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1. INTRODUÇÃO

Apesar de o Brasil não sofrer com grandes catástrofes naturais, há anos nos
deparamos com notícias de alagamentos, deslizamentos, incêndios florestais e tantos
outros desastres que assombram as localidades brasileiras. Sempre nas mesmas
regiões, esses acontecimentos tornaram-se anuais, e as consequências são cada vez
mais devastadoras.
Como exemplo, temos as tragédias que ocorreram na região serrana do Rio de
Janeiro, em 2011, que tirou a vida de mais de 900 pessoas. Famílias inteiras foram
destruídas ou tiveram que sair de seus lares, em razão da omissão do Estado em
fiscalizar as regiões de riscos em que se encontravam. Da mesma forma, é importante
mencionar os desastres ocorridos nas cidades de Mariana e Brumadinho, que nos
chocam não só pelo curto espaço de tempo, como também pela tragédia que restou.
Embora o termo “desastre natural” ainda seja utilizado de forma corriqueira,
muitos autores afirmam que a tempos os desastres deixaram de ser naturais. Seja por
alguma omissão ou ação humana, esses eventos vêm sendo potencializados direta
ou indiretamente pelo próprio homem.
Nos últimos anos, o direito dos desastres vem ganhando cada vez mais
destaque no cenário jurídico, pois estas catástrofes estão se tornando mais familiares
para grande parte da população. Por isso, é necessário que os profissionais do direito,
em conjunto com outras áreas, elaborem medidas mais eficazes e fiscalizem as áreas
de risco, para só assim combater esse mal que nos acompanha há anos.
Neste diapasão, este trabalho possui como objetivo principal fazer uma análise
sobre as consequências do ineficaz gerenciamento de risco utilizado em nosso
ordenamento jurídico para prevenção dos desastres. Elaborado utilizando o método
lógico dedutivo, este baseia-se na análise de informações, bem como de artigos
acadêmicos, periódicos e legislações para a construção e conclusão da problemática
levantada.
Esta monografia foi esquematizada em três capítulos, os quais tecerei
brevemente abaixo.
O primeiro capítulo será dedicado para apresentar alguns conceitos e
classificações dos desastres, além de discorrer sobre os eventos mais recorrentes em
nosso país. Da mesma forma, irá analisar os principais fatores que colaboram para a
ocorrência dos desastres e quais danos são causados à população.
11

O segundo capítulo aborda os danos ao meio ambiente e traz um breve resumo


sobre algumas das catástrofes que impactaram o país - como por exemplo o vale da
morte e os desastres em Brumadinho e Mariana. Ainda, apresenta os problemas
trazidos pelas queimadas e pelo desmatamento e retrata o pensamento de alguns
autores sobre a (in)eficácia do Código Florestal na preservação do meio ambiente.
Por fim, o terceiro capítulo aponta o impacto dos desastres nos cofres públicos
e menciona sobre as legislações mais pertinentes acerca das ações de prevenção e
reconstrução, bem como sobre a competência da União, dos Estados, Distrito Federal
e Municípios. De forma derradeira, o último capítulo versará sobre a forma que outros
países lidam com o risco dos desastres.
12

2. DESASTRES NATURAIS E AS CONSEQUÊNCIAS À POPULAÇÃO

Desastres são formados por um conjunto de causas e consequências que


afetam a estabilidade de um sistema social. Essa noção de desestabilização sistêmica
está ligada a ideia de uma incapacidade de resposta ao evento, o qual, sempre
acontece de maneira imprevista, mas que demanda uma ação imediata.1
De todo modo, o significado de catástrofe deve ser desenvolvido considerando
a antecipação dos riscos, visto as sérias e permanentes consequências que ele pode
trazer, especialmente na área social, ambiental e econômica.2

2.1. Contextualização dos desastres

Os desastres naturais estão presentes na humanidade há milhares de anos.


Caracterizadas, principalmente, pela destruição, essas catástrofes nem sempre foram
atribuídas a eventos naturais e/ou humanos. Na idade média acreditava-se que os
desastres ocorriam por intervenções místicas e superstições, sendo que esse
pensamento foi alterado apenas na era do Iluminismo, momento em que o Estado
passou a ser visto como um gestor que deveria atender às necessidades da
população.3 Para Parizzi:

Desastre pode ser associado a um evento imprevisto, que ocorre muitas


vezes de forma súbita, e que causa grande dano, destruição e sofrimento
humano. Os desastres são a convergência dos perigos com vulnerabilidades.
Como tal, um aumento da vulnerabilidade ambiental, social ou econômica
pode significar um aumento da frequência das catástrofes. 4

Atualmente, os desastres continuam ocorrendo e os danos estão cada vez


mais intensos. Para fins de repará-los, foi criado o Decreto Federal nº 7.257/2010, que

1 CARVALHO, Delton Winter de; DAMACENA, Fernanda Dalla Libera. Direito dos Desastres. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 31.
2 Ibid., p. 32.
3 BARCESSAT, Ana Clara Aben-Athar. Desastres e Direito ambiental: Governança, Normatividade e

Responsabilidade Estatal. Curitiba: Juruá Editora, 2018. p. 17.


4 PARIZZI, Maria Giovana. Desastres naturais e induzidos e o risco urbano. Minas Gerais:

Geonomos, 2014. Disponível em:


https://periodicos.ufmg.br/index.php/revistageonomos/article/view/11705. Acesso em: 13 mar. 2021.
13

dispõe sobre o Sistema Nacional de Defesa Civil – SINDEC, o qual descreve desastre
como:

Art. 2º Para efeitos deste Decreto, considera-se:


[...]
II - desastre: resultado de eventos adversos, naturais ou provocados pelo
homem sobre um ecossistema vulnerável, causando danos humanos,
materiais ou ambientais e consequentes prejuízos econômicos e sociais. 5

Carvalho e Damacena preconizam que os desastres consistem “[...] em


cataclismo sistêmico de causa que, combinadas, adquirem consequências
catastróficas”, sendo fenômenos de causas naturais, humanas ou mistas.6

2.1.1. Classificação dos desastres

O Glossário de Defesa Civil, Estudos de Riscos e Medicina de Desastres7,


catalogou o desastre quanto a sua intensidade, evolução e origem. No tocante à
intensidade, o Glossário divide-o em:

Quanto à intensidade, os desastres são classificados em quatro níveis: nível


I, desastres de pequena intensidade (porte) ou acidentes; nível II, desastres
de média intensidade (porte); nível III, desastres de grande intensidade
(porte); nível IV, desastres de muito grande intensidade (porte).

No que se refere à evolução, o referido Glossário subdivide-os em desastres


súbitos ou de evolução aguda, desastres graduais ou de evolução crônica e desastres
por somação de efeitos parciais. Por fim, no que concerne à origem, o documento
supracitado menciona:

Quanto à origem ou causa primária do agente causador, os desastres são


classificados em: naturais; humanos ou antropogênicos; mistos. A

5 BRASIL. Decreto Federal nº 7.257, de 4 de agosto de 2010. “Regulamenta a Medida Provisória nº


494 de 2 de julho de 2010, para dispor sobre o Sistema Nacional de Defesa Civil - SINDEC, sobre o
reconhecimento de situação de emergência e estado de calamidade pública, sobre as transferências
de recursos para ações de socorro, assistência às vítimas, restabelecimento de serviços essenciais e
reconstrução nas áreas atingidas por desastre, e dá outras providências”. Disponível m:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/decreto/d7257.htm. Acesso em: 06 mar.
2021.
6 CARVALHO, Delton Winter de; DAMACENA, Fernanda Dalla Libera. Direito dos Desastres. Porto

Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 27.


7 DE CASTRO, Antônio Luiz Coimbra. Glossário de Defesa Civil, Estudos de Riscos e Medicina de

Desastres. 5.ed. Esplanada dos Ministérios, DF: Secretaria Nacional de Defesa Civil – SEDEC, [2012]
p. 52.
14

classificação geral dos desastres quanto à origem consta do anexo "A" à


Política Nacional de Defesa Civil. A codificação dos desastres, ameaças e
riscos — CODAR, consta do anexo "B" à Política Nacional de Defesa Civil.
Desastres Naturais. São aqueles provocados por fenômenos e
desequilíbrios da natureza e produzidos por fatores de origem externa que
atuam independentemente da ação humana. Desastres Humanos. São
aqueles provocados por ações ou omissões humanas. Relacionam-se com o
próprio homem, enquanto agente e autor. Por isso, são produzidos por fatores
de origem interna. Esses desastres podem produzir situações capazes de
gerar grandes danos à natureza, aos habitats humanos e ao próprio homem,
enquanto espécie. Normalmente os desastres humanos são conseqüência
de ações desajustadas geradoras de desequilíbrios sócioeconômicos e
políticos entre os homens e de profundas e prejudiciais alterações de seu
ambiente ecológico. Desastres Mistos. Ocorrem quando as ações ou
omissões humanas contribuem para intensificar, complicar e/ou agravar
desastres naturais. Caracterizam-se, também, por intercorrências de
fenômenos adversos naturais que atuam sobre condições ambientais
degradadas pelo homem, provocando desastres.8

Os desastres mais recorrentes no Brasil são as secas e os eventos


provocados pela chuva, conforme constatado pelos Estudos técnicos de proteção e
defesa realizados pela Confederação Nacional de Municípios – CNM. 9

2.1.2. Inundações, enxurradas e deslizamentos

Dentre os principais desastres ocasionados pela chuva estão as inundações,


as enxurradas e os deslizamentos. Barcessat pontua que:

[...] os desastres que mais causam danos ao meio ambiente e à população


são as inundações e enxurradas, provocadas, na maioria das vezes, por
chuvas intensas e por um sistema ineficaz de drenagem, além desses,
também os deslizamentos de terras e morros, ainda que menos frequentes
que as inundações, são os que mais provocam óbitos no Brasil, tamanha é
sua força. 6

Segundo Kobiyama et al., as inundações, popularmente tratadas como


enchentes, ocorrem quando há um extravasamento do rio de forma lenta e previsível,
que resulta no alagamento das regiões conhecidas como planície de inundação, a
qual compreende o entorno do leito do rio. Já as enxurradas ocorrem nos locais de

8DE CASTRO, Antônio Luiz Coimbra, op. cit., p. 52-53.


9Confederação Nacional de Municípios (CNM). Estudo – Proteção e Defesa Civil/Estudos Técnicos.
2018. Disponível em: <https://www.cnm.org.br/cms/biblioteca/documentos/Decretacoes-de-
anormalidades-causadas-por-desastres-nos-Municipios-Brasileiros-10-10-2018-v2.pdf>. Acesso em:
06 mar. 2021.
15

relevo acidentado, onde há prevalência de fortes chuvas, e, embora atinjam uma área
menor que as inundações, suas consequências são mais desastrosas e letais.10
Kobiyama et al explica que os deslizamentos, que na maioria das vezes
decorrem de chuvas intensas, “(...) são movimentos rápidos com velocidades médias
a altas (m/h a m/s), de curta duração e de elevado poder destrutivo, em função do
material transportado encosta a baixo (rocha, solo, detritos, árvores, etc.)”11.

2.1.3. Secas, estiagem e incêndios florestais

A escassez de chuva pode ocasionar tantos problemas quanto o seu excesso.


O Glossário de Defesa Civil, Estudos de Riscos e Medicina de Desastres define
estiagem como “Período prolongado de baixa pluviosidade ou sua ausência, em que
a perda de umidade do solo é superior à sua reposição.”12
Em relação à seca, a Secretaria Nacional de Defesa Civil – SEDEC a descreve
como:

1. Ausência prolongada, deficiência acentuada ou fraca distribuição de


precipitação. 2. Período de tempo seco, suficientemente prolongado,
para que a falta de precipitação provoque grave desequilíbrio hidrológico.
3. Do ponto de vista meteorológico, a seca é uma estiagem prolongada,
caracterizada por provocar uma redução sustentada das reservas
hídricas existentes. 4. Numa visão sócioeconômica, a seca depende
muito mais das vulnerabilidades dos grupos sociais afetados que das
condições climáticas.13

Tendo como uma das principais causas as secas e os longos períodos de


estiagem, os incêndios florestais causam inúmeros transtornos à população, mas
também – e principalmente – ao meio ambiente. Barcessat descreve os prejuízos
decorrentes dos incêndios florestais:

[...] os danos diretos causados pelo fogo geralmente são bastante


visíveis e fáceis de avaliar. No entanto, existem os efeitos indiretos, tais

10 KOBIYAMA, Masato et al. Prevenção de Desastres Naturais: conceitos básicos. Curitiba: Organic
Trading, 2006. p. 45-46. E-book. Disponível em: <https://www.ceped.ufsc.br/wp-
content/uploads/2014/07/Livro_Prevencao_de_Desastres_Naturais.pdf>. Acesso em: 06 mar. 2021.
11 Ibid., p.53.
12 DE CASTRO, Antônio Luiz Coimbra. Glossário de Defesa Civil, Estudos de Riscos e Medicina de

Desastres. 5.ed. Esplanada dos Ministérios, DF: Secretaria Nacional de Defesa Civil – SEDEC, [2012],
p. 71.
13 Ibid., p. 150.
16

como assoreamento de rios, redução do fluxo de cursos de água,


inundações, erosão e perdas em turismo e recreação [...]14

Os principais motivos para desencadear os desastres mencionados são as


mudanças climáticas, decorrentes de ações e/ou omissões humanas, bem como a
vulnerabilidade da população e o planejamento urbano.

2.2. Fatores que corroboram para a ocorrência dos desastres

Nos últimos tempos, os desastres, em especial os naturais, estão mais


recorrentes e potentes, em decorrência de alguns fatores que impactam em sua
magnitude, como as condições econômicas modernas, crescimento populacional, as
infraestruturas verdes e as mudanças climáticas, os quais serão abordados nos itens
abaixo.15

2.2.1. Mudanças climáticas

Um dos principais temas discutidos no direito ambiental internacional são as


mudanças climáticas decorrentes dos gases de efeito estufa – GEE, as quais, vêm
chamando atenção de muitos países desde os anos 1990. Na tentativa de frear o
colapso no sistema climático e combater o aquecimento global, foi celebrado, na Rio-
92, o tratado denominado Convenção - Quadro das Nações Unidas sobe Mudanças
Climáticas, que buscava controlar a emissão de GEE.16
Entretanto, o referido tratado apenas determinava que os países signatários
fizessem atualizações regulares sobre o controle dos GEE. Somente no ano de 1997,
através do Protocolo de Quioto, que foram fixados obrigações para redução da
emissão dos gases nos países desenvolvidos (chamados de Anexo B).17
Contudo, Antunes relata que há uma lacuna legal no Protocolo, eis que os
países denominados como não anexos estão isentos das obrigações estabelecidas,
e isso pode ser um facilitador para burlar com o disposto no tratado:

14 BARCESSAT, Ana Clara Aben-Athar. Desastres e Direito ambiental: Governança, Normatividade


e Responsabilidade Estatal. Curitiba: Juruá Editora, 2018. p. 40.
15 CARVALHO, Delton Winter de; DAMACENA, Fernanda Dalla Libera, op. cit., p 47.
16 TRENNEPOHL, Terence. Manual de Direito Ambiental. 8 ed. São Paulo, SP: Saraiva Jur, 2020. p.

362. E-book.
17 Ibid., p. 362.
17

Imagine que o Brasil, a China e a Índia adotassem metas obrigatórias de


redução de emissões e não apenas de redução do futuro do aumento de
emissões; nada impediria, por exemplo, que as emissões fossem transferidas
para o Congo, Bangladesh e o Paraguai, por exemplo. Não só a propriedade
das indústrias, de suas patentes, bem como o mercado consumidor
permitiriam que a migração ocorresse sem, em tese, qualquer violação do
Protocolo, haja vista que os países do não anexo estão dispensados de dar
cumprimento a qualquer meta.18

Anos depois, na cidade de Copenhague, foi realizada a 15ª Conferência das


Partes – COP 15, na qual foram discutidas medidas para mitigar os efeitos das
mudanças climáticas. Em 2009, no mesmo ano que realizada a COP 15, o Brasil
promulgou as Leis nº 12.114 e 12.187, no intuito de diminuir as emissões de GEE no
país.19
Apesar disso, Carvalho e Damacena afirmam que, mesmo com todo o
conhecimento acerca das mudanças climáticas seu poder não pode ser mensurável e
suas consequências podem ser ameaçadoras:

Apesar de o estado de conhecimento atual sugerir que a longo prazo os


impactos apontados pelo IPCC são plausíveis, e de não ser possível qualificar
a probabilidade e a magnitude de cada um dos seus potenciais efeitos,
especialmente em nível regional e local, a comunidade internacional tem
reconhecido que o princípio da precaução deve ser invocado diante da
profunda incerteza científica e baixa probabilidade, porém alta magnitude dos
efeitos da mudança climática. Os efeitos do fenômeno podem ser múltiplos,
manifestando-se tanto de maneira gradual e linear, quanto de forma não
linear e singular, sendo essas últimas as mais comuns.20

Os autores ainda mencionam que o Painel Intergovernamental sobre Mudança


do Clima – IPCC (Intergovernmental Panel of Climate Change), relatou as
consequências ocasionadas pelas mudanças climáticas, dentre elas “a intensificação
de processos de erosão e das enchentes em zonas costeiras, áreas dotadas de
grande vulnerabilidade ambiental”, bem como “a possibilidade da saúde de milhões
de pessoas vir a ser afetada por oscilações e eventos climáticos extremos”,
demonstrando, pois, que muitos dos desastres atuais se dão a partir da emissão em
excesso de GEE.21

18 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 21 ed. São Paulo, SP: Editora Atlas Ltda., 2020. p.
1.157. E-book.
19 TRENNEPOHL, Terence. Manual de Direito Ambiental. 8 ed. São Paulo, SP: Saraiva Jur, 2020. p.

364. E-book
20 CARVALHO, Delton Winter de; DAMACENA, Fernanda Dalla Libera, op. cit., p. 54-55.
21 Ibid., p. 52.
18

2.2.2. Vulnerabilidade

São inúmeros os significados dados à palavra vulnerabilidade, porém, nenhum


consegue identificar todos os fatores que originam esta condição. Para Carvalho e
Damacena, “[...] as condições do elemento, comunidade ou sistema exposto
(suscetível) ao risco são vistos como características fundamentais da
vulnerabilidade”.22
Ou seja, as consequências mais severas dos desastres serão sentidas nas
regiões mais periféricas das cidades. Como forma de exemplificação: “um furacão de
categoria 5 terá um impacto diverso em diferentes comunidades, dependendo do grau
de vulnerabilidade (suscetibilidade a determinados riscos) das mesmas.”23
De acordo com Barcessat, a desigualdade e a exposição ao risco de desastres
geraram os denominados excluídos ambientais:

Os excluídos ambientalmente, em regra, são os mesmos excluídos


socialmente, pois a marginalização e a periferização são processos
complexos e multifatoriais, que, na verdade, não só retiram a população de
baixa renda do centro da cidade, como também a retiram do seio da
sociedade como um todo, pois nos locais onde vivem acabam por ter poucas
oportunidades de trabalho, acessos a locais de educação, cultura, lazer e
recursos naturais.24

O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais Brasileiro determina que o controle


da vulnerabilidade é uma medida essencial para prevenção dos desastres. Essas
medidas paliativas podem ser divididas em estruturais e não estruturais, sendo as
estruturais voltadas para obras de engenharia e as não estruturais de planejamento e
educação ambiental. Embora as medidas estruturais pareçam ser mais eficazes, elas
são mais onerosas e podem causar danos ambientais, ao contrário das medidas não
estruturais, que são mais voltadas ao planejamento e mapeamento de risco, além de
terem um custo mais baixo.25

22 CARVALHO, Delton Winter de; DAMACENA, Fernanda Dalla Libera. Direito dos Desastres. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 56-57.
23 Ibid., p. 57.
24 BARCESSAT, Ana Clara Aben-Athar. Desastres e Direito ambiental: Governança, Normatividade

e Responsabilidade Estatal. Curitiba: Juruá Editora, 2018. p. 55.


25 CARVALHO, Delton Winter de; DAMACENA, Fernanda Dalla Libera, op. cit., p. 58-59.
19

2.3. Principiologia na matéria de desastres


2.3.1. Princípio da prevenção

O princípio da prevenção caracteriza-se pela ideia de evitar um dano cuja


reparação ambiental se mostra praticamente impossível ou demasiadamente
onerosa. Ou seja, visa impedir um dano que se sabe que irá ocorrer.26
Sobre este princípio, Lenza explica que:

Uma espécie extinta é um dano irreparável. Uma floresta desmatada


causa uma lesão irreversível, pela impossibilidade de reconstituição da
fauna e da flora e de todos os componentes ambientais, em profundo e
incessante processo de equilíbrio, como antes se apresentavam. Enfim,
com o meio ambiente, decididamente, é melhor prevenir do que
remediar.27

A Constituição Federal, em seu art. 225, consolida a aplicação do princípio da


prevenção em nosso ordenamento jurídico, visto que dispõe que é dever de todos e
do Poder Público proteger o equilíbrio ecológico. Frisa-se que o conceito de proteger
está ligado a ideia de prevenir, não devendo ser utilizado em seu sentido reparatório. 28
Carvalho e Damacena expõem que:

O princípio, portanto, estabelece a prioridade da adoção de medidas


preventivo-antecipatórias em detrimento de medidas repressivo-mediadores,
estimulando, ainda, a necessidade de controle dos fatores desencadeadores
de desastres. [...] A Lei de Política Nacional de Proteção e Defesa Civil
(12.608/2012) não deixa dúvidas de que a prevenção faz parte de uma
política de abordagem sistêmica que deve ser o alicerce de toda a teoria e
prática antidesastres do país [...].29

Portanto, conclui-se que o princípio da prevenção visa evitar danos futuros e


certeiros ao meio ambiente, e, consequentemente, à população.

26 TRENNEPOHL, Terence. Manual de Direito Ambiental. 8 ed. São Paulo, SP: Saraiva Jur, 2020. p.
47-48. E-book.
27 LENZA, Pedro. Direito Ambiental Esquematizado. 5.ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. p.

295. E-book.
28 Ibid., p. 295.
29 CARVALHO, Delton Winter de; DAMACENA, Fernanda Dalla Libera. Direito dos Desastres. Porto

Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 40-41.


20

2.3.2. Princípio da precaução

Com um conceito muito parecido com o princípio da prevenção, Trennepohl,


salienta que o princípio da precaução busca evitar um possível dano ambiental. 30
Lenza, faz uma breve diferenciação entre os princípios:

Dessa forma, nos casos em que é sabido que uma atividade pode causar
danos ao meio ambiente, atua o princípio da prevenção, para impedir que o
intento seja desenvolvido. Há, todavia, casos em que não se tem certeza se
um empreendimento pode ou não causar danos ambientais. É justamente
nessas hipóteses em que atua o princípio da precaução.31

Neste diapasão, a precaução se relaciona com a incerteza científica, conforme


mencionam Carvalho e Damacena:

[...] os riscos são marcados por uma grande incidência de incerta científica, o
que dificulta a aplicação de metodologias de quantificação de sua
probabilidade. Contudo, mesmo que as consequências sejam remotas e
altamente especulativas, destaca-se a necessidade de investigação
(demonstrada no estudo de impactos ambientais) em caso de potencial
catastrófico (ataques terroristas, acidentes nucleares, terremotos, acidentes
industriais, epidemias, etc.).32

A aplicabilidade deste princípio encontra respaldo no artigo 225 da Carta


Magna, considerando que, para garantia do meio ambiente ecologicamente
equilibrado, é necessário ter uma resposta segura quanto às dúvidas levantadas pela
ciência, principalmente – mas não unicamente – aos desastres naturais, que podem
ser tão imprevisíveis quanto letais.33

2.3.3. Princípio da informação

A Constituição Federal, em seu artigo 5º, incisos XIV e XXXIII, prevê que todos
têm direito ao acesso à informação:

30 TRENNEPOHL, Terence. Manual de Direito Ambiental. 8 ed. São Paulo, SP: Saraiva Jur, 2020. p.
48. E-book.
31 LENZA, Pedro. Direito Ambiental Esquematizado. 5.ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. p.

295. E-book.
32 CARVALHO, Delton Winter de; DAMACENA, Fernanda Dalla Libera. Direito dos Desastres. Porto

Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 38.


33 BARCESSAT, Ana Clara Aben-Athar. Desastres e Direito ambiental: Governança, Normatividade

e Responsabilidade Estatal. Curitiba: Juruá Editora, 2018. p. 65.


21

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da
fonte, quando necessário ao exercício profissional;
[...]
XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu
interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no
prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo
seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado; 34

Ressalta-se que o princípio da informação é um forte aliado na busca da


concretização e aplicação do direito ambiental, eis, que é através dele que se pode
proteger os bens ambientais que são essências a sadia qualidade de vida, conforme,
afirma Lenza:

Portanto, mais do que uma atividade egoísta, a retenção e a guarda da


informação relativa a um bem difuso constituem gravíssimo desrespeito ético,
moral e social, além de ilícito de sonegação de dados dos verdadeiros
“proprietários” desse bem: a coletividade. Enfim, se o bem sobre o qual recai
a informação é difuso, certamente o direito à informação e à obtenção de
dados acerca desse bem tem igualmente uma natureza difusa. Tendo em
vista o exposto, percebe-se que o acesso efetivo à informação é elemento
fundamental à democracia não só pelo princípio da publicidade, mas também
porque a partir dessa “transparência” permite-se a possibilidade de
participação e evita-se o autoritarismo, servindo, pois, como mecanismo de
controle democrático dos atos públicos.35

Este princípio, em conjunto com os princípios da prevenção e precaução,


formam a denominada tríade principiológica do direito dos desastres, os quais atuam
na mitigação dos danos causados pelos desastres. O princípio da informação auxilia,
principalmente, para informar a população acerca dos riscos e perigos que esses
acontecimentos oferecem, bem assim, em como proceder durante e após os
desastres.36

34 BRASIL. [Consituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF:
Presidência da República, [2021]. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 21 mar. 2021;
35 LENZA, Pedro. Direito Ambiental Esquematizado. 5.ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. p.

279. E-book.
36 CARVALHO, Delton Winter de; DAMACENA, Fernanda Dalla Libera. Direito dos Desastres. Porto

Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 40-41.


22

2.4. Danos causados à população

É notório que os desastres naturais estão presentes, direta e indiretamente na


vida da população. Na maioria das vezes ocorrem de forma rápida e silenciosa, sendo,
em algumas de suas ocorrências, fatais. Segundo o Boletim do Centro Nacional de
Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais – CEMADEN, no primeiro trimestre
de 2020 foram registradas 2.003.140 pessoas afetadas por desastres, sendo 85
óbitos, 270 pessoas feridas, 280 enfermas, 19.697 desabrigadas, 70.219 desalojadas
e 18 desaparecidas. Ressalta-se que essa estimativa abrange somente os 958
munícipios monitorados pelo CEMADEN.37
Essas calamidades podem ocorrer isoladamente e em determinadas regiões,
como no caso dos deslizamentos que aconteceram na região serrana do Rio de
Janeiro, em 2011. Com o total de 911 mortes e mais de 400 mil pessoas desabrigadas,
esse trágico evento abarcou sete cidades cariocas.
Conquanto não haja comparação com as vidas perdidas, o prejuízo econômico
também foi devastador. Sendo um importante polo agrícola do estado, mais de 17 mil
famílias que viviam da agropecuária foram atingidas, além disso, contabilizou-se
prejuízos de R$469 milhões para o comércio e R$153 milhões para a indústria.38
Outros exemplos são o rompimento das barragens de Mariana e de
Brumadinho, que ao todo, totalizaram quase 300 mortes. O primeiro desastre, ocorrido
em 05 de novembro de 2015 na Barragem de Rejeitos de Fundão, em Mariana/MG,
provocou a liberação de aproximadamente 45 milhões de m³ de rejeitos, ocasionando
na morte de 14 trabalhadores e cinco moradores39, além de outros problemas:

A cidade histórica de Mariana foi afetada pelo aumento desemprego em cerca


de 30%. Além disso, houve aumento dos casos de uso de álcool, drogas
ilícitas, depressão, violência doméstica e de autoextermínio. A cidade de
Barra Longa também foi seriamente afetada pela lama, com geração de

37 CENTRO NACIONAL DE MONITORAMENTO E ALERTAS DE DESASTRES NATURAIS


(CEMADEN). Boletim trimestral. 2020. p. 61. Disponível em: <http://www.cemaden.gov.br/boletim-
trimestral/>. Acesso em: 16 mar. 2021.
38 QUAINO, Lilian. Tragédia na Região Serrana do RJ faz um ano ainda com cicatrizes. G1, Rio de

Janeiro, 11 fev. 2012. Disponível em: http://g1.globo.com/rio-de janeiro/noticia/2012/01/tragedia-na-


regiao-serrana-do-rj-faz-um-ano-ainda-com-cicatrizes.html. Acesso em: 16 mar. 2021.
39 FARIA, Mário. Mariana e Brumadinho: a repercussão dos desastres do setor de mineração na saúde

ambiental. Revista Brasileira de Medicina do Trabalho: São Paulo, 2019. v.17. p.16. Disponível em:
<http://www.rbmt.org.br/details/403/en-US/mariana-e-brumadinho--a-repercussao-dos-desastres-do-
setor-de-mineracao-na-saude-ambiental>. Acesso em 16 mar. 2021.
23

poeiras em quantidades significativas que elevaram ocorrência de agravos


respiratórios e doenças de pele, principalmente entre crianças e idosos. 40

Já o desastre em Brumadinho teve uma proporção muito maior no número de


mortes e pessoas desaparecidas (270 e 11, respectivamente), além do elevado
número de pessoas desempregadas na região, as quais dependiam financeiramente
dos serviços de mineração.41
Outrossim, outros serviços essenciais à população podem ser atingidos:

Além destes, outros fatores que sucedem à ocorrência dos desastres afetam
indiretamente as condições de vida e a situação de saúde da população,
como a destruição ou interrupção da produção dos sistemas de distribuição
de água, drenagem, limpeza urbana e esgotamento sanitário, geração e
distribuição de energia, transportes, escassez na produção de alimentos,
entre outros.42

Nos casos dos desastres das mineradoras, houve a interrupção dos serviços
de água potável e aumento no número de casos de doenças intestinais e da dengue,
decorrentes da exposição da população aos rejeitos.43

2.4.1. Os deslocados e refugiados ambientais

Há anos, milhares de pessoas se veem obrigadas a se deslocarem em território


nacional ou para outros países, em razão de conflitos armados, pobreza extrema, ou
até mesmo pela degradação ambiental de sua região, provocados por eventos
climáticos ou por situações específicas.44 Ramos menciona que “As maiores ondas
migratórias, por exemplo, geralmente ocorrem em áreas com menor capacidade de

40 FARIA, Mário. Mariana e Brumadinho: a repercussão dos desastres do setor de mineração na saúde
ambiental. Revista Brasileira de Medicina do Trabalho: São Paulo, 2019. v.17. p.16. Disponível em:
<http://www.rbmt.org.br/details/403/en-US/mariana-e-brumadinho--a-repercussao-dos-desastres-do-
setor-de-mineracao-na-saude-ambiental>. Acesso em 16 mar. 2021.
41 FREITAS, Carlos Machado de et al. Da Samarco em Mariana à Vale em Brumadinho: desastres

em barragens de mineração e Saúde Coletiva. Espaço Temático: Mineração e Desastres Ambientais,


2019. Disponível em: <https://www.scielosp.org/article/csp/2019.v35n5/e00052519/>. Acesso em: 16
mar. 2021.
42 SOBRAL, André et al. Desastres Naturais – Sistemas de Informação e Vigilância: uma revisão

da literatura. Epidemiologia e Serviços de Saúde: Brasília, 2010. p. 391. Disponível em:


https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/25863. Acesso em: 16 mar. 2021.
43 FREITAS, Carlos Machado de et al, op. cit.
44 JUBILUT, Liliana Lyra; REI, Fernando Cardozo Fernandes; GARCEZ, Gabriela Soldano (org.).

Direitos Humanos e meio ambiente. 1. ed. Barueri, São Paulo: Editora Manole Ltda. 2017. p. 133. E-
book.
24

resposta às mudanças climáticas, geralmente associadas a fatores econômicos,


políticos e sociais [...].” 45
Um dos maiores fatores que contribui com a migração forçada é a mudança
climática, responsável pelo aumento dos eventos catastróficos e a intensidade
destrutiva com que eles atingem até os países com maior capacidade de adaptação.
Como exemplo, cita-se o furacão Katrina que atingiu os Estados Unidos, em 2005, e
o terremoto e tsunami que afundaram o Japão em 2011.46
A Ilha de Tuvalu, localizada no sudoeste do Oceano Pacífico, vem sofrendo
sérias inundações que desencadeiam inúmeros prejuízos, como a salinização do solo,
dificultando a pratica da agricultura. Porém, com a elevação do mar que vem
ocorrendo nos últimos tempos, os mais de 11 mil habitantes de Tuvalu estão cogitando
abandonar a ilha com medo de submergirem. Isso não implica apenas no
descolamento da população, mas sim, na extinção na ilha, visto que deixará de
preencher os requisitos constitutivos de um Estado (população, território e
soberania).47
Já no Brasil, muitos deslocamentos ocorrem do campo para a cidade, como
nos casos do nordeste brasileiro, em que muitas famílias se veem obrigadas a
deixarem suas raízes em razão dos processos de desertificação, que, inclusive,
podem ferir alguns direito humanos básicos, como direito à vida (inclui-se direito à
água, à alimentação e à saúde), liberdade de expressão, participação política, ao
tratamento igualitário, à segurança individual, entre outros.48
Ademais, o excesso de chuva também pode provocar o deslocamento
compulsório, como no caso de Ilhota, em Santa Catarina, que nos anos de 2008/2009
sofreu com muitos casos de inundações e deslizamentos. Ao todo, foram computadas
3.500 pessoas desalojadas e 1.300 desabrigadas que tiverem que sair de seus lares
para viverem em abrigos provisórios.49
Mas, além das mudanças climáticas, fatores como desastres naturais
ocasionados ou não por ações humanas, acidentes e processos de degradação

45 RAMOS, Érika Pires. Refugiados ambientais: em busca de reconhecimento pelo direito


internacional. 2011. 150 f. Tese (Doutorado em Direito Internacional) – Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo. São Paulo, 2011. p. 34.
46 Ibid., p 55.
47 JUBILUT, Liliana Lyra (org.) et al. Tuvalu: Atlântida Contemporânea. Refugiados Ambientais,

Paricarana, RR, 2018. p. 363. ISBN 978-85-8288-147-4.


48 Ibid., p. 494.
49 Ibid., p. 535.
25

ambiental (muitas vezes utilizado como estratégia em casos de conflitos armados)


também são responsáveis por desencadear a migração.50
Uma catástrofe mundialmente conhecida, ocorrida na cidade de Chernobyl, na
Ucrânia, foi responsável pelo deslocamento de mais de 300 mil pessoas, e nas
semanas seguintes outras mais de 350 mil pessoas foram deslocadas de seus lares.
Porém, apenas 8 meses após o acidente, e com o pouco conhecimento acerca da
radiação invisível que pairava na região, alguns moradores - a maioria idosos que não
se adaptaram à mudança - retornaram aos seus lares.51
Um pouco mais distante, em 1987, a localidade de Goiânia foi palco do desastre
radiológico provocado por um aparelho de radioterapia que continha Césio-13752.
Além das mais de 800 mortes computadas e pessoas que sofrem até hoje com
problemas de saúde, esse desastre contaminou cursos de águas, além de inúmeros
outros pontos da cidade53:

É preciso ponderar esses dados fazendo notar que, naquela época, o Setor
Aeroporto apresentava um padrão de habitação em que as referidas casas
ou os lotes constituíam unidades habitacionais subdivididas em diferentes
residências, os chamados barracões, onde moravam várias famílias. Assim,
em um lote ou casa da rua 57, por exemplo, foram demolidas 4 residências 54.

Com o medo da radiação, muitas famílias saíram de suas residências e até hoje
há locais inabitáveis por conterem um nível mínimo de radiação. Outrossim, com a
notícia do acidente se espalhando, o medo da exposição ao elemento radiológico

50 RAMOS, Érika Pires. Refugiados ambientais: em busca de reconhecimento pelo direito


internacional. 2011. 150 f. Tese (Doutorado em Direito Internacional) – Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo. São Paulo, 2011. p. 55-59.
51JUBILUT, Liliana Lyra (org.) et al. Reflexões acerca do Desastre Antropogênico, suas

Vulnerabilidades e Consequências: um Olhar sobre Chernobyl. Refugiados Ambientais, Paricarana,


RR, 2018. p. 708. ISBN 978-85-8288-147-4.
52 “O Césio-137 é um isótopo radioativo do elemento químico césio que é usado em equipamentos de

radiografia. Ele era usado na forma de um sal — o cloreto de césio (CsCl) — pelo antigo Instituto Goiano
de Radioterapia (IGR), que o guardava dentro de uma bomba ou cápsula revestida de uma caixa
protetora de aço e chumbo. Quando esse hospital foi desativado, os rejeitos radioativos não receberam
o destino adequado, mas ficaram entre os escombros. Com isso, essa cápsula com césio foi encontrada
por dois sucateiros, que a violaram e venderam-na para um ferro-velho, cujo dono era Devair Alves
Ferreira. No ferro-velho, Devair abriu a caixa que continha a cápsula a fim de aproveitar o chumbo, mas
ao fazer isso ele liberou para o meio ambiente cerca de 19 g de cloreto de césio-137. (FOGAÇA,
Jennifer Rocha Vargas. Acidente com Césio-137 em Goiânia. Disponível em:
https://mundoeducacao.uol.com.br/quimica/acidente-com-cesio137-goiania. Acesso em 1 abr. 2021.
53 JUBILUT, Liliana Lyra (org.) et al, op. cit., p. 744.
54 Ibid., p. 759.
26

tomou conta do país, fazendo com que veículos com placas da cidade goianiense
fossem depredados, além de munícipes serem barrados em hotéis.55

2.4.2. Danos causados à população indígena

A Constituição Federal, em seu artigo 23156 enumera uma série de garantias


aos indígenas, como reconhecimento de seus costumes, crenças e tradições, além
das terras tradicionais que ocupam. Outrossim, Antunes ilustra que ainda há uma
lacuna no ordenamento jurídico brasileiro para tratar as questões indigenistas, seja
por questões ideológicas, seja por questões de natureza econômica, considerando a
vasta diversidade de recursos naturais presentes nas terras tradicionais.57 O autor
ainda menciona a importância da relação dos povos indígenas com o meio ambiente:

Outro aspecto extremamente importante a ser observado é o da íntima


relação entre os povos indígenas e a conservação do meio ambiente e a
ecologia. Os povos indígenas são, dentre todos, aqueles cujas formas de vida
guardam maior proximidade com a natureza e o meio ambiente. A
conservação do meio ambiente é uma condição fundamental para a
reprodução da vida, nos moldes tradicionais, nas comunidades indígenas. Em
um país como o Brasil, no qual a presença de imensas áreas florestais é
significativa, não se pode deixar de examinar a repercussão que o Direito
possui na vida dos povos e gentes que encontram na floresta o seu habitat.58

O desastre de Mariana, ocorrido em 2015, afetou diretamente as populações


indígenas Tupiniquim, Guarani e Krenak, que viviam próximo do local onde ocorreu o
rompimento da barragem e mantinham uma ligação muito forte com o Rio Doce.59 A
onda de rejeitos causou danos à saúde, alterando a qualidade da água, além de

55 JUBILUT, Liliana Lyra (org.) et al. Goiânia Blues e as Ressonâncias da Catástrofe Radiológica com
o Césio-137: Desdobramentos no Espaço e no Tempo. Refugiados Ambientais, Paricarana, RR,
2018. p. 744. ISBN 978-85-8288-147-4.
56 Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e

tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União
demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
57 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 21 ed. São Paulo, SP: Editora Atlas Ltda., 2020. p.

1.195. E-book.
58 Ibid., p. 1.195.
59 URQUIZA, Antônio Hilário Aguilera; ROCHA, Adriana de Oliveira. O desastre ambiental de Mariana

e os Krenak do Rio Doce. V. 16, n. 35, 2019. Belo Horizonte, MG: Veredas do Direito – Direito
Ambiental e Desenvolvimento Sustentável. Disponível em: http://dx.doi.org/10.18623/rvd.v16i35.1507.
Acesso em 26 mar. 2021.
27

destruir plantações e hectares de terras habitadas pelos povos indígenas, segundo


Adams (apud URQUIZA E ROCHA).60
Muito mais do que um recurso natural, O Rio Doce possui uma forte ligação
com o Povo Krenak:

O Watu, esse rio que sustentou a nossa vida às margens do rio Doce, entre
Minas Gerais e o Espírito Santo, numa extensão de seiscentos quilômetros,
está todo coberto por um material tóxico que desceu de uma barragem de
contenção de resíduos, o que nos deixou órfãos e acompanhando o rio em
coma. Faz um ano e meio que esse crime – que não pode ser chamado de
acidente – atingiu as nossas vidas de maneira radical, nos colocando na real
condição de um mundo que acabou.61

De outra banda, há tempos os povos indígenas vêm sofrendo com as


epidemias infecciosas e parasitárias trazidas pelo “homem branco”. Durante a
construção da Transamazônica, doenças como malária, sarampo, influenza e
tuberculose foram a causa de morte de muitos indígenas que viviam em áreas
próximas a rodovias. Em 2020, com a chegada da Covid-19 no Brasil e o pouco
esforço empregado por muitos governadores – em especial o governo presidencial -
para combater e mitigar os danos provocados pela pandemia, fez com que muitos
indígenas revivessem os traumas ocasionados por essas patologias. Dentre as
consequências estão a insegurança alimentar, o pavor em sair das aldeias e até a
impossibilidade de realizar ritos funerários tradicionais nos entes perdidos em razão
da Covid-19.62

2.5. O desastre biológico da pandemia da Covid-19

Inicialmente, cumpre esclarecer as características que demonstram que a


pandemia da Covid-19 se enquadra como um desastre. Carvalho afirma que há uma
tríade para formação dos desastres:

(i) causas e (ii) consequências altamente específicas e complexas,


convergindo para a descrição de fenômenos socioambientais de grande

60 ADAMS, L.IL. et al. Saindo da lama: a atuação interfederativa concertada como melhor alternativa
para solução dos problemas decorrentes do desastre de Mariana. Belo Horizonte: Fórum, 2019.
61 KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. 2 ed. São Paulo, SP: Editora Scwarcz S.A.,

2019. p. 22-23. E-book.


62 COIMBRA JR, Carlos E. A.; PONTES, Ana Lucia; SANTOS, Ricardo Ventura. Um “fato social total”:

COVID-19 e povos indígenas no Brasil. Rio de Janeiro, RJ. Disponível em:


https://www.scielosp.org/article/csp/2020.v36n10/e00268220/pt/. Acesso em 1 abr. 2021.
28

apelo midiático e irradiação econômica, política, jurídica e ambiental, capazes


de comprometer a (iii) estabilidade do sistema social. 63

Dentre as classificações dos desastres, há os desastres naturais que podem


ser divididos em geofísicos, meteorológicos, hidrológicos, climatológicos e biológicos,
sendo um exemplo deste último, as epidemias. Portanto, considerando o casuístico
natural de uma pandemia, resta claro que poderá se classificar como um desastre
biológico, se enquadrando no critério causa, mencionado por Carvalho.64
O sentido de desastre ultrapassa o plano individual e atinge diretamente o
coletivo, tendo perdas humanas, econômicas e de bens, além de extrapolar os
recursos locais, sendo necessário um pedido de ajuda externa. Sendo uma
calamidade silenciosa e muitas vezes imprevista, Carvalho menciona que o centro de
pesquisa da Universitè Catholique de Louvain – Belgium, catalogou alguns critérios
que devem ser preenchidos para caracterização de um desastre:

(a) 10 ou mais mortes humanas (efetivas ou presumidas); (b) pelo menos 100
pessoas atingidas (necessitando de comida, água, cuidados básicos e
sanitários; desalojados e feridos); (c) ter sido declarado estado de
emergência; (d) ter havido um pedido de ajuda internacional. 65

Percebe-se, pois, que a Covid-19 no Brasil já deixou, até a data de 27 de março


de 2021, o total de 343.406 vidas perdidas66 e inúmeros desempregados,
desestabilizando o setor econômico de diversas cidades brasileiras. Em vista do
pouco conhecimento sobre como combater esse vírus e a dificuldade – e até mesmo
um desinteresse pelo atual governo presidencial – na compra das vacinas, fizeram
com que senadores pedissem ajuda ao exterior para a vacinação acontecer de forma
mais rápida no Brasil.67

63 CARVALHO, Delton Winter de. A natureza jurídica da pandemia Covid-19 como um desastre
biológico: um ponto de partida necessário para o direito. Revista dos Tribunais Online, vol. 1017/2020,
jul. 2020. p. 2.
64 Ibid., p. 3.
65 Ibid., p. 4.
66 RIBEIRO, Victor. Brasil supera 300 mil mortes em consequências da Covid-19. Rádio Agência

Nacional, Brasília, 24 mar. 2021. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-


nacional/saude/audio/2021-03/ministro-da-saude-marcelo-queiroga-quer-agilizar-vacinacao-em-
massa. Acesso em: 27 mar. 2021.
67 COSTA, Pedro Henrique. Pedido de ajuda internacional dos senadores por vacina no Brasil.

Rádio Senado, Brasília, 26 mar. 2021. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/radio/1/projetos-da-


semana/2021/03/26/pedido-de-ajuda-internacional-dos-senadores-por-vacina-no-brasil. Acesso em 27
mar. 2021.
29

Todos esses fatores ocasionam em uma desestabilidade sistêmica, além de


proporcionar uma insegurança na população. Carvalho, elucida que:

A perda da estabilidade sistêmica também é representada pela decretação


de atos tais como Estado Constitucional de Defesa (por grave e iminente
instabilidade institucional ou calamidade pública) pela União, assim como de
Situação de Emergência ou de Estado de Calamidade Pública, por estados e
municípios. Note-se inevitável, aqui também, considerarmos a Pandemia
causada pelo novo coronavírus como um verdadeiro desastre, tendo este
desencadeado uma desestabilização social sistêmica, o que redundou em
decretações generalizadas (em nível nacional, estadual e mesmo municipal)
de excepcionalidade institucional.68

Portanto, verificada que a pandemia atual se enquadra nos cenários


conceituais para identificação de um desastre, vamos a uma análise mais suscinta
das consequências decorrentes desse vírus.
Passado um ano desde o primeiro caso registrado no Brasil, os números de
infectados e mortos aumentaram drasticamente. Até a data de 24/03/2021, o país
registrou o total de 12.183.338 infectados e 300.015 mortes. Mesmo com esses dados
elevadíssimos, o ritmo da vacinação continua lento e, com as ocupações de leitos de
UTI cheios na maioria dos estados, além da ameaça da falta de oxigênio e do
chamado “kit intubação”, o próximo cenário parece ser ainda mais assustador.69
Muitos daqueles que se curaram do vírus apresentaram sequelas por até 5
meses, sendo que os sintomas mais comuns foram dor muscular, fadiga,
desaceleração física, qualidade do sono prejudicada, dor ou inchaço nas articulações,
fraqueza nos membros, falta de ar, dor, perda de memória de curto prazo e
pensamento lento, de acordo com estudos realizados no Reino Unido, que analisou
1.000 pessoas infectadas durante o período de março e novembro de 2020. O estudo
ainda contatou que a saúde psicológica das pessoas estudadas foi prejudicada, com
mais de 25% das pessoas apresentando sintomas de ansiedade ou depressão e 12%
com sintomas de transtorno de estresse pós-traumático.70

68 CARVALHO, Delton Winter de. A natureza jurídica da pandemia Covid-19 como um desastre
biológico: um ponto de partida necessário para o direito. Revista dos Tribunais Online, vol. 1017/2020,
jul. 2020, p. 4.
69 PRESTE, Renata Lo. Brasil atinge 300 mil mortos por Covid-19 um dia após recorde de mais

de 3 mil vidas perdidas em 24 horas. G1 [S. I], 24 mar. 2021. Disponível em:
https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2021/03/24/brasil-atinge-300-mil-mortos-por-covid-
19-um-dia-apos-recorde-de-mais-de-3-mil-vidas-perdidas-em-24-horas.ghtml. Acesso em 27 mar.
2021.
70 CORRÁ, Daniel. Estudo: 7 em cada 10 pessoas internadas por Covid têm sequelas por até 5

meses. CNN Brasil: São Paulo, 25 mar. 2021. Disponível em:


30

Contudo, com todos os dados e informações disponíveis acerca das


consequências da Covid-19, ainda há pessoas negacionistas que acreditam que este
vírus não passa de uma simples gripe. Ainda, há aqueles que lutam contra as medidas
de distanciamento e exigem a abertura dos serviços não essenciais.
É notório que a pandemia agravou o setor econômico e fez com que muitos
perdessem seus empregos. Conforme dados divulgados pelo IBGE, até o 4º trimestre
de 2020 cerca de 13,9 milhões de brasileiros estavam desempregados71. Entretanto,
o economista e professor Francisco Ferreira, em entrevista ao BBC News, aponta que:

As contrações econômicas foram maiores para os países que tiveram maior


mortalidade per capita. Ou seja, as taxas de mortalidade e as taxas de
contração da economia estão positivamente correlacionadas, e não
negativamente: os países que perderam mais economicamente foram os
mesmos que perderam mais em termos de mortalidade, na média. 72

Nesse sentido, é cediço que sem economia um país não funciona, porém, com
os trabalhadores doentes, não há economia.

https://www.cnnbrasil.com.br/saude/2021/03/25/estudo-7-em-cada-10-pessoas-internadas-por-covid-
tem-sequelas-por-ate-5-meses. Acesso em: 27 mar. 2021.
71 Silveira, Daniel. Desemprego bate recorde em 20 estados brasileiros em 2020, diz IBGE. G1: Rio

de Janeiro, 10 mar. 2021. Disponível em:


https://g1.globo.com/economia/noticia/2021/03/10/desemprego-bateu-recorde-em-20-estados-
brasileiros-em-2020-diz-ibge.ghtml. Acesso em 27 mar. 2021.
72 ALEGRETTI, Laís. Discutir conflito entre ‘saúde e economia’ não faz sentido, avalia

economista. Entrevistado: Francisco Ferreira. BBC News Brasil: Londres, 22 mar. 2021. Disponível
em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-56413842. Acesso em 27 mar. 2021.

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