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LOGÍSTICA HUMANITÁRIA: UMA ANALISE SOBRE O ATENDIMENTO ÀS

VÍTIMAS DO DESASTRE NATURAL DA REGIÃO SERRANA FLUMINENSE


EM 2011
José Itamar Monteiro1
Daniel Bertoli Gonçalves2
Marina Martins Moises3

1
Mestrando no Programa de Pos-Graduação em Processos Tecnológicos e Ambientais - UNISO.
Professor da FATEC-Sorocaba-SP. jitam@bol.com.br
2
Professor e Pesquisador do Programa de Pos-Graduação em Processos Tecnológicos e Ambientais - Mestrado Profissional.
danielbertoli@bol.com.br
3
Tecnóloga em Logística. marinamartins_m@hotmail.com

Recebido em: 27/05/2014 - Aprovado em: 15/09/2014 - Disponibilizado em: 15/12/2014

RESUMO: Nas últimas décadas, temos observado um aumento significativo do número de vítimas de desastres naturais,
tais como terremotos, enchentes, tsunamis, deslizamentos de encostas, furacões, entre outras situações. Após tais
catástrofes, os sobreviventes acabam por se encontrar em meio a grandes dificuldades como a falta de mantimentos,
remédios, materiais de higiene pessoal, roupas, calçados, cobertores e principalmente abrigo. Felizmente, a ajuda às vitimas
por parte do Estado, de ONG´s, empresas e até mesmo por voluntários, tem sido eficaz, graças principalmente a uma
organização rápida com uso efetivo da logística em seus eixos emblemáticos, eficientes e com qualidade, para atender todas
as vítimas, que tem sido conhecida como logística humanitária. O presente artigo discute este conceito a partir de uma
abordagem teórica e prática, ressaltando a importância de sua efetiva aplicação em situações de desastre natural. Para isso,
além de uma discussão conceitual a luz da bibliografia disponível, é apresentado um estudo de caso sobre a resposta
imediata ás enchentes ocorridas na região serrana Fluminense em Janeiro de 2011, com especial enfoque na atuação do
Exercito Brasileiro.
Palavras-chave: Logística Humanitária. Desastres Naturais. Otimização. Emergências. Suprimentos.

Humanitarian Logistics: an analysis on the care to the victims of the natural disaster in
mountainous area Fluminense in 2011

ABSTRACT: In recent decades we have witnessed a significant increase in the number of victims of natural disasters, such
as earthquakes, floods, tsunamis, landslides, hurricanes, among other situations. After such disasters, the survivors
eventually find yourself in the midst of great difficulties such as lack of food, medicine, toiletries, clothes, shoes, blankets
and shelter materials mainly. Fortunately, help victims by the state, NGOs, companies and even by volunteers , has been
effective, thanks mainly to rapid organization with effective use of logistics in their flagship, axes efficient and quality to
meet all victims, which has been known as a humanitarian logistics. This article discusses this concept from a theoretical
and practical approach, emphasizing the importance of their effective application in situations of natural disasters. For that,
beyond a conceptual discussion the light of available literature, a case study on the immediate response to the floods
occurred in the mountainous region of the Rio de Janeiro in January 2011, with special focus on the performance of the
Brazilian Army is presented.
Keywords : Humanitarian Logistics. Natural Disasters. Optimization. Emergencies. Supplies.

emergencial têm exigido um tratamento


1. Introdução
logístico especial que vem sendo denominado
Terremotos, furacões, enchentes,
de logística humanitária, um conceito ainda
maremotos e outras situações de natureza
muito novo no Brasil.
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Até 2006, existia um conjunto limitado Nos próximos 50 anos, prevê-se que tal
de pesquisa sobre Logística Humanitária, e taxa ainda aumente cinco vezes (Thomas e
desde então diversos estudos vêm sendo Kopczack, 2007). Em 2008, cerca de 200
desenvolvidos mostrando a importância desta milhões de pessoas sofreram com catástrofes,
ferramenta para as nações. (BEAMOM e que causaram 240 mil mortes e prejuízos de
KOTLEBA, 2006). 230 bilhões de dólares (BLECKEN, 2010).
Ertem et al. (2010) destacam que, nas Enchentes, deslizamentos, furacões,
primeiras 24 horas após um desastre, tsunamis estão se tornando cada vez mais
profissionais de organizações humanitárias se comuns em todo o mundo, e seus danos
deslocam para o local do evento com intuito de poderiam ser minimizados se certas precauções
estimar as necessidades e, ainda nas primeiras fossem tomadas com antecedência.
36 horas, os recursos costumam ser liberados No Brasil, a ajuda às vitimas por parte
para as organizações humanitárias e governos. do Estado, de ONG´s, empresas e até mesmo
Tais recursos são definidos pelo tipo e por voluntários, tem sido eficaz, graças a uma
quantidade de material necessário, sendo que organização rápida com uso efetivo da logística
doações em espécie devem ser classificadas e humanitária em seus eixos emblemáticos,
contabilizadas, enquanto doações em dinheiro eficientes e com qualidade, para atender todas
são destinadas às compras de suprimentos. as vítimas. O presente artigo discute este
Dos desastres naturais que ocorrem no conceito a partir de uma abordagem teórica e
Brasil, 58% são enchentes e 11% são prática, ressaltando a importância de sua efetiva
deslizamentos (THENÓRIO, 2011). aplicação em situações de desastre natural.
Nas três últimas décadas, a taxa de Para isso, além de uma discussão
catástrofes elevou-se de 50 para 400 por ano, de conceitual a luz da bibliografia disponível, é
acordo com alguns autores como Kovacs e apresentado um estudo de caso sobre a resposta
Spens (2009) e Gonçalves (2008), boa parte imediata ás enchentes ocorridas na região
destes desastres naturais está associada ao serrana Fluminense em Janeiro de 2011, com
aquecimento global, um fenômeno diretamente especial enfoque na atuação do Exercito
ligado a ação danosa do ser humano sobre o Brasileiro.
meio ambiente, como na emissão de poluentes A análise é estruturada a partir dos fatores
atmosféricos, desmatamentos das áreas propostos por Martinez et al. (2010): acesso e
naturais, queimadas, entre outras. logística; saúde; água, saneamento e higiene;

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alimentos; e abrigos e suprimentos não i) Preparar: Se refere à preparação
relacionados à alimentação. atividades, programas e sistemas desenvolvidos
antes de um provável desastre. É uma etapa
2. Logística Humanitária: principais projetada para construir e reforçar as
conceitos e aplicações capacidades de indivíduos, empresas,
comunidades e governos municipal, estadual e
A logística humanitária é a função que
federal para apoio à resposta a e recuperação de
visa o fluxo de pessoas e materiais de forma
futuro desastres.
adequada e em tempo oportuno na cadeia de
ii) Responder: A resposta começa assim
assistência, com o objetivo principal de atender
que um caso de desastres ocorre. A resposta é a
de maneira correta o maior número de pessoas.
prestação de busca e serviços de emergência
(BEAMON e KOTLEBA, 2006).
médica serviços e controle de acesso bem como
Logística humanitária engloba, além de
a reparação comunicação e restauração e
planejamento, suprimento, transporte,
sistemas de dados durante uma crise. Um plano
armazenamento, rastreamento, monitoramento e
coordenado de resposta pode ajudar a reduzir
desembaraço alfandegário em resposta a
acidentes e danos, bem como diminuir o tempo
catástrofes (KOVACS e SPENS, 2009 )
de recuperação,
De acordo com TRB (2010), o conceito
iii) Recuperar: As operações de
de ciclo de desastre implica em um processo
recuperação têm o objetivo de fornecer o
contínuo em que o governo, as comunidades, as
atendimento das necessidades básicas dos
empresas e as pessoas devem fazer um
atingidos e a restauração dos sistemas
planejamento para reduzir as perdas em caso de
comunitários. Há dois componentes
catástrofes. O ciclo de desastre é desencadeado
fundamentais na fase de recuperação: durante a
por um evento e começa com a resposta a esse
primeira fase, a infraestrutura é examinada e as
evento. A meta principal é responder a este
reparações são efetuadas para restaurar o
evento com corretas especificações, de modo
fornecimento de água, energia, comunicação, e
que a perda de vidas e bens seja minimizada e,
outras necessidades. A segunda fase inclui a
posteriormente, reconstruir a região atingida de
retorno às funções normais da região sinistrada
modo que se reduzam as perdas futuras. Os
e a tomada de providências para que sejam
quatro componentes do ciclo de desastres são:
evitados desastres futuros.
Preparar, responder, recuperar e mitigar.
iv) Mitigar: são providencias de curto e
longo prazo com a meta de reduzir ou, até
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eliminar, as perdas de vidas e bens no futuro. iii) Atendimento à emergência: É a fase
As estratégias podem variar no tempo e no do atendimento propriamente dito. É a que
volume de recursos aplicados, mas sempre tem demanda maior urgência abrangendo: O socorro
o objetivo de reduzir a vulnerabilidade e a às vítimas, a assistência à população vitimada e
exposição ao risco às populações em caso de a avaliação dos danos.
prováveis catástrofes que certamente voltarão a iv) Reconstrução: Tem como objetivo o
ocorrer. completo restabelecimento das condições de
Por causa desse foco, os programas de normalidade dos serviços públicos, da
gestão de emergências geralmente priorizam as economia da região, do bem estar da população
fases preparação e resposta, deixando poucos atingida.
recursos para atender as fases de mitigação das
consequências dos desastres e a recuperação 3. Logística Humanitária no Desastre
das áreas atingidas. climático na região serrana
Conforme Fernandes (2010), de modo fluminense
semelhante à divisão anterior, a Política
A tragédia climática ocorrida em
Nacional de Defesa Civil do Brasil, prevê o
janeiro de 2011 no estado do Rio de Janeiro
gerenciamento de desastres também em quatro
afetou diretamente 20 municípios e 90 mil
fases:
pessoas. Foram 30 mil desabrigados e
i) Prevenção de desastres: É
desalojados, bem como 916 vítimas fatais de
considerada pela defesa civil como a etapa mais
enchentes, deslizamentos e desabamentos
nobre de todo o processo, por ser menos
ocorridos entre 11 e 12 de janeiro de 2011.
dispendiosa e principalmente por ser a fase que
Este desastre foi considerado na época o
permite maior redução de perdas de vidas. Esta
maior da história do país e o décimo pior
fase compreende: avaliação de riscos de
deslizamento do mundo na última década (O
desastres e redução dos mesmos.
EXÉRCITO, 2011). A cidade com mais
ii) Preparação e Alerta para Desastres:
vítimas da tragédia foi Nova Friburgo,
Tem por objetivo o desenvolvimento de
seguida por Teresópolis, Petrópolis,
projetos que proporcionem um aumento da
Sumidouro, São José do Vale do Rio Preto e
capacidade de atendimento à emergência.
Bom Jardim.
Envolve: monitoramento, alarme, planejamento
Foram apontadas como causas do
operacional e de contingência, mobilização e
desastre a geologia da região, a ocupação
apoio logístico.
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irregular do solo (em encostas e áreas de Institucional. A missão do Exército Brasileiro
várzea) e as chuvas de grande intensidade na fase de resposta ao evento consistia em
concentradas em períodos de 15 minutos. apoiar os órgãos de Defesa Civil dos
Contudo, observa-se um histórico de municípios afetados, executando tarefas
calamidades que ocorrem no Estado do Rio logísticas, como: distribuição de donativos,
de Janeiro todos os anos, entre os meses de transporte de desabrigados, evacuação de
novembro e abril, devido a estes mesmos feridos, tratamento e distribuição de água em
motivos. Logo, fica evidente o baixo locais de difícil acesso, remoção de carros
investimento em prevenção e mitigação de inundados (desobstrução de vias),
desastres naquele estado. Em 2010, o valor abastecimento de combustível (viaturas),
investido (R$ 80 milhões) para a assistência religiosa.
reconstrução de locais atingidos pela chuva
foi dez vezes superior ao valor aplicado (R$ 3.2. Acesso e logística
8 milhões) para a prevenção de catástrofes O acesso à região serrana do Estado do
(CAMPANATO, 2011). Rio de Janeiro se dá a partir do transporte
rodoviário, sendo as principais vias de acesso a
3.1. Análise da operação humanitária BR 040, BR 116, BR 101 e RJ-116. Devido aos
Os atores envolvidos na operação deslizamentos, alguns trechos destas vias
humanitária em resposta ao desastre das ficaram bloqueados, sendo liberados poucos
enchentes na região serrana fluminense foram: dias após a enchente. Porém, diversas vias no
o governo do estado, as prefeituras das cidades interior das cidades foram obstruídas devido a
atingidas, a Defesa Civil do Estado do Rio de quedas de barreiras, que isolaram comunidades.
Janeiro, a Força Nacional de Segurança, o Segundo dados levantados, um mês após o
Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio desastre, o acesso a todas as áreas onde houve
de Janeiro, a Marinha e a Aeronáutica e vítimas já estava restabelecido. Contudo, três
Exército Brasileiro, além de ONGs. Estes meses após as enchentes, ainda havia entulhos
órgãos de apoio foram gerenciados pelo Centro pelas ruas em Teresópolis (SOUTO, 2011).
de Gerenciamento de Crises, entidade do O papel do Exército Brasileiro (EB)
Sistema Nacional de Defesa Civil. destacou-se na desobstrução de vias interditadas
A participação das Forças Armadas na por meio do emprego de viaturas especializadas
operação humanitária se deu por decisão do dotadas de ganchos. Esta ação foi essencial para
ministro chefe do Gabinete de Segurança possibilitar o deslocamento dos meios de
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socorro. Afinal, nas primeiras setenta e duas helicópteros do Comando de Aviação do
horas após o desastre, o Corpo de Bombeiros Exército para o transporte aéreo de suprimentos
enfrentava grandes dificuldades para a e para o acesso às regiões mais remotas. O
realização de buscas e salvamentos. As tropas Exército contou com o apoio de 42 viaturas e
do EB também atuaram na realização de buscas quatro helicópteros durante a fase de resposta
e salvamentos, além de participar na imediata da operação humanitária.
recuperação da mobilidade da população por Uma das dificuldades enfrentadas foi a
meio dos trabalhos de lançamentos de pontes. restrição de veículos e recursos humanos para
Foram montadas duas pontes, uma sobre o Rio atender tanto ao transporte de gêneros
Grande, na cidade de Bom Jardim, e outra sobre alimentícios e medicamentos quanto ao
o Rio Paquequer, em Sumidouro, permitindo a transporte de desabrigados e feridos. Portanto,
ligação de áreas isoladas e a circulação normal uma decisão crítica a ser tomada na operação se
de linhas de ônibus municipais e refere ao planejamento eficiente do uso dos
intermunicipais nestes locais. recursos disponíveis para realizar o transporte
O objetivo principal da operação de de suprimentos e o salvamento de feridos e
resposta imediata consistia em possibilitar o desabrigados. Outra decisão importante envolve
acesso à população local para a realização de o planejamento eficiente dos equipamentos para
salvamentos e para a distribuição de desobstrução dos acessos, uma vez que estes
suprimentos emergenciais. O Exército recursos são escassos na fase de resposta
Brasileiro também desempenhou a distribuição imediata.
destes suprimentos, além do transporte de O Quadro de Engenheiros Militares do
desabrigados/desalojados e da evacuação de EB também atuou no novo mapeamento da
feridos. Foi observada a necessidade do Região Serrana imediatamente após o desastre,
controle de tráfego devido às restrições de com a finalidade de mostrar o melhor acesso às
acesso e a grande demanda pelo serviço de áreas que ainda estavam isoladas, facilitando
distribuição resultante do grande volume de assim o trabalho de resgate das vítimas. Esta
doações para atender a demanda das vítimas. O medida também facilitou a indicação dos locais
transporte das doações de outras regiões do que podem ser ocupados, de modo a evitar
Brasil para o Rio de Janeiro foi realizada pela novas construções em áreas indevidas.
Força Aérea Brasileira (FAB), que
disponibilizou aeronaves, caminhões e carretas.
Também foi imprescindível a utilização de
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3.3. Saúde e socorros médicos importante para a manutenção do bom estado
Os hospitais de campanha das Forças sanitário envolveu a remoção e sepultamento de
Armadas Brasileiras têm sido a solução no cadáveres. O Exército Brasileiro apoiou a
atendimento a vítimas de desastres no Brasil, execução dessas atividades, e ainda prestou
especialmente em casos de enchentes e assistência religiosa com o capelão militar. A
deslizamentos, tal como o evento analisado. partir da experiência neste processo, foi
Estes hospitais foram essenciais para a redução identificada a dificuldade na estimativa dos
do tempo de espera para o atendimento às itens críticos para o atendimento das vítimas,
vítimas do desastre, dada a destruição de uma vez que não há levantamentos sobre os
parcela dos recursos locais. tipos de acidentes e traumatismos mais comuns
Os hospitais de campanha oferecem nestes tipos de desastres. Ainda, foram
atendimentos ambulatoriais em especialidades enfrentadas dificuldades devido a carências no
de clínica médica, ortopedia, pediatria, suprimento de medicamentos e na doação de
ginecologia e odontologia. Contam com centros sangue. Logo, a principal decisão tomada se
cirúrgicos, raios-X, laboratórios e leitos para refere à alocação de recursos, como médicos e
curtos períodos de recuperação. Em casos em remédios, para maximizar o atendimento.
que fosse necessária a transferência de
3.4. Água , saneamento e higiene
pacientes, era necessária a evacuação aero
Segundo dados da Cruz Vermelha
médica. Segundo levantamentos do Hospital de
Internacional, a demanda diária de água potável
Campanha da Marinha Brasileira, dos
por pessoa em casos de desastres varia entre
atendimentos realizados nas primeiras setenta e
quatro e cinco litros/pessoa/dia, incluindo nesta
duas horas após o desastre, 75% são casos
estimativa o consumo do recurso por hospitais e
clínicos, 20% ortopédicos e 5% psiquiátricos.
clínicas (MARTINEZ et al., 2010). A
Observou-se que, depois de traumas
população das cidades atingidas pelo desastre
físicos, fraturas e lesões, a maioria dos
da região serrana é de aproximadamente 700
atendimentos envolvia pacientes com
mil habitantes, sendo que 30 mil vítimas
problemas psicossomáticos, causados por
ficaram desabrigadas. Deste modo, foi
sequelas emocionais.
necessário um mínimo de 150 mil litros de água
Também foi essencial o trabalho médico
diários para atender a demanda dos
no controle da leptospirose, doença à qual a
desabrigados/desalojados pelo desastre.
população fica vulnerável em casos de
enchentes e inundações. Outro ponto
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A água é um item crítico para a distribuição de alimentos em casos de
sobrevivência, de modo que o suprimento deste operações humanitárias é um problema de fluxo
recurso foi tratado como uma prioridade nos de rede com múltiplos modais e múltiplas
primeiros dias após o desastre. Empresas e commodities, cujo objetivo consiste em
população do Rio de Janeiro doaram grande maximizar o atendimento da demanda à medida
quantidade de água mineral atendendo à que o tempo de resposta é minimizado
solicitação dos órgãos de assistência às vítimas (MARTINEZ et al., 2010). Ressalta-se que o
com grande divulgação através da mídia problema se torna ainda mais complexo porque,
(televisão e rádio). O Exército Brasileiro em alguns segmentos da rede viária, o trânsito
participou do tratamento e da distribuição de está impedido devido a deslizamentos ou
água em locais de difícil acesso. Devido à inundações.
elevada demanda de suprimento de água e ao É necessário um reabastecimento
acesso restrito a locais isolados, foi observada a constante dos itens de alimentação, porém há
dificuldade em priorizar a distribuição de água uma carência de estudos de previsão da
na fase de resposta imediata e em como demanda dos suprimentos necessários. Também
estabelecer o sistema de distribuição de água de no aspecto de alimentação, houve uma resposta
modo a atender a maior demanda possível. imediata de empresas e da população do Rio de
Janeiro, mas foram enfrentados problemas de
3.5. Alimentos
armazenagem destas doações. As principais
Em situações de grandes catástrofes,
decisões a serem tomadas com relação à
duas considerações precisam ser observadas
distribuição de alimentos se referem a: (i)
quanto à alimentação: (i) o atendimento a
transporte das doações até a região do desastre;
população impactada; e (ii) o atendimento ao
(ii) locais para armazenagem dos suprimentos;
conjunto de pessoas, voluntários e profissionais
(iii) quantidade e localização dos pontos de
que prestam os serviços à população.
distribuição de alimentos.
Especificamente, no caso do Exército, eram
servidas 868 refeições por dia para alimentar a
3.6. Abrigos e suprimentos não
tropa empregada para prestar apoio em
relacionados à alimentação
Teresópolis.
No total, foi estimado um número de 30
Neste aspecto, houve necessidade de
mil vítimas desabrigadas pelo desastre. A
controlar a distribuição de alimentos com
população desalojada foi inicialmente
intuito de atender todo o contingente. A
distribuída em escolas e galpões em condições
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de recebê-la. Os abrigos foram necessários para ocorrida em janeiro de 2011 na região
atender a população que precisava de serrana do estado do Rio de Janeiro,
atendimento médico. As vítimas também foram enquanto parte executora de diversas ações
alojadas em barracas semelhantes às utilizadas logísticas revela, de um lado, o valor que um
no terremoto do Haiti e no tsunami na bom planejamento e organização para o
Indonésia (LAURIANO, 2011). As barracas, atendimento a situações emergenciais
com capacidade para dez pessoas, possuem representa, e de outro, as dificuldades em se
equipamentos de sobrevivência, fogareiros, trabalhar em situações de demanda
talheres, panelas, pratos, cobertores, purificador imprevista, típicas de grandes catástrofes.
e armazenador de água.
A logística humanitária se revela uma
Com relação a suprimentos não
ferramenta decisiva para o melhor
relacionados à alimentação, observou-se
atendimento às vítimas de catástrofes,
excesso de doações de casacos, calças e
organizando o fluxo de informações e
camisas. Porém, houve a carência de doações
recursos materiais de maneira que o
de roupas de cama, toalhas e roupas íntimas (O
atendimento possa ocorrer com agilidade e
EXÉRCITO, 2011). Destaca-se a dificuldade
eficácia, e seu estudo poderá trazer
em estimar as necessidades, de modo que era
importantes contribuições para a sociedade.
necessária a reposição constante dos itens,
segundo a evolução dos fatos. Também foram
Referências
apontados obstáculos para transportar o
material, armazená-lo e distribuí-lo, em razão BALCIK, B.; BEAMON, B; KREJCI, C.;
MURAMATSU, K. E RAMIREZ, M.
da dificuldade observada em prever a demanda.
Coordination in humanitarian relief chains:
Practices, challenges and opportunities.
International Journal of Production
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O presente artigo procurou discutir o
BEAMON, B. E KOTLEBA, S. Inventory
conceito de logística humanitária a partir de
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