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Chamamos de insuficiência renal crônica ou doença renal crônica (DRC) a condição na qual os rins
perdem de forma permanente e progressiva a capacidade de efetuar suas funções básicas, incluindo
eliminação de toxinas, controle do volume de água no corpo, regulação do pH sanguíneo, controle da
concentração de eletrólitos (sais minerais) no sague e produção de hormônios.
Nossos dois rins filtram, em média, 180 litros de sangue por dia, mais ou menos 90 a 125 ml por
minuto. Esta é a chamada taxa de filtração glomerular (TFG). Quanto menos sangue os rins são
capazes de filtrar a cada minuto, mais baixa é a taxa de filtração glomerular.
Ao contrário do que muita gente imagina, as pessoas com doença renal crônica não precisam de
diálise somente quando os rins deixam de funcionar completamente, mas sim quando a função renal
cai abaixo de um determinado patamar, em que os sintomas da doença renal começam a afetar a
qualidade de vida do indivíduo e a colocar a sua saúde em risco. Em geral, os pacientes precisam de
diálise quando a TGF encontra-se abaixo de 15 ml/minuto, mas alguns pacientes podem tolerar
valores abaixo de 10 ml/minuto.
Portanto, quando o paciente tem doença renal crônica avançada e precisa começar alguma
modalidade de diálise, seja ela hemodiálise ou diálise peritoneal, os rins dele ainda apresentam
alguma capacidade de filtração do sangue, que chamamos de função renal residual.
A produção de urina não deve ser considerada isoladamente para avaliação do grau de
comprometimento renal. Obviamente, se o paciente não urina nada ou urina muito pouco, imagina-se
que sua função renal esteja bem prejudicada, mas o contrário não é verdadeiro.
Muitos pacientes começam a fazer a diálise ainda com volume urinário absolutamente normal, ou até
mais elevado do que o habitual. Isso acontece porque a parte dos rins que é responsável pela
retenção de água e concentração da urina também está comprometida pela doença renal crônica.
Sendo assim, os rins doentes perdem a capacidade de concentrar a urina, resultando em excreção de
quantidades elevadas de água mesmo quando a função renal já está bastante reduzida. A urina
produzida por um paciente com insuficiência renal avançada tem mais água e muito menos toxinas e
eletrólitos que a urina de uma pessoa saudável.
A velocidade de progressão da doença varia de caso a caso, dependendo, dentre outros fatores, da
causa da doença renal, do tipo de modalidade de diálise escolhido e do uso de fármacos que possam
comprometer a função renal.
Já está bem estabelecido que a função renal residual influencia a mortalidade, a morbidade e a
qualidade de vida dos indivíduos em diálise. Quanto mais tempo a função renal residual for
preservada, melhor será o prognóstico do paciente.
A presença de algum grau de função renal residual influencia o volume urinário produzido, mas
também contribui para a eliminação de toxinas que são normalmente excretadas por via renal.
Sendo assim, as principais vantagens de se preservar ao máximo a função renal residual são:
Remoção de toxinas 24 horas por dia
Os rins funcionam 24 horas por dia em contraste às 12 horas por semana (4 horas, três vezes por
semana) que o tratamento com a hemodiálise é capaz de fazer.
Mesmo a função renal estando bem limitada nos estágios finais da DRC, ainda assim consegue-se
uma excreção maior de vários elementos através da urina do que na diálise, simplesmente pelo fato
dos rins funcionarem continuamente.
Além disso, certas moléculas não são bem dialisáveis, ou seja, não podem ser eliminadas pela diálise
de forma eficiente. Quando o paciente perde totalmente a capacidade de excreção renal, numa fase
mais avançada em que deixa totalmente de urinar, essas moléculas acumulam-se, contribuindo para
os efeitos deletérios da doença renal no organismo.
Os pacientes que perdem sua função residual já não urinam tanto e possuem maior dificuldade em
gerir o acúmulo de líquidos, uma vez que não existe nenhuma forma de retirá-lo a não ser durante as
sessões de hemodiálise.
Da mesma forma, o potássio ingerido através dos alimentos se acumula mais facilmente se não
existe outra forma de eliminação além do tratamento dialítico realizado somente três vezes por
semana.
Nos pacientes em diálise, o acúmulo de sódio e de líquidos influencia bastante os níveis de pressão
arterial. Quanto maior for a retenção de sal e água, maiores serão os valores apresentados pelo
paciente.
Desta forma, enquanto os rins continuam capazes de eliminar pelo menos uma parte do excesso de
sal e de líquidos através da urina, mais fácil é o controle da hipertensão arterial.
A retirada de líquido pela diálise é chamada de ultrafiltração. Em geral, o paciente com doença renal
crônica terminal ingere uma quantidade de líquidos maior do que é capaz de excretar. Sendo assim, a
ultrafiltração nas sessões de hemodiálise e na diálise peritoneal são essenciais para controlar o
volume de água no organismo.
Se o paciente ainda produz urina, não precisa contar tanto com a diálise para retirar o excesso de
líquidos ingerido ao longo dos dias. Quanto maior for a função renal residual, menor será a taxa de
ultrafiltração necessária em cada sessão.
Quanto menor for o volume de líquido ultrafiltrado em cada sessão de hemodiálise, mais “suave” será
o tratamento. É preciso destacar que o paciente com rins funcionantes elimina água de forma
constante. A bexiga está sempre em processo de enchimento. Já o paciente em hemodiálise que não
mais urina só tem aquelas 4 horas de cada sessão para retirar o excesso de líquido.
Portanto, se o volume a ser ultrafiltrado nas sessões de hemodiálise for menor, isso significa menos
chances do doente apresentar episódios de câimbras, mal-estar e hipotensão arterial, que pode levar
à isquemia cerebral ou isquemia e arritmias cardíacas. Menos complicações na diálise significa
melhor prognóstico.
Aumento da sobrevida
Vários estudos já demonstraram que existe uma relação direta entre a preservação da função renal
residual e a sobrevida dos pacientes tanto em diálise peritoneal quanto em hemodiálise.
Pacientes com função renal residual em diálise apresentam menos anemia, menos doença óssea,
valores mais controlados de ácido úrico e de colesterol, melhor estado nutricional e menor retenção
de ácidos.
Por tudo que foi exposto acima, preservar ao máximo a função renal residual e a diurese na diálise
tem grande importância no prognóstico a longo prazo do paciente com insuficiência renal terminal.
A perda da função renal residual é um processo progressivo e inexorável, mas que pode ser
acelerado ou retardado dependendo de como o paciente é tratado pelo seu médico nefrologista.
O descontrole agudo da pressão arterial pode adicionar mais lesão a um rim já doente em
consequência de anos e décadas de hipertensão arterial mal controlada. Controlar a pressão durante
as sessões de diálise, portanto, é essencial para preservar a função renal.
Uso de diuréticos
Eventualmente, haverá uma altura em que os rins já estarão muito comprometidos e não serão mais
capazes de responder ao uso dos diuréticos. Nesta fase, a ausência de benefício aliada ao risco de
efeitos colaterais justifica a sua interrupção.
Se o paciente tem ainda função renal residual, deve-se fazer todo o possível para mantê-la.
Evitar fármacos nefrotóxicos, ou seja, medicamentos que sabidamente alteram a função renal, como
os anti-inflamatórios, é uma das formas de prevenir a perda de função residual.
Contraste iodado
O uso de contraste venoso à base de iodo para realização de exames radiológicos, como tomografia
computadorizada ou angiografia, pode levar a comprometimento da função renal. Caso possível, os
pacientes em diálise que ainda tenham função renal residual devem evitar submeter-se a este tipo de
exame complementar.
Infelizmente, nem todos os fatores que influenciam a perda da função renal residual podem ser
modificados.
Tempo em diálise
A função renal residual vai se reduzindo com os anos e quanto mais tempo o paciente permanece
sob diálise, maior será a diminuição. Eventualmente, todo paciente em diálise perde completamente
sua função renal.
Proteinúria
A proteinúria, nome que damos à perda de proteínas na urina, é um sinal de lesão renal ativa.
Consequentemente, quanto maior for a proteinúria, mais rápida costuma ser a perda da função renal
residual.
Diabetes
Idade avançada
Estudos identificaram que pessoas mais idosas estão sob maior risco de perda da função renal
residual.