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Aluno: Hugo de Jesus Ferreira

Orientador: Fabrício Juliano Mendes Medeiros

Fichamento

Jurisdição Constitucional- Kelsen p. 237-319

Quem dever ser o guardião da Constituição?

O controle de constitucionalidade é mecanismo vital em um Estado


democrático de Direito. Kelsen questiona qual a estrutura estatal é a mais indicada para
exercer tal mister. Nesse ponto, encontra-se uma premissa básica: o órgão controlador não
pode ser o mesmo que elabora os atos controlados, nas palavras do autor “ninguém pode ser
juiz em causa própria”. (p. 240)

Os constitucionalistas do século XIX, inspirados pelo princípio monárquico,


propagavam a tese de que o monarca seria o “natural” guardião da Constituição. Para Kelsen
tal interpretação tinha um óbvio escopo: compensar a perda de poder do Chefe de Estado
ocorrida na transição da monarquia absoluta para a constitucional. A eficaz garantia da
Constituição estaria prejudicada, pois o monarca seria ao mesmo tempo garante e violador do
texto constitucional. Conferiu-se ao monarca um “poder neutro”, situado acima da dicotomia
Parlamento/Governo. O autor faz severa crítica: “Como poderia o monarca, detentor de
grande parcela ou mesmo de todo o poder do Estado ser instância neutra em relação ao
exercício de tal poder, e a única com vocação para o controle de constitucionalidade?”. (p.
242)

No caso da Alemanha, Kelsen expõe de forma crítica a doutrina de Schmitt.


Para esse último, o chamado poder neutro do monarca se encontra ao lado dos outros poderes
constitucionais, em perfeita harmonia. O Reich (Chefe do Executivo) é o competente para
proteger a Constituição. A tendência é que as violações ao texto constitucional surgiriam da
atividade legislativa e não do governo.
Schmitt é contra a criação de um tribunal constitucional independente.
Questiona a legitimidade da jurisdição constitucional. Para ele os tribunais alemães não
poderiam ser enquadrados como verdadeiros guardiães da constituição, ao contrário da
suprema corte dos Estados Unidos. Kelsen rebate tal assertiva demonstrando que as atividades
desempenhadas em ambos os tribunais são, essencialmente, as mesmas.

No dizer de Kelsen, as funções jurisdicionais e políticas não são totalmente


contraditórias. A decisão sobre a constitucionalidade das leis seria um ato político e não
propriamente jurisdicional: “[...] O caráter político da jurisdição é tanto mais forte quanto
mais amplo for o poder discricionário que a legislação, generalizante por sua própria natureza,
lhe deve necessariamente ceder” (p. 251). Tanto o ato legislativo quanto o ato jurisdicional
possuem certa carga política. O legislador confere ao juiz o poder de avaliar, dentro de alguns
limites, os interesses em conflito e decidir em um ou em outro sentido. “[...] Todo conflito
jurídico é na verdade um conflito de interesses ou de poder, e portanto toda controvérsia
jurídica é uma controvérsia política[...]” (p. 252).

Schmitt se filia ao pensamento de que as questões políticas não são objeto


de jurisdição. Vai além, para ele jurisdição constitucional não é de fato jurisdição. Kelsen
refuta essa doutrina afirmando que a jurisdição é detentora de caráter político, especialmente a
jurisdição constitucional. Para Schmitt, a discricionariedade do juiz é um fenômeno
inexistente. A decisão judicial já esta está pronta, deve ser extraída do texto da lei. Por um
simples critério lógico, chegar-se-ia a uma decisão automática. Kelsen assinala que tal
raciocínio deriva do pensamento da monarquia constitucional, segundo o qual o juiz não
apresentaria nenhuma atividade criativa.

Hans Kelsen defende a tese de que não existe diferença qualitativa entre lei
e sentença. Ambas seriam formas de produção do direito. A decisão de um tribunal
constitucional é, a um só tempo, ato de jurisdição e ato legislativo e deve possuir, sem dúvida,
o elemento político. Com essa linha de argumentação, afasta a idéia de que o controle de
constitucionalidade (com forte viés político) não seria ato de jurisdição, ou seja, para ele o
“político” não exclui o “jurídico”.

O autor explica que a constituição divide o poder em dois pólos, Parlamento


e governo. Existe um natural antagonismo entre as duas instâncias. Eventualmente, um dos
pólos pode ultrapassar os limites que a constituição lhe impôs. Nessa hipótese, seria
recomendável a participação de uma terceira estrutura (situada fora do conflito) para apreciar
essa controvérsia constitucional. “[...] A vantagem fundamental de um tribunal constitucional
permanece sendo que, desde o princípio, este não participa do exercício do poder, e não se
coloca antagonicamente em relação ao Parlamento ou ao governo” (p. 276).

Kelsen acusa Schmitt de difundir uma ideologia pseudodemocrática, qual


seja: o povo é formado por um bloco homogêneo e possui uma vontade geral que é
instrumentalizada pelo Chefe de Estado. Para Kelsen a chamada “vontade geral” do povo não
existe. Seria um mero argumento retórico (a típica ficção da democracia). O Chefe de Estado
busca harmonizar os interesses dos grupos antagônicos. Ocorre que a sua atuação depende de
apoio dos ministros que, por sua vez, necessitam da chancela parlamentar. Por causa dessa
variedade de agentes envolvidos, o Chefe de Estado não influencia a formação da vontade
estatal de forma isolada.

Ao contrário do que propõe Schmitt, o autor entende que a eleição do Chefe


de Estado pelo povo não significa que ele expressará a vontade geral de forma independente.
O processo eleitoral, apesar de ser um método democrático de nomeação, não garante, por si
só, que o chefe de Estado será capaz de dirimir os conflitos dos grupos sociais.

O autor defende que o Executivo não goza de uma independência maior que
a do Judiciário. Deve ser afastado o argumento de que os juízes poderiam ser facilmente
influenciados pelo Chefe do Executivo. Prova que a tese do “poder neutro” do governante não
merece prosperar, pois o Chefe de Estado não poderia se imiscuir nas decisões tomadas pelos
outros poderes. Onde estaria a neutralidade?
O controle judicial da constitucionalidade

Nesse capítulo o autor faz um estudo comparado entre a constituição


austríaca e a americana. Estabelece os traços distintivos e apresenta alguns pontos de
confluência nos referidos sistemas.

A Constituição austríaca de 1920-30 previa o controle de


constitucionalidade tanto para leis como para decretos. Havia dois tipos de decretos: os
decretos editados para a execução de leis e os decretos promulgados diretamente com base na
Constituição (possuíam status de lei). Esses últimos, caso apresentassem alguma
incompatibilidade com a Lei Maior, eram considerados inconstitucionais. Já os primeiros,
deviam respeito inicialmente à lei. Caso não correspondessem a ela seriam ilegais e, de forma
indireta (reflexa), inconstitucionais.

A constituição da Áustria autorizava o julgador a afastar a aplicação da lei


em um caso concreto se entendesse pela sua inconstitucionalidade. Tal hipótese também
ocorria no direito americano. Kelsen indica como desvantagem dessa técnica a existência de
múltiplos entendimentos sobre a mesma matéria. “[...] os diferentes órgãos aplicadores da lei
podem ter opiniões diferentes com respeito à constitucionalidade de uma lei e que, portanto,
um órgão pode aplicar a lei por considerá-la constitucional enquanto outro lhe negará
aplicação com base na sua alega inconstitucionalidade”. (p. 303)

Antes do advento da Constituição austríaca de 1920 as decisões sobre a


constitucionalidade não possuíam força obrigatória sobre as cortes inferiores. Tal diploma
normativo estabeleceu um marco. Promoveu a centralização da revisão judicial e reservou
essa atividade a uma Corte Constitucional.

Nessa nova sistemática, substanciais mudanças ocorreram: a lei poderia ser


invalidada total ou parcialmente, a decisão da corte constitucional passou ostentar eficácia
erga omnes e os efeitos ex nunc (como regra).

Para Kelsen uma lei incompatível com a Constituição não poderia ser
classificada como “inconstitucional”. Na verdade, ela deveria ser considerada válida até a
superveniência de um processo especial de anulação, ou seja, “[...] Enquanto a corte não
tivesse declarado a lei inconstitucional, devia ser respeitada a opinião do legislador, expressa
em seu ato legislativo”. (p. 305). Vislumbra-se a natureza constitutiva dessa decisão, que se
contrapõe à natureza declaratória do sistema americano.

Há três efeitos possíveis para a decisão que promove a anulação de leis no


âmbito do sistema austríaco: o efeito ex nunc, como regra. O efeito ex tunc, atribuído apenas
em caráter excepcional (os efeitos da sentença só retroagiriam no caso que ensejou a
anulação). Já o feito pro futuro, que ocorreria caso o tribunal estabelecesse um momento
distinto para a produção de efeitos, que não o da publicação da sentença. Esse lapso temporal
não poderia exceder o prazo de um ano, segundo estabelecia a constituição austríaca.

Kelsen entendia que o controle de constitucionalidade possuía o status de


“ato legislativo negativo”, não seria uma atividade propriamente judicial. Ao contrário do
Parlamento, a Corte Constitucional não produz, ao revés, elimina do ordenamento jurídico
uma determinada norma.

No sistema americano a sentença que declara a inconstitucionalidade possui


efeitos ex tunc, ou seja, fulmina os atos desde a origem (ab initio). Vigora a idéia da força
obrigatória dos pronunciamentos das cortes superiores (stare decises).

Nos EUA a questão da inconstitucionalidade só é analisada de maneira


incidental. Apenas em casos concretos e desde que alguma das partes suscite a
inconstitucionalidade ela será debatida. Para Kelsen esse modelo apresentava um problema de
cunho federativo: o governo federal poderia questionar a constitucionalidade de uma lei
estadual, já o estado possuía grandes dificuldades para arguir a inconstitucionalidade de uma
lei federal, pois não poderia processar o ente federal.

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