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CAPíTULO

21
Avaliação laboratorial
da Função Renal

NITROGÊNIO DA URÉIA SANGüíNEA dicar a capacidade funcional do fígado pode ocasionar


taxa anormal de desaminação de aminoácidos e ureagê-
Metabolismo nese baixa. Nesse caso, uma diminuição no valor de NUS
pode ser considerada um indicador de doença hepática
Nitrogênio da uréia sangüínea (NUS) é um dos parâme- grave. No entanto, pode haver confusão no diagnóstico
tros sangüíneos tradicionalmente utilizados na avaliação
de doença renal concornitante, pois não há produção de
da filtração glornerular. A maior parte da uréia produ-
uréia suficiente para ocasionar o seu acúmulo, mesmo
zida pelo organismo é excretada na urina por meio de filtra-
com menor TFG.
ção glornerular. Portanto, a diminuição na taxa de filtração
glomerular (TFG) ocasiona aumento no valor de NUS;
no entanto, o NUS é influenciado pela taxa de produção
hepática de uréia e pela taxa de excreção renal e extra-
Fatores Renais e Extra-renais que
renal desta. Fatores que aumentam a produção de uréia Influenciam o Teor de Nitrogênio
no fígado provocam elevação da concentração sangüí-
nea de uréia, podendo ocorrer aumento de NUS. Por exem-
da Uréia Sangüínea
plo, no caso de ingestão de dieta com alto teor protéico, A excreção urinária de uréia é influenciada não apenas
maior quantidade de aminoácidos é absorvida no trato pela TFG, pois a uréia é reabsorvida nos túbulos renais
gastrointestinal (GI) após a digestão das proteínas; caso para contribuir na manutenção do gradiente de concen-
a quantidade de aminoácidos absorvidos exceda a ne- tração medular dos rins. Quando o fluxo tubular dimi-
cessidade nutricional do animal, esse excesso será desa- nui, a reabsorção de uréia aumenta, elevando o gradiente
minado no fígado. Os esqueletos de carbono são utilizados de concentração para subseqüente reabsorção de água e
para gliconeogênese ou lipogênese; as aminas dão ori- concentração urinária pelos túbulos coletores. A desidra-
gem à uréia, que é excretada pelos rins. tação pode reduzir desproporcionalmente o fluxo tubular
'"00 Esse conceito pode ser estendido para incluir os efei- em comparação à TFG (desequilíbrio glomerulotubular)
'D
'7 tos do consumo de qualquer alimento que contenha pro- e, desse modo, resultar em aumento desproporcional mente
;% teína (Fig. 21.1), da hemorragia de trato gastrointestinal maior de NUS do que aquele provocado apenas pela
:A superior e dos distúrbios que aumentam o catabolismo
00 diminuição da TFG. Portanto, o aumento de NUS du-
•..... endógeno de proteínas. Nessas condições, o fígado rece-
00
rante um quadro de desidratação pode fazer com que o
o-. be grande quantidade de aminoácidos, o que pode exceder
clínico subestime a TFG.
a necessidade protéica do organismo. Esse "excesso" pode
sofrer desaminação oxidativa e contribuir para maior
produção hepática de uréia. Desse modo, o aumento no Métodos laboratoriais
teor de NUS provocado pela maior produção de uréia
pode induzir o clínico a subestimar a TFG. Por outro Na determinação laboratorial quantitativa de NUS, ge-
lado, uma doença hepática grave o suficiente para preju- ralmente são utilizadas substâncias que reagem com uréia
286 Bioquímica Clínica Aplicada aos Principais Animais Domésticos

do soro ou do plasma, ocasionando aumento proporcio- CREATININA SÉRICA


nal de produtos coloridos (cromogênios); a concentração
desses cromogênios pode ser avaliada comparando-a com Metabolismo 'D
uma curva-padrão. Um dos métodos envolve uma série -J

A creatinina é formada a partir da condensação e desi- :;;:


de reações químicas com diacetilmonoxima e tiose-
dratação espontânea da creatina muscular em uma estru- ~
micarbazida para produzir um cromogênio. Outro méto-
tura anelar. A produção diária de creatinina é relativamente ~
do emprega a uréase para induzir hidrólise enzimática
constante, não sendo influenciada por fatores extra-re- ~
da uréia e liberar amônia que, em seguida, reage com
nais, como acontece com a uréia. Alguns pesquisadores ~
um dos vários reagentes secundários para produzir consideram que a produção de creatinina é proporcional
cromo gênio (por exemplo, corante indicador de pH, à massa muscular do indivíduo; entretanto, estudos em
reagente de Nessler, glutamato desidrogenase e forma humanos mostram que a idade e o sexo influenciam sua
reduzida de dicotinamida-adenina dinucleotídeo, NADH). concentração sérica, e não a massa muscular corporal.
Esses métodos apresentam alta especificidade (há baixo Uma vez formada, a creatinina é excretada do organis-
índice de resultado falso-positivo) e alta sensibilidade mo quase completamente por via renal durante a filtra-
(há baixo índice de resultado falso-negativo). Podem ser ção glomerular. Em função da espécie e do sexo, pode
utilizadas tiras reagentes Azostix'" (Ames, Miles, Inc., haver secreção de pequena quantidade de creatinina nos
Diagnostics Division, Elkhart, IN, USA), que fornecem túbulos renais, como em pacientes (humanos) do sexo
resultado semiquantitativo rápido e adequado de NUS masculino, mas geralmente tal ocorrência tem importância
do sangue total. A área reagente da tira consiste em papel clínica. Fatores como as citocinas, que provocam aumento
impregnado com uréase e azul de bromotimol (um indi- do catabolismo muscular endógeno na caquexia causada
cador de pH) revestido por uma membrana permeável à por septicemia ou câncer, podem aumentar a liberação
uréia, mas não aos pigmentos do sangue. Uma escala de de creatina e, conseqüentemente, a produção de creatinina.
cores é fornecida pelo fabricante para avaliação compa-
rativa de quatro diferentes tonalidades de verde origina- Fatores Renais e Extra-renais
das pela reação, que correspondem às variações de
concentrações descontínuas, de 5 a 15, 15 a 26,30 a 40 que Influenciam o Teor Sérico
e 50 a 80mg/dL. Esse teste é barato, prático e altamente de Creatinina
específico (é capaz de identificar corretamente valores
Fontes dietéticas de creatina (por exemplo, carne vermelha
baixos ou normais); entretanto, sua sensibilidade e seu
cozida) aumentam a concentração sérica de creatinina
valor de predição de resultado positivo (capacidade de
após sua absorção pelo trato gastrointestinal. No entanto,
identificar corretamente um valor alto anormal) são re-
a verdade é que a maioria das dietas pode causar dimi-
lativamente baixos. Desse modo, aumentos marginais de
nuição do teor sérico de creatinina, porque os nutrientes
NUS com importância diagnóstica podem não ser detec- absorvidos induzem um aumento pós-prandial da TFG
tados por esse método de triagem. (Fig. 21.1). A diminuição da TFG em razão de causa pré-
renal, renal ou pós-renal pode ocasionar aumento da
concentração sérica de creatinina; não é possível diferenciar
definitivamente essas causas. No entanto, a azotemia pós-
200 120 renal, como a que ocorre após obstrução do trato urinário
~
o
l1l ::l
inferior ou ruptura da bexiga, geralmente está associada
.!:::! ,.., à elevação maior e mais aguda do teor sérico de creatinina.
+' Qi'
'11l
E Q.
'"
l1l ro Métodos laboratoriais
Q. ,..,
l1l ro
Q) Na determinação laboratorial quantitativa de creatinina
:ãi 150 100 .-+
"-
::l ::l geralmente são utilizadas substâncias que reagem com a
QJ ::l
"O Q) creatinina do soro ou do plasma, ocasionando aumento
l1l
"O
proporcional de produtos coloridos (cromogênios); a
Q)
v V> concentração destes pode ser avaliada em comparação
c 3
Q), com uma curva-padrão. Um dos métodos envolve uma
#.
,,'
.-+
reação química com íons picrato em solução alcalina para
,,,
Q)
100 80
produzir um cromogênio, que pode ser determinado
2 4 6 8 12 16 24 cineticamente ou ao final da reação. Um método mais
Tempo pós-prandial (h)
recente utiliza a creatininase para induzir hidrólise enzi-
mática da creatinina, liberando creatina (creatinina ami-
Figura 21.1 - Alterações seqüenciais nas concentrações plas-
doidrolase) ou amônia (creatinina iminoidrolase) que, em
máticas de uréia e creatinina de cães após ingestão de dieta seguida, reage com um dos vários reagentes secundários
protéica. (Adaptado de Watson ADJ, Church DB, Fairburn AJ. (por exemplo, piruvatocinase ou glutamato desidroge-
Postprandial changes in plasma urea nitrogen and creatinine nas e e NADH) para produzir um cromogênio. Os métodos
concentrations in dogs. Am J Vet Res 1981 ;42: 1878-1880) enzimáticos apresentam alta especificidade (há baixo índice
Avaliação Laboratorial da Função Renal 287

de resultado falso-positivo) e alta sensibilidade (há baixo crônica geralmente é progressiva, a perda de néfrons e a
índice de resultado falso-negativo). Historicamente, em conseqüente redução da TFG predispõem os néfrons
medicina veterinária é mais coumum utilizar o picrato remanescentes a lesão adicional à medida que sofrem
alcalino ou reação de Jaffé, que apresenta menor espe- hipertrofia compensatória para manter a função renal.
cificidade e reage com vários cromo gênios não oriundos
da creatinina e presentes nas amostras biológicas. Quociente Recíproco da
RELAÇÃO QUANTITATIVA ENTRE Concentração Sé rica de Creatinina
PARÂMETROs sANGüíNEOs E TAXA A associação hiperbólica entre o teor sérico de creatinina
e a TFG pode ser transformada em uma função linear
DE FilTRAÇÃO GlOMERUlAR descrita pela relação entre o tempo e o quociente recí-
proco da concentração sérica de creatinina em indiví-
Intervalos de Referência duos com perda progressiva da função renal (Fig. 21.3).
para Nitrogênio da Uréia sangüínea Esse método foi inicialmente empregado com êxito na
monitoração da evolução da doença renal em humanos
e Creatinina e, mais recentemente, tem sido aplicado a outras espé-
cies. Além de melhor quantificar as alterações no teor
Uma das desvantagens de considerar o aumento de NUS
ou da concentração sérica de creatinina como parâmetro sérico de creatinina na doença renal progressiva, a equa-
para detecção da diminuição da TFG é a ampla faixa de ção de regressão linear (que indica a relação entre o
variação dos valores de referência utilizados no labora- quociente recíproco da creatinina [l/cr ou cri] e o tempo)
tório clínico. Mesmo quando o estudo destinado a esta- pode ser utilizada para prever a progressão da disfunção
belecer intervalos de referência envolve grande quantidade renal, bem como um tempo aproximado de sobrevida.
de animais sadios, verificam-se "valores normais" em Além disso, a representação gráfica dessa equação de
uma faixa de variação razoavelmente ampla. No Colorado regressão pode ser utilizada para mostrar aos clientes o
State University Veterinary Teaching Hospital, os limi- grau de deterioração da função renal do seu animal de
tes de referência para NUS (cães: de 7 a 28mg/dL; ga- estimação. Alterações da função renal em resposta a mo-
tos: de 17 a 32mg/dL) e para creatinina sérica (cães: de dalidades terapêuticas específicas (por exemplo, altera-
0,9 a 1,7mg/dL; gatos: de 0,9 a 2,lmg/dL) são suficien- ções dietéticas, controle de hipertensão, administração
temente amplos, de modo que o animal pode apresentar de drogas para controle de uremia) também podem ser
importante redução da TFG antes que se detecte azotemia constatadas como "interrupções" nessa linha devido às
(considerando os valores de pacientes saudáveis). Por alterações na inclinação da relação. Desse modo, o quo-
exemplo, caso um cão apresente NUS normal de 7mg/dL, ciente recíproco da concentração de creatinina também
teoricamente é necessária uma redução de quatro vezes é útil como indicador de prognóstico.
na TFG antes que se detecte um aumento fora do inter-
valo de referência. Alguns animais sadios apresentam va-
lores desses índices abaixo do limite inferior da variação
Proporção Nitrogênio da Uréia
de referência; por exemplo, um cão com teor normal de sangüínea:Creatinina
creatinina de 0,5mg/dL teoricamente deve ter redução
de três vezes na TFG antes que se detecte um aumento Em pessoas sadias e naquelas com azotemia não asso-
fora do intervalo de referência. Caso também sejam ciada a fatores extra-renais, a proporção NUS:creatinina
consideradas as influências da dieta, do metabolismo é cerca de 10: 1. Valores superiores a 10: 1 são constata-
endógeno e das vias de excreção extra-renais, fica evi-
dente que as determinações de NUS e de creatinina sérica
não são testes de triagem seguros para o diagnóstico de 20 200
disfunção renal. A relação matemática entre os valores
de NUS ou de creatinina sérica e a TFG parece ser de 15 150
natureza logarítmica ou hiperbólica (Fig. 21.2). Geral- Creatinina
Nitrogênio
mente, considera-se necessária redução de 75% ou mais sérica
100 de uréia
o. na TFG, antes que se possa detectar aumento significa- (mg/dL) 10
ob sangüinea
'D tivo no NUS ou na concentração sérica de creatinina acima (mg/dL)
"i'..;- da variação de referência. Quando a doença renal provo- 5 50
~ ca perda de néfrons funcionais, os remanescentes menos
;2 afetados costumam apresentar hipertrofia compensató- o o
~
cr.
ria. Desse modo, a TFG do néfron aumenta, preservando I I I I I
a TFG geral e mantendo os valores de NUS e creatinina O 25 50 75 100
dentro dos limites de normalidade. Assim, a doença re- TFG (% de normal)
nal pode ter se instalado há muito tempo, sendo possível
haver perda de mais de 75% dos néfrons antes que se Figura 21.2 - Relação idealizada entre creatinina sérica ou
detecte clinicamente a azo temia com base nos métodos nitrogênio de uréia sangüínea e taxa de filtração glome-
de triagem padronizados. Além disso, como a doença renal rular. (TGF).
288 Bioquímica Clínica Aplicada aos Principais Animais Domésticos

aumento em um ou em ambos os íons ocasiona a preci-


pitação de sais de fosfato de cálcio. O aumento na con-
centração plasmática de P, pode resultar em diminuição
recíproca do teor plasrnático de Ca e supressão da 1a-
hidroxilação da I ,2S-hidroxi vitamina D (Fig. 21.4).
Hipocalcemia e menor grau de hidroxilação de 1,2S-0H
vitamina D resultam na liberação de PTH pelas glându-
las paratireóides. O hormônio paratireóideo induz à des-
Uremia terminal mineralização óssea para aumentar o teor de Ca circulante.
O hormônio paratireóideo também aumenta a atividade
de adenilato ciclase no túbulo reto distal (porção final
Tempo (ano) da alça de Henle ascendente); aumento subseqüente na
Tempo previsto
concentração de adenosina monofosfato cíclica ocasio-
para morte
na reabsorção ativa de Ca, facilitada pelo gradiente de
Figura 21.3 - Relação idealizada entre a recíproca da con-
cloro eletrogênico desse segmento. Além disso, o horrnônio
centração sérica de creatinina e o tempo, em um cão com
paratireóideo estimula a l o.-hidroxilação de vitamina D
doença renal progressiva crônica. (Adaptado de Allen TA, nos rins, resultando em uma forma mais ativa de vitami-
Jaenke RS,Fettman MJ. A technique for estimating progression na D, o calcitriol. A vitamina D promove absorção intes-
of chronic renal failure in the dog. J Am Vet Assoc 1987; tinal e reabsorção tubular renal distal de Ca mediante a
190:866-868). estimulação da síntese de proteína que transporta cálcio,
fundamental para a absorção de Ca por essas células
epiteliais. Outro fato importante é o calcitriol inibir a
dos em condições que provocam aumento desproporcional liberação adicional de PTH pela paratireóide. Como o P,
de NUS em relação à redução da TFG. Dentre elas estão é exclusivamente reabsorvido e não secretado pelos rins,
fatores que aumentam a produção de uréia (por exem- o PTH induz ao aumento da excreção urinária de Pi também
plo, maior ingestão de dieta protéica, hemorragia de tra- pela inibição de sua reabsorção nos túbulos proximais renais.
to gastrointestinal superior, catabolismo tecidual), assim A excreção urinária fracionada de Pi geralmente é in-
como aqueles que causam desequilíbrio glomerulotubular ferior a 20%, mas pode aumentar consideravelmente sob
(por exemplo, desidratação, hipovolemia, insuficiência influência do PTH.
cardíaca). Infelizmente, uma associação quantitativa entre
maior proporção NUS:creatinina e efeitos extra-renais Outros Fatores Metabólicos
no grau de azotemia tem sido apenas parcialmente de-
A hiperfosfatemia também pode ser decorrente da redis-
monstrada em cães ou gatos. Dados do Colorado State
tribuição de fósforo nos compartimentos de fluidos intra
University Veterinary Teaching Hospital indicam que
aumentos desproporcionais de NUS que causam propor-
ção NUS :creatinina superior a 30: 1 tendem a ocorrer após
hemorragia do trato gastrointestinal superior. Além dis-
so, em um paciente submetido a avaliações laboratoriais
periódicas durante o tratamento de doença renal, as al-
terações na proporção NUS:creatinina podem ser utilizadas
para verificar o estado de hidratação e avaliar a resposta
ao tratamento de uremia. Em um paciente para o qual se
espera pouca variação na proporção NUS:creatinina, o
aumento desproporcional de NUS pode indicar desidra-
tação ou acúmulo de toxinas urêrnicas e deve-se ao tra-
tamento dietético inadequado ou ao não-cumprimento das
orientações sobre a dieta pelo proprietário.

FÓSFORO INORGÂNICO SÉRICO


Controle Hormonal
o metabolismo de fósforo inorgânico (P) é controlado,
em grande parte, pela sua interação com o cálcio e pela
ação do hormônio paratireóideo (PTH), da calcitonina e
do calcitriol (l,2S-[OHh vitamina D). As concentrações
plasmáticas de cálcio iônico e de fósforo inorgânico ten-
dem a se relacionar diretamente; na verdade, sua solubi-
lidade é definida por uma constante do produto de Figura 21.4-lnterações entre os metabolismos de cálcio, fósforo
solubilidade que depende do pH. Alcalinidade ou grande e calcitriol na doença renal crônica.
Avaliação laboratorial da Função Renal 289

e extracelulares. Lesão celular que resulta na liberação determinações (por exemplo, concentração sérica de
de fosfatos intracelulares, a partir de produtos interme- creatinina). Contudo, pode ser útil na monitoração das
diários do metabolismo fosforilado de alta energia, pode alterações no teor sérico de P, ao longo do tempo para
causar hiperfosfatemia. Desequilíbrios ácido-básicos avaliar a resposta ao tratamento de insuficiência renal
também podem influenciar a distribuição de P, A alcalose crônica (por exemplo, restrição dietética de Pi' forneci-
tem efeito tampão em ácidos produzidos durante o me- mento de calcitriol exógeno). A determinação e a inter-
tabolismo, removendo o produto de inibição do mecanismo pretação da EFp serão discutidas posteriormente junto à
de feedback por prótons no metabolismo intermediário. excreção fracionada de outros eletrólitos.
Isso, por sua vez, possibilita a rápida formação de me-
diadores fosforilados e a absorção de mais P, pelas células. ESTIMATIVA DA TAXA DE FILTRAÇÃO
A acidose tem efeito oposto, bloqueando as vias meta-
bólicas pelo acúmulo de produtos finais ácidos e inibin- GLOMERULAR POR MÉTODOS QUE
do a absorção celular de P, O fósforo liberado pelos ossos REQUEREM COLETA DE URINA
tem importante função no tamponamento do excesso de
Em pacientes com ou sem azotemia, mas que apresen-
ácido no organismo. Sabendo-se o produto de solubilidade
tam outros sinais clínicos de doença renal (por exemplo,
pH-dependente da relação entre Ca e Pi' não surpreende
proteinúria persistente, menor capacidade de concentra-
o fato de que a acidificação induza desmineralização óssea,
ção de urina), pode ser útil a determinação da "depuração"
que por sua vez disponibiliza mais tampão fosfato para
para estimar a TFG ou o fluxo plasmático renal efetivo
neutralizar o ácido. Além disso, o fosfato representa a
(FPRE). Geralmente esse exame é realizado apenas de-
principal fonte de "acidez titulável" nos túbulos renais,
pois que outros testes de triagem indicarem a possibili-
atuando como aceptores de prótons em que as células
dade de disfunção renal. O exame da depuração requer
tubulares secretam ativamente ácido à urina. O ácido
mais tempo e gastos analíticos; além disso, pode haver
fosfórico é utilizado por alguns fabricantes de alimentos
necessidade de administração de uma substância quími-
comerciais destinados aos animais de estimação com
ca exógena. No entanto, os resultados quantitativos as-
intuito de propiciar fósforo dietético e acidificação de
sim obtidos são mais confiáveis do que aqueles de alguns
alimentos de gatos para evitar distúrbios no trato urinário
testes de triagem; sendo assim, sua avaliação periódica
inferior de felinos.
pode propiciar uma estimativa mais precisa sobre a evo-
Como a excreção urinária de P, depende de filtração
lução da doença em determinado paciente.
:5; glomerular e reabsorção tubular, as reduções no fluxo
Seja qual for o método empregado, o objetivo é o mes-
~ sangüíneo renal e na TFG freqüentemente resultam em
mo. Para avaliar a TFG, utiliza-se uma substância que,
~ hiperfosfatemia. Do mesmo modo, quando há ruptura de
uma vez presente na circulação sistêrnica, é eliminada
J:; bexiga, o P, excretado na urina é reabsorvido no abdô-
apenas por meio de filtração glomerular. Para estimar a
~ men e retorna ao sangue, provocando hiperfosfatemia,
FPRE, utiliza-se uma substância que, quando presente
~ que também pode ser decorrente de ingestão excessiva na circulação sistêrnica, é totalmente eliminada por fil-
de fósforo. Em todos os casos, a hiperfosfatemia pode tração glomerular e secreção tubular. Os métodos que
induzir, secundariamente, hipocalcemia e hipocalcitrio- requerem coleta de urina total quantitativa ao longo de
lemia, que, por sua vez, estimulam a liberação de PTH. um determinado período permitem o cálculo da depura-
Assim, a retenção de quantidade excessiva de Pi ocasiona ção a partir da seguinte fórmula: sendo a substância "X"
duas formas de hiperparatireoidismo secundário: renal, excretada apenas por filtração glomerular, então Cx =
induzido pela hiperfosfaternia causada pela menor excreção TFG; caso a substância "X" seja excretada por filtração
de Pi' e nutricional, induzido pela hiperfosfatemia cau- glomerular e secreção tubular, então Cx = FPRE. Assim:
sada pela maior ingestão de fósforo. Em ambas as situa-
ções, o PTH induz desmineralização óssea com intuito
de restabelecer os teores sanguíneos de Ca, resultando
em osteopenia e doença óssea metabólica (Fig. 21.4). em que Cx representa a depuração (mL/kg/min) da subs-
tância "X"; Ux indica a concentração urinária (mg/mL)
Doença Renal da substância "X"; V corresponde ao volume de urina
(mL/kg/min) coletada em um determinado período; e
As respostas endócrinas envolvidas no hiperparatireoi- Px representa a concentração plasmática (mg/ml.) da
dismo secundário renal conseguem manter a concentra- su bstância "X".
ção sérica de P. dentro de limites relativamente normais Os dois métodos mais empregados para calcular a TFG
durante algum tempo; acredita-se que deve haver perda são os testes tradicionais de depuração de creatinina
de aproximadamente 85% da TFG antes que se instale "endógeno" e "exógeno".
hiperfosfatemia persistente. Desse modo, o início de hiper-
fosfatemia pré-renal ou renal não é um parâmetro muito
sensível para detectar a redução na TFG. A excreção
Depuração de Creatinina Endógena
fracionada de Pi (EFp) tem sido determinada em razão Para o estudo da depuração de creatinina endógena, ini-
de sua capacidade de detectar alterações na função re- cialmente realiza-se a cateterização da bexiga para eli-
nal; entretanto, não é um teste tão sensível quanto outras minar toda a urina preexistente. Em seguida, o animal é
290 Bioquímica Clínica Aplicada aos Principais Animais Domésticos

colocado em uma gaiola metabólica que possibilita a coleta CÁLCULO DA TAXA DE FILTRAÇÃO
total de urina excretada durante o tempo determinado
para a avaliação da depuração. Normalmente a urina é GLOMERULAR E DO FLUXO
coletada ao longo de 24h e uma única amostra de sangue PLASMÁTICO RENAL EFETIVO SEM so/'
é obtida no meio ou no final do teste. Determina-se o
teor de creatinina na urina e no soro; calcula-se a depu-
NECESSIDADE DE COLETA DE URINA ~
~
~
ração para estimar a TFG. Para eliminar o procedimento tedioso e os riscos de erro O-
Cromogênios não relacionados à creatinina podem da coleta de urina para determinar a TFG e o FPRE nos 00 o-

interferir na determinação de creatinina pelo método do protocolos mais recentes, utilizando injeção única de um \o
picrato alcalino. Como a concentração urinária da maio- soluto marcador exógeno, obtêm-se amostras de sangue
ria dos cromogênios não associados à creatinina presen- seriadas para determinar farmacocineticamente o desa-
tes no soro (por exemplo, piruvato, ácido acético, ácido parecimento do soluto, sem necessidade da coleta simul-
acetoacético, ácido ascórbico, glicose, proteína, ácido úrico) tânea de urina (Fig. 2l.5). Inicialmente, esses métodos
é geralmente baixa, o denominador da fórmula para o cálculo foram desenvolvidos com solutos marcadores radioati-
da depuração, descrita anteriormente para avaliar a TFG, vos que podiam ser administrados por via intravenosa
pode ser falsamente alto e os valores para a depuração de em quantidade mínima, detectando-se concentração
creatinina endógena de Jaffé podem subestimar a TFG. mínima com muita precisão em volume muito pequeno
de amostras de sangue seriadas.
Depuração de Creatinina Exógena
Método de Duplo-isótopo
Para obter a depuração de creatinina exógena, injeta-se
uma solução de creatinina (50mg/mL) por via subcutâ- com Injeção Única
nea na dose de 75 a 100mg/kg; por uma sonda estomacal Tem-se calculado o FPRE a partir da avaliação do desa-
administra-se um volume de água correspondente a apro- parecimento do ácido orgânico 13lI-iodoipurato de sódio
ximadamente 3% do peso corporal. Realiza-se a catete- ou da base orgânica 3H-brometo de tetraetilamônio. Essas
rização da bexiga, esvaziando-a após um período de duas substâncias são filtradas nos glomérulos e secretadas
equilíbrio de 40 a 60min; as coletas de urina são reali- por transporte ativo nos túbulos proximais renais; são
zadas em intervalos de 20min. As amostras de sangue totalmente depuradas do sangue a cada vez que passam
são obtidas no início de cada período de coleta; determi- nos rins. A TFG tem sido calculada a partir da avaliação
na-se o teor de creatinina na urina e no soro e calcula-se do desaparecimento de 125I-iotalamato de sódio ou
a depuração para estimar a TFG. Como a hidratação in- 14C-inulina do plasma, ambas excretadas pelos rins por
fluencia o FPRE e a TFG e como o estado de hidratação meio de filtração glomerular. Emissores de partículas gama
não pode ser precisamente determinado com base no exame (por exemplo, compostos iodados) ou de partículas beta (por
físico do animal, os protocolos de depuração devem ser exemplo, 3H, 14C) podem ser administrados ao mesmo
padronizados em relação à administração oral de volu- tempo, de modo que a TFG e o FPRE possam ser deter-
me consistente de fluido para corrigir um possível défi- minados simultaneamente por meio da análise farmaco-
cit e induzir produção de volume razoável de urina durante cinética de suas curvas de desaparecimento após exame
o estudo da depuração. Trabalho recente indica que o cintilográfico de amostras de plasma. As avaliações si-
fornecimento de 30mL de f1uido/kg, por via oral, propi- multâneas de TFG e FPRE por tais métodos são muito
cia valores de TFG estáveis em três intervalos de coleta precisas; além disso, possibilitam a determinação dafra-
de 20min após a administração de creatinina exógena. ção defiltração, outro parâmetro de avaliação da função
A creatinina exógena é administrada para aumentar renal. A fração de filtração corresponde ao volume de
artificialmente a concentração sérica de creatinina em sangue que chega aos rins e que é verdadeiramente fil-
relação ao teor de cromogênios não associados a ela e trado nos glomérulos. Alteração na fração de filtração
para aumentar o conteúdo de creatinina excretada na urina pode indicar desequilíbrio glomerulotubular, no qual as
a fim de minimizar o risco de erro em sua quantificação taxas de perda das funções glomerulares e tubulares são
urinária. Uma pesquisa comparativa entre o valor obtido desiguais; podem refletir a patogênese particular de doença
na depuração de inulina (um marcador sintético para renal em um determinado paciente. Esse método requer
determinação da TFG) e os estudos sobre a depuração mais tempo, mas é altamente preciso e útil em hospital-
de creatinina, como naqueles em que se utiliza o método escola de referência.
do picrato alcalino ou da creatininase, mostraram que o O teste de desaparecimento da emissão gama do áci-
método enzimático propicia resultado mais confiável. do 99mTc-dietilnetriaminopentacético (99mTc-DTPA) do
Devido a um relato publicado, indicando que a redução plasma foi validado recentemente para a determinação
da massa renal de cães machos induz maior secreção da TFG em cães e gatos. Além disso, a TFG pode ser
tubular de creatinina, tem-se comparado experimental- determinada por método não invasivo mediante cintigrafia
mente os resultados da depuração de creatinina exógena renal quantitativa, utilizando uma câmara gama para ima-
e de inulina, simultaneamente, para validar a depuração gem nuclear dos rins em vários momentos após a admi-
de creatinina como uma estimativa da TFG. A propor- nistração intravenosa de 99mTc-DTPA. Esse é um método
ção de depuração creatinina:inulina não é influenciada não invasivo rápido e confiável que se mostra muito pro-
pelo grau de disfunção renal. missor; no entanto, requer equipamento e treinamento
Avaliação laboratorial da Função Renal 291

especializados. Atualmente, está disponível apenas em 100


instituições de referência.

Métodos que Não Utilizam Isótopos Taxa de filtração glomerular


o 80 determinada pelo soluto
Embora métodos de depuração que utilizam radioisótopos "O

não sejam utilizados na rotina clínica, eles têm contri- e


:J
depurado por filtração
Q. glomerular
buído muito no esclarecimento da fisiopatologia da doença <li~
"Oru
renal e da farmacocinética de solutos excretados pelos o'u 60
rins. No entanto, o mais importante é que eles têm pro- ~
o •...
:~
piciado o desenvolvimento de métodos de depuração mais V> o
<liru
práticos que não utilizam radioisótopos e que empregam "O > Fluxo plasmático renal efetivo
uma única injeção, sem necessidade de coleta de urina, «o
o o "O
determinado pelo soluto
U" 40 depurado por secreção tubular
para avaliação quantitativa da TFG na rotina clínica. +"~
~~
Em um método recentemente desenvolvido, utiliza- c::
<li
u
se uma injeção intravenosa de ioexol, um contraste uti- c::
o
lizado para obtenção da imagem renal, como soluto de u
excreção para determinação da TFG. Administra-se um 20
bolo único (600mg/kg); as amostras de sangue seriadas
são obtidas em intervalos de 30 a 60min durante 6h. Um
instrumento analítico especializado é utilizado para de-
terminar o teor de ioexol nas amostras de plasma por
o 10 20 40 60 90 120 150
meio de raios X de fluorescência. Em seguida, os valo- Tempo (min)
res obtidos são aplicados a um programa de análise farma-
cocinética padrão, calculando-se a taxa de excreção. Como Figura 21.5 - Típica curva de desaparecimento de soluto na
o ioexol não é radioativo, o estudo da depuração pode depuração renal. (Adaptado de Fettman MJ, Allen TA, Wilke
ser realizado na clínica e as amostras de plasma envia- WL, Radin MJ, Eubank Me. Single-injection method for
das para um laboratório de referência para que sejam feitas evaluation of renal function with 14(-insulin and 3H-tetraethy-
as análises químicas e matemáticas. lammonium bromide in dogs and cats. Am J Vet Res 1985;
Como alternativa, pode-se administrar um único bolo 46:482-485).
de 20mL de uma solução de inulina a 5% (peso/volume)
dissolvida em solução salina normal como soluto marcador.
intravenosa; as amostras de sangue são obtidas em inter-
As amostras de sangue são obtidas em intervalos de 15min
valos de 30min durante 2h. Após a determinação dos teores
durante um período de 1 a 2h para determinar o teor de
de sulfanilato do sangue, calcula-se o tempo necessário
inulina pela técnica colorimétrica da antro na, pouco prática,
para a remoção de 50% do corante do sangue. A fase de
ou pelo teste enzimático da inulinase, recentemente dispo-
excreção da inulina ou creatinina parece iniciar 90 a 120min
nível. Do mesmo modo, como a inulina não é radioativa,
o teste de depuração pode ser realizado na clínica e as após a administração. Desse modo, pode-se determinar
amostras de plasma enviadas para um laboratório de a meia-vida da creatinina ou inulina em pequeno núme-
referência para que se façam as análises químicas e ma- ro de amostras de sangue obtidas em intervalos de 15 e
temáticas. 30min após esse momento; a meia-vida pode ser avalia-
Por fim, um método que se mostra muito promissor da, comparativamente, com valores de referência publi-
corresponde à modificação do tradicional teste de depu- cados ou periodicamente obtidos de determinado paciente
ração de creatinina exógena, no qual a creatinina é ad- com intuito de avaliar a evolução da doença ou a respos-
ministrada na forma de um bolo de 88mg/kg, e se determina ta terapêutica. Na verdade, um estudo mostrou que é
a sua concentração sérica (de preferência pelo método suficiente uma única dosagem plasmática de inulina 75min
da creatininase) 30, 60, 120, 180 e 240min após a inje- após a administração intravenosa de 1.000mg desse pro-
ção. Como a creatinina não é radioativa e sua análise é duto para predizer a depuração de creatinina exógena
facilmente disponível em qualquer laboratório de refe- farmacologicamente determinada (Fig. 21.6). Desse modo,
O'> rência, o teste de depuração pode ser realizado na clíni- pode-se fazer uma única determinação do teor plasmático
00 de qualquer soluto exógeno, em amostras seriadas, para
'D
"?
ca e as amostras de plasma enviadas a um laboratório de
7 referência para que sejam feitas as análises químicas e avaliar a evolução da disfunção renal de um paciente ao
~ matemáticas. A partir de parâmetros farrnacológicos, como longo do tempo. Contudo, tal procedimento propicia apenas
~ aqueles obtidos em métodos de injeção única mais re- uma ligeira vantagem em comparação aos exames se-
00
s:; centes, um método muito mais antigo, que emprega uma riados de valores l/cr ao longo do tempo.
única injeção intravenosa de sulfanilato de sódio para
determinar a meia-vida como um índice de TFG, pode CAPACIDADE DE
ser modificado para o uso com outros solutos mais facil- CONCENTRAÇÃO URINÁRIA
mente analisados (por exemplo, creatinina). No método
de sulfanilato de sódio original, administra-se a dose de Foram discutidos vários métodos de detecção de disfun-
0,20mLlkg de uma solução peso/volume a 10%, por via ção na excreção renal. Neste item serão abordados métodos
292 Bioquímica Clínica Aplicada aos Principais Animais Domésticos

meiro representa uma medição verdadeira do peso do


650 fluido, enquanto o segundo se baseia na relação física
entre a refração da luz por um fluido e o conteúdo de
u
ro o Normal
soluto presente na solução. No entanto, a variação na
+-'
-ro • Doente temperatura da amostra e a natureza química dos solutos
E
V>
ro~ podem influenciar a exatidão do valor da densidade obtido
-Q. .-c
por refratometria. Além disso, a densidade específica
ro E
"D ~ apenas estima a real capacidade de concentração urinária,
's
,;, pois considera apenas o conteúdo de soluto mais pelo
~
<li
-150 • peso do que pelo número absoluto de partículas osmoti-
camente ativas na solução, o que representa a real con-
I~ centração osmótica, como acontece na função renal. Por
I I • exemplo, lmOsm de uréia pesa 28mg, enquanto I mOsm
O -2 5 de glicose pesa 180mg. Portanto, pesos equivalentes de
Depuração de creatinina uréia e glicose teriam uma diferença de seis vezes na
exógena (mL/min) atividade osmótica. Por outro lado, como a refração da
luz também é influenciada pelo tamanho das moléculas
Figura 21.6 - Relação entre a depuração de creatinina exógena e pelo índice de refração de solutos individuais, cada soluto
e a meia-vida, em cães sadios (círculos abertos) e em cães exerce um efeito diferente na densidade específica de-
com doença renal (círculos fechados). (Adaptado de Labato terminada pela refratometria. Relata-se que a adição de
MA, Ross LA. Plasma disappearance of creatinine as a renal 1,47mg de NaCl, 3,6mg de uréia, 2,7mg de glicose ou
function test in the dog. Res Vet Sci 1991;50:253-258).
4,Omg de albumina a lmL de água aumenta a densidade
específica em 0,001.

para detectar alteração na excreção renal de "água livre",


geralmente denominada "capacidade de concentração". Sensibilidade para Detecção
Muitas vezes, a capacidade dos rins em concentrar urina de Disfunção Renal
é considerada um parâmetro preciso na avaliação da função
renal; acredita-se que seja um dos sinais mais precoces o aumento do gradiente de concentração medular renal
''"o-"
00

da doença renal, freqüentemente notado antes do apare- por solutos determina o gradiente osmótico para a re-
cimento dos sinais de azotemia. Em cães, a perda da cuperação de água nos túbulos coletores durante a for-
capacidade de concentração urinária se manifesta após mação de urina. Desse modo, a determinação direta da
nefrectomia de dois terços do órgão; nota-se azo temia osmolalidade urinária por meio da elevação do ponto de
clinicamente detectável apenas após a perda de, aproxi- vapor ou da depressão do ponto de congelamento é um
madamente, 75% da TFG, que pode representar uma perda valor mais preciso a respeito da capacidade de concen-
da quantidade total de néfrons em torno de 90%, com tração osmótica dos rins do que a determinação da den-
hipertrofia funcional dos néfrons remanescentes. sidade específica. A comparação matemática entre a densi-
As principais causas de perda da capacidade de con- dade urinária e a osmolalidade revela uma associação
centração urinária incluem vários outros distúrbios ex- muito estreita, mas o limite de confiança para um único
tra-renais clinicamente importantes que não causam doença valor de osmolalidade como prognóstico para uma densi-
renal, mas que prejudicam a manutenção do gradiente dade específica é muito amplo. Em um estudo, uma den-
da concentração medular ou a resposta renal à vasopressina sidade específica de 1,005 correspondeu à osmolalidade
(Tabela 21.1). Assim, embora a constatação de azotemia de 185 mOsmJkg; no entanto, o intervalo de confiança de
e de densidade urinária inadequadamente baixa, simul- 95% variou de O a 380 mOsmlkg. Essa variação é muito
taneamente, sejam consideradas indicadores de doença ampla para ser utilizada de maneira confiável na avalia-
renal, deve-se também levar em conta, no diagnóstico ção da função renal.
diferencial, a possibilidade de distúrbios secundários
Considera-se que densidade urinária em torno de 1,010
oriundos de desequilíbrios eletrolíticos ou endócrinos ou
(com variação de 1,008 a J ,012) representa urina isoste-
de efeitos de medicamentos.
núrica (isto é, concentração semelhante àquela da filtra-
ção glomerular); valores inferiores a este indicam diluição
Densidade Específica da urina e valores superiores, urina concentrada. Em
humanos, os rins normais são capazes de concentrar urina
versus Osmolalidade em uma densidade específica de 1,025 ou mais. A capa-
Densidade urinária específica é o método de triagem mais cidade máxima de concentração urinária em humanos é
utilizado para detectar alterações na capacidade de con- de aproximadamente 1,040, enquanto em cães é 1,060,
centração da urina. A densidade específica corresponde ou mais, e em gatos é 1,080, ou mais. Assim, em huma-
à densidade de um fluido (isto é, a proporção do peso nos, uma densidade urinária de 1,025 provavelmente indica
deste fluido em relação a igual volume de água); pode melhor função tubular renal do que em cães e gatos. Como
ser determinada por gravimetria ou refratometria. O pri- evidência de concentração renal aceitável, geralmente
Avaliação laboratorial da Função Renal 293

Tabela 21.1 - Principais causas de perda da capacidade de concentração urinária

Doença Mecanismo
Diabetes insípido pituitário Produção deficiente de vasopressina
Diabetes insípido nefrogênico primário Deficiência congênita de resposta renal à vasopressina
Diabetes insípido nefrogênico adquirido Deficiência adquirida de resposta renal à vasopressina
Antagonismo da ação da vasopressina Efeitos diretos, que também podem ser acompanhados de:
Hipercalcemia Fluxo sangüíneo medular renal alterado
Prejuízo à reabsorção de sódio
Nefropatia hipercalcêmica

Hipocalemia Fluxo sangüíneo medular renal alterado


Nefropatia caliopênica

Hipomagnesemia Fluxo sangüíneo medular renal alterado


Prejuízo à reabsorção de potássio

Glicocorticóides Prejuízo à liberação de vasopressina


Fluxo sangüíneo medular renal alterado
Prejuízo à reabsorção de potássio

Perda de gradiente de concentração medular renal Prejuízo à reabsorção de água independentemente da ação da
Hiponatrem ia vasopressina
Hipocloremia
Sobrecarga de fluido
Polidipsia psicogênica

Distúrbios endócrinos
Acromegalia Antagonismo da insulina pelo hormônio do crescimento,
causando hiperglicemia, glicosúria e diurese osmótica
Diabetes melito Hiperglicemia, glicosúria e diurese osmótica
Hipoad renocorticismo Prejuízo à reabsorção de sódio
Hiperad renocorticismo Efeitos do excesso de glicocorticóides
Hiperparatireoid ismo Efeitos da hipercalcemia
Hipertireoidismo Efeitos do excesso de hormônios de tireóide

Doença renal primária Efeitos do prejuízo funcional ou morfológico primário dos rins,
que também podem estar acompanhados de:
Insuficiência renal crônica Diurese osmótica em néfrons remanescentes
Insuficiência renal aguda não oligúrica Prejuízo à reabsorção de sódio
Fluxo sangüíneo medular renal alterado
Prejuízo à sensibilidade da vasopressina

Pielonefrite Fluxo sangüíneo medular renal alterado


Antagonismo da vasopressina por toxinas bacterianas

Síndrome de Fanconi (glicosúria renal primária) Diurese osmótica


Prejuízo à reabsorção de sódio
Diurese pós-obstrutiva Diurese osmótica
Fluxo sangüíneo medular alterado
Prejuízo à reabsorção de sódio

Induzida por medicamentos


Anticonvulsivantes Antagonismo à vasopressina
Intoxicação por calcitriol Nefropatia hipercalcêmica
Diuréticos Prejuízo à reabsorção de sódio

(Continua)
294 Bioquímica Clínica Aplicada aos Principais Animais Domésticos

Tabela 21.1 - Principais causas de perda da capacidade de concentração uriná ria (continuação)

Doença Mecanismo

Diabetes insípido nefrogênico adquirido (cont.)


Induzida por medicamentos
Glicocorticóides Prejuízo à liberação de vasopressina
Fluxo sangüíneo medular renal alterado
Prejuízo à reabsorção de potássio
Lítio Antagonismo à vasopressina
Metoxiflurano Intoxicação por fluoreto
Antagonismo à vasopressina
Suplementação de sais de sódio Diurese osmótica
Intoxicação por hormônio da tireóide Fluxo sangüíneo medular alterado
Efeitos da hipocalemia
Causas Diversas
Insuficiência hepática Menor síntese de uréia e perda do gradiente de concentração
medular renal
Menor metabolismo de hormônios, como glicocorticóides
Hipocalemia
Piometra Antagonismo à vasopressina por toxinas bacterianas
Glomerulonefrite imunomediada

considera-se urina concentrada quando a densidade especí- de azotemia ou na detecção de anormalidades na com-
fica for superior a 1,030 em cães e a 1,035 em gatos. Em posição da urina. Por exemplo, a diferenciação entre
um estudo, relata-se que cães sadios privados de água azotemia pré-renal e renal é fundamental nos casos em
por 72h concentravam urina em densidade específica de, que a capacidade de concentração da urina estiver pre-
aproximadamente, 1,060. A osmolalidade urinária cor- judicada devido a anormalidades extra-renais no con-
respondente era cerca de 2.300 mOsmlkg e a UOsm:POsm trole do equilíbrio de eletrólitos e incapacidade de
máxima (isto é, a proporção osmolalidade da urina:os- manutenção do gradiente de concentração medular re-
molalidade do plasma) era de, aproximadamente, 7,5: I. nal. Insuficiência renal aguda é definida como deterio-
Em gatos, pode ocorrer redução significativa na TFG e ração súbita da função renal e conseqüente retenção de
no FPRE, resultando em azotemia clinicamente detectável resíduos de produtos nitrogenados, além de perda da ca-
antes da perda da capacidade de concentração da urina. pacidade de controle do equilíbrio entre soluto e água.
Gatos sadios avaliados antes e após nefrectomia pardal Embora tradicionalmente a oligúria seja considerada a
(58 a 83%) concentravam urina em osmolalidade de, apro- principal característica de insuficiência renal aguda, há
ximadamente, 2.300 mOsmlkg e 1.950 mOsmlkg, antes relatos cada vez mais freqüentes de insuficiência renal
e após nefrectomia, respectivamente. aguda não oligúrica em pessoas e animais.
Para avaliação da função renal, pode-se realizar o teste Ainda não se sabe ao certo sobre o mecanismo etiológico
de privação de água para induzir a máxima concentração da deficiência de concentração da urina que ocorre na
urinária. Para evitar insuficiência renal aguda iatrogênica, insuficiência renal aguda não oligúrica. Essa síndrome é
esse teste não deve ser realizado em animais desidrata- uma manifestação de desequilíbrio glomerulotubular, na
dos ou azotêmicos. O peso corporal deve ser monitorado qual há menor função glomerular, menor TFG e azotemia.
e o teste deve ser concluído quando a densidade urinária No entanto, a produção de urina é mantida com graus
alcançar valores de 1,025 a 1,035; a UOsm:POsmatingir variáveis de perda de funções tubulares particulares,
valor de 3: 1, ou mais; a osmolalidade plasmática supe- principalmente a capacidade de concentração urinária e
rar 320 mOsmlkg; houver azotemia; ou houver diminui- de reabsorção de eletrólitos. Caso o paciente com azotemia
ção do peso corporal em até 5%, ou mais, devido à aguda produza urina, ela pode ser analisada pelos méto-
desidratação. dos físico-químicos e microscópicos tradicionais, con-
forme descrito na urinálise de rotina. Em alguns casos,
EXCREÇÃO URINÁRIA as alterações do sedimento urinário podem ser ambíguas
ou indetectáveis; além disso, pode não haver proteinúria.
FRACIONADA DE ELETRÓLlTOS Em outros, as causas de densidade urinária inadequada-
mente baixa podem incluir fatores extra-renais indutores
Definição e Cálculo
de depleção de cloreto de sódio e conseqüente perda do
O cálculo da excreção fracionada de eletrólitos pode ser gradiente de concentração medular renal ou de depleção
útil na diferenciação entre causas renais e extra-renais de potássio, resultando em túbulos coletores que não
Avaliação laboratorial da Função Renal 295

respondem ao hormônio antidiurético. Nesses casos, o Tabela 21.2 - Variações dos índices para diagnóstico
cálculo da excreção fracionada de eletrólitos, como sódio de azotemia em três grupos de eqüinos
(EFNa), é um teste confiável para diagnóstico de disfun-
índice Azotemia Azotemia Eqüinos
ção tubular renal. A excreção urinária fracionada de um
diagnóstico pré-renal renal normais
soluto é calculada utilizando a fórmula apresentada a seguir
após o exame de amostras de sangue e de urina aleató- Osmolalidade da
rias, mas coletadas simultaneamente: urina (mOsm/kg) 458 - 961 226 - 495 727 - 1.456
U/Posm 1,7 - 3,4 0,8 - 1,7 2,5 - 3,4
U/P uréia 15,2 - 43,7 2,1 - 14,3 34,2 - 100,8
U/P creatinina 51,2 - 241,5 2,6 - 37,0 2- 344,4
EFx corresponde à excreção fracionada da substância ou EFNa 0,02 - 0,50 0,80 - 10,10 0,01 - 0,70
do soluto "X"; Ux representa a concentração urinária
(mg/mL) do soluto "X"; Px corresponde ao teor plasmá- Reproduzido de Grossman BS, Brobst DF, Kramer JW, Bayly
tico (mg/mL) da substância "X"; Percorresponde ao teor WM, Reed SM. Urinary indiees for differentiation of preneral
plasmático (mg/mL) de creatinina e Uer representa a azotemia and renal azotemia in horses. J Am Vet Med Assoe
1982; 180:284-288.
concentração urinária (mg/mL) de creatinina. Essa fórmula
simplesmente representa uma transformação aritmética
do cálculo da depuração urinária da substância "X" di-
vidida por aquela da creatinina. Desse modo, a excreção dos com dieta peletizada à base de feno e alfafa (- 2,25%
fracionada indica quantitativamente a excreção de "X" de K na MS) a EFK pode ser de 100 a 180%. Em Ihamas
em relação à TFG. alimentadas com dieta à base de feno misto (- 0,22% de
K na MS) ou feno de gramínea (- 0,12% de K na MS)
a EFK pode ser de 45 a 125%.
Excreção Fracionada de Sódio Em gatos sadios alimentados com dieta com restrição
de potássio, a EFK diminui rapidamente para valores abaixo
Na maioria das espécies que geralmente recebem dieta
de 5%. Em gatos com síndrome nefropatia-polimiopatia
com teor moderado de sódio, os rins costumam reabsorver
99%, ou mais, do sódio filtrado pelos glomérulos; con- caliopênica felina, a EFK encontra-se patologicamente
seqüentemente, a EFNa normal é inferior a 1,0%. Distúr- aumentada devido ao grau de hipocalemia (~65%) e
bios que afetam a função tubular renal resultam em retoma ao normal apenas depois do tratamento da defi-
aumento patológico da taxa de sódio filtrado, mas não ciência dietética de potássio e da acidose metabólica, ca-
reabsorvido, EFNa superior a 1,0%. Há exceções apenas racterísticas desse distúrbio.
em condições relativamente raras, inclusive:
Excreção Fracionada de Fósforo
• Avidez por sódio em situação na qual se adotou res-
trição dietética de sódio para controlar hipertensão A EFp tem sido avaliada nas insuficiências renais aguda
sistêmica, resultando na diminuição do FPRE e no au- e crônica. Em ovinos com nefrotoxicose experimental-
mento da reabsorção de sódio, desproporcional ao te- mente induzida por gentamicina, notou-se maior aumento
cido tubular funcional remanescente. na EFp em comparação ao que foi obtido na EFNa e EFK;
• Obstrução intratubular, em que pigmentúria ou con- contudo, não propiciou vantagem diagnóstica adicional
traste radiográfico induz à redução no fluxo tubular, na detecção de disfunção tubular renal. Em cães com
facilitando a reabsorção de sódio. insuficiência renal crônica, a EFp aumenta em resposta
• Desequilíbrio glomerulotubular, no qual a lesão glome- ao hiperparatireoidismo secundário renal. No entanto, no
rular excede a disfunção tubular de modo que a re- diagnóstico de insuficiência renal crônica, o aumento da
cuperação do sódio fracionado pareça normal. EFp (> 20%) tem menor valor diagnóstico do que o au-
mento no teor sérico de creatinina devido à sua baixa
Em um estudo sobre parâmetros de diagnóstico de relação quantitativa com a TFG; desse modo, a EFp não
azotemia em eqüinos, as alterações na osmolalidade é muito sensível nem específica. Todavia, sua monitora-
urinária, nas proporções UOsm:P Osrn> U uréia:P uréia" eU er:Per ção pode ser útil na avaliação da resposta ao tratamento
~ e na EFNa foram mais evidentes na azotemia renal do
de insuficiência renal crônica (por exemplo, restrição
~ que na azotemia pré-renal (Tabela 21.2).
'<t
dietética de Pi, suplementação exógena de calcitriol).
N

l";-
V)
00
00 Excreção Fracionada de Potássio Alterações Temporais
r--
O'>
Os valores de referência para excreção urinária fracionada Comparadas à Azotemia
de outros eletrólitos são mais variáveis devido à maior
influência do consumo de componentes da dieta na taxa Em cães com nefrotoxicose experimentalmente induzida
de excreção. Por exemplo, em gatos alimentados com por gentamicina, a EFNa aumenta em um período de 6 a
dieta comercial típica (- 0,65% de K na matéria seca [MS]), 8 dias, e a EFK se eleva de 4 a 6 dias. Essas alterações
a EFK varia de 5 a 20%, enquanto em ovinos alimenta- ocorrem após a diminuição significativa na excreção de
296 Bioquímica Clínica Aplicada aos Principais Animais Domésticos

creatinina endógena e o aumento na concentração sérica


de creatinina, mas são úteis na localização da causa de
I
azotemia nos rins e na identificação de disfunção tubular rn o
u o..õ]
renal. Em cães experimentalmente intoxicados com etile- . c::
·ClJ ro '"
noglicol, nota-se aumento da EFNa em até 3h após a inges- Vl::::J ro QJ
rn'O ~."'O
C"" - o·
tão do anticongelante, bem antes dos sinais iniciais de .- 01 ro '"
azotemia (Fig. 21.7). Infelizmente, o aumento da excre- .~ E
+-'~
6
l.D
QJ
_.
rn Creatinina _:::l
ção fracionada de alguns eletrólitos nem sempre indica ClJ ;:;" (,Q

doença renal. Pode haver aumento iatrogênico da excreção


Li o ro
_ Vl
.-+
QJ>
fracionada decorrente da administração exógena de flui- o
do e eletrólitos. Aumentos na excreção fracionada de sódio,
potássio e fósforo também foram constatados em cães por-
i 3: ••
O 12 24 72
tadores da síndrome de Fanconi, porém sem azotemia Excreção fracionada de sódio (%)
detectável devido à deficiência de transporte tubular sele-
tivo característico dessa síndrome. Por outro lado, espe- Figura 21.7 - Creatinina sérica e excreção fracionada de sódio
ra-se aumento da EFNa durante a instalação de hiponatremia em cães com nefrotoxicose experimental induzida por
em cães com hipoadrenocorticismo, talvez mesmo antes etilenoglicol. (Adaptado de Dial SM; Thrall MA, Hamar DW.
do início da azotemia ou de complicações renais secun- Efficacy of 4-methylpyrazole for treatment of ethylene glycol
intoxication in dogs. Am J Vet Res 1994;55:1762-1770).
dárias. Além disso, a associação entre excreção fracionada
de eletrólitos e sua excreção urinária em 24h nem sempre
é suficientemente elevada para justificar o uso do teste de
excreção fracionada em substituição ao exame completo a excreção urinária fracionada de eletrólitos ou a filtra-
do equilíbrio mineral. A hipertrofia compensatória dos ção glomerular de resíduos nitrogenados.
néfrons remanescentes em animais com insuficiência renal Duas das enzimas mais empregadas na detecção de
crônica pode ocasionar aumento da excreção fracionada enzimúria clínica incluem y-glutamiltransferase (GGT)
de eletrólitos à medida que diminui a excreção de creatinina e N-acetil-~-D-glicosaminidase (NAG). A GGT urinária,
e aumenta a carga de eletrólitos em néfrons individuais. enzima de membrana semelhante à GGT produzida no
Embora não seja incomum o aumento da EFK' é raro epitélio biliar hepático, é específica para lesão tubular
ocorrer um aumento significativo na EFNa, mesmo em renaL A NAG urinária, enzima lisossômica produzida por
casos de insuficiência renal crônica razoavelmente avan- vários tecidos, não é filtrada na urina, mesmo quando há
çada. Assim, o aumento da EFNa em um animal com doença aumento da liberação extra-renal de NAG no sangue.
renal crônica documentada pode indicar insuficiência renal Portanto, aumento na atividade de NAG urinária é espe-
"crônica aguda" (a exacerbação aguda se sobrepõe à doença cífico de lesão tubular renal. A excreção urinária de GGT
renal preeexistente). e NAG pode ser avaliada em amostras aleatórias de uri-
na, associando a atividade enzimática à concentração
urinária de creatinina (U/mg de creatinina), ou em amostra
ENZIMÚRIA de urina obtida para determinação de excreção da enzima
em 24h. A atividade urinária de GGT é preservada du-
Origem e Sensibilidade rante a refrigeração, mas pode se perder, em parte, du-
Rotineiramente faz-se a triagem de lesões orgânicas por rante o congelamento. A atividade urinária de NAG parece
meio da avaliação da atividade sérica de enzimas espe- estável ao congelamento a -20°C por longo tempo. Os 'D
cíficas de determinados tecidos, liberadas na circulação métodos comerciais disponíveis para determinação da ~
pelas células lesionadas. Desse modo, a doença hepa- atividade urinária da enzima em humanos podem ser ~
tocelular pode ser diagnosticada com base no aumento utilizados, sem modificação, para detectar enzimúria em i:3
animais.
da atividade sérica de aspartato arninotransferase (AST)
.p,.
o,
o-
ou de alanina aminotransferase (ALT); a lesão muscular 00
~
pode ser detectada pelo aumento na atividade sérica de Alterações Temporais
creatinocinase (CK) ou de lactato desidrogenase (LDH);
a pancreatite pode ser detectada pelo aumento da ativi-
Comparadas à Azotemia
dade sérica de amilase ou de lipase. Do mesmo modo, a A excreção urinária de GGT e de NAG aumenta rapida-
atividade urinária das enzimas liberadas pelas células mente após exposição aos agentes nefrotóxicos. Em ovi-
lesadas do epitélio tubular renal pode ser útil na triagem nos e ratos, a atividade urinária de GGT aumenta subitamente
de lesão tubular em animais com nefrotoxicose. Essas um dia após exposição experimental ao cloreto de mercúrio.
enzimas de urina não são liberadas na circulação sistêmica Em ratos, cães e ovinos notou-se aumento das atividades
nem filtradas do sangue para a urina em quantidades de GGT e de NAG na urina depois de apenas 2 a 4 dias de
significativas. Assim, o aumento da atividade urinária des- tratamento com dose nefrotóxica de gentamicina.
sas enzimas é altamente específico de doença tubular renal Aumentos na atividade de enzimas da urina ocorrem
e altamente sensível para lesão do epitélio tubular, mesmo antes das alterações na excreção de creatinina, no teor
antes do início dos distúrbios funcionais que influenciam sérico de creatinina e na excreção urinária fracionada de
Avaliação laboratorial da Função Renal 297

eletrólitos, que podem ser verificados 4 a 8 dias após


exposição aos nefrotóxicos. Além disso, nota-se aumen-
to na excreção urinária de enzimas, além do limite supe-
rior da faixa de normalidade clínica de 2 a 4 dias após a
indução de nefrotoxicose experimental por gentamicina,
ao contrário do aumento na concentração sérica de crea-
tinina, verificado apenas depois de 8 a 10 dias de terapia
com dose nefrotóxica de gentamicina (Fig. 21.8).
A utilização clínica de testes de excreção urinária de
enzimas deve considerar alguns fatores. Doença renal
que causa desequilíbrio glomerulotubular pode resultar
2 3 4 5 6 7 8 9 10
em alterações discrepantes na excreção urinária de enzi-
mas indexada à creatinina urinária, ao contrário da excre-
eu
ção quantitativa de 24h. Assim, a insuficiência renal aguda
poliúrica pode estar associada à menor atividade enzimática
c
c
+"
eu~
4~-----------------------,
em relação à creatinina do que a prevista pelo aumento (lJ 01
3
dos valores de excreção enzimática durante 24h. Do mesmo tJ~
(lJ C
'E
modo, a insuficiência renal aguda oligúrica pode resul-
tar em menores valores de excreção de 24h do que o
o- esperado para a atividade enzimática indexada à creati-
'1J

o::::;
'e,
~~
::l
E 2~----------~~------~
~ nina urinária. Q.
(lJ
"i'<:t A correlação entre a excreção das enzimas NAG e GGT o
~ na urina de 24h e a proporção enzima:creatinina na amostra
;2 de urina aleatória foi avaliada em cães com nefrotoxicose
~ experimentalmente induzi da por gentamicina. Em fun- 2 3 4 5 6 7 8 9 10
o-
ção do consumo de dieta protéica antes do tratamento,
notou-se correlação significativa em um período de até 8
8 dias de tratamento com gentamicina. Essa relação tor-
nou-se menor com a progressão da nefrotoxicose; no oitavo 6
dia, os dois valores foram significativamente superiores
ao normal. Em cães sadios da raça Beagle, machos, de
4
18 meses de idade, os valores basais expressos como média
± desvio-padrão da proporção NAG urinária:creatinina
e da excreção urinária de NAG em 24h foram 0,06 ±
2 ~----------------~~---,
0,04UIImg e O, 19 ± 0,14UIlkg, respectivamente. Os valores
basais, expressos na forma de média ± desvio-padrão,
da proporção GGT urinária:creatinina urinária e da
excreção urinária de GGT em 24h foram 0,39 ± O, 18UI/mg 2 3 4 5 6 7 8 9 10
e 1,42 ± 0,82UI/kg, respectivamente. Dias

Figura 21.8 - Creatinina sérica, depuração de creatinina


URINÁlISE endógena em 24h e atividade de GGT uriná ria em 24h de
cães com nefrotoxicose experimental induzida por gentami-
A urinálise representa um componente vital no conjunto
cina. (Adaptado de Greco DS, Turnwald GH, Adams R, Gossett
de informações laboratoriais de qualquer paciente cuja KA, Kearney M, Casey H. Urinary y-glutamyl transpeptidase
enfermidade justifique a determinação do perfil bioquímico activity in dogs eith gentamicin-induced nephrotoxicity. Am
sérico. Historicamente, a urinálise de rotina compreen- J Vet Res 1985;46:2332-2335).
de a análise macroscópica e físico-química da urina e o
exame microscópico do sedimento urinário. A primeira
corresponde à avaliação qualitativa de cor, turvação, Exame Físico da Urina
densidade específica e de componentes químicos, utili-
zando tiras reagentes ou tabletes. No sedimento urinário Cor
é possível identificar elementos celulares, microorga-
nismos, cilindros de túbulos renais e cristais. O valor da O exame físico da urina inclui avaliação de cor, turbidez
inclusão do exame microscópico na urinálise de rotina e densidade específica. A cor da urina normal varia de
está relacionado à identificação de componentes essen- quase incolor a âmbar intenso; a intensidade da cor re-
ciais para o diagnóstico de doença do sistema urogenital flete principalmente o grau de concentração da urina e,
que poderia não ser detectada no exame físico-químico. portanto, o conteúdo de pigmentos na urina (ou seja,
Esses componentes incluem leucócitos, cilindros de túbulos urocromos). Em geral, a primeira urina do dia é mais
renais, células epiteliais neoplásicas, ovos de parasitas, concentrada e, desse modo, mais escura do que as amos-
bactérias e leveduras ou fungos. tras posteriores.
298 Bioquímica Clínica Aplicada aos Principais Animais Domésticos

Várias anormalidades provocam alteração na cor da urina. luir a urina; densidade urinária superior a 1,030, em cães,
Hemoglobinúria, mioglobinúria e hemorragia do trato e acima de 1,035, em gatos, sugerem que os túbulos
urinário podem resultar em urina vermelha ou de colora- concentram a urina. Densidade urinária entre tais valo-
ção avermelhada, com proteinúria detectada no exame res e 1,017 são consideradas ambíguas em relação à ~
'{'
químico. A diferenciação dessas três condições requer o capacidade funcional dos túbulos. ~
exame de sedimento de urina fresca para verificar evi- Muitas vezes a densidade urinária é determinada por i3
dência microscópica de hemorragia. Caso não se cons- refratometria. Conforme discutido anteriormente, essa .j>.

tate isso, é provável que a alteração na cor seja decorrente técnica considera o tamanho, o peso e a quantidade de gj
""
de hemoglobinúria ou mioglobinúria; essas condições po- partículas. Conseqüentemente, alto teor de albumina ou '"
dem ser diferenciadas pelo exame químico. de glicose na urina pode causar um falso aumento na
Geralmente, urina de coloração marrom-esverdeada densidade urinária, dando a impressão de capacidade de
deve-se à bilirrubinúria associada a hepatopatia ou hemó- concentração de urina normal. Na interpretação dos re-
lise intensa. Amostra de urina com alto teor de bilirrubina sultados, essa possibilidade deve ser considerada sem-
tende a formar espuma quando agitada. A presença de pre que a concentração dessas substâncias na fita reagente
bilirrubina na urina é confirmada por testes químicos ou exceder 3+.
pela constatação de cristais de bilirrubina no sedimento
urinário (discutido posteriormente). As constatações Exame Químico da Urina
química e citológica de bilirrubinúria podem ser verificadas
de modo associado ou independente. Os pigmentos de O exame químico da urina geralmente é semiquantitativo,
bilirrubina na urina são instáveis; na suspeita de bilir- utilizando tira reagente (Fig. 21.9). Há disponibilidade
rubinúria, as amostras de urina devem ser mantidas pro- de vários tipos de tira reagente, com possibilidade de ava-
tegidas de luz e analisadas o mais rápido possível. liar diversos constituintes; porém, infelizmente essas tiras
são destinadas ao uso humano. Além disso, nem todos
O uso de medicamento também pode influenciar a cor
os constituintes são relevantes ou confiáveis para uso
da urina. Por exemplo, anti-helmínticos fenotiazinas, outrora
veterinário. Por exemplo, o teste para leucócitos se ba-
utilizados em pequenos ruminantes, tornam a urina rósea
seia no método da esterase leucocitária específica, en-
a vermelha. Sempre que se constata cor de urina atípica e
contrada em leucócitos humanos, mas não naqueles de
inexplicável deve-se obter uma história completa sobre
cães e gatos. Portanto, o emprego desse teste é limitado
dieta e possíveis medicamentos fornecidos ao paciente.
em medicina veterinária.
Outros testes possíveis na tira reagente, mas de valor
Turbidez limitado em animais, incluem densidade específica e uro-
bilinogênio. Nossa experiência mostra que o teste de tira
O grau de turbidez reflete a quantidade de partículas
reagente para densidade urinária simplesmente não se
na urina e varia de acordo com a espécie. Normalmente a
correlaciona bem com refratometria e deve ser desconsi-
urina de cães é clara; a urina normal de felinos pode ser
derado. Em humanos, utiliza-se o urobilinogênio urinário
ligeiramente turva devido à presença de gordura. A uri- como indicador de obstrução biliar. Se o dueto biliar for
na normal de eqüinos é, em geral, muito turva devido ao
evidente, nota-se urobilinogênio na urina; caso esteja
muco secretado pelas glândulas da pelve renal. A urina obstruído, não será detectado urobilinogênio. Em animais,
de coelhos normais é branca opaca em razão do alto no entanto, o teste do urobilinogênio tem pouca relevân-
conteúdo de carbonato de cálcio e de cristais de fosfato cia por várias razões. Em primeiro lugar, o teste apresenta
de cálcio. Cilindros, células inflamatórias e cristais po- baixa sensibilidade, sendo comum resultado falso-negati-
dem provocar maior grau de turvação. Portanto, é neces- vo, dificultando a interpretação de resultado negativo. Em
sário realizar exame microscópico do sedimento para segundo lugar, a maioria dos casos de obstrução biliar
diferenciar as causas. em animais é intra-hepático e parcial, esperando-se, des-
se modo, resultado positivo para urobilinogênio urinário.
Densidade Especifica Os testes com valor diagnóstico para animais incluem
a avaliação de proteína, glicose, cetona, bilirrubina, san-
A avaliação da densidade específica da urina, que indica gue oculto e pH. Com exceção do teste de pH, todos os
uma estimativa do conteúdo de soluto, é a parte mais outros são classificados como 1+ a 4+, com valores pro-
importante do exame físico da urina. A densidade urinária gressivamente mais elevados em função do aumento da
avalia a capacidade dos túbulos renais em concentrar ou concentração da substância em análise. Como há rela-
diluir a urina. Portanto, é um teste de função tubular (será, ção direta entre o conteúdo dessas substâncias e a con-
posteriormente, abordado com mais detalhes junto à seção centração urinária, na interpretação dos resultados deve-se
sobre osmolalidade da urina). considerar a densidade urinária. Por exemplo, proteinúria
A densidade específica da urina não apresenta valor 2+ com densidade urinária 1,060 é muito menos grave
normal. A isostenúria absoluta (isto é, a densidade urinária do que proteinúria 2+ com densidade urinária 1,010.
é igual à densidade do plasma e, portanto, o rim não tem
trabalho para concentrar ou diluir a urina) varia de 1,008
Proteína
a 1,012. Na prática, a variação isostenúrica geralmente
se estende até 1,017. Densidade urinária inferior a 1,008 A interpretação de proteinúria significativa depende
indica que os túbulos renais estão funcionando para di- dos achados no sedimento urinário. Proteinúria pode ser
Avaliação laboratorial da Função Renal 299

um achado secundário à hemorragia, inflamação ou de-


generação tubular renal. Caso não haja indicadores des-
sas anormalidades no sedimento, provavelmente a
proteinúria resulte de lesão glomerular e extravasamento. N-MULTlSTIX' ••••• f ,

....,

"".• t •••••.

Teste de tira reagente para proteína indica principalmen-


te albumina; a reação com globulinas e paraproteínas (como
as proteínas de Bence-Jones) não é satisfatória. Em amos-
tras de urina extremamente alcalina, pode-se verificar
••
resultado falso-positivo para proteína (no item que abor-
da a sensibilidade e a especificidade da proteinúria no
diagnóstico e prognóstico de doenças de trato urogenital
serão forneci das informações adicionais).

Glicose
A avaliação de glicose na urina deve ser realizada simul-
taneamente à avaliação de glicose no sangue. A causa
mais comum de glicosúria é o teor de glicose circulante Figura 21.9 - Rótulo de um frasco de fita reagente Ames
Multistix'", Os testes de tira reagente são semiquantitativos
que excede o limiar tubular renal de reabsorção de gli-
e, para sua interpretação, deve-se considerar a concentração
cose. Em cães e gatos, esse limiar é de, aproximadamente, uriná ria (ou seja, densidade específica). Além disso, vários
180mg/dL; em ruminantes, ele é de 80mg/dL. A hiper- desses testes devem ser lidos em intervalos específicos.
glicemia que excede o limiar renal pode ser pós-prandial,
secundária ao estresse ou reflexo de diabetes melito. A
hiperglicemia por estresse é mais constatada em bovi-
seqüentemente, mesmo animais com hiperglicemia não
nos e gatos.
controlada podem apresentar resultado negativo. Portanto,
Entretanto, além da hiperglicemia, há várias causas
o teste de glicose urinária não é totalmente confiável no
de glicosúria. Distúrbios hereditários e adquiridos que
diagnóstico ou na monitoração de diabetes melito em cães.
envolvem o transporte de glicose no túbulo renal proxi-
Como proteína e glicose são solutos dissolvidos, eles
mal foram identificados na maioria das espécies e, às
podem influenciar a densidade urinária. Em baixas con-
vezes, são denominados síndrome de Fanconi (em refe-
centrações, essa influência não é significativa. No en-
rência ao distúrbio primeiramente descrito em humanos).
tanto, quando a concentração excede um resultado 3+
Essa síndrome pode ser acompanhada por anormalida-
para glicose ou proteína, a densidade urinária pode se
des no controle tubular de vários solutos, resultando em apresentar falsamente aumentada, além da faixa de va-
perda patológica de aminoácidos, proteínas, eletrólitos e riação da isostenúria. A adição de 2,7mg de glicose ou
glicose. Também pode ocorrer acidose tubular renal pro- de 4mg de albumina em lmL de urina aumenta a densi-
ximal, em que a absorção de bicarbonato é prejudicada dade específica em até 0,001.
e a acidificação urinária é inadequada, podendo seguir-
se acidose metabólica sistêrnica, A degeneração tubular
renal pode interferir na reabsorção de glicose; por exem- Cetonas
plo, nefropatias tóxicas provocadas por metais pesados As cetonas aparecem na urina quando o grau de cetoaci-
ou antibióticos aminoglicosídeos podem ser caracteri- demia excede o limiar renal de absorção da filtração
zadas por glicosúria discreta a moderada, mesmo quando glomerular. Cetoacidemia e cetonúria refletem a produ-
o teor sangüíneo de glicose for normal. ção excessiva de cetonas que ocorre quando a taxa de
É comum detectar glicose na urina sem que haja hiper- mobilização de gordura da reserva adiposa periférica ex-
glicemia no momento da coleta. Nesses casos, deve-se cede a capacidade metabólica do fígado para oxidar com-
considerar a possibilidade de distúrbios hereditários ou pletamente essa gordura ou para reacondicioná-la em
adquiridos no transporte tubular renal de glicose; no lipoproteínas para liberação aos tecidos periféricos para
o- entanto, não se pode excluir um possível início de hiper- oxidação. Esse distúrbio no metabolismo de gordura está
~ glicemia, que resulta em glicose na urina armazenada na relacionado principalmente à inadequada disponibilidade
"? bexiga por algum momento antes da coleta da amostra. de carboidrato para facilitar a oxidação completa; ele tem
~ Como exemplos, é possível citar: estresse intermitente, sido notado em várias doenças, nas quais a disponibili-
.;, administração de fluidos que contêm glicose e hipergli- dade de glicose é limitada, inclusive toxemia da prenhez,
"?
~ cemia pós-prandial. caquexia, inanição e diabetes melito. O teste de tira
0\ Além disso, o teste de tira reagente para glicose pode reagente para cetona pode detectar acetona e ácido
revelar resultado falso-negativo. O ácido ascórbico in- cetoacético, mas não detecta um outro tipo de corpo
terfere no teste de tira reagente para glicose, podendo cetônico, o ácido ~-hidroxibutírico. Conseqüentemente,
ocasionar resultado falso-negativo diante de verdadeira alguns casos de cetonúria podem não ser detectados sim-
glicosúria. Cães com diabetes melito produzem intermi- plesmente porque esse ácido corresponde à cetona pre-
tentemente grande quantidade de ácido ascórbico; con- dominante. Ao contrário do que se relata, a adição de
300 Bioquímica Clínica Aplicada aos Principais Animais Domésticos

água oxigenada à amostra de urina que contém ácido


Exame Microscópico
~-hidroxibutírico não converte essa cetona em ácido ce-
toacético para detecção posterior pelo método da tira do Sedimento Urinário
reagente ou do tablete semiquantitativo.
O exame do sedimento urinário é o procedimento de maior
sensibilidade no diagnóstico de doença do trato urinário,
8i1irrubina sendo útil na localização da lesão renal. O exame apro-
priado do sedimento depende da preparação adequada
Bilirrubina urinária é mais um indicador de enfermidade
da amostra e do uso correto do microscópio.
hepática do que de doença do sistema urinário. O teste
de tira reagente para bilirrubina utiliza o mesmo método
empregado na dosagem de bilirrubina sérica. Esse teste Preparação e Avaliação
detecta apenas bilirrubina conjugada. Grande parte da do Sedimento Urinário
bilirrubina conjugada presente na urina é oriunda do sangue
e passa pelos glomérulos; pequena quantidade de bilir- O sedimento urinário é preparado por meio da centrifu-
rubina livre pode ser conjugada nos túbulos renais e gação de um volume de urina padrão (5 a 15mL), em
excretada na urina. O aumento da concentração de bilir- baixa velocidade (400 a 700g, durante 5min). Após de-
rubina na urina geralmente indica doença hepática, como cantar o sobrenadante, uma gota de sedimento é coloca-
colestase; no entanto, outros fatores que provocam au- da em uma lâmina de microscopia e recoberta com lamínula
mento na formação de bilirrubina conjugada pelo fígado para exame como preparação úmida. Embora haja dis-
(por exemplo, anemia hemolítica) também podem au- ponibilidade de corantes para sedimentos, seu uso im-
mentar a excreção de bilirrubina na urina. plica várias desvantagens. A penetração do corante em
componentes celulares (por exemplo, granulócitos, células
epiteliais) pode não ser uniforme em toda a preparação;
Sangue Oculto geralmente a coloração do sedimento ocasiona grande
Resultado positivo para sangue oculto na urina obtido quantidade de precipitados de corante, que podem ser
em tira reagente deve-se à hemorragia no trato urinário, confundidos com bactérias. Além disso, a coloração do
hemoglobinúria ou mioglobinúria. Hemorragia do trato sedimento constitui-se em bom meio de crescimento para
urinário pode ser confirmada pelo achado de hemácias bactérias. Esses corantes, na verdade, podem conter bac-
no sedimento urinário. No entanto, urina hipostenúrica térias e, assim, contaminar a preparação com microor-
pode resultar em lise hipotônica de hemácias, interferin- ganismos.
Para o exame de lâminas com sedimento urinário não 'Cl
do na sua detecção microscópica. Caso não haja hemor-
ragia, deve-se diferenciar hemoglobinúria e mioglobinúria
corado, o microscópio é ajustado de modo que as mar- q;
gens de todas as células sejam refrangentes. Isso é feito 3;
c..,
a partir da avaliação do hemo grama e do histórico clínico.
pela redução da intensidade da luz que alcança a platina ~
Hemoglobinúria resulta de intensa hemólise intravascular,
do microscópio, pelo ajuste do condensador e fechamento ~
geralmente acompanhada por anemia grave, podendo ser
do diafragma. Caso a lâmina com sedimento seja exami- ~
notada manifestação clínica de icterícia e colapso súbi-
nada sob luz de alta intensidade, algumas estruturas, como '"
to. Geralmente nota-se mioglobinúria apenas quando há
cilindros hialinos e gordurosos, facilmente poderão passar
grave lesão muscular, acompanhada de aumento na ati-
despercebidos. O sedimento é examinado em dois aumen-
vidade sérica de enzimas musculares (por exemplo, CK,
tos: 100x (baixo aumento) e 400x (grande aumento ou
LDH, AST).
sem imersão). Como se utiliza um volume padrão de urina
na preparação do sedimento, pode-se fazer uma avalia-
pH ção semiquantitativa, em que se deve anotar a quantidade
de cilindros em campo de baixo aumento e a quantidade
Normalmente a urina é ácida em carnívoros e alcalina
de hemácias e leucócitos em campo de grande aumento.
em herbívoros. O pH mais elevado em carnívoros deve-
se, mais comumente, à conversão bacteriana de uréia em
amônia; ele costuma ser verificado na cistite provocada Células na Urina
por microorganismo urease-positivo. A cistite pode ser Na urina, há três tipos principais de células: células epite-
confirmada pelo exame do sedimento (discutido pos- liais, hemácias e leucócitos. A quantidade de células é
teriormente). Geralmente notam-se leucócitos e bacté- influenciada pelo método de coleta da urina. Em geral,
rias no sedimento. Em ruminantes, menor pH urinário a cistocentese é o método preferido e as amostras assim
pode ser constatado em casos de deslocamento de abo- obtidas contêm menor quantidade de células em animais
maso, no qual o ácido clorídrico é seqüestrado no abomaso sadios. Amostras coletadas por cateterização geralmen-
e quando há alcalose, hipocloremia e hipocalemia. Nes- te apresentam maior quantidade de células de transição
sas condições, o bicarbonato é reabsorvido pelos túbulos e, dependendo de quão traumática foi a coleta, também
renais devido à indisponibilidade de cloreto, e o hidro- poderá haver maior número de hemácias. Amostras de
gênio é excretado na urina devido à indisponibilidade de urina do jato intermediário livre freqüentemente contêm
potássio para a troca iônica (essa "acidúria paradoxal" maior quantidade de células epiteliais escamosas por
será discutida com mais detalhes em um item à parte). contaminação.
Avaliação laboratorial da Função Renal 301

Células Epiteliais pacientes com cistite (em associação ao maior número


de leucócitos e, possivelmente, hemácias) e, também, no
As células epiteliais constatadas na urina incluem: tubu- caso de carcinoma de célula de transição, no qual muitas
lares renais, de transição e escamosas. As células tubula- vezes a citomorfologia é muito aberrante mesmo em sedi-
res renais são as mais difíceis de identificar, porque são mento urinário não corado. Células de transição neoplásicas
apenas ligeiramente maiores do que os leucócitos. Por- costumam apresentar intensa variação em seu tamanho.
tanto, esses dois tipos celulares podem ser facilmente con- Além disso, grandes vacúolos citoplasmáticos podem ser
fundidos. As células epiteliais renais podem se apresentar identificados. Contudo, como há variação no tamanho
como células individuais ou como cilindros de células das células epiteliais de transição normais e muitas ve-
epiteliais. Em ambos os casos, quando presentes em quan- zes elas contêm nucléolos, deve-se ter cuidado para não
tidade significativa, indicam degeneração tubular. Os ci- estabelecer um diagnóstico citológico errôneo de malig-
lindros de células epiteliais são precursores de cilindros nidade. Sempre que houver suspeita de carcinoma de célula
de células granulares. de transição com base na morfologia do sedimento urinário
A maioria das células epiteliais renais se apresenta não corado, deve-se preparar um esfregaço do sedimen-
como célula redonda a poligonal, com núcleo central to, seco ao ar e aplicar corante de rotina do tipo Roma-
arredondado. Seu diâmetro é de, aproximadamente, 20mm. nowsky para pesquisar características de malignidade.
Um tipo particular de epitélio renal, a célula epitelial Geralmente as células escarnosas presentes na urina
caudada, não é redonda, apresenta uma cauda citoplas- são contaminantes, embora possa ocorrer metaplasia ou
mática e se origina da pelve renal. neoplasia escamosa da bexiga ou do epitélio uretral. Em
As células epiteliais de transição recobrem a bexiga e machos, normalmente as células escamosas na urina se
a uretra proximal. São muito maiores do que as células originam da bainha peniana; em fêmeas, elas se desca-
epiteliais renais devido ao seu maior volume citoplasmático. mam do conduto vaginal ou da vulva. Amostras obtidas
São redondas a poliedrais e podem ser vistas isoladamen- por cistocentese geralmente contêm menor quantidade
te ou na forma de lâminas (Fig. 2l.l O). Os núcleos são de células escamosas do que as amostras coletadas por
centrais e contêm de um a três nuc1éolos, geralmente visí- outros métodos. As células esc amos as são maiores do
veis mesmo em sedimentos de urina não corados. O epitélio que as células de transição e são diferenciadas pelas suas
de transição é estratificado; sendo assim, as células po- margens citoplasmáticas angulares e pela baixa propor-
0\ dem ter tamanhos variáveis e apresentar algum grau de ção núcleo:citoplasma (Fig. 21.11). Os núcleos de célu-
~ variação na proporção núcleo: citoplasma. Isso ocorre las escamosas podem não ser visíveis.
'7 quando há grande quantidade de epitélio. As células su-
~ perficiais são muito maiores do que as células basais e
Hemácias
~ apresentam menor proporção núcleo: citoplasma.
~ Amostras de urina de animais normais obtidas por cisto- O aumento da quantidade de hemácias na urina indica
0\ centese contêm não mais do que uma a três células de hemorragia de alguma parte do sistema urogenital, mas
transição por campo de grande aumento; por outro lado, não revela o local específico. A presença de hemácias na
as amostras obtidas por cateterização freqüentemente con- urina pode resultar em teste de sangue oculto positivo,
têm mais células, agrupadas ou aglomeradas. Constata- acompanhado de discreta proteinúria. Os animais nor-
se maior quantidade de células de transição na urina de mais apresentam menos de três hemácias por campo de
grande aumento. Em geral, elas são facilmente identifi-

Figura 21.10 - Sedimento uriná rio não corado. Notar as qua-


tro células epiteliais de transição (seta), com bactérias dis- Figura 21.11 - Sedimento uriná rio não corado. Notar as oito
persas em forma de bastão (cabeças de seta). 350x. células epiteliais escamosas ceratinizadas (seta). 450x.
302 Bioquímica Clínica Aplicada aos Principais Animais Domésticos

cadas em sedimentos de urina não corados. Em amos- cocitários indicam inflamação renal. Geralmente esses
tras de urina adequadamente obtidas, elas apresentam co- dois tipos ocorrem simultaneamente. Além disso, nos casos
loração marrom-avermelhada clara a amarelada e visível de pielonefrite, eles podem ser vistos com cilindros gra-
depressão central que reflete sua forma bicôncava nor- nulares. Os cilindros eritrocitários são facilmente identi- ~ 00

mal. Muitas vezes apresentam margens citoplasmáticas ficados (Fig. 21.14); porém, pode ser difícil a diferenciação $
irregulares devido à crenação (Fig. 21.12). Gotículas de entre os leucocitários (Fig. 21.15) e os de células epiteliais jj
gordura podem parecer hemácias, mas seu tamanho é (Fig. 21.16). A principal diferença é que as células epite- .j>.
irregular (enquanto as hemácias têm tamanho uniforme). liais são maiores do que os leucócitos. ~
-D '"
Leucócitos Cilindros Tubulares. Cilindros de células epiteliais,
granulares e gordurosos indicam degeneração de túbulo
o aumento da quantidade de leucócitos na urina indica renal; surgem após desprendimento de células lesionadas
hemorragia ou inflamação no trato urogenital; porém,
do revestimento do lúmen tubular. O tipo de cilindro sim-
assim como as hemácias, não indicam especificamente
plesmente reflete o tempo em que o material desprendi-
o local da lesão. A inflamação é diferenciada da hemor-
do permanece no rim antes de ser excretado na urina.
ragia com base na proporção leucócito:hemácia. Quan-
Cilindros de células epiteliais indicam que o material
do essa proporção se assemelha à do sangue periférico,
permaneceu no lúmen por um período mínimo após sua
provavelmente se trate de hemorragia; caso o número de
formação. À medida que envelhecem, eles se transfor-
leucócitos seja maior que o do sangue periférico, é mais
mam em cilindros granulares grosseiros (Fig. 21.17) e,
provável que haja inflamação. A urina normal contém
eventualmente, em cilindros granulares finos (Fig. 21.18).
não mais de um a três leucócitos por campo de grande
Os cilindros gordurosos representam o estágio final de
aumento. Em sedimentos não corados, os leucócitos se
degeneração de células tubulares (Fig. 21.19). Os três
apresentam como células redondas uniformes, apenas
tipos de cilindros podem ocorrer na mesma amostra de
ligeiramente maiores que as hemácias (Fig. 21.13). Em
urina; no entanto, o mais comum é o predomínio de um
alguns casos, o núcleo segmentado é claramente visível;
deles. Cilindros granulares são os mais constatados.
em outros, ele parece simplesmente como uma zona
Cilindros de células epiteliais são compostos por células
granular no centro da célula.
redondas grandes (20 a 30j.Lm), com núcleo granular.
Podem ser confundidos com cilindros leucocitários, prin-
Cilindros cipalmente quando houver leucócitos na amostra. Os
Os cilindros presentes na amostra de urina se originam cilindros granulares são compostos por material granu-
apenas nos túbulos renais. Sempre são anormais, inde- lar amorfo e geralmente são bem característicos. A dife-
pendentemente da quantidade. Há vários tipos de cilin- renciação entre cilindros granulares grosseiros e finos é
dros, inclusive eritrocitário, leucocitário, epitelial, granular, um exercício acadêmico, sem qualquer importância prá-
gorduroso e hialino. tica. Os cilindros gordurosos são identificados apenas
quando se reduz a intensidade da luz do microscópio até
Cilindros Eritrocitários e Leucocitários. Os cilindros o ponto em que as margens das células e os cilindros se
eritrocitários indicam hemorragia renal; os cilindros leu- tornem refrangentes. Os cilindros gordurosos não apre-

Figura 21.12 - Sedimento urinário não corado. Notar a predo- Figura 21.13 - Sedimento urinário não corado. Aproximada-
minância de hemácias (setas; geralmente verifica-se o forma- mente 11 leucócitos (seta) podem ser notados no centro e à
to de disco bicôncavo) com leucócitos ocasionais (cabeça de esquerda da figura. Algumas hemácias podem ser vistas à direita
seta; células maiores, com citoplasma granular). 400x. (cabeça de seta). 800x.
Avaliação laboratorial da Função Renal 303

Figura 21.14 - Sedimento urinário não corado. Notar o cilin- Figura 21.16 - Sedimento urinário não corado. Notar o cilin-
dro de hemácias (seta). 400x. dro de células epiteliais tubulares (seta). 400x.

sentam estruturas internas e devem ser diferenciados de ralmente indicam lesão glomerular significativa e estão
cilindros hialinos. Essa diferenciação se baseia no fato associados a proteinúria. Assim como ocorre com os
de que os cilindros gordurosos são frágeis e quebradiços cilindros gordurosos, os cilindros hialinos são vistos apenas
e, conseqüentemente, apresentam extremidades afiladas, em microscópio com baixa intensidade de luz; como são
enquanto os cilindros hialinos são moles e apresentam mais moles do que os cilindros gordurosos, eles tendem
extremidades arredondadas. a resistir à fragmentação e apresentar maior comprimen-
to. Além disso, os cilindros hialinos contêm gotículas de
Cilindros Hialinos. Os cilindros hialinos são estrutu- gordura.
ras protéicas resultantes de maior extravasamento de pro-
teína pela membrana glomerular aos túbulos ou de maior Cristais
concentração de proteína tubular devido à desidratação
(Fig. 21.20). Quando presentes em pequena quantidade, Geralmente são encontrados cristais em amostras de urina
não indicam necessariamente patologia renal grave; exer- normal e anormal. Alguns tipos de cristais são comuns
cício, febre e outras causas inespecíficas podem aumen- em uma determinada espécie; além disso, a ocorrência
tar o extravasamento de proteína glomerular e resultar de cristais depende da dieta e do pH urinário. Em geral,
na excreção de alguns cilindros hialinos. Quando pre- na urina os cristais são identificados com base nas for-
sentes em grande quantidade, os cilindros hialinos ge- mas e cores características.

-,
..
:"'1

Figura 21.15 - Sedimento urinário não corado. Notar o cilin- Figura 21.17 - Sedimento urinário não corado. Notar o cilin-
dro de leucócitos (seta). 400x. dro granular grosseiro (seta). 400x.
304 Bioquímica Clínica Aplicada aos Principais Animais Domésticos

..
• I

"";.4..

Figura 21.18 - Sedimento urinário não corado. Notar os ci- Figura 21.20 - Sedimento urinário não corado. Notar o cilin-
lindros granulares finos (setas). 100x. dro hialino (seta). 400x.

Cristais Normais. O cristal normal predominante na na dieta; cães e gatos que se alimentam de vegetais oca-
urina de cães e gatos é o cristal de fosfato amoniomagne- sionalmente podem excretar cristais de oxalato na urina.
siano (Fig. 2l.21). Em sua forma mais comum, os cris- No entanto, na maioria dos casos, os oxalatos são con-
tais de fosfato assemelham-se a prismas. Caso a amostra siderados como cristais patológicos em cães e gatos
de urina permaneça em repouso, os cristais de fosfato (discutido posteriormente).
podem se unir e originar formas gigantes ou podem se
Cristais Anormais
dissolver parcialmente e resultar formas características,
menos notadas. Cristais Pigmentados. Dois cristais pigmentados anor-
Os cristais normais predominantes na urina de eqüinos mais que podem ser encontrados na urina incluem bilir-
rubina e hiurato de amônio. Os cristais de bilirrubina
e vacas (e da maioria dos outros herbívoros) incluem
indicam alto teor urinário de bilirrubina conjugada. Na
carbonato de cálcio e diidrato de oxalato de cálcio. Os
maioria dos casos, surgem em associação à hepatopatia
cristais de carbonato de cálcio se apresentam sob várias
acompanhada de colestase; também podem ser vistos
formas, como na de halteres e de esferas estriadas (Fig. quando houver alteração sistêrnica que envolva o meta-
2l.22). Os cristais de diidrato de oxalato de cálcio são
bolismo de bílirrubina (por exemplo, anemia hemolítica :Si
facilmente identificados devido a sua forma de "cruz de grave). Embora encontrados na urina, os cristais de bilir- ~
Malta" ou de "envelope" (Fig. 2l.23). Os oxalatos da rubina não estão associados a distúrbios do sistema ~
urina de herbívoros ocorrem devido ao alto teor de oxalato ...
N

o
.' O

Figura 21.21 - Sedimento uriná rio não corado. Notar os cris-


Figura 21.19 - Sedimento urinário não corado. Notar o cilin- tais de fosfato amoniomagnesiano (setas) e o formato de
dro gorduroso (seta). 400x. prisma. 400x.
Avaliação laboratorial da Função Renal 305

Figura 21.22 - Sedimento uriná rio não corado. Notar os cris- Figura 21.24 - Sedimento urinário não corado. Notar o cris-
tais de carbonato de cálcio, que podem ter formato de halteres tal de bilirrubina (seta). 400x.
ou de esferas estriadas. O tamanho é variável. 400x.

Na urina fresca, os cristais de biurato de amônio têm


urinário. Pelo método da tira reagente, pode ou não haver uma aparência distinta de cabeça de clava (isto é, esfera
correlação entre a presença de cristais de bilirrubina na recoberta por pontas proeminentes irregulares); caso se
urina e o aumento de bilirrubina na urina. Morfologica- permita que a urina permaneça em repouso, as pontas se
mente, eles se assemelham às penas de aves e apresen- tornam rombas e indistintas. Os cristais de biurato são
tam cor dourado-amarronzada (Fig. 2l.24). marrons (Fig. 2l.25).
Os cristais de biurato de arnônio também estão asso-
ciados a doença hepática. Sempre que o fígado deixa de Cristais de Aminoácidos. Cristais de dois aminoácidos,
converter amônia em uréia, no ciclo da uréia, a maior tirosina e cistina, ocasionalmente podem ser encontra-
quantidade de amônia na urina e no sangue ocasionam a dos na urina. Assim como os cristais de bilirrubina e de
formação de cristais de biurato na urina. Portanto, é comum biurato, os cristais de tirosina geralmente sugerem doença
notar cristalúria de biurato de amônio no caso de shunt
hepática em estágio avançado. Os cristais de tiro sina são
portossistêmico, no qual o ciclo da uréia, que ocorre no
parecidos com agulhas e se organizam como agregados,
parênquirna hepático, é desviado; assim, esse tipo de
podendo ser semelhantes aos cristais de bilirrubina. No
J; cristalúria pode ser notado em qualquer distúrbio hepá- entanto, não são pigmentados (Fig. 21.26).
~ tico que ocasiona atividade inadequada do ciclo da uréia.
Os cristais de cistina são extremamente raros e estão
-t
N
t- associados a doença hereditária da célula tubular renal
.;,
00 ,
00
t-
c-,


I •

Figura 21.23 - Sedimento urinário não corado. Notar os cris-


tais de diidrato de oxalato de cálcio (seta). Eles apresentam
formato de envelope e, às vezes, são denominados cristais Figura 21.25 - Sedimento uriná rio não corado. Notar os cris-
de cruz de Malta. 400x. tais de biurato de amônio (seta). 400x.
306 Bioquímica Clínica Aplicada aos Principais Animais Domésticos

-,
Figura 21.26 - Sedimento uriná rio não corado. Notar os cris- Figura 21.28 - Sedimento urinário não corado. Notar os cris-
tais de tirosina (seta). 400x. tais de diidrato de oxalato de cálcio (seta). 400x.

relacionada ao transporte do aminoácido mediado por dratos de oxalato de cálcio apresentam forma de "se-
um portador, resultando em cistinúria. A proteína porta- mente de cânhamo" ou de hexágono e prisma "seme-
dora anormal também é responsável pelo transporte de lhante ao hipurato", antigamente descrito, de forma
arninoácidos dibásicos, inclusive lisina, arginina e ornitina. errônea, como cristais de ácido hipúrico em várias pu-
Devido a sua baixa solubilidade, especialmente em uri- blicações (Fig. 21.29).
na ácida, os cristais de cistina precipitam e tomam apa-
rência de placas hexagonais claras (Fig. 21.27). Cristais de Medicamentos. Quando se atingem concen-
trações suficientes de medicamentos, como sulfonamidas,
Cristais de Oxalato. Geralmente a presença de cristais no sangue e na urina pode haver precipitação e presença
de oxalato em cães e gatos está associada a intoxicação de cristais do medicamento na urina. A morfologia des-
por etilenoglicol, que, quando ingerido, é metabolizado ses cristais é variável, mas geralmente se assemelham a
pelo fígado e origina o ácido oxálico. Esse ácido reage grandes estruturas semelhantes à hélice (Fig. 21.30).
com o cálcio para formar oxalato de cálcio que, por sua Sempre que houver cristais incomuns na amostra de urina,
vez, se precipita nos túbulos renais e pode ser excretado deve-se obter um histórico completo sobre o uso de medi-
na forma de cristais na urina. A morfologia dos cristais de camentos. A cristalúria por medicamento muitas vezes
diidrato de oxalato de cálcio é descrita como "cruz está associada à toxicidade de fármacos, como neomicina,
de Malta" ou "envelope" (Fig. 21.28). Os cristais monoi- gentamicina e sulfonamidas.

Figura 21.27 - Sedimento urinário não corado. Notar o cris- Figura 21.29 - Sedimento uriná rio não corado. Notar os cris-
tal de cistina (seta). 400x. tais de oxalato de cálcio monoidrato (seta). 400x.
Avaliação laboratorial da Função Renal 307

Miscelânea de Achados no Sedimento


Microorganismos Infecciosos. No sedimento urin-
ário, é possível encontrar bactérias e parasitas. Como regra
geral para a constatação microscópica de bactérias, deve ., •
haver uma população superior a I x 104 microorganis-
mos/ul.. Os bastonetes aparecem isoladamente ou em
cadeias. As bactérias presentes em amostras de urina
coletadas por meio de cateterização ou de esvaziamento
podem ser contaminantes e sua importância é questionável.
Cistocentese é a técnica de coleta preferida para avalia-
ção de bacteriúria, pois a urina da bexiga normalmente
é estéril. A constatação de bactéria nas amostras de urina
que não são frescas ou que não foram conservadas apro- o
priadamente deve ser interpretada com cautela. A pre-
o
sença de maior quantidade de leucócitos, juntamente a
bactérias, sugere que a bacteriúria é clinicamente impor-
tante. No entanto, ao verificar bacteriúra no exame mi- Figura 21.30 - Sedimento urinário não corado. Notar os cris-
croscópico, é necessário realizar urocultura para avaliar tais de sulfonamida (seta). Medicamentos nefrotóxicos podem
a real importância clínica desse achado. induzir o aparecimento de cristais incomuns na urina. 400x.
Vários parasitas podem ser encontrados na urina. Oca-
sionalmente, nota-se microfilária de Dirofilaria immitis.
Ovos de Capillaria plica, Dioctophyma renale e Stephanurus técnico de laboratório e nos custos adicionais aos pa-
dentatus também são excretados na urina. cientes. Foram determinados os efeitos de um algoritmo
diagnóstico característico (Fig. 21.35) na sensibilidade
Contaminantes e Artefatos. Hifas (Fig. 21.31), macro- do exame macroscópico.
conídios (Fig. 21.32), brotamento de fungos e grão de Em um estudo retrospectivo, foram revisados e resu-
pólen (Fig. 21.33) são contaminantes comuns encontra- midos os resultados comparativos de exames macros-
dos em sedimento urinário, principalmente quando a cópicos e exames físico-químicos de 1.000 urinálises
amostra é obtida em ambiente empoeirado (por exem- seqüenciais de cães. Isoladamente, esses exames revela-
plo, celeiro). Esses achados não têm importância clíni- ram 11,4% de resultados falso-negativos na detecção de
ca. Espermatozóides geralmente são contaminantes em amostras de urina anormais, sem considerar pacientes
urina de machos e podem ser encontrados na urina de com risco de doença urogenital. Pequenas quantidades
fêmeas recentemente acasaladas. Gotículas de gordura de amostras macronegativas, micropositivas ou macro e
são comuns em urina de gatos. Em cães, essas gotículas micronegativas foram obtidas de pacientes com histó-
podem ser verificadas em amostras de urina coletadas rico de alto risco, sinais físicos e problemas clínicos ou
após refeição gordurosa; podem, também, estar presente com perfil bioquímico sérico sugestivo de predisposição
na urina de animais diabéticos. Filamentos de mucos a doença urogenital, em que se justificava urinálise com-
representam um achado normal na urina de eqüinos. Por
fim, fragmentos de vidro oriundos de pipetas ou frascos
de coleta (Fig. 21.34), cristais de silicato de magnésio
(talco) de luvas cirúrgicas e fragmentos de lápis de cera
marcador também podem aparecer como contaminantes
de sedimento urinário.

Novos Algoritmos Diagnósticos


para Urinálise
0\

::8 Exame Macroscópico versus


: Exame Microscópico
N
r-;-
V)
<>? Vários estudos têm questionado o valor prognóstico e a
00
r- relação custo-benefício de se realizar exame microscópico
0\
de rotina como um componente da urinálise em humanos.
O questionamento em relação ao valor do procedimento
está associado às poucas informações adicionais obtidas
em amostras de urina anormais, nas quais os achados Figura 21.31 - Sedimento urinário não corado. Hifas de fun-
físico-químicos são negativos, mas os achados micros- gos septados (seta) são contaminantes de urina relativamente
cópicos são positivos, bem como na perda de tempo do comuns. 400x.
308 Bioquímica Clínica Aplicada aos Principais Animais Domésticos

Figura 21.32 - Sedimento urinário não corado. Notar macro- Figura 21.34 - Sedimento uriná rio não corado. Notar o frag-
conídios do fungo Alternaria sp. (seta), contaminantes do mento de vidro (seta). Fragmentos de frasco de coleta de
ambiente e, portanto, contaminantes comuns da urina. 400x. urina ou contaminantes do ambiente podem ser confundi-
dos com cristais de importância clínica. 400x.

pleta, independente dos achados físico-químicos. Os sinais


clínicos associados à predisposição a doença urogenital de exame microscópico de rotina do sedimento urinário.
incluem déficit neurológico, anormalidade de disco ver- Historicamente, repetidas constatações errôneas de pro-
tebral com claudicação de membro pélvico, distúrbio teinúria em testes de triagem qualitativos com base em
urogenital, anormalidade perineal, diarréia e alterações corantes indicadores ou reações de turbidimetria com
no perfil bioquímico sérico decorrente de insuficiência ácidos orgânicos deveriam ser avaliadas por métodos quan-
renal. A exclusão desses pacientes da avaliação da sen- titativos mais precisos. A anormalidade química predo-
sibilidade dos exames físico-químicos, para considerar minante na urina de animais com doença urogenital,
o impacto de tal metodologia como um procedimento de detectada pelos procedimentos de triagem de rotina, parece
triagem apenas naqueles pacientes não suspeitos de doença ser proteinúria. Isoladamente, o exame quantitativo da
urogenital, resultou em uma taxa de resultados falso- proteína urinária é muito sensível quando comparado ao
negativos significativamente inferior (de 3%). exame microscópico. Embora possa haver cristais, fun-

Proteína na Urina
O estudo anteriormente mencionado mostrou que o uso
de algoritmo diagnóstico característico para a identifi-
cação de animais em alto risco pode evitar a necessidade

Exame microscópico

Figura 21.35 - Algoritmo diagnóstico característico para


Figura 21.33 - Sedimento uriná rio não corado. Notar o pó- avaliação laboratorial de amostras de urina com base nos
len de pinheiro (seta). 400x. resultados de exames físico-químicos.
Avaliação laboratorial da Função Renal 309

gos, bactérias e parasitas sem proteinúria detectável, a


doença glomerular geralmente está associada à proteinúria,
caso não haja achados no exame do sedimento urinário.
Entretanto, quando houver proteinúria, o exame do sedi-
mento representará importante procedimento para loca-
lização de lesões do trato urinário.
Em função do método químico específico utilizado, a
concentração de proteína na urina de cães sem doença
urogenital varia de 0,95 a 2,78mg/rnL. Como a concen-
tração urinária de proteína é influenciada pela quantidade Proteinúria quantitativa
de proteína filtrada nos glomérulos, pelo teor de proteína
secretada nas células tubulares no filtrado e pela modifi-
cação da concentração do filtrado pelos túbulos renais, a
avaliação da proteinúria se baseia na padronização de alguns Resultados
índices de TFG. Antigamente, a perda de proteína urinária positivos
era quantificada como taxa de excreção em 24h, preferi-
velmente padronizada em função do peso corporal ou da
área de superfície corporal. Dependendo do método quí-
mico utilizado, em cães sem doença urogenital a perda de
proteína urinária em 24h varia de 53,6 a 386mg. Há relato
de valores dessa perda, padronizado em função do peso
corporal, que variam de 5, I a 22,4mg/kg. Vários estudos Relatório dos resultados da urinálise

sobre proteinúria em pessoas e em cães mostram que o


teor de proteína em amostras de urina coletadas aleato- Figura 21.36 - Algoritmo diagnóstico característico para
riamente pode ser avaliado corretamente pela indexação avaliação laboratorial de amostras de urina com base no grau
semiquantitativa em relação à concentração urinária de de proteinúria.
creatinina. A proporção proteína urinária:creatinina urinária
(U [P:C]) se correlaciona bem à excreção de proteína uri-
nária em 24h; aumento nesse valor, além da faixa de va- ma de 1,0. Uma U (P:C) de 2,0 teria excluído cães com
riação mencionada para cães sadios, tem sido associado a proteinúria clinicamente relevante. O grau de azotemia
glomerulonefropatia acompanhada de perda de proteína. foi mais elevado (aumento dos teores séricos de creatinina .~
Em cães sadios, há relato de variação da U (P:C), de ou de NUS) e a prevalência de doenças crônicas foi maior
d; 0,01 a 0,54mg, ou proteína por 1mg de creatinina. A maioria em cães que apresentavam valor de U (P:C) mais eleva-
~ dos estudos indica que U (P:C) superior a 2,0 é anormal. do. Concluiu-se que as determinações mais quantitativas
2!i Os animais que apresentam valores entre 1,0 e 2,0 de- da perda de proteínas na urina, como teste de triagem,
~ vem ser mais avaliados, determinando o valor da taxa de oferecem evidentes vantagens em relação ao diagnóstico
~ excreção de proteína urinária em 24h. Há relato de au- e à economia de tempo, mas não propicia maior sensibili-
~ mento marcante da U (P:C) em cães com cistite experi- dade na identificação da doença urinária em comparação
mentalmente induzida, quando ocorre intensa exsudação aos métodos de triagem de rotina mais qualitativos.
inflamatória. Assim, recomenda-se a avaliação cautelo-
sa da U (P:C) quando houver pi úria significati va de modo BIBLIOGRAFIA
que proteinúria renal não seja erroneamente diagnosti- Nitrogênio da Uréia e Creatinina
cada. A contaminação da amostra de urina com sangue Allen TA, Jaenke RS, Fettman MJ. A technique for estimating pro-
devido a hemorragia traumática durante a coleta por gression of chronic renal failure in the dog. J Am Vet Med Assoe
cistocentese não influencia significativamente a concen- 1987;190:866-868.
tração urinária de proteína ou a U (P:C), mesmo quando Bertone JJ, Traub-Dargatz JL, Fettman MJ, et aI. Monitoring the
progression of renal failure in a horse with polycystic kidney
grande quantidade de sangue for detectada na fita reagente. disease: use of the reciprocal of serum creatinine concentration
Em outro estudo, 500 urinálises consecutivas de cães and sodium sulfanilate clearance half-time. J Am Vet Med Assoe
realizadas no Colorado State University Veterinary Tea- 1987; 191:565-568.
ching Hospital foram revisadas e resumidas para compa- Finco DR, Duncan JR. Evaluation ofblood urea nitrogen and serum
rar a sensibilidade para detecção de anormalidades ereatinine eoncentrations as indicators of renal dysfunction: a
study of 111 cases and a review of related literature. J Am Vet
indicativas de doença do sistema urinário entre exame Med Assoe 1976;168:593-601.
qualitativo (ácido sulfossalicílico [SSA]), quantitativo (azul Hill D, Correa MT, Stevens JB. Sensitivity, specifieity, and predietive
brilhante de Coomassie [CBB]) e indexado (U [P:C]) de values of reagent test strip estimations of blood urea nitrogen.
perda de proteína urinária versus exame microscópico do Vet Clin PathoI1995;23:73-75.
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algoritmo diagnóstico característico diferenciado na sen- on the kinetie Jaffe reaction and an enzymatie eolorimetric test
for serum creatinine concentration in determination in cats, cows,
sibilidade do exame macroscópico (Fig. 21.36). A taxa de dogs, and horses. Can J Vet Res 1991;55:150-154.
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