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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ - UFPI


PRÓ-REITORIA DE ENSINO DE PÓS-GRADUAÇÃO - PRPG
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS – CCHL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO - PPGD

Disciplina: Direito, Filosofia e História da Constituição Moderna

Professora: DD

Tema: Introdução à separação pura dos poderes

Relatoria: AF

Bibliografia:

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social ou princípios do direito político. São Paulo:


Companhia das Letras, 2011. 

O livro se divide em cinco partes, sendo a primeira denominada “advertência” e as


quatro subsequentes identificadas como “livros”, enumerados de I a IV, subdivididos em
tópicos temáticos nos quais desenvolve várias categorias teóricas.
Na advertência inicial, Rousseau revela que O contrato social foi extraído de uma
obra mais extensa, abandonada pelo autor. (p. 41).

Livro I:

O livro I se inicia com a delimitação das pretensões investigativas do autor, que se


propõe a versar sobre “se pode haver na ordem civil alguma regra de administração legítima e
segura, que considere os homens tais como são e as leis tais como podem ser” (p. 43).
Ainda no começo do primeiro livro o autor deixa claro que sua experiência pessoa
como cidadão de um Estado livre (Genebra) e o direito de votar e ter voz nos negócios
públicos e o fato de se considerar membro de um corpo soberano são suas inspirações para
suas reflexões a respeito dos governos.
A reflexão inicial do livro gira em torno da seguinte questão: “O homem nasceu
livre, e em toda parte vive acorrentado” (p. 44). Rousseau declara não saber como essa
mudança se deu, mas que pode responder como ela se tornou legítima.
Por correntes, podemos entender o estabelecimento da ordem social, que segundo o
autor “é um direito sagrado, que serve de base a todos os outros. No entanto, esse direito não
vem da natureza, ele se fundamenta portanto em convenções” (p. 44).

Das primeiras sociedades:


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Aponta que “A mais antiga de todas as sociedades e a única natural é a família” (p.
44). Os únicos laços de dependência são os deveres de cuidado dos pais para com os filhos e
destes com relação àquele, enquanto necessitarem, sendo regidos pela lei da conservação.
Superada essa dependência, verifica-se a liberdade, que é uma consequência da natureza
humana. A família seria, portanto, o primeiro modelo de sociedade política.

Direito do mais forte:

Inicia uma sua reflexão a respeito da ausência de moralidade no uso da força física
afirmando que “O mais forte nunca será forte o bastante para ser sempre o amo se não
transformar sua força em direito e a obediência em dever”(p. 46).

Ainda sobre esse ponto, tece considerações a respeito do emprego da força versus o
direito, afirmando que “a força não funda o direito e que só temos a obrigação de obedecer
aos poderes legítimos” (p. 47).

Da escravidão:

Ao discorrer sobre escravidão, o autor estabelece a base do seu contratualismo ao


afirmar que “Já que nenhum homem tem uma autoridade natural sobre seu semelhante e já
que a força não produz nenhum direito, restam pois as convenções como base de toda
autoridade legítima entre os homens.” (p. 47).

Essa análise em torno da questão da escravidão se desenvolve pelo fato de Grotius,


citado por Rousseau, comparar a alienação da liberdade de um escravo em favor de um amo à
alienação da liberdade de um povo a um rei. O autor argumenta, no que tange à liberdade, que
sua “renúncia é incompatível com a natureza do homem, e tirar toda liberdade da sua vontade
é tirar toda moralidade das suas ações” (pp. 48-49). Após uma análise sobre os fundamentos
da escravidão, passando pelo direito de guerra, aponta que “o direito do escravo é nulo, não só
porque é ilegítimo, mas porque é absurdo e não significa nada. As palavras escravidão e
direito são contraditórias, excluem-se mutuamente” (p. 51).

Que é sempre preciso remontara uma primeira convenção:

Partindo do pensamento de Grotius a respeito da entrega de um povo a um rei,


Rousseau identifica esse ato como tendo uma natureza civil, já que sob essa ótica do pensador
antagonista, um povo já é povo antes dessa entrega. Para ele a questão é examinar o ato pelo
qual o povo é um povo.
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Do pacto social:

Neste ponto do texto temos o cerne da hipótese de Rousseau (hipótese porque se trata
do desenvolvimento de uma ideia e não da descrição de fatos históricos como faz em outros
pontos do livro). O ponto de partida de sua reflexão seria o momento em que a conservação
dos homens se vê ameaçada:

Suponho que os homens tenham chegado ao ponto em que os obstáculos que


prejudicam a sua conservação no estado de natureza prevalecem por sua
resistência sobre as forças que cada indivíduo pode empregar para se manter
nesse estado. Então, esse estado primitivo não pode mais subsistir e o gênero
humano pereceria se não mudasse sua maneira de ser. (p. 52).

A saída seria a agregação de forças, já que novas forças não poderiam, simplesmente,
serem geradas. A solução para esse problema seria o contrato social.
Portanto, não seria incorreto representar o percurso hipotético (e não histórico)
sugerido pelo autor a partir do seguinte esquema:

Estado de natureza Obstáculos à conservação dos homens Agregação

Em síntese, as cláusulas desse contrato podem ser reduzidas a uma só:

[...] a alienação total de cada associado, com todos os seus direitos, a toda a
comunidade. Porque, primeiramente, se cada um se doa por inteiro, a
condição é igual para todos, e, sendo a condição igual para todos, ninguém
tem interesse em torná-la onerosa aos outros. (p. 53).

O contrato social pode ser compreendido nos seguintes termos utilizados pelo autor:
“Cada um de nós dispõe em comum da sua pessoa e de todo o seu poder sob a suprema
direção da vontade geral, e recebe, enquanto corpo, cada membro como parte indivisível do
todo”. (pp. 53-54). Percebe-se nesse trecho a utilização de uma categoria teórica importante,
que é a ideia de vontade geral como um único corpo, que pode ser entendido como pessoa
moral, pública ou corpo político (termos também empregados em outros pontos da obra).

Ainda nesse tópico do livro, Rousseau lança vários outros conceitos importantes para
a compreensão do seu contrato social, como se percebe no trecho a seguir:

Essa pessoa pública, que se forma assim pela união de todas as outras,
tomava antigamente o nome de Cidade e toma agora o de República ou de
corpo político, que é chamado por seus membros de Estado quando é
passivo, Soberano quando é ativo, Potência quando comparado a seus
semelhantes. Quanto aos associados, eles tomam coletivamente o nome de
povo e se chamam em particular de Cidadãos, enquanto partícipes de uma
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autoridade soberana, e Súditos, enquanto submetidos às leis do Estado. (p.


54).

No que se refere aos contratantes, que se constituem como povo, perceba-se que o
autor os apresenta a partir de duas dimensões de observação, quais sejam: a de cidadão e a de
súdito.

Por fim, quanto a esse tópico, podemos dizer que com o contrato, tem-se o
nascimento tanto da sociedade, como do Estado.

Do soberano:

O ato de associação representa, na teoria, um compromisso entre o público e os


particulares. Cada indivíduo, a partir do pacto, se encontra duplamente comprometido, pois
como membro do soberano, com os particulares e como membro do Estado, com o soberano.

O soberano, na teoria de Rousseau, é o corpo político (ou corpo social) e deriva do


contrato, sendo este ato primitivo, a origem da sua existência. Explicando a relação orgânica
desse corpo com suas partes, afirma que “Quando essa multidão é reunida assim num corpo,
não se pode ofender um de seus membros sem atacar o corpo; menos ainda ofender o corpo
sem que os membros se ressintam.” (p. 55). Sob essa lógica, o soberano não pode tem
interesses contrários aos dos indivíduos que o compõem.

Já a recíproca, seria mais complicada, pois “não é assim na relação dos súditos com o
soberano. Apesar do interesse comum entre ambos, nada garantiria os compromissos
assumidos pelos súditos caso o soberano não encontrasse meios de assegurar a fidelidade
desses.” (p. 55).

Neste ponto da teoria é que identificamos o aparecimento da ideia de vontade


particular, que pode ser diferente da vontade geral, que orienta o indivíduo enquanto cidadão.
Essa vontade partícula pode gerar injustiças e levar à ruína do corpo político. A
compatibilização desses interesses dentro da estrutura do Estado e tendo por base o contrato
social, depende do compromisso dos associados, como apontado no seguinte trecho:

Portanto, para que não seja uma fórmula vazia, o pacto social implica
tacitamente este compromisso, o único capaz de dar força aos demais: o de
que quem se recusar a obedecer à vontade geral será forçado a fazê-lo por
todo o corpo, o que significa que será forçado a ser livre. (p. 56).

O contrato social possui respaldo, portanto, na vontade geral e o soberano é o corpo


de cidadãos e não um órgão/função estatal.
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Do estado civil:

A afirmação do contrato e a passagem do estado de natureza ao estado civil trazem


várias transformações, como sucessão da justiça aos instintos, da “voz do dever” no lugar da
força física, do direito em vez do apetite e da razão, em substituição às propensões
individuais. A respeito da relação custo-benefício do contrato social apresentada na obra, a
passagem seguinte é bastante esclarecedora:

O que o homem perde pelo contrato social é sua liberdade natural e um


direito ilimitado a tudo o que o tenta e que ele pode alcançar. O que ele
ganha é a liberdade civil e a propriedade de tudo o que possui. (p. 57).

Rousseau acrescenta que essa nova liberdade do estado civil é uma liberdade moral,
tendo em vista que agora obedece a uma lei prescrita por si mesmo.

Do domínio real:

Neste ponto do livro o autor discorre a respeito da posse, que compõe as forças do
indivíduo, e junto com este, se incorpora à comunidade nas “mãos” do soberano. O Estado,
portanto, pelo contrato social, é senhor de todos os bens de seus membros.

Aponta ainda que o direito de primeiro ocupante só se torna verdadeiro direito depois
do estabelecimento da propriedade, que surge com a alienação das forças individuais
decorrente do contrato social, como se percebe na seguinte parte:

O que há de singular nessa alienação é que a comunidade, ao aceitar os bens


dos particulares, longe de despojá-los desses bens, garante a eles sua posse
legítima, transformando a usurpação num verdadeiro direito e o usufruto em
propriedade.(p. 59).

É importante ressaltar que o direito que cada particular tem sobre sua propriedade
está subordinado ao direito que toda a comunidade tem sobre a totalidade, do qual deriva a
força da soberania.

Livro II

Que a soberania é inalienável

Dos princípios até agora estabelecidos no livro, a mais importante consequência é


que somente a vontade geral pode dirigir o Estado e que isso deve se dar de acordo com a
finalidade de sua instituição, que é o bem comum (e com base nele a sociedade deve ser
governada), que seria o ponto sobre o qual todos se põem de acordo e que sustenta a
existência da sociedade.

Sobre a soberania e sua relação com o bem comum, o excerto a seguir é revelador:
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Digo portanto que a soberania, que é o exercício da vontade geral, nunca


pode ser alienada e que o soberano, que é um ser coletivo, só pode ser
representado por si mesmo. O poder pode ser transmitido, não a vontade. (p.
63).

Que a soberania é indivisível

Também pelo fato de a vontade ser geral, que leva, como visto acima, à
inalienabilidade, é que a soberania é indivisível. A vontade declarada do povo é um ato de
soberania e se constitui lei.

Dessa ideia de indivisibilidade do soberano, tocamos no tema da separação dos


poderes em Rousseau. Para o autor, a soberania se divide em objeto e não em princípio,
conforme se verifica no trecho a seguir:

Mas, como nossos políticos não conseguem dividir a soberania em seu


princípio, dividem-na em seu objeto. Eles a dividem em força e vontade, em
poder legislativo e poder executivo, em direitos de impostos, de justiça e de
guerra, em administração interna e em poder de tratar com o estrangeiro. (p.
64).

Apesar de o tema da separação de poderes não ser tratada de forma clara e


sistemática, podemos extrair a visão do autor sobre o tema quando ele afirma que uma noção
precisa da soberania leva à compreensão de que as funções não correspondem a partes de sua
autoridade, mas sim, apenas a emanações suas.

Se a vontade geral pode errar

Afirma que o povo nunca se corrompe, mas pode ser enganado, e quando isso ocorre
parece querer o que é ruim. Para fundamentar essa afirmação, faz uma distinção entre vontade
geral e vontade de todos: esta diz respeito à soma de vontades dos particulares e aquela, ao
interesse comum.

A diferenciação feita acima, quando verificada em deliberações, pode levar a


decisões que não são boas, pois quando há conluios, associações parciais, a vontade de
particulares deturpa a vontade geral. Quando uma associação se torna tão grande que se
sobreponha, não existe mais vontade geral, apenas opinião particular.

A vontade geral em deliberações se opera quando os cidadãos opinam somente de


acordo com seu entendimento, sem parcialidade (por parcialidade, deve ser entendida a
opinião com base nos conluios).
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Dos limites do poder soberano

Como já apontado, temos em Rousseau que o Estado é uma pessoa moral e para a
sua conservação, necessita de uma força universal e compulsória (poder absoluto) para atuar
da maneira mais conveniente a todos. Esse poder absoluto é a soberania e é dirigido pela
vontade geral.

Um primeiro limite ao poder absoluto do soberano são as pessoas privadas, cujas


vidas e liberdades (direitos naturais) são independentes da pessoa pública. Os direitos naturais
dos cidadãos, enquanto súditos, devem ser respeitados pelo soberano. Esse respeito se opera
quando o Estado só requisita ao cidadão serviços que tenham utilidade à comunidade, apesar
de que, quando isso se verifica, pode requisitar quando quiser.

O contrato social, portanto, não é uma renúncia, e sim uma troca vantajosa, por
diminuir os riscos do estado de natureza.

Outro limite seria a noção de vontade geral. A generalidade da vontade é definida


pelo interesse comum que une os interesses, e isso é um ponto de definição melhor que o
número de votos que a concretiza. Nessa perspectiva, temos ainda que “todo ato autêntico da
vontade geral, obriga ou favorece igualmente todos os cidadãos, de sorte que o soberano leve
em conta somente o corpo da nação e não distinga nenhum dos que a compõem”(p. 69).

Rousseau define, a partir desses limites, o que seria ato de soberania:

Não é uma convenção do superior com o inferior, mas uma convenção do


corpo com cada um dos seus membros, convenção legítima, porque tem
como base o contrato social; equitativa, por ser comum a todos; útil, por não
poder ter outro objeto senão o bem geral; e sólida, por ter como garantia a
força pública e o poder supremo. (p. 69).

Do direito de vida e de morte

“Todo homem tem direito de arriscar sua vida para conservá-la” (p. 70). A finalidade
do contrato sócia é a conservação dos contraentes, sendo assim, quem quer o fim, aceita os
meios, que pode constituir em dar a vida quando necessário.

A partir dessa lógica, explica a pena de morte: “A pena de morte infligida aos
criminosos pode ser encarada mais ou menos a partir do mesmo ponto de vista. É para não ser
vítima de um assassino que aceitamos morrer se nos tornamos um.” (p. 71). Todo “malfeitor”
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seria um traidor da pátria, deixando de ser membro desta ao violar suas leis e nesse caso, “a
conservação do Estado é incompatível com a dele, e um dos dois tem de perecer” (p. 71).

Apesar destas considerações a respeito da pena de morte, deixa transparecer uma


opinião contraria a esta no seguinte passagem:

De resto, a frequência dos suplícios é sempre um sinal de fraqueza ou de


preguiça do governo. Não há homem mau que não possamos tornar bom
para alguma coisa. Não temos o direito de matar, nem sequer para dar
exemplo, aquele que podemos conservar sem perigo. (pp. 71-72).

Da lei

A vontade do corpo político (que ganhou vida pelo pacto social, que não determina
nada a respeito de como o corpo deve fazer para se preservar) se expressa pela lei, que seria
um elemento dinâmico.

Afirma que toda justiça vem de Deus, porém, que não somos capazes de apreendê-la
diretamente desta fonte. Existiria, portanto, uma justiça universal que emana da razão, porém,
são necessárias convenção e leis para unir os direitos aos deveres. No estado civil, todos os
direitos são estabelecidos pela lei.

Lei seria uma matéria geral estatuída pela vontade geral. O objeto da lei é sempre
geral, pois considera os sujeitos coletivamente (não visando um indivíduo em específico) e as
ações em abstrato (e não uma ação em particular). Com base nessa ideia, admite que a lei
possa estatuir privilégios, porém, sem direcioná-los a ninguém em específico.

Para Rousseau as leis decorrem da vontade geral (o povo é seu autor), vinculam o
príncipe, pois este é membro do Estado, e são justas, pois ninguém pode ser injusto consigo
mesmo.

Sobre o que o soberano ordena a um particular, não se trata de uma lei e sim um
decreto, que decorre de um ato de magistratura. Leis decorrem de atos de soberania.

Rousseau chama de República todo Estado regido por leis, sob qualquer forma que
seja administrado, pois aí, somente o interesse público governa, afirmando que todo governo
legítimo é republicano.

Do legislador
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Quanto a este quesito, afirma que todos precisam de guias, e daí que vem a
necessidade de um legislador, que deve ser um “homem extraordinário”.

Quanto à função do legislador, não se trata de magistratura, nem de soberania. A


função do legislador constitui a República, mas não integra a constituição desta. Trata-se uma
função particular e superior que não tem nada a ver com o império sobre os homens, pois
“aquele que comanda as leis também não deve comandar os homens” (p. 76). O poder
soberano não deve ser reunido com a autoridade legislativa (redigir as leis é uma coisa, ter o
direito legislativo é outra, sendo este último, de titularidade do povo). Cita como argumento
para esta separação, o fato de Genebra ter atribuído a um estrangeiro (Calvino) o
estabelecimento de suas leis.

Do povo

Quando costumes e preconceitos se tornam arraigados, é muito difícil mudá-los.


Ocorre que, em algumas raras situações, revoluções fazem com que o povo recupere seu
vigor. “Um povo pode conquistar a liberdade, porém jamais a recupera” (p. 80).

Aponta, ainda, que existe para as nações um tempo de maturidade que é necessário
esperar antes de submetê-las às leis.

A melhor constituição de um Estado

Os limites do Estado não podem nem ser grande demais (para poder ser bem
administrado), nem pequeno demais (para se manter por si). Em geral, segundo Rousseau, um
pequeno Estado é mais forte que um Estado grande, quando considerado em termos
proporcionais.

As grandes distâncias tornam a administração mais penosa, o que demanda mais


níveis de poder (intermediários do mandatário), se tornando, portanto, mais onerosa e lenta.
Melhor, portanto, quando há apenas um acima dos súditos. Disso (distância) resulta também
uma menor afeição do povo a seu chefe.

Além disso, uma mesma lei não poderia convir bem a diversas províncias e fazer
uma diferenciação legal, causaria distúrbios.

Um Estado pequeno demais também tem inconvenientes, pois uma certa base é
necessária para poder se preservar contra ameaças externas.
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Tem-se, portanto, que uma boa constituição de Estado deve contar mais com o vigor
de um bom governo do que com os recursos de um território grande.

Aponta o autor, uma relação entre o território e o número de habitantes, que deve ser
considerada para um adequado dimensionamento do Estado: a terra deve bastar para manter
seus habitantes. Essa relação ainda vai depender da qualidade da terra e do temperamento dos
habitantes (voracidade em relação ao que se produz).

Quanto à época mais adequado para se constituir um Estado, seria:

[...] a de que se desfrute da fartura e da paz, porque o tempo em que se


organiza um Estado é, como aquele em que se forma um batalhão, o instante
em que o corpo é menos capaz de resistência e mais fácil de ser destruído.
(p. 84).

Um legislador (grande) sabe o momento certo de constituir o Estado, enquanto que


usurpadores escolhem momentos conturbados para se investir no poder.

Dos diversos sistemas de legislação

A finalidade de qualquer sistema de legislação, para Rousseau, deve ser a liberdade e


a igualdade. Quanto a esta última significaria, no que se refere ao poder, que ele esteja abaixo
de qualquer violência e que seja exercido de acordo com a hierarquia e as leis. Quanto à
riqueza, a igualdade se verifica quando nenhum cidadão seja tão opulento a ponto de comprar
os outros e nem tão pobre que precise se vender. Ou seja, não se exige que todos sejam
exatamente iguais em riqueza e poder.

O autor ainda defende que existem certas vocações geográficas e também relativas
ao caráter dos habitantes que determinam o tipo de sistema de legislação mais adequado à
nação.

Classificação das leis

A primeira classificação tem a ver com a relação de todos com todos (ou do soberano
com o Estado, do corpo político agindo sobre si mesmo). As leis que regem essa ralação são
as leis políticas (ou leis fundamentais). O tema de “O contrato social” está relacionado a esse
tipo de lei, pois constituem a forma de governo. Observa o autor, ainda, que um povo sempre
tem o poder de mudar suas leis.

A segunda classificação se refere à relação dos membros entre si ou com o corpo


inteiro. Dessa segunda relação é que surgem as leis civis.
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Cita ainda as leis criminais, que regem a relação entre o homem e as leis e versam
sobre desobediência e penas, que longe de ser uma categoria específica de leis, seria mais uma
sanção de todas as outras.

O quarto tipo de leis seria o mais importante, “gravadas nos corações dos cidadãos” e
verdadeira constituição do Estado: os usos, costumes e opiniões (públicas), aos quais o
legislador deve estar sempre atento.

Livro III

Do governo em geral

O corpo político ao exercer uma ação livre, age por dois móveis, a saber: a força
física (poder executivo) e a vontade, que tem natureza moral (poder legislativo). Enquanto o
poder legislativo, como já apontado, pertence ao povo, o executivo não pode pertencer à
generalidade, pois esse poder consiste no exercício de atos particulares, não sujeitos à alçada
da lei, nem do soberano (cujos atos são necessariamente leis). Para Rousseau, portanto,
governo é algo diferente de soberano, ente do qual é apenas “ministro”.

O que é portanto o governo? Um corpo intermediário estabelecido entre os


súditos e o soberano para sua mútua correspondência, encarregado da
execução das leis e da manutenção da liberdade, tanto civil quanto política.
(p. 93).

O governante (ou administração suprema) seria um corpo chamado de príncipe e os


membros desse corpo se chamam magistrados ou reis, constituindo-se em funcionários do
soberano. O ato pelo qual o povo se submete a chefes não passa de um mandato, pois o poder
do soberano é inalienável. O Estado, desta forma, existe por si só, enquanto o governo só
existe graças ao soberano. As ordens repassadas ao povo, pelo governo, são recebidas do
soberano, devendo refletir a vontade geral (lei).

O autor aponta ainda, que organização dos tribunais estaria no interior do governo (p.
96). Aqui percebe-se a visão do autor quanto à alocação do judiciário na estrutura do Estado.

Tem-se, desta forma, três instâncias: o soberano, o governo e o povo (que também é
soberano). Quando o legislador ou governo tentam se imiscuir nas funções uns dos outros, ou
quando os súditos se recusam a obedecer, o Estado se dissolve. O corpo do governo, para se
distinguir do corpo do Estado, precisa de um “eu particular”, uma existência particular, um
poder de deliberar próprio.
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Do princípio que constitui as diversas formas de governo

Quanto mais numerosos os magistrados, mais fraco o governo. Na pessoa do


magistrado se verificam três vontades distintas: a vontade própria, a vontade comum dos
magistrados (enquanto governo) e a vontade do corpo (geral ou soberana). A vontade geral
deve ser a dominante, a do governo deve ser bastante subordinada, enquanto a individual deve
ser nula, para que tenhamos uma legislação perfeita. Atenção para o fato de que na ordem
natural, a vontade individual é a predominante. O governo até pode ser de um só, desta forma,
desde que a vontade geral seja predominante.

Divisão dos governos

Abaixo serão tratadas as formas de governo. De antemão, é importante saber que na


visão Rousseauneana, cada forma de governo é adequada a cada Estada, a depender de certas
características.

O soberano pode por o governo nas mãos de todos (ou da maioria) do povo, de forma
que se hajam mais cidadãos magistrados do que simples cidadãos (até a metade do povo).
Essa forma de governo é a democracia. É a forma de governo mais adequada a Estados
pequenos.

Também pode restringir o governo a um pequeno número, de forma que existam


mais simples cidadão que magistrados, caso em que teríamos a aristocracia, mais adequada a
Estados médios.

Pode ainda, concentrar todo o governo nas mãos de um só, caso em que se verifica a
monarquia, que se ajusta melhor a Estados grandes.

Sobre democracia, o autor aponta que nunca existiu e nem nunca existirá uma
verdadeira democracia, pois além de um Estado pequeno, outras características seriam muito
difíceis de reunir, como um elevado nível de igualdade. Segundo ele, aqui haveria a reunião
no mesmo corpo de duas pessoas morais, o governo e o soberano. Aponta ainda que não é
bom que aquele que faça as leis, as execute, pois estaria se reunindo no mesmo corpo, a
pessoa do governante a do legislador, situação verificada na forma de governo ora tratada. Por
fim, acrescenta que é o governo mais sujeito a guerras civis.

Ao discorrer sobre a aristocracia, diferente do que se verifica na democracia, há duas


pessoas morais distintas, a saber, o soberano e o governo. Há três tipos de aristocracia: a
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natural (que só convém aos povos simples), a eletiva (a melhor de todas, sendo a melhor,
inclusive, se considerarmos as outras formas de governo) e a hereditária (se consolida quando
a riqueza supera as ideias, sendo a pior de todas). No livro, o autor advoga que a eleição é um
“meio pelo qual a probidade, as luzes, a experiência e todas as outras razões de preferência e
de estima públicas são novas garantias de ser sabiamente governado.” (pp. 103-104). Essa
forma de governo (a eleita) até comporta assimetria de riquezas, mas apenas na medida em
que esta seja útil para conferir meios e tempo para a dedicação aos negócios públicos.

No que se refere à monarquia, temos que o príncipe (lembrando que o príncipe pode
ser colegiado nas duas formas anteriores) é uma pessoa moral e coletiva, depositária do poder
executivo, que se reúne numa só pessoa natural (monarca ou rei). Aqui a força coletiva do
Estado e a força particular do governo estão na mesma mão. Seria a forma de governo mais
vigorosa, porém, a mais sujeita à vontade particular. Para diminuir a distância entre o rei e os
súditos, é necessário estabelecer um corpo intermediário (nobreza), o que acaba diminuindo o
poder do rei, o que diminui a relação de desigualdade entre este e os demais súditos.

Um dos inconvenientes da monarquia hereditária (implementada, geralmente, por


trazer uma estabilidade que a eleição não prestigia, em detrimento da competência), segundo
o autor, seria o fato de que o tamanho do Estado a ser herdado não se adequa às capacidades
do novo governante, pois seus limites são constantes. Deste problema, aponta Rousseau,
resulta a inconstância dos governos reais, pois os projetos de governo variam de acordo com
as inclinações pessoais do monarca. Isso não ocorre nas outras formas de governo, pois lá, o
príncipe é sempre o mesmo.

Por fim, no que se refere às formas de governo, o autor apresenta o que chama de
governo misto (as formas anteriores em estado puro), pois não existe, segundo ele, governo
propriamente simples, pois o monarca precisa de intermediários e o governo popular, de um
chefe.

O governo simples, por si só, seria a melhor forma, porém, quando o executivo não é
suficientemente subordinado ao legislativo, é necessário remediar esse problema com
subdivisões, que tornem o governo mais fraco em relação ao soberano. A dispersão do
governo, por sua vez também deve ser combatida, erigindo tribunais para concentrar o poder,
levando a um equilíbrio maior.
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Finalizando essa parte, o autor esclarece que todas as formas de governo não são
adequadas a todos os países. Primeiro que a liberdade não está ao alcance de todos os povos, e
que há governos mais e menos vorazes, o que influencia na adequação do governo, pois “É o
supérfluo dos particulares que produz o necessário do público. Daí se segue que o Estado civil
só pode subsistir na medida em que o trabalho dos homens rende além das suas
necessidades.” (p. 111).

A distância entre o povo e o governo determina a carga tributária, sendo a


democracia, o governo que menos sobrecarrega os súditos, ao passo que só convém a
monarquia às nações mais opulentas. O autor também aponta certo determinismo geográfico e
climático na determinação da forma de governo mais adequada a cada nação, tendo em vista
as propensões de cada território e de cada povo: “Quanto mais se aproximam do equador,
mais os povos vivem com pouco. Quase não comem carne; o arroz, o milho, o cuscuz, o
milhete, a mandioca, são seus alimentos cotidianos.” (p. 114). A povoação do território
também influencia, sendo os menos densos, os mais propensos a tiranias.

Dos sinais de um bom governo

A maior finalidade de uma associação política é a sua conservação e a prosperidade


de seus membros, sendo o tamanho da população (povoamento), o mais infalível sinal de
alcance desses objetivos.

Do abuso do governo e de sua tendência a degenerar

Rousseau aponta duas maneiras gerais pelas quais um governo degenera: quando se
contrai e quando o Estado se dissolve. A contração ocorre quando passa de uma forma maior
para uma menor (da democracia para a aristocracia e desta para a realeza).

A dissolução do Estado, por sua vez, pode ocorrer de duas formas: 1) quando o
príncipe usurpa o poder soberano, ao não governar mais de acordo com as leis (neste caso, o
contrato social é rompido e todo cidadão até pode ser forçado a obedecer, mas não obrigado,
recobrando sua liberdade natural); 2) quando os membros do governo usurpam separadamente
o poder que só poderiam exercer como corpo. Ambas as formas correspondem a abuso de
poder, e qualquer que seja ela, recebe o nome de anarquia. “Fazendo uma distinção, a
democracia degenera em oclocracia, a aristocracia em oligarquia. Eu acrescentaria que a
realeza degenera em tirania” (p. 118), sendo o termo “déspota”, mais adequado que o termo
tirano, segundo o próprio Rousseau.
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Da morte do corpo político

A sistemática do Estado que decorre do contrato social pode ser sintetizada na


seguinte passagem:

O princípio da vida política está na autoridade soberana. O poder legislativo


é o cerne do Estado, o poder executivo, seu cérebro, que dá movimento a
todas as partes. O cérebro pode se paralisar, e o indivíduo continuar vivendo.
Um homem fica imbecil e continua vivendo, mas assim que o coração cessa
suas funções, o animal morre. (p. 119).

Como se mantém a autoridade do soberano

O soberano não tem outra força senão o poder legislativo e age, portanto, por meio
de leis (atos de vontade geral). Desta forma, o soberano só pode agir quando o povo estiver
reunido em assemblei (o autor diz que na sua época isso era visto como uma “quimera”, mas
que não era assim na antiguidade), mas não apenas para a constituição do Estado. Deveriam
existir assembleias fixas e periódicas. A jurisdição do governo cessa quando o povo se reúne
em corpo soberano.

Dos deputados ou representantes

O serviço público deve ser a principal preocupação do cidadão, senão, o estado vai à
ruína. É preciso ir aos conselhos, assim como é preciso combater: “A palavra finança é uma
palavra de escravos, ela é desconhecida na Cidade. Num Estado verdadeiramente livre, os
cidadãos fazem tudo com seus braços e nada com dinheiro.” (p. 123). “Quanto mais bem o
Estado é constituído, mais os negócios públicos prevalecem sobre os privados no espírito dos
cidadãos.” (pp. 123-124). Seguindo essa linha de raciocínio, critica o fato de que em certos
países se enviem deputados como representantes do povo para as assembleias (Terceiro
Estado). Nesta configuração, o interesse particular fica em duas ordens, enquanto o interesse
público é representado apenas na terceira.

Adverte o autor, todavia, que assim como a soberania não pode ser alienada, também
não pode ser representada. Consiste da vontade geral. Os deputados, portanto, não são
representantes do povo, sendo no máximo, seus delegados. A partir do momento em que o
povo se faz representar, não seria mais livre.

Que a instituição do governo não é um contrato


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Uma vez estabelecido o poder legislativo, deve-se assentar o poder executivo, que
opera por atos particulares, tendo natureza distinta daquele, portanto. Essa separação entre o
direito e o fato seria tem o condão de fazer distinguir o que é lei do que não é. O soberano,
portanto, é quem dá o direito ao príncipe. Não há um contrato entre soberano (povo) e
governo (príncipe), pois não há como o superior se entregar ao inferior. Só há um contrato no
Estado e ele exclui a qualquer outro.

Da instituição do governo

O governo é instituído por um ato complexo, constituído da lei (soberano estatui que
haverá um corpo de governo) e de sua execução (ato particular que nomeia os chefes). Esse
ato de nomeação, típico de executivo, mesmo antes de o governo ser estabelecido, ocorre por
uma conversão súbita da soberania em democracia e dos cidadãos em magistrados (governo
apenas provisório, se esta não for a forma adotada), apenas para esse fim.

Meios de prevenir a usurpação do poder

Os depositários do poder executivo são seus funcionários e o fato de adotar uma


forma de governo (como a monarquia de uma família ou uma aristocracia) não é um
compromisso assumido, é sempre uma forma provisória de administração, até decidir mudá-
la.

As assembleias periódicas, estabelecidas por lei, são um meio para impedir a


usurpação do poder soberano, sendo o seu maior objetivo, a manutenção do contrato social.

As aberturas das assembleias periódicas devem iniciar sempre com duas moções: 1)
se apraz ao soberano manter a vigente forma de governo; e 2) se apraz ao povo deixar a
administração nas mãos dos que dela atualmente se ocupam.

Rousseau informa que não há no estado nenhuma lei fundamental que não possa ser
revogada, nem mesmo o próprio pacto social.

Livro IV

Dos sufrágios

Quanto mais a concordância se verificar nas assembleias, quanto mais próxima for da
unanimidade, mais próximas estará da vontade geral. Já a unanimidade, só se verifica quando
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não há mais vontade e se instalou a servidão. A deliberação, nesse caso, seria substituída pela
aclamação.

Só há uma lei que exige o consentimento unânime, que é o próprio contrato social.
Os opoentes do contrato apenas não serão envolvidos nele (serão estrangeiros). Já quando o
Estado se encontra instituído, morar no território significa se submeter à soberania. Ademais,
a voz da maioria obriga todos os demais, sendo consequência do próprio pacto. A vontade
geral é o elemento que concede validade a todas as leis, mesmo àquelas com as quais o
indivíduo não tenha concordado diretamente. A aprovação contra a vontade do indivíduo só
prova que ele estava errado e o que desejava não era vontade geral.

Quanto ao quórum, o autor aponta que deve ser maior, quanto mais as deliberações
forem importantes ou graves.

Das eleições

A eleição do príncipe e dos magistrados (que como visto, é ato de governo e não de
soberania) pode se dar por escolha ou sorteio. Aqui o autor está a se referir ao que foi
chamado anteriormente de nomeação. Aponta Rousseau, que segundo Montesquieu, o
“sufrágio por sorteio” é da natureza da democracia. Nas aristocracias os sufrágios são
apropriados.

Quando a escolha e o sorteio se misturam, a primeira deve preencher os


cargos que requerem talentos específicos, como as funções militares; o outro
convém àqueles em que bastam o bom senso, a justiça, a integridade, como
os cargos da judicatura, porque num estado bem constituído essas qualidades
são comuns a todos os cidadãos. (p. 142).

Nos governos monárquicos não há nem sorteio e nem escolha. A escolha do monarca
só cabe à lei.

Do tibunato

O tribunato seria uma magistratura particular, separada das outras e atuaria como
conservador das leis e do poder legislativo. Às vezes serve para proteger o soberano do
governo, às vezes para apoiar o governo contra o povo e também para manter o equilíbrio
entre essas partes. Não pode fazer nada, mas pode impedir tudo. Não faz parte nem do
legislativo e nem do executivo.
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O tribunato pode se degenerar em tirania quando usurpa o poder do executivo (poder


do qual é apenas moderador) e quando quer elaborar as leis que apenas deve proteger.

O tribunato não faz parte da constituição do Estado e pode ser removido a qualquer
tempo, porém, recomenda-se a sua sazonalidade, tendo em vista o seu grande poder, para
evitar abusos.

Da ditadura

Não se deve querer fortalecer as instituições até o ponto de se privar do poder de


suspendê-las. A lei também não pode ser inflexível a ponto de ignorar os acontecimentos, sob
pena de crise do Estado.

As leis só devem ter seu poder limitado para salvação da pátria (segurança pública).
Nos raros casos em que essa medida deve ser tomada, pode ser a atividade do governo
concentrada em um ou dois de seus membros e se a situação for tal que o governo não seja
capaz de resolver, deve-se nomear um chefe supremo (ditador) que suspenda por um
momento a autoridade soberana. A suspenção da autoridade legislativa não abole o Estado.
Esse magistrado pode até fazer calar, mas não pode fazer falar. Ditadores só devem atuar em
momentos de crise e por curto prazo, senão, tendem a se tornar tirânicos ou inúteis (quando a
crise for superada).

Da censura

Enquanto a declaração da vontade geral se faz pela lei, a declaração do juízo público
se faz pela censura (opinião pública), sendo que o censor, assim como o príncipe, só atua no
caso concreto (é um declarador da opinião do povo). Ressalte-se que segundo o autor, a
opinião do povo nasce de sua constituição e que as leis não regulam os costumes, porém, os
faz surgir. O juízo do censor não faz o que as leis não fazem. A censura tem a principal
função de manter os costumes, evitando que as opiniões se corrompam.

Da religião civil

Neste ponto, Rousseau começa afirmando que os reis dos homens, no início, eram os
deuses e o governo era teocrático. Cada nação tinha seu próprio deus no paganismo, não o
distinguindo de suas leis. A forma de converter outros povos era subjugando-os, deixando ao
vencido as leis e os deuses.
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Tudo mudou quando Jesus veio estabelecer seu reino espiritual na terra, o que
separou o sistema teológico do sistema político. Por conta dessa ideia de “reino de outro
mundo” os cristãos passaram a ser vistos como rebeldes entre os pagãos.

Aponta o autor, que logo os cristãos fizeram seu reino neste mundo, sob um chefe
visível e sob o mais violento despotismo. Com isso, a concomitância da existência de um
príncipe (leis civis) e com esse reino espiritual (culto sagrado), tornou impossível a “boa
política” no Estado cristão.

Cita os casos da Inglaterra e da Rússia, onde os monarcas se fizeram senhores das


igrejas, porém, sua função era a de mantê-las, ou seja, de agir como príncipe e não como
legislador, função relegada ao clero (o uso de “príncipe” e legislador, aqui se referem a
questões teológicas). Nesses países, portanto, haveria dois soberanos (o povo propriamente
dito e o clero).

Assevera que o Estado nunca foi fundado sem uma religião que lhe servisse de base,
porém, a lei cristã é mais nociva do que útil a uma forte constituição do Estado.

O autor apresenta sua concepção de religião na seguinte passagem:

A religião considerada em relação à sociedade, que é ou geral, ou particular,


também pode se dividir em duas espécies, a saber, a religião do homem e a
religião do cidadão. A primeira, sem templos, sem altares, sem ritos, restrita
ao culto puramente interior do Deus Supremo e aos deveres eternos da
moral, é a pura e simples religião do Evangelho, o verdadeiro teísmo, e o que
se pode chamar de direito divino natural. A outra, circunscrita a um só país,
dá a este seus deuses, seus patronos próprios e tutelares, tem seus dogmas,
seus ritos, seu culto exterior prescrito por lei. (p. 162).

Aponta ainda uma terceira forma de religião, que cria um direito misto, ao dar aos
homens duas legislações, dois chefes, duas pátrias, submetendo-os a deveres contraditórios e
os impedindo de ser ao mesmo tempo devoto e cidadão. Assim é o cristianismo romano. Aqui
temos uma clara referência ao papado. Essa religião é ruim porque rompe a unidade social ao
impor contradições.

A segunda forma de religião, apontada no trecho colacionado acima, é boa, pois


reúne o culto ao amor às leis, tornando a pátria em objeto de adoração e estabelecendo como
pontífice o próprio príncipe. É o caso dos Estados antigos (os do início), da Inglaterra e da
Rússia. Ocorre que, se fundada em erro, pode leva ao fracasso.
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Quanto à primeira (religião do homem), verdadeiro cristianismo, que não se


confunde com o de sua época, afirma que nela, todos são irmãos, filhos de Deus e a sociedade
que os une é indissolúvel. Esta religião não teria nenhuma relação particular com o corpo
político e deixaria às leis apenas a força que extraem de si mesmas, sem lhes acrescentar
nenhum outro valor. Esta forma individualista seria ruim para o espírito social, pois a religião
é um dos maiores laços da sociedade, sendo que em “uma sociedade de verdadeiros cristãos
não seria mais uma sociedade de homens.” (p. 164).

Para ele, o cristianismo é uma religião toda espiritual, o que gera indiferença do
cidadão quanto à cidade. A piedade e a resignação dos cristãos faria com que tivessem
dificuldade em banir usurpadores e aproveitadores. Também teriam dificuldades em guerras
estrangeiras por essas características. O cristianismo prega a servidão e a dependência e seu
espírito é favorável à tirania.

Feitas essas considerações, no que se refere à religião e o direito que o pacto social
confere ao soberano, este não deve ultrapassar os limites da utilidade pública. “Os súditos,
portanto, não devem prestar contas ao soberano de suas opiniões, salvo se essas opiniões
importarem à comunidade.” (p. 166). Ou seja, há uma profissão de fé puramente civil, cujos
artigos cabem ao soberano estabelecer, não como dogmas religiosos, mas como sentimento de
sociabilidade. Quem não crê nos seus artigos pode ser banido, não como ímpio, mas como
insociável. Porém, depois de reconhecê-los publicamente, se comportar como se não
acreditasse neles, deverá ser punido com a morte por mentir diante da lei. Dentre os dogmas
positivos instituídos pelo soberano, cita a santidade do contrato social. Quanto a dogmas
negativos, só existe um, a intolerância (religiosa), que não deve ser admitida.

Conclusão

Acima foram estabelecidos os princípios do direito político, apresentados como


fundamentos do Estado.

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