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QUESTÕES ÉTICA E SIGILO PROFISSIONAL

Questões de ética e sigilo são fundamentais na prática da psicologia e podem


ocorrer com regularidade. Os psicólogos são obrigados a manter a confidencialidade
das informações dos pacientes e aderir a códigos de ética profissional rigorosos. A
frequência com que essas questões surgem pode variar dependendo do contexto,
casos que um psicólogo lida e de sua prática. No entanto, o compromisso com a
ética e o sigilo é constante em todas as áreas da psicologia.

1 Ética na relação terapeuta-paciente

Na relação entre o terapeuta e o paciente é fundamental que o psicólogo


mantenha uma postura ética ao longo desse processo. A ética na relação
terapêutica envolve respeitar a autonomia do paciente, evitar julgamentos de valor e
garantir um ambiente de acolhimento e empatia. Isso contribui para o
estabelecimento de uma relação de confiança, que é essencial para o sucesso da
terapia. Romaro (2013, p. 1) diz: "O exercício de uma profissão requer competência
técnica, rigor ético e compromisso com a sociedade em que se realiza".

2 Sigilo e Confidencialidade

Conforme estabelecido no Código de Ética Profissional do Psicólogo (2005, p.


13 , Art. 9º): “É dever do psicólogo respeitar o sigilo profissional, a fim de proteger,
por meio da confidencialidade, a intimidade de pessoas, grupos ou organizações a
que tenha acesso no exercício profissional”.
Isso significa que as informações compartilhadas pelo paciente não podem
ser reveladas a terceiros sem o consentimento explícito deste, exceto em situações
em que há risco iminente para a vida do paciente ou de terceiros, como em casos de
ameaça de suicídio, abuso infantil ou de violência. Decidir quando é justificável
quebrar o sigilo é um desafio ético complexo.
O sigilo é uma parte essencial da relação terapêutica, pois permite que o
paciente se sinta seguro para expressar seus pensamentos, sentimentos e
experiências sem o medo de que essas informações sejam divulgadas sem sua
permissão.

3 Múltiplos Relacionamentos

A criação de múltiplos relacionamentos com os pacientes, como amizade ou


envolvimento romântico, é estritamente desaconselhada devido à possibilidade de
comprometer a objetividade e a confidencialidade. A gestão adequada de múltiplas
relações é fundamental para garantir que os princípios éticos da psicologia, como o
sigilo, o respeito à autonomia do paciente e a proteção do bem-estar do paciente,
sejam preservados. O Código de Ética Profissional do Psicólogo (2005) fornece
orientações específicas sobre como lidar com essas situações de forma ética e
responsável, enfatizando a importância de manter limites claros e tomar medidas
para evitar conflitos de interesse ou qualquer ação que possa prejudicar a
integridade ou a dignidade do paciente.

4 Dilemas Éticos em Psicologia

Keres (2013) aponta que os dilemas éticos em psicologia se referem a


situações nas quais os profissionais da psicologia enfrentam escolhas difíceis
relacionadas a questões morais e de conduta em sua prática. Eles podem surgir ao
lidar com a confidencialidade do paciente, consentimento informado, conflitos de
interesse, questões de competência, entre outros. É importante que os psicólogos
sigam códigos de ética profissional e considerem cuidadosamente o bem-estar de
seus pacientes ao tomar decisões em tais situações.

4.1 Ameaça de dano a si mesmo ou a outros

Segundo os Princípios Éticos dos Psicólogos e Código de Conduta (APA,


2002) quando um paciente expressa uma ameaça séria de prejudicar a si mesmo ou
a outras pessoas, o psicólogo enfrenta o dilema de equilibrar o dever de proteger a
segurança do paciente ou de terceiros com o dever de manter o sigilo. O terapeuta
deve avaliar a gravidade da ameaça, que envolve avaliar a probabilidade de que o
paciente realmente possa causar dano a si mesmo ou a outros e a iminência desse
risco. Nesses casos, a maioria dos códigos de ética permite a quebra do sigilo para
prevenir danos, mas o psicólogo deve fazer isso de forma cuidadosa e limitada.

Os psicólogos tomam medidas razoáveis para evitar danos aos seus


clientes/pacientes, estudantes, supervisionados, participantes de
pesquisas, clientes organizacionais e outras pessoas com quem
trabalham, e para minimizar os danos onde são previsíveis e
inevitáveis. (APA, 2002)

4.2 Abuso infantil ou negligência

Conforme os Princípios Éticos dos Psicólogos e Código de Conduta (APA,


2002) “Quando ocorrem conflitos entre obrigações ou preocupações dos psicólogos,
eles tentam resolvê-los de uma forma responsável que evite ou minimize danos”.
Se um psicólogo suspeitar ou tiver evidências de abuso infantil ou
negligência, ele pode enfrentar o dilema ético de decidir se deve relatar o caso às
autoridades competentes. Novamente, o dever de proteger a criança muitas vezes
supera o dever de manter o sigilo, mas isso deve ser feito de acordo com as leis e
regulamentos locais. O psicólogo pode ser solicitado a colaborar com outras
agências envolvidas no caso, como assistentes sociais, investigadores de abuso
infantil ou advogados e deve documentar cuidadosamente todas as informações
relacionadas ao caso, incluindo as ações tomadas, as comunicações realizadas e a
avaliação da situação.

4.3 Amizade com pacientes nas redes sociais

Como aponta Hallberg (2015) psicólogos podem enfrentar dilemas éticos ao


receber solicitações de amizade ou seguir pacientes em redes sociais. Isso pode
levantar questões sobre os limites da relação terapêutica e a privacidade do
paciente, especialmente se o conteúdo compartilhado pelo paciente nas redes
sociais se tornar relevante para a terapia.
A comunicação online pode tornar as fronteiras entre a terapia e a vida
pessoal menos claras, aumentando o risco de se envolver em interações não
terapêuticas. Evitar o contato nas redes sociais entre terapeuta e paciente é
essencial para manter os limites éticos, já que essa conexão pode complicar a
relação terapêutica e comprometer a privacidade do paciente.
É fundamental que terapeutas e pacientes estejam cientes dos desafios da
comunicação online e sigam diretrizes claras. Pacientes devem ser educados sobre
a importância de manter a privacidade e os limites na relação terapêutica online e
ambos devem aderir a códigos de ética profissional.

5 Terapia com menores de Idade

De acordo com os Princípios Éticos dos Psicólogos e Código de Conduta


(APA, 2002), a confidencialidade na psicologia com menores de idade é uma
questão delicada que envolve considerações éticas e legais. Os psicólogos devem
respeitar a confidencialidade dos menores de idade, informando-os de maneira
apropriada sobre quaisquer limitações à privacidade, de acordo com a idade,
capacidade e entendimento do menor.
É importante que os terapeutas comuniquem que, em situações de risco
iminente para a segurança do menor, como abuso ou pensamentos suicidas, a
confidencialidade pode ser quebrada para garantir a segurança do paciente. Essas
exceções devem ser explicadas tanto aos pais quanto ao adolescente. Pode-se
promover também, uma comunicação aberta entre os pais e os adolescentes
sempre que possível, de forma que ajude o processo terapêutico e garanta o bem-
estar do menor, seguindo o Código de Ética Profissional, para um equilíbrio
adequado entre proteger o paciente e respeitar a privacidade.

6 Terapia de Casal ou familiar

Segundo os Princípios Éticos dos Psicólogos e Código de Conduta (APA,


2003) antes de iniciar, é importante que todos os envolvidos entendam os limites da
confidencialidade e consintam voluntariamente em participar do processo
terapêutico.
A confidencialidade em terapia de casal e terapia familiar é uma questão
complexa devido à natureza das sessões, que envolvem mais de uma pessoa e é
dever do terapeuta garantir a privacidade e sigilo de cada membro durante a terapia,
fazendo-as se sentirem a vontade para compartilhar pensamentos e sentimentos
sem medo. O terapeuta também deve explicar que embora muitas informações
sejam mantidas em sigilo, existem exceções. Por exemplo, se houver preocupações
de abuso infantil, ameaças de violência ou risco de suicídio. Novamente, o terapeuta
pode ser obrigado a quebrar a confidencialidade para proteger a segurança dos
envolvidos.

7 Sigilo em Pesquisa

Seguindo o Código de Ética Profissional do Psicólogo (2005, art. 16), antes


de iniciar qualquer pesquisa, os pesquisadores devem obter o consentimento
informado dos participantes, e de acordo com Goldim:

Atualmente, entende-se por Consentimento Informado a autorização


dada de forma livre para a realização de um procedimento clínico,
cirúrgico ou de pesquisa, após terem sido fornecidas todas as
informações necessárias à plena compreensão dos riscos,
desconfortos e benefícios associados. (GOLDIM, 1999, p.50)

Isso envolve explicar o propósito da pesquisa, os procedimentos, os


potenciais riscos e benefícios e garantir que os participantes compreendam que
suas informações serão tratadas de forma confidencial.
Em relação aos dados coletados, de acordo com a autora Jesus (2019) deve-
se garantir que eles sejam mantidos de forma anônima ou confidencial. Não
deixando que características relacionadas a um participante específico venham à
tona na hora da divulgação, que deve constar apenas as informações necessárias
para alcançar os objetivos da pesquisa. Isso se aplica a todos os tipos de dados,
incluindo registros escritos, entrevistas gravadas, questionários online, entre outros.
O sigilo na pesquisa psicológica é vital para manter a confiança dos
participantes e para cumprir os padrões éticos da pesquisa. A adesão a esses
princípios ajuda a garantir que a pesquisa seja conduzida de maneira responsável e
respeitosa, beneficiando tanto os pesquisadores quanto a sociedade como um todo.

8 Psicoterapia pela Internet

A prática da terapia pela internet, segundo a autora Pieta (2014):

Acreditava-se que a relação terapêutica ficaria comprometida por um


empobrecimento da comunicação não verbal, elemento considerado
essencial à interação entre terapeuta e paciente. Preocupações
éticas acerca da confidencialidade, da identidade de pacientes e
terapeutas, dos papéis desempenhados na rede e do manejo de
situações de emergência tomavam grande relevância. (PIETA, 2014 ,
p.20)

Podem ocorrer diversas situações complicadas, como avaliações


inadequadas, já que ocorre uma dificuldade de perceber sinais não verbais, afetando
o diagnóstico. Um exemplo, a terapia de exposição em transtornos de ansiedade,
que pode ser prejudicada devido a distância física. Lidar com crises de paciente
remotamente, como ideação suicida, é extremamente complexo.
A confidencialidade dos pacientes é uma parte fundamental da ética em
psicoterapia, e isso também se aplica ao ambiente online. Tanto o terapeuta quanto
o paciente devem estar em um ambiente privado durante as sessões, onde outras
pessoas não possam ouvir ou ver o que está acontecendo e o terapeuta possui
também a responsabilidade de instruir o paciente para que não grave nem
compartilhe as conversas. Além disso, qualquer informação registrada, como
relatórios, deve ser armazenada de forma segura e protegida contra acesso não
autorizado.
Os psicólogos devem ser devidamente treinados para lidar com questões de
segurança online, estar cientes de como proteger a confidencialidade de seus
pacientes, construir um relacionamento terapêutico sólido e de confiança, seguindo
o Código de Ética Profissional do Psicólogo.

9 Supervisão e Consultoria

Profissionais em formação e psicólogos em prática muitas vezes buscam


supervisão e consultoria de colegas mais experientes para discutir casos e decisões
éticas, ou com outros profissionais. No entanto, questões de sigilo podem surgir
nesses contextos, levantando a questão de até que ponto os detalhes dos casos
podem ser compartilhados sem comprometer o sigilo.
De acordo com o Conselho Federal de Psicologia (2005, p. 12, art. 6°,letra
“b”): “Compartilhará somente informações relevantes para qualificar o serviço
prestado, resguardando o caráter confidencial das comunicações, assinalando a
responsabilidade, de quem as receber, de preservar o sigilo.”
Isso significa que os psicólogos devem ser seletivos ao compartilhar
informações de casos, garantindo que apenas o que é estritamente necessário seja
compartilhado e assegurar que quem recebe essas informações também mantenha
sigilo.

10 Denúncias

O Código de Ética Profissional do Psicólogo (2005, p.9, art. 1º, letra “l”)
comenta: “Levar ao conhecimento das instâncias competentes o exercício ilegal ou
irregular da profissão e as transgressões a princípios e diretrizes deste Código ou da
legislação profissional”
Estabelece que os psicólogos têm a responsabilidade ética de denunciar
colegas que estejam envolvidos em práticas inadequadas, antiéticas ou ilegais que
possam prejudicar os pacientes. A diretriz também destaca a importância de levar as
denúncias às "instâncias competentes". Isso significa que os psicólogos não devem
tomar a justiça em suas próprias mãos, mas sim relatar às autoridades ou órgãos
reguladores apropriados, que têm a responsabilidade de investigar e tomar medidas
apropriadas.

11 Transgressões

Quando um psicólogo não segue o Código de Ética Profissional, isso pode


resultar em sérias consequências. Isso inclui a possibilidade de perder sua licença
para praticar, devido a violações éticas graves, como quebra de confidencialidade,
relacionamento inadequado com clientes ou falta de competência profissional. Além
disso, a reputação do psicólogo pode ser prejudicada, afetando sua prática e
carreira. Os clientes podem ser prejudicados emocionalmente e psicologicamente,
comprometendo sua confiança na profissão como um todo.
É crucial que os psicólogos sigam rigorosamente o Código de Ética para
proteger seus clientes e sua própria integridade profissional.

As transgressões dos preceitos deste Código constituem infração


disciplinar com a aplicação das seguintes penalidades, na forma dos
dispositivos legais ou regimentais: a)
Advertência; b) Multa; c) Censura pública; d) Suspensão do exercício
profissional, por até 30 (trinta) dias, ad referendum do Conselho
Federal de Psicologia; e) Cassação do exercício profissional, ad
referendum do Conselho Federal de Psicologia. (CFP, 2005, p.16,
art. 21)

As penalidades mencionadas, como advertência, multa, censura pública,


suspensão e cassação do exercício profissional, demonstram o compromisso sério
em manter padrões éticos elevados na prática da psicologia. Esse sistema de
penalidades visa assegurar a integridade, responsabilidade e confiança na profissão,
protegendo tanto os profissionais quanto aqueles que buscam seus serviços.

Referências:

Conselho Federal de Psicologia. Código de Ética Profissional do Psicólogo


(2005). [Acessado 18 Setembro 2023]. Disponível em:https://site.cfp.org.br/wp-
content/uploads/2012/07/codigo-de-etica-psicologia.pdf

ROMARO, Rita Aparecida. Ética na Psicologia. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013. 1-34
p. ISBN 978-85-326-4749-8.

KERES, Dayane Bárbara Martins. Dilemas éticos na prática profissional de


Psicologia nos Centros de Saúde. Orientador: Prof.ª Doutora Constança Maria
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HALLBERG, Sílvia Cristina Marceliano. Percepção e uso de tecnologias da


informação e comunicação por psicoterapeutas. 2015. Dissertação de Mestrado.
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DE JESUS, Denise Meyrelles. Integridade na coleta, na produção e na análise de


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PIETA, Maria Adélia Minghelli e GOMES, William B. Psicoterapia pela Internet:
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[Acessado 4 Outubro 2023], p. 18-31. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1414-
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Chat GPT. Aprofundando dilemas éticos em Psicologia. [Acessado 4 Outubro


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GOLDIM, José Roberto. O consentimento informado e a adequação de seu uso


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Disponível em: https://lume.ufrgs.br/handle/10183/139196.

VILLAS-BÔAS, M. E. O direito-dever de sigilo na proteção ao paciente. Revista


Bioética, v. 23, n. 3, p. 513–523, set. 2015.

Associação Americana de Psicologia. Princípios éticos dos psicólogos e Código


de conduta (2002). Acessado 12 outubro 2023. Disponível em:
http://www.apa.org/ethics/code/index.html

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