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UNIDADE 1

PSICOLOGIA DAS
EMERGÊNCIAS E DESASTRES

EMERGÊNCIAS E DESASTRES

AUTOR(A)
Marlene Monteiro Pereira
REVISOR(A)
Maircon Rasley Gonçalves
APRESENTAÇÃO
Psicologia é uma área do conhecimento com muitas ramificações, e dentre elas
está a de emergências e desastres. Essa área da Psicologia estuda e atua sobre as
mudanças e fenômenos pessoais presentes em uma catástrofe, de origem
natural ou não, que geram problemas a indivíduos, comunidades e nações
(MOLINA, 1994).

No âmbito nacional, apesar de não termos furacões ou tornados (o que leva


outros países a criarem programas de prevenção) não estamos livres de tal
possibilidade, e ainda, observamos cada vez mais deslizamentos de terra,
rompimento de barragens, enchentes e inundações pela quantidade de chuvas,
como ocorreu em Mariana (2005) ou Brumadinho (2019) que foi considerado o
maior acidente de trabalho no Brasil em perdas de vidas humanas e o segundo
maior desastre industrial do século. Foi um dos maiores desastres ambientais da
mineração do país, trazendo graves consequências para a saúde mental dos
envolvidos de alguma forma.

Existem indicadores das equipes de saúde mental dos municípios impactados


pelo desastre de que houve aumento do alcoolismo e uso de drogas, de todos os
tipos de violência (em especial a doméstica), depressão, suicídios e tentativas,
alguns surtos psicóticos, bem como efeitos psicossomáticos, tais como pressão
alta, crises alérgicas, problemas respiratórios, de pele e outros, relacionados ou
não à contaminação. Uma situação que interfere na saúde mental e precisa ser
tratada.

Pode-se observar que, sem prevenções, as consequências são maiores, como


Erikson (1976) ressalta, quando afirma que o “segundo desastre” é aquele que
surge pela falta de preparação, podendo acarretar problemas psicológicos e
emocionais. Nesta sociedade globalizada, onde as informações alcançam muito
mais que a cidade afetada, por exemplo, os efeitos da catástrofe são ampliados,
chegando a pessoas ligadas direta e indiretamente ao desastre. Ainda, não
podemos deixar de salientar o mais recente desastre, o ocasionado pela
pandemia do vírus (COVID-19) sendo a maior emergência de saúde pública que
estamos enfrentando. Além das preocupações quanto à saúde física, traz
também preocupações quanto ao sofrimento psicológico que pode ser
experienciado pela população geral e pelos profissionais da saúde envolvidos.
A relevância da discussão desse tema se dá ao fato de frequentemente, e cada
vez mais, pela transmissão nos meios de comunicação, sofrermos com
catástrofes e desastres, sabendo que a repercussão desses pode ser amenizada
se tratada de forma correta, com devidas precauções; sabendo também que não
estamos imunes a estes que precisam ser tratados por profissionais qualificados.

Nesta disciplina Psicologia do Trânsito, Urgências e Desastres, existe uma


preocupação em construir uma base teórica metodológica para alunos em
formação, provendo os mesmos de uma compreensão de sua formação prática
como Psicólogo. Iremos buscar uma introdução à análise e discussão dos
fenômenos psicológicos neste contexto, para que você futuro psicólogo,
acrescente em sua formação prática, conhecimentos necessários para esse
enfrentamento.

Desse modo, a disciplina busca promover o desenvolvimento de competências


como compreender os fenômenos provocadores de emergências e desastres em
sua complexidade, buscando competências e habilidades para sua formação
como futuro Psicólogo comprometido em amenizar essas situações do contexto,
sempre que se fizer necessário.

Bons estudos!

Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes


aprendizados:

Compreender o que é considerado emergência e desastres para atuação do


Psicólogo.
Compreender o que é a psicologia das emergências e desastres, qual seu
campo de estudo e o papel do psicólogo neste contexto.
Analisar os aspectos históricos da Psicologia das emergências e desastres.
Identificar os aspectos psicológicos do sujeito e seu comportamento nas
emergências e desastres.
Identificar a necessidade ou existência de políticas públicas para a atuação do
psicólogo nas emergências e desastres.
CONHEÇA O
CONTEUDISTA
MARLENE MONTEIRO PEREIRA
Possui graduação em Licenciatura Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul (1983), graduação em Licenciatura Estudos Sociais pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1981), mestrado em
Educação pela Universidade de Brasília (1997) e mestrado em Inovação Educativa
pela Universidade Autônoma de Barcelona (1999). Pesquisadora da Rede
Informação Tecnológica Latino Americana e coordenadora do Curso de Pedagogia
- UNICESP Ensino Superior. Consultoria na elaboração de cursos das IES e
recebimento de equipes de avaliação, de credenciamento a abertura de cursos
superiores. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Educação,
atuando principalmente nos seguintes temas: violências nas escolas,
metodologia/estudos sociais/professores, convivência nas escolas, metodologia
científica e pedagogia empresarial. Docência em disciplinas dos cursos de
Pedagogia e Psicologia. Formação de professores. Coordenação de Metodologias
Ativas no Ensino Superior. (Lattes CNPQ).
UNIDADE 1
Introdução

A Psicologia está se modernizando cada vez mais quando pensamos em saúde


mental. Segundo Paiva e Yamamoto (2008) nos últimos anos a Psicologia tem
mudado, construindo novas formas de saberes e compondo novas práticas.
Segundo os autores, é necessário estabelecer uma Psicologia mais social, que
conheça seu contexto de atuação e que colabore para a emancipação do sujeito.

Ao pensarmos em saúde mental percebe-se que a atuação do Psicólogo nesse


campo de trabalho com emergência e desastres é de suma importância, pois sua
contribuição no cuidar abrange também a intervenção psicossocial.

Os desastres causam muitos danos imateriais, ou seja, de valor simbólico e


emocional para as pessoas. Por isso, recomenda-se o acompanhamento
psicológico para aqueles que sofrem com estresse acentuado diante da ruptura
de suas rotinas pessoais, familiares, comunitárias, profissionais, entre outros
(VALENCIO, 2009). O acompanhamento psicológico da equipe de trabalho que
intervém no desastre também é importante, visto que ela lida com situações
extremas e imprevistas, que envolvem risco pessoal e responsabilidade com a
integridade física e psicológica das pessoas (VALENCIO, 2009).
PSICOLOGIA DAS EMERGÊNCIAS E DESASTRES

A grande quantidade de desastres acaba acarretando uma diversidade de danos


ao ser humano, deixando marcas profundas e por vezes irreparáveis.

Momentos marcantes, como o rompimento da barragem da mineradora Samarco,


localizada em Mariana e a de Brumadinho, ambas em Minas Gerais, fazem a
sociedade refletir sobre os impactos das tragédias ambientais. Tanto é que esses
desastres ambientais são considerados pelo Governo Federal como sendo as
maiores tragédias ambientais da história do nosso país.

Não deixando de salientar nesta questão de emergências e desastres, a


pandemia do COVID-19 que tem impactado a saúde mental, tanto na população
em geral como nos profissionais de saúde que estão na linha de frente.

Desastres ambientais: o que são?

Desastres ambientais são acidentes com danos graves para a sociedade, podem
ser causados por fatores naturais e provocados ou intensificados pela ação do
homem.
PSICOLOGIA DAS EMERGÊNCIAS E DESASTRES

Grande parte dos desastres ambientais estão relacionados ao uso irresponsável


dos recursos naturais e por falhas ou inexistência de medidas de segurança em
atividades de risco.

Os desastres ambientais podem causar efeitos na saúde humana, na


biodiversidade, na produção de alimentos e na qualidade da água. Além disso,
esses eventos causam enormes prejuízos financeiros às pessoas atingidas e aos
governos.

Não há como negar que nos últimos anos a degradação do meio ambiente está
se elevando e, por isso, discutir esse assunto tem sido algo realmente muito
importante. De maneira geral, desastre ambiental consiste em todo e qualquer
tipo de alteração que seja significativa para o meio ambiente em si, podendo ser
provocada por meio de uma ação humana ou por fenômenos de caráter natural.
Em relação aos desastres de impactos adversos, pode-se mencionar casos que
ficam mais em destaque na mídia, envolvendo poluição, destruição de áreas
verdes, água contaminada, e outros. Infelizmente, no decorrer da nossa história,
os desastres ambientais não são uma novidade, mas algo recorrente. Muitos,
inclusive, acabam marcando drasticamente nosso país.

Desastres ambientais: causas e consequências

Não somente pode-se afirmar que o resultado desses casos proporciona uma
grande quantidade de prejuízos ambientais, como também gera um impacto
negativo e em grande escala para a nossa sociedade, para a economia e até
mesmo para a cultura.

As dimensões provocadas pelos desastres são constantes e dificilmente


deixaremos de ver na história do Brasil seus efeitos, mesmo em casos de
desastres ambientais de anos atrás!

Casos como o rompimento da barragem da Samarco são prova disso. Mesmo


depois de quase 6 anos, a cidade de Mariana, em Minas Gerais, ainda sofre com o
desastre ambiental, que teve a liberação de mais de 62 milhões de metros
cúbicos de rejeitos.
PSICOLOGIA DAS EMERGÊNCIAS E DESASTRES

Confira abaixo alguns dos principais prejuízos que podem ser ocasionados por
conta dos desastres ambientais:

Os impactos podem acabar afetando a economia local da região. No caso de


Mariana, por exemplo, cuja mão de obra local era atraída pela construção da
barragem que trazia empregos para os moradores, teve esta atividade
encerrada.
Locais que sejam considerados turísticos, sua economia local pode ficar
totalmente afetada, o que gera desemprego e diminuição do poder de renda
para os mais necessitados.
Em casos de locais que foram submetidos à radiação, as pessoas deixam
todos os seus bens e a história de uma vida para trás, sem a menor
perspectiva de como será o futuro. Em muitos casos, as áreas afetadas nem
podem ser retomadas pelos antigos moradores, ficando absolutamente
desertas.
Acidentes causados com óleo e demais componentes químicos em mares,
rios, lagos, e represas são também muitos nocivos. Os animais acabam
morrendo por conta de sede ou por acesso a uma água contaminada. Já os
moradores da região também sofrem com a falta de água para beber e
cozinhar.
PSICOLOGIA DAS EMERGÊNCIAS E DESASTRES

Maiores desastres ambientais do mundo

Logicamente, o Brasil não é o único país a vivenciar casos de desastres


ambientais, o mundo todo está exposto a fenômenos climáticos e outras
situações que geram grandes impactos.

Alguns desastres ambientais deixam evidente que a relação do homem com o


meio ambiente precisa ser tratada com mais seriedade e cuidado. São acidentes
que ficam na memória e causam impactos irreversíveis à natureza e à vida de
milhares de pessoas.

Ao contrário dos desastres naturais, sobre os quais não temos controle, os


desastres ambientais causados pelo homem têm como principal fator o erro
humano.

Confira a seguir uma lista com os três maiores desastres ambientais no mundo,
que foram causados não somente pela própria natureza, mas também pelas
mãos humanas.

Bomba de Hiroshima e Nagasaki (Japão, em 1945)

Durante a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos, pela primeira vez, utilizou
bombas atômicas para atacar as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki com
o objetivo de forçar o Japão a se render.

A gravidade foi tanta, que no raio de um quilômetro da parte central da explosão,


praticamente todos os animais e plantas foram exterminados, além da morte de
muitas pessoas. Já se passaram quase 60 anos e a radiação ainda causa efeitos
nocivos para a vida de muitos japoneses.
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Explosão de Chernobyl (Ucrânia, em 1986)

Esse é considerado o caso de acidente radioativo mais grave da história mundial,


e por isso um dos maiores desastres ambientais do mundo. A nuvem nuclear
provinda da explosão de um reator acarretou efeitos nocivos na Europa e ainda
contaminou uma enorme extensão de florestas, deixando mais de 40 mil pessoas
extremamente doentes.

Fukushima (Japão, em 2011)

Esse desastre ambiental também se refere a um acidente nuclear, porém, esse foi
em decorrência de um terremoto seguido por um tsunami. A usina nuclear foi
atingida pelo tsunami, causando uma explosão no local. Não houve mortos, mas
grande parte da população sofre problemas de saúde e alta probabilidade de
desenvolver câncer.

Além disso, até os dias de hoje, o oceano Pacífico é contaminado devido aos
despejos de água radioativa que chegam a 300 toneladas por dia. Muitos destes
desastres ambientais poderiam ter sido evitados se os trabalhadores tivessem
tido um bom treinamento de Segurança da Saúde do trabalho. Por isso existe a
preocupação e necessidade de encarar a Segurança do Trabalho de forma mais
séria e mais responsável.

DESASTRES AMBIENTAIS NO BRASIL

No Brasil, os desastres ambientais dificilmente são provocados por efeitos


naturais de grande magnitude, como tsunamis, terremotos e outros, porém,
muitos deles são provocados por ação humana. Confira a seguir os três maiores
desastres ambientais do Brasil:

Acidente radioativo em Goiânia (1987)

Esse é considerado um dos mais graves casos de radiação em todo o mundo,


considerando o uso de um material radioativo chamado Césio 137. O motivo
inicial de tudo foi a violação de um aparelho radiológico por dois catadores de
lixo. O aparelho se encontrava em um hospital abandonado. No processo, os
dois encontraram um pó branco que tinha a capacidade de emitir uma luz
azulada. Ao deslocar esse pó para outros pontos da cidade, eles acabaram
contaminando o ar, solo, água e também muitas pessoas.
PSICOLOGIA DAS EMERGÊNCIAS E DESASTRES

Rompimento da barragem em Mariana (2015)

O rompimento da Barragem da Samarco – empresa controlada pela Vale –


acarretou a liberação de cerca de 62 milhões de metros cúbicos de rejeitos na
cidade, inundando o distrito de Bento Rodrigues, em Minas Gerais, deixando 19
mortos.

Os impactos ambientais pelo rompimento da barragem são enormes, podendo


destacar a contaminação de rios e mares pela lama, a morte de milhares de
espécies de peixes, soterramento de nascentes, destruição da vegetação,
comprometimento do solo, entre outros.

Rompimento da barragem de Brumadinho (2019)

No dia 25 de janeiro de 2019, a barragem I da mina do Córrego do Feijão


desabou, causando um verdadeiro “tsunami” de rejeitos sobre a comunidade
local e também em distritos próximos de Brumadinho. Foram 11,7 milhões de
metros cúbicos, um mar de lama que causou mortes, destruição e prejuízos
incalculáveis no meio ambiente.

No momento do rompimento da barragem, as sirenes de alerta não foram


acionadas, fato que contribuiu imensamente para a contagem final de 250
mortos. Um desastre ambiental que disseminou animais, plantas, árvores,
contaminando rios e ceifando vidas de famílias inteiras, ou seja, uma catástrofe
ecológica.
PSICOLOGIA DAS EMERGÊNCIAS E DESASTRES

Desastres ambientais causados pelo homem

Infelizmente, os três casos citados nos tópicos anteriores são de desastres


ambientais causados pelo homem, bem como outros que acabam manchando a
nossa história e trazendo tantos efeitos negativos para a nossa sociedade.

O grande ponto é que a maior parte dos desastres não somente no país, mas
também como no restante do mundo são, na maioria das vezes, provocados por
motivos que poderiam ser evitados!

A presença de uma estrutura mais precária por parte de grandes corporações e


suas instalações, e até mesmo uma ausência de manutenção qualificada, podem
ser as principais responsáveis por muitos acidentes e tragédias semelhantes às
que foram provocadas pela Samarco, por exemplo.

Desastres ambientais: qual o preço do desenvolvimento?

Os danos ao meio ambiente não somente atingem plantas ou animais, mas


também trazem muitos efeitos nocivos para o solo, à água, e o ar, afetando a
todos nós.

O desenvolvimento é algo que de fato impulsiona o homem, gera progresso e até


mesmo permite que procuremos atestar nossas mais profundas capacidades e
adaptações, mas quando feito de forma inconsciente, nos afasta do nosso elo
mais profundo e importante: o nosso planeta.

Diante disso, os desastres ambientais são uma das maiores preocupações dos
tempos atuais, principalmente porque os efeitos são arrastados por anos e mais
anos à frente, e reverter essa situação dependerá da forma de como encaramos
a nossa existência.

A atuação do psicólogo nas emergências e desastres tem ganhado força, embora


muito falta para se alcançar resultados satisfatórios. Segundo o CRP-08 (2009, p.
17), atualmente tem-se “percebido que poucos profissionais de Psicologia têm
preparo técnico para atender essa população (...)” que está envolvida nos
desastres, deixando o Brasil muito atrás de países pioneiros, como Chile. Pode-se
perceber que a Psicologia das emergências e dos desastres, ainda está
caminhando de maneira “lenta”, tendo como referência os constantes eventos
adversos.
PSICOLOGIA DAS EMERGÊNCIAS E DESASTRES

Segundo o CRP-08 (2009, p. 19) “a Psicologia brasileira ainda está engatinhando


em um tema tão importante, pois eles consideram a violência como a grande
catástrofe nacional”. Isso porque a violência está mais evidente em nosso
cotidiano considerando o fato das emergências, principalmente as naturais,
serem de menores proporções no Brasil, onde afetam com mais frequência
apenas alguns Estados do nosso país.

E classificamos desastre como: evento, acontecimento que causa sofrimento e


grande prejuízo (físico, moral, material, emocional). Não podemos deixar de citar
um acontecimento que acarreta muito sofrimento a população de Santa Maria no
Rio Grande do Sul, o incêndio na Boate Kiss. Também outra situação que merece
destaque quando se trata de acontecimentos de grande repercussão e
caracterizado como um desastre afetando e provocando sofrimento e grande
prejuízo no contexto social, estamos agora falando da pandemia do Covid-19,
situação que estamos vivendo no momento. Em 2013, um incêndio de grandes
proporções na boate Kiss, em Santa Maria, matou 242 pessoas e deixou 630
feridas. Em 2020 e 2021, uma pandemia já vitimou mais de 5 milhões de pessoas
ao redor do mundo.

No Hospital Universitário de Santa Maria – HUSM, as duas tragédias ganham uma


intersecção: o uso do conhecimento científico e da estrutura ambulatorial para o
acompanhamento de sobreviventes. Após o incêndio, criou-se o Centro Integrado
de Atendimento às Vítimas de Acidentes, o CIAVA. Sete anos depois, a demanda
mudou, mas a ideia segue na mesma direção: para atender e acompanhar os
recuperados da Covid-19, surgiu o Ambulatório Pós-Covid a partir do
aproveitamento da estrutura física e intelectual provenientes da experiência
anterior. Este Centro Integrado está se mostrando modelo para a intervenção de
muitos sofrimentos vivenciados ainda hoje em consequência de tragédias, como
é o caso de Brumadinho.

Um serviço que vai ajudar ainda mais pessoas que são vítimas de acidentes com
queimaduras. É com esse propósito que, no próximo mês, a chefe da Unidade de
Reabilitação do Hospital Universitário de Santa Maria (Husm) e coordenadora do
Centro Integrado de Atendimento às Vítimas de Acidentes (Ciava), Marisa Bastos
Pereira, irá a Portugal, para mostrar o trabalho que foi criado para atender as
vítimas do incêndio na boate Kiss, em 2013. Há dois meses, o grupo recebeu um
pedido da Associação Portuguesa de Fisioterapeutas para colaborar na
assistência técnica de sobreviventes do desastre que ocorreu na cidade de
Pedrógão Grande, localizada a cerca de 200 km da capital Lisboa.
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Como esses desastres atingem a Saúde mental

O Transtorno de Estresse Pós-Traumático – TEPT, é uma das consequências em


pacientes sobreviventes da Kiss, e também em pacientes sobreviventes da Covid-
19. Vitor Calegaro, médico psiquiatra, explica que o TEPT ocorre após um evento
traumático, que, além dos citados, pode ser um trauma proveniente de violência
física, sexual, acidentes, doenças súbitas com potencial de morte, entre outros.
Os sintomas se dividem em quatro núcleos:

1. Vivências: são memórias intrusivas e angustiantes que a pessoa tem mesmo


sem querer. As memórias são repetitivas e podem vir na forma de lembrança, de
flashback, de pesadelos, de sentimentos e sensações fisiológicas angustiantes.
Estes momentos fazem com que a pessoa relembre o trauma.

2. Evitação: são sintomas fórmicos, em que a pessoa evita pensar no assunto, em


cenas do evento, lembretes externos, pessoas, situações, lugares e memórias que
podem fazer com que ela relembre do evento traumático.

3. Alterações negativas no humor, nos pensamentos e nas crenças: humor mais


deprimido, dificuldade de sentir emoções positivas como alegria, felicidade, amor
e carinho; tendência a sentimentos e emoções negativas como tristeza,
ansiedade, irritabilidade e angústia; pensamentos distorcidos, pensamentos de
culpa e alteração de visão de mundo.
PSICOLOGIA DAS EMERGÊNCIAS E DESASTRES

4. Sintomas ansiosos e hiperexcitabilidade: a pessoa em estado de alerta e de


hipervigilância, costuma ficar ansiosa, tem insônia, facilidade de ter explosões de
humor, raiva imprudente e colocar- se em situação de risco.

O SOCORRO PSICOLÓGICO NO CASO DA BOATE KISS

A realidade mostra que, nesses momentos, é necessário ter equipe de saúde


mental, especialmente com perfil de atenção primária. Isso não implica a ausência
de especialistas em nível terciário na equipe, que deve incluir como base
psiquiatras, psicólogos, enfermeiros e assistentes sociais, e não somente
médicos.

Segundo o Dr. Christian Kristensen (2005), as intervenções de socorro psicológico


devem seguir a uma série de pressupostos que orientam as práticas fazendo o
reconhecimento das teorias já consagradas pela Psicologia.

Dentre as questões importantes, é preciso considerar que as intervenções devem


seguir uma sequência, serem resultado de avaliação criteriosa das demandas e
ainda, contarem com a disponibilidade dos recursos humanos com capacitação
técnica.

Mobilizados com a grandiosidade do evento, psicólogos pesquisadores do Núcleo


de Estudos do Estresse Pós - Traumático (TEPT), decidiram organizar uma
capacitação para qualificar os voluntários que acompanhavam os familiares.
Foram três turmas de 80 pessoas, nos dois primeiros dias após o incêndio, com o
apoio da FAB e da Clínica WP em Santa Maria.

A capacitação de profissionais foi imediatamente iniciada pelo grupo, que


trabalhou, no primeiro dia, de forma autônoma, uma vez que os gestores da crise
não conseguiram visualizar a importância das medidas a serem adotadas.

Foi seguido um roteiro que incluía aprender sobre as respostas comuns à


exposição a eventos estressores, diferenciar as reações de estresse agudo e
Transtorno de Estresse Agudo (TEA), conhecer e fundamentar os princípios de
abordagens imediatas e os primeiros socorros psicológicos, a abordagem do
Transtorno de Estresse Agudo, em princípios gerais e as considerações básicas
das intervenções.
PSICOLOGIA DAS EMERGÊNCIAS E DESASTRES

Outro aspecto enfatizado foi a preocupação com as condições emocionais dos


socorristas e cuidadores, que, segundo Caminha (2005), são profissionais que
estão suscetíveis ao adoecimento psíquico, caso não tenham sido preparados e
amparados ou mesmo pela exposição emocional própria das intervenções em
catástrofes.

Tendo como consideração a experiência dos profissionais especialistas, as


intervenções de socorro psicológico devem guiar-se por objetivos como:

Estabelecer conexão de forma não-intrusiva e empática;


Promover segurança imediata e contínua;
Prover bem-estar físico e emocional;
Acalmar e orientar pessoas emocionalmente sobrecarregadas ou em
sofrimento;
Auxiliar pessoas a manifestar especificamente suas necessidades e
preocupações imediatas, obtendo informações adicionais somente quando
apropriado;
Oferecer informação que auxilie em lidar de forma eficaz com os aspectos
psicológicos do evento traumático;
Oferecer assistência prática e informações para auxiliar na satisfação de
necessidades e preocupações imediatas; e
Conectar pessoas tão logo quanto possível às redes de apoio social, incluindo
membros familiares, amigos, vizinhos e recursos na comunidade. Isso vai
ampliar as respostas adaptativas de coping e encorajar adultos, crianças e
famílias a assumir papel ativo no processo de recuperação.

Importante também é ser claro sobre sua disponibilidade e, quando apropriado,


estabelecer a ligação com outros profissionais da equipe de resposta, com
serviços locais e organizações.

Três aspectos essenciais dos Primeiros Socorros Psicológicos:


1. Provisão de necessidades básicas;
2. Orientação sobre o desastre e os trabalhos de recuperação; e
3. Redução da hiper vigilância fisiológica por meio de técnicas de relaxamento,
evitação de estímulos perturbadores e, ocasionalmente, uso de medicamentos.
PSICOLOGIA DAS EMERGÊNCIAS E DESASTRES

Na gestão da crise devem ser considerados alguns aspectos muito importantes


na intervenção imediata após o desastre:

Mobilização de apoio - Reunião de familiares e amigos e provisão de serviços


profissionais necessários.
Fornecimento de informações - Sobre recursos disponíveis estratégias para
lidar com o problema.
Uso de técnicas eficazes de comunicação de risco - Para fornecer informações
precisas e necessárias para os sobreviventes de maneira calma e honesta,
sem aumentar a ansiedade.
Após a exposição a eventos traumáticos - Estimular indivíduos seguindo a vida
de modo normal, evitando o isolamento.
Em casos de desastre natural ou produzido pelo homem - Abordagens em
saúde pública nos locais e comunidades afetados devem ter componentes
educacionais e de ajuda aos necessitados.

São fatores não recomendados na psicoterapia do TEA – Transtorno de Estresse


Agudo e TEPT – Transtorno de Estresse Pós - Traumático (Caminha, 2005):

Não trabalhar com um modelo impositivo de sessões para com o paciente,


adapte as técnicas ao seu paciente não o seu paciente às técnicas.
Não forçar a narrativa, não exigir que o paciente conte sobre o ocorrido,
respeitar o tempo dele e a solidificação de aliança e confiança terapêutica,
não abra mão, entretanto, do estabelecimento de objetivos e metas.
Não direcionar a fala do paciente quando ele estiver produzindo narrativas,
não questionar detalhes ou minúcias diretamente. Se a narrativa for global e
pouco específica questionar se há algum detalhe que o paciente considere
relevante descrever no momento.
Não exija que o paciente volte à temática central se ele apresentar certa
predileção em fugir do assunto principal apenas indique sobre a dificuldade
que ele está tendo em falar. É válido lembrá-lo de seus objetivos e metas
(Caminha, 2005).
Não confronte o paciente com relação a certas contradições produzidas na
narrativa apenas escute sua fala.
Não reprima possíveis manifestações emocionais, pelo contrário, estimule-as
aproveitando para identificar, novamente não de modo impositivo, os
possíveis pensamentos e seus significados tão logo o paciente tenha aberto a
"guarda emocional".
PSICOLOGIA DAS EMERGÊNCIAS E DESASTRES

Não esboce reações de perplexidade diante de narrativas for tes, não


produza juízo de valores diante do narrado, por exemplo, se uma paciente
narrar um violento estupro o terapeuta fizer cara de horrorizado ou emitir
sentenças do tipo, "ele disse isso, que horror".
Não se obrigue a atender o caso, lembre-se que pacientes com TEA e TEPT
tendem a narrar acontecimentos horríveis mas você não deixará de ser um
bom terapeuta se encaminhar o caso diante da impossibilidade de lidar com
narrativas horrendas.
Não tente lidar sozinho com o caso diante de dificuldades, busque ajuda de
um colega, busque supervisão e apoio técnico.
CONCLUINDO A
UNIDADE

Vitor destaca que uma das semelhanças entre os dois eventos traumáticos, do
ponto de vista psíquico, é que os dois são desastres coletivos e evitáveis. “ O caso
da Kiss é um tanto quanto óbvio, e o da Covid- 19, claro, é um desastre biológico,
mas a questão é a condução da pandemia”. O médico psiquiatra destaca que há
uma insegurança grande na população, em particular para quem se vê mal em
função da doença: “ A pessoa traumatizada pode tender a ficar extremamente
irritada e a apontar responsáveis por isso, nesse país dividido”, complementa.

No Ambulatório Psiquiatria Pós- Covid, que ele coordena, o atendimento começa


com uma avaliação pormenorizada, baseada na individualidade. O paciente passa
pelo processo de psicoeducação, em que é informado sobre o que tem, para que
possa entender a doença e os sintomas. A partir disso, se pensa nas intervenções
e qual o melhor tratamento para cada pessoa, além da avaliação da necessidade
ou não de medicação. Vitor comenta que é possível observar uma melhora rápida
na maioria dos pacientes, em que os primeiros resultados surgem a partir de
quinze a vinte dias do início. No entanto, ele alerta que quanto mais próximo do
trauma for iniciado o tratamento, maiores as chances de uma melhora rápida. Na
psiquiatria, há capacidade de atendimento de dezesseis pacientes semanais.
DICA DO
PROFESSOR

A partir dos conceitos, aprofundando esses conhecimentos, assista o vídeo:

PSICOLOGIA NAS EMERGÊNCIAS E DESASTRES em


https://youtu.be/fAH7w4dtqiw

21
EXERCÍCIOS DE
FIXAÇÃO
Questão 1: A complexidade que envolve a vida contemporânea coloca o campo
da Psicologia cada vez mais diante da necessidade de qualificar seu ator
profissional para acidentes traumáticos que irrompem no cotidiano, em escalas
diversas.

Para essas situações emergenciais, o profissional de psicologia deve estar


preparado para:

A) Distinguir as exigências de socorro em desastres, que são eventos naturais,


diferentemente de catástrofes, que são eventos causados pela ação humana.
B) Conhecer previamente as tipologias de acidentes, pois as catástrofes são
imprevisíveis, o que exige capacidade de ação em situações onde não há
coordenação possível.
C) Atuar em um campo que se estende da ação preventiva até o pós-trauma, ou
seja, desde as diversas respostas do impacto da emergência até a facilitação da
reabilitação.
D) Administrar primeiros socorros psicológicos, o que implica diagnosticar
rapidamente as vítimas com potencial para desenvolver transtorno de estresse
pós- traumático.

SEU GABARITO

22
EXERCÍCIOS DE
FIXAÇÃO
Questão 2: Ocorre após um evento traumático, que pode ser um trauma
proveniente de violência física, sexual, acidentes, doenças súbitas com potencial
de morte, entre outros.

A que se refere a descrição acima:

A) Transtorno de Estresse Pós-Traumático


B) Estresse
C) Angústia
D) Fadiga

SEU GABARITO

22
EXERCÍCIOS DE
FIXAÇÃO
Questão 3: São memórias intrusivas e angustiantes que a pessoa tem mesmo
sem querer. As memórias são repetitivas e podem vir na forma de lembrança, de
flashback, de pesadelos, de sentimentos e sensações fisiológicas angustiantes.
Estes momentos fazem com que a pessoa relembre o trauma.

A que se refere a descrição acima:

A) Vivências
B) Evitação
C) Alterações negativas no humor
D) Fadiga

SEU GABARITO

22
EXERCÍCIOS DE
FIXAÇÃO
Questão 4: A pessoa em estado de alerta e de hipervigilância, costuma ficar
ansiosa, tem insônia, facilidade de ter explosões de humor, raiva imprudente e
colocar- se em situação de risco.

A que se refere a descrição acima:

A) Vivências
B) Sintomas ansiosos e hiperexcitabilidade
C) Alterações negativas no humor
D) Fadiga

SEU GABARITO

22
EXERCÍCIOS DE
FIXAÇÃO
Questão 5: São sintomas fórmicos, em que a pessoa evita pensar no assunto, em
cenas do evento, lembretes externos, pessoas, situações, lugares e memórias que
podem fazer com que ela relembre do evento traumático.

A que se refere a descrição acima:

A) Vivências
B) Evitação
C) Alterações negativas no humor
D) Fadiga

SEU GABARITO

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ANOTAÇÕES
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
ABRAPEDE - Associação Brasileira de Psicologia nas Emergências e Desastres.
Slides. Disponível em: https://www.ufsm.br/midias/arco/da-kiss-a- covid/ Acessado
em 05/02/2022.

CAMINHA, Renato M. Transtorno de Estresse Pós-Traumático: da neurobiologia à


terapia cognitiva. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005.

Arquivos do Museu de História Natural e Jardim Botânico. UFMG Belo Horizonte.


v. 24, n.1, 2015.

Curso Livre de Gestão Local de Desastres Naturais para a Atenção Básica. Site:
UNASUS UNIFESP. Disponível em:
https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/icict/37492/2/ Curso%20AB.pdf Acessado
em 07/02/2022.

Desastres ambientais. Site: Significados. Disponível em:


https://www.significados.com.br/desastres- ambientais/#:~:text=Causas%20e%20
consequ%C3%AAncias%20dos%20desastres%20ambientais&text=A%20polui%C3
%A7%C3%A3o%2C%20a%20degrada%C3%A7%C3%A3o%20do,para%20a%20ocor
r%C3%AAncia%20de ssas%20cat%C3%A1strofes. Acessado em 07/02/2022.

FARIAS, Liamar Cristina de; SCHEFFEL, Rosemeiry Thaís e SCHRUBER JUNIOR, Júlio.
Atuação do Psicólogo nas Emergências e Desastres. ABRAPEDE - Associação
Brasileira de Psicologia nas Emergências e Desastres. Disponível em:
http://www.abrapede.org.br/wp-
content/uploads/2013/01/Atua%C3%A7%C3%A3o-do- Psic%C3%B3logo-nas-
Emerg%C3%AGEncias-de-Desastres.pdf. Acessado em 05/02/2022

FREITAS, Carlos Machado de, [...] CORVALÁN, Carlos. Desastres naturais e saúde:
uma análise da situação do Brasil. Ciência & Saúde Coletiva. Set 2014, Volume 19,
Nº 9, Páginas 3645 – 3656. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/csc/a/qXzXxxhczq66WnKnZfbtdMk/? lang=pt. Acessado em
07/02/2022
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS

GONÇALVES, Darly Prado. Principais desastres ambientais no Brasil e no mundo.


Jornal da UNICAMP. Disponível em: https://www.unicamp.br/unicamp/ju/noticias/
2017/12/01/principais-desastres-ambientais-no-brasil-e-no- mundo

KRISTENSEN, Christian Haag, Estresse Pós-Traumático: Sintomatologia e


Funcionamento Cognitivo. Tese apresentada como exigência parcial para a
obtenção do grau de Doutor em Psicologia. Abril, 2005.

VALENCIO, N.; SIENA, M.; MARCHEZINI, V.; GONÇALVES, J. C. (Orgs.). Sociologia dos
desastres: Construção, interfaces e perspectivas no Brasil. São Carlos:
NEPED/UFSCAR, 2009. p. 107-118.
SAIBA MAIS
Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as
sugestões do professor:

Assista:
Desafio Profissão – Psicologia das emergências e desastres:
https://www.youtube.com/watch?v=dP-7CmUKYGY

Ler mais:
Psicologia nas Emergências: uma Nova Prática a Ser Discutida Em:
https://www.scielo.br/j/pcp/a/jKSKSLjXRPsRyKdcN35NVZr/? lang=pt
GABARITOS
1 - GABARITO: C
Justificativa: Em pesquisas científicas realizadas até o momento, percebe-se que,
o psicólogo pode atuar na prevenção de desastres, pois perceber e compreender
o perigo eminente, é extremamente importante para o grupo de risco, podendo
assim, enxergar uma solução para o problema.

2- Gabarito: A
Justificativa: A única alternativa que apresenta uma proposta coerente com o
enunciado é a alternativa A.

3- Gabarito: A
Justificativa: A única alternativa que apresenta uma proposta coerente com o
enunciado é a alternativa A.

4- Gabarito: B
Justificativa: A única alternativa que apresenta uma proposta coerente com o
enunciado é a alternativa B.

5- Gabarito: B
Justificativa: A única alternativa que apresenta uma proposta coerente com o
enunciado é a alternativa B.

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