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Avaliação Prática Supervisionada

Psicologias Fenomenológicas e Existenciais

Relatório contendo compreensão Clínica do Personagem


Arthur Fleck do Filme Coringa (2019)

DESCRIÇÃO FENOMENOLÓGICA

Arthur Fleck, homem de meia idade que vive na pobreza, condição financeira difícil,
muito magro, rosto pálido, seco e sem vida.

O que é emocionalmente valioso para ele é sua mãe. Todas as noites ele
assiste com a mãe seu talkshow favorito com o apresentador Murray, cuida de sua
mãe que é doente, dá comida e banho. É carinhoso e muito próximo de sua mãe.

Fala para as pessoas que sua mãe diz que ele nasceu para fazer as
pessoas sorrirem. Arthur é muito tímido e retraído. Demonstra carência paterna.

A cidade que ele vive, Gothan City, é uma cidade que está sofrendo com a
recessão, uma onda de desigualdade social, no momento das cenas está ocorrendo
uma greve extensa dos lixeiros que já dura seis semanas.

Observa-se, no decorrer do filme que, em vários momentos de sua vida,


Arthur foi ridicularizado, sofreu agressões físicas e psicológicas, ignorado muitas
vezes pela sociedade e vive um isolamento constante. O personagem toma sete
medicamentos, já esteve internado em sanatório, mas demonstra gostar muito de
música.

A todo o momento tenta mudar sua situação, comparece nos atendimentos


com a assistente social e segue suas orientações, toma seus medicamentos, mas
tem a sensação que quanto mais ele tenta mais ele sofre com o desprezo e o
descaso da sociedade. O mundo diz o tempo todo que ele não é capaz. Além de
todas as violências físicas e psicológicas que ele sofre em vários momentos, ainda
sofre com rejeição e desaprovação da sociedade.

Possui uma risada patológica Síndrome Pseudobulbar (transtorno de


expressão involuntária), uma lesão em uma área cerebral possivelmente causada
quando sofreu traumatismo craniano em sua infância, situação em que foi
encontrado desmaiado e amarrado junto ao radiador, após sofrer violência
doméstica causada pela sua mãe e padrasto. Sua risada incontrolável normalmente
é desencadeada por sentimento de angústia.

Em um dado momento do filme, Arthur estava trabalhando, vestido de


palhaço e segurando uma placa, fazendo propaganda de uma loja. Jovens vândalos
roubam sua placa e saem correndo, sendo perseguidos por Arthur até um beco, no
qual ele é espancado pelos quatros garotos. Dias depois, quando seu colega de
trabalho vê seus hematomas, lhe oferece uma arma para que ele use para se
defender. Seu chefe, porém, não acredita quando tenta explicar o que houve com
ele, o chama de mentiroso e diz que irá descontar a placa de seu salário.

A única coisa que alegra sua vida é o seu trabalho como palhaço. Enquanto
ele alegrava as crianças em seu trabalho em um hospital, sua arma cai no chão,
causando, assim, sua demissão. Arrasado após sua demissão, no trajeto de volta
para sua casa, dentro do metrô, três jovens executivos assediam uma garota. Neste
momento, Arthur começa sua risada patológica (angústia), causando irritação nos
jovens, que então começam a espanca-lo. Diante dessa situação, Arthur saca a
arma e atira nos jovens, matando um a um. Após cometer os assassinatos, Arthur
foge, e ao entrar em um local, se acalma e começa a dançar.

Após estes assassinatos, parte da sociedade acredita que o palhaço


assassino do metrô é um justiceiro. Justiça frente a uma sociedade opressora, na
qual os garotos do metrô representam a parte rica da cidade, que vive bem entre
tudo isso, enquanto o palhaço é o justiceiro que vem para acabar com a
desigualdade social existente naquela cidade. Aqueles que acreditam nessa teoria
começam a usar máscaras de palhaço para afrontar o governo, ato que faz com que
Arthur se sinta bem e, finalmente, notado.
Após o corrido, o personagem enfim consegue fazer seu primeiro stand up, e
acredita ter sido um sucesso. Além disso, descobre que Thomas Wayne, um
milionário da cidade que está pleiteando candidatura para prefeito e ex chefe de sua
mãe, é seu pai. Neste momento, então ele procura Thomas Wayne para tentar uma
possível aproximação, mas é recebido com xingamentos,o possível pai diz que sua
mãe tem problemas mentais e que ele não é filho dele, terminando o encontro
recebendo um soco de Thomas Wayne.

Após policiais investigarem o possível envolvimento de Arthur com as mortes


no metrô, sua mãe sofre um derrame cerebral. Durante uma visita à sua mãe no
hospital, ele assiste o seu programa favorito, e em dado momento o apresentador
Murray satiriza sua performance em seu primeiro stand up, chamando-o de Coringa.
Arthur fica visivelmente decepcionado, e parece sentir-se ridicularizado.

O personagem principal vai, então, até o sanatório onde sua mãe esteve
internada, e descobre que ela realmente tem transtornos mentais, e que ele, na
verdade, foi adotado por ela. Além disso, descobre que sofreu inúmeras violências
domésticas durante sua infância, e durante uma dessas agressões, sofreu um
traumatismo craniano, acidente que possivelmente causou seu transtorno de
expressão involuntária (Risada Patológica).

Por conta de toda recessão que atinge a cidade, o governo corta o seu
tratamento, não havendo acesso mais aos seus atendimentos com a assistente
social e nem a seus medicamentos. A partir de tudo isso, Arthur inicia a construção
de seu personagem, o Coringa, e começa a cometer uma série de crimes. Mata sua
mãe no hospital, provoca as mortes dos policiais que o investigam, e mata o colega
que lhe forneceu a arma.

Neste meio tempo, Arthur é convidado pelo apresentador Murray para ser
entrevistado em seu programa, convite que ele aceita, e planeja aproveitar o
momento para mostrar ao mundo o seu personagem. Ele muda a cor do seu cabelo,
usa maquiagem de palhaço e usa roupas extravagantes e coloridas para aparecer
no programa. Durante o programa, fala de todos os sentimentos que o acometeram
no decorrer de sua vida, culpando a sociedade por seus problemas. Confessa os
seus crimes, e mata o apresentador em transmissão ao vivo, causando rebeliões por
toda a cidade.
Arthur sai do programa algemado e é levado para o sanatório.

ANÁLISE DE CINCO CENAS COM ARTICULAÇÃO TEÓRICA BASEANDO NOS


AUTORES QUE CONSTAM NAS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Cena Um:

Arthur está se preparando para sua atuação como palhaço, ele se maquia,
tenta forçar um sorriso no rosto, levantando os lábios com o dedo, e enquanto isso
uma lágrima escorre de seu olho. Na cena, é notório o isolamento de Arthur, ele está
sozinho em sua bancad, enquanto é possível ver, através do espelho, um grupo de
colegas que conversa e interage atrás dele.

No decorrer dessa cena é possível perceber a representação dos conceitos


que abarcam a ausência de sentido na vida.

Cena Dois:

Quando Arthur diz à assistente social que nunca foi feliz, e que sua vida não
faz sentido, percebe-se em sua fala a representação do que diz respeito ao vazio
existencial.

Cena Três:

Nesta cena, após o episódio em que sua arma cai de seu bolso durante sua
apresentação em um hospital, Arthur é demitido pelo seu chefe. Neste momento, ele
diz ao chefe que este emprego é tudo que ele tem.

Em relação a essa cena, percebe-se que, no momento em que ele é


dispensado do emprego que lhe caracterizava, acabou o que ainda restava do seu
sentido da vida.

Cena Quatro:

Arthur procura Thomas Waynne pensando que ele poderia ser seu pai e
buscando algum contato. Ao confrontar o possível pai, ele é recebido com pouca
empatia, e neste momento descobre, além de sua mãe ter transtornos mentais, ela
nunca esteve realmente grávida, e que ele é, na verdade, adotado. Para completar,
Waynne dá-lhe um soco na cara.

Nesse momento, percebe-se que Arthur sente, mais uma vez, o que se
relaciona ao vazio existencial, através da rejeição por parte de quem ele achava que
seria seu pai, e pela perspectiva de perder o único sentido que ele tinha em sua
vida: sua mãe.

Cena Cinco:

Arthur descobriu verdades sobre sua mãe e sobre seu passado. Sua mãe
tem transtornos mentais, que ele é adotado e sofreu violência doméstica de sua mãe
e seu padrasto. Além disso, diante das agressões sofridas, ocorre um traumatismo
craniano, ele foi encontrado amarrado e desmaiado junto a um radiador, situação
que possivelmente causou o transtorno que acomete Arthur.

Em todas essas cenas e diante da história de Arthur, fica claro que ele não
tem um sentido na vida, e um vazio existencial o acomete. No decorrer do filme, o
personagem está constantemente buscando um sentido, sendo ao tentar perseguir a
carreira em stand up comedy, seja ao buscar as verdades sobre seus pais e sua
infância.

Arthur perde todo o pouco que já tinha, o emprego, os atendimentos


psiquiátricos, os medicamentos, seu sonho de ser um comediante, e por último a
confiança de sua mãe. Foi rejeitado, discriminado, violentado, e é cheio de conflitos
internos. Desde sempre ele quis ser visto, notado, busca seu lugar no mundo, quer
deixar de ser invisível.

Quando Arthur abraça a máscara do Coringa, suas roupas ganham cores,


sua postura fica melhor e seu semblante ganha vida, ele fica confiante. Na vivência
da violência no metrô, ele utiliza a arma para defesa e ganha visibilidade por
algumas pessoas, deixando de ser invisível perante a sociedade.

Arthur perde tudo, perde o emprego, atendimentos psiquiátricos, medicamentos, seu


sonho, e por último a confiança de sua mãe. Quando tudo é perdido, Arthur percebe
que, como Coringa, ele consegue ser visto e acha sentido na sua loucura. Diante de
todos os acontecidos, ele escreve em seu diário: “Espero que minha morte faça mais
sentido do que a minha vida”.

TEORIA VERSUS PRÁTICA:

No decorrer do filme e de acordo com as análises feitas das cenas citadas


acima, é possível perceber em diversas ocasiões representações do que Viktor
Frankl chamou de vazio existencial.

Segundo o autor, a busca pelo sentido da vida é sua motivação primária, e é


a mola impulsionadora da existência de cada indivíduo, sendo assim, o sentido é
único e específico para cada um. Pessoas que ainda não encontraram o sentido de
suas vidas são acometidas pelo que se denominam “neuroses noogênicas”, que são
frustrações existenciais, culminando no chamado vazio existencial. Isso pode
acontecer com pessoas que não se viram como autores de suas próprias decisões,
ou deixaram que outras pessoas definissem o sentido de suas vidas ou tomasse
suas decisões, ou ainda tiveram sua vontade de sentido frustradas.

No caso do personagem Arthur, percebe-se no decorrer do filme, diversas


situações que mostram sua busca pelo sentido de sua vida sendo frustradas, como
o momento em que ele é demitido do trabalho (a única coisa que ele tinha), e a
rejeição de seu possível pai e a descoberta da verdade sobre sua mãe. Além disso,
existem cenas que demonstram representações da falta de sentido na vida de
Arthur, como a lágrima que cai enquanto ele se fantasia de palhaço e força um
sorriso, e a sua fala sobre sua infelicidade para a assistente social. Arthur explicita
em seu diário a falta de sentido sem sua vida, quando escreve que espera que sua
morte faça mais sentido do que sua própria vida.

Além disso, notamos que no filme aborda questões sociais, que vimos ainda
nos dias de hoje no que tange as exclusões sociais, por diversas questões e no caso
dele por ser talvez, diferente dos demais ou ter um transtorno mental. Escolhemos
mais uma cena que estava escrito em seu diário a seguinte mensagem: “A pior parte
de ter uma doença mental é que as pessoas esperam que você se comporte como
se não a tivesse”.

O desprezo social e o não-reconhecimento fazem com que as pessoas se


sintam invisíveis. Vivemos em uma sociedade onde se valoriza o espetáculo, o
perfeito e o feliz e aquele que é diferente disso é invisível e o invisível tende a
significar o insignificante. Múltiplos sentimentos estão ligados ao sentimento central

de ser invisível: a vergonha, a insegurança, a paranóia, o fracasso e o isolamento.

“Os invisíveis” são criados pela percepção coletiva e os transformam e os


julgam, surgindo assim os preconceitos. Ou seja, este fenômeno é subordinado a
uma intencionalidade própria à “consciência coletiva”, a consciência coletiva regula
os conhecimentos e as convicções. (Durkheim, 1893 apud Tomás, 2008)

Baseada na fenomenologia de Husserl e na fenomenologia social de Schütz,


a invisibilidade social parte da percepção intuitiva do objeto fenomenal. O que quer
dizer que o “ver”, como o “não-ver”, são ações sociais que, por conseguinte seguem
a lógica das estruturas espaços-temporais da consciência. A fenomenologia analisa
a forma como as coisas aparecem. Desta forma a fenomenologia do invisível parece
impossível (Heidegger, 1927, apud Tomás).

“O “inaparente” é para o filósofoo modo radical do fenômeno porque o inaparente “no


seu inaparecer abre a possibilidade do que aparecer” (Heidegger 1976).

O movimento de “inaparecer” é um movimento intencional importante para


a pesquisa e necessita ser esclarecidos. Essa Intenção surge da relação que a
consciência tem com o mundo e com os outros porque, segundo Husserl (1986),“a
consciência é sempre consciência de alguma coisa”, tem intenção de fazer sentido
ou dar sentido, um movimento da consciência de dar um significado ao que o olho
percebe. A intenção para Husserl pode ser chamada de “atitude natural”, ou seja, a
atitude de acreditar.

Julgamentos da esfera subjetiva, combinados com algumas situações, são


capazes de perturbar a experiência coletiva intersubjetiva e esta experiência que dá
objetividade à realidade e torna inteligível a noção de invisibilidade social.

Para Alfred Schütz (1998), fundador da fenomenologia social, a realidade


da vida cotidiana é assimilada por um “processo contínuo de tipificações” que se
organiza em torno do “aqui” e do “agora”. Se, como Husserl afirma, da percepção
surge o ser, então a não-percepção do outro se traduz pela inexistência do ser.
Ralph Ellison escreveu, no seu livro The invisible man,

“Eu sou invisível, compreendam bem, simplesmente porque as pessoas


recusam olhar para mim”.

Diante do exposto podemos compreender a relação do indivíduo com o


vazio existencial e o sentido para a vida mais uma vez.

O ser humano está sempre buscando um sentido ou um significado para a


sua vida, estando sempre em busca constante para encontrar um motivo para viver
e isso faz parte da sua humanidade. Frankl (2005)

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

FRANKL, Viktor E. Um sentido para a vida: Psicoterapia e Humanismo. 14. ed. São
Paulo: Ideias e Letras, 2005.

FRANKL, Viktor E. Em busca de Sentido, 35 edição, vol.1, ed. Vozes, 2011

DURKHEIM Émile (1893), De la Division du travail social, Paris, PUF, apud TOMÁS,
J.S.P. A invisibilidade social, uma perspectiva fenomenológica. Conference: VI
Congresso Português de Sociologia: “Mundos sociais, saberes e práticas. Jun 2008.
Disponível em:
https://www.researchgate.net/publication/228333118_A_invisibilidade_social_uma_p
erspectiva_fenomenologica. Acesso em 12. Mai 2020

HEIDEGGER Martin (1976), Questions IV, Paris, Gallimard

HEIDEGGER Martin (1927), Être et temps, Paris, Gallimard, 1986

HUSSERL Edmund (1986), Méditations cartésiennes, Paris, Vrin

SCHÜTZ Alfred (1998), Éléments de sociologie phénoménologique, introduzido e


traduzido por Thierry Blin,Paris, L’Harmattan

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