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ARTIGO ARTICLE
Vulnerabilidade socioambiental, redução de riscos de desastres
e construção da resiliência – lições do terremoto no Haiti
e das chuvas fortes na Região Serrana, Brasil

Socio-environmental vulnerability, disaster risk-reduction


and resilience-building – lessons from the earthquake in Haiti
and torrential rains in the mountain range close to Rio de Janeiro
in Brazil

Carlos Machado de Freitas 1


Mauren Lopes de Carvalho 2
Elisa Francioli Ximenes 2
Eduardo Fonseca Arraes 2
José Orlando Gomes 3

Abstract Data on disasters around the world re- Resumo Dados sobre desastres no mundo apon-
veal greater seriousness in countries with lower tam para uma maior gravidade nos países com
social and economic development levels. In this menores níveis de desenvolvimento econômico e
context, disaster risk-reduction and resilience- social. Neste contexto, políticas de redução de ris-
building policies are priorities in the sustainable cos de desastres e construção da resiliência consti-
development agenda, featuring among the topics tuem prioridades na agenda do desenvolvimento
selected for the Rio+20 Summit. By means of a sustentável, estando entre os temas eleitos para a
contribution of a conceptual nature and from Rio+20. O objetivo deste artigo é, através de uma
examples of disasters in countries with different contribuição de natureza conceitual e dos exem-
development levels, namely the Haiti earthquake plos de desastres em países com níveis de desenvol-
and the torrential rains in the mountain range vimento diferentes, o terremoto do Haiti e as chu-
close to Rio de Janeiro in Brazil, the scope of this vas fortes na Região Serrana (Rio de Janeiro, Bra-
article is to demonstrate how socio-environmen- sil), demonstrar como a vulnerabilidade socioam-
tal vulnerability creates conditions for disasters, biental cria condições para os desastres, ao mesmo
while at the same time limiting strategies for their tempo em que limita as estratégias para prevenção
prevention and mitigation. Lastly, some of the e mitigação. Ao final são apontados alguns dos de-
1
Centro de Estudos da
measures that disaster risk reduction and resil- safios que a redução de riscos de desastres e a cons-
Saúde do Trabalhador e
Ecologia Humana, Escola ience-building demand in a socio-environmen- trução da resiliência exigem em contextos de vul-
Nacional de Saúde Pública, tal vulnerability context are highlighted. These nerabilidade socioambiental, o que inclui mudan-
Fundação Oswaldo Cruz.
involve changes in the current patterns of social, ças nos padrões de desenvolvimento social, econô-
Rua Leopoldo Bulhões 1480/
503, Manguinhos. economic and environmental development geared mico e ambiental orientados para a sustentabili-
21.041-210 Rio de Janeiro toward ecological sustainability and social justice dade ecológica e a justiça social como pilares do
RJ. carlosmf@ensp.fiocruz.br
2
as pillars of sustainable development. desenvolvimento sustentável.
Centro de Estudos e
Pesquisas de Emergências e Key words Natural disasters, Socio-environmen- Palavras-chave Desastres naturais, Vulnerabili-
Desastres em Saúde, tal vulnerability, Risk reduction, Resilience- dade socioambiental, Redução de riscos, Resiliência
Fundação Oswaldo Cruz
3
building
Programa de Pós-
Graduação em Informática,
Departamento de
Engenharia Industrial,
Escola Politécnica,
Universidade Federal do
Rio de Janeiro.
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Freitas CM et al.

Introdução vo) distintos, terremoto e chuvas fortes, que ocor-


reram no mesmo dia, em anos distintos e em
A redução de riscos de desastres e a construção da países com condições de vulnerabilidade socio-
resiliência estão entre os temas eleitos pelo Secre- ambiental bastante diferentes. Para cada uma das
tariado da Conferência das Nações Unidas sobre realidades destes países da ALC os desastres uti-
Desenvolvimento Sustentável, conhecida como lizados como exemplos estão entre os mais gra-
Rio+20. Isto porque se nenhum país se encontra ves já ocorridos. Ao final é proposto que a redu-
imune aos desastres, independente do seu nível ção de riscos de desastres e a construção da resi-
de desenvolvimento econômico e social, os da- liência, um dos temas da Rio+20, deve envolver
dos demonstram que a vulnerabilidade das socie- um conjunto de ações para a redução da vulne-
dades ou comunidades é estreitamente relacio- rabilidade socioambiental diretamente relaciona-
nada ao nível de desenvolvimento. das à mudanças nos padrões de desenvolvimen-
Nos últimos 40 anos, mais de 3,3 milhões de to social, econômico e ambiental vigentes.
óbitos por desastres estiveram concentrados nos
países mais pobres1, e a cada ano, cerca de 226 Desastres e padrões de desenvolvimento
milhões de pessoas são afetadas pelos mesmos.
Entre 2000 e 2010, 680 mil pessoas foram vítimas Como observado no título do relatório do
fatais de terremotos e quase metade destes no Banco Mundial de 2011, Natural Hazards, UnNa-
ocorrido no Haiti. Em média 102 milhões de pes- tural Disasters, se eventos geológicos como o ter-
soas são afetados por enchentes a cada ano no remoto do Haiti, e hidrometeorológicos, como
mundo, 37 milhões por ciclones, furacões e tu- chuvas fortes na Região Serrana podem ser con-
fões e 366 mil por deslizamentos de terra. Secas e siderados ameaças naturais, os desastres não são
estiagens, encontram-se associadas à perda de 558 naturais1. São produzidos socialmente e a vulne-
mil vidas e afetam 1,6 bilhões de pessoas no mun- rabilidade das sociedades ou comunidades encon-
do desde 1980. Se estes eventos impactam de modo tra-se estreitamente e inversamente relacionada
mais grave a saúde das populações nos países mais ao nível de desenvolvimento econômico e social3.
pobres, é importante observar que alguns grupos No âmbito da saúde pública, para que um
populacionais encontram-se ainda mais vulnerá- evento se constitua em um desastre é necessário
veis, como mulheres e crianças, que possuem 14 que combine alguns fatores que devem ser bem
vezes mais chances de óbito em um desastre2. compreendidos. Primeiro, é necessário um even-
Só entre 2000 e 2010 as consequências econô- to detonador, conceituado como ameaça, que se
micas dos desastres alcançaram um trilhão de relaciona a qualidade dos eventos físicos que
dólares. Estes altos custos contribuem para que podem ser gerados pela dinâmica da natureza
1/5 de toda assistência humanitária seja dedicada (geológicas, hidrometeorológicas, biológicas) ou
aos desastres; porém menos de um por cento é da sociedade (degradação ambiental ou ameaças
destinado às ações de redução de risco de desas- tecnológicas como rompimentos de barragens,
tres1. E, mesmo que ocorra aumento do percen- acidentes químicos e nucleares). Este evento deve
tual para a redução de risco de desastres na assis- resultar na exposição de populações humanas,
tência humanitária internacional ou nos orçamen- gerando o potencial de danos e agravos à saúde.
tos governamentais, estes não serão suficientes E estes serão mais ou menos graves a depender
sem mudanças nos padrões de desenvolvimento. das condições de vulnerabilidade, que resultam
Considerando a importância do tema dos de- tanto na propensão de uma comunidade ou so-
sastres para o Brasil e outros países da América ciedade de sofrer de modo mais intenso e grave
Latina e Caribe (ALC), o objetivo deste artigo é os efeitos dos desastres, como também nas limi-
apresentar uma contribuição de natureza concei- tações das capacidades de redução de riscos e de
tual acerca dos aspectos relacionados à vulnerabi- resiliência frente a estes eventos4.
lidade socioambiental, à redução de riscos de de- As condições de vulnerabilidade resultam de
sastres e à construção da resiliência nas suas rela- processos sociais e mudanças ambientais que é
ções com o desenvolvimento sustentável. Para tanto, denominada de vulnerabilidade socioambiental,
no primeiro item recorre-se a um conjunto de con- pois combinam: 1) os processos sociais relacio-
ceitos que nos permitem compreender os desas- nados à precariedade das condições de vida e pro-
tres como expressões dos padrões de desenvolvi- teção social (trabalho, renda, saúde e educação,
mento, que combinam processos sociais, entre es- assim como aspectos ligados à infraestrutura,
tes as iniquidades, e a degradação ambiental. como habitações saudáveis e seguras, estradas,
Na segunda parte são utilizados como exem- saneamento, por exemplo) que tornam determi-
plos dois tipos de desastres (intensivo e extensi- nados grupos populacionais (por exemplo, mu-
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lheres e crianças), principalmente entre os mais forte do que o ocorrido em janeiro de 2011 no
pobres, vulneráveis aos desastres; 2) as mudan- Haiti (renda per capita de 650 dólares por ano)9,10,
ças ambientais resultantes da degradação ambi- o número de vítimas fatais foi de 385 à 519 vezes
ental (áreas de proteção ambiental ocupadas, des- maior neste segundo, a depender dos dados ofici-
matamento de encostas e leitos de rios, poluição ais que se considera. O terremoto do Chile atin-
de águas, solos e atmosfera, por exemplo) que giu uma magnitude de 8.8 na escala Richter, com
tornam determinadas áreas mais vulneráveis duração de 3 minutos9 e uma quantidade de ener-
quando da ocorrência de uma ameaça e seus even- gia liberada 500 vezes maior que do Haiti, resul-
tos subsequentes. Em síntese, a vulnerabilidade tando em 577 vítimas fatais. O terremoto do Hai-
socioambiental resulta de estruturas socioeconô- ti teve magnitude de 7.0 à 7.3, com duração de 35
micas que produzem simultaneamente condições segundos e resultou em 222.570 vítimas fatais na
de vida precárias e ambientes deteriorados, se ex- estimativa oficial de janeiro de 2010 e chegou a
pressando também como menor capacidade de 300 mil na estimativa de janeiro 2011.
redução de riscos e baixa resiliência4-7. O terremoto do Haiti é um exemplo de desas-
Se as perdas e os danos causados pelos de- tres intensivos, que possuem baixa frequência, mas
sastres são crescentes, em condições de vulnera- são geograficamente concentrados e com grande
bilidade socioambiental não só afetam mais os potencial de impactos. Já os desastres extensivos
países e populações mais pobres, como também correspondem a 97% dos eventos relacionados
ameaçam sua sobrevivência e os meios de vida, ao clima, possuindo alta frequência, não causan-
comprometendo os elementos básicos de sua dig- do números significativos de óbitos, mas sendo
nidade e bem-estar (acesso aos alimentos, água responsáveis por grande proporção de danos à
de qualidade, habitação, bem como aos serviços, infraestrutura local e às habitações e condições de
como educação e saúde) e trazendo riscos de inú- vida das comunidades e sociedades de baixa ren-
meros agravos e doenças. Integra um ciclo vicio- da. Porém, importante observar que riscos de de-
so em que tanto se encontra na raiz dos desastres sastres extensivos que acabam por se tornar “nor-
e agravamento de suas consequências, como na malidade” para muitas sociedades e comunida-
perda das capacidades de redução de riscos e cons- des, podem se tornar desastres intensivos ama-
trução da resiliência. nhã11, sendo um típico exemplo as chuvas fortes e
Dentre os desastres “naturais”, os eventos de os deslizamentos que atingiram a Região Serrana
origem hidrometeorológica, constituem a gran- do Rio de Janeiro (Brasil) em janeiro de 2011.
de maioria dos mesmos, principalmente tempes- Os desastres (intensivos ou extensivos) não
tades e enchentes. Na ALC estes eventos corres- existem em um vácuo. São constituídos social-
pondem a cerca de 70% do total e os de origem mente através de processos que se estruturam na
geológica, como os terremotos, a cerca de 20%1. dinâmica do desenvolvimento econômico e soci-
Dados sobre enchentes e inundações no mun- al, bem como da proteção social e ambiental4.
do revelam que há uma tendência de crescimen- Para melhor compreende-los como expressões
to do número de pessoas expostas e afetadas por dos padrões de desenvolvimento, a seguir estão
estes eventos, que se elevará para além das cerca os exemplos dos desastres do Haiti e da Região
de 102 milhões de pessoas por ano2. Porém, em- Serrana (RJ, Brasil).
bora enchentes e inundações constituam um pro-
blema global, dados de 2009 da Estratégia Inter- Vulnerabilidade socioambiental e desastres
nacional de Redução de Desastres8 revelam que – os exemplos do Haiti e da Região Serrana
96% da população exposta a estes eventos no
mundo e 95% dos óbitos encontram-se concen- No dia 12 de janeiro, em anos distintos, Haiti
trados nos países com renda per capita menor (2010) e Brasil (2011) sofreram seus maiores
do que 3.705 dólares por ano. desastres em termos de óbitos, além dos impac-
Situação similar também ocorre com outros tos sociais e econômicos. O primeiro possui a
tipos de desastres “naturais”, como de origem ge- população mais pobre da ALC em termos de PIB
ológica, caso dos terremotos. Resultaram em 680 per capita. O segundo é o mais rico da ALC em
mil vítimas fatais entre 2000 e 2010, afetando termos de PIB, ainda que muito desigual em ter-
principalmente populações que viviam em habi- mos sociais.
tações precárias2. Dois exemplos se encontram na
própria ALC, com os terremotos que atingiram o 12 de janeiro de 2010
Haiti e o Chile. Embora o terremoto de fevereiro – Porto Príncipe, Haiti
de 2010 no Chile (renda per capita de aproxima- Em 12 de Janeiro de 2010, um terremoto de
damente 9.800 dólares por ano) tenha sido mais magnitude entre 7.0 e 7.3 na escala Richter e du-
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ração de 35 segundos com epicentro cerca de 25 ces de desnutrição próximos a uma emergência
km da capital do país, Porto Príncipe, atingindo humanitária. Se aproximava de um desastre social
cidades em um raio de 45 km. O horário do ter- crônico, resultando nos piores indicadores sociais
remoto foi às 16:53, momento em que grande (IDH 0.45, considerado baixo)9,10 e de saúde da
parte da população estava nas ruas, o que pro- ALC (mortalidade em menores de 5 anos de 76
vavelmente diminuiu o número de óbitos. O ter- por mil e esperança de vida ao nascer de 61,5 anos)12.
remoto atingiu o centro econômico, administra- No que se refere à situação ambiental, o Haiti
tivo, político e populacional do país, concentran- possui imenso desmatamento das planícies, mor-
do 66% do PIB e 39% da população localizada ros e encostas, processo iniciado com os espa-
na cidade de Porto Príncipe e seus entornos10. As nhóis e continuado pelos franceses e, após a in-
consequências humanas foram imensas, sendo dependência, pelos fazendeiros, que ocuparam
destruída boa parte da economia e da capacida- os vales férteis e expulsaram os camponeses para
de de governo em um país historicamente vulne- as matas mais íngremes13. O longo processo de
rável aos desastres (Tabela 1). exploração da madeira e do solo no Haiti tornou
Mais de 2 milhões de pessoas foram direta- o país muito mais vulnerável a tempestades do
mente afetadas pelo terremoto, representando que a República Dominicana, embora comparti-
15% da população do país. Segundo informa- lhem a mesma ilha. Enquanto na Republica Do-
ções oficiais em janeiro de 2011, o número de minicana a proporção da superfície coberta por
óbitos chegou a 300 mil e outras centenas de mi- florestas era de 28,4% em 2005, no Haiti era de
lhares lesionadas. Cerca de 1,3 milhões de pesso- 3,8%, mais de 7 vezes menor14. O desmatamento,
as passaram a viver em abrigos e outras 500 mil combinado com a vulnerabilidade às tempesta-
se deslocaram para outras áreas do Haiti, exa- des e ciclones, exacerbou a deterioração ambien-
cerbando mais ainda problemas existentes de tal do país afetando a produtividade de alimen-
acesso a alimentos e serviços básicos. Por volta tos, que caiu 30% só entre 1991 e 2002, aumen-
de 105 mil casas foram completamente destruí- tando a pobreza rural e levando a uma maior
das e 208 mil danificadas. Em torno de 1.300 es- migração do campo para Porto Príncipe (que já
tabelecimentos educacionais e mais de 84 hospi- não possuía capacidade de absorver mais popu-
tais e centros de saúde foram severamente dani- lações e de oferecer serviços, alimentos e sanea-
ficados ou destruídos. Boa parte do porto da mento ambiental adequado para todos)10,13.
capital ficou destruída, assim como prédios im- Em relação ao acesso aos serviços básicos de
portantes do governo e da administração públi- saneamento e saúde, o Haiti já vivia uma situa-
ca10. A precária situação econômica e social, com- ção em que menos da metade da população pos-
binada com a já imensa degradação ambiental suía acesso a serviços de saúde, água e sanea-
no Haiti, resultou em uma condição de alta vul- mento, assim mesmo de baixa qualidade. Em
nerabilidade socioambiental e ausência de capaci- relação aos serviços de saúde, 47% dos haitianos
dade de redução do risco diretamente acoplado à não possuíam acesso a atenção básica e 75% da
precária capacidade de governo no país, agra- atenção à saúde era provida por ONGs ou gru-
vando ainda mais os problemas sociais e econô- pos religiosos, com a maioria sem nenhum con-
micos, ambientais e sanitários. trole do Ministério da Saúde. Em relação ao sa-
A situação política, econômica, social e ambi- neamento ambiental adequado, o Haiti apresen-
ental do Haiti precedente ao terremoto de 2010 já ta os mais baixos percentuais de população com
era bastante vulnerável, sendo o país mais pobre acesso a água potável (58%) e esgotamento sani-
da ALC. As condições de vida eram bastante pre- tário (19%), com 8 milhões de habitantes, do
cárias para grande parte da população, com índi- total de 10 de milhões, sem acesso adequado à

Tabela 1. Desastres naturais ocorridos no século XXI no Haiti


Evento Impacto População Óbitos
no PIB afetada
2004: Furacão Jeanne 7% 300.000 5.000
2007: Furacões Dean e Noel 2% 194.000 330
2008: Tempestades tropicais Fay e Gustav e Furacão Ike 15% 1.000.000 800
2010: Terremoto 100% 2.000.000 222.500

Fonte: PAHO/WHO15
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água e/ou saneamento. Esta situação resultava O terremoto deixou, além dos custos huma-
em um quadro precário de saúde, com altas ta- nos, uma perda financeira estimada em 7,8 bi-
xas de doenças transmissíveis e parasitárias10,12. lhões de dólares, retardando o crescimento eco-
O ciclo pobreza alimentava o da degradação nômico do país em 10 anos. A vulnerabilidade
ambiental e estes se retroalimentavam em um socioambiental não só agrava as consequências
ciclo vicioso, tornando a situação da vulnerabili- dos desastres, mas prolonga os mesmos em um
dade socioambiental do país mais pobre da ALC ciclo vicioso, perdurando a crise humanitário que
um terreno propício para o maior desastre já se encontra o país e aumentando os riscos de even-
ocorrido nos últimos tempos. Nas condições exis- tos como furacões, inundações e chuvas fortes
tentes no Haiti, o terremoto não só resultou em que são comuns no país gerem novos desastres.
alto grau de exposição da população, ao ser con-
centrado na área mais populosa do país, e efeitos 12 de janeiro de 2011
imediatos, mas também em subsequentes. As – Região Serrana – Rio de Janeiro, Brasil
consequências imediatas estiveram relacionadas Na madrugada do dia 12 de janeiro de 2011
aos desabamentos e soterramentos advindos da ocorreram fortes chuvas na região Serrana do
queda de construções (casas e edifícios), ocasio- Rio de Janeiro que resultaram no que vem sendo
nando muitas fraturas expostas, esmagamentos considerado como o maior desastre climático
(ossos, vértebras e medula espinhal), cortes, per- ocorrido no Brasil. Na subestação de Ypu, em
furações e lacerações, além de queimaduras re- Nova Friburgo, por exemplo, choveu 220 milí-
sultantes de incêndios subsequentes. Estes agra- metros em 24h, sendo acima de 80 milímetros
vos e lesões, por falta de um sistema de saúde considerado situação de alerta para a Região16.
estruturado, resultaram em infecções e por vezes Estas chuvas resultaram em enchentes e desliza-
em amputações10. mentos que atingiram áreas rurais e urbanas,
As consequências pós-desastre estiveram re- comunidades de baixo e de alto poder aquisitivo,
lacionadas principalmente a destruição da pobre algumas ficando totalmente isoladas, destruin-
infraestrutura do país, como a de saneamento do prédios e habitações, infraestrutura pública
ambiental, gerando a exposição a doenças infec- (73 pontes destruídas e as principais vias de aces-
ciosas, principalmente entre crianças, tanto na so foram totalmente ou parcialmente afetadas),
área diretamente afetada pelo terremoto, como estabelecimentos de saúde e escolas, comprome-
nas menos afetadas em que houve um grande tendo principalmente os serviços de abastecimen-
deslocamento de populações pressionando mais to de água, energia elétrica e telefonia fixa. As
ainda os serviços e o acesso a alimentos e água principais atividades econômicas da região fo-
potável. A população desabrigada passou a viver ram prejudicadas, como indústrias, pecuária,
em abrigos temporários, sendo que um ano de- agricultura e comércio, sendo que nestas duas
pois 550 mil se encontravam em 802 campos ao últimas os prejuízos econômicos foram de 270
redor do país15, muitos com precário forneci- milhões17 e 469 milhões18. Em termos de conse-
mento de alimentos e condições insalubres, ex- quências humanas foram registrados 918 óbi-
pondo principalmente crianças e mulheres lac- tos, 8.795 desabrigados e 22.604 desalojados (Ta-
tantes aos riscos de doenças e desnutrição. Além bela 2), resultando no impacto direto sobre a
disto, a perda de habitações, familiares, amigos e vida de mais de 32 mil habitantes, principalmen-
vizinhos, combinada com a destruição da infra- te nos municípios de Petrópolis, Teresópolis e
estrutura, serviços e símbolos e lugares impor- Nova Friburgo, com o total de sete municípios
tantes do país, bem como a ruptura da ordem decretando estado de calamidade pública.
social, resultaram em um processo de exposição As características ambientais desta região, que
continuada aos problemas de saúde mental que combina montanhas e muitos rios, subsolo com-
emergem nestes eventos. Se no primeiro momen- posto de rocha e pequena camada de terra, asso-
to houve massiva migração para outros depar- ciada ao fato de já ter ocorrido muita extração de
tamentos, por conta da destruição da infraes- madeira nativa, desmatamento e implantação de
trutura em Porto Príncipe, houve, em um segun- florestas com espécies exóticas para fins indus-
do momento, um fluxo inverso. A massiva dis- triais foram, ao longo dos anos, tornando a
tribuição de bens e serviços nos abrigos tempo- mesma propicia a ocorrência de deslizamentos19.
rários na área metropolitana da capital não só Os processos de degradação ambiental e ocupa-
contribuiu para o retorno dos que migraram, ção combinados com as características geológi-
mas também para a migração das populações cas e hidrometeorológicas (alta pluviosidade),
mais pobres dos departamentos não afetados em tornam a região vulnerável à ameaças naturais
busca de melhores oportunidades10. como os deslizamentos de terra e enchentes. Por
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Tabela 2. Consequências humanas em termos de desalojados, desabrigados e óbitos no desastre de 12 de


janeiro de 2012 na região serrana.

Município Desalojados Desabrigados Óbitos Total


Nova Friburgo 4.528 789 429 5.476
Cordeiro 17 26 - 43
Macuco 28 24 - 52
Bom Jardim 1.186 632 2 1.820
São Sebastião do Alto 32 75 - 107
Santa Maria Madalena 284 44 - 328
Petrópolis (Itaipava) 6.956 187 71 7.214
S José do Vale do Rio Preto 300 174 2 474
Areal - 8 - 8
Teresópolis 9.110 6.727 392 16.229
Sumidouro 163 109 22 294
Total 22.604 8.795 918 32.317

Fonte: dados obtidos através da Defesa Civil do Estado do Rio de Janeiro.

esta razão que dos 11 municípios atingidos pelo sentava problemas crônicos de construções ina-
desastre de 12 de janeiro, cinco (Petrópolis, Su- dequadas em áreas de riscos (margens de rios e
midouro, Nova Friburgo, Teresópolis e Bom Jar- encostas), drenagem de águas, acúmulo de lixo
dim) se encontram entre os 251 mais vulneráveis nas encostas e desmatamentos, além da urbani-
aos deslizamentos no país20. zação não planejada e a falta de terrenos própri-
O rápido crescimento da população (nos os para moradias seguras21, contribuindo para
municípios mais atingidos, entre 1950 e 2010 a aumentar a vulnerabilidade socioambiental e con-
população triplicou em Petrópolis, quadruplicou verte-las em desastres, expondo e afetando de
em Nova Friburgo e quintuplicou em Teresópo- modo mais intenso os mais pobres. Diferente-
lis)19 e a sua distribuição desordenada pelo terri- mente do Haiti, os indicadores sociais dos três
tório determinou a ocupação de áreas de prote- municípios com maior número de óbitos da Re-
ção ambiental, como margens de rios e encostas, gião Serrana eram melhores, com Nova Fribur-
tanto oficialmente pelo poder público (como es- go e Petrópolis possuindo em 2000 IDH elevados
colas e estabelecimentos de saúde, por exemplo), (0,8 ou mais), PIB per capita em 2010 acima de 8
como ilegalmente, ocorrendo pouca ou nenhu- mil dólares e incidência de pobreza abaixo de 16%.
ma ação do estado para conter este processo. Teresópolis possuía IDH médio (0,7) e PIB per
Segundo relatório produzido pelo Ministério do capita mais baixo, em torno de 7 mil dólares e
Meio Ambiente para a análise do desastre da maior incidência de pobreza em 2003, com 21,9%.
Região Serrana, do total de 657 deslizamentos As taxas de mortalidade infantil em 2010 varia-
analisados em uma área na cidade de Nova Fri- vam de 12,2 por mil em Nova Friburgo à 19,6
burgo, 92% estavam associados a algum tipo de por mil em Petrópolis, mas todos possuíam es-
alteração antrópica na vegetação em áreas de ele- perança de vida ao nascer igual ou superior a 70
vada inclinação (morros, montes, montanhas e anos23,24. Entretanto, apesar do desastre ter atin-
serra), além da ocupação de faixas menores que gido populações de alta e baixa renda, em Tere-
30 metros em cada margem dos rios aumentan- sópolis, das 3.400 habitações atingidas, 65% per-
do a vulnerabilidade aos desastres21. O próprio tenciam à população de baixa renda17.
setor saúde contribuiu para aumentar esta vul- O desastre de 12 de janeiro, embora o mais
nerabilidade e também se tornou impactado pela grave já registrado no país, não ocorreu de uma
mesma. Levantamento realizado pelo Ministério hora para outra, sendo antecedido de uma série
da Saúde nos municípios de Bom Jardim, Nova de outros em anos anteriores, como sintomas de
Friburgo, São José do Vale do Rio Preto e Sumi- um desastre anunciado, como se pode ver no
douro, constatou que de 43 estabelecimentos de Quadro 1. A análise deste quadro permite cons-
saúde, 35 (81%) estavam localizados em áreas de tatar que se passou de desastres com centenas de
risco a ameaças naturais22. óbitos nos anos 1980, para desastres com deze-
Como uma fratura exposta da sociedade, o nas de óbitos a partir do século XXI, ou de uma
desastre revelou como a Região Serrana apre- situação de desastres intensivos para extensivos,
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que transformados em “normalidade” contribu- apenas 30)26, iniciativa parcial para a preparação
íram para que em janeiro de 2011 ocorresse o e alerta de comunidades (capacitações de comu-
mais grave desastre já registrado no país em ter- nidades sem sirenes e pontos de apoio não clara-
mos de óbitos. mente definidos em todas, bem como previsão
O desastre expôs os limites da sociedade bra- de instalação de radares metereológicos e pluvi-
sileira nas capacidades de redução de riscos de ômetros somente em 2013), apesar dos esforços
desastres, afinal um ano depois, o exemplo da para realização de exercícios simulados e capaci-
Região Serrana revela limites estruturais do país, tação de agentes comunitários para a prevenção
que podem ser resumidos em poucos gastos para de desastres realizados pelas Defesas Civis muni-
a prevenção, e o que é gasto sendo realizado de cipais, estadual e federal27.
modo fragmentado e parcial, não considerando Também foi detectado que recursos públicos
novos cenários de riscos de desastres. Estudo re- liberados para reconstrução após desastres ocor-
alizado pela Confederação Nacional de Municí- ridos no passado são muitas vezes desviados ou
pios25 revela que entre 2004 e 2009, os gastos com aplicados indevidamente com obras estruturais de
respostas aos desastres foram da ordem de 1,9 custos altos que não levam em consideração a ges-
bilhões de reais, enquanto os com prevenção e tão e planejamento a partir da macro-bacia hidro-
preparação foram correspondentes a 145 milhões gráfica da região, “solucionando” o problema lo-
de reais, ou pouco mais de 7% do montante gas- calmente, mas de forma ineficaz19. Mesmo solu-
to em respostas. No governo estadual, a situa- ções emergenciais, como a construção de habita-
ção é ainda pior, já que um ano após o desastre ções para solucionar o problema dos quase 9 mil
da Região Serrana, o orçamento da Secretaria desabrigados ainda não haviam iniciado um ano
Estadual de Defesa Civil para o Programa de Pre- depois, contribuindo para que muitos retornas-
venção de Desastres previsto no início de 2012 sem às suas antigas habitações em áreas de riscos,
era de apenas 1,7% do total do orçamento desti- como no caso de Teresópolis em que das 2.200 ha-
nado à mesma17. bitações afetadas pelo desastre, cerca de 2 mil tive-
No nível municipal, pesquisa realizada pós-de- ram o retorno de seus moradores, contribuindo
sastre apontou como limitações para as capacida- também para isto limites no aluguel social17.
des de redução de riscos a baixa participação co- O desastre da Região Serrana acelerou a cria-
munitária, a falta de articulação entre instituições, ção de estruturas como o Centro Nacional de
a insuficiência de cadastros e mapeamentos de ris- Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais
co, a insuficiência dos Planos Municipais de Redu- (CEMADEN) no Ministério da Ciência e Tecno-
ção de Risco (obsoletos e restritos a algumas áreas logia, forças nacionais como a Força Tarefa de
dos municípios) como vulnerabilidades instituci- Apoio Técnico e Emergência na Secretaria Naci-
onais e organizacionais presentes na região19. onal de Defesa Civil do Ministério da Integração
Estas vulnerabilidades institucionais e orga- Nacional e da Força Nacional do SUS no Minis-
nizacionais, que integram a vulnerabilidade so- tério da Saúde, além da reformulação das políti-
cial, atingem todos os níveis de governo e se ma- cas públicas relacionadas ao tema com o Projeto
nifestam em obras parcialmente iniciadas (de 75 de Lei que institui o Estatuto da Proteção Civil
pontes prometidas para reconstrução, apenas no país. Apesar destes esforços, estima-se que
uma foi entregue) ou contemplando apenas um apenas metade dos municípios brasileiros tenha
pequeno percentual dos pontos de riscos (de 777 alguma estrutura de Defesa Civil e até 2011 ape-
pontos identificados, obras foram iniciadas em nas 500 Coordenadorias Municipais de Defesa

Quadro 1. Histórico de enchentes e deslizamentos na Região Serrana do RJ


Ano Eventos e Consequências Municípios afetados

1987 Deslizamento com 282 óbitos Petrópolis e Teresópolis


1988 Enchentes com 227 óbitos e 2mil desabrigados Friburgo, Petrópolis e Teresópolis
2000 Enchentes com 5 óbitos Friburgo, Petrópolis e Teresópolis
2001 Chuvas fortes com 48 óbitos e 793 desabrigados Petrópolis
2003 Chuvas fortes com 33 óbitos Petrópolis
2007 Chuvas fortes com 23 óbitos Friburgo, Sumidouro, Petrópolis e Teresópolis
2008 Chuvas fortes com 10 óbitos Petrópolis
1584
Freitas CM et al.

Civil integravam o Sistema Nacional de Defesa podem contribuir para acelerar o desenvolvimen-
Civil, com outras 900 em fase de negociação17. to, proteger os investimentos e reduzir a pobre-
Embora a vulnerabilidade socioambiental na za1. Assim, estas políticas devem envolver desde
Região Serrana e no Brasil não possa ser tratada a preparação para as respostas aos desastres até
do mesmo modo que no caso do Haiti, há ele- a construção de sociedades e comunidades resili-
mentos estruturais de nossa realidade que não entes através dos processos de recuperação e re-
só contribuem para que os maiores impactos construção. Os exemplos do Haiti e da Região
recaiam sobre os grupos sociais mais vulnerá- Serrana não deixam dúvidas sobre a urgência
veis, principalmente os mais pobres, mas tam- desta agenda.
bém prolonguem suas consequências através de
um ciclo vicioso, com ainda baixa e fragmentada
capacidades de redução de riscos e construção da Considerações finais
resiliência.
Os riscos de desastres se constituem socialmente
Algumas lições dos exemplos do Haiti através de processos que se estruturam na dinâ-
e da Região Serrana mica do desenvolvimento econômico e social,
Ambos os exemplos permitem vislumbrar que bem como da proteção social e ambiental4. É so-
mantidas as condições do atual modelo de de- bre estes processos que devem se fundamentar
senvolvimento econômico e social de ambos os os conceitos e as práticas que constituem as ba-
países esboça-se um futuro de crescentes amea- ses para redução de riscos de desastres e da vulne-
ças e vulnerabilidades socioambientais resultando rabilidade socioambiental, bem como para a cons-
em desastres com potencial de afetar grandes con- trução da resiliência. A redução de riscos de de-
tingentes da população. Em escala global, não só sastres deve combinar um conjunto de políticas
as populações mais pobres nos países pobres são que previnam a ocorrência e limitem (mitigação
mais suscetíveis, como fica evidente no exemplo e preparação) as consequências (perdas e danos)
do Haiti, mas também as mais pobres mesmo oriundas dos desastres. Isto envolve um conjun-
nos países mais ricos, como ficou demonstrado to de estratégias para a construção da resiliência
no caso do Furacão Katrina que em 2005 afetou que tornem as sociedades e as comunidades ap-
Nova Orleans nos EUA. tas a desenvolverem as habilidades de responder
Desastres como os do Haiti e da Região Ser- adequadamente aos eventos, monitora-los, an-
rana no Brasil evidenciam que as condições la- tecipa-los e aprender com os mesmos, fortale-
tentes de vulnerabilidade socioambiental também cendo sua capacidade de adaptação após os de-
estão na raiz da baixa capacidade de governança sastres, mantendo um nível aceitável de funcio-
para estratégias de redução de riscos e construção namento e estrutura para restabelecer-se, recu-
da resiliência. Aproximadamente 90% dos paí- perar-se e reconstituir-se, não só retornando a
ses com forte capacidade de governança para normalidade de sua vida “cotidiana”, como tam-
desastres são os de alta renda. Em contraposi- bém em condições ainda mais sustentáveis e se-
ção, os países de baixa (como Haiti) e média- guras do que as anteriormente existentes2-4,28.
baixa (como Brasil) renda respondem por 95% Considerando a vulnerabilidade socioambi-
dos países com baixa capacidade de governança. ental como aspecto central para compreensão dos
O rápido crescimento econômico de muitos desastres, não se pode considerar que as capaci-
países, como o Brasil, tem contribuído para re- dades de redução de riscos e de resiliência podem
duzir a pobreza e melhorar as condições de vida ser descontextualizadas dos processos que as ge-
de milhões de pessoas. Paradoxalmente crescem, ram. A questão de desenvolver habilidades e for-
principalmente neste grupo de países, os riscos de talecer as capacidades para tornar-se resiliente
maiores impactos, incluindo os econômicos, pois envolve mudanças de padrões, desde os cogniti-
as capacidades de governança para a redução de vos (o modo como se interpreta o mundo ao
riscos e a resiliência não se desenvolvem com a redor e seus eventos) até as políticas e ações que
mesma rapidez que o crescimento econômico. Esta resultam nos macro-determinantes sociais, eco-
realidade também vem ocorrendo nos países de nômicos e ambientais que resultam não só nos
alta renda, como os da Organização para Coope- aspectos básicos do viver (acesso ao trabalho,
ração e Desenvolvimento Econômico (OCDE)11. renda, alimentação, educação, saúde, habitação,
Diante deste quadro, o tema das políticas de saneamento ambiental, entre outros), como tam-
redução de riscos de desastres vem recebendo gran- bém de onde se vive e trabalha (uso e ocupação
de atenção na agenda do desenvolvimento sus- do solo, de gestão ambiental e apropriação dos
tentável global, uma vez que se reconhece que recursos naturais, entre outros) articulados e in-
1585

Ciência & Saúde Coletiva, 17(6):1577-1586, 2012


tegrados com políticas sistêmicas orientadas para buscar uma interoperalibilidade de sua estrutu-
a sustentabilidade ecológica e a justiça social como ra visando um incremento da resiliência e geran-
pilares do desenvolvimento sustentável. do políticas integradas4,29. Desde políticas de pre-
No caso do Haiti, deve-se reduzir a vulnera- venção da situação existente envolvendo políti-
bilidade da população às ameaças fortalecendo a cas e planejamento da ocupação e uso do solo,
resiliência do país. Isso significa um processo de incluindo as habitações e a exploração agrícola,
longuíssimo prazo de desenvolvimento econô- até as de reconstrução de estradas, pontes, esco-
mico e social de forma sustentável. O Haiti deve las e estabelecimentos de saúde, assim como as
pautar seu desenvolvimento na ideia de susten- ações de preparação e respostas para desastres,
tabilidade, beneficiando os pobres ao mesmo devem ser integradas às políticas de desenvolvi-
tempo em que protege seus recursos naturais. O mento locais e regionais, atuando com transpa-
desastre de 2011 oferece uma oportunidade para rência e participação da sociedade nos determi-
que o Haiti não se reconstrua para a situação nantes sociais e ambientais da saúde e na redu-
anterior ao desastre, mas orientado para um ção da vulnerabilidade socioambiental.
novo modelo que combine a preservação dos Resguardadas as diferenças nos níveis de vul-
recursos naturais, o fortalecimento das institui- nerabilidade socioambiental, no Haiti e no Brasil
ções públicas de saúde e segurança, investimen- constata-se que ainda há um longo percurso para
tos em infraestrutura e melhoria das habitações que o setor saúde atue mais diretamente na re-
e condições de vida da população. dução de riscos de desastres e construção da re-
Para a região Serrana no Rio de Janeiro, em siliência, inclusive reduzindo sua própria vulne-
primeiro lugar é necessária a compreensão, por rabilidade ao não estar preparado e ao mesmo
parte dos gestores (do nível federal ao local) e da tempo situado em áreas de riscos. Porém, com
população, de que existe uma vulnerabilidade cli- certeza este longo caminho só poderá ser inte-
mática e geofísica aos deslizamentos de terra e gralmente percorrido com mudanças profundas
formação de enchentes. Em outras palavras, é no modelo de desenvolvimento, combinando
necessário o reconhecimento que ameaças natu- políticas e ações que atuem sobre seus elementos
rais e potenciais de desastres na região não são estruturais, com mudanças sociais e culturais,
eventos inesperados. Esta compreensão deve nor- do nível macro ao micro, atuando permanente-
tear de forma urgente e necessária um redesenho mente sobre os determinantes da vulnerabilida-
organizacional do modo como o estado brasilei- de socioambiental para promover a saúde, a sus-
ro enfrenta o tema dos desastres, de forma a tentabilidade ecológica e a justiça social.

Colaboradores Referências

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