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1. INTRODUÇÃO
Apesar de o Brasil não sofrer com grandes catástrofes naturais, há anos nos
deparamos com notícias de alagamentos, deslizamentos, incêndios florestais e tantos
outros desastres que assombram as localidades brasileiras. Sempre nas mesmas
regiões, esses acontecimentos tornaram-se anuais, e as consequências são cada vez
mais devastadoras.
Como exemplo, temos as tragédias que ocorreram na região serrana do Rio de
Janeiro, em 2011, que tirou a vida de mais de 900 pessoas. Famílias inteiras foram
destruídas ou tiveram que sair de seus lares, em razão da omissão do Estado em
fiscalizar as regiões de riscos em que se encontravam. Da mesma forma, é importante
mencionar os desastres ocorridos nas cidades de Mariana e Brumadinho, que nos
chocam não só pelo curto espaço de tempo, como também pela tragédia que restou.
Embora o termo “desastre natural” ainda seja utilizado de forma corriqueira,
muitos autores afirmam que a tempos os desastres deixaram de ser naturais. Seja por
alguma omissão ou ação humana, esses eventos vêm sendo potencializados direta
ou indiretamente pelo próprio homem.
Nos últimos anos, o direito dos desastres vem ganhando cada vez mais
destaque no cenário jurídico, pois estas catástrofes estão se tornando mais familiares
para grande parte da população. Por isso, é necessário que os profissionais do direito,
em conjunto com outras áreas, elaborem medidas mais eficazes e fiscalizem as áreas
de risco, para só assim combater esse mal que nos acompanha há anos.
Neste diapasão, este trabalho possui como objetivo principal fazer uma análise
sobre as consequências do ineficaz gerenciamento de risco utilizado em nosso
ordenamento jurídico para prevenção dos desastres. Elaborado utilizando o método
lógico dedutivo, este baseia-se na análise de informações, bem como de artigos
acadêmicos, periódicos e legislações para a construção e conclusão da problemática
levantada.
Esta monografia foi esquematizada em três capítulos, os quais tecerei
brevemente abaixo.
O primeiro capítulo será dedicado para apresentar alguns conceitos e
classificações dos desastres, além de discorrer sobre os eventos mais recorrentes em
nosso país. Da mesma forma, irá analisar os principais fatores que colaboram para a
ocorrência dos desastres e quais danos são causados à população.
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134 Brasil. Lei 12.608 de 10 de abril de 2012. “Institui a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil -
PNPDEC; dispõe sobre o Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil - SINPDEC e o Conselho
Nacional de Proteção e Defesa Civil - CONPDEC; autoriza a criação de sistema de informações e
monitoramento de desastres; altera as Leis nºs 12.340, de 1º de dezembro de 2010, 10.257, de 10 de
julho de 2001, 6.766, de 19 de dezembro de 1979, 8.239, de 4 de outubro de 1991, e 9.394, de 20 de
dezembro de 1996; e dá outras providências.” Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-
2014/2012/lei/l12608.htm#:~:text=%E2%80%9CDisp%C3%B5e%20sobre%20as%20transfer%C3%A
Ancias%20de,Art. Acesso em 13 maio 2021.
135 CARVALHO, Delton Winter de; DAMACENA, Fernanda Dalla Libera. Direito dos Desastres. Porto
divulgados pelo IBGE, apenas 25% das cidades tinham um plano diretor sobre
prevenção de enchentes e enxurradas e 23% possuíam Lei de Uso e Ocupação do
Solo.136
Isso corrobora a ocorrência dos eventos desastrosos, e para recuperar ou
reparar esses danos – que em muitos casos não podem ser valorados – o Estado
Brasileiro tem que desembolsar quantidades significativas de sua receita.
De acordo com dados obtidos através do estudo formulado pelo Observatório
dos Desastres Naturais, do portal da Confederação Nacional dos Municípios – CNM,
somente entre os anos de 2012 e 2015 contabilizou-se o equivalente a
R$173.528.344.944,40 em prejuízos ocasionados por desastres nas regiões
brasileiras. Já os anos de 2016 a 2017 registraram prejuízos de 64,5 bilhões em todos
os estados e Distrito Federal.137
Somente no primeiro trimestre deste ano, o CEMADEN contabilizou os
seguintes prejuízos econômicos em suas cidades monitoradas: (a) R$6.880.228,93
em assistência médica; (b) R$2.210.734,51 em abastecimento de água potável; (c)
R$8.651.808,76 em esgoto pluvial e sanitário; (d) R$16.245.735,35 em limpeza
urbana; (d) R$2.201.252,26 em desinfecção do habitat; (e) R$3.580.600,00 em
geração e distribuição de energia elétrica; (f) R$220.000,00 em telecomunicações; (g)
R$23.307.760,11 em transporte local; (h) R$833.559,98 na distribuição de
combustíveis; (i) R$944.108,26 em segurança pública; e (j) R$6.023.378,35 no ensino,
totalizando o montante de R$71.099.166,51.138
Resta claro que a inexistência de uma gestão de risco de desastres pode
acarretar inúmeros prejuízos, não só para as vítimas, mas para uma nação inteira.
técnicos. CNM, 2018. Disponível em: <http://www.desastres.cnm.org.br/>. Acesso em: 13 maio 2021.
138 CENTRO NACIONAL DE MONITORAMENTO E ALERTAS DE DESASTRES NATURAIS. Boletim
no ano de 1966, que foi criada a primeira Defesa Civil Estadual do Brasil, sendo que
três anos depois foram instituídos o Fundo Especial das Calamidades Públicas
(FUNCAP) e o Grupo Especial para Assuntos de Calamidades Públicas – GEACAP,
o qual, conforme menciona Almeida, “foi um embrião da Secretaria Nacional de
Defesa Civil”.139
Foram muitas as alterações sobre a matéria da Defesa Civil, tanto no âmbito
Federal como Estadual e Municipal e, atualmente, há diferentes legislações e decretos
que a regularizam, como o Decreto 7.257/2010, a Lei nº 12.340/2010 e a Lei
12.608/2012.140
Carvalho e Damacena mencionam que a Política Nacional de Defesa Civil,
instituída pela Lei 12.608/2012 foi uma grande revolucionária para o direito dos
desastres, uma vez que instituiu como um de seus princípios a abordagem sistêmica
nas ações de prevenção e de resposta aos desastres. Outro elemento importante é o
Plano Nacional de Defesa Civil – PNDC, que trabalha como um guia para atuação da
Defesa Civil. O PNDC elenca quatro pontos como Planos Diretores da Defesa e são
eles: a prevenção, a mitigação, a preparação e a resposta aos desastres. 141
Os autores ainda discorrem sobre a função do Plano Diretor:
139 ALMEIDA, Paula Emília Gomes de. A Política Nacional de Proteção e Defesa Civil: os desastres
como problema político. 1º Seminário Internacional de Ciência Política: URFGS, 2015, 6 p.
140 Ibid., p. 6.
141 CARVALHO, Delton Winter de; DAMACENA, Fernanda Dalla Libera. Direito dos Desastres. Porto
143 Art. 3º A PNPDEC abrange as ações de prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação
voltadas à proteção e defesa civil. Parágrafo único. A PNPDEC deve integrar-se às políticas de
ordenamento territorial, desenvolvimento urbano, saúde, meio ambiente, mudanças climáticas, gestão
de recursos hídricos, geologia, infraestrutura, educação, ciência e tecnologia e às demais políticas
setoriais, tendo em vista a promoção do desenvolvimento sustentável.
144 Art. 10, da Lei 12.608 de 10 de abril de 2012.
145 Art. 12º, da Lei 12.608 de 10 de abril de 2012.
146 Brasil. Decreto nº 10.593, de 24 de dezembro de 2020. “Dispõe sobre a organização e o
151 BRASIL. Lei 12.340 de 1º de dezembro de 2010. “Dispõe sobre as transferências de recursos da
União aos órgãos e entidades dos Estados, Distrito Federal e Municípios para a execução de ações de
prevenção em áreas de risco de desastres e de resposta e de recuperação em áreas atingidas por
desastres e sobre o Fundo Nacional para Calamidades Públicas, Proteção e Defesa Civil; e dá outras
providências. (Redação dada pela Lei nº 12.983, de 2014). Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12340.htm. Acesso em: 28 maio 2021.
152 Incisos, I, II, III e VI, do §1º do art. 1º da Lei 12.340/2010.
153 §2º, do art. 1º, da Lei 12.340/2010.
154 Art. 3º - A, da Lei 12.340/2010.
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Caso haja ocupações nas áreas de risco, a lei determina que o município
deverá tomar as providências para redução do risco, como a execução do plano de
contingência e de obras de segurança, assim como proceder na remoção de
edificações e reassentamento dos moradores para um local seguro.156
Mas, se essa fase é falha e os desastres acontecem, passam a vigorar as ações
de preparação, recuperação, resposta e restabelecimento, que serão acionadas por
meio da decretação do estado de calamidade pública ou situação de emergência,
assim definidas pelo Decreto Federal 10.593/2020:
158 Art. 9º, do Decreto 7.257/2010: “Art. 9o Reconhecida a situação de emergência ou o estado de
calamidade pública, o Ministério da Integração Nacional, com base nas informações obtidas e na sua
disponibilidade orçamentária e financeira, definirá o montante de recursos a ser disponibilizado para a
execução das ações especificadas nos incisos V, VI e VII do art. 2 o.”
159 Art. 9º - A, do Decreto 7.257/2010: “O pagamento das despesas realizadas pelo ente beneficiário
com os recursos transferidos pelo Ministério da Integração Nacional para a execução das ações
especificadas nos incisos V, VI e VII do art. 2o será efetuado por meio do Cartão de Pagamento de
Defesa Civil - CPDC, vinculado à conta específica mantida em instituição financeira oficial federal, nos
termos deste Decreto.”
160 Art. 10º, do Decreto 7.257/2010.
161 §1º, do Art. 10º, do Decreto 7.257/2010.
162 §§2º e 4º, do Art. 10º, do Decreto 7.257/2010.
163 Art. 14º, do Decreto 7.257/2010.
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Assim como definido no decreto, a lei estabelece que deverão ser prestadas
contas e, se verificado algum vício nos documentos apresentados, a inexistência de
risco de desastre ou a inexecução do objeto, os valores deverão ser devolvidos.166
Apesar do exposto, Carvalho e Damacena aludem que há uma omissão quanto
à previsão de reconstrução do meio ambiente afetado, considerando que este é
essencial para a diminuição da vulnerabilidade da comunidade atingida.167
Os autores também referem que há uma lacuna legislativa concernente à
compensação, a qual visa atender os interesses individuais das vítimas, ficando sob
responsabilidade da jurisprudência atender as demandas da população. A natureza
dos desastres não está só ligada à acidentes, mas sim, demonstram o fracasso do
[...] o mesmo ente que, por possuir o interesse predominante sobre uma dada
matéria, tinha a prerrogativa de sobre ela legislar será o competente para
praticar os atos tendentes a dar atuação à lei que editou. Aliás, se o
pressuposto de atuação da administração pública é o princípio da legalidade
(art. 37 da CF/88), decerto que, tendo um ente aptidão para legislar sobre
meio ambiente em razão do predomínio do interesse, nada mais lógico que
possua competência material para exercer tais atos no âmbito do respectivo
interesse (âmbito de repercussão).171
168 CARVALHO, Delton Winter de; DAMACENA, Fernanda Dalla Libera. Direito dos Desastres. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 78.
169 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 21 ed. São Paulo, SP: Editora Atlas Ltda., 2020. p.
86. E-book.
170 Ibid., 86-87 p.
171 LENZA, Pedro. Direito Ambiental Esquematizado. 5.ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. p.
114. E-book.
172 Ibid., p. 117.
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Mas, a referida lei também estipula as competências de cada ente. Em seu art.
6º, que é composto por treze incisos, menciona as competências da União. Dentre
elas, é interessante mencionar a promoção de estudos das causas, origem, extensão,
consequências e demais informações que contribuam para prevenir e responder aos
desastres; auxiliar os Estados, Distrito Federal e Municípios no mapeamento das
áreas de risco e nos estudos de identificação de vulnerabilidade e ameaças as
suscetibilidades, além de apoiar as ações de preparação, mitigação e resposta.173
Ainda, a União é responsável por instituir e manter o sistema de informações e
monitoramento de desastres, bem como das declarações e reconhecimento de
situação de emergência ou de estado de calamidade pública e instituir o Plano
Nacional de Proteção e Defesa Civil, que deverá conter:
com o de outros países, verifica-se que são muitos os erros, falhas e necessidades
de evolução.176
176 BARCESSAT, Ana Clara Aben-Athar. Desastres e Direito ambiental: Governança, Normatividade
e Responsabilidade Estatal. Curitiba: Juruá Editora, 2018. p. 91.
177 DAMACENA, Fernanda Dalla Libera. A governança dos desastres ambientais e no direito
184CARVALHO, Delton Winter de; DAMACENA, Fernanda Dalla Libera. Direito dos Desastres. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 75.