corporal em até 5%, ou mais, devido à aguda produza urina, ela pode ser analisada pelos méto-
desidratação. dos físico-químicos e microscópicos tradicionais, con-
forme descrito na urinálise de rotina. Em alguns casos,
EXCREÇÃO URINÁRIA as alterações do sedimento urinário podem ser ambíguas
ou indetectáveis; além disso, pode não haver proteinúria.
FRACIONADA DE ELETRÓLlTOS Em outros, as causas de densidade urinária inadequada-
mente baixa podem incluir fatores extra-renais indutores
Definição e Cálculo
de depleção de cloreto de sódio e conseqüente perda do
O cálculo da excreção fracionada de eletrólitos pode ser gradiente de concentração medular renal ou de depleção
útil na diferenciação entre causas renais e extra-renais de potássio, resultando em túbulos coletores que não
Avaliação laboratorial da Função Renal 295
respondem ao hormônio antidiurético. Nesses casos, o Tabela 21.2 - Variações dos índices para diagnóstico
cálculo da excreção fracionada de eletrólitos, como sódio de azotemia em três grupos de eqüinos
(EFNa), é um teste confiável para diagnóstico de disfun-
índice Azotemia Azotemia Eqüinos
ção tubular renal. A excreção urinária fracionada de um
diagnóstico pré-renal renal normais
soluto é calculada utilizando a fórmula apresentada a seguir
após o exame de amostras de sangue e de urina aleató- Osmolalidade da
rias, mas coletadas simultaneamente: urina (mOsm/kg) 458 - 961 226 - 495 727 - 1.456
U/Posm 1,7 - 3,4 0,8 - 1,7 2,5 - 3,4
U/P uréia 15,2 - 43,7 2,1 - 14,3 34,2 - 100,8
U/P creatinina 51,2 - 241,5 2,6 - 37,0 2- 344,4
EFx corresponde à excreção fracionada da substância ou EFNa 0,02 - 0,50 0,80 - 10,10 0,01 - 0,70
do soluto "X"; Ux representa a concentração urinária
(mg/mL) do soluto "X"; Px corresponde ao teor plasmá- Reproduzido de Grossman BS, Brobst DF, Kramer JW, Bayly
tico (mg/mL) da substância "X"; Percorresponde ao teor WM, Reed SM. Urinary indiees for differentiation of preneral
plasmático (mg/mL) de creatinina e Uer representa a azotemia and renal azotemia in horses. J Am Vet Med Assoe
1982; 180:284-288.
concentração urinária (mg/mL) de creatinina. Essa fórmula
simplesmente representa uma transformação aritmética
do cálculo da depuração urinária da substância "X" di-
vidida por aquela da creatinina. Desse modo, a excreção dos com dieta peletizada à base de feno e alfafa (- 2,25%
fracionada indica quantitativamente a excreção de "X" de K na MS) a EFK pode ser de 100 a 180%. Em Ihamas
em relação à TFG. alimentadas com dieta à base de feno misto (- 0,22% de
K na MS) ou feno de gramínea (- 0,12% de K na MS)
a EFK pode ser de 45 a 125%.
Excreção Fracionada de Sódio Em gatos sadios alimentados com dieta com restrição
de potássio, a EFK diminui rapidamente para valores abaixo
Na maioria das espécies que geralmente recebem dieta
de 5%. Em gatos com síndrome nefropatia-polimiopatia
com teor moderado de sódio, os rins costumam reabsorver
99%, ou mais, do sódio filtrado pelos glomérulos; con- caliopênica felina, a EFK encontra-se patologicamente
seqüentemente, a EFNa normal é inferior a 1,0%. Distúr- aumentada devido ao grau de hipocalemia (~65%) e
bios que afetam a função tubular renal resultam em retoma ao normal apenas depois do tratamento da defi-
aumento patológico da taxa de sódio filtrado, mas não ciência dietética de potássio e da acidose metabólica, ca-
reabsorvido, EFNa superior a 1,0%. Há exceções apenas racterísticas desse distúrbio.
em condições relativamente raras, inclusive:
Excreção Fracionada de Fósforo
• Avidez por sódio em situação na qual se adotou res-
trição dietética de sódio para controlar hipertensão A EFp tem sido avaliada nas insuficiências renais aguda
sistêmica, resultando na diminuição do FPRE e no au- e crônica. Em ovinos com nefrotoxicose experimental-
mento da reabsorção de sódio, desproporcional ao te- mente induzida por gentamicina, notou-se maior aumento
cido tubular funcional remanescente. na EFp em comparação ao que foi obtido na EFNa e EFK;
• Obstrução intratubular, em que pigmentúria ou con- contudo, não propiciou vantagem diagnóstica adicional
traste radiográfico induz à redução no fluxo tubular, na detecção de disfunção tubular renal. Em cães com
facilitando a reabsorção de sódio. insuficiência renal crônica, a EFp aumenta em resposta
• Desequilíbrio glomerulotubular, no qual a lesão glome- ao hiperparatireoidismo secundário renal. No entanto, no
rular excede a disfunção tubular de modo que a re- diagnóstico de insuficiência renal crônica, o aumento da
cuperação do sódio fracionado pareça normal. EFp (> 20%) tem menor valor diagnóstico do que o au-
mento no teor sérico de creatinina devido à sua baixa
Em um estudo sobre parâmetros de diagnóstico de relação quantitativa com a TFG; desse modo, a EFp não
azotemia em eqüinos, as alterações na osmolalidade é muito sensível nem específica. Todavia, sua monitora-
urinária, nas proporções UOsm:P Osrn> U uréia:P uréia" eU er:Per ção pode ser útil na avaliação da resposta ao tratamento
~ e na EFNa foram mais evidentes na azotemia renal do
de insuficiência renal crônica (por exemplo, restrição
~ que na azotemia pré-renal (Tabela 21.2).
'<t
dietética de Pi, suplementação exógena de calcitriol).
N
l";-
V)
00
00 Excreção Fracionada de Potássio Alterações Temporais
r--
O'>
Os valores de referência para excreção urinária fracionada Comparadas à Azotemia
de outros eletrólitos são mais variáveis devido à maior
influência do consumo de componentes da dieta na taxa Em cães com nefrotoxicose experimentalmente induzida
de excreção. Por exemplo, em gatos alimentados com por gentamicina, a EFNa aumenta em um período de 6 a
dieta comercial típica (- 0,65% de K na matéria seca [MS]), 8 dias, e a EFK se eleva de 4 a 6 dias. Essas alterações
a EFK varia de 5 a 20%, enquanto em ovinos alimenta- ocorrem após a diminuição significativa na excreção de
296 Bioquímica Clínica Aplicada aos Principais Animais Domésticos
o::::;
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E 2~----------~~------~
~ nina urinária. Q.
(lJ
"i'<:t A correlação entre a excreção das enzimas NAG e GGT o
~ na urina de 24h e a proporção enzima:creatinina na amostra
;2 de urina aleatória foi avaliada em cães com nefrotoxicose
~ experimentalmente induzi da por gentamicina. Em fun- 2 3 4 5 6 7 8 9 10
o-
ção do consumo de dieta protéica antes do tratamento,
notou-se correlação significativa em um período de até 8
8 dias de tratamento com gentamicina. Essa relação tor-
nou-se menor com a progressão da nefrotoxicose; no oitavo 6
dia, os dois valores foram significativamente superiores
ao normal. Em cães sadios da raça Beagle, machos, de
4
18 meses de idade, os valores basais expressos como média
± desvio-padrão da proporção NAG urinária:creatinina
e da excreção urinária de NAG em 24h foram 0,06 ±
2 ~----------------~~---,
0,04UIImg e O, 19 ± 0,14UIlkg, respectivamente. Os valores
basais, expressos na forma de média ± desvio-padrão,
da proporção GGT urinária:creatinina urinária e da
excreção urinária de GGT em 24h foram 0,39 ± O, 18UI/mg 2 3 4 5 6 7 8 9 10
e 1,42 ± 0,82UI/kg, respectivamente. Dias
Várias anormalidades provocam alteração na cor da urina. luir a urina; densidade urinária superior a 1,030, em cães,
Hemoglobinúria, mioglobinúria e hemorragia do trato e acima de 1,035, em gatos, sugerem que os túbulos
urinário podem resultar em urina vermelha ou de colora- concentram a urina. Densidade urinária entre tais valo-
ção avermelhada, com proteinúria detectada no exame res e 1,017 são consideradas ambíguas em relação à ~
'{'
químico. A diferenciação dessas três condições requer o capacidade funcional dos túbulos. ~
exame de sedimento de urina fresca para verificar evi- Muitas vezes a densidade urinária é determinada por i3
dência microscópica de hemorragia. Caso não se cons- refratometria. Conforme discutido anteriormente, essa .j>.
tate isso, é provável que a alteração na cor seja decorrente técnica considera o tamanho, o peso e a quantidade de gj
""
de hemoglobinúria ou mioglobinúria; essas condições po- partículas. Conseqüentemente, alto teor de albumina ou '"
dem ser diferenciadas pelo exame químico. de glicose na urina pode causar um falso aumento na
Geralmente, urina de coloração marrom-esverdeada densidade urinária, dando a impressão de capacidade de
deve-se à bilirrubinúria associada a hepatopatia ou hemó- concentração de urina normal. Na interpretação dos re-
lise intensa. Amostra de urina com alto teor de bilirrubina sultados, essa possibilidade deve ser considerada sem-
tende a formar espuma quando agitada. A presença de pre que a concentração dessas substâncias na fita reagente
bilirrubina na urina é confirmada por testes químicos ou exceder 3+.
pela constatação de cristais de bilirrubina no sedimento
urinário (discutido posteriormente). As constatações Exame Químico da Urina
química e citológica de bilirrubinúria podem ser verificadas
de modo associado ou independente. Os pigmentos de O exame químico da urina geralmente é semiquantitativo,
bilirrubina na urina são instáveis; na suspeita de bilir- utilizando tira reagente (Fig. 21.9). Há disponibilidade
rubinúria, as amostras de urina devem ser mantidas pro- de vários tipos de tira reagente, com possibilidade de ava-
tegidas de luz e analisadas o mais rápido possível. liar diversos constituintes; porém, infelizmente essas tiras
são destinadas ao uso humano. Além disso, nem todos
O uso de medicamento também pode influenciar a cor
os constituintes são relevantes ou confiáveis para uso
da urina. Por exemplo, anti-helmínticos fenotiazinas, outrora
veterinário. Por exemplo, o teste para leucócitos se ba-
utilizados em pequenos ruminantes, tornam a urina rósea
seia no método da esterase leucocitária específica, en-
a vermelha. Sempre que se constata cor de urina atípica e
contrada em leucócitos humanos, mas não naqueles de
inexplicável deve-se obter uma história completa sobre
cães e gatos. Portanto, o emprego desse teste é limitado
dieta e possíveis medicamentos fornecidos ao paciente.
em medicina veterinária.
Outros testes possíveis na tira reagente, mas de valor
Turbidez limitado em animais, incluem densidade específica e uro-
bilinogênio. Nossa experiência mostra que o teste de tira
O grau de turbidez reflete a quantidade de partículas
reagente para densidade urinária simplesmente não se
na urina e varia de acordo com a espécie. Normalmente a
correlaciona bem com refratometria e deve ser desconsi-
urina de cães é clara; a urina normal de felinos pode ser
derado. Em humanos, utiliza-se o urobilinogênio urinário
ligeiramente turva devido à presença de gordura. A uri- como indicador de obstrução biliar. Se o dueto biliar for
na normal de eqüinos é, em geral, muito turva devido ao
evidente, nota-se urobilinogênio na urina; caso esteja
muco secretado pelas glândulas da pelve renal. A urina obstruído, não será detectado urobilinogênio. Em animais,
de coelhos normais é branca opaca em razão do alto no entanto, o teste do urobilinogênio tem pouca relevân-
conteúdo de carbonato de cálcio e de cristais de fosfato cia por várias razões. Em primeiro lugar, o teste apresenta
de cálcio. Cilindros, células inflamatórias e cristais po- baixa sensibilidade, sendo comum resultado falso-negati-
dem provocar maior grau de turvação. Portanto, é neces- vo, dificultando a interpretação de resultado negativo. Em
sário realizar exame microscópico do sedimento para segundo lugar, a maioria dos casos de obstrução biliar
diferenciar as causas. em animais é intra-hepático e parcial, esperando-se, des-
se modo, resultado positivo para urobilinogênio urinário.
Densidade Especifica Os testes com valor diagnóstico para animais incluem
a avaliação de proteína, glicose, cetona, bilirrubina, san-
A avaliação da densidade específica da urina, que indica gue oculto e pH. Com exceção do teste de pH, todos os
uma estimativa do conteúdo de soluto, é a parte mais outros são classificados como 1+ a 4+, com valores pro-
importante do exame físico da urina. A densidade urinária gressivamente mais elevados em função do aumento da
avalia a capacidade dos túbulos renais em concentrar ou concentração da substância em análise. Como há rela-
diluir a urina. Portanto, é um teste de função tubular (será, ção direta entre o conteúdo dessas substâncias e a con-
posteriormente, abordado com mais detalhes junto à seção centração urinária, na interpretação dos resultados deve-se
sobre osmolalidade da urina). considerar a densidade urinária. Por exemplo, proteinúria
A densidade específica da urina não apresenta valor 2+ com densidade urinária 1,060 é muito menos grave
normal. A isostenúria absoluta (isto é, a densidade urinária do que proteinúria 2+ com densidade urinária 1,010.
é igual à densidade do plasma e, portanto, o rim não tem
trabalho para concentrar ou diluir a urina) varia de 1,008
Proteína
a 1,012. Na prática, a variação isostenúrica geralmente
se estende até 1,017. Densidade urinária inferior a 1,008 A interpretação de proteinúria significativa depende
indica que os túbulos renais estão funcionando para di- dos achados no sedimento urinário. Proteinúria pode ser
Avaliação laboratorial da Função Renal 299
....,
•
"".• t •••••.
Glicose
A avaliação de glicose na urina deve ser realizada simul-
taneamente à avaliação de glicose no sangue. A causa
mais comum de glicosúria é o teor de glicose circulante Figura 21.9 - Rótulo de um frasco de fita reagente Ames
Multistix'", Os testes de tira reagente são semiquantitativos
que excede o limiar tubular renal de reabsorção de gli-
e, para sua interpretação, deve-se considerar a concentração
cose. Em cães e gatos, esse limiar é de, aproximadamente, uriná ria (ou seja, densidade específica). Além disso, vários
180mg/dL; em ruminantes, ele é de 80mg/dL. A hiper- desses testes devem ser lidos em intervalos específicos.
glicemia que excede o limiar renal pode ser pós-prandial,
secundária ao estresse ou reflexo de diabetes melito. A
hiperglicemia por estresse é mais constatada em bovi-
seqüentemente, mesmo animais com hiperglicemia não
nos e gatos.
controlada podem apresentar resultado negativo. Portanto,
Entretanto, além da hiperglicemia, há várias causas
o teste de glicose urinária não é totalmente confiável no
de glicosúria. Distúrbios hereditários e adquiridos que
diagnóstico ou na monitoração de diabetes melito em cães.
envolvem o transporte de glicose no túbulo renal proxi-
Como proteína e glicose são solutos dissolvidos, eles
mal foram identificados na maioria das espécies e, às
podem influenciar a densidade urinária. Em baixas con-
vezes, são denominados síndrome de Fanconi (em refe-
centrações, essa influência não é significativa. No en-
rência ao distúrbio primeiramente descrito em humanos).
tanto, quando a concentração excede um resultado 3+
Essa síndrome pode ser acompanhada por anormalida-
para glicose ou proteína, a densidade urinária pode se
des no controle tubular de vários solutos, resultando em apresentar falsamente aumentada, além da faixa de va-
perda patológica de aminoácidos, proteínas, eletrólitos e riação da isostenúria. A adição de 2,7mg de glicose ou
glicose. Também pode ocorrer acidose tubular renal pro- de 4mg de albumina em lmL de urina aumenta a densi-
ximal, em que a absorção de bicarbonato é prejudicada dade específica em até 0,001.
e a acidificação urinária é inadequada, podendo seguir-
se acidose metabólica sistêrnica, A degeneração tubular
renal pode interferir na reabsorção de glicose; por exem- Cetonas
plo, nefropatias tóxicas provocadas por metais pesados As cetonas aparecem na urina quando o grau de cetoaci-
ou antibióticos aminoglicosídeos podem ser caracteri- demia excede o limiar renal de absorção da filtração
zadas por glicosúria discreta a moderada, mesmo quando glomerular. Cetoacidemia e cetonúria refletem a produ-
o teor sangüíneo de glicose for normal. ção excessiva de cetonas que ocorre quando a taxa de
É comum detectar glicose na urina sem que haja hiper- mobilização de gordura da reserva adiposa periférica ex-
glicemia no momento da coleta. Nesses casos, deve-se cede a capacidade metabólica do fígado para oxidar com-
considerar a possibilidade de distúrbios hereditários ou pletamente essa gordura ou para reacondicioná-la em
adquiridos no transporte tubular renal de glicose; no lipoproteínas para liberação aos tecidos periféricos para
o- entanto, não se pode excluir um possível início de hiper- oxidação. Esse distúrbio no metabolismo de gordura está
~ glicemia, que resulta em glicose na urina armazenada na relacionado principalmente à inadequada disponibilidade
"? bexiga por algum momento antes da coleta da amostra. de carboidrato para facilitar a oxidação completa; ele tem
~ Como exemplos, é possível citar: estresse intermitente, sido notado em várias doenças, nas quais a disponibili-
.;, administração de fluidos que contêm glicose e hipergli- dade de glicose é limitada, inclusive toxemia da prenhez,
"?
~ cemia pós-prandial. caquexia, inanição e diabetes melito. O teste de tira
0\ Além disso, o teste de tira reagente para glicose pode reagente para cetona pode detectar acetona e ácido
revelar resultado falso-negativo. O ácido ascórbico in- cetoacético, mas não detecta um outro tipo de corpo
terfere no teste de tira reagente para glicose, podendo cetônico, o ácido ~-hidroxibutírico. Conseqüentemente,
ocasionar resultado falso-negativo diante de verdadeira alguns casos de cetonúria podem não ser detectados sim-
glicosúria. Cães com diabetes melito produzem intermi- plesmente porque esse ácido corresponde à cetona pre-
tentemente grande quantidade de ácido ascórbico; con- dominante. Ao contrário do que se relata, a adição de
300 Bioquímica Clínica Aplicada aos Principais Animais Domésticos
cadas em sedimentos de urina não corados. Em amos- cocitários indicam inflamação renal. Geralmente esses
tras de urina adequadamente obtidas, elas apresentam co- dois tipos ocorrem simultaneamente. Além disso, nos casos
loração marrom-avermelhada clara a amarelada e visível de pielonefrite, eles podem ser vistos com cilindros gra-
depressão central que reflete sua forma bicôncava nor- nulares. Os cilindros eritrocitários são facilmente identi- ~ 00
mal. Muitas vezes apresentam margens citoplasmáticas ficados (Fig. 21.14); porém, pode ser difícil a diferenciação $
irregulares devido à crenação (Fig. 21.12). Gotículas de entre os leucocitários (Fig. 21.15) e os de células epiteliais jj
gordura podem parecer hemácias, mas seu tamanho é (Fig. 21.16). A principal diferença é que as células epite- .j>.
irregular (enquanto as hemácias têm tamanho uniforme). liais são maiores do que os leucócitos. ~
-D '"
Leucócitos Cilindros Tubulares. Cilindros de células epiteliais,
granulares e gordurosos indicam degeneração de túbulo
o aumento da quantidade de leucócitos na urina indica renal; surgem após desprendimento de células lesionadas
hemorragia ou inflamação no trato urogenital; porém,
do revestimento do lúmen tubular. O tipo de cilindro sim-
assim como as hemácias, não indicam especificamente
plesmente reflete o tempo em que o material desprendi-
o local da lesão. A inflamação é diferenciada da hemor-
do permanece no rim antes de ser excretado na urina.
ragia com base na proporção leucócito:hemácia. Quan-
Cilindros de células epiteliais indicam que o material
do essa proporção se assemelha à do sangue periférico,
permaneceu no lúmen por um período mínimo após sua
provavelmente se trate de hemorragia; caso o número de
formação. À medida que envelhecem, eles se transfor-
leucócitos seja maior que o do sangue periférico, é mais
mam em cilindros granulares grosseiros (Fig. 21.17) e,
provável que haja inflamação. A urina normal contém
eventualmente, em cilindros granulares finos (Fig. 21.18).
não mais de um a três leucócitos por campo de grande
Os cilindros gordurosos representam o estágio final de
aumento. Em sedimentos não corados, os leucócitos se
degeneração de células tubulares (Fig. 21.19). Os três
apresentam como células redondas uniformes, apenas
tipos de cilindros podem ocorrer na mesma amostra de
ligeiramente maiores que as hemácias (Fig. 21.13). Em
urina; no entanto, o mais comum é o predomínio de um
alguns casos, o núcleo segmentado é claramente visível;
deles. Cilindros granulares são os mais constatados.
em outros, ele parece simplesmente como uma zona
Cilindros de células epiteliais são compostos por células
granular no centro da célula.
redondas grandes (20 a 30j.Lm), com núcleo granular.
Podem ser confundidos com cilindros leucocitários, prin-
Cilindros cipalmente quando houver leucócitos na amostra. Os
Os cilindros presentes na amostra de urina se originam cilindros granulares são compostos por material granu-
apenas nos túbulos renais. Sempre são anormais, inde- lar amorfo e geralmente são bem característicos. A dife-
pendentemente da quantidade. Há vários tipos de cilin- renciação entre cilindros granulares grosseiros e finos é
dros, inclusive eritrocitário, leucocitário, epitelial, granular, um exercício acadêmico, sem qualquer importância prá-
gorduroso e hialino. tica. Os cilindros gordurosos são identificados apenas
quando se reduz a intensidade da luz do microscópio até
Cilindros Eritrocitários e Leucocitários. Os cilindros o ponto em que as margens das células e os cilindros se
eritrocitários indicam hemorragia renal; os cilindros leu- tornem refrangentes. Os cilindros gordurosos não apre-
Figura 21.12 - Sedimento urinário não corado. Notar a predo- Figura 21.13 - Sedimento urinário não corado. Aproximada-
minância de hemácias (setas; geralmente verifica-se o forma- mente 11 leucócitos (seta) podem ser notados no centro e à
to de disco bicôncavo) com leucócitos ocasionais (cabeça de esquerda da figura. Algumas hemácias podem ser vistas à direita
seta; células maiores, com citoplasma granular). 400x. (cabeça de seta). 800x.
Avaliação laboratorial da Função Renal 303
Figura 21.14 - Sedimento urinário não corado. Notar o cilin- Figura 21.16 - Sedimento urinário não corado. Notar o cilin-
dro de hemácias (seta). 400x. dro de células epiteliais tubulares (seta). 400x.
sentam estruturas internas e devem ser diferenciados de ralmente indicam lesão glomerular significativa e estão
cilindros hialinos. Essa diferenciação se baseia no fato associados a proteinúria. Assim como ocorre com os
de que os cilindros gordurosos são frágeis e quebradiços cilindros gordurosos, os cilindros hialinos são vistos apenas
e, conseqüentemente, apresentam extremidades afiladas, em microscópio com baixa intensidade de luz; como são
enquanto os cilindros hialinos são moles e apresentam mais moles do que os cilindros gordurosos, eles tendem
extremidades arredondadas. a resistir à fragmentação e apresentar maior comprimen-
to. Além disso, os cilindros hialinos contêm gotículas de
Cilindros Hialinos. Os cilindros hialinos são estrutu- gordura.
ras protéicas resultantes de maior extravasamento de pro-
teína pela membrana glomerular aos túbulos ou de maior Cristais
concentração de proteína tubular devido à desidratação
(Fig. 21.20). Quando presentes em pequena quantidade, Geralmente são encontrados cristais em amostras de urina
não indicam necessariamente patologia renal grave; exer- normal e anormal. Alguns tipos de cristais são comuns
cício, febre e outras causas inespecíficas podem aumen- em uma determinada espécie; além disso, a ocorrência
tar o extravasamento de proteína glomerular e resultar de cristais depende da dieta e do pH urinário. Em geral,
na excreção de alguns cilindros hialinos. Quando pre- na urina os cristais são identificados com base nas for-
sentes em grande quantidade, os cilindros hialinos ge- mas e cores características.
-,
..
:"'1
Figura 21.15 - Sedimento urinário não corado. Notar o cilin- Figura 21.17 - Sedimento urinário não corado. Notar o cilin-
dro de leucócitos (seta). 400x. dro granular grosseiro (seta). 400x.
304 Bioquímica Clínica Aplicada aos Principais Animais Domésticos
..
• I
"";.4..
Figura 21.18 - Sedimento urinário não corado. Notar os ci- Figura 21.20 - Sedimento urinário não corado. Notar o cilin-
lindros granulares finos (setas). 100x. dro hialino (seta). 400x.
Cristais Normais. O cristal normal predominante na na dieta; cães e gatos que se alimentam de vegetais oca-
urina de cães e gatos é o cristal de fosfato amoniomagne- sionalmente podem excretar cristais de oxalato na urina.
siano (Fig. 2l.21). Em sua forma mais comum, os cris- No entanto, na maioria dos casos, os oxalatos são con-
tais de fosfato assemelham-se a prismas. Caso a amostra siderados como cristais patológicos em cães e gatos
de urina permaneça em repouso, os cristais de fosfato (discutido posteriormente).
podem se unir e originar formas gigantes ou podem se
Cristais Anormais
dissolver parcialmente e resultar formas características,
menos notadas. Cristais Pigmentados. Dois cristais pigmentados anor-
Os cristais normais predominantes na urina de eqüinos mais que podem ser encontrados na urina incluem bilir-
rubina e hiurato de amônio. Os cristais de bilirrubina
e vacas (e da maioria dos outros herbívoros) incluem
indicam alto teor urinário de bilirrubina conjugada. Na
carbonato de cálcio e diidrato de oxalato de cálcio. Os
maioria dos casos, surgem em associação à hepatopatia
cristais de carbonato de cálcio se apresentam sob várias
acompanhada de colestase; também podem ser vistos
formas, como na de halteres e de esferas estriadas (Fig. quando houver alteração sistêrnica que envolva o meta-
2l.22). Os cristais de diidrato de oxalato de cálcio são
bolismo de bílirrubina (por exemplo, anemia hemolítica :Si
facilmente identificados devido a sua forma de "cruz de grave). Embora encontrados na urina, os cristais de bilir- ~
Malta" ou de "envelope" (Fig. 2l.23). Os oxalatos da rubina não estão associados a distúrbios do sistema ~
urina de herbívoros ocorrem devido ao alto teor de oxalato ...
N
o
.' O
Figura 21.22 - Sedimento uriná rio não corado. Notar os cris- Figura 21.24 - Sedimento urinário não corado. Notar o cris-
tais de carbonato de cálcio, que podem ter formato de halteres tal de bilirrubina (seta). 400x.
ou de esferas estriadas. O tamanho é variável. 400x.
•
I •
-,
Figura 21.26 - Sedimento uriná rio não corado. Notar os cris- Figura 21.28 - Sedimento urinário não corado. Notar os cris-
tais de tirosina (seta). 400x. tais de diidrato de oxalato de cálcio (seta). 400x.
relacionada ao transporte do aminoácido mediado por dratos de oxalato de cálcio apresentam forma de "se-
um portador, resultando em cistinúria. A proteína porta- mente de cânhamo" ou de hexágono e prisma "seme-
dora anormal também é responsável pelo transporte de lhante ao hipurato", antigamente descrito, de forma
arninoácidos dibásicos, inclusive lisina, arginina e ornitina. errônea, como cristais de ácido hipúrico em várias pu-
Devido a sua baixa solubilidade, especialmente em uri- blicações (Fig. 21.29).
na ácida, os cristais de cistina precipitam e tomam apa-
rência de placas hexagonais claras (Fig. 21.27). Cristais de Medicamentos. Quando se atingem concen-
trações suficientes de medicamentos, como sulfonamidas,
Cristais de Oxalato. Geralmente a presença de cristais no sangue e na urina pode haver precipitação e presença
de oxalato em cães e gatos está associada a intoxicação de cristais do medicamento na urina. A morfologia des-
por etilenoglicol, que, quando ingerido, é metabolizado ses cristais é variável, mas geralmente se assemelham a
pelo fígado e origina o ácido oxálico. Esse ácido reage grandes estruturas semelhantes à hélice (Fig. 21.30).
com o cálcio para formar oxalato de cálcio que, por sua Sempre que houver cristais incomuns na amostra de urina,
vez, se precipita nos túbulos renais e pode ser excretado deve-se obter um histórico completo sobre o uso de medi-
na forma de cristais na urina. A morfologia dos cristais de camentos. A cristalúria por medicamento muitas vezes
diidrato de oxalato de cálcio é descrita como "cruz está associada à toxicidade de fármacos, como neomicina,
de Malta" ou "envelope" (Fig. 21.28). Os cristais monoi- gentamicina e sulfonamidas.
Figura 21.27 - Sedimento urinário não corado. Notar o cris- Figura 21.29 - Sedimento uriná rio não corado. Notar os cris-
tal de cistina (seta). 400x. tais de oxalato de cálcio monoidrato (seta). 400x.
Avaliação laboratorial da Função Renal 307
Figura 21.32 - Sedimento urinário não corado. Notar macro- Figura 21.34 - Sedimento uriná rio não corado. Notar o frag-
conídios do fungo Alternaria sp. (seta), contaminantes do mento de vidro (seta). Fragmentos de frasco de coleta de
ambiente e, portanto, contaminantes comuns da urina. 400x. urina ou contaminantes do ambiente podem ser confundi-
dos com cristais de importância clínica. 400x.
Proteína na Urina
O estudo anteriormente mencionado mostrou que o uso
de algoritmo diagnóstico característico para a identifi-
cação de animais em alto risco pode evitar a necessidade
Exame microscópico