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TÓPICO 1

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Introdução

Pedro Pereira

Licenciatura em Ciências do Ambiente – Riscos Naturais (2º Ano - 2º Semestre)


Ano letivo de 2011/12
Índice

1. Introdução 1
1.1. Risco versus Perigo 1
1.2. Processos Perigosos 2
2. Tipos de Perigos 3
2.1. Perigos Naturais 3
2.2. Perigos Antropogénicos 3
3. Efeitos dos Perigos 4
4. Vulnerabilidade e Susceptibilidade 4
5. Avaliação de Perigos e Riscos 5
6. Previsão e Aviso 5
6.1. Previsão (Prediction) 5
6.2. Previsão (Forecasting) 6
6.3. Aviso Precoce 6
7. Capacidade de Resposta e o Papel dos Cientistas, da Protecção Civil e do
Cidadão Comum nas Avaliações do Perigo/Risco, Previsões e Avisos 6
8. Bibliografia 8
1. Introdução

Nas últimas décadas, desastres naturais como sismos, inundações e furacões


provocaram a morte de vários milhões de pessoas em todo o planeta; a média anual de
vítimas mortais foi de cerca de 150.000. Os prejuízos económicos provocados por
desastres naturais são hoje superiores a 50.000 milhões de dólares por ano; este valor
não inclui os prejuízos sociais, como a perda de emprego, danos psicológicos e redução
da produtividade. Alguns desastres foram particularmente catastróficos: um sismo na
China, em 1976, provocou mais de 300.000 mortos; o tsunami no Oceano Índico em
2004 provocou, pelo menos, 200.000 mortes; um ciclone que fustigou o Bangladesh em
1991 causou 145.000 vítimas mortais; um sismo em Kobe (Japão), em 1995, provocou
mais de 5.000 mortos, destruiu milhares de edifícios e causou mais de 100.000 milhões
de dólares de prejuízos.
Estas catástrofes foram causadas por processos e forças naturais que sempre
existiram. Os ciclones são provocados por uma alteração atmosférica e o calor interno
da Terra é responsável pelo movimento das placas tectónicas, o qual provoca sismos e,
por vezes, tsunamis. O impacte destes eventos foi particularmente inflacionado pelo
crescimento dos centros urbanos e a consequente concentração populacional.
As Nações Unidas designaram a década de 1990 como Década Internacional para a
Redução dos Riscos Naturais. O objectivo do programa da ONU era minimizar a perda
de vidas e os prejuízos económicos causados por desastres naturais. Alcançar este
objectivo requer medidas para mitigar tanto os riscos físicos específicos como os riscos
biológicos que frequentemente os acompanham. O termo mitigação, que significa
reduzir os efeitos de algo, é utilizado com frequência por cientistas e pelas autoridades
responsáveis por planear os esforços de preparação para as consequências dos desastres.
Por exemplo, depois de terramotos e inundações o abastecimento de água pode estar
contaminado por bactérias, o que fomenta a propagação de doenças. Para atenuar os
efeitos desta contaminação a Protecção Civil deve utilizar meios portáteis de tratamento
de água, desinfectar poços, e distribuir água engarrafada.

1.1. Risco versus Perigo

VARNES (1984) definiu Risco Ambiental (que inclui o risco natural e o risco
antropogénico) como o "grau de prejuízo ou dano causado a pessoas e bens, devido à
ocorrência de um perigo (hazard)" ou "número esperado de perda de vidas, danos a
pessoas, bens e propriedades, ou interrupção de actividades económicas devido a um
fenómeno natural particular". Segundo este autor, o Risco total (Rt) é expresso por: Rt =
E x (P x V), onde E é Elemento em risco, P é Perigo e V é Vulnerabilidade. Elemento
em risco refere-se a populações, propriedades, bens e actividades económicas em risco
num determinado território. Perigo significa "um evento físico, fenómeno natural e/ou
induzido por uma actividade humana, potencialmente danoso ou nocivo, que pode
causar perda de vidas, ferimentos, danos a propriedades e bens, interrupção de
actividades sociais e económicas e degradação ambiental". Envolve a probabilidade de
ocorrência de um fenómeno potencialmente destruidor, num determinado período de
tempo, numa dada área e com uma dada magnitude. Vulnerabilidade refere-se ao grau
de perda ou dano de um elemento ou conjunto de elementos em risco resultante da
ocorrência de um fenómeno natural de determinada magnitude. Expressa numa escala
de 0 (sem perda) a 1 (perda total).

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EINSTEIN (1988) introduziu diferentes conceitos sobre o tema. Segundo ele, o
fenómeno natural em si seria denominado "Danger” (em português ainda seria Perigo).
O "Hazard" (H) corresponderia à "probabilidade de ocorrência de um perigo (danger)
particular em determinado período de tempo". O Risco (Risk) seria "função da
probabilidade de ocorrência (Hazard) e das consequências, ou seja, do valor (custo)
potencial de perdas".
Para as Nações Unidas (ISDR, 2004), Risco compreende a "probabilidade de
consequências danosas ou perdas esperadas (de vidas, propriedades, bens de sustento
próprio, interrupção de actividades económicas e danos ambientais) resultantes das
interacções entre perigos (hazards) naturais ou induzidos e as condições de
Vulnerabilidade/Capacidade". Por outras palavras, Risco pode ser expresso como R = H
x V/C. A Vulnerabilidade corresponde a um conjunto de condições e processos
resultantes de factores físicos (relacionados como o uso e ocupação do solo), sociais,
económicos e ecológicos. A Capacidade refere-se à maneira pela qual as pessoas e
organizações conseguem lidar positivamente com as condições adversas de um desastre
ou evento.
Estas equações para cálculo dos riscos são esquemáticas pois, para a quantificação da
possibilidade de ocorrência de um processo natural, devem ser considerados diversos
parâmetros, muitas vezes de difícil definição. Por outro lado, as consequências
socioeconómicas que podem ser causadas por um processo natural também são de
difícil determinação.

Embora, num passado não muito longínquo, os termos hazard e risk fossem ambos
traduzidos em Portugal por “risco”, o facto é que, da forma como foram utilizados
originalmente na literatura sobre eventos naturais extremos e como acima foi referido
estes termos não são sinónimos. Assim, seguindo outros autores portugueses, nesta
Unidade Curricular (UC) utilizar-se-á o termo perigo (hazard) para nos referimos a um
processo natural que ameaça os interesses humanos e o termo risco (risk) para nos
referirmos aos prejuízos provocados por esse mesmo perigo.

1.2. Processos Perigosos

Na sua maioria, os processos perigosos são também processos geológicos. Estes


afectam constantemente a vida de todos nós, no entanto, muitas vezes, só temos
consciência desse facto quando eles provocam prejuízos materiais e humanos.
Esses processos naturais que representam uma ameaça para a vida humana ou para a
propriedade denominam-se por perigos naturais (natural hazards). Os processos em si
não são perigosos, são-no quando ameaçam os interesses humanos. Quando da
interacção entre os seres humanos e um processo natural resultam vítimas entre a
população e prejuízos económicos consideráveis diz-se que ocorreu um desastre
natural (quando não há interesses humanos envolvidos não se consideram desastres
naturais, apenas eventos naturais). Normalmente os desastres naturais acontecem sob a
forma de processos que ocorrem em períodos de tempo limitado e em áreas geográficas
definidas. Um desastre massivo que requer um gasto considerável de tempo e dinheiro
para a recuperação denomina-se por catástrofe natural.

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2. Tipos de Perigos

2.1. Perigos Naturais

Os perigos naturais e as catástrofes naturais deles resultantes podem ser divididos em


diversas categorias de acordo com a sua origem:
- Perigos geológicos (alguns dos quais compõem o programa desta UC):
- Sismos;
- Erupções vulcânicas;
- Tsunamis;
- Movimentos de terra;
- Cheias;
- Subsidência;
- Erosão Costeira;
- Impacto de objectos extraterrestres.
- Perigos atmosféricos – Perigos naturais cuja ocorrência depende
principalmente de processos atmosféricos. Não fazem parte do programa desta
UC mas incluem:
- Ciclones tropicais;
- Tornados;
- Secas;
- Trovoadas;
- Relâmpagos.
- Outros perigos naturais – Perigos que podem ocorrer naturalmente mas que
não se incluem em qualquer das duas categorias acima referidas. Também não
fazem parte do programa desta UC mas incluem:
- Infestações de insectos;
- Epidemias;
- Incêndios.

Os perigos naturais podem ainda ser divididos em perigos de desenvolvimento


rápido (erupções vulcânicas, sismos, inundações, deslizamentos, trovoadas,
relâmpagos, incêndios florestais, etc.) e perigos de desenvolvimento lento (secas,
pandemias e infestações de insectos). Esta divisão tem um impacte particularmente
importante no que diz respeito aos sistemas de alerta.
Consideram-se perigos catastróficos aqueles perigos naturais que podem ter
consequências devastadoras para um grande número de pessoas ou ter um efeito a nível
global, tais como impactos com objectos extraterrestres de grande dimensão, grandes
erupções vulcânicas, pandemias e secas globais. Tais perigos catastróficos são muito
raros mas têm a capacidade de alterar profundamente o equilíbrio da biosfera.

2.2. Perigos Antropogénicos

Perigos que resultam da interacção do Homem com o ambiente. Incluem os perigos


tecnológicos, os quais ocorrem devido à exposição a substâncias perigosas, como o
radão, o mercúrio, fibras de asbesto e poeira de carvão. Incluem também outros perigos
exclusivamente devidos à acção humana, tais como, chuvas ácidas e contaminação da
atmosfera e das águas superficiais por substâncias tóxicas, ou ainda a destruição da
camada de ozono e o aquecimento global. Estes perigos e consequentes desastres
tecnológicos não serão abordados nesta UC.

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3. Efeitos dos Perigos

Todos os processos perigosos podem ter efeitos primários, secundários e terciários:


- Efeitos Primários: ocorrem como consequência directa do processo. São
exemplo destes efeitos, os estragos provocados pela água durante uma
inundação ou o desabamento de edifícios como consequência de um sismo,
deslizamento ou furacão.
- Efeitos Secundários: efeitos provocados pelos efeitos primários. Por exemplo,
incêndios provocados por sismos ou erupções vulcânicas, cortes no
abastecimento de água e electricidade como resultado de um sismo, ou cheias e
inundações provocadas por deslizamentos de terra que atingem lagos ou rios.
- Efeitos Terciários: efeitos a longo prazo desencadeados pelo processo inicial.
São exemplos deste tipo de efeitos, a destruição de habitats devido a inundações,
alteração permanente do curso de um rio provocada por uma cheia, perda de
colheitas causada por uma erupção vulcânica, etc.

4. Vulnerabilidade e Susceptibilidade

O termo vulnerabilidade refere-se não apenas aos possíveis efeitos físicos de um


determinado perigo natural, mas também ao modo como este afecta a vida e a
propriedade humana. A vulnerabilidade a um qualquer perigo depende de:
− Proximidade de um possível evento perigoso;
− Densidade populacional na área próxima do evento;
− Compreensão científica do perigo;
− Educação pública e consciencialização do perigo;
− Existência ou não de sistemas de aviso precoce e linhas de comunicação;
− Existência e prontidão das infra-estruturas de emergência;
− Estilos e regulamentos de construção;
− Factores culturais que influenciem a resposta da comunidade aos avisos
emitidos pelas autoridades competentes.
Em geral, países menos desenvolvidos são mais vulneráveis a perigos naturais do que
os países industrializados devido à falta de instrução, infra-estruturas, regulamentos de
construção, etc.
A pobreza também é um factor muito importante, pois esta leva a deficiente
qualidade das habitações, maior densidade populacional e falta de comunicações e infra-
estruturas.
A intervenção humana nos processos naturais pode também aumentar a
vulnerabilidade devido a:
1. Ocupação e desenvolvimento de zonas sujeitas a perigos. Por exemplo,
construção em planícies de inundação, em falésias sujeitas a movimentos de
terra, ou em zonas costeiras sujeitas a furacões e inundações.
2. Agravamento da severidade e da frequência dos perigos naturais. Por exemplo:
a sobreexploração agrícola ou desflorestação facilita uma erosão mais intensa
(inundações e deslizamentos); a construção de estradas em vertentes instáveis
provoca deslizamentos; a contribuição para o aquecimento global potencia a
ocorrência de tempestades mais severas.
3. Grandes aglomerados populacionais: as grandes cidades, em particular as dos
países desenvolvidos, contribuem para o aquecimento global, uma vez que as

4
populações dessas cidades são responsáveis pela utilização da maior parte dos
combustíveis fósseis, libertando grandes quantidades de CO2 para a atmosfera.

5. Avaliação de Perigos e Riscos

A avaliação do Perigo e a avaliação do Risco não são sinónimas! A avaliação do


Perigo consiste na determinação do seguinte:
- Onde e quando ocorreram processos perigosos no passado;
- Gravidade dos efeitos físicos dos processos perigosos no passado (magnitude);
- A frequência de ocorrência de processos perigosos.
- Os efeitos prováveis de um processo de determinada magnitude se este
ocorresse hoje;
- Disponibilizar toda esta informação de forma útil para os agentes responsáveis
pela tomada de decisões no caso de ocorrer um desastre.
A avaliação do Risco compreende não apenas a avaliação do perigo do ponto de vista
científico, mas também o impacte socioeconómico de um evento perigosos. Esta
avaliação envolve:
- Avaliação do Perigo, como referido acima;
- Identificação de edifícios, vias de comunicação, e outras infra-estruturas nas
áreas sujeitas a perigos;
- Exposição potencial aos efeitos físicos de uma situação perigosa;
- A vulnerabilidade da comunidade quando sujeita aos efeitos físicos de um
evento.
A avaliação do risco auxilia as autoridades competentes e os cientistas a comparar e
avaliar perigos potenciais, estabelecer prioridades relativamente a tipos possíveis de
mitigação, e relativamente aos locais mais propícios para centralizar meios ou elaborar
estudos adicionais.

6. Previsão e Aviso

O risco e a vulnerabilidade podem por vezes ser minorados se existirem meios de


prever a ocorrência de um evento perigoso.

6.1. Previsão (Prediction)

A previsão envolve:
- Uma declaração da probabilidade de ocorrência de determinado evento baseada
na observação científica.
- Tal observação envolve normalmente a monitorização do processo com vista à
identificação de qualquer tipo de evento precursor – uma pequena alteração
física anómala conhecida por anteceder um evento mais devastador. Por
exemplo, as erupções vulcânicas são geralmente precedidas de um súbito
aumento no número de sismos imediatamente abaixo do vulcão e alterações da
composição química dos gases libertados pelas fumarolas. Se estes forem
cuidadosamente monitorizados, as erupções vulcânicas podem ser previstas com
razoável precisão.

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6.2. Previsão (Forecasting)

Apesar de em português apenas se usar o termo previsão, nem sempre a palavra


forecast é sinónimo de prediction. De modo simplista pode dizer-se que temos dois
tipos de previsão, uma baseada em factos concretos (prediction) e outra baseada em
modelos (forecast):
- Na previsão de cheias, furacões e outros fenómenos relacionados com o tempo o
termo forecast refere-se à previsão a curto prazo em termos de magnitude,
localização, data e timing de ocorrência de um evento. Todos nós estamos
habituados às previsões meteorológicas.
- Na previsão de sismos, a palavra forecast é usada de forma muito menos precisa
– referindo-se à probabilidade a longo prazo, que não é específica em termos do
timing de ocorrência de um evento. Por exemplo: Antes do sismo de Loma
Prieta (17 de Outubro de 1989) o Serviço Geológico dos EUA (USGS) previa
50% de probabilidade de que pudesse ocorrer um sismo de grande magnitude
nesta área nos próximos 30 anos. Mesmo depois do evento, a previsão actual é
de 67% de probabilidade de ocorrer um sismo de grande magnitude nesta área
nos próximos 30 anos.

6.3. Aviso Precoce

Um aviso é uma declaração da existência de elevada probabilidade de ocorrência de


um evento perigoso baseada na previsão (prediction e forecast). Se um aviso é emitido,
ele deve ser encarado como uma declaração de que "as rotinas diárias devem ser
alteradas de modo a lidar com o perigo imposto pelo evento iminente".
A eficácia dos avisos depende de:
- A oportunidade do aviso;
- Sistemas públicos de comunicação e informação operantes para informar a
comunidades da iminência do perigo em tempo útil;
- A credibilidade das fontes que emitem os avisos.
Se os avisos são emitidos demasiado tarde ou se não existirem meios para disseminar
a informação, então não haverá tempo e/ou capacidade de resposta suficiente. Se os
avisos são emitidos irresponsavelmente, sem dados ou fontes credíveis, então eles serão
muito provavelmente ignorados.

7. Capacidade de Resposta e o Papel dos Cientistas, da Protecção Civil e do


Cidadão Comum nas Avaliações do Perigo/Risco, Previsões e Avisos

Todos nós temos a responsabilidade de compreender os efeitos de um perigo natural


e estar atento a avaliações de perigo/risco, previsões e avisos. Assim, um dos aspectos
mais importantes na gestão e planeamento dos desastres é a instrução. Não se pode
esperar que todas as pessoas possam compreender tudo acerca de um potencial desastre
natural. Igualmente, uma das ligações mais importantes entre todos os envolvidos é a
comunicação eficaz entre os vários grupos de pessoas. Ainda assim, é possível dividir
algumas das responsabilidades do modo seguinte:

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• Responsabilidade dos cientistas e engenheiros:
- Avaliação da Perigosidade: os cientistas têm capacidade de determinar onde
estão os perigos naturais e quais os seus efeitos no caso de ocorrer
determinado evento.
- Previsão: os cientistas têm acesso à monitorização de processos que permitem
efectuar previsões. Eles devem ser capazes de comunicar as probabilidades de
ocorrência de desastres às autoridades competentes para posterior divulgação à
população.
- Minimização do Risco: cientistas e engenheiros devem informar as
autoridades competentes sobre o que deve ser feito para minimizar a
vulnerabilidade e o risco, sugerindo regulamentos de ordenamento do
território e construção.
- Aviso Precoce: os cientistas com acesso à monitorização e informação sobre
os perigos devem (ajudar a) desenvolver sistemas de aviso precoce que
permitam uma resposta rápida das autoridades responsáveis pela comunicação
dos avisos à população em geral.
- Comunicação: os cientistas têm de ser capazes de apresentar a informação
disponível numa forma que seja compreensível para todos os interessados.
• Responsabilidade da administração pública:
- Avaliação dos riscos: as autoridades competentes precisam de compreender a
avaliação dos perigos e desenvolver a avaliação dos riscos. Decidir onde e
quando deverão ser disponibilizados meios para minimizar o risco.
- Aplicação de Planeamento e Regulamentação: as autoridades devem trabalhar
com cientistas e engenheiros para ajudar a reduzir a vulnerabilidade, através de
leis de ordenamento do território e regulamentos de construção que ajudem a
reduzir o risco e a vulnerabilidade.
- Aviso Precoce: as autoridades, com base nas previsões e avisos emitidos pela
comunidade científica, têm a responsabilidade primária de informar a
população sobre a existência de perigos iminentes.
- Capacidade de Resposta: as autoridades têm a responsabilidade primária de
manter uma infra-estrutura capaz de lidar com as situações de emergência
criadas por um desastre natural. Necessidade de desenvolver planos para
evacuação, resposta de emergência, salvamento e recuperação.
- Comunicação: as autoridades devem ser capazes de comunicar eficazmente
com a comunidade científica e com os cidadãos comuns de modo a
divulgarem informação pertinente.
• Cidadãos:
- Compreender os perigos: os cidadãos em geral precisam de ter consciência dos
efeitos dos perigos naturais nas suas comunidades para poderem ter alguma
compreensão do que poderá acontecer no caso de ocorrer um desastre.
- Compreender os sistemas de Aviso Precoce: as pessoas têm de ser informadas
sobre o que devem fazer após a emissão de um aviso.
- Comunicação: os cidadãos devem (poder) contactar com as autoridades
competentes para se assegurar de que estas disponibilizam a informação
necessária e de que cumprem as suas responsabilidades para a minimização
dos perigos e dos riscos.

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Bibliografia

EINSTEIN, H., H. (1988). Special lecture: Landslide risk assessment procedure. In: C.
BONNARD (Ed.), Proceedings of the 5th International Symposium on Landslide,
Lausanne, Switzerland, Vol. 2: 1075-1090.
ISDR (2004). Living with Risk. A global review of disaster reduction initiatives. Inter-
Agency Secretariat of the International Strategy for Disaster Reduction (UN/ISDR).
KELLER, E. & BLODGETT, R. (2007). Riesgos naturales. Procesos de la Tierra como
riesgos, desastres y catástrofes. Pearson, Madrid.
NELSON, S. (2009). Natural Disasters – Lecture Notes. Tulane University. Acessível em
http://www.tulane.edu/~sanelson/geol204/index.html, consultado a 2010-05-29
VARNES, D. J. (1984). Landslide hazard zonation: a review of principles and practice.
UNESCO, Paris.

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TÓPICO 1
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Sismos e Perigosidade Sísmica

Pedro Pereira

Licenciatura em Ciências do Ambiente – Riscos Naturais (2º Ano - 2º Semestre)


Ano letivo de 2011/12
Índice

1. Geração de Sismos 1
2. Ondas Sísmicas 2
3. Localização do Epicentro 3
4. Escalas de Medição de Sismos 4
4.1. Magnitude 4
4.2. Intensidade 5
5. Distribuição Mundial de Sismos 7
6. Risco Sísmico 8
7. Perigosidade Sísmica 9
8. Previsão de Sismos 12
8.1. Previsão a Longo Prazo 12
8.2. Previsão a Curto Prazo 14
9. Perspetivas em Portugal Continental 15
10. Bibliografia 17
1. Geração de Sismos

Os sismos ocorrem quando a energia armazenada em rochas sob tensão elástica é


libertada bruscamente. Esta libertação de energia causa intensa vibração da região
próxima da origem do sismo e envia ondas de energia elástica (ondas sísmicas) através
da Terra.
A maioria dos sismos naturais é gerada por movimentos súbitos ao longo duma zona
de falha. A teoria do ressalto elástico sugere que se o movimento ao longo da falha é
travado de modo que a energia elástica acumulada aumente nas rochas sujeitas a
deformação, em ambos os lados da falha, quando o movimento ocorre, a energia
libertada provoca um sismo. A elaboração desta teoria foi baseada em medições
efetuadas em diversos pontos, em ambos os lados de uma falha: antes da ocorrência de
um sismo, verificou-se que as rochas adjacentes à falha estavam deformadas; após o
sismo, a deformação desapareceu, sugerindo que a energia armazenada na deformação
das rochas foi subitamente libertada durante o sismo.

Figura 1 – Diagrama esquemático ilustrando a teoria do


ressalto elástico.

Como acima se referiu, quando um sismo ocorre, as ondas sísmicas viajam através da
Terra sob a forma de vibrações. O sismógrafo (fig. 2) é o instrumento usado para
registar essas vibrações e o gráfico resultante é o sismograma (fig. 5).

Figura 2 – Esquema simplificado mostrando o


funcionamento de um sismógrafo.

1
O foco ou hipocentro é o local do interior da Terra onde as ondas sísmicas são
geradas pela libertação súbita da energia elástica armazenada (local onde se origina o
sismo). O epicentro é o ponto na superfície da Terra imediatamente acima do foco (fig.
3).

2. Ondas Sísmicas

As ondas sísmicas propagam-se em todas as direções a partir do foco (fig. 3).


Algumas deslocam-se no interior da Terra (ondas volúmicas – ondas P e S) e outras à
superfície (ondas superficiais).

Figura 3 – Diagrama de blocos mostrando as


características básicas de um sismo. Adaptado de Press &
Siever (2002).

Ondas volúmicas Ondas superficiais

Figura 4 – Diagramas esquemáticos ilustrando a propagação dos diferentes tipos de ondas sísmicas.
Adaptado de Press & Siever (2002).

2
As ondas P, também denominadas compressivas ou primárias, são mais rápidas do
que as ondas S e, por isso, são as primeiras a ser detetadas pelos sismógrafos (fig. 5). À
semelhança das ondas sonoras, deslocam-se comprimindo e expandindo o material à
medida que se propagam (fig. 4). Podem propagar-se em meio sólido, líquido ou
gasoso. Viajam muito mais depressa através de sólidos do que de líquidos: a velocidade
média de propagação das ondas P através da crosta terrestre é de 6 km/s e de 1,5 km/s
através da água. Curiosamente, quando as ondas P atingem a superfície e se transmitem
ao ar, algumas pessoas e animais podem ouvir parte delas. Contudo, o som que algumas
pessoas ouvem de um sismo que se aproxima é o ruído forte dos objetos que vibram e
não das ondas P.
As ondas S, também denominadas ondas de cisalhamento ou secundárias, propagam-
se apenas em meio sólido. A velocidade média de propagação das ondas S através da
crosta terrestre é de 3 km/s. As ondas S provocam um movimento para cima e para
baixo (corte lateral) perpendicularmente à direcção de propagação da onda (fig. 4).
Quando as ondas P e S atingem a superfície do solo, formam-se ondas superficiais
complexas que se propagam na superfície da Terra. Estas ondas são mais lentas do que
as ondas volúmicas (fig. 5) e causam grande parte da destruição junto ao epicentro do
sismo. Este tipo de ondas comporta-se como as ondas S, uma vez que à sua passagem
elas provocam movimentos para cima e para baixo e de um lado para o outro (fig. 4).

3. Localização do Epicentro

O sismograma (fig. 5), tal como ele é produzido pelo sismógrafo, corresponde a uma
projecção das vibrações em função do tempo. No sismógrafo o tempo é marcado a
intervalos regulares de modo a que seja possível determinar o tempo de chegada da
primeira onda P e o tempo de chegada da primeira onda S.

Figura 5 – Sismograma idealizado de um sismo natural.

Para determinar a localização do epicentro de um sismo é necessário que o sismo


seja registado em pelo menos três estações sismográficas, situadas a diferentes
distâncias do epicentro (figs. 6 e 7). Para além disso necessitamos ainda de conhecer o
tempo que as ondas P e S demoram a viajar através da Terra até à estação sismográfica.
Esta informação tem sido recolhida desde há mais de 80 anos e está disponível em
curvas de tempo de deslocação das ondas (fig. 6).
Utilizando os sismógrafos de cada estação é possível determinar o intervalo S-P, isto
é, a diferença entre o tempo de chegada da primeira onda S e o tempo de chegada da
primeira onda P. Como é natural o intervalo S-P é tanto maior quanto maior for a
distância ao epicentro (fig. 6).

3
Figura 6 – Gráfico mostrando o aumento do intervalo S-P
com a distância percorrida pelas ondas sísmicas (Press &
Siever, 2002).

Como o intervalo S-P nos indica a distância a que o epicentro se encontra da estação
sismográfica, podemos, em cada estação, desenhar no mapa um círculo cujo raio é igual
à distância a que o epicentro se localizou. O ponto onde três destes círculos se
intersectam é o ponto onde se localiza o epicentro do sismo (fig. 7).

Figura 7 – Localização do epicentro


de um sismo (Press & Siever, 2002).

4. Escalas de Medição de Sismos

4.1. Magnitude

A dimensão de um sismo é usualmente dada em termos de uma escala denominada


magnitude de Richter (ML), a qual envolve a medição da amplitude (altura) da maior
onda registada a determinada distância do epicentro.
Uma medida da dimensão de um sismo mais precisa é dada pela quantidade de
energia libertada pelo sismo. Apesar de ser muito mais difícil de determinar, Richter
providenciou um modo para estimar a quantidade de energia libertada: Log E = 11,8 +
1,5 ML, em que Log se refere ao logaritmo na base 10 e E é a energia libertada em ergs.

4
Outra medida da dimensão dos sismos, cada vez mais utilizada internacionalmente, é
a denominada magnitude de momento (MW) do sismo. Esta determina-se a partir da
estimativa da área que se rompe ao longo do plano de uma falha durante um sismo, a
quantidade de movimento ou deslizamento na falha e a rigidez das rochas próximas do
foco do sismo. Com exceção dos sismos muito grandes, a magnitude de Richter é
aproximadamente igual à magnitude de momento.
As escalas de magnitude acima referidas não têm valor máximo. Os sismos de maior
dimensão são provavelmente limitados pela resistência das rochas, embora os impactos
de meteoritos possam provocar sismos ainda maiores. Os maiores sismos alguma vez
registados ocorreram em 1960 (Chile) e em 1964 (Alasca), com magnitude de momento
9,5 (8,5 ML) e 9,2 (8,6 ML), respetivamente.

4.2. Intensidade

As escalas de magnitude proporcionam um modo quantitativo de comparar sismos.


A intensidade de um sismo indica-se com a Escala de Mercalli Modificada (tab. 1),
que é qualitativa. Às doze categorias desta escala atribuem-se números romanos. Cada
categoria corresponde a uma descrição do modo como as pessoas sentem a vibração de
um sismo e a extensão dos danos em edifícios e outras estruturas feitas pelo homem.
A intensidade de um sismo é normalmente representada num mapa (mapa de
isossistas). São necessários dias ou mesmo semanas para elaborar mapas de Intensidade
de Mercalli Modificada convencionais, como o da figura 8. São baseados em
questionários enviados às pessoas que residem nas regiões afetadas pelo sismo, notícias
de jornais e informações das equipas de avaliação de danos.
A máxima vibração do solo verifica-se apenas na área do epicentro do sismo, mas
este pode ser sentido numa área muito mais vasta. A Escala de Mercalli foi criada no
final da década de 1880 precisamente com o objetivo de avaliar a intensidade da
vibração do solo e da destruição causada em edifícios em regiões vastas.
A Escala de Mercalli Modificada permite não só relacionar diretamente, na zona
próxima do epicentro, a máxima destruição causada por um sismo com a sua magnitude,
mas também mostrar os efeitos da maior ou menor eficácia com que as ondas sísmicas
se propagam através de diferentes rochas próximo da superfície da Terra.
A Escala de Mercalli Modificada permite ainda estimar a dimensão de sismos
ocorridos antes da existência das redes sismográficas modernas (antes de existirem
estações sismográficas, não era possível determinar a Magnitude de Richter).

Figura 8 – Carta de isossistas do sismo de 1755 (CCDRA, 2004).

5
Tabela 1 – Escala de Mercalli Modificada (versão simplificada).

IMPERCETÍVEL – Apenas registado pelos aparelhos de precisão, ou


Grau I
sismógrafos.
MUITO FRACO – Sentido por número muito reduzido de pessoas em
Grau II
repouso, em especial pelas que habitam em andares elevados.
FRACO – Sentido por pequeno número de habitantes. Bem sentido nos
Grau III
andares elevados.
MÉDIO – Sentido dentro das habitações, podendo despertar do sono
Grau IV pequeno número de pessoas. Nota-se a vibração de portas e janelas e das
loiças dentro dos armários.
POUCO FORTE – Praticamente sentido por toda a população, fazendo
acordar muitas pessoas. Há queda de alguns objetos menos estáveis e
Grau V
param os pêndulos dos relógios. Abrem-se pequenas fendas nos estuques
das paredes.
FORTE – Provoca início de pânico nas populações. Produzem-se leves
Grau VI danos nas habitações, caindo algumas chaminés. O mobiliário menos
pesado é deslocado.
MUITO FORTE – Caem muitas chaminés. Há estragos limitados em
edifícios de boa construção, mas importantes e generalizados nas
Grau VII construções mais frágeis. Facilmente percetível pelos condutores de
veículos automóveis em trânsito. Desencadeia pânico geral nas
populações.
RUINOSO – Danos acentuados em construções sólidas. Os edifícios de
Grau VIII muito boa construção sofrem alguns danos. Caem campanários e
chaminés de fábricas.
DESASTROSO – Desmoronamento de alguns edifícios. Há danos
Grau IX
consideráveis em construções muito sólidas.
MUITO DESASTROSO – Abrem-se fendas no solo. Há cortes nas
Grau X canalizações, torção nas vias de caminho de ferro e empolamentos e
fissuração nas estradas.
CATASTRÓFICO – Destruição da quase totalidade dos edifícios,
mesmo os mais sólidos. Caem pontes, diques e barragens. Destruição das
Grau XI redes de canalização e das vias de comunicação. Formam-se grandes
fendas no terreno, acompanhadas de desligamento. Há grandes
escorregamentos de terrenos.
CATACLÍSMICO – Destruição total. Modificação da topografia.
Grau XII
(Este grau nunca foi presenciado no período histórico)

6
5. Distribuição Mundial de Sismos

A sismicidade global é mais elevada ao longo de faixas relativamente estreitas que


coincidem com as fronteiras de placas tectónicas (fig. 9).

Figura 9 – Mapa da atividade sísmica global (1963-1988; magnitude ≥ 5) onde se


mostra a localização dos epicentros dos limites de placas (elevada concentração de
pontos) e dos sismos intraplaca (pontos dispersos) (Keller & Blodgett, 2007).

Sismos em fronteiras divergentes – As fronteiras de placas divergentes são zonas


onde duas placas se afastam uma da outra (fig. 10). Neste tipo de fronteiras, a litosfera
está sujeita a um estiramento e, consequentemente, ocorrem falhas normais e vales de
rifte. Os sismos que ocorrem ao longo deste tipo de fronteiras resultam da
movimentação de falhas normais, têm baixas magnitudes, e tendem a ser pouco
profundos (profundidade dos focos inferior a 20 km). O facto de os focos serem pouco
profundos indica que a litosfera frágil tem de ser relativamente fina ao longo destas
fronteiras de placas. Exemplos: Todas as cristas médio-oceânicas e vales de rifte
intracontinentais, como o vale de rifte do leste africano.
Sismos em fronteiras transformantes – As fronteiras transformantes são fronteiras
de placas onde estas se deslocam, umas em relação às outras, na horizontal (fig. 10). A
falta de San Andreas, Califórnia, é uma das mais longas falhas transformantes que se
conhecem. Os sismos ao longo destas fronteiras resultam de movimentos de
desligamento nas falhas e tendem a ter focos pouco profundos (geralmente menos de
100 km de profundidade). As magnitudes de Richter podem ser elevadas.
Sismos em fronteiras convergentes – As fronteiras de placas convergentes são
fronteiras onde duas placas colidem uma com a outra, assim, tendem a ser zonas onde as
tensões compressivas são ativas, sendo comuns as falhas inversas e os cavalgamentos.
Existem dois tipos de fronteiras convergentes:
− Fronteiras de subducção – Neste tipo de fronteiras, a litosfera oceânica fria é
empurrada para baixo em direcção ao manto devido à convergência de duas
placas (fig. 10). Como a litosfera subductada é fria, mantém-se frágil à medida
que desce e, por isso, pode fraturar sob compressão. Quando fratura, gera
sismos que definem uma zona de sismos com focos gradualmente mais
profundos debaixo da placa cavalgante (Zona de Benioff). A profundidade dos

7
focos dos sismos nas zonas de Benioff pode atingir os 700 km. Exemplo:
Regiões costeiras do oceano Pacífico, incluindo América do Sul, América
Central, México, EUA, Alasca, Japão, Filipinas.
− Fronteiras de colisão – Neste tipo de fronteiras duas placas continentais
colidem, originando cadeias de montanhas. Os sismos ocorrem devido a
cavalgamentos; os focos podem ser pouco profundos ou ocorrer a
profundidades que vão até cerca de 200 km. Exemplos: Ao longo dos
Himalaias e ao longo da margem norte do Mediterrâneo, prolongando-se pelo
Mar Negro e Mar Cáspio, até ao Irão.

Figura 10 – Diagrama esquemático representando os tipos de fronteiras de


placas.

Sismos intraplaca – Sismos que ocorrem nas regiões estáveis de continentes,


distantes de fronteiras de placas. Muitos deles ocorrem como resultado da reativação de
falhas antigas, embora as causas de alguns sismos intraplaca ainda não sejam bem
compreendidas. Exemplo: Região de New Madrid, região central dos EUA.

6. Risco Sísmico

A maior parte das vítimas mortais provocadas por sismos resultam do


desmoronamento de edifícios e outras construções do homem. Sismos localizados em
áreas isoladas, longe de populações humanas, raramente causam vítimas mortais.
O risco sísmico depende de três factores:
1. Densidade populacional
2. Regulamentos de construção
3. Preparação para a emergência
Exemplos:
• O pior sismo de que há registo histórico ocorreu em Shaaxi, China, em 1556.
Provocou 830.000 vítimas mortais, a maior parte das quais habitavam em
cavernas escavadas em loess pouco consolidado.
• Até agora, o pior sismo do século XXI, ocorreu no Haiti, em 2010, e terá
provocado a morte a cerca 300.000 pessoas.
• Contrastes – Em zonas onde a probabilidade de ocorrência de sismos é alta, com o
objectivo de reduzir o risco sísmico, existem (ou deveriam existir) regulamentos

8
de construção muito apertados, exigindo que o design e a construção de edifícios e
outras estruturas sejam de modo a resistir a um grande sismo. Embora estes
regulamentos nem sempre se mostrem totalmente eficazes, o certo é que
acontecimentos passados parecem demonstrar a sua importância: Por exemplo, em
1989, um sismo em San Francisco, Califórnia (sismo de Loma Prieta), com
magnitude 7,1, provocou 63 vítimas mortais, a maior parte das quais devido ao
colapso de um viaduto de dois andares em Oakland; cerca de 10 meses mais tarde,
um sismo com magnitude 6,9 ocorreu na Arménia, onde não existiam
regulamentos de construção anti-sísmica, e matou cerca de 25.000 pessoas; a 12
de janeiro de 2010, o sismo de magnitude 7,0 que atingiu a cidade de Port-au-
Prince, Haiti (onde não existem regulamentos de construção) terá causado cerca
de 300.000 vítimas mortais!!!

7. Perigosidade sísmica

Efeito directo das ondas sísmicas – A vibração do solo provocada pela passagem
das ondas sísmicas, especialmente das ondas superficiais, próximo do epicentro do
sismo, é responsável pela maior parte dos danos causados por um sismo. A intensidade
de vibração do solo depende de:
− Características geológicas locais: geralmente, sedimentos não consolidados são
sujeitos a vibração mais intensa do que rocha sólida.
− Dimensão do sismo: geralmente, quanto maior for o sismo, maior será a
intensidade e a duração da vibração provocada.
− Distância ao epicentro: A vibração sísmica é mais intensa nas proximidades do
epicentro e diminui com a distância ao epicentro. Existem no entanto, exceções
curiosas. Por exemplo, em 1985, um sismo com magnitude 8,1, com epicentro a
350 km a sul da Cidade do México, provocou danos substanciais nesta cidade
porque esta está construída sobre sedimentos não consolidados que preenchem um
antigo lago (ver Liquefação, abaixo).
− Os danos provocados em estruturas construídas pelo homem provocados pela
vibração sísmica dependem do tipo de construção.
− Estruturas de cimento e alvenaria são frágeis e, por isso, mais susceptíveis
de sofrerem danos;
− Estruturas de madeira e aço são mais flexíveis e, por isso, menos
susceptíveis de sofrerem danos.
Rutura superficial cossísmica – Geralmente, a vibração do solo ocorre apenas ao
longo da zona de falha que se move durante o sismo. Assim, estruturas construídas
sobre zonas de falha podem ruir, enquanto estruturas adjacentes à falha, mas que não a
atravessam, podem resistir.
Movimentos de terreno – Em regiões montanhosas, a vibração do solo provocada
por sismos pode desencadear diversos tipos de movimentos de terra (ver Tópico 4).
Liquefação – A liquefação é um processo que ocorre em sedimentos não
consolidados saturados de água devido à vibração sísmica. A vibração dos grãos faz
com que estes percam o contacto uns com os outros, e, assim, o material tende a fluir
(fig. 12).
Denominam-se por sismitos (ex: vulcões de areia), as estruturas preservadas no
registo geológico resultantes da perturbação da estrutura sedimentar (fig. 13).

9
A B

Figura 11 – Exemplos de rutura superficial cossísmica. A – Izmit (Turquia, 1999); desligamento direito.
B – Taiwan (1999); falha inversa.

Sedimento saturado de água Liquefacção

A água preenche o espaço entre A água rodeia todos os grãos,


os grãos. A fricção entre os estes eliminando o contacto entre estes.
mantém o sedimento coeso. O sedimento comporta-se como
um líquido.
Figura 12 – Esquemas ilustrando o processo de liquefação.

Figura 13 – Esquema ilustrando a ocorrência de vulcões de areia (Press & Siever, 2002).

10
Figura 14 – Efeito da liquefação do terreno. Sismo
ocorrido em 1964, em Niigata, Japão; magnitude 7,5
(http://www.ce.washington.edu/~liquefaction/html/whatl).

Levantamento e subsidência cossísmicos – Os sismos podem originar levantamento


e/ou subsidência da superfície terrestre (fig. 15). Estes movimentos verticais bruscos
podem ser centimétricos ou métricos (fig. 16).

Figura 15 – Esquema ilustrando os processos de levantamento e


subsidência cossísmica (Keller & Pinter, 2002).

11
A B

Figura 16 – Efeito de levantamento e subsidência cossísmicos devidos ao sismo de Sumatra, em


2004. A – Levantamento (1,75m) de corais nas Ilhas Bugi; B: Subsidência (1 a 2 m) da costa
noroeste de Sumatra (as árvores foram cortadas pelo tsunami).

Tsunamis – Os tsunamis são ondas gigantes que podem viajar rapidamente,


atravessando os oceanos. Os sismos que ocorrem sob o nível do mar e ao longo das
zonas costeiras podem gerar tsunamis, os quais podem causar danos a milhares de
quilómetros de distância do outro lado do oceano (ver Tópico 6).
Inundações – Os sismos podem causar inundações por subsidência, tsunamis,
barramento de linhas de água ou destruição de diques.
Incêndios – Como os sismos podem derrubar linhas eléctricas ou danificar as
condutas de abastecimento de gás, é usual deflagrarem incêndios após a ocorrência de
sismos. O problema pode agravar-se se as canalizações de água forem também
interrompidas durante o sismo, pois não haverá água para combater os incêndios. No
sismo de 1906, em San Francisco, mais de 90% dos danos causados em edifícios
resultaram dos incêndios que deflagraram após o abalo.
Doenças – O aparecimento de doenças está por vezes associado à ocorrência de
grandes sismos. Estas podem ser provocadas por perda das condições de higiene ou das
habitações, contaminação do abastecimento de água, perturbação dos serviços públicos
de saúde e alteração do ambiente natural. Os sismos também podem danificar condutas
de saneamento básico e canalizações de água fazendo com que a água fique
contaminada por organismos patogénicos.

8. Previsão de Sismos

8.1. Previsão a Longo Prazo

Os maiores sismos ocorridos numa determinada região habitada encontram-se


geralmente assinalados nos registos históricos dessa região, constituindo a sismicidade
histórica regional. Os eventos mais recentes, registados instrumentalmente, constituem a
sismicidade instrumental. Contudo, os catálogos de sismicidade apresentam limitações,
nomeadamente no que respeita ao número de eventos, sua localização, dimensão e
recorrência: os eventos menores são escassamente referenciados nos documentos
históricos, e o intervalo de recorrência dos grandes sismos é geralmente superior ao
período abrangido pelos registos, de modo que estes eventos podem não estar
referenciados.
A incerteza, ou mesmo lacuna de informação sobre os sismos de maior dimensão
pode ser colmatada pelo reconhecimento e estudo das marcas deixadas por esses

12
eventos no registo geológico, junto à superfície topográfica, constituindo um dos
principais objetos de estudo da Neotectónica e, em particular, da Paleossismologia.
As evidências dos paleossismos no registo geológico superficial (deformações em
rochas ou afetando a topografia) resultam do mecanismo da sismogénese: a
generalidade dos sismos tectónicos ocorre por rutura em falhas ativas. Nos sismos
superficiais de magnitude moderada a elevada, a dimensão da área de rutura cossísmica
conduz à sua propagação até à superfície topográfica, gerando-se uma "assinatura" do
evento sísmico nos elementos geológicos superficiais, que permite identificá-lo e
caracterizá-lo, bem como a outros eventos semelhantes que tenham ocorrido
previamente na mesma estrutura sismogénica.
Na caracterização dos paleossismos utilizam-se também outras evidências, como o
reconhecimento de paleossismitos (figuras de liquefacção), de deslocamentos verticais
episódicos (subsidência ou levantamento de áreas mais ou menos extensas), de
movimentos de terreno, ou de tsunamitos (depósitos sedimentares originados por
tsunamis).
A ocorrência, em falhas ativas, de ruturas superficiais sucessivas associadas a sismos
passados, conduz a que essas falhas apresentem expressão morfológica e afectem
formações geológicas superficiais. Esta situação justifica a aplicabilidade dos critérios
geomorfológicos e de corte na identificação de falhas sismogénicas e fundamenta o
reconhecimento e caracterização dos sismos "fósseis", ou paleossismos, gerados por
essas falhas.
Acima do limiar de magnitude de cerca de 6, os paleossismos deixam marcas ou
evidências em formações geológicas superficiais e na paisagem, que permitem
identificá-los e estudá-los:
- Evidências primárias: diretamente relacionadas com deslocamento cossísmico
na falha, nomeadamente, deformações tectónicas afetando a paisagem
(escarpas, deflexões horizontais em referências morfológicas) e estruturas
tectónicas afetando formações superficiais recentes;
- Evidências secundárias: estruturas induzidas pelas vibrações sísmicas
(liquefacção – paleossismitos, movimentos de terreno; inundações, etc.).
A metodologia mais comum em estudos de paleossismicidade consiste na abertura de
sanjas em locais selecionados com base em diversos critérios, nomeadamente, a
presença de acidentes topográficos suspeitos, de ruturas superficiais reconhecidas, e/ou
de rochas quaternárias junto a acidentes ativos ou que se suspeita serem ativos.
Os estudos geológicos detalhados nas sanjas têm como objetivos confirmar a
atividade tectónica, reconhecer deslocamentos recorrentes, ou seja, identificar
paleossismos, e colher material para datação de modo a determinar períodos de
recorrência dos paleossismos.
Os princípios utilizados na interpretação da informação exposta nas paredes das
sanjas correspondem aos usualmente utilizados em geologia estrutural, fundamentando-
se na geometria e natureza das estruturas, relações de corte, relações de sobreposição,
relações com a superfície topográfica, e, particularmente, relações com sedimentos
coluviais provenientes da escarpa de falha adjacente.
A avaliação de períodos de recorrência implica a identificação de paleossismos
distintos e a datação dos diferentes eventos (por datação de horizontes estratigráficos
afetados ou de alguma forma relacionados com os paleossismos).
A estimativa da magnitude dos paleossismos identificados nos estudos geológicos
(por análise de escarpas de falha e/ou estudo de sanjas), e da magnitude do sismo
máximo que uma falha ativa tem o potencial de gerar, fundamenta-se na relação de

13
escala entre a dimensão da rutura na falha sismogénica (deslocamento e área de rutura)
e a magnitude do sismo que é gerado.
Para estimar a magnitude dos paleossismos identificados nos estudos de
neotectónica, ou a magnitude do sismo máximo que uma falha ativa tem o potencial de
gerar, utilizam-se correlações entre magnitude e parâmetros de falha, fundamentadas em
dados empíricos referentes a sismos actuais em que ocorreu rutura superficial
cossísmica.
Para além da paleossismologia, na previsão de sismos a longo prazo também se
utiliza o estudo de vazios sísmicos. Um vazio sísmico (seismic gap) é uma zona ao
longo de uma região tectonicamente ativa na qual não foram registados sismos
recentemente, mas onde é sabido que se está a acumular deformação elástica nas rochas.
Se um vazio sísmico é identificado, então é identificada uma área onde se deve esperar
que venha a ocorrer um grande sismo num futuro próximo.
− Exemplo – Vazios sísmicos de San Francisco, Loma Prieta, e Parkfield.
Na figura 17 apresentam-se dois perfis de sismicidade ao longo da Falha de
San Andreas, Califórnia. O perfil superior mostra sismos que ocorreram ao
longo da falha antes de 17 de outubro de 1989. Os três vazios sísmicos são
visíveis, onde a densidade de sismos é menor do que ao longo dos sectores da
falha fora dos vazios. Devido à baixa densidade de sismos nestes vazios, a
falha diz-se bloqueada ao longo dessas áreas, e consequentemente está a
acumular-se tensão. Isto levou os geólogos a emitir uma previsão para o vazio
de Parkfield de que algures entre 1986 e 1993 deveria ocorrer um sismo de
magnitude 6 ou maior a sul de Parkfield. Esse sismo ainda não ocorreu,
contudo, um sismo de magnitude 7,1 sismo ocorreu no vazio de Loma Prieta a
17 de outubro de 1989, seguido de numerosas réplicas. Observe-se como, no
perfil inferior, este sismo e as suas réplicas preencheram o vazio de Loma
Prieta. O que ainda deixa os vazios de San Francisco e Parkfield como áreas
onde se pode prever um grande evento futuro.

Figura 17 – Perfis de sismicidade ao longo da falha de San Andreas, Califórnia, antes (em cima) e
depois (apenas vazio de Loma Prieta; em baixo) de 17 de outubro de 1989.

14
8.2. Previsão a Curto Prazo

A previsão de curto prazo envolve a monitorização de processos que ocorrem nas


vizinhanças de falhas susceptíveis de provocar sismos com o objetivo de identificar
qualquer tipo de atividade que possa indicar a iminência de um sismo. Os eventos ou
processos anómalos que podem preceder um sismo são denominados eventos
precursores.
Apesar da variedade de eventos precursores possíveis que é possível monitorizar, a
previsão a curto prazo bem sucedida de sismos tem sido, até agora, difícil de obter. Isto
acontece porque:
− Os processos que causam os sismos ocorrem muito abaixo da superfície e são
difíceis de monitorizar.
− Os sismos que ocorrem em regiões diferentes ou ao longo de falhas diferentes
comportam-se todos de modo diferente, assim, ainda não foi reconhecido
qualquer padrão consistente.
Entre os eventos precursores que podem ser importantes estão os seguintes:
− Deformação da superfície: Medições efectuadas na vizinhança de falhas
ativas mostram, por vezes, que antes de um sismo a superfície do terreno é
levantada ou inclina devido ao aumento do volume das rochas provocado pela
acumulação de tensão na falha. Isto pode levar à formação de numerosas
microfissuras. Esta fissuração nas rochas pode levar à ocorrência de pequenos
sismos, denominados premonitórios.
− Abalos premonitórios: Antes de um sismo na China, em 1975, a observação
de numerosos abalos premonitórios levou à previsão bem sucedida de um
sismo e à evacuação da cidade de Haicheng. O sismo de magnitude 7,3 que
ocorreu destruiu metade da cidade de cerca de 100 milhões de habitantes, mas,
graças à evacuação bem sucedida, provocou apenas algumas centenas de
mortos.
− Nível de água nos poços: As rochas são sujeitas a tensões na vizinhança de
uma falha, ocorrendo, por isso, variações da pressão da água subterrânea (água
existente nos poros e fraturas nas rochas). Isto pode forçar a água subterrânea a
deslocar-se para maior ou menor profundidade, causando variações do nível da
água em poços.
− Emissões de radão: O radão é um gás produzido pelo decaimento radioativo
do urânio e outros elementos presentes nas rochas. Como o radão é inerte não
se combina com outros elementos para formar compostos e, assim, permanece
na estrutura cristalina até que um qualquer evento o force a sair. A deformação
resultante da tensão pode forçar o radão a sair e provocar emissões deste gás
que aparece em poços de água. As recentemente formadas microfissuras acima
referidas podem servir de vias para o escape do radão para as águas
subterrâneas. O aumento de emissões de radão tem sido detetado antes de
alguns sismos.
− Mudanças na resistividade eléctrica das rochas: A resistividade elétrica é a
resistência de um material ao fluxo de energia elétrica. No geral, as rochas são
fracos condutores de eletricidade, mas a água é mais eficiente a conduzir
eletricidade. Se se desenvolverem microfissuras e a água subterrânea for
forçada a entrar nas fissuras, isto pode causar uma diminuição da resistividade
elétrica. Nalguns casos, foi observada antes de um sismo uma diminuição de 5
a 10% da resistividade elétrica.

15
− Ondas de rádio anómalas: Antes do sismo de Loma Prieta de 1989, alguns
investigadores referiram ter detetado ondas de rádio anómalas. Onde se
geraram estas ondas e porquê, ainda não é sabido mas a investigação continua.
− Comportamento animal anómalo: Antes do sismo de magnitude 7,4 de
Tanjin, China, os tratadores dos animais do zoo observaram comportamentos
animais estranhos: cobras que se recusavam a ir para as suas covas, cisnes que
se recusavam a aproximar-se da água, pandas a berrar, etc. Este foi o primeiro
estudo sistemático deste fenómeno antes de um sismo. Apesar de terem sido
efetuadas outras tentativas para repetir uma previsão baseada no
comportamento animal, ainda não houve previsões bem sucedidas.

9. Perspetivas em Portugal Continental

As falhas ativas identificadas em Portugal continental apresentam taxas de atividade


baixas, de um modo geral compreendidas entre 0,2 mm/ano e 0,005 mm/ano (Cabral,
1995), em resultado do enquadramento geodinâmico regional, caracterizado por uma
convergência lenta (≈ 4 mm/ano) entre a Eurásia e a África no sector oriental da
fronteira de placas Açores-Gibraltar (Ribeiro, 2002).
Estes níveis de atividade tectónica implicam taxas de libertação de energia sísmica
baixas. O ambiente dominante intraplaca sugere que os sismos máximos localizados no
território emerso tenham magnitude próxima de 6,5, ou seja, se situem no limiar dos
eventos com ruptura superficial, em que o deslocamento e o comprimento de rutura
superficiais são pequenos (D = 0,3 a 1 m, L = 10 a 15 km). Nestas condições o ciclo
sísmico médio dos eventos com rutura superficial (M > 6,5) tem uma duração
compreendida entre cerca de 5.000 e 200.000 anos.
Embora o território emerso se situe num ambiente de características intraplaca, a sua
proximidade à fronteira Açores-Gibraltar, e o processo de inversão tectónica da margem
continental Oeste-Ibérica de passiva para margem ativa, que se terá iniciado no
Quaternário (Ribeiro, 2002), justificam a ocorrência de eventos sísmicos de magnitude
extremamente elevada com epicentro no Oceano Atlântico, como o terramoto de 1755.
A localização submarina destes eventos não permite a aplicação direta das técnicas
usuais da paleossismicidade, implicando o recurso a técnicas próprias da Geologia
Marinha, nomeadamente a aquisição e interpretação de perfis de reflexão sísmica, a
análise detalhada da morfologia submarina com recurso a sonares de elevada precisão, e
o estudo de dragagens e de testemunhos de sondagens de modo a obter informação
sobre sedimentos turbidíticos cossísmicos.

Segundo Mendes-Victor (2000), a ameaça sísmica é uma realidade em Portugal, mas


está mal caracterizada devido sobretudo aos seguintes factores:
− A frequência de sismos destrutivos que é diminuta em Portugal Continental;
− A dificuldade em avaliar a perigosidade sísmica que resulta da localização
imprecisa das fontes, pelo menos até aos princípios da década 80;
− Muito poucos movimentos fortes foram bem registados instrumentalmente, e
são escassos os relatos referentes ao comportamento dos solos, dos edifícios e
das estruturas, quando ocorreram abalos fortes.
As orientações seguidas até hoje permitiram lançar a Rede Nacional de Vigilância
Sísmica, sob a responsabilidade do Instituto de Meteorologia, que está estruturada com
as mais avançadas tecnologias desde a captura até à transmissão e processamento dos
sinais sísmicos.

16
10. Bibliografia

CABRAL, J. (1995). Neotectónica em Portugal Continental. Memórias do Instituto


Geológico e Mineiro, Lisboa, 31: 265 pp.
CABRAL, J. (2003). A Geologia na avaliação da perigosidade sísmica. Seminário
“Riscos Geológicos”, Resumos das Comunicações, Póvoa do Varzim, Associação
Portuguesa de Geólogos: 25-34.
KELLER, E. & BLODGETT, R. (2007). Riesgos naturales. Procesos de la Tierra como
riesgos, desastres y catástrofes. Pearson, Madrid, 448 pp.
KELLER, E. & PINTER, N. (2002): Ative Tectonics. Earthquakes, Uplift and Landscape.
Second Edition, Prentice Hall, New Jersey, 362 pp.
CCDRA (2004). PROTAlgarve: Um Território com Futuro. Volume II – Caracterização
e Diagnóstico. Anexo J – Apreciação do Risco Sísmico no Algarve. Ministério do
Ambiente, Ordenamento do Território e Desenvolvimento Regional. Acessível em
http://www.territorioalgarve.pt/Storage/pdfs/Volume_II_ANEXO_J.pdf, consultado
em 2010-05-18.
MENDES-VICTOR, L. (2000). Riscos naturais associados a fenómenos naturais.
Colóquio/Ciências, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 25: 37-53.
NELSON, S. (2009). Natural Disasters – Lecture Notes. Tulane University. Acessível em
http://www.tulane.edu/~sanelson/geol204/index.html, consultado a 2010-05-29
PRESS, F. & SIEVER, R. (2001). Understanding Earth. Freeman, San Francisco, CA, 695
pp.
RIBEIRO, A. (2002). Soft Plate and Impact Tectonics. Springer Verlag, Berlin, 324 pp.

17
FALHAS ACTIVAS E SISMOS
A Terra é um Planeta turbulento e frágil, mas vivo. A convecção exprime-se pelo
movimento diferencial das Placas, gerando-se os sismos ao longo das Falhas activas
nas fronteiras e, mais raramente, no interior das Placas. Saberemos viver com os
sismos desde que os estudemos e que o risco, estimado pelos especialistas, com
as inerentes margens de erro, seja assumido pela sociedade no seu conjunto,
mais culta e esclarecida.

‘(...) My eight year old son asked me: “What did Einstein study?” “For historical reasons earthquakes are considered to be the
I answered: “The universe”. He replied: “Nothing else?”’ province of the seismologist and the study of faults is that of the
geologist. However, because earthquakes are a result of an instability
(Pais, A., 1994) in faulting that is so pervasive that on many faults most slip occurs
during them, the interest of these two disciplines must necessarily
become intertwined."

(Scholz, C., 1990)


ANTÓNIO RIBEIRO

"I
magine, leitor, que é um visitante do nosso abrir e a fechar e veríamos que, ao longo das tais ci-
Sistema Solar, vindo do espaço exterior. catrizes, os blocos se moveriam rapidamente, ou
Vagueou pelo minúsculo Plutão, por Saturno deslizando lateralmente, ou sobrepondo-se com um
e Júpiter, maiores, e bruscamente o mais no- bloco superior a cavalgar outro ou separando-se para
tável objecto aparece. Debaixo de manchas de nuvens deixar entre si blocos afundados que em que certos
vislumbra-se uma superfície dominada por azuis e ver- casos se abririam para gerar os oceanos.
des. Parece que este Planeta tem uma atmosfera muito Veríamos então que a própria Terra sólida era tur-
pouco usual, com vinte por cento de oxigénio, alta- bulenta e que, tal como a criança turbulenta que estica
mente reactivo. Há um campo magnético bastante forte. demais o seu brinquedo, este acaba por fracturar-se
Cerca de setenta por cento da su- nos tais blocos que encaixam entre
perfície parece coberta por água no si como peças separadas de quebra-
estado líquido. A superfície sólida cabeças.
está estranhamente fragmentada, mas Vivemos pois num Planeta tur-
alguns dos blocos maiores parecem bulento e frágil. Uma das expressões
encaixar entre si como peças sepa- deste facto é a sismicidade. Como
radas de um quebra-cabeças. O nosso explicá-la no quadro que temos vin-
capitão considera este planeta pou- do a traçar?
co vulgar e atribui-nos a tarefa de
descrever como funciona - que pro- Mecanismos de geração
cessos formam este estranho arranjo de sismos
de superfícies de terra, o que man-
terá a água no estado líquido...?” (W. Os sismos, tal como muitos ou-
Fyfe, 1988). tros fenómenos, podem ser devidos a
A Terra vista do espaço mostra- várias causas, sintetisadas na Tabela I,
nos de facto a turbulência da atmosfera consoante o mecanismo de geração
e oceanos. Mostra-nos também enor- Nascido em Lisboa, cidade sísmica, onde se licen- e a sua origem natural ou artificial.
mes cicatrizes estreitas que cortam a ciou em geologia; fez estudos pós-graduados em Numa classe de sismos naturais,
trama dos tais blocos maiores que as Paris e Leeds em Tectonofísica. Doutorou-se em estes são devidos a rotura em falha
Montpellier. Foi geólogo nos Serviços Geológicos
bordejam. de Portugal e é Professor da Faculdade de activa ou sismos tectónicos, que ex-
Se pudessemos passar em dese- Ciências, Universidade de Lisboa. É autor de cerca plicaremos a seguir; os sismos vulcânicos
nho animado a visão do Planeta no de 130 publicações sobre Geologia Estrutural, são produzidos por movimentos brus-
Tectónica, em especial da Cadeia Varisca e
seu conjunto, de tal modo que cerca Sismotectónica, nomeadamente na área ibero- cos do magma no seu caminho para
de 10 milhões de anos durassem ape- atlântica. Sobrevoou os Capelinhos em erupção, a superfície, e que em certas condi-
nas alguns segundos, o que veríamos? mergulhou, a 3000 metros, no Banco de Goringe, ções pode produzir a explosão do
subiu a Mata Bia (Timor Leste) no decurso de es-
Veríamos uma dança dos conti- tudos de Tectonofísica dos Continentes e aparelho vulcânico; os sismos de co-
nentes, umas vezes afastando-se para Oceanos. Foi membro do Comité Director da lapso ou implosão são devidos, próximo
os “cantos” da Terra e outras vezes União Europeia de Geociências (1983-9), é mem- da superfície, ao colapso de cavernas
bro correspondente da Academia das Ciências de
correndo a juntar-se num “supercon- Lisboa (desde 1989) e é membro da Academia e, por vezes, devidos a escorrega-
tinente” único. Veríamos oceanos a Europæa (desde 1991). mentos de terrenos; em profundidade

34
de um suporte rígido, através de uma mola elástica en-
Tabela 1 rolada a velocidade constante em torno de um cilindro.
Um dos blocos tem a base rugosa e só se move, repen-
Classificação dos sismos consoante o mecanismo de tinamente, quando a força exercida na mola ultrapassa
geração e origem natural ou artificial
o atrito na superfície de contacto entre o bloco e o seu
Mecanismo de Tipo de Sismo substrato. Este fenómeno chama-se deslizamento às sa-
Geração Naturais Artificiais cadas (“stick-slip”). O outro bloco tem uma base lisa e
lubrificada e move-se com a mesma velocidade que a
Rotura em Tectónicos Induzidos
falha activa (enchimento mola puxada pelo cilindro. Este fenómeno chama-se des-
de barragens; lizamento estável (“stable sliding”); esta experiência
exploração de
hidrocarbonetos,...) mostra-nos que a natureza da superfície de contacto é o
factor que controla a natureza dos movimentos, inde-
Explosão Vulcânicos - Explosões em pendentemente da composição dos materiais em contacto;
minas, pedreiras
e nucleares mostra-nos também o importante papel dos fluidos na
lubrificação das superfícies.
Colapso -Desabamento de
ou caverna
Implosão -Escorregamento Desabamento
de terreno em
minas
-Mudança de fase
e colapso em fenda
profunda

(entre 300 e 680 km) geram-se por transformação brus-


ca de uma fase mineral noutra fase, mais densa, que
colapsa ao longo de uma fenda profunda. (Green II,
1994).
Os sismos artificiais resultam da actividade humana,
sobrepondo-se ou não a um processo natural. Assim ,
roturas em falhas activas podem ser induzidas pela ac-
tividade humana (enchimento de barragens, exploração
de hidrocarbonetos); explosões artificiais (minas, pe-
dreiras, explosões nucleares); e colapso em minas.
O estudo dos sismos é a Sismologia, ramo da Geofísica
Interna; o estudo dos movimentos da superfície do glo-
bo é a Tectónica, ramo da Geologia. O estudo dos
movimentos recentes é a Neotectónica, quer estes sejam
bruscos, como nos sismos, quer lentos. A Sismotectónica
procura estabelecer a ligação entre os sismos e os mo-
vimentos nas falhas que os produzem; é pois eminentemente
interdisciplinar.
Fig. 1 - Modelo analógico de sismicidade: deslizamento estável e às
Vamos agora concentrar a nossa atenção nos sismos
sacadas. (Adaptado de Cox e Hart).
de origem tectónica, devido à sua importância nas ca-
madas mais superficiais do globo e, consequentemente,
pelo seu impacto - social, económico e cultural - sobre Podemos agora aplicar esta simulação, analógica, à
a sociedade. Sendo o autor geólogo pede antecipada- geração dos sismos tectónicos naturais nas falhas acti-
mente desculpa por acentuar, na sua abordagem, a vas.
conexão falha activa-sismo em detrimento de um pon- Como dissemos na introdução, os movimentos das
to de vista puramente sismológico. placas tectónicas à superfície da Terra são devidos à con-
vecção em camadas mais profundas; estas comportam-se
Falhas activas e sismos:ressalto elástico; como fluidos muito viscosos, porque estão submetidas
caracterização dos sismos a temperaturas e pressões elevadas - astenosfera (a par-
tir de profundidades de cerca de 75 km sob os oceanos
Podemos simular um sismo tectónico através de uma e 150 km sob os continentes).
experiência física muito simples (Fig. 1). Suponhamos Acima da astenosfera, a litosfera é demasiado rígida
que puxamos dois blocos de material, colocados acima e fria para se deformar como um fluido em movimento

35
e o efeito das tensões tectónicas traduz-se na geração de de Reid. Esta foi confirmada em dezenas de outros ca-
falhas activas, em que os blocos separados pela falha ou sos, sempre que um sismo tectónico foi acompanhado
lábios tendem a deslizar a uma velocidade, aproxima- por rotura superficial. E ainda antes de Reid, já Guilbert
damente constante, em primeira aproximação. Na parte (1884) tinha estabelecido a ligação entre sismos e falha-
superior da litosfera, com cerca de 15 a 20 km, o falha- mento. Note-se, desde já, que a mesma falha activa pode
mento ocorre sobretudo durante os sismos na esquizosfera conter segmentos que deslizam às sacadas e outros, as-
(que significa sujeita a cisão); abaixo, na plastosfera, o sismicos, onde o deslizamento é estável ou ocorre em
movimento é essencialmente assísmico. períodos curtos, de minutos a dias, de reptação (“creep”).
No domínio mais próximo da falha activa, o atrito Existem assim “sismos lentos”, não registáveis em sis-
entre os dois lábios impede o movimento, se a superfí- mogramas, entre os extremos de um espectro que abrange
cie da falha for suficientemente rugosa. Em determinado desde os sismos em sentido restrito e o deslizamento es-
momento a tensão tectónica ultrapassa o atrito e dá-se tacionário.
um movimento brusco na falha - gera-se um sismo tec- O movimento dos lábios das falhas durante o pe-
tónico. Os lábios ressaltam para a posição alinhada com ríodo entre sismos é extremamente lento; varia entre
os dois segmentos de recta, agora deslocada pela falha alguns centímetros por ano até 0,0001 centímetros por
activa (Fig. 2). A energia elástica acumulada nos lábios ano, fazendo transição com as falhas inactivas e chama-
da falha é libertada, em parte como calor e em parte co- se taxa de deslizamento (slip-rate); pode ser medido por
mo ondas elásticas. Estas constituem o sismo. técnicas geodésicas extremamente precisas, tais como a
geodesia de satélite.
Durante o sismo a rotura propaga-se a velocidade
da ordem de cerca de 2 km por segundo até que as ir-
regularidades do plano de falha tenham atrito suficiente
para a obrigar a parar. Quanto maior for o sismo maior
é a área de rotura na falha. Para um sismo que liberta
pouca energia, isto é, de baixa magnitude a rotura nas-
ce numa área que se reduz quase a um ponto, o hipocentro
ou foco do sismo (Fig. 3). A profundidade do foco dos
sismos é variável; nos sismos superficiais é inferior a 70
km; nos intermédios situa-se entre 70 e 300 km; nos pro-
fundos situa-se entre 300 e 680 km. Os mecanismos de
geração são diferentes consoante a profundidade, como
vimos atrás.

Fig. 2 - Ressalto elástico na geração de sismos. (Adaptado de Madariaga).

Esta é a teoria do ressalto elástico (“elastic rebound”)


na geração de sismos. Foi avançada por um sismólogo,
Reid (1910), na sequência do grande sismo de S. Francisco
em 1906. Diversas referências, tais como estradas, linhas
de caminho de ferro, aquedutos, foram deslocados na
horizontal de 6,5 metros, junto a S. Francisco, durante o
Fig. 3 - Rotura sísmica em falha activa; hipocentro; epicentro. (Adaptado
sismo, fornecendo a base de observação para a teoria de Bolt).

36
Na vertical do hipocentro do sismo o movimento vi- ficável. O advento dos sismógrafos, no início do século,
bratório do solo é máximo, designando-se por epicentro. permitiu quantificar a energia sísmica através da escala
As ondas sísmicas ao irradiarem da fonte, no hipocen- de Magnitudes de Richter ou magnitude local (ML): é o
tro, sofrem atenuação, pelo que a severidade das vibrações logaritmo na base 10 da amplitude máxima, em micra,
do solo depende do conteúdo em energia do sismo mas das ondas sísmicas registadas num sismógrafo padrão, a
também da distância ao foco. uma distância de 100 km do epicentro do sismo. Esta é
Durante um sismo geram-se ondas elásticas que se a escala de magnitudes mais usada.
propagam no interior das massas rochosas ou ondas vo- A razão de ser desta escala logarítmica é a enorme
lumétricas (“body waves”) e outras que se propagam variabilidade da energia libertada num sismo, que pode
apenas à superfície ou ondas superficiais (“surface waves”). variar entre +9 (109) ou seja 1 seguido de 9 zeros, até
As ondas volumétricas são de dois tipos (Fig. 4): -2 (10-2=1/100) ou seja 1 centésimo, no limite da sensi-
- ondas primárias ou P, as mais rápidas, que corres- bilidade dos sismógrafos mais sensíveis.
pondem a movimento vibratório das partículas rochosas A energia sísmica libertada por um sismo de deter-
minada magnitude é cerca de 30 vezes a de um sismo
na direcção de propagação, comprimindo ou dilatando,
de uma unidade de magnitude abaixo (por exemplo, um
alternadamente, as rochas;
sismo de magnitude 7 liberta cerca de 30 vezes a ener-
gia libertada por um sismo de magnitude 6; um de
magnitude 8 cerca de 302=30x30=900 vezes a de um de
magnitude 6; um de magnitude 9, o máximo permitido
pela resistência das rochas na litosfera, cerca de 303=27.000
a de um de magnitude 6).
Para termos uma ideia da energia libertada durante
os sismos podemos compará-la com outros quantifica-
dores energéticos, no sistema métrico em que a unidade
é o erg. Os Estados Unidos da América são o maior con-
sumidor de energia por ano, com 1026 ergs; o fluxo de
calor interno para a atmosfera, por ano é de 1028 ergs; a
libertação anual de energia nos sismos é de 1025 a 1026
ergs; a bomba atómica de Bikini, detonada em 1946, li-
bertou 1019 ergs; o sismo de 1755 em Lisboa libertou
talvez 1028 ergs, o equivalente a cerca de 5 milhões de
bombas atómicas de 1021 ergs.
Fig. 4 - Ondas volumétricas P e S. (Adaptado de Uyeda e Bolt). Convém esclarecer, para terminar esta secção, a di-
ferença conceptual entre magnitude e intensidade, que
são confundidas muitas vezes pelos leigos, por deficiente
-ondas secundárias ou S, oscilando perpendicular-
poder de comunicação entre estes e os especialistas.
mente à direcção de propagação, cisalhando pois a rocha
Para tal vamos utilizar uma analogia. Uma lâmpada
alternadamente para um lado e para o outro.
de determinada potência (energia por unidade de tem-
A localização do epicentro de um sismo pode pro-
po) pode produzir num local a determinada distância da
ceder-se graças à diferença de velocidades entre as ondas
lâmpada uma intensidade luminosa inferior à da causa-
P, 5km/s, e as ondas S, 3km/s, em crosta continental.
da noutro local por uma lâmpada de menos potência
Para tal há que ter registo do mesmo sismo em 3 esta-
mas a menor distância. O equivalente da potência da
ções sismográficas diferentes.
lâmpada é a magnitude e o da intensidade luminosa é
Localizado um sismo, no tempo e espaço, há que
o da intensidade sísmica.
descrever também a sua severidade.
Finalmente, explicada a génese dos sismos tectóni-
A intensidade sísmica é uma medida qualitativa da
cos, os mais frequentes, por rotura nas falhas activas, há
severidade das vibrações através dos seus efeitos no am-
biente natural e nas estruturas construídas pelo homem. que explicar a génese destas falhas activas. Para tal há
De entre as muitas escalas saliente-se a mais usada, de que entender que a tectónica de Placas é um sistema di-
Mercalli modificada (IMM), com 12 graus e expressa em nâmico (Dias de Deus, 1993), em perpétua reorganização.
numeração romana. Esta escala permite traçar linhas de Fechado um oceano, por colisão dos continentes que o
igual intensidade ou isosistas mesmo na ausência de ins- bordejam, reinicia-se a abertura de outro, propagando-
trumentos, pelo que é muito útil no estudo da sismicidade se no interior de um continente um “rift” que se alargará
histórica. Mas tem inconvenientes porque não é quanti- para constituir um novo oceano. As antigas falhas trans-

37
formantes deixam de estar orientadas favoravelmente pa-
ra concentrar o movimento e geram-se novas falhas, com
novas orientações, a partir de zonas de fraqueza ante-
riores. Estas coalescem até formar uma falha contínua,
que passa a concentrar o movimento das placas.

Tipos de falhas e mecanismo focal de sismos

O termo falha tem origem na linguagem dos minei-


ros; o conhecimento empírico mostrou-lhes que a camada
útil (por exemplo carvão) ou o filão produtivo (de mi-
nerais metálicos) podiam ser interrompidos, isto é,
falhavam nos trabalhos mineiros subterrâneos; tornava-
se, pois, necessário encontrá-los, deslocados, no outro
lábio da falha. Os mineiros e, mais tarde, os geólogos
desenvolveram critérios, primeiro empíricos - por vezes
falsos! - e, depois, científicos - falsificáveis... diria Popper!
- para buscar, no outro lábio da falha a substância útil
que era objecto de exploração mineira (Fig. 5).
O tipo de falhas produzidas depende do campo de
tensões aplicado que lhes deu origem (Fig. 6).
As falhas são discontinuidades ao longo das quais
se dá um movimento relativo dos blocos ou lábios que
separam. Um fica situado acima da falha, lábio superior,
e outro abaixo, lábio inferior. O rejeito é a distância en-
Foto 1 - Falha activa de desligamento de S. Andreas na Planície do
tre dois pontos originalmente vizinhos e hoje deslocados
Carrizo (Sul da Califórnia).
pela falha.
Na falha normal o rejeito faz-se segundo a linha de Na falha inversa, o rejeito faz-se segundo a inclina-
maior declive ou inclinação da falha com o lábio supe- ção, mas o lábio superior é levantado em relação ao
rior abatido relativamente ao inferior. Isto traduz um inferior. Isto traduz um encurtamento subhorizontal da
alongamento subhorizontal da crosta segundo a incli- crosta segundo a inclinação da falha, ou seja, compres-
nação da falha, ou seja, extensão da crosta, com compressão são da crosta, com extensão subvertical.
máxima subvertical.

Fig. 6 - Tipo de Falhas e respectivos mecanismos focais. (Adaptado


Fig. 5 - Geometria das Falhas. (Adaptado de Park). de Madariaga).

38
As falhas inversas são geralmente menos inclinadas e por vezes não atingem a superfície, designando-se por
(30-0°) que as normais (cerca de 60°); se subhorizontais carreamentos cegos (“blind thrust”) . Acima de um car-
e com movimentos que , por vezes , atingem dezenas reamento cego activo deve gerar-se, por compatibilidade
de kilómetros chamam-se carreamentos. A sua geome- da deformação um dobra activa do tipo anticlinal - isto
tria pode ser complexa alternando rampas e chãs ("flat") é, arqueamento com face convexa para cima (Fig. 7). Na
falha de desligamento, subvertical, o rejeito faz-se se-
gundo a direcção horizontal da falha . Isto traduz um
alongamento numa direcção horizontal, encurtamento
na outra direcção horizontal, perpendicular, sem qual-
quer variação (encurtamento ou alongamento) na vertical.
Se um observador vê o lábio oposto rodar para a direi-
ta, o desligamento é direito; se para a esquerda é esquerdo.
As componentes, de movimentação segundo a di-
recção e inclinação da falha, combinam-se nas falhas
com deslizamento oblíquo.
Muitas vezes a direcção de movimentos na falha es-
tá materializada por estrias de fricção entre dois lábios.
As falhas podem existir a todas as escalas, desde a es-
cala do cristal até à escala do globo no seu conjunto;
assim a Tectónica de Placas (Fig. 8) mostra-nos que o
globo é divisível num pequeno número, 12, de blocos
com grandes dimensões horizontais quando compara-
dos com a sua espessura ou placas , quase rígidos (em
primeira aproximação...), que se deslocam entre si se-
gundo faixas estreitas onde se concentra o movimento
e, portanto, a sismicidade. Estas fronteiras de placas são
Fig. 7 - Anticlinal activo sobre carreamento cego activo. (Adaptado de
Suppe). pois zonas de falha à escala do globo e os tipos de mo-
vimento que ocorrem são exactamente do mesmo tipo

Fig. 8 - Sistema dinâmico de Placas (NUVEL - 1) e sismicidade. (Adaptado de Bolt e de De Mets e outros).

39
Fig. 9 - Falha transformante e de desligamento.

dos que podem ocorrer nas falhas a uma escala menor. tes se podem tornar menos esperados pelos governos,
Nas fronteiras divergentes, situadas acima dos ramos populações, e ... especialistas.
ascendentes das correntes de convecção, nas cristas mé-
dio-oceânicas ou rifts intracontinentais, dá-se o afastamento
entre 2 ou 3 placas, como nas falhas normais.
Nas fronteiras convergentes ou zonas de subducção,
geralmente do oceano sob o continente, dá-se a apro-
ximação entre as placas envolvidas até se atingir mesmo
o choque entre continentes por desaparecimento do
oceano intermédio; são pois falhas inversas acima dos
ramos descendentes das correntes de convecção.
Nas fronteiras transformantes as placas deslizam la-
teralmente na horizontal. Chamam-se transformantes
porque transformam um tipo de movimento em inclina-
ção, divergente ou convergente, em movimentos em
direcção. Podem considerar-se um tipo especial de des-
ligamentos mas em sistema aberto porque nas fronteiras
divergentes há criação de litosfera e nas fronteiras con-
vergentes há destruição de litosfera; nos desligamentos
que não são fronteira de placas não há criação nem des-
truição de litosfera, ou seja, o sistema é conservativo.
(Fig.9).
Verifica-se que a sismicidade à escala global se con-
centra justamente nas fronteiras de placa; a frequência
e magnitude dos sismos interplacas constitui mais de
95% da actividade a esta escala. No entanto, há também
sismos no interior das placas, sismos intraplacas, mais
raros e de magnitudes mais baixas. Isto demonstra que
as placas não são perfeitamente rígidas, como o para-
digma da Tectónica de Placas na sua versão ortodoxa
quer fazer crer; os sismos intraplacas são mais frequen-
tes em domínio continental que oceânico; constituem
um risco significativo porque podem ocorrer em zonas
densamente povoadas e porque sendo menos frequen- Fig. 10 - Mecanismo focal de sismos. (Adaptado de Madariaga).

40
Foto 2 - Falha activa de desligamento de S.Andreas na Planície do Foto 3 - Falha activa de desligamento de Owens Valley (escarpa oci-
Carrizo (Sul da Califórnia). Note-se o desvio das linhas de água, que dental de Sierra Nevada, Califórnia); gerou um sismo, magnitude de
termina contra a falha, à esquerda. Richter de cerca de 8 em 1872, cuja rotura é visível na foto e tem um
comprimento de 110 Km. Os leques aluviais, muito recentes, que se
Referidos os tipos de falhas activas põe-se o pro- estendem da montanha são cortados pela rotura.
blema de saber se existe alguma relação entre o tipo de
das P - iP - pode ser resolvida lançando mão de outra
falha e o tipo de movimento sísmico que pode gerar. O
informação que permita distinguir o plano de falha do
leitor já deve ter desconfiado que a resposta é positiva
chamado plano nodal, perpendicular ao plano de falha
e de facto não se enganou. Mas só cerca de 1920 se des-
e interceptando-o ortogonalmente à direcção de movi-
cobriu o modo de determinar o mecanismo focal dos
mento da falha activa durante o sismo. Assim pode
sismos a partir dos sismogramas.
recorrer-se à observação directa de rotura superficial,
Imaginemos que num certo ponto da litosfera se deu
que coincide com o plano de falha activa; a observação
um sismo de tipo explosivo , natural ou artificial. Em re-
do alongamento das isosistas, geralmente coincidentes
dor do foco há um movimento radial dirigido para fora;
com a direcção da falha activa para sismos de magnitu-
o primeiro movimento registado num sismógrafo à su-
de moderada a elevada; ou à utilização do impulso das
perfície será o de uma elevação do terreno qualquer que
ondas S, mais difícil de caracterizar que o das ondas P,
seja a posição do local onde se situa o sismógrafo em
porque estas são as primeiras a ser registadas no sismo-
relação ao foco. (Fig. 10).
grama. Note-se que há casos, raros, em que 2 falhas
Inversamente se o sismo for de colapso o primeiro
conjugadas podem ser activadas em sismos muito pró-
movimento será o de uma descida do solo.
ximos no tempo (compostos) ou em que o mecanismo
Imaginemos agora que se trata de um sismo tectó-
pode mudar entre o início e fim da rotura no mesmo sis-
nico gerado sobre um desligamento activo orientado E-W
mo (sismos complexos, com sub-eventos).
e com movimento direito. Nos quadrantes NE e SW o
Assim é possível determinar o mecanismo focal de
primeiro impulso é elevado do terreno, por compressão,
um sismo desde que se disponha de sismogramas num
e nos quadrantes NW e SE é abaixamento do terreno,
número suficiente de estações e que se tenha em conta
por dilatação.
De facto, pelo princípio da acção e reacção, o bi-
nário que produz o movimento na falha tem que ser
equilibrado por um binário oposto de reacção do mate-
rial o que equivale a compressão máxima a 45° da falha,
segundo a direcção NW-SE e tracção segundo a direc-
ção NE-SW, perpendicular à anterior. Por isso se designa
este processo mecanismo de binário duplo. O mecanis-
mo focal é pois diferente no caso de explosão e de sismo
tectónico, propriedade que foi utilizada pelos sismólo-
gos para detectar explosões nucleares subterrâneas.
Note-se que um desligamento esquerdo N-S produ-
zirá a mesma distribuição de quadrantes alternados em
compressão e dilatação. A ambiguidade do mecanismo
focal dado pela distribuição do primeiro movimento das Foto 4 - Falhas activas normais no bordo oeste do Planalto do Colorado,
primeiras ondas a chegar, as ondas P, ou impulso de on- que cortam escoadas basálticas do Quaternário.

41
Fig. 11 - Mecanismos focais de sismos nos diferentes tipos de fron- Foto 5 - Rotura da falha activa, predominantemente inversa, de El
teira de placas. (Adaptado de Isacks e outros). Asnam (Argélia), na aldeia de Oued Fodda. A rotura foi gerada du-
rante o sismo de 1980/10/10, magnitude 7,2, e que produziu 3.500
o trajecto dos raios sísmicos. Trabalha-se com uma pro- vítimas; tem um comprimento de 30 Km. À frente da aldeia vê-se a
jecção estereográfica que representa a região mais próxima bossa frontal de cavalgamento e atrás falhas secundárias, normais.
do foco ou esfera focal. canismo motor das placas; e há problemas que têm re-
O estudo do mecanismo focal dos sismos é extre- sistido a todos os ataques, como o da previsão sísmica.
mamente importante, porque é um dos meios principais
no reconhecimento do campo de tensões que actua, no Identificação e Caracterização das
presente momento, na litosfera. Em 1968 Isacks , Oliver falhas activas
e Sykes, aplicando o método de determinação dos me-
canismos focais dos sismos interplacas, demonstraram Uma definição conceptual de falha activa é imedia-
que nas fronteiras divergentes os mecanismos eram do ta: uma falha considera-se activa se desviar qualquer
tipo falha normal; nas convergentes do tipo falha inver- linha de referência traçada entre dois pontos situados
sa; e nas transformantes do tipo desligamento com sentido em lábios opostos da falha.
previsto pela posição em relação às fronteiras conver- Mas como o desvio dessa referência pode ser, para
gentes e divergentes (Fig. 11). A sismologia dava assim as falhas menos activas, de fracções de milímetros por
uma contribuição fundamental na confirmação da teo- ano, logo difícil de evidenciar, mesmo com a precisão
ria da Tectónica de Placas e no estabelecimento da actual das técnicas mais sofisticadas de geodesia de sa-
Cinemática de Placas - isto é a caracterização dos movi- télite, terá que buscar-se uma definição operacional,
mentos de rotação, os únicos possíveis numa Terra esférica. menos precisa mas mais eficaz que a conceptual.
A revolução em Ciências da Terra entrava na sua fase Assim:
institucional, generalizando os resultados da Teoria do
alastramento dos fundos oceânicos (“sea floor spreading”), falha activa
iniciado por Hess (1962); confirmava-se, assim, a intui- é uma falha que deslizou durante o regime sismo-
ção genial de Wegener (1912) com a sua teoria da deriva tectónico actual e é, portanto, provável que venha a
continental, tão combatida pela maioria do “establishment”, sofrer deslocamento renovado no futuro.
mas persistentemente defendida por alguns autores, co-
mo Holmes (1931). Falha inactiva
Não se pense no entanto que “o fim está à vista” em é uma falha que se movimentou durante um perío-
Ciências da Terra. Certos autores, como o destas li- do orogénico anterior, mas não é activa no regime tectónico
nhas,duvidam da aplicabilidade do postulado da rigidez presente e, consequentemente, não rejeita depósitos se-
das placas; assim há uma contradição essencial entre o dimentares ou superficiais de erosão do Cenozóico tardio
efeito de temperatura, que produz uma litosfera rígida e (cerca de 5 milhões de anos) e não é sismicamente ac-
imóvel e a intensa actividade dinâmica à superfície do tiva.
globo, evidenciada pela tectónica de Placas; têm-se fei- O leitor deduzirá que uma falha muito activa é mais
to tremendos avanços no conhecimento da convecção fácil de identificar que uma falha pouco activa; e que de
no manto e no núcleo, mas subsistem problemas no me- facto a fronteira entre falha muito pouco activa e inacti-

42
Fig. 12 - Critério estratigráfico de datação de movimento nas falhas:
a falha f é posterior ao estrato a e anterior ao estrato b. (Adaptado de
Cabral).

va é forçosamente difusa. A lógica bivalente, ou binária,


(verdadeiro-falso; activo-inactivo) cede gradualmente o
lugar à lógica multivalente ou difusa... ("fuzzy logic").
Isto levanta problemas delicados quando da aplicação
da sismotectónica. Voltaremos a este assunto mais à
frente.
Para a definição de falha activa utilizam-se vários cri-
térios que referimos sucintamente.
Fig. 13 - Expressão geomorfológica dos vários tipos de falhas activas.
(Adaptado de Cluff e outros).
Estratigráficos
A estratigrafia permite a datação dos sedimentos atra- nhadas; deslocamentos de linhas de água e interflúvios;
vés do seu conteúdo em fósseis ou pela aplicação de depressões fechadas por desorganização da drenagem,
métodos radiométricos (decaimento de isótopos), nú- para só citar as evidências geomorfológicas mais ex-
mero de aneis de crescimento nos troncos de árvores pressivas (Fig. 13). O estudo das fotografias aéreas,
(dendocronologia), leitos de deposição cíclica em cer- imagens de satélite e reconhecimentos aéreos com a téc-
tos tipos de sedimentos e outros. No caso dos movimentos nica de luz rasante permitem o estudo de acidentes por
recentes interessa-nos considerar sobretudo o período vezes com expressão muito subtil quando observados à
Quaternário (os últimos 1.600.000 anos da história da escala humana.
Terra) que enquadra assim o âmbito da Neotectónica.
Em muitos casos os terrenos quaternários podem tam- Geodésicos
bém ser datados por métodos arqueológicos. A monitorização por métodos geodésicos clássicos
A idade da movimentação na falha é dada por rela- e por satélite permite mostrar o movimento relativo e
ções geométricas, observadas no campo entre a falha e lento entre estações situadas em lábios opostos da falha
os sedimentos ou estratos. A última rotura numa falha é activa.
posterior aos estratos mais recentes que afecta e ante-
rior aos estratos que assentem, sem deslocamento, sobre Sismológicos
a mesma falha. (Fig. 12). A sismicidade instrumental e histórica deve locali-
zar-se nas falhas activas, mas deve ter-se em conta que
Geomorfológicos e fotogeológicos a geometria destas pode variar com a profundidade e
A rotura superficial durante sismos de magnitude que os sismos de maior magnitude nucleiam na base da
mais alta conduz à formação de escarpas de falha ali- esquizosfera.

43
Geofísicos
As falhas activas são acompanhadas por vezes por
anomalias geofísicas (magnéticas, gravimétricas, etc.).

Identificando uma falha activa o neotectonista deve


caracterizá-la através da estimação da taxa de actividade.
A metodologia que deve ser seguida inclui a identi-
ficação de falhas activas a grande escala; numa segunda
fase seleccionam-se locais de investigação geológica de-
talhada, onde a expressão geomorfológica seja mais nítida
e estejam conservadas formações recentes, em especial,
quaternárias. Abrem-se sanjas com alguns metros de pro-
fundidade onde as relações geométricas entre falhas e
depósitos que possam ser datados é cartografada em de-
talhe (escala de 1:20, por exemplo).
As observações realizadas representam-se num grá-
fico onde se projecta em abcissa o tempo, ou seja, a
idade de referência, e em ordenada o rejeito tectónico.
Ambas as coordenadas estão afectadas por erros de me-
dição que se traduzem por janelas de observação de
Fig. 14 - Estimação da taxa de actividade das falhas. (Adaptado de
Cabral). forma rectangular cuja área deve diminuir à medida que

Fig. 15 - Métodos de estudo paleosismológicos de falhas activas. (Adaptado de Schwartz e Coppersmith).

44
Foto 6 - Rotura da falha activa, predominantemente inversa, del El Foto 7 - Rotura da falha activa, predominantemente inversa, del El
Asnam (Argélia), na aldeia de Oued Fodda; detalhe das falhas secun- Asnam (Argélia), na aldeia de Oued Fodda; detalhe de falha secun-
dárias normais. dária normal. O rejeito vertical é de cerca de 0,5 m.

nos aproximamos da actualidade. Obtém-se, unindo os geodesia, é de 3,4 ± 0.2 cm/ano.


centros da janelas, uma curva que permite avaliar a ta- Na definição operacional de falha activa deve ter-se
xa de actividade na falha, geralmente em cm/ano. (Fig. 14). em conta que a aplicação à estimação do risco sísmico
Os sismos do passado estão marcados nestas sanjas tem de ser de natureza probabilística. Quanto mais sen-
por formações especiais, cunhas coluviais, que corres- sível é a estrutura a construir maior deve ser o intervalo
pondem a taludes de escombros na base de escarpas de tempo que se considera na definição da actividade
formadas durante a rotura superficial que acompanha os da falha, a fim de garantir a não ocorrência de sismos
sismos de maior magnitude. Separando as várias cunhas acima de uma certa magnitude. Assim, para armazena-
coluviais ocorrem depósitos mais finos onde se desen- mento terminal de resíduos radioactivos recua-se até 12
volvem solos antigos nos períodos entre sismos (Fig. 15). milhões de anos; para centrais nucleares 500.000 anos;
É, assim, possível identificar e datar os sismos passados, para barragens, deve considerar-se cerca de 100.000 anos.
donde o nome de Paleosismologia para este ramo da
Sismotectónica. Esta informação será essencial à previ- Relação entre parâmetros sísmicos e tectónicos
são sísmica, como veremos a seguir.
É a acumulação de sismos sucessivos sobre as falhas Se os sismos tectónicos são produzidos por rotura
activas, durante largos períodos de tempo, que produz nas falhas activas é natural buscar uma relação entre pa-
os grandes deslocamentos ao longo destas. Assim, por râmetros sísmicos, registados nos sismogramas, e parâmetros
exemplo, no desligamento activo de S. Andreas (Califórnia) tectónicos, estimados por observação das referidas fa-
deu-se deslocamento horizontal direito de 315 km nos lhas. Para tal há que estudar a rotura superficial causada
últimos 25.5 milhões de anos; 200 km nos últimos 7 mi- durante sismos de magnitude moderada a alta, em que
lhões de anos; e o deslocamento actual medido por toda a esquizosfera é sujeita a rotura.

Foto 8 - Rotura da falha activa, predominantemente inversa, del El Foto 9 - Rotura da falha activa, predominantemente inversa, del El
Asnam (Argélia), na aldeia de Oued Fodda. Traço principal da falha Asnam (Argélia), na aldeia de Oued Fodda; detalhe da foto 8 mos-
inversa com ligeira componente de desligamento, esquerdo, bem vi- trando as estrias de fricção no plano de falha activa, geradas com
sível no deslocamento da conduta de água, à esquerda. componente inversa e de desligamento.

45
Fig. 16 - Classificação de falhas activas segundo taxas de actividade. (Adaptado de Cluff).

Assim, a energia libertada durante um sismo - mag- de pequena magnitude. A heterogeneidade essencial das
nitude - depende sobretudo da área de rotura e, em falhas activas vai, assim, provocar a complexidade do
menor escala, do carácter mais ou menos rugoso da su- fenómeno sismogenético. Estas relações entre parâme-
perfície de rotura: para a mesma área, uma falha mais tros sísmicos e tectónicos são, assim, a base da abordagem
rugosa produz um maior deslocamento porque resiste à determinista ao risco sísmico.
rotura durante mais tempo. Conhecendo a geometria da
falha (inclinação e profundidade), a espessura da es- Previsão sísmica a longo prazo
quizosfera e o comprimento de rotura estabelecem-se
curvas empíricas que relacionam o logaritmo da ener- Na previsão sísmica procura responder-se ás seguintes
gia - magnitude - com o logaritmo da área de rotura e o questões:
logaritmo do deslocamento. Assim, por exemplo, um sis- -Onde podem ocorrer os sismos?
mo de magnitude 9 é devido a rotura em 100.000 a -Com que frequência?
200.000 km2 e deslocamentos de 10-20 m, um sismo de -Com que magnitude?
magnitude 7 é devido a rotura em 200 a 1000 km2 e des- -Quando ocorrerá o próximo sismo?
locamentos de 1 a 5 m. Pode responder-se que os sismos ocorrem nas fa-
Os sismos interplacas correspondem a deslocamen- lhas activas; que tendem, muito grosseiramente a ter uma
tos menores que os sismos intraplacas, porque a sismicidade certa periodicidade (período de retorno); que a magni-
mais frequente nas fronteiras de placas tende a alisar as tude pode prever-se dentro de certos limites, como
superfícies de falha, tornando-as menos rugosas. veremos a seguir; que não estamos próximos de poder
Os períodos de retorno para os sismos de maior mag- responder à quarta pergunta.
nitude podem ser estimados a partir da taxa de actividade
e da relação entre deslocamento e magnitude. Uma fa- Tabela 2
lha activa com taxa de deslizamento rápida tende a Magnitude e frequência anual dos sismos
produzir sismos de magnitude mais elevada (maior des-
Magnitude Numero de sismos
locamento) e período de retorno mais curto que uma
(medida e partir das acima da magnitude
falha activa com taxa de deslizamento mais lenta. (Fig.16).
ondas superficiais) indicada
Os estudos da sismicidade instrumental, histórica e
8 ...2
paleosismológica de muitas falhas mostraram que de-
7 ...20
terminados segmentos das falhas tendem a romper em
6 ...100
grandes sismos sucessivos; estes segmentos são limita-
5 ...3 000
dos por barreiras, onde a rugosidade do plano de falha
4 ...15 000
é tal que a rotura sísmica penetra com dificuldade. Cada
3 ...>100 000
segmento tende a produzir um sismo característico pa-
ra esse segmento. Como há barreiras a várias escalas (Segundo Bolt, 1988).
(geometria fractal) também se podem produzir sismos

46
Os efeitos dos sismos que interessa prever são vi-
bração do solo; rotura superficial; cedência do solo
(deslizamentos de terrenos; liquefacções) e tsunami ou
maremotos.
Existe hoje o consenso em considerar que a previ-
são sísmica pode classificar-se de acordo com o intervalo
de tempo esperado até à ocorrência do sismo em:
curto prazo-algumas semanas antes;
prazo intermédio-algumas semanas a alguns anos
antes;
longo prazo-alguns anos a algumas décadas antes.
A curto prazo, a previsão baseia-se em sismos pre-
cursores, aceleração na taxa de deformação do solo e
Foto 11 - Rotura da falha activa inversa de Spitak (Arménia). O blo-
mudanças rápidas do nível e quimismo das águas sub- co a norte, à direita cavalga de 1,5 a 2 metros o bloco a sul, à esquerda.
terrâneas. O sismo de Haicheng, 1975, com magnitude
7,3 (China) foi previsto, mas infelizmente permanece
carácter fractal, no espaço e no tempo, como expressão
uma excepção. Têm-se feito alguns progressos na pre-
de criticalidade auto-organizada.
visão a prazo intermédio, mas a fiabilidade é maior para
A analogia utilizada por Bak para ilustrar este con-
a previsão a longo prazo.
ceito de criticalidade auto-organizada é muito expressiva:
A questão da previsibilidade dos sismos deve hoje
imaginemos que construimos uma pilha de areia ao dei-
ser vista à luz da descoberta dos fenómenos de caos de-
xarmos escoarem-se, por entre as nossas mãos, grãos a
terminista (Dias de Deus, 1993). Certos autores (Turcotte, ritmo constante. Desde que a pilha atinge um determi-
1992) defendem que o processo sismogenético, como nado ângulo crítico de inclinação, a simples adição de
exemplo de deslizamento às sacadas, pertence a este ti- um grão pode desencadear uma avalanche, de qualquer
po, pelo que é essencialmente imprevisível, porque a tamanho, na pilha já formada. Ora, se consideramos jus-
incerteza cresce exponencialmente com o tempo. Outros tamente a sismicidade de uma área suficientemente vasta
(Bak e Chen, 1991) defendem que o processo de falha- verifica-se a chamada lei de Gutenberg-Richter, em que
mento sísmico é um exemplo de caos fraco, em que a existe proporcionalidade entre o logaritmo da energia li-
incerteza aumenta no tempo de acordo com uma lei de bertada pelo sismo, que é afinal a magnitude, e o logaritmo
potência; a distinção é fundamental porque a previsão da frequência correspondente a essa magnitude. Muitas
a longo prazo é possível em sistemas do tipo caos fra- outras variáveis obedecem a esta distribuição fractal, sen-
co, mas não no caso de caos forte. Veremos que a do a mais evidente para o leigo a distribuição da riqueza
interpretação de caos fraco parece mais próxima da rea- (lei de Pareto): por exemplo em Portugal, os multimi-
lidade do processo de falhamento sísmico; este tem lionários contam-se pelos dedos da mão, os milionários
serão da ordem das centenas, os ricos da ordem dos mi-
lhares, a classe média da ordem das centenas de milhar,
os pobres da ordem do milhão...
Assim, num ano temos, à escala do globo, e em mé-
dia, os valores da Tabela 2.
Num gráfico onde se projecta em abcissa a magni-
tude ou logaritmo da energia e em ordenadas o logaritmo
da frequência obtém-se uma recta com determinado de-
clive, o chamado valor b, e demonstra-se que é o dobro
da dimensão fractal da distribuição. Este exprime a fre-
quência relativa entre os grandes sismos e os pequenos
sismos: varia entre 0,6 e 1,8, para diferentes regiões, con-
soante o regime tectónico, mas em média é próximo de
Foto 10 - Vista de helicóptero da rotura na falha inversa de Spitak 1 - neste caso, b≈1, a frequência aumenta cerca de 10
(Arménia), durante o sismo de 1988/12/07, com magnitude 7,0 que vezes se a magnitude decresce de 1 unidade, como na
provocou 25.000 vítimas. O comprimento da rotura, descontínua, é de
cerca de 20 Km. Existe uma ligeira componente de desligamento di- Tabela 2; quanto mais baixo é o valor b mais frequen-
reito, responsável pela formação de fendas escalonadas, bem visíveis tes são os sismos grandes em relação aos pequenos.
na foto. Utilizando novamente a analogia com a Lei de Pareto

47
Fig. 17 - Estimação do valor b para Portugal e zona oceânica adja- Foto 12 - Rotura da falha activa inversa de Spitak (Arménia). O des-
cente com base na sismicidade instrumental e histórica. (Segundo locamento diminui para o extremo SE da rotura activa.
Martins e Mendes Victor).
cinemática dos carreamentos, alguns cegos, é mais com-
pode dizer-se que as regiões com b baixo são paraleli- plexa e o sismo de Northridge (1994) não foi previsto,
záveis aos regimes capitalistas ultra-liberais, com a riqueza embora já alguns tectonistas tivessem alertado para o ris-
muito concentrada; enquanto as regiões com b elevado co sísmico considerável que estes carreamentos cegos
são comparáveis aos regimes de Estado Providência, com representam. No entanto, se a previsão das magnitudes
a riqueza distribuída de uma forma mais equitativa. (Fig. 17). regista alguns sucessos, a previsão no tempo permane-
Na abordagem probabilística procura estimar-se a ce impossível, porque a variação do estado de tensão
magnitude e período de retorno - para essa magnitude provocada por um sismo sobre determinada falha acti-
- de um futuro sismo através de extrapolações para mag- va pode desencadear um outro sismo sobre outra falha
nitudes mais elevadas da curva - recta em diagrama activa, por vezes distante. Esta interacção entre diferen-
bilogarítmico - registada para magnitudes mais baixas. tes falhas activas provoca um comportamento não periódico,
Mas à medida que a magnitude aumenta verificam-se e difícil de prever.
desvios à lei de Gutenberg-Richter que podem levar a Conhecida a magnitude do sismo máximo credível,
subestimação do risco - com as inevitáveis consequên- o seu período de retorno, e a curva de atenuação para
cias em termos de perdas humanas e materiais. Por outro uma determinada região, pode estimar-se a probabili-
lado, a estatística fractal não permite prever a localiza- dade do movimento do solo ultrapassar determinado
ção no espaço nem no tempo porque há tendência para valor no interior dessa região. Os engenheiros sísmicos
agregação (“clustering”), isto é, ocorrência de eventos podem então projectar as estruturas (habitação, barra-
em “cacho” ou concentrados no tempo e espaço.
gens, pontes, centrais nucleares, etc.) para resistir a esse
Na abordagem determinista procura-se estabelecer
sismo de projecto.
para cada falha activa o sismo máximo credível e o seu
Sismólogos, Tectonistas e Engenheiros sísmicos de-
período de retorno, a partir das características dessa falha.
vem dialogar entre si, enquanto especialistas, para
Assim, quanto maior for o comprimento da falha e
caracterizar o risco sísmico. Enquanto cidadãos, devem
mais elevada a taxa de actividade mais elevada é a mag-
esclarecer totalmente os poderes públicos e a socieda-
nitude do sismo máximo credível. No caso da Falha de
de no seu conjunto sobre os riscos estimados e suas
S. Andreas (Califórnia) as condições para aplicação des-
margens de erro. Uma sociedade enriquecida na sua cul-
ta metodologia são as ideais. A falha está bem exposta;
tura e discernimento por este processo de diálogo
a sismicidade instrumental é acompanhada por uma re-
de sísmica, densa e bem equipada; a paleosismicidade permanente com os especialistas - que a ela também per-
é bem conhecida, graças ao estudo exaustivo de sanjas tencem - poderá fazer opções mais conscientes para si
em alguns locais críticos; e - factor muito importante - mesma e para as gerações vindouras.
os poderes públicos investiram o necessário para pro- O autor destas linhas espera ter conseguido persua-
ceder à monitorização e investigação do sistema de falhas dir os leitores de que os sismos são fenómenos naturais
activas que se estende ao longo da Califórnia. Assim foi e expectáveis num Planeta vivo - na Lua não há sismos
possível prever a magnitude do sismo de Loma Prieta tectónicos... nem vida! -, para os quais devemos estar
(1989) a partir da identificação do segmento da falha que preparados, através de uma ligação mais íntima entre
lhe deu origem. Na área de los Angeles, a geometria e ciência e sociedade.

48
O SISMO DE KOBE

Estava já redigido o texto do presente artigo quan- nitude local 8, e passa apenas a 40 km a S de Kobe
do, no dia 17 de janeiro de 1995 um sismo atingiu a (Fig. 2). O regime sismotectónico desta região é domi-
região de Kobe (Japão), causando mais de 5.100 mor- nado por subducção oblíqua da Placa Filipina sob a Placa
tos, 26.800 feridos e 300.000 Eurasiática que induz nesta, a mais
desalojados e provocando danos de 180 km da fronteira de Placa,
estimados em 200 mil milhões de um regime de falhas activas direi-
dólares. tas (Fig. 3).
O sismo teve magnitude local Sendo a sismotectónica do Japão
(escala de Richter) de 7.2 ou mag- bem conhecida a amplitude deste
nitude de momento de 6.9. O desastre vem ilustrar dramaticamente
hipocentro foi bastante superficial, alguns aspectos que já tinhamos
cerca de 20 km. A falha activa de considerado no presente artigo e
Nojima, que provocou o sismo, era que passamos a citar.
conhecida, e figurava no Mapa A previsão a curto e médio pra-
Neotectónico do Japão. Esta falha zo falhou neste caso, como em
é NE-SW, subvertical, e jogou em muitos outros. Mas a reacção da co-
desligamento direito, isto é com munidade científica japonesa foi
movimento lateral de cerca de imediata: os dados fundamentais
1-1.5 m em 30-50 km, de acordo sobre o sismo, indispensáveis para
com o mecanismo focal do sismo orientar a previsão das réplicas e
e a rotura superficial (Fig. 1). É um as hipóteses de desencadeamento
ramo de Linha Tectónica média (“triggering”) de sismo de magni-
(Median Tectonic Line), uma das Foto 1 - Desligamento afecta via de comunicação.
tude ainda superior noutras falhas
mais importantes do Japão, orien- mais importantes, eram conhecidos
tada ENE-WSW e também com jogo activo em desligamento menos de 12 horas depois do sismo principal.
direito. Esta última falha pode provocar sismos de mag- Na previsão, a longo prazo, das magnitudes expec-

Fig. 1 - Falhas activas na região de Kobe. (Adaptado de Somerville). Fig. 2 - Sistema de Placas no Japão. (Adaptado de Taira e Ogawa).

49
Foto 2 - A linha de costa e construções aí situadas são afectadas pe-
la rotura activa.

táveis na zona de Kobe, estas não foram subestimadas.


Esta previsão deve basear-se no comprimento e taxa de
actividades das falhas e não apenas na sismicidade his-
tórica e instrumental. Desde 1983 que defendemos que
a percentagem de rotura durante um evento sísmico di-
minui à medida que as falhas se propagam, alongando-se
em direcção. Ou por outras palavras: as falhas activas
curtas são proporcionalmente mais perigosas que as fa-
lhas activas longas. Não nos surpreende em nada que
uma falha secundária, com as características da de Nojima,
possa gerar sismos de magnitude 7.2, tal como admiti-
ram os sismotectonistas japoneses que estimaram as Foto 3 - A escadaria, inicialmente rectilínea, é deslocada lateralmen-
magnitudes expectáveis na área de Kobe. Dado a mag- te, em desligamento direito, de cerca de 1 metro.
nitude do sismo e o facto de a rotura atravessar Kobe as da aceleração da gravidade, estão perfeitamente de acor-
elevadas acelerações observadas, e que atingiram 80% do com o que se conhece.
A probabilidade de um sismo como o de Kobe aí
ocorrer poderia ter sido estimada antes do sismo e foi-
-o certamente pelos especialistas japoneses. Uma estimação
grosseira mostra que essa probabilidade estará com-
preendida entre 10-1 e 10-2. Esta probabilidade é baixa
mas não nula. A probabilidade de acontecer na área
de Tóquio um sismo como o de 1923, com magnitude
local de 7.9 e que causou 142.000 vítimas, nos próxi-
mos anos, é largamente superior, e apenas levemente
abaixo de 1.
As estruturas projectadas para os níveis de acelera-
ção observados, tendo em conta os efeitos locais, não
foram danificadas e serão muitas; mas a maioria colap-
sou ou sofreu danos irreparáveis. E aqui as considerações
sociais e económicas impõe-se na decisão final da so-
ciedade de construir para certos níveis, codificados na
Fig. 3 - Subducção oblíqua da Placa Filipina sob a Placa Eurasiática
legislação anti-sísmica.
no Fosso de Nankai induz no interior desta desligamento direito na
Linha Tectónica Média (LTM). Entre o conhecimento puramente científico, a deci-

50
Foto 4 - Desligamento direito de um caminho

são técnica e a decisão política final dá-se um processo


de subavaliação crescente das probabilidades estimadas
com toda a objectividade e margem de erro pela comu-
nidade científica, justamente porque a consideração das
condições económicas a nível técnico e depois das con- Foto 6 - Componente inversa, de cavalgamento, bem expressa na ver-
dições sociais a nível político vão tornando cada vez tente de uma colina.
mais difusas as margens de erro até que o cidadão co-
A única forma de evitar esta situação consiste em
mum é confrontado com as consequências do acontecimento
tornar totalmente transparente todo o processo para a
de probabilidade nula de ocorrência, mas que afi-
sociedade no seu conjunto, como afirmámos no corpo
nal aconteceu.
principal do artigo. Numa primeira fase a comunidade
de sismólogos e tectonistas deve estabelecer níveis de
probabilidade para acontecimentos sísmicos, mesmo que
extremamente baixos. Numa segunda fase a comunida-
de dos engenheiros sísmicos deve estabelecer os níveis
de projecto para as diferentes estruturas de acordo com
a sua função. Assim na construção de barragens o con-
senso estabelecido é garantir que os níveis de probabilidade
devam estar abaixo de 10-3; nas centrais nucleares abai-
xo de 10 -4; no armanezamento terminal de resíduos
radioactivos são desejáveis valores abaixo de 10-5. Deve
haver um processo interactivo de decisão entre a co-
munidade científica (sismólogos, tectonistas) e técnica
(engenheiros sísmicos) mas em que as opções sejam con-
dicionadas pelos dados e não inversamente. Finalmente
os decisores políticos livremente eleitos devem promo-
ver o diálogo entre a comunidade científica e técnica,
por um lado, e a comunidade no seu conjunto, por ou-
tro, para que sejam tomadas as opções mais adequadas
à segurança da nossa geração e das que nos seguirão.
Foto 5 - Levantamento de cerca de 60 cm do bloco a NE acompanha
o desligamento direito. Lisboa, 22 de Fevereiro de 1995

51
AGRADECIMENTOS

O presente artigo deve-se à persistente acção junto do autor dos Professores J.Andrade e Silva, João Caraça e J. Moreira Araújo.
Agradece-se a leitura crítica por partes dos colegas L. Mendes Victor, J. Cabral e L. Matias.
A formação do autor em Simotectónica não teria sido possível sem o apoio do Gabinete de Protecção e Segurança Nucleares, desde 1979, que
permitiu o contacto com alguns dos especialistas, quer a Oeste - Lloyd Cluff (Califórnia) e D. Slemmons (Nevada) - quer a Leste - Vladimir Trifonov
(Moscovo) e do Serviço Nacional de Protecção Civil. Agradece-se esse apoio nas pessoas do Sr. Engenheiro A. Marques de Carvalho e Sr. General
Neves Cardoso.
Mais recentemente a JNICT e Práxis XXI têm apoiado a nossa equipa de investigação e ensino pós-graduado, que tem contado também com
a colaboração de M. Mattauer e J. Cl. Bousquet (Univ. de Montpellier) e S. Phipps (Univ. de Pensilvânia, Filadélfia)
Agradece-se a colaboração de Carmen Diego, Benjamim Dâmaso e Paulo Fonseca na preparação do texto, das Figuras e das Fotos.
Agradece-se às seguintes instituições a reprodução das Figuras: American Geophysical Union (EUA); Associação Portuguesa de Geólogos;
Blackie (R.U.); Blackwell Scientific Publications (EUA); Instituto Geofísico Infante D. Luís (Univ. de Lisboa); Presses du CNRS (França); W. Freeman
and Co (EUA).
Agradece-se ao Prof. Kenichiro Hisada, Univ. de Tsukuba (Japão) a inclusão das Fotos sobre o sismo de Kobe.

REFERÊNCIAS E SUGESTÕES DE LEITURA

A nível elementar ou intermédio A nível mais avançado

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Am. 264(1), pp. 26-33. 2) Ribeiro, A. (1992) - Order and Chaos in the magnitude of earth-
3) Bolt, B. (1993) - Earthquakes, 3ª ed. New York: WH Freeman. quake faulting. Mem. Ac. Ci. Lisboa, t. XXXI (1990-1), pp. 537-49.
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Sobre Sismotectónica de Portugal
Em português
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52
TÓPICO 3
______________________________________________________________________

Vulcanismo e Perigosidade Vulcânica

Pedro Pereira

Licenciatura em Ciências do Ambiente – Riscos Naturais (2º Ano - 2º Semestre)


Ano letivo de 2011/12
Índice

1. Vulcões e Erupções Vulcânicas 1


1.1. Estilos eruptivos 2
1.1.1. Índice de Explosividade Vulcânica 3
1.2. Tipos de vulcões 3
1.3. Origem dos vulcões 5

2. Perigosidade Vulcânica 6
2.1. Escoadas lávicas 7
2.2. Piroclastos de queda 8
2.3. Escoadas piroclásticas 9
2.4. Emissões de gases 10
2.4.1. Dióxido de enxofre (SO2) 11
2.4.1.1. Névoa vulcânica (vog) 12
2.4.1.2. Arrefecimento global e destruição da camada de ozono 12
2.4.2. Sulfureto de hidrogénio (H2S) 12
2.4.3. Dióxido de carbono (CO2) 12
2.4.3.1. Comparação entre as emissões de CO2 resultantes da
atividade vulcânica e humana 13
2.4.3.2. Aquecimento global 13
2.4.4. Ácido clorídrico (HCl) 13
2.4.5. Ácido fluorídrico (HF) 13
2.4.6. Emissões secundárias de gases 14
2.5. Lahares 14
2.6. Deslizamentos 15
2.7. Tsunamis 17
2.8. Inundações 17
2.9. Fome e doenças 17

3. Previsão de Erupções e Vigilância de Vulcões Ativos 18


3.1. O que é um vulcão ativo? 18
3.2. Previsão a longo prazo 19
3.3. Previsão a curto prazo 19
3.3.1. Monitorização sísmica 19
3.3.2. Deformação da superfície 20
3.3.3. Variação na composição e volume dos gases 22
3.3.4. Alterações no campo magnético 23
3.3.5. Alterações no fluxo de calor 23
3.3.6. Monitorização hidrológica 23

4. Bibliografia 25
Vulcões e Erupções Vulcânicas

O processo de saída do magma para o exterior designa-se por erupção vulcânica.


Tem como principal causa o aumento da pressão do magma dentro da câmara ou da
conduta vulcânica. Quando esta pressão supera a correspondente ao peso das rochas
sobrejacentes (pressão litostática) mais a da força necessária para romper as ditas rochas
(resistência à rutura) produz-se uma erupção. Este aumento da pressão do magma pode
ocorrer devido a duas causas principais, que podem atuar de forma isolada ou conjunta:
- A entrada de novo magma na câmara ou na conduta (sendo esta a causa da
maior parte das erupções);
- O aumento progressivo dos voláteis no magma à medida que este vai
arrefecendo [ao ascender para zonas mais superficiais (mais frias) onde a
pressão litostática é menor, estes compostos separam-se do líquido sob a forma
de gás, provocando o aumento de pressão].
A erupção de um vulcão pode ser efusiva, com derrame de lava líquida, ou explosiva,
com projeção de fragmentos de lava líquida, acompanhados ou não por fragmentos de
rocha pré-existente. Uma erupção pode ter emissões predominantemente efusivas,
exclusivamente explosivas, ou (mais comummente) simultaneamente explosivas e
efusivas.
A explosividade de uma erupção vulcânica, para além de outros fatores, está
relacionada com a composição química da lava. Quanto maior o conteúdo em sílica
maior a sua viscosidade (resistência ao fluxo - fig. 1). Nos magmas básicos (basálticos),
menos viscosos e, por isso, mais fluidos, os gases exsolvidos escapam-se com relativa
facilidade do líquido magmático. Contrariamente, nos magmas ácidos (andesíticos,
riolíticos) a sua elevada viscosidade torna difícil o escape dos gases; a expansão das
vesículas de gás provoca a fragmentação da lava em níveis superficiais da conduta e a
sua expulsão de modo explosivo, impulsionada pela pressão dos gases.
O comportamento de um fluxo de lava depende não só da sua viscosidade mas
também da inclinação do terreno sobre o qual se desloca e da taxa de emissão de lava: a
lava basáltica move-se sobre a terra facilmente, mesmo em declives suaves, enquanto
lavas dacíticas e riolíticas tendem a amontoar-se em torno do centro emissor, formando
escoadas curtas e espessas ou em forma de domas (fig. 1).

Figura 1 – Características do fluxo das rochas vulcânicas. Adaptado de USGS (2009).

1
1.1. Estilos eruptivos

As erupções vulcânicas, em particular as explosivas, são fenómenos bastante


dinâmicos, isto é, as características de uma erupção modificam-se continuamente ao
longo do tempo, tornando muito difícil a sua classificação. Contudo, estas podem ser
classificadas segundo os principais tipos de comportamento que apresentam. Convém,
no entanto, não esquecer que um determinado evento pode apresentar manifestações
típicas de diferentes tipos de erupção.
A designação dos tipos de erupções vulcânicas deriva, normalmente, do nome de
vulcões clássicos em que aquele tipo de manifestações ocorre frequentemente. Assim,
existem erupções descritas como apresentando estilo havaiano (típico dos vulcões
Mauna Loa e Kilauea, Havai), estromboliano (do Stromboli, Itália), vulcaniano (do
Vulcano, Itália), peleano (da montanha Pelée, Martinica), ou pliniano (nome derivado
de Plínio o Novo, que descreveu a erupção do Vesúvio que destruiu Pompeia e
Herculano no ano 79 dC):
Havaiano – As erupções deste tipo caracterizam-se por emissões de lava basáltica,
muito fluida, de modo essencialmente efusivo. No centro ou centros emissores, a
atividade é constituída por repuxos de lava que podem atingir centenas de metros de
altura e que alimentam escoadas lávicas. As erupções havaianas são consideradas não
explosivas. A emissão de piroclastos é diminuta, em comparação com o volume de lava
extruído.
Estromboliano – As erupções deste tipo caracterizam-se por explosões discretas e
intermitentes de lava basáltica a andesítica, as quais projetam piroclastos a algumas
dezenas a centenas de metros dos centros emissores. As erupções estrombolianas são
consideradas moderadamente explosivas. Ocasionalmente podem originar pequenas
colunas de cinzas que podem atingir algumas centenas de metros.
Vulcaniano – As erupções deste tipo caracterizam-se por explosões de lava
andesítica ou riolítica, solidificada ou altamente viscosa. As colunas eruptivas atingem,
por vezes, 10 a 20 km de altura. Por esta razão, os produtos piroclásticos são dispersos
por vastas áreas. Frequentemente, o colapso das colunas eruptivas origina escoadas
piroclásticas. As erupções vulcanianas são consideradas muito explosivas.
Peleano – As erupções deste tipo resultam do colapso de um doma de lava andesítica
ou riolítica, com ou sem explosões dirigidas, as quais originam nuvens ardentes As
erupções peleanas são consideradas violentamente explosivas.
Pliniano – As erupções deste tipo resultam da projeção sustentada de lava andesítica
a riolítica em colunas eruptivas que podem atingir 45 km de altura. Estas colunas
eruptivas provocam a dispersão de piroclastos por áreas vastas em torno do centro
emissor. O colapso da coluna eruptiva origina escoadas piroclásticas. As nuvens de
cinza plinianas podem dar a volta à Terra numa questão de dias. As erupções plinianas
são consideradas violentamente explosivas.
Freatomagmático – Este tipo de erupções resulta do contacto entre água e magma.
Quando ocorre este contacto, a água passa muito rapidamente a vapor que é ejetado,
levando consigo fragmentos de rochas pré-existentes e materiais piroclásticos
provenientes do magma. Como o vapor de água se expande muito rapidamente, estas
erupções são violentamente explosivas, embora a deposição de piroclastos em torno do
centro emissor seja inferior ao que ocorre em erupções de tipo pliniano.
Freático – Este tipo de erupções resulta do contacto entre água de um aquífero e um
corpo rochoso sobreaquecido (sem contacto direto com magma), originando uma
explosão de vapor sobreaquecido que fragmenta e projeta rochas pré-existentes.

2
1.1.1. Índice de Explosividade Vulcânica

Uma vez que os estilos eruptivos descritos correspondem a um contínuo de


manifestações vulcânicas, podendo ocorrer atividades que não se encaixam
necessariamente nas características referidas, e porque alguns tipos de erupção ainda
não têm designação consagrada, o modo mais eficiente de classificar uma erupção é
através de dados quantitativos.
Uma das escalas utilizadas para classificar erupções vulcânicas foi desenvolvida por
Newhall & Self (1982) e chama-se Índice de Explosividade Vulcânica ou VEI
(Vulcanic Explosivity Index). Este índice, definido essencialmente por dois parâmetros,
o volume de piroclastos emitidos e a altura da coluna eruptiva, permite classificar as
erupções com base na sua dimensão e explosividade. Quanto mais elevado o VEI de
uma erupção maior a sua explosividade e, consequentemente, a sua perigosidade. A
escala (Tabela 1) começa no índice 0, correspondente a erupção não explosiva, sendo
aberta para os índices mais elevados. Nos tempos históricos, as maiores erupções
observadas atingiram VEI 7.

Tabela 1 – Índice de Explosividade Vulcânica (SIEBERT & SIMKIN, 2002-)


0 1 2 3 4 5 6 7 8
não moderada -
Descrição geral pequena moderada grande muito grande
explosiva grande
Volume de
104 106 107 108 109 1010 1011 1012
piroclastos (m3)
Altura da coluna
< 0,1 0.1 - 1 1-5 3 - 10 10 - 25 > 25
eruptiva (km)*
Descrição
suave, efusiva explosiva cataclísmica, paroxismal, colossal
qualitativa
Estromboliana Pliniana
Tipo de erupção
Havaiana Vulcaniana Ultra-pliniana
N.º de erupções
755 963 3631 924 307 106 46 4 0
registadas
* Para IEV ≤ 2, altura acima da cratera; para IEV > 2, altura acima do nível da água.

1.2. Tipos de vulcões

Vulcões em escudo – Os maiores vulcões do mundo são vulcões em escudo (tab. 2),
os quais estão entre as montanhas mais altas da Terra quando se medem desde a base,
frequentemente localizada no fundo marinho. De perfil, este tipo de vulcões assemelha-
se ao escudo de um guerreiro. São comuns nas ilhas do Havai, Islândia e algumas ilhas
do oceano Índico. Geralmente, os vulcões em escudo têm erupções não explosivas
devido ao relativamente baixo teor de sílica do magma basáltico que lhes dá origem;
quando um destes vulcões entra em erupção, a lava tende mais a fluir pelos flancos do
vulcão do que a explodir violentamente.
Os vulcões em escudo são formados quase totalmente por escoadas de lava, mas
também podem produzir grande quantidade de material piroclástico (material emitido
explosivamente por um vulcão.
Para além de fluir pelos flancos do vulcão, a lava pode deslocar-se para longe da sua
origem de várias maneiras. A lava pode mover-se durante muitos quilómetros sob a
terra em tubos de lava que, com frequência, estão muito próximos da superfície. As
paredes de rocha destes tubos isolam a lava, mantendo-a quente e fluida. Quando
termina a erupção, ficam formados tubos de lava que se podem desenvolver por alguns

3
metros ou quilómetros de extensão, podendo causar problemas quando se pretende
efetuar um qualquer projeto de engenharia.
Estratovulcões (ou vulcões compostos) – Conhecidos pela sua forma de cone
característica, os montes Santa Helena (EUA) e Fuji (Japão) são exemplos de
estratovulcões (tab. 2). O magma deste tipo de vulcões é mais viscoso do que o dos
vulcões em escudo, resultando uma combinação de atividade explosiva e escoadas de
lava. Consequentemente, estes vulcões são compostos por níveis piroclásticos
intercalados com níveis lávicos.
Devido ao seu carácter explosivo, os estratovulcões foram responsáveis pela maior
parte das mortes e a destruição causadas por vulcões na história. Como demonstrou a
erupção do monte Santa Helena (1980), podem produzir gigantescas descargas
horizontais (laterais), análogas na forma ao disparo de um canhão. Estes vulcões devem
considerar-se perigosos.

Tabela 2 – Tipos de vulcões. Adaptado de Keller & Blodgett (2007).

Tipo de Doma
Vulcão em escudo Estratovulcão Cone de cinzas
vulcão vulcânico
Forma Forma cónica Forma de cone com Forma de doma Forma de cone
achatada; declives de declives pronunciados; com declives
4 a 6º; formado por formado por níveis de pronunciados;
muitas escoadas piroclastos intercalados frequentemente
vulcânicas com níveis lávicos encimado por
cratera
Conteúdo de Baixo Intermédio Alto Baixo
sílica do
magma
Viscosidade Baixa Intermédia Alta Baixa
Tipo de rocha Basalto Andesito Riolito Basalto
formada
Tipo de Escoadas de lava e Combinação de Altamente Emissão de
erupção emissão de material escoadas de lava e explosiva material
piroclástico atividade explosiva piroclástico
(principalmente
cinza)
Exemplo Mauna Loa, Hawaii Monte Fuji, Japão Monte Lassen, Springerville,
Califórnia, Arizona, EUA.
EUA

Domas vulcânicos – Caracterizados por magma muito viscoso, os domas vulcânicos


(tab. 2) como Lassen Peak e Mono Craters, na Califórnia, têm erupções altamente
explosivas. A última série de erupções de Lassen Peak (1914 a 1917) incluiu uma
tremenda descarga lateral que afetou uma vasta região.
Cones de cinza – Formados pela acumulação de material piroclástico em torno de
uma chaminé vulcânica, os cones de cinza (tab. 2) são vulcões relativamente pequenos.
Este tipo de vulcões é comum nos flancos dos vulcões maiores, ao longo de falhas
normais e em fissuras.

4
1.3. Origem dos vulcões

As causas da atividade vulcânica estão diretamente relacionadas com a tectónica de


placas. Em concreto, o enquadramento tectónico determina o tipo de vulcões que irão
surgir (fig. 2):
Dorsais oceânicas (1) – O vulcanismo nas dorsais oceânicas resulta de magma
basáltico (básico) proveniente diretamente da astenosfera. Este magma mistura-se muito
pouco com outros materiais excepto com a crosta oceânica basáltica. Assim, as lavas
resultantes são compostas quase exclusivamente de basalto de viscosidade muito baixa.
Quando estas dorsais extensas atingem a superfície do mar, como na Islândia, formam-
se vulcões em escudo.
Pontos quentes sob os oceanos (2) – Os vulcões em escudo formam-se sobre pontos
quentes na litosfera oceânica. Por exemplo, os vulcões havaianos, situados bem no
interior da placa Pacífica, foram construídos a partir do fundo marinho por erupções
submarinas de lava basáltica análogas às das dorsais oceânicas. Este magma tem origem
num ponto quente que aparentemente tem permanecido estacionário desde há milhões
de anos. A placa Pacífica desloca-se aproximadamente para noroeste sobre este ponto
quente. Ao longo do tempo, este movimento originou uma cadeia de ilhas vulcânicas
com direção sudeste-noroeste. A ilha de Havai está atualmente sob influência do ponto
quente, evidenciada pelo vulcanismo e crescimento ativos. As ilhas a noroeste, como
Molokai e Oahu, já se terão deslocado para fora do ponto quente pois os seus vulcões já
não estão ativos.
Zonas de subducção (3) – Os vulcões compostos estão associados a zonas de
subducção e são o tipo de vulcões mais comum em torno da costa do Pacífico. Por
exemplo, os vulcões da cadeia montanhosa de Cascade em Washington, Oregon e
Califórnia, tiveram origem na zona de subducção de Cascadia. Mais de 80% das
erupções vulcânicas da história ocorreram sobre zonas de subducção. As rochas
vulcânicas produzidas nestas zonas são compostas por andesito, um tipo de rocha
originado quando o magma ascendente se mistura com a crosta oceânica e continental.
Como a crosta continental tem teor de sílica mais elevado do que o magma basáltico, o
andesito tem teor de sílica intermédio.
Pontos quentes sob os continentes (4) – As erupções com formação de caldeira
ocorrem neste enquadramento tectónico. Podem ser extraordinariamente explosivas e
violentas e estão associadas a magma riolítico (ácido). O riolito tem elevado teor de
sílica resultante da mistura do magma ascendente com a crosta continental. As caldeiras
são geradas por erupções muito pouco frequentes mas extraordinariamente violentas. Há
centenas de milhares de anos que não ocorre na Terra uma erupção com estas
características, contudo, ocorreram pelo menos dez no último milhão de anos, três das
quais na América do Norte. Uma grande erupção de caldeira pode expulsar, de modo
explosivo, até 1000 km3 de detritos piroclásticos que consistem principalmente em
cinza. Uma quantidade como esta cobriria a ilha de Manhattan até uma altura de cerca
de 1,6 km. Este volume é aproximadamente mil vezes a quantidade de cinza expulsa
pela erupção do monte Santa Helena em 1980! Uma erupção como essa poderia originar
uma caldeira com mais de 10 km de diâmetro. Os depósitos de cinza de tal erupção
poderiam ter 100 m de espessura nas proximidades do bordo da cratera e 1 m de
espessura a 100 km da origem. A erupção com formação de caldeira mais recente na
América do Norte ocorreu há cerca de 600.000 anos no Parque Nacional de
Yellowstone, Wyoming. Esta erupção esteve relacionada com um ponto quente ainda
ativo sob a placa Norte-Americana.

5
Figura 2 – Diagrama esquemático mostrando os processos da tectónica de placas e sua relação com a atividade vulcânica;
os números referem-se às explicações do texto (Keller & Blodget, 2007).

Nota: Magmas com composições intermédias e ácidas (magmas


andesíticos e riolíticos) são também possíveis em enquadramentos
geotectónicos em que seria de esperar vulcanismo basáltico
(básico), em resultado de evolução em câmaras magmáticas, por
cristalização fraccionada a partir de líquidos básicos.

1. Perigosidade Vulcânica

A atividade vulcânica em geral origina diversos perigos (diretos ou indiretos) quer


seja pelos produtos emitidos durante a erupção ou quer seja pelos efeitos secundários
durante e/ou após a erupção. O risco vulcânico resulta da destruição e mortes causados
por escoadas de lava, queda de materiais piroclásticos de granulometria variada,
escoadas piroclásticas, fluxos de lama e detritos (lahares), deslizamentos, emissão de
grandes volumes de gases asfixiantes, tóxicos, ácidos, ou com efeito de estufa,
inundações e tsunamis (tab. 3).

Tabela 3 – Erupções vulcânicas mais mortíferas desde 1500 d.C.

Erupção Ano Mortos Causa principal


Pinatubo, Filipinas 1991 5.000 Lahares
Nevado del Ruiz, Colômbia 1985 25.000 Lahar
Monte Pelée, Martinica 1902 30.000 Escoadas piroclásticas
Cracatoa, Indonésia 1883 36.400 Tsunami
Tambora, Indonésia 1815 92.000 Fome
Unzen, Japão 1792 15.000 Colapso do vulcão, tsunami
Lakagigar (Laki), Islândia 1783 10.000 Fome
Kelut, Indonésia 1586 10.000 Lahar

Abordaremos, seguidamente, de modo resumido, os diferentes tipos de perigos (fig.


3), geradores de riscos quando se façam sentir sobre regiões habitadas ou onde existam
atividades humanas.

6
Figura 3 – Diagrama esquemático mostrando os diversos processos vulcânicos
potencialmente perigosos resultantes de uma erupção. Adaptado de USGS (2009).

2.1. Escoadas lávicas

Escoadas lávicas são rios de rocha fundida com origem em condutas eruptivas. As
escoadas destroem tudo no seu caminho, no entanto, a maioria desloca-se
suficientemente devagar para que as pessoas se possam afastar. A velocidade a que a
lava se move à superfície depende de diversos fatores, incluindo: o tipo de lava e a sua
viscosidade; o declive da superfície sobre a qual se desloca; o modo como a lava se
move (como um manto, num canal confinado ou no interior de um tubo de lava); e o
caudal de lava no centro eruptivo.
As escoadas basálticas, muito fluidas, podem estender-se a dezenas de quilómetros
do centro eruptivo. As frentes dessas escoadas podem deslocar-se a velocidades
próximas dos 10 km/h nas encostas íngremes, mas a taxa de avanço é normalmente
inferior a 1 km/h nas encostas mais suaves. Contudo, quando uma escoada de lava
basáltica se encontra confinada num canal ou tubo de lava numa encosta íngreme, o
corpo principal da escoada pode atingir velocidades superiores a 30 km/h.
As escoadas andesíticas, mais viscosas, deslocam-se a poucos quilómetros por hora,
e raramente se estendem a mais de 8 km do centro eruptivo. As escoadas dacíticas e
rioliticas, ainda mais viscosas, formam frequentemente relevos arredondados de paredes
íngremes – domas. Os domas de lava crescem frequentemente pela extrusão de muitas

7
escoadas individuais, com mais de 30 m de espessura, ao longo de vários meses ou
anos, Estas escoadas deslocam-se normalmente a velocidades de alguns metros por
hora.
Tudo o que se encontre no caminho de uma escoada de lava em movimento será
derrubado, rodeado ou sepultado pela lava, ou incendiado pela sua temperatura elevada.
Quando a lava irrompe sob um glaciar ou corre sobre neve ou gelo, a água de fusão
pode desencadear lahares que podem atingir grandes distâncias. Se a lava entrar num
corpo de água ou se entrar água num tubo de lava, a vaporização violenta da água pode
originar explosões que projetam fragmentos de lava sobre a área em redor. O metano,
um gás produzido pela carbonização da vegetação coberta pela lava, pode ascender,
acumular-se em cavidades e explodir quando aquecido. Escoadas espessas e multo
viscosas, em especial as que originam domas, podem colapsar e originar escoadas
piroclásticas.
As escoadas lávicas raramente constituem uma ameaça direta para a vida humana
dado que se movimentam a velocidades que permitem evacuar atempadamente as
populações em perigo. Poderão ocorrer mortes ou ferimentos se as pessoas se
aproximarem demasiado de uma escoada ativa, ou quando o seu caminho de fuga for
cortado pelas escoadas. As mortes atribuídas a escoadas são frequentemente devidas a
efeitos indiretos, tais como explosões ocorridas quando as escoadas contactam com
água, colapsos de escoadas, asfixia por gases tóxicos, escoadas piroclásticas ou lahares.
Os principais prejuízos diretos decorrentes do desenvolvimento de escoadas lávicas
relacionam-se normalmente com a destruição de casas, infra-estruturas diversas e
propriedades. Raramente as pessoas conseguem utilizar terrenos soterrados por escoadas
de lava ou vendê-los por mais do que uma pequena fracção do seu valor anterior à
erupção.

2.2. Piroclastos de queda

Piroclastos ou tefra são termos gerais para designar fragmentos de rocha preexistente
ou de lava, independentemente da sua dimensão, projetados para o ar por explosões ou
transportados por gases sobreaquecidos no interior de colunas eruptivas ou repuxos de
lava. A dimensão daqueles fragmentos varia entre de menos de 2 mm (cinzas) e mais de
um metro diâmetro (bombas e blocos) (tab. 4). Os piroclastos de maiores dimensões
caem sobre o centro eruptivo ou na sua vizinhança depois de descreverem trajetória
balística, enquanto as partículas menores são levadas pelo vento para longe do centro
eruptivo. As cinzas vulcânicas podem ser transportadas pelo vento a centenas ou
milhares de quilómetros do vulcão.

Tabela 4 – Partículas piroclásticas ou tefra.

Denominação Dimensões
Cinza < 2 mm
Lapilli 2-64 mm
Bombas e blocos > 64 mm

Os piroclastos incluem vasta gama de partículas rochosas (quanto ao seu tamanho,


forma, densidade, e composição química), incluindo pedra-pomes, fragmentos de vidro
vulcânico, cristais de diferentes minerais, e fragmentos de rochas pré-existentes (ígneas,
sedimentares e metamórficas). Uma grande variedade de termos é usada para descrever
as partículas piroclásticas. Estes classificam os fragmentos de acordo com a dimensão, a
forma ou o modo como se formaram e foram transportados.

8
As cinzas cobrem geralmente uma área mais vasta e perturbam a vida de um número
de pessoas superior a outros perigos vulcânicos mais letais. Infelizmente, a dimensão
das partículas e a espessura de cinzas depositadas a sotavento de uma erupção são
difíceis de prever: a dimensão esperada da erupção e a (consequente) quantidade de
cinzas injetada na atmosfera podem variar enormemente e a direção e velocidade dos
ventos dominantes no momento da erupção são de difícil previsão.
A cinza vulcânica é altamente lesiva para a economia porque cobre tudo, infiltra-se
por todas as aberturas e é altamente abrasiva. As cinzas suspensas na atmosfera podem
obscurecer a luz do sol, causando escuridão temporária, e reduzindo a visibilidade a
zero. A cinza vulcânica é escorregadia, especialmente quando molhada; estradas e pistas
de aeroportos podem ficar inutilizáveis. Os motores dos automóveis e aviões podem
falhar devido ao entupimento de filtros de ar, e as peças móveis podem ser danificadas
pela abrasão.
Outros efeitos principais podem ser: o colapso de telhados devido ao peso das cinzas
(em particular quando molhadas pela chuva), a contaminação de terrenos agrícolas,
pastos e águas superficiais, destruição da vegetação, entupimento de sistemas de
drenagem, problemas de saúde pública (vias respiratórias e olhos).
A cinza vulcânica pode ainda provocar a reflexão da radiação solar, e assim
desencadear um abaixamento da temperatura vários anos após uma grande erupção. Em
1815, a erupção do vulcão Tambora (Indonésia), correspondeu à maior erupção de que
há registo histórico; o ano seguinte a esta erupção ficou conhecido como "o ano sem
verão".

2.3. Escoadas piroclásticas

Escoadas ou fluxos piroclásticos são misturas densas e quentes de fragmentos de


rocha e gases que se deslocam a partir do centro eruptivo que as expeliu a altas
velocidades. Podem resultar da erupção explosiva de fragmentos de rocha e/ou lava ou
do colapso de um doma em crescimento ou de uma escoada ácida espessa ao longo de
uma vertente Íngreme. A maioria das escoadas piroclásticas é constituída por duas
partes: um fluxo basal de fragmentos mais grosseiros que se desloca rente ao solo, e
uma nuvem turbulenta de cinzas que se eleva do fluxo basal. A partir desta nuvem as
cinzas podem atingir áreas significativas em tomo do trajeto seguido pela escoada
piroclástica.
As escoadas piroclásticas podem ser de três tipos: ignimbritos ou fluxos de pedra
pomes e cinzas, nuvens ardentes ou fluxos de blocos e cinzas ou escórias e cinzas,
ambos os tipos constituídos por uma mistura densa de materiais clásticos grosseiros e
cinzas deslocando-se por fluxo em massa, e surges, fluxos turbulentos de cinzas mais
diluídos que os anteriores.
Uma escoada piroclástica destruirá praticamente tudo à sua passagem. Contendo
fragmentos rochosos com dimensões entre as cinzas e os blocos, que se deslocam a
velocidades caracteristicamente superiores a 80 km/h, as escoadas piroclásticas
derrubam, estilhaçam, soterram e/ou arrastam praticamente todos os objetos e estruturas
que encontrem no seu caminho. As temperaturas elevadíssimas (geralmente entre os 200
e os 700 ºC) dos fragmentos de rocha e dos gases no interior de uma escoada
piroclástica desencadearão a combustão de qualquer material incendiável que atinja.
Os efeitos principais são, portanto, a destruição por impacto direto, o soterramento
dos locais atravessados pela massa de cinzas e fragmentos rochosos, a fusão de neve e
gelo (originando lahares) e a incineração de florestas, plantações e edifícios.

9
As escoadas piroclásticas podem apresentar dimensões e velocidades muito
variáveis, mas mesmo os fluxos mais pequenos (que não se estendem a mais de 5 km da
origem) podem causar destruição de edifícios, florestas e terras agrícolas. Nas margens
das escoadas piroclásticas, a inalação de gases e cinzas quentes poderá provocar a morte
ou ferimentos graves a pessoas e animais.
As escoadas piroclásticas escoam-se geralmente ao longo de vales ou outras áreas
deprimidas e, dependendo do volume do material transportado, podem originar
depósitos não consolidados com espessuras de 1 a mais de 200 m. Estes depósitos não
consolidados de cinzas e fragmentos de rocha, cobrindo vales e vertentes, podem ser
remobilizados e originar lahares devido a:
1. Represamento de parte do sistema hidrográfico, com consequente formação de um
lago a montante do bloqueio, cujo transbordo e erosão da represa poderá
desencadear um lahar, resultante da mistura de rochas, cinza e água durante o
percurso ao longo da vertente. Exemplo: Pinatubo, Filipinas, 1991;
2. Aumento da escorrência superficial e erosão no decurso das fortes chuvadas que
geralmente se sucedem a uma escoada piroclástica;
3. Acção direta de uma escoada piroclástica, ao derreter, à sua passagem, a neve e o
gelo existente nas encostas do vulcão. Este processo desencadeia uma súbita
torrente de água (e materiais da escoada) que se escoa pelos tributários que
drenam as encostas em causa. Exemplo: Nevado del Ruiz, Colômbia, 1985.

2.4. Emissões de gases

O magma contém gases dissolvidos que são libertados para a atmosfera durante as
erupções. Os gases também são libertados do magma que permanece abaixo de solo
(por exemplo, uma intrusão) ou que está a ascender em direção à superfície. Em tais
casos, os gases podem escapar continuamente para a atmosfera através do solo,
chaminés vulcânicas, fumarolas e sistemas hidrotermais.
A altas pressões, no interior da Terra, os gases vulcânicos estão dissolvidos no
magma. Mas, à medida que este até à superfície, onde a pressão é menor, os gases
contidos no líquido magmático começam a exsolver-se, formando pequenas bolhas. O
volume crescente ocupado pelas bolhas de gás torna o magma menos denso do que a
rocha circundante, permitindo-lhe continuar a sua ascenção. Mais próximo da
superfície, as bolhas aumentam de número e tamanho de tal modo que o volume de gás
pode exceder o volume do material em fusão, criando uma espuma de magma. A rápida
expansão das bolhas de gás desta espuma desencadeia a erupções explosivas em que o
material em fusão é fragmentado em piroclastos. Se a rocha fundida não for
fragmentada por atividade explosiva, então será gerado um fluxo de lava.
Juntamente com os piroclastos e ar aspirado, os gases vulcânicos podem elevar-se a
dezenas de quilómetros na atmosfera durante grandes erupções explosivas. Uma vez na
atmosfera, os ventos dominantes podem soprar a nuvem eruptiva para centenas ou
milhares de quilómetros do vulcão. Os gases espalham-se a partir de um centro eruptivo
principalmente como aerossóis ácidos (gotículas de ácido), compostos ligados às
partículas de piroclastos e partículas de sais microscópicas.
Os gases vulcânicos sofrem enorme aumento de volume quando o magma atinge a
superfície e é expelido. Por exemplo, considere-se 1 m3 de magma riolítico a 900°C
contendo 5% do seu peso em água trazido rapidamente para a superfície. Esse metro
cúbico de magma expande-se para um volume de 670 m3 (correspondente a um cubo
com arestas com 8,75 m de comprimento) sob a forma de mistura de vapor de água e

10
magma à pressão atmosférica. Esta violenta expansão de gases vulcânicos,
principalmente água, é a principal força motriz das erupções explosivas.
O gás mais abundante libertado para a atmosfera pelos sistemas vulcânicos é o vapor
de água (H2O), seguido do dióxido de carbono (CO2) e do dióxido de enxofre (SO2). Os
vulcões libertam ainda pequenas quantidades de outros gases, incluindo sulfureto de
hidrogénio (H2S), hidrogénio (H2), monóxido de carbono (CO), ácido clorídrico (HCl),
ácido flurídrico (HF) e hélio (He) (tab. 5).

Tabela 5 – Exemplos de composições de gases vulcânicos (% de volume)

Vulcão Kilauea Erta Ale Momotombo


Enquadramento tectónico Ponto quente Fronteira divergente Fronteira convergente
Temperatura 1170°C 1130°C 820°C
H 2O 37,1 77,2 97,1
CO2 48,9 11,3 1,44
SO2 11,8 8,34 0,50
H2 0,49 1,39 0,70
CO 1,51 0,44 0,01
H 2S 0,04 0,68 0,23
HCl 0,08 0,42 2,89
HF - - 0,26

Os gases vulcânicos que representam maior perigo potencial para populações,


animais, agricultura e propriedade são o SO2, CO2 e HF. Localmente, o SO2 pode
provocar chuva ácida e poluição atmosférica a sotavento do vulcão. Globalmente,
grandes erupções explosivas que injetem volumes elevados de aerossóis sulfurosos na
estratosfera podem causar abaixamento da temperatura e promover o empobrecimento
da camada de ozono da Terra. O CO2, sendo mais denso que o ar, pode fluir para áreas
deprimidas. A concentração do CO2 nestas áreas pode ser letal para pessoas, animais e
vegetação. Algumas erupções históricas lançaram compostos de flúor suficientes para
deformar ou matar herbívoros que se alimentam de vegetação coberta por cinzas
vulcânicas; os compostos de flúor tendem a concentrar-se em partículas de cinzas finas,
que são ingeridas pelos animais.

2.4.1. Dióxido de enxofre (SO2)

Os efeitos do SO2 nas populações e no ambiente variam consideravelmente,


dependendo (1) da quantidade de gás emitidos para a atmosfera pelo vulcão; (2) de o
gás ser injetado na troposfera ou na estratosfera; e (3) do padrão regional ou global dos
ventos e condições atmosféricas que favoreçam a dispersão do gás. O SO2 é um gás
incolor, de odor intenso, que irrita a pele e mucosas dos olhos, nariz e garganta. Afeta
principalmente vias respiratórias superiores e brônquios. A Organização Mundial de
Saúde recomenda que a exposição a este gás não exceda a concentração de 0,5 ppm
durante 24 horas. Concentrações de 6 a 12 ppm pode causar irritação imediata do nariz e
da garganta. 20 ppm podem causar irritação nos olhos. 10.000 ppm provocarão irritação
na pele húmida em poucos minutos.
As taxas de emissão de SO2 de um vulcão ativo variam entre 20 toneladas por dia e
10 milhões de toneladas por dia, dependendo do estilo de atividade vulcânica e da
composição e volume de magma envolvido. Por exemplo, a grande erupção explosiva
do Monte Pinatubo, em 15 de Junho de 1991, expeliu 3-5 km3 de magma dacítico e
injetou cerca de 17 milhões de toneladas de SO2 na estratosfera. Os aerossóis sulfurosos
provocaram um arrefecimento de 0,5-0,6°C à superfície da Terra no hemisfério norte.

11
Outro efeito foi a aceleração das reações químicas que, juntamente com o cloro
estratosférico resultante dos CFC’s (clorofluorcarbonetos) que destroem a camada de
ozono, levaram aos maais baixos níveis de ozono registados até então.
No vulcão Kilauea, a recente erupção efusiva de aproximadamente 500.000 m3 de
magma basáltico libertou cerca de 2000 toneladas de SO2 na baixa troposfera. A
sotavento do centro emissor, a chuva ácida e a poluição atmosférica são um problema
de saúde persistente quando o vulcão está em erupção.

2.4.1.1. Névoa vulcânica (vog)

As erupções do vulcão Kilauea (Havai) libertam grandes quantidades de SO2 na


atmosfera, poluindo o ar na ilha do Havai. O SO2 reage quimicamente com a luz solar,
oxigénio atmosférico, partículas de poeira e água, originando uma neblina vulcânica
conhecido como vog (volcanic smog).

2.4.1.2. Arrefecimento global e destruição da camada de ozono

Medições efetuadas durante erupções recentes, como a do Monte Santa Helena


(1980), de El Chichon, México (1982) e do Monte Pinatubo, Filipinas (1991), mostram
claramente a importância dos aerossóis sulfurosos na alteração climática, aquecimento
da estratosfera e arrefecimento da troposfera. Investigações científicas recentes mostram
ainda que as gotas de ácido sulfúrico promovem a destruição da camada de ozono.

2.4.2. Sulfureto de hidrogénio (H2S)

O H2S é um gás incolor, inflamável, com forte odor agressivo. Em baixas


concentrações pode irritar os olhos e ter efeito depressivo; em altas concentrações pode
causar irritação das vias respiratórias superiores e, após longa exposição, pode provocar
edema pulmonar. Uma exposição de 30 minutos a 500 ppm resulta em dores de cabeça,
tonturas, excitação, perda de equilíbrio e diarreia, por vezes, seguidas de bronquite ou
broncopneumonia.

2.4.3. Dióxido de carbono (CO2)

Os vulcões libertam mais de 130 milhões de toneladas de CO2 por ano na atmosfera.
Geralmente, este gás incolor e inodoro não representa perigo direto para a vida porque,
normalmente, sofre diluição rápida na atmosfera. Contudo, em certas circunstâncias, o
CO2 pode atingir concentrações letais para pessoas e animais.
O CO2 é mais denso do que o ar, podendo acumular-se em áreas deprimidas ou
ambientes fechados. Em regiões vulcânicas (e não só) onde ocorrem emissões de CO2, é
importante evitar pequenas depressões, áreas baixas e grutas que podem ser armadilhas
de CO2. A fronteira entre ar respirável e gás letal é extremamente nítida: até mesmo a
subida de um degrau de uma escada pode ser suficiente para escapar da morte. Ar com
5% de CO2 provoca um aumento percetível da frequência respiratória; com 6-10%
resulta em falta de ar, dores de cabeça, tonturas, transpiração e inquietação geral; com
10-15% causa descoordenação motora e espasmos musculares; com 20-30% provoca
perda de consciência e convulsões; concentrações superiores a 30% podem causar a
morte.
Em Agosto de 1992, na Furna do Enxofre, na ilha Graciosa, a elevada concentração
(superior a 15%) de CO2 nesta cavidade vulcânica provocou a morte a dois visitantes.

12
Em 1984, uma nuvem de CO2 escapou do fundo do lago Monoun, um lago de cratera,
nos Camarões, e matou 37 pessoas; Em 1986, emissões ainda maiores de CO2 do Lago
Nyos, também nos Camarões, mataram mais de 1700 pessoas e 3000 cabeças de gado
(fig. 4).

Figura 4 – Diagrama esquemático mostrando a libertação de CO2


do fundo do lago Nyos, Camarões (Nelson, 2009).

2.4.3.1. Comparação entre as emissões de CO2 resultantes da atividade


vulcânica e humana

Os vulcões emitem, por ano, cerca de 145 a 255 milhões de toneladas de CO2 para a
atmosfera. Esta estimativa inclui vulcões subaéreos e submarinos, em quantidades
iguais. As emissões de CO2 resultantes das atividades humanas, incluindo queima de
combustíveis fósseis, produção de cimento e queima de gás, atingem cerca de 30 mil
milhões de toneladas por ano, isto é, mais de 130 vezes a quantidade de CO2 emitida
pelos vulcões.

2.4.3.2. Aquecimento global

O CO2 é um gás com efeito de estufa. Durante o Cretácico Médio, há cerca de 90 a


120 Ma, a concentração de CO2 na atmosfera era cerca de 15 vezes superior à atual,
provavelmente devido à ocorrência de gigantescas erupções de magma basáltico no
fundo marinho. Consequentemente, as temperaturas médias eram cerca de 10 a 12oC
superiores às atuais.

2.4.4. Ácido clorídrico (HCl)

Os gases cloretados são emitidos pelos vulcões sob a forma de HCl. A exposição a
este gás irrita as membranas mucosas dos olhos e vias respiratórias. Concentrações
superiores a 35 ppm causam irritação da garganta após curta exposição; concentrações
superiores a 100 ppm resultam em edema pulmonar e frequentemente espasmos da
laringe. Outra consequência é a chuva ácida a sotavento de vulcões porque o HCl é
extremamente solúvel em gotículas de água da condensação atmosférica e é um ácido
muito forte (dissocia-se facilmente, carregando as gotas de chuva de iões H+).

2.4.5. Ácido fluorídrico (HF)

O flúor é um gás amarelo pálido que se liga às partículas de cinza finas, as quais
podem cobrir a vegetação e poluir rios e lagos. A exposição a este poderoso ácido pode
causar conjuntivite, irritação da pele, degeneração óssea e corrosão dos dentes. O

13
excesso de flúor resulta numa importante causa de morte e de lesões no gado durante
erupções com emissão de cinzas. Mesmo em áreas que recebam apenas 1 mm de cinzas,
o envenenamento pode ocorrer quando o teor de flúor em erva seca exceda 250 ppm. Os
animais que comem a vegetação contaminada são envenenados. Pequenas quantidades
de flúor podem ser benéficas, mas o excesso de flúor provoca doenças ósseas que
podem levar à morte de animais. Tal como o HCl, promove chuva ácida a sotavento do
centro emissor.

2.4.6. Emissões secundárias de gases

Outro tipo de liberação de gases ocorre quando fluxos de lava alcançam o oceano. A
temperatura extrema da lava provoca a vaporização da água do mar, originando uma
série de reações químicas e formando grandes plumas brancas de vapor de água salgada
contendo ácido clorídrico (resultante da combinação do cloro do sal marinho com o
hidrogénio). Este vapor é designado por lava haze ou laze.

2.5. Lahares

Lahar é o termo indonésio que descreve uma mistura, quente ou fria, de água e
fragmentos rochosos, fluindo pelas vertentes de um vulcão e/ou vales fluviais. Quando
em movimento, um lahar assemelha-se a uma massa de cimento líquido que carrega
fragmentos de rocha que podem variar desde partículas da dimensão das argilas até
blocos de mais de 10 m de diâmetro. Os lahares apresentam dimensões e velocidades
variáveis: Pequenos lahares, com apenas alguns metros de largura e alguns centímetros
de espessura, podem fluir a velocidades de alguns metros por segundo; Grandes
lahares, com centenas de metros de largura e dezenas de metros de espessura, podem
fluir a várias dezenas de metros por segundo – demasiado rápido para alguém conseguir
fugir à sua frente.
À medida que um lahar se desloca para jusante, a sua dimensão, velocidade e
quantidade de água e detritos rochosos que transporta, variam constantemente. Ao
deslocar-se o lahar inicial vai erodindo e englobando fragmentos rochosos e vegetação
da vertente do vulcão ou e do vale por onde entrar. Ao mesmo tempo pode incorporar
água da fusão de neve ou gelo (se existir), e das linhas de água por onde for canalizado.
Deste modo, os lahares vão aumentando de tamanho ao longo do seu percurso, podendo
atingir dez vezes o volume inicial. À medida que o lahar se afasta do vulcão e entra em
zonas de menor declive, começa a largar a sua carga mais grosseira, diminuindo
progressivamente a sua dimensão e velocidade
O termo lahar inclui fluxos de detritos (debris flow) e fluxos de lama (mudflow). Os
fluxos de detritos distinguem-se dos fluxos de lama por serem mais grosseiros; mais de
metade das suas partículas são maiores do que grãos de areia.
As erupções vulcânicas podem desencadear diretamente um lahar pela fusão rápida
de neve ou gelo existente no topo do vulcão ou pela projeção da água de um lago de
cratera. Mais frequentemente, os lahares formam-se em consequência de intensas
chuvas que ocorrem durante e após uma erupção – a escorrência superficial da água da
chuva pode facilmente erodir os fragmentos vulcânicos soltos do vulcão, e o solo das
vertentes e vales fluviais. Alguns dos maiores lahares iniciam-se como deslizamentos
de rochas, alteradas hidrotermalmente e saturadas de água, no flanco de um vulcão ou
em vertentes adjacentes. Os deslizamentos podem ser desencadeados por erupções,
sismos, precipitação, ou apenas por acção da gravidade.

14
Os lahares ocorrem quase sempre em estratovulcões ou na sua vizinhança porque
estes tendem a apresentar atividade explosiva e os seus cones altos, com declives
pronunciados, apresentam-se cobertos de neve ou possuem lagos de cratera retidos por
barreiras de fragmentos rochosos, fracamente consolidados, facilmente erodíveis, ou
enfraquecidas internamente por atividade hidrotermal. Os lahares são também comuns
nos vulcões em escudo cobertos de neve e gelo da Islândia, onde as erupções de lava
basáltica muito fluida fundem o gelo do glaciar a partir de baixo, libertando
bruscamente volumes gigantescos de água quando as paredes de gelo do glaciar perdem
a capacidade de reter a água de fusão. A estes lahares dá-se a designação islandesa de
jökulhlaups (jökul = glaciar + hlaup = explosão).
Os lahares podem ser desencadeados nos seguintes cenários:
− No decurso de erupções, por fusão de neve ou gelo, ou na sequência de
precipitação forte. Alguns destes lahares poderão ser lahares quentes;
− Após o final de uma erupção, na sequência de precipitação forte, ou pela
libertação súbita da água de um lago;
− Sem que ocorra erupção, na sequência de escorregamentos súbitos.
Os lahares em deslocamento veloz por vales fluviais e espraiando-se em planícies
aluviais dezenas de quilómetros a jusante do local de origem, causam frequentemente
grandes prejuízos económicos e danos ambientais. O impacto direto da frente turbulenta
de um lahar, ou da sua carga de blocos rochosos e troncos, pode facilmente esmagar,
provocar abrasão, ou arrancar pela base praticamente tudo o que esteja no seu caminho.
Mesmo não sendo arrastados ou esmagados pela força de um lahar, edifícios e terrenos
valiosos podem ficar parcial ou totalmente soterrados por uma ou mais camadas de
detritos rochosos com a consistência de cimento. Ao destruir pontes e estradas
estratégicas, os lahares podem também impedir a evacuação das populações de áreas
vulneráveis ou a chegada de socorros.
Após uma erupção vulcânica, a erosão dos novos depósitos vulcânicos, não
consolidados e acumulados nas áreas de cabeceira de rios, pode levar à ocorrência de
inundações severas e a taxas de sedimentação extremamente elevadas nas regiões a
jusante do vulcão. Ao longo de um período de semanas ou anos, os lahares pós-erupção
e as altas taxas de descarga de sedimentos despoletadas por intensa precipitação,
depositam frequentemente grande volume de materiais rochosos que podem soterrar
povoações inteiras e valiosos terrenos agrícolas. Estes depósitos de lahar podem
igualmente criar barreiras no sistema de drenagem da região, acabando por causar a
inundação das áreas a montante dos represamentos. Se o lago assim formado for
suficientemente grande e transbordar ou romper a barreira, uma cheia súbita ou um
lahar poderá causar ainda maior destruição nas regiões a jusante dos represamentos.
Assim, os lahares podem destruir por impacto direto, causar uma sedimentação mais
intensa, bloquear ou provocar desvios na rede hidrográfica, ou soterrar vales, terrenos e
comunidades.
Um exemplo do efeito destruidor e mortífero dos lahares foi o da cidade de Armero,
quase totalmente soterrada por lahares originados pela fusão das neves perpétuas por
uma pequena erupção do vulcão Nevado del Ruiz, na Colômbia. No dia 13 de
Novembro de 1985 morreram 23.000 pessoas.

2.6. Deslizamentos

Os deslizamentos ocorrem geralmente como avalanches de blocos de rocha que se


desintegram, durante o movimento, em fragmentos menores, com dimensões que

15
variam entre partículas muito pequenas até enormes blocos com centenas de metros ou
como grandes movimentos de massa em que o material deslocado quase não sofre
deformação interna. Se a avalanche for suficientemente grande e contiver abundância de
água e partículas finas (tipicamente mais de 3 a 5% de partículas da dimensão das
argilas), pode transformar-se num lahar e fluir pelos vales até mais de 100 km do
vulcão.
Os deslizamentos em vulcões apresentam volumes variáveis, entre menos de 1 km3 e
mais de 100 km3. A alta velocidade (superior a 100 km/h) e a quantidade de movimento
linear dos deslizamentos permite-lhes que subam vertentes e cruzem interflúvios com
centenas de metros de altura. Por exemplo, a avalanche desencadeada pelo colapso do
Monte de Santa Helena em 18 de Maio de 1980, mobilizou um volume de 2,5 km3,
atingiu velocidades de 50-80 m/s (180-288 km/h) e galgou uma crista de 400 m de
altura a 5 km do vulcão.
Os deslizamentos são comuns nos vulcões porque os seus grandes cones se elevam
geralmente centenas a milhares de metros acima da superfície envolvente e porque são
frequentemente enfraquecidos pelo mesmo processo que os gerou – a ascensão e
erupção de lava. Cada vez que dá a ascensão do magma, as rochas encaixantes são
afastadas para criar espaço, gerando zonas de cisalhamento internas ou provocando o
aumento do declive das vertentes do cone. O magma que permanece no interior do cone
liberta gases que são parcialmente dissolvidos na água subterrânea, formando sistemas
hidrotermais ácidos que enfraquecem as rochas por alteração dos seus minerais,
transformando-os em minerais de argila. Para além disso, a enorme massa dos milhares
de níveis de lava e materiais piroclásticos que constituem os cones pode levar à
formação de fraturas, ao longo das quais podem ocorrer assentamentos por acção da
gravidade.
Estas condições permitem que um conjunto de fatores desencadeie escorregamentos
ou colapsos de porções importantes dos cones por acção da gravidade:
− Intrusão de magma no interior do vulcão;
− Erupções explosivas (magmáticas, freatomagmáticas ou freáticas);
− Sismos de magnitude elevada (superior a 5) com foco sob o vulcão ou nas suas
proximidades;
− Precipitação intensa que leve à saturação dos materiais que constituem o
vulcão, especialmente antes ou durante um sismo de magnitude elevada.
Normalmente, um deslizamento destrói tudo à sua passagem, podendo desencadear
um conjunto de outros fenómenos. Ao longo da história, os deslizamentos provocaram
erupções explosivas, soterraram vales fluviais sob dezenas de metros de espessura de
detritos, geraram lahares, originaram tsunamis e criaram grandes depressões em forma
de ferradura.
Um deslizamento, ao remover parte considerável do cone vulcânico, pode provocar a
diminuição súbita da pressão confinante dos sistemas magmáticos e hidrotermais
superficiais e consequentemente pode originar explosões vulcânicas; estas podem variar
desde pequenas explosões freáticas até grandes explosões dirigidas de natureza freática,
freatomagmática ou magmática. Um grande deslizamento soterra frequentemente vales
sob dezenas de metros de espessura de detritos, formando uma paisagem caótica
caracterizada por dezenas de pequenas colinas e depressões fechadas. Se o depósito for
suficientemente espesso, pode bloquear o sistema de drenagem formando lagos nos dias
ou meses subsequentes. Eventualmente, estes lagos podem romper catastroficamente as
barreiras que os suportam, dando origem a lahares e cheias a jusante.
Os deslizamentos são responsáveis pelos maiores e mais mortíferos lahares, quer
seja por transformação direta num lahar ou quer seja por remobilização após a sua

16
deposição. O escorregamento vulcânico histórico mais mortífero ocorreu em 1792 no
Monte Unzen, tendo gerado, ao entrar no Mar Ariaka, um tsunami que matou 15.000
pessoas na margem oposta.
Num vulcão, os deslizamentos podem originar desfiladeiros profundos ou grandes
depressões em forma de ferradura com centenas de metros de profundidade e mais de 1
km de largura.

1.7. Tsunamis

O colapso súbito dos flancos de grandes edifícios vulcânicos resultante ou não de


uma erupção, as erupções explosivas com colapso de caldeira, e a entrada brusca de
escoadas piroclásticas num corpo de água podem originar tsunamis.
Durante a erupção do vulcão Cracatoa (1883), na Indonésia, a entrada no mar de
escoadas piroclásticas e o colapso associado à formação da caldeira geraram diversos
tsunamis. Estes tsunamis provocaram cerca de 36.400 vítimas mortais, algumas das
quais a cerca de 200 km do vulcão.

2.8. Inundações

As linhas de água podem ficar bloqueadas por escoadas piroclásticas e lávicas. Tais
bloqueios podem originar uma albufeira temporária que com o tempo pode ficar
preenchida de água. O eventual colapso do dique natural vai provocar cheias a jusante.
Em regiões de clima frio, os vulcões podem derreter a neve e o gelo glaciar,
provocando a rápida libertação de água nas redes de drenagem e, eventualmente,
levando à ocorrência de cheias a jusante.

2.9. Fome e doenças

Tal como foi acima referido, a queda de material piroclástico pode causar graves
danos nas colheitas e a morte do gado e, consequentemente provocar fome. A
deslocação de populações humanas, a destruição das condutas de saneamento básico e
abastecimento de água, e o corte de outros serviços básicos podem provocar doenças
nos anos seguintes a uma erupção, em particular, se as infraestruturas necessárias não
estiverem preparadas para providenciar o rápido socorro às populações e a recuperação
das regiões afetadas.

17
3. Previsão de Erupções e Vigilância de Vulcões Ativos

3.1. O que é um vulcão ativo?

Surpreendentemente, não existe consenso entre vulcanólogos relativamente à


definição de vulcão ativo. O tempo de vida de um vulcão pode variar de alguns meses a
vários milhões de anos, tornando esta definição pouco significativa quando comparada
com o tempo de vida dos seres humanos ou mesmo das civilizações. Por exemplo,
muitos vulcões da Terra entraram em erupções dúzias de vezes nos últimos milhares de
anos, mas atualmente não apresentam qualquer sinal de atividade: considerando o tempo
de vida de um vulcão, estes são muito ativos; considerando o nosso tempo de vida não o
são. Para complicar ainda mais esta definição existem vulcões que apesar de começarem
a apresentar alguma instabilidade não entram em erupção.
Vulcão ativo – Geralmente, os vulcanólogos consideram que um vulcão é ativo se
está em erupção ou apresenta sinais de instabilidade, tais como, atividade sísmica pouco
usual ou novas e significativas emissões de gases. Muitos vulcanólogos também
consideram que um vulcão é ativo se este teve alguma erupção ao longo do período
histórico. Convém, no entanto, realçar que o período de história registada varia região
para região: No Mediterrâneo, o registo histórico remonta a mais de 3.500 anos,
enquanto na costa noroeste dos Estados Unidos, reporta-se a menos de 300 anos, e no
Havai, a pouco mais de 200 anos.
Atualmente, considera-se que existem na Terra cerca de 600 vulcões ativos, dos
quais, a cada ano, apenas 50 a 60 vulcões entram em erupção.
Vulcão extinto – Vulcão que os vulcanólogos consideram improvável que entre
novamente em erupção. No entanto, frequentemente, é difícil determinar se um vulcão
está realmente extinto. Por exemplo, uma vez que as caldeiras ressurgentes têm tempos
de vida medidos por vezes em milhões de anos, uma caldeira que não teve qualquer
erupção durante dezenas de milhares de anos pode ser considerado adormecido em vez
de extinto. A caldeira Yellowstone, no Parque Nacional de Yellowstone (EUA) tem
pelo menos 2 milhões de anos de idade e não entra em erupção há 70.000 anos, contudo
os vulcanólogos não consideram Yellowstone como extinto. De facto, como a caldeira
apresenta sismos frequentes, um sistema geotérmico muito ativo, e taxas rápidas de
empolamento do terreno, muitos vulcanólogos consideram-no como sendo um vulcão
muito ativo!
Vulcão adormecido – Vulcão que atualmente não está ativo, mas que poderá ficar
instável e entrar em erupção novamente. Como o tempo de vida de um vulcão pode ser
da ordem dos milhões de anos, os vulcões adormecidos podem tornar-se subitamente
ativos. Estes são provavelmente os vulcões mais perigosos, pois as pessoas que habitam
nas vizinhanças de um vulcão adormecido podem não compreender o conceito de tempo
geológico e não existe registo histórico de atividade vulcânica. Estas pessoas são por
vezes difíceis de convencer quando um vulcão adormecido mostra sinais de atividade
renovada.
• O Monte de Santa Helena (EUA) era considerado adormecido, não tendo entrado
em erupção durante 123 anos, antes de reacordar violentamente em 1980;
• O Monte Pinatubo (Filipinas) esteve adormecido durante mais de 400 anos antes da
sua erupção em 1991;
• O Monte Vesúvio (Itália) era considerado extinto antes da devastadora erupção
ocorrida em 79 d.C.

18
3.2. Previsão a longo prazo

O estudo da história geológica de um vulcão é, normalmente, necessário para avaliar


os tipos de perigos colocados pelo vulcão e a frequência com que estes ocorreram no
passado. Com esta informação, os vulcanólogos podem prever quais as áreas em torno
do vulcão que serão sujeitas a determinados perigos na eventualidade de ocorrer uma
erupção e também avaliar a probabilidade de ocorrência de uma erupção vulcânica na
área.
Durante estes estudos, os vulcanólogos analisam sequências de depósitos
estratificados e escoadas de lava. Com base no conhecimento sobre as características
dos depósitos produzidos por vários tipos de erupções, o comportamento passado de um
vulcão pode ser determinado. Usando métodos de datação radiométrica é possível
determinar a idade dos depósitos e a frequência dos eventos passados.
Esta informação é depois combinada com o conhecimento sobre as características
superficiais do vulcão para produzir mapas de perigos vulcânicos que podem ajudar
outros cientistas, autoridades e cidadãos em geral a planear evacuações, salvamentos e
recuperação, no caso de ser prevista outra erupção. Estes mapas de perigosidade
delimitam zonas susceptíveis de serem afetadas pelos perigos referidos no texto
anterior: escoadas de lava, escoadas piroclásticas, quedas de cinza, lahares, cheias, etc.

3.3. Previsão a curto prazo

A previsão a curto prazo de erupções vulcânicas envolve a monitorização do vulcão


para determinar se o magma se está a aproximar da superfície e a monitorização de
eventos precursores que frequentemente sinalizam a iminência de uma erupção (fig. 5).

Figura 5 – Técnicas utilizadas na monitorização da atividade


vulcânica (USGS, 2009).

3.3.1. Monitorização sísmica

Como as ondas sísmicas podem ser geradas quer por sismos quer por explosões e
como as ondas S não se propagam através de líquidos, redes de sismógrafos podem ser
colocadas em torno de um vulcão e pequenas explosões podem ser provocadas de modo
a gerar ondas sísmicas. Se um corpo de magma existir sob o vulcão, então existirá uma
zona onde não chegarão ondas S (uma zona de sombra para as ondas S) que será
detetada (fig. 6). A monitorização do deslocação da zona de sombra pode delinear a
posição e movimento do corpo de magma.

19
Figura 6 – Diagrama idealizado mostrando
o processo de deteção de um corpo de
magma utilizando ondas sísmicas (Nelson,
2009).

A atividade sísmica sob um vulcão aumenta quase sempre antes de uma erupção pois
o magma e os gases vulcânicos têm de forçar o seu caminho ascendente através de
fissuras e outros espaços subterrâneos. Quando o magma e os gases ou fluidos
vulcânicos se movem provocam a fraturação das rochas e a vibração de fissuras.
Quando a rocha se fratura geram-se sismos de alta-frequência, enquanto quando a
fraturas vibram são gerados sismos de baixa-frequência e vibração contínua
denominados tremores vulcânicos (fig. 7).

Figura 7 – Diagrama esquemático mostrando a fraturação


das rochas encaixantes devido à ascensão do magma
(USGS, 2009).

A maioria dos sismos relacionados com vulcanismo tem magnitudes inferiores a 2 ou


3 e têm o seu foco a menos de 10 km da superfície. Os sismos tendem a ocorrer em
enxames de dezenas a centenas de eventos. Durante esses períodos de maior atividade
sísmica é necessário trabalhar em contra relógio para detetar variações subtis, mas
significativas, no tipo e intensidade da atividade sísmica de modo a determinar se e
quando vai ocorrer uma erupção, especialmente quando o vulcão não pode ser
observado diretamente.

3.3.2. Deformação da superfície

A ascensão de magma para bolsadas situadas em níveis pouco profundos antecede


geralmente uma erupção vulcânica. Essa movimentação do magma produz alterações,

20
diminutas mas detetáveis, na topografia, resultantes do aumento de volume do vulcão.
As alterações manifestam-se sob a forma de variações do declive das vertentes,
aparecimento de protuberâncias e aumento da distância entre pontos. O aumento inicial
do volume do edifício vulcânico (inflação) é seguido por deflação após o começo da
erupção, em resultado do esvaziamento das bolsadas magmáticas que a alimentaram.
Os processos utilizados na deteção destas variações são a inclinometria, que utiliza
aparelhos (inclinómetros) que detetam variações muito pequenas de declive, os
processos geofísicos (geodesia de precisão através de distanciómetros ou GPS) e os
sistemas de deteção remota (interferometria de Radar) utilizando imagens de satélite na
gama do Radar.
Inclinómetro eletrónico – Tal como um nível de pedreiro, um inclinómetro
eletrónico contém um recipiente cheio de um fluido condutor e uma "bolha" para medir
mudanças de inclinação. Elétrodos colocados no interior do fluido e da bolha
determinam a posição da bolha à medida que ela se desloca, fazendo mudar a voltagem
de modo correlacionável com o desnivelamento que causou a movimentação da bolha.
Os inclinómetros registam as variações do declive do terreno em microrradianos (1
microrradiano = 0,00006º). Originalmente concebidos como parte do sistema de
controlo de mísseis, estão atualmente disponíveis diversos tipos de inclinómetros
eletrónicos para monitorização vulcânica com diferentes resoluções. Por exemplo,
utilizam-se inclinómetros que trabalham no intervalo entre 100 a 10.000
microrradianos, dependendo do vulcão e da variação de inclinação que é esperada.
Distanciómetro eletrónico – Um distanciómetro eletrónico (EDM) é um
instrumento que envia um raio laser e recebe o seu reflexo a partir de um refletor. A
determinação da distância horizontal entre os dois pontos é efetuada por um pequeno
computador existente no EDM. Ao medirem regularmente a distância entre dois pontos
fixos, estes instrumentos podem detetar empolamentos mínimos do edifício vulcânico
que frequentemente ocorrem antes de erupções.
Sistema de Posicionamento Global – A constelação atual de satélites permite que
qualquer utilizador de GPS (Global Positioning System), em qualquer parte do mundo,
tenha constantemente pelo menos 5 a 8 satélites acima do horizonte. Com esta
informação tão rica, um receptor de GPS pode determinar rapidamente a sua posição
com precisão métrica. Contudo, para a finalidade em causa, é necessária uma precisão
centimétrica ou superior para se poder detetar pequenas modificações topográficas. Para
obter esta precisão é necessário ter em conta outros fatores, incluindo variações na
velocidade do sinal transmitido do satélite à medida que atravessa a atmosfera e a
incerteza na posição do satélite.
Um modo comum de eliminar esses erros potenciais é a utilização de vários recetores
em vários pontos do vulcão para que a informação seja recebida simultaneamente dos
mesmos satélites. Como a maioria dos erros associados ao atraso do sinal ao atravessar
a atmosfera é comum a todos os recetores, pode determinar-se a sua posição relativa
com precisão superior ao centímetro. Para maior precisão, os dados GPS são recolhidos
durante períodos de 8 a 24 horas e só depois é calculada a posição do ponto utilizando
localizações muito precisas dos satélites e modelando o efeito do atraso atmosférico.
Interferometria de Radar (InSAR) – Durante anos sonhou-se com uma "máquina
fotográfica geodésica" capaz de obter um "instantâneo" que mostrasse com grande
detalhe a deformação do terreno próximo de um vulcão. Existe agora essa capacidade, a
partir de imagens de radar obtidas por satélite. A técnica consiste na comparação de
imagens da mesma área, obtidas antes e depois da deformação, que se combinam para
gerar um padrão de interferência representado por franjas de cores do espectro visível.

21
Cada franja corresponde a uma mudança da distância entre o satélite e o terreno de
cerca de 3 cm.
Até à existência do InSAR (Interpherometry by Syntethic Aperture Radar), as
técnicas utilizadas para medir a deformação num vulcão (distanciómetros, inclinómetros
e GPS) apenas permitiam detetar modificações em pontos específicos da superfície. A
quantidade e direção do movimento desses pontos permitiam interpolar o padrão geral
da região deformada do vulcão.
Ao escolher cuidadosamente a localização dos pontos onde estacionar
distanciómetros, inclinómetros e GPS, podem detetar-se razoavelmente os padrões de
deformação, especialmente durante períodos de tempo curtos (minutos a dias). Contudo,
nunca se pode ter a certeza de que o padrão geral está correto, ou que se poderão perder
detalhes da deformação de dimensão inferior à malha da rede de monitorização. Em
condições favoráveis, a InSAR permite obter uma imagem da deformação na totalidade
da área.
A vantagem da utilização da radiação na gama do radar, relativamente ao espectro da
luz visível ou do infravermelho, é que as ondas de radar penetram a nebulosidade e são
igualmente eficientes durante a noite.

3.3.3. Variação na composição e volume dos gases

Os vulcanólogos reconheceram desde sempre que os gases dissolvidos no magma


providenciam a força motriz das erupções, mas só recentemente se desenvolveu
tecnologia capaz de analisar e quantificar rotineiramente os diferentes gases libertados
pelos vulcões para a atmosfera. O odor característico dos gases sulfurosos e o vapor de
água visível são as primeiras sinais detetados pelos visitantes de uma área vulcânica
ativa. Contudo, muitos outros gases não visíveis se escapam para a atmosfera através de
fumarolas, condutas e solos porosos. Os gases não só se escapam durante a ascensão do
magma em direção ao exterior, aquando da erupção, mas também quando o magma
arrefece e cristaliza abaixo da superfície.
O principal objetivo na monitorização da emissão de gases é a determinação de
alterações na libertação de alguns gases vulcânicos, particularmente do CO2 e SO2.
Essas modificações, conjuntamente com dados da monitorização de outros precursores,
fornecem sinais sobre a eventualidade de ocorrência de uma erupção e aumentam o
nosso conhecimento sobre o funcionamento dos vulcões. Nos últimos anos, outra
preocupação dos cientistas tem sido o impacte dos gases vulcânicos do ponto de vista da
poluição e seus efeitos na atmosfera e no clima.
Os gases libertados pela maioria dos vulcões são difíceis de amostrar e medir
regularmente, especialmente quando um vulcão se torna instável. A amostragem direta
de gases implica que os vulcanólogos visitem fumarolas ou bocas vulcânicas ativas,
normalmente no topo das vertentes ou na cratera do vulcão. Em alguns vulcões, os
gases são libertados para a água de lagos de cratera. A localização remota dos locais de
amostragem, a libertação intensa e frequente de gases perigosos, frequente mau tempo,
e a potencial ocorrência de erupções súbitas tornam a amostragem de gases uma tarefa
perigosa e por vezes impossível.
A deteção e medição remota de gases são possíveis de efetuar mas são necessárias
condições meteorológicas favoráveis e a disponibilidade de meios aéreos ou de uma boa
rede de estradas em torno do vulcão. Nalguns casos, é possível instalar estações de
monitorização automática in-situ. Contudo, em meios altamente corrosivos, apenas
estão disponíveis sensores bastante específicos para a determinação contínua da
concentração de alguns gases.

22
Os vulcanólogos enfrentam outra dificuldade: gases ácidos como SO2 dissolvem-se
facilmente em água. Assim, a existência de água no subsolo de muitos vulcões pode
impedir os vulcanólogos de medirem a emissão de gases ácidos à medida que o magma
ascende à superfície e mesmo após erupções explosivas. Como o CO2 é menos afetado
pela presença de água, a sua medição quando o vulcão começa a dar sinais de
instabilidade e entre erupções é um parâmetro muito importante para determinar se está
a ocorrer desgaseificação significativa de magma.
As pesquisas efetuadas sobre o comportamento das emissões de gases em vulcões
ativos revelaram que as mudanças que ocorrem na proximidade temporal de uma
erupção podem ser um bom precursor para a previsão vulcânica.
O estudo de gases vulcânicos é efetuado recorrendo aos seguintes métodos:
Quantificação das taxas de emissão de gases numa pluma eruptiva; Amostragem direta e
análise laboratorial de gases; Monitorização continua in-sltu; Monitorização de
desgaseificação através do solo.

3.3.4. Alterações no campo magnético

As rochas contêm minerais magnéticos (como a magnetite), os quais geram um


campo magnético. Contudo, acima de determinada temperatura – ponto de Curie – estes
minerais magnéticos perdem a magnetização. Por esta razão, se um corpo de magma
entra num vulcão, o corpo em si não apresentará magnetização, e se este aquecer as
rochas encaixantes a temperaturas superiores ao ponto de Curie (cerca de 500o C, no
caso da magnetite) o campo magnético em torno do vulcão será reduzido. Assim, a
medição de alterações no campo magnético de um vulcão pode, por vezes, permitir a
deteção de magma em movimento.

3.3.5. Alterações no fluxo de calor

Existe fluxo de calor em qualquer parte da superfície da Terra. À medida que o


magma se aproxima da superfície ou que a temperatura da água subterrânea aumenta, o
fluxo de calor à superfície aumenta. A chegada de magma a níveis superficiais no
interior do vulcão provoca o aquecimento das rochas envolventes. Apesar de estas
alterações poderem ser pequenas, elas podem ser medidas remotamente utilizando
sensores térmicos que detetam radiação na gama dos infravermelhos.

3.3.6. Monitorização hidrológica

Sistemas de Deteção de Lahares – Até há pouco tempo, a maioria dos sistemas de


alerta de lahares baseavam-se na observação de imagens obtidas por câmaras de vídeo
ou observadores localizados ao longo de um vale. A manutenção de câmaras de vídeo
em locais remotos e sujeitos a condições atmosféricas extremas é muito dispendioso e
necessita que alguém esteja continuamente a visionar as imagens recebidas. Depender
de observadores em numerosos locais de passagem provável de lahares, por períodos de
tempo prolongados, é pouco eficiente e os alertas podem chegar tarde demais ou não
chegar. Um novo método de deteção de lahares, desenvolvido pelos Serviços
Geológicos Americanos (USGS), já provou ser muito fiável, duradouro e pouco
dispendioso. É atualmente utilizado em diversos vulcões nos Estados Unidos, Indonésia,
Filipinas, Equador, México e Japão.
O novo sistema automático de deteção baseia-se numa série de estações acústicas de
fluxo (Acoustic-Flow Monitor stations - AFM) instaladas a jusante de um vulcão. Cada

23
estação é composta por um sismómetro (sensor, na fig. 8), o qual deteta vibrações no
solo produzidas por um lahar em aproximação e a passar pelo local, e um
microprocessador que analisa o sinal. A informação é enviada via rádio para a estação
base, normalmente um observatório vulcanológico. A energia é fornecida por baterias e
painéis solares.
Segundo a segundo, o microprocessador amostra a amplitude da vibração detetada
pelo sismómetro. A intervalos de tempo regulares (normalmente, de 30 minutos) os
dados são enviados para o observatório; uma mensagem de alerta é enviada
automaticamente sempre que as vibrações ultrapassem um limite preestabelecido por
um período de tempo superior a 40 segundos. O microprocessador continuará a enviar
alertas minuto a minuto enquanto a vibração se mantiver acima do limite programado.

Figura 8 – Esquema simplificado de uma estação acústica de


fluxo (USGS, 2009).

Um sensor acústico de fluxo é um sismómetro sensível a vibrações do solo com


frequências superiores às detetadas pelos sismómetros utilizados para registar sismos e
atividade vulcânica. A frequência de resposta situa-se na banda dos 10-250 Hz,
enquanto que um sismómetro normal funciona em frequências inferiores a 2 Hz. A
vibração do solo causada pelos lahares (debris flows, na fig. 9) situa-se
predominantemente na gama de frequência dos 30-80 Hz, enquanto a frequência dos
sismos, tremores vulcânicos e erupções explosivas é predominantemente inferior a 6
Hz. Esta diferença permite discriminar lahares de outros fenómenos causadores de
vibração do solo.

Figura 9 – Intervalo de frequências de vibração do solo


detetado por sismógrafo normal e por sismógrafo de estação
acústica de fluxo (USGS, 2009).

24
4. Bibliografia

CVARG (2011). Perigos Geológicos. Centro de Vulcanologia e Avaliação de Riscos


Geológicos, Observatório Vulcanológico e Sismológico da Universidade dos Açores.
Acessível em http://www.cvarg.azores.gov.pt/Cvarg/, consultado a 2010-05-29.
KELLER, E. & BLODGETT, R. (2007). Riesgos naturales. Procesos de la Tierra como
riesgos, desastres y catástrofes. Pearson, Madrid, 448 p.
NELSON, S. (2009). Natural Disasters – Lecture Notes. Tulane University. Acessível em
http://www.tulane.edu/~sanelson/geol204/index.html, consultado a 2010-05-29
NEWHALL, C. G. & SELF, S. (1982). The volcanic explosivity index (VEI): an estimate of
explosive magnitude for historical volcanism. Journal of Geophysics Research
(Oceans & Atmospheres), 87: 1231-1238.
ORTIZ, R. & ARAÑA, V. (1996). Daños que pueden producir las erupciones. In ORTIZ, R.
(Ed.), Riesgo Volcánico, Série Casa de Los Volcanes, Lanzarote, Canárias, 5: 37-66.
SIEBERT, L. & SIMKIN, T. (2002-). Volcanoes of the World: an Illustrated Catalog of
Holocene Volcanoes and their Eruptions. Smithsonian Institution, Global Volcanism
Program Digital Information Series, GVP-3. Acessível em
http://www.volcano.si.edu/world/, consultado a 2010-07-20.
VIVEIROS, F.; FERREIRA, T; GASPAR, J. L.; VIRGILI, G. & SILVA, C. (2007). Gas
geochemical monitoring system in Furna do Enxofre lava cave (Graciosa Island,
Azores). Geophysical Research Abstracts, 9: 08124.
USGS (2008). Cascades Volcano Observatory. United States Geological Survey.
Acessível em http://vulcan.wr.usgs.gov/, consultado a 2010-06-15.
USGS (2009). Volcano Hazards Program. United States Geological Survey. Acessível
em http://volcanoes.usgs.gov/, consultado a 2010-06-15.

25
Departamento de Geologia da FCUL
CeGUL, CREMINER LA/ISR
LATTEX LA/IDL

Desastres naturais
Minimizar o risco,
Departamento de maximizar a consciencialização
GEOLOGIA
Foto de José Madeira

Ano Internacional do Planeta Terra


Conferência

Podemos prever um tsunami?


Maria Ana Viana Baptista
Investigadora do Centro de Geofísica da Universidade de Lisboa. Professora do Departamento de Engenharia Civil, ISEL, IPL.

26 de Março, 17h00, sala 6.1.36


GeoFCUL. Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Cidade Universitária.

GeoFCUL©2008
Podemos prever um tsunami?
.
Maria Ana Viana Baptista*
Investigadora do Centro de Geofísica da Universidade de Lisboa. Professora do Departamento de Engenharia Civil, ISEL, IPL.

Duzentos e cinquenta anos depois de 1755...

Os grandes sismos e os tsunamis estão na memória histórica da cidade de Lisboa e da costa Portuguesa, os relatos históricos descrevem
acontecimentos desde o ano 60AC. A região de Lisboa foi inundada catastroficamente no século XVI a 26 de Janeiro de 1531 e no século XVIII
a 1 de Novembro de 1755. Outros tsunamis menos importantes foram só observados em Lisboa pelos marégrafos instalados junto à costa.

O tsunami gerado pelo sismo de 1 de Novembro de 1755 foi o maior desastre natural verificado em Portugal. O sismo ocorreu cerca das
9h 30m, hora de Lisboa, tendo sido sentido um pouco por toda a Europa. O tsunami foi observado no Atlântico Norte, desde as Ilhas Barbados
até à Escócia; no entanto as ondas mais destrutivas foram observadas em Portugal Continental, Espanha (Golfo de Cádis) e no Norte de
Marrocos. Passados cerca de 250 anos, no início do século XXI, a humanidade assistiu em directo pela televisão ao desenrolar do tsunami de
Sumatra permitindo-nos a todos compreender o verdadeiro impacto de um mega-tsunami.

O tsunami de 26 de Dezembro de 2004 foi um evento extremo, tal como o sismo que lhe deu origem. A energia libertada na zona de
rotura correspondeu a cerca de 23000 bombas de Hiroshima. O tsunami causou a morte a cerca de ¼ de milhão de pessoas, deixando mais
de um milhão de desalojados, afectou 12 países e ocorreu numa zona do globo onde os tsunamis são pouco frequentes; o último evento tinha
ocorrido há mais de 200 anos. Este tsunami veio lembrar ao mundo que os tsunamis são uma ameaça sempre presente às populações
costeiras e que temos de ser pró-activos na redução dos seus impactos (Bernard et al. 2006). A devastação causada por este evento, mostrou
por um lado a grande vulnerabilidade do litoral, hoje extensamente ocupado, e por outro lado fez voltar as atenções da comunidade cientifica
e das autoridades civis para zonas do globo onde os tsunamis são menos frequentes do que no oceano Pacífico. Quando se considera a
segurança anti-sísmica de empreendimentos críticos (como centrais nucleares ou barragens), ou se avalia o risco sísmico em áreas densamente
povoadas, onde se concentra importante actividade económica, a análise da sismicidade deve considerar períodos de tempo suficientemente
longos para abarcar convenientemente o mecanismo da sismogénese..
.
No que respeita ao ambiente continental intraplaca do interior da Europa, incluindo a maioria da Península Ibérica e Portugal Continental em
particular, os estudos da tectónica activa são essenciais para caracterizar o comportamento das falhas e o período de recorrência dos sismos
grandes, sensivelmente desde o Plistocénico médio (800.000 anos) e, particularmente, desde o Plistocénico superior (125.000 anos).

Baptista, A.M.V. (2008) Podemos prever um tsunami?, in Mateus, A. (Coord.), Desastres Naturais: Minimizar
os riscos, maximizar a consciencialização. Departamento de Geologia FCUL, Lisboa, pp. 3-4.
Acessível em http://geologia.fc.ul.pt/documents/85.pdf, consultado em [data da consulta].

* e-mail: mabaptista@dec.isel.ipl.pt
A Paleossismologia na avaliação da perigosidade
sísmica
.
João Cabral*
Professor Associado. GeoFCUL.

Quando se considera a segurança anti-sísmica de empreendimentos críticos (como centrais


nucleares ou barragens), ou se avalia o risco sísmico em áreas densamente povoadas, onde se
concentra importante actividade económica, a análise da sismicidade deve considerar períodos
de tempo suficientemente longos para abarcar convenientemente o mecanismo da sismogénese.
.

Isto implica a utilização de metodologias geológicas e, em particular, paleossismológicas,


especialmente em regiões intraplaca com sismicidade histórica e instrumental baixa, mas onde
podem ocorrer registos de sismos grandes. Nestas áreas, o período de tempo abrangido pelos
dados da sismicidade histórica e instrumental é muito inferior à duração provável do ciclo sísmico
4 5
dos sismos grandes (intervalo entre dois eventos), tipicamente da ordem de 10 -10 anos. Deste
modo, os registos constantes nos catálogos sísmicos não representam adequadamente a
sismicidade regional, pois abarcam apenas uma parte do ciclo sísmico dos eventos maiores. Assim,
a estimativa, essencial, da dimensão e período de recorrência dos sismos grandes assenta no
estudo das falhas sismogénicas (fontes sísmicas), particularmente no que respeita ao seu
comportamento paleossísmico.
.

Em ambiente geodinâmico intraplaca ocorrem geralmente falhas com taxas de actividade


baixas, que se comportam como estruturas sismicamente “silenciosas” mas que têm a capacidade
de produzir ruptura superficial e sismos catastróficos, embora com períodos de retorno longos. Os
estudos geológicos (de Neotectónica) e, particularmente, os estudos paleossismológicos são
fundamentais para avaliar se essas falhas presentemente “silenciosas” são efectivamente falhas
activas de baixa taxa de actividade (“falhas lentas”), e indispensáveis para caracterizar o seu
potencial sismogénico, particularmente relevante na avaliação da perigosidade sísmica para
longos períodos de retorno.
.
No que respeita ao ambiente continental intraplaca do interior da Europa, incluindo a maioria
da Península Ibérica e Portugal Continental em particular, os estudos da tectónica activa são
essenciais para caracterizar o comportamento das falhas e o período de recorrência dos sismos
grandes, sensivelmente desde o Plistocénico médio (800.000 anos) e, particularmente, desde o
Plistocénico superior (125.000 anos).
Na Península Ibérica, se excluirmos a região activa a SE e a área submarina meridional (do
Golfo de Cádis ao Banco de Gorringe), directamente associadas à fronteira de placas Ibéria-Nubia,
a actividade sísmica é aparentemente fraca e são escassas, ou mesmo inexistentes, as referências à
ocorrência de sismos destruidores. Contudo, neste tipo de ambiente intraplaca existem usualmente
evidências da ocorrência (embora pouco frequente) de sismos fortes durante os tempos históricos
bem como de paleossismos, indicando um potencial para a génese de grandes eventos sísmicos.
.
Existem poucos estudos sobre falhas de baixo grau de actividade (<0,1mm/ano; “falhas
lentas”). Durante os últimos anos tem-se efectuado na Europa um esforço importante para identificar
e compreender o comportamento sismogénico deste tipo de falhas, principalmente através da
implementação de vários projectos internacionais.
.
A equipa de investigação do GeoFCUL realiza estudos de Neotectónica em Portugal desde o
início da década de 80. Um dos objectivos principais tem sido a identificação e caracterização das
falhas activas em Portugal Continental e nos Açores. A maioria destes estudos tem privilegiado uma
cobertura e caracterização regional tanto quanto possível exaustiva das falhas evidenciando
actividade quaternária, em detrimento de uma avaliação detalhada do comportamento
sismogénico de estruturas particulares. Esta abordagem deve-se à perigosidade sísmica regional ser
dominada por falhas “lentas” que são escassamente conhecidas (ou virtualmente desconhecidas
até gerarem eventualmente um sismo grande inesperado), o que acentua a necessidade de se ter
uma base de dados tanto quanto possível exaustiva das estruturas activas, potencialmente
sismogénicas. A falta de dados de paleossismicidade constitui, contudo, uma lacuna importante
para estudos específicos de avaliação da perigosidade sísmica, quando é necessário conhecer a
actividade tectónica mais recente em falhas e, particularmente, o seu comportamento
sismogénico.
.
Presentemente um dos objectivos principais da equipa de investigação do GeoFCUL consiste
em obviar esta lacuna, testando as bases metodológicas e promovendo a aquisição de dados de
paleossismicidade em diversas falhas activas seleccionadas no território continental português, por
forma a complementar o conhecimento da actividade das falhas a longo termo com informação
sobre o seu comportamento sismogénico, a mais curto prazo, e obter assim informação essencial
para uma correcta avaliação da perigosidade sísmica regional e riscos associados.

* e-mail: jcabral@fc.ul.pt ; página web: http://geologia.fc.ul.pt/artigo.php?id_artigo=49


Os terramotos: risco e perigosidade
.
Hector Perea*
Investigador pós-doutoral LATTEX-IDL. FCUL.

Os terramotos são um fenómeno natural que resulta da ruptura em falhas, fracturas


localizadas na “camada” mais superficial da Terra, a litosfera. Esta ruptura produz uma libertação
quase instantânea de energia na forma de ondas sísmicas que se manifestam com o tremer e,
algumas vezes, o deslocamento da superfície e a criação de escarpas. Os danos que produz um
terramoto, quantificados pela intensidade sísmica, estão directamente ligados à propagação
destas ondas, e serão mais ou menos severos dependendo da grandeza do terramoto (magnitude)
e da distância à falha que o gerou. Há outros fenómenos que podem ser desencadeados pela
ocorrência dum terramoto e que também podem produzir danos na sociedade como são os
deslizamentos de terra (escorregamentos) e os tsunamis.

Os terramotos estão ligados aos movimentos tectónicos na litosfera terrestre e, em


consequência, são fenómenos que se têm produzido durante a história da Terra e que vão continuar
a produzir-se no futuro. Como humanos não temos controle sobre a ocorrência destes fenómenos,
mas podemos avaliá-los e tentar mitigar os seus efeitos na população a partir de estudos de risco
sísmico. Neste tipo de estudos avaliam-se as probabilidades de perdas, tanto sociais (perdas de
vidas humanas ou pessoas feridas) como económicas, que a ocorrência dum terramoto pode
originar. Na avaliação do risco sísmico tem-se em conta os custos, a vulnerabilidade e a
perigosidade.

Os custos e a vulnerabilidade são dois parâmetros que têm em conta como um terramoto
afectará a sociedade. Entendem-se como custos o valor que têm as estruturas potencialmente
danificadas ou destruídas (edifícios, pontes, barragens, …), os efeitos na economia, as vítimas e
quaisquer outros bens que possam materializar perdas potenciais devidas a um terramoto. Por outro
lado, a vulnerabilidade define-se como a potencialidade de uma estrutura sofrer danos causados
por um terramoto (por exemplo, se uma casa ou outro edificado suportará ou não a ocorrência dum
terramoto, ou os danos que possa sofrer).

A perigosidade sísmica estuda o perigo, isto é, a possibilidade de ocorrência de um terramoto


e as suas características, descrevendo a potencialidade de ocorrência dos fenómenos
relacionados com este, como por exemplo qual será o movimento do terreno causado pelo sismo,
se este produzirá ou não ruptura superficial, ou se desencadeará liquefacção em terrenos propícios,
entre outros efeitos. Nos estudos de perigosidade sísmica modelam-se as fontes dos terramotos (as
falhas), o modo como as ondas se atenuam (como perdem energia quando se afastam da fonte) e
os possíveis efeitos de sítio (amplificação das ondas, cedência do solo), com o objectivo de
prognosticar como se percepcionará o terramoto numa localidade concreta, e assim projectar e
construir edifícios sismo-resistentes, ou seja, edifícios preparados para suportar sismos de uma
magnitude expectável.

Finalmente, sempre que haja uma falha que tenha a capacidade de gerar terramotos existe
uma perigosidade, mas se não existir população ou alguma estrutura (ponte, barragem, …) na
região envolvente não haverá um risco, porque não há probabilidade de ocorrerem perdas
económicas ou sociais, ou danos sobre o edificado. Por outro lado, se houver perigosidade
(associada à presença de uma falha activa) e, na área envolvente, existir população e edifícios ou
estruturas altamente vulneráveis, os danos expectáveis representam custos elevados e assim o risco
sísmico será elevado. Em conclusão, enquanto a perigosidade é inerente à presença de fontes
sismogénicas com o potencial de gerarem eventos sísmicos de magnitude significativa, e, portanto,
depende apenas da sua ocorrência, o risco varia, dependendo da afectação na sociedade e na
economia.

Perea, H. (2008) Terramotos: risco e perigosidade, in Mateus, A. (Coord.), Desastres Naturais: Minimizar
os riscos, maximizar a consciencialização. Departamento de Geologia FCUL, Lisboa, pp. 7-8.
Acessível em http://geologia.fc.ul.pt/documents/85.pdf, consultado em [data da consulta].

* e-mail: hector.perea@fc.ul.pt ; página web: http://geologia.fc.ul.pt/artigo.php?id_artigo=179


A importância do registo geológico para
avaliação do potencial de inundação por
tsunami
.
César Andrade* & Conceição Freitas**
Professor Catedrático e Professora Associada com Agregação do GeoFCUL.

Tsunami é uma palavra japonesa que significa “onda de porto” e é utilizada pela comunidade
científica para designar um conjunto restrito de ondas de grande comprimento e período, que se
propagam na superfície do oceano e acabam por atingir o litoral onde crescem em altura por efeito
de atrito com o fundo.

Estas ondas podem ser geradas por qualquer mecanismo com capacidade para deslocar
subitamente um volume apreciável do oceano - sismos com epicentro no mar (a maioria),
actividade vulcânica, grandes escorregamentos de vertentes litorais ou submarinas e impactos de
corpos extraterrestres. As regiões do Globo associadas a zonas de subducção (como o Japão) são as
mais afectadas por este fenómeno, mas tal não exclui a sua importância noutros contextos
geotectónicos. São dos poucos eventos naturais capazes de impactar em simultâneo locais muito
distantes e afectar grandes trechos litorais.

Em Portugal, o registo histórico e instrumental identifica um número restrito de tsunamis (da


ordem das duas dezenas, nos Açores, e inferior a dez no Continente e no Arquipélago da Madeira)
com intensidade apreciável embora com expressão espacial muito variada, dos quais o mais
importante foi o associado ao sismo de 1 de Novembro de 1755. Os tsunamis são raros - e tanto mais
raros quanto mais intensos - pelo que as estimativas de períodos de retorno fundamentadas em séries
curtas podem enfermar de incertezas e erros, incompatíveis com o rigor necessário à avaliação da
perigosidade e risco. Neste contexto, o registo geológico assume potencialmente um papel
fundamental na ampliação da janela temporal de aquisição de dados.

De facto, o impacto de um tsunami na faixa costeira origina uma inundação efémera, capaz
de produzir erosão ou sedimentação, isto é, um sinal de natureza geológica que, se preservado no
registo sedimentar, importa saber reconhecer e interpretar. As assinaturas de natureza deposicional
têm sido objecto de estudo nas últimas décadas, com base em critérios geométricos, texturais,
mineralógicos, geoquímicos, geofísicos e paleoecológicos. Apesar de, no estado actual dos
conhecimentos, não ser ainda possível atribuír uma assinatura inquestionável aos depósitos de
tsunami, certo é que estes têm sido encontrados um pouco por todo o Mundo e utilizados para
quantificar subsidência co-sísmica, medir a distância alcançada por paleoinundações, deduzir
paleocorrentes, reconstituir altura e número de ondas, estudar a recorrência de tsunamis em
intervalos de milhares de anos e identificar sinais objectivos destas inundações em contextos litorais
até então julgados livres deste risco, dada a inexistência de registos históricos.

No litoral e na plataforma de Portugal Continental foram já reconhecidos depósitos


sedimentares produzidos pelos tsunamis associados aos sismos (1) do 1º de Novembro de 1755,
principalmente no Algarve e na região de Lisboa e (2) de 1531, no estuário do Tejo, embora com
maior incerteza. A investigação neste domínio prossegue, alargada aos litorais do Golfo de Cádis e
Atlântico Marroquino, com o objectivo de contribuir para a determinação de fontes (tectónicas ou
assísmicas) e intervalos de recorrência, dados de grande relevância no esforço em curso para
dimensionar risco de inundação por tsunami num litoral com índices de ocupação e valorização
crescentes e operacionalizar um sistema de detecção e alerta precoce.

Andrade, C. & Freitas, C. (2008) A importância do registo geológico para avaliação do potencial de
inundação por tsunami, in Mateus, A. (Coord.), Desastres Naturais: Minimizar os riscos,
maximizar a consciencialização. Departamento de Geologia FCUL, Lisboa, pp. 9-10. Acessível
em http://geologia.fc.ul.pt/documents/85.pdf, consultado em [data da consulta].

* e-mail: candrade@fc.ul.pt ; página web: http://geologia.fc.ul.pt/artigo.php?id_artigo=104


** e-mail: cfreitas@fc.ul.pt ; página web: http://geologia.fc.ul.pt/artigo.php?id_artigo=105
Perigosidade vulcânica em Portugal
José Madeira*
Professor Auxiliar do GeoFCUL.

Em território português apenas o arquipélago dos Açores e, em menor grau, a ilha da Madeira
estão sujeitos a perigosidade geológica de natureza vulcânica.
.
A actividade vulcânica na ilha da Madeira encontra-se num estado que pode ser
considerado de dormência, pois o intervalo entre erupções na formação eruptiva mais recente é
relativamente longo. Contudo, a ocorrência de erupções cujos derrames correram no (ou para o)
interior de vales desenvolvidos durante o Quaternário e a recente datação de 6.000 anos de um nível
de piroclastos basálticos de queda, indicam que o vulcanismo na Madeira não se encontra extinto.
Existe, aliás, descrição de uma eventual erupção no mar, a oriente da ilha.
.
Não se conhecem manifestações secundárias de vulcanismo na Madeira. No entanto, em
obras recentes de abertura de túneis rodoviários ou de galerias de captação de água, detectaram-
se emanações de CO2, de provável origem vulcânica. Numa delas a quantidade e concentração
de dióxido de carbono levou à suspensão da obra por configurar riscos elevados para os operários e
técnicos envolvidos.
.
Já o arquipélago dos Açores foi palco de numerosas erupções desde o início do
povoamento, no segundo quartel do século XV. As erupções de que existem registos ocorreram em
terra (erupções subaéreas), nas ilhas de S. Miguel, Terceira, S. Jorge, Pico e Faial, e no mar entre elas
(erupções submarinas). Identificaram-se 26 erupções até à data (veja-se tabela), a última das quais
se iniciou há 10 anos ao largo da ilha Terceira. É muito provável que o número de erupções
efectivamente ocorrido seja bastante superior.
.
Algumas erupções submarinas são pouco profundas e idênticas à dos Capelinhos. Podem
incluir-se neste grupo as de 1638, 1682, 1720, 1800, 1811, 1867 e 1957/58. Trata-se de eventos que
ocorreram junto ao litoral ou no topo de bancos submarinos. As erupções (de estilo surtsiano) são
caracterizadas pela emissão de jactos de piroclastos e nuvens de vapor, com edificação rápida de
cones submarinos que, ao emergir, constituem ilhas. Estas ilhas são frequentemente efémeras, como
sucedeu com as que se formaram em 1638, na erupção de 1720 no Banco D. João de Castro, ou a
que deu origem ao episódio da ilha Sabrina em 1811. Muitas vezes a erosão marinha arrasa a ilha
rapidamente. Noutros casos, o novo edifício resiste e origina uma ilha que permanece durante
alguns milhares de anos. Sucede também a erupção ocorrer tão perto da costa que o cone recém-
formado acaba por se ligar à ilha principal.
Nalgumas situações, como sucedeu nos eventos de 1867, 1911 e 1964, apesar de ocorrerem
a profundidades reduzidas (~200 m), as erupções manifestam-se apenas por jactos de água e/ou
cheiros sulfurosos.

Se as erupções submarinas têm lugar a profundidades um pouco superiores (em torno dos
400 m) as manifestações que atingem a superfície são muito menos evidentes, podendo facilmente
passar despercebidas. Foi o caso da erupção da Serreta em 1998. Neste evento chegaram à
superfície numerosos blocos ocos de basalto que flutuavam durante alguns minutos, originando
plumas de vapor com alguns metros de altura. Por vezes, em períodos de maior intensidade, a pluma
eruptiva submarina, constituída por minúsculas partículas de vidro vulcânico e bolhas de gás,
aflorava dando origem a manchas e descolorações à superfície do mar. Relatos de erupções
anteriores são similares às observações feitas na Serreta o que sugere ter-se tratado de eventos do
mesmo tipo. Nestes incluem-se as manifestações de 1800, 1963 e 1981.

Quando a profundidade é superior, apenas por métodos indirectos se pode inferir a


ocorrência de uma erupção. No caso dos Açores existem três relatos de cortes de cabos telegráficos
submarinos em 1902, 1904 e 1907. Em todos eles a recuperação dos cabos para reparação revelou
que estes se encontravam queimados, com a borracha do isolamento derretida ou com material
piroclástico colado, confirmando as manifestações eruptivas.

As erupções basálticas sub-aéreas caracterizam-se por manifestações que se enquadram


nos estilos havaiano e estromboliano. Normalmente formam-se fontes de lava ou pequenas plumas
eruptivas, e derrames lávicos. Em tempos históricos ocorreram erupções com estas características
em 1562/63, 1718 e 1720 no Pico, 1564 em S. Miguel, 1580 e 1808 em S. Jorge, 1672/73 no Faial e
1761 na Terceira. Trata-se de eventos que raramente provocam vítimas, embora existam registos de
mortes na erupção de 1672/73 no Faial, onde pelo menos três pessoas pereceram. Há também
relatos, como nas erupções de 1718 (2 vítimas) e 1808 (3 vítimas), de mortes causadas por asfixia por
dióxido de carbono em zonas deprimidas onde aquele gás, mais denso que o ar, se acumulou.
Manifestações mais perigosas, escoadas piroclásticas basálticas, estão documentadas na ilha de S.
Jorge, nas erupções de 1580 e 1808, tendo provocado mais de duas dezenas de mortos.

As erupções envolvendo magmas intermédios e ácidos são menos frequentes mas de


magnitude muito superior. Para além dos eventos reconhecidos no registo geológico (nos vulcões
centrais das Furnas, Fogo, Sete Cidades, Santa Bárbara, Pico Alto, Guilherme Moniz, Graciosa, Faial e
Flores), ocorreram quatro eventos em período histórico. Destas erupções, duas tiveram lugar no
interior da Caldeira das Furnas (1439-43 e 1630), uma no sistema fissural dos Picos (1652) e outra no
vulcão do Fogo (1563) em S. Miguel.
Este tipo de erupções apresentam a potencialidade de afectar toda uma ilha como se
verificou em 1563 e 1630. Todavia, erupções muito maiores ocorreram nas ilhas em tempos pré-
históricos e são essas que devem ser consideradas na avaliação do risco vulcânico associado aos
vulcões centrais dos Açores.

A equipa de investigação do GeoFCUL realiza trabalhos de geologia de regiões vulcânicas


em Portugal (Açores, Madeira) e no estrangeiro (por exemplo Cabo Verde, S. Tomé e Marrocos) desde
a década de 70. Estes estudos abrangem áreas como a estratigrafia e cartografia geológica,
geologia estrutural, vulcanologia física e petrologia e geoquímica. Os estudos referidos constituem
contribuições para a análise da perigosidade vulcânica.

* e-mail: jmadeira@fc.ul.pt ; página web: http://geologia.fc.ul.pt/artigo.php?id_artigo=184


Risco de inundação
Maria Teresa Mira de Azevedo*
Professora Associada com Agregação do GeoFCUL.

As inundações são dos desastres naturais que maiores prejuízos económicos e perdas de vida
implicam, os quais poderiam muitas vezes ser evitadas com um simples estudo geológico de
previsão e/ou prevenção, determinando os riscos possíveis na área em causa.
Dentro dos processos geológicos rápidos as inundações rápidas são os mais perigosos,
embora outros que se podem considerar lentos, tenham também uma enorme importância na
economia, como é o caso das cheias lentas, ainda que realizem uma função importante no
equilíbrio ambiental.

Todas as cheias provocam inundações, mas nem todas as inundações são devidas às cheias.
Considera-se que há uma Cheia, quando um fluxo de água superficial confinado, cobre zonas
adjacentes geralmente secas, podendo acarretar com isso perdas de vidas humanas e enormes
danos económicos ou seja, existe uma cheia sempre que o rio transborda em relação ao seu leito
ordinário, podendo originar a inundação dos terrenos ribeirinhos. No entanto, resultando as
inundações de processos naturais, só serão consideradas catástrofes no caso de se traduzirem de
algum modo num prejuízo para a vida humana, de forma directa ou indirecta, sendo a ocupação
humana das áreas inundáveis a primeira causa do agravamento dos seus efeitos. As populações
tiveram sempre tendência a implantar-se nos terrenos brandos e férteis das planícies de inundação,
próximos das vias de transporte naturais que são os rios e da fonte alimentar acessível que eles
constituem.

As cheias têm uma origem natural, sendo geradas pela dinâmica externa da terra, através de
alterações na atmosfera, porém, a sua frequência vai sendo alterada tanto por processos naturais
como, e principalmente, por processos antrópicos, como sejam: modificações na bacia
hidrográfica, intensificação da desflorestação, assoreamento dos rios, impermeabilizações do solo e
inadequação dos sistemas de águas residuais e pluviais.

Os principais impactos socio-económicos das cheias são a submersão de localidades e


monumentos, a deslocação e desalojamento das populações, o corte de vias de comunicação e
dos sistemas de abastecimento de água e de outros bens, a inundação de terras aráveis e a
destruição de estruturas hidráulicas e outras. Os impactos no ambiente são por vezes catastróficos,
pois podem, em questão de horas, alterar o canal fluvial e o próprio fundo de vale, através da erosão
das margens, do assoreamento ou aprofundamento de alguns troços do canal.
Existem três tipos de medidas mitigadoras das cheias: medidas de conservação, de
correcção e de restauração. As primeiras visam a introdução de critérios de ordenamento de
território, como a reflorestação e o ordenamento das áreas ribeirinhas. A desflorestação, deixando o
terreno a nu e intensificando de maneira drástica a erosão e perda de solo, tem como consequência
que toneladas de sedimentos sejam lançadas anualmente nos cursos fluviais, provocando o seu
assoreamento e consequente diminuição da sua navegabilidade; o assoreamento leva a elevação
do leito e ao extravasamento mais rápido das águas, sendo este fenómeno mais eficaz se o leito
estiver canalizado.

As medidas de correcção visam a resolução de problemas de inundação em pontos


especialmente críticos da bacia hidrográfica, como as construções das barragens, canais de
derivação, represas e diques de protecção a fim de impedir a passagem das águas para as
margens ocupadas.

As medidas de restauração, procuram restabelecer as características naturais dos canais


fluviais e dos ecossistemas ripícolas, ou seja, devolver aos rios o seu corredor fluvial original.

Ao longo dos últimos anos defendem-se cada vez mais outras formas de controle de cheias
como alternativa às grandes obras de engenharia. Uma política de gestão e de ordenamento do
território e uma zonação bem planificada poderiam substituir no futuro as antigas soluções; porém,
isso vem colidir em absoluto com todos os interesses económicos implícitos, como as pressões de
crescimento populacional e de desenvolvimento urbanístico.

A teoria consensual sobre as alterações climáticas prevê uma aceleração do ciclo


hidrológico e consequentemente alguns autores pensam que os eventos extremos, como as cheias
e as secas, vão aumentar em frequência e severidade.

Em face dessas alterações, o regime de cheias vai certamente acompanhar a mudança


sendo, por isso, importante que a população se consciencialize e aprenda a adaptar-se às práticas
de prevenção e alerta, de forma a reduzir as consequências negativas deste fenómeno (Duband,
2002). A Teoria da Adaptação Geral ao Risco de Cheias, de Kates, Burton e White (1978), assume que
a passagem de um padrão de ajustamento para o seguinte implica transpr um limiar do que é
socialmente considerado um risco aceitável. Os três limiares definidos são:

v O limiar da consciência que marca a passagem da ignorância do risco para o seu


conhecimento, não sendo possível conceptualizar ajustamentos antes da consciência da
exposição ao risco. É marcado pela identificação do perigo;
v O limiar da acção que marca a passagem de um ajustamento de aceitação para outro,
de redução das perdas. Existe a crença na possibilidade de controlo sobre a Natureza. Depende de
estimativas do risco e da avaliação das suas consequências por parte das populações;

v O limiar de tolerância que marca a passagem de ajustamentos de redução dos danos


para ajustamentos de evitamento do perigo. Esta alteração corresponde à percepção dos riscos
como intoleráveis e à modificação radical da ocupação da zona ameaçada. Exige uma avaliação
social do risco.

Os padrões de ajustamento comportamental aparecem em fases diferentes consoante o


desenvolvimento das diferentes sociedades (pré-industrial, industrial, pós-industrial) e caracterizam-
se por reacções individuais e reacções colectivas.

* e-mail: terazeve@fc.ul.pt ; página web: http://geologia.fc.ul.pt/artigo.php?id_artigo=111


Instabilidades de vertentes: previsão,
prevenção e tratamento
Fernando M. S. F. Marques*
Professor Auxiliar do GeoFCUL.

As instabilidades de vertente compreendem um conjunto complexo de movimentos em


massa dos terrenos, em vertentes naturais e taludes artificiais, que são potencialmente geradores de
risco para as actividades humanas. Trata-se de fenómenos com escala dimensional muito variada,
desde quedas de blocos em escarpas com volumes da ordem do decímetro cúbico, até
escorregamentos profundos envolvendo milhões de metros cúbicos, passando por movimentos de
dimensão intermédia (escorregamentos, desabamentos e tombamentos ou balançamentos), que
têm impacto crescente em estruturas e provocam numerosas perdas de vidas.

A ocorrência das instabilidades de vertentes está intimamente ligada a eventos extremos de


actividade dos factores naturais que os podem desencadear, como chuvas excepcionalmente
intensas e/ou prolongadas, fusão rápida de neve e sismos. Estes factores têm efeitos instabilizadores
em locais onde os terrenos têm deficientes características de resistência, se encontram
enfraquecidos por degradação lenta ao longo do tempo ou estão compartimentados por fracturas
com orientação desfavorável e, por outro lado, onde os processos activos da geodinâmica externa
modelaram a configuração das encostas de forma a criar condições de instabilidade potencial.
Acrescem a estas situações, a instabilidade induzida por deficientes práticas de uso do solo ou
mesmo intervenções humanas que tem como resultado o aumento do comprimento, altura ou
declive das encostas, modificações nos regimes de infiltração e circulação de água nos terrenos e
instalação de sobrecargas (construções), em especial nas zonas localizadas na parte superior das
vertentes.
.
O estudo das instabilidades de vertente tem sido desenvolvido em duas linhas
principais que se complementam entre si: estudos de caso, visando a determinação dos
mecanismos físicos intervenientes, incluindo causas e factores desencadeantes; estudos regionais
orientados no sentido de determinar quantitativamente e em termos probabilísticos as componentes
espaciais, temporais e de magnitude da perigosidade.

Os primeiros apoiam-se em conhecimentos da área da Mecânica do Solos e da


Mecânica da Rochas, estando particularmente vocacionados para o tratamento de instabilidades
localizadas. Os segundos utilizam preferencialmente análise estatística de inventários de
instabilidades ocorridas no passado, complementada ou não por análises de estabilidade de casos
característicos, com a finalidade de estabelecer modelos de previsão da componente espacial da
perigosidade. A componente temporal é definida por correlação dos eventos ocorridos no passado
com os registos dos factores desencadeantes, sendo as relações magnitude-frequência também
determinadas através da análise das ocorrências passadas.

Em Portugal existem zonas particularmente susceptíveis à ocorrência de instabilidades de


vertente, fundamentalmente devido ao relevo vigoroso (algumas regiões graníticas do norte de
Portugal, vale do Douro, regiões autónomas dos Açores e Madeira) frequentemente associado a
deficientes características de resistência dos terrenos (região a norte de Lisboa, Santarém, entre
outras), ou a contextos em que a erosão no sopé é particularmente intensa, como no caso das
arribas litorais.

A importância e significado económico e social das instabilidades de vertente têm assumido


um papel cada vez mais importante, em relação directa com a expansão da construção e das
obras de engenharia, frequentemente para áreas menos favoráveis em termos do relevo e das
características de resistência dos terrenos.

É ainda de notar que, no quadro dos desastres naturais, o impacto das instabilidades de
vertente tende a ser subavaliado, por os seus efeitos serem genericamente atribuídos aos eventos
extremos que os desencadeiam (chuvas excepcionais, inundações e sismos). Os seus efeitos são
geralmente distribuídos por regiões mais ou menos vastas, com carácter disperso, tornando
particularmente difícil o inventário rigoroso de perdas.

Neste contexto, não surpreende a inclusão desta problemática em figuras do quadro legal
para o ordenamento do território, como a REN, que reforça a necessidade de prosseguir os esforços
de investigação, centrados na determinação da perigosidade associada à ocorrência de
instabilidades de vertente, incluindo a caracterização de processos e mecanismos de instabilização
principais, de forma a estabelecer medidas de prevenção, tratamento e mitigação tendentes à
redução dos efeitos deste importante perigo natural.

* e-mail: fsmarques@fc.ul.pt ; página web: http://geologia.fc.ul.pt/artigo.php?id_artigo=65


Geologia na FCUL: Síntese informativa
.

Na FCUL, as actividades de investigação, formação (graduada e pós-graduada) e de


prestação de serviços na Área Científica de Geologia têm longa tradição, sendo há muito
reconhecidas a nível nacional e internacional. O percurso empreendido desde a fundação da FCUL
permitiu, não só firmar e desenvolver competências em diferentes áreas do Saber, como ainda
conquistar espaços próprios de mercado que possibilitam níveis relativamente elevados de
recrutamento e de colocação dos seus graduados.
Como resultado deste percurso, a experiência acumulada e transmitida, bem como o espólio
Departamento de documental e instrumental obtido é digno de apreço. São, pois, muito numerosos os exemplos de
GEOLOGIA projectos de investigação financiados a nível nacional e internacional em diferentes áreas do
conhecimento, bem como as prestações de serviço a um largo espectro de empresas (públicas e
privadas) trabalhando em diversos sectores da actividade económica.
São também dignas de menção as diversas cooperações nacionais e internacionais
estabelecidas com instituições académicas e de investigação que se reflectem fundamentalmente
em propostas comuns de projectos de investigação, mas que se pretende que venham a assumir no
futuro próximo papel dinamizador de processos de mobilidade educativa. São, igualmente, longas
as listas de publicações e de outras contribuições para o avanço do conhecimento científico e
tecnológico, contando com a participação de diversas gerações de docentes / investigadores.
Destacam-se ainda as largas dezenas de teses de mestrado e doutoramento na Área
Científica de Geologia, para além de muitas centenas de relatórios de estágio.

GeoFCUL©2008
Formação

Graduada (1º Ciclo)

A Licenciatura em Geologia (Ramos Geologia e Recursos Minerais e Geologia


Aplicada e do Ambiente) em vigor estrutura-se em quatro anos (240 créditos) e tem
como objectivo primordial o desenvolvimento das competências necessárias ao
desempenho qualificado e versátil da profissão de geólogo em diferentes
domínios de actividade. Inscreve-se, por isso, nas formações de Ensino Superior de
nível 5 (ISCED), habilitando ao exercício da profissão de geólogo.

No que diz respeito às questões relacionadas com “Desastres Naturais”, a


Licenciatura em Geologia integra uma unidade curricular específica (Riscos
Geológicos) com um total de seis créditos, sem prejuízo de assuntos directamente
relacionados com o tema serem abordados em outras disciplinas (e.g. Processos e
Gestão do Litoral e Oceano, Ambientes Sedimentares, Sistemas Terrestres e
Desenvolvimento Sustentável).

GeoFCUL©2008

Departamento de
GEOLOGIA
Departamento de
GEOLOGIA

GeoFCUL©2008

Formação

Pós-Graduada

Curso Pós-Graduado de Especialização em Geologia Aplicada

Criado em 2005, este curso tem duração de 1 ano (60 créditos) e visa o
desenvolvimento de competências, métodos e técnicas específicas em áreas
concretas de aplicação do conhecimento geológico e em contexto real de
trabalho. Procura, igualmente, reforçar e exercitar a capacidade de
aprendizagem autónoma, possibilitando também a integração em equipas
multidisciplinares que perseguem objectivos comuns.

A estrutura curricular afecta ao Curso representa uma oportunidade de treino


e de inserção em contextos reais de trabalho, fortalecendo a interacção entre as
actividades de ensino e de investigação universitárias e o tecido institucional
científico-tecnológico, industrial e empresarial do País.
Formação

Pós-Graduada

Programa de Mestrado em Geologia do Ambiente, Riscos


Geológicos e Ordenamento do Território (2º ciclo)
.

Este Programa representa a evolução lógica da especialidade em Ambiente, Riscos Naturais e


Ordenamento do Território afecta ao Programa de Mestrado em Geologia que, por sua vez, expandiu parte
da formação oferecida no extinto Mestrado em Geologia Económica e Aplicada. Incorpora ainda a
iniciativa concretizada em 2005/06 e 2006/07 através da oferta do Curso Pós-Graduado de Actualização
em Sistemas de Informação Geográfica Aplicados às Ciências da Terra.
O Programa de Mestrado em Geologia do Ambiente, Riscos Geológicos e Ordenamento do
Território desenvolve-se ao longo de um ano e meio (90 créditos) e tem por objectivos específicos a
consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos teóricos e práticos (incluindo trabalho de campo):
necessários à análise multi-escala e integrada dos processos, produtos e sistemas geológicos e
geomorfológicos, em particular os que se afiguram pertinentes a estudos de impacte ambiental;
indispensáveis à caracterização, monitorização e avaliação da perigosidade e risco geológico nas suas
diversas expressões; fundamentais ao reconhecimento das diversas implicações e aplicações do
conhecimento geológico no contexto das Mudanças Globais; requeridos pela procura de soluções
inovadoras ou de maior eficiência para problemas correntes ou a identificar em diversos contextos
geológicos; e imprescindíveis ao desenvolvimento de competências para a prática autónoma de
investigação. GeoFCUL©2008

Departamento de
GEOLOGIA
Formação

Pós-Graduada

Programa de Doutoramento (3º ciclo)

Este Programa de três anos tem como propósito fundamental consolidar e


aprofundar níveis de competência para investigação autónoma em diferentes
áreas do conhecimento geológico e/ou domínios de interface com outras áreas do
Saber.

Como áreas de especialidade relacionadas com o tema “Desastres naturais:


minimizar o risco, maximizar a consciencialização” destacam-se a Geologia
Económica e do Ambiente, Geodinâmica Externa, Sedimentologia e Geodinâmica
Interna.

GeoFCUL©2008

Departamento de
GEOLOGIA
Departamento de
GEOLOGIA

GeoFCUL©2008

Produção científica / Relatórios de Estágio


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(Últimos 10 anos)
.

Horta, Ana Isabel Alves (2002). Estabilização de arribas litorais. Relatório de Estágio
Profissionalizante da Licenciatura em Geologia Aplicada e do Ambiente, GeoFCUL - LNEC.
Peixoto, Ana Margarida Marques (2002). Acompanhamento de uma obra de contenção tipo
Munique. Relatório de Estágio Profissionalizante da Licenciatura em Geologia Aplicada e
do Ambiente, GeoFCUL - TECNASOL, FGE.
Roxo, Sónia (2004). Estudo da estabilidade da arriba Azenhas do Mar - Praia Grande. Relatório de
Estágio Profissionalizante da Licenciatura em Geologia Aplicada e do Ambiente, GeoFCUL
- C.M. Sintra.
Rodrigues, Valter (2004). Levantamento de zonas de potencial instabilidade geotécnica em
áreas urbanas consolidadas ou de expansão. Relatório de Estágio Profissionalizante da
Licenciatura em Geologia Aplicada e do Ambiente, GeoFCUL - C.M. Lisboa.
Matildes, Rita Martins Henriques (2005). Estabilidade de vertentes no concelho de Lisboa.
Relatório de Estágio Profissionalizante da Licenciatura em Geologia Aplicada e do
Ambiente, GeoFCUL - C.M. Lisboa.
Departamento de
GEOLOGIA

E W
Produção científica / Teses de Mestrado
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(Últimos 10 anos)
.

Ribeiro F.M. (1998). Estudo de Deformações Tectónicas Plio-Quaternárias no Bordo Meridional da


Estrutura Diapírica de S. Pedro de Muel (Vale de Paredes - Marinha Grande). Mestrado em
Geologia Dinâmica (Geodinâmica Interna), FCUL.
Paulino, J. (1998). Sedimentologia, litoestratigrafia e geoquímica do depósito sedimentar
associado ao tsunami do 1º de Novembro de 1755 da Boca do Rio, Algarve. Dissertação
de Mestrado em Geologia Económica e Aplicada, FCUL.
Figueiredo, P. (2005). Abordagem Multidisciplinar ao Estudo da Sismotectónica na região do Vale
Inferior do Tejo. Mestrado em Geologia Dinâmica, FCUL.
Patrício, V. C. (2006). Controlo geodinâmico do Vale Inferior do Tejo. Mestrado em Ciências e
Engenharia da Terra, FCUL.
Afonso, A. G. (2007). Implementação de uma rede de estações de referência GPS para
posicionamento em tempo real. Mestrado em Engenharia Geográfica e Geoinformática.
FCUL.

Falha da Vilariça, contacto granito (W) -


terraço fluvial do rio Douro (E), Qta do (continua)
Vale Meão, Pocinho
Departamento de
GEOLOGIA

Produção científica / Dissertações de doutoramento


.
(Últimos 10 anos)
.

Madeira, J. (1998). Estudos de neotectónica nas ilhas do Faial, Pico e S. Jorge: uma contribuição para o
conhecimento geodinâmico da junção tripla dos Açores. Universidade de Lisboa.
Baptista J.C. (1999). Estudo Neotectónico da Zona de Falha Penacova-Régua-Verin. Universidade de Trás-os-
Montes e Alto Douro.
Dias, R.P. (2001). Neotectónica da Região do Algarve. Universidade de Lisboa.
Brum da Silveira, A., (2002). Neotectónica e Sismotectónica de um Sector do Alentejo Oriental. Universidade de
Lisboa.
Antunes, C. (2004). Geoid determination by Gravity Space Approach. Graz University of Technology, Graz,
Austria.
Roque, A.C. (2006). Estrutura e evolução tectónica das Margens Sul e Sudoeste Portuguesas. Universidade de
Lisboa.

GeoFCUL©2008
Departamento de
GEOLOGIA

GeoFCUL©2008

Produção científica / Prestações de serviços


.

(Últimos 10 anos)

Marques, F.M.S.F., Andrade, C., Freitas, C. (1998). Estudo Geológico para o Plano de Ordenamento da
Orla Costeira Alcobaça-Mafra. Centro de Geologia da Universidade de Lisboa (GeGUL).
.

Marques, F.M.S.F. (1998). Estudo Geológico para o projecto de consolidação das arribas entre as praias
do Tamariz e da Azarujinha, na Costa do Estoril. Centro de Geologia da Universidade de Lisboa
(CeGUL).
.

Cabral, J., Terrinha, P. (1999). Potenciais Localizações do Novo Aeroporto de Lisboa, Estudo Preliminar de
Impacte Ambiental (EPIA), Ota e Rio Frio, Casualidade Sísmica, Neotectónica da Região do Vale
do Tejo, NAER, Lisboa.
.

Marques, F.M.S.F. (2001). Estudo do Risco Sísmico da Área Metropolitana de Lisboa e Concelhos Limítrofes
(25 concelhos, 4881 km2): Mapa de Instabilidade de Vertentes. Serviço Nacional de Protecção
Civil (SNPC) Instituto de Ciências da Terra e do Espaço (ICTE).
.

Madeira, J., Cabral, J., Carmo, R., Hipólito, A. R., Queiroz, G. (2006). Estudo dos Perigos Geológicos
Existentes na Área de Implantação do Novo Hospital de Angra do Heroísmo (Ilha Terceira, Açores).
Centro de Vulcanologia e Avaliação de Riscos Geológicos, Universidade dos Açores,
Departamento de Geociências, Ponta Delgada. 45 pp. (Relatório Inédito).
Produção científica / Publicações relevantes
.

(Últimos 10 anos)

Hindson, R.; Andrade, C. (1999). Sedimentation and hydrodynamic processes associated with the tsunami
generated by the 1755 Lisbon earthquake. Quaternary International, 56: 27-38.
Terrinha, P.; Dias, R. P.; Ribeiro, A.; Cabral, J. (1999). The Portimão fault, Algarve basin, South Portugal. Com.
Instituto Geológico e Mineiro, 86: 103-116.
Cabral, J.; Marques, F.M.S.F. (2001). Paleoseismological studies in Portugal: Holocene thrusting or landslide
activity? EOS, Transactions, AGU, 82 (32): 351-352.
Marques, F.M.S.F. (2001) The deep seated landslide of Praia do Telheiro (SW coast of Algarve, Portugal). Comun.
Inst. Geol. e Mineiro, 88: 185-201.
Dias, R. P.; Cabral, J. (2002). Interpretation of recent structures in an area of cryptokarst evolution - neotectonic
versus subsidence genesis. Geodinamica Acta, 15( 4): 233-248.
Dias, R. P.; Cabral, J. (2002). Actividade neotectónica na região do Algarve (S de Portugal). Comun. Inst. Geol. e
Mineiro, 89: 193-208.
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Lopo de Mendonça, J.; Cabral, J. (2003). Identificação de falhas na Bacia Cenozóica do Tejo através de
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Matias, L.; Dias, N. A.; Morais, I.; Vales, D.; Carrilho, F.; Madeira, J.; Gaspar, J. L.; Senos, l.; Brum da Silveira, A.
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Azevêdo, T.M.; Ramos Pereira, A.; Ramos, C.; Nunes, E. Freitas, M.C.; Andrade, C. & Pereira, D. (2008) Floodplain
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Brum da Silveira, A., Cabral, J., Araújo A., Espinha Marques, J. (1997). Estudo Neotectónico e
Sismotectónico da Falha de Alqueva. ICAT, FCUL, Relatório elaborado para a Empresa de
Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva - EDIA, S. A., 119 pp., 4 Anexos.
Marques, F.M.S.F., Andrade, C., Freitas, C. (1998). Estudo Geológico para o Plano de Ordenamento da
Orla Costeira Alcobaça-Mafra. Centro de Geologia da Universidade de Lisboa (GeGUL).
Marques, F.M.S.F. (1998) - Estudo Geológico para o projecto de consolidação das arribas entre as praias
do Tamariz e da Azarujinha, na Costa do Estoril. Centro de Geologia da Universidade de Lisboa
(CeGUL).
Cabral, J., Terrinha, P. (1999). Potenciais Localizações do Novo Aeroporto de Lisboa, Estudo Preliminar de
Impacte Ambiental (EPIA), Ota e Rio Frio, Casualidade Sísmica, Neotectónica da Região do Vale
do Tejo, NAER, Lisboa.
Marques, F.M.S.F. (2001). Estudo do Risco Sísmico da Área Metropolitana de Lisboa e Concelhos Limítrofes
(25 concelhos, 4881 km2): Mapa de Instabilidade de Vertentes. Serviço Nacional de Protecção
Civil (SNPC) Instituto de Ciências da Terra e do Espaço (ICTE).
Marques, F.M.S.F. (2001). Estudo Geológico para o Plano de Ordenamento da Orla Costeira Sintra-Sado.
Centro de Geologia da Universidade de Lisboa (CeGUL).

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Marques, F.M.S.F. (2002). Estudo geológico-geotécnico da arriba do Forte do Belixe e Capela de Santa
Catarina. ICAT.
Colaboração com o Serviço Municipal de Protecção Civil da Câmara Municipal de Lisboa, para a
elaboração do Plano de Emergência para o Risco Sísmico (2002).
Madeira, J., Cabral, J., Carmo, R., Hipólito, A. R., Queiroz, G. (2006) - Estudo dos Perigos Geológicos
Existentes na Área de Implantação do Novo Hospital de Angra do Heroísmo (Ilha Terceira, Açores).
Centro de Vulcanologia e Avaliação de Riscos Geológicos, Universidade dos Açores,
Departamento de Geociências, Ponta Delgada. 45 pp. (Relatório Inédito).
Colaboração com a CCDR-LVT e a Secretaria de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades
para a Revisão do Regime Jurídico da REN (2007-2008).

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Comemorações do AIPT 2008 no GeoFCUL

Desastres naturais: Minimizar os riscos,


maximizar a consciencialização.
Ficha técnica:
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Coordenação
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António Mateus.
Design gráfico e execução
.

.
Carlos Marques da Silva.
Imagens
.

Carlos Marques da Silva, José Madeira, Conceição Freitas, Teresa


Azevedo, César Andrade, Nuno Pimentel, Catarina Silva, João Cabral.

Como citar este documento:


.
Mateus, A. (Coord.) (2008) Desastres Naturais: Minimizar os riscos,
maximizar a consciencialização. GeoFCUL. Acessível em
http://geologia.fc.ul.pt/documents/85.pdf, consultado em [data].

Março de 2008 Mais informações em: http://geologia.fc.ul.pt/index.php GeoFCUL©2008


TÓPICO 4
______________________________________________________________________

Movimentos de Massa

Pedro Pereira

Licenciatura em Ciências do Ambiente – Riscos Naturais (2º ano - 2º Semestre)


Ano letivo de 2011/12
Índice

1. Tipos de movimentos de massa 1


1.1. Quedas de rochas e detritos 1
1.2. Deslizamentos 2
1.3. Fluxos sedimentares 3
1.3.1. Fluxos granulares 3
1.3.2. Fluxos aquosos 5
1.4. Movimentos complexos 8

2. Fatores que influenciam a estabilidade de vertentes 9


2.1. Gravidade 9
2.2. Água 10
2.3. Materiais geológicos 12
2.4. Vegetação 14

3. Eventos que podem desencadear movimentos de massa 15

4. Consequências dos movimentos de massa e relações com outros perigos naturais 16

5. Redução da perigosidade dos movimentos de massa 17


5.1. Identificação de possíveis movimentos de massa 17
5.2. Prevenção dos movimentos de massa 18

6. Bibliografia 22
1. Tipos de Movimentos de Massa

Designam-se por movimentos de massa quaisquer movimentações de rochas ou de


rególito numa superfície inclinada, induzidas principalmente pela gravidade. Como
importantes eventos erosivos/deposicionais que são, os movimentos de massa são
altamente modeladores da superfície terrestre. Os processos de movimentação de massa
estão continuamente a atuar em todas as vertentes: alguns ocorrem muito lentamente;
outros ocorrem de forma súbita.
Os movimentos de massa são frequentemente designados, em termos genéricos,
embora de forma não totalmente correcta, por deslizamentos (landslides).
Existem muitos tipos de movimentações de massa, dependendo as respetivas
características de fatores variados, designadamente do pendor da vertente, do conteúdo
em água, do tipo de material envolvido, e dos parâmetros ambientais locais (como a
temperatura). Pode considerar-se que existem três categorias principais de movimentos
de massa: quedas de rochas e detritos, deslizamentos e fluxos sedimentares (fig. 1 e tab.
1).

Figura 1 – Diagrama esquemático representando diferentes tipos de movimentos de massa. Adaptado de


USGS (2006).

1.1. Quedas de rochas e detritos

Ocorrem geralmente em vertentes muito inclinadas, como as arribas (marinhas e


fluviais) e as barreiras das vias de comunicação. Resultam frequentemente de cedência
em planos de fraqueza estrutural (planos de estratificação, diáclases, etc.) sendo, muitas
vezes, induzidas por escavação, natural ou artificial, da base da vertente e/ou alteração
do pendor (escavações para estradas, erosão marinha ou fluvial, etc.). Em climas com
fortes amplitudes térmicas a termoclastia provoca frequentes quedas de blocos. A
alteração química da rocha devida à percolação da água através das fissuras é
responsável por muitas quedas de blocos, principalmente em litologias carbonatadas.

1
Em regiões montanhosas, são particularmente frequentes durante a primavera devido à
gelivação. Por vezes, o mecanismo indutor direto é um sismo. Frequentemente, existe
na base da vertente um depósito de sopé (figs. 1-2).

Figura 2 – Diagrama esquemático representando


a queda de rochas e detritos e consequente
depósito. Adaptado de Nelson (2009).

1.2. Deslizamentos

Os deslizamentos dividem-se em duas categorias: deslizamentos rotacionais (slumps)


e deslizamentos translacionais (slides) (tab. 1).

Deslizamentos rotacionais – Rotação de rocha ou rególito ao longo de uma


superfície côncava (figs. 1 e 3). A superfície superior de cada bloco fica, em geral,
pouco perturbada. Mais frequentemente, este tipo de movimentação afeta materiais não
consolidados ou pouco consolidados. Deixam geralmente cicatrizes arqueadas e/ou
depressões na vertente. Podem afetar um bloco único ou grandes complexos de blocos.
São frequentemente induzidos por atividades humanas que ampliam o pendor das
vertentes. São comuns nas barreiras das estradas. Podem ser induzidos por mecanismos
variados, mas os mais comuns são as precipitações elevadas e os sismos.

Figura 3 – Diagrama esquemático representando


um deslizamento rotacional (slump). Adaptado
de Nelson (2009).

2
Os deslizamentos rotacionais ocorrem normalmente a velocidades reduzidas (alguns
centímetros a poucos metros por ano). Contudo, podem também ocorrer de modo
brusco, podendo neste caso desencadear diversos tipos de fluxos sedimentares.

Deslizamentos translacionais – Estes movimentos ocorrem quando rocha ou


detritos deslizam ao longo de uma superfície pré-existente (estratificação, foliação,
diáclases, etc.). É frequente a existência de depósitos de sopé constituídos por materiais
anteriormente deslocados. Diferem dos deslizamentos rotacionais principalmente pelo
facto da superfície de deslocamento ser plana e não encurvada (fig. 4).

Figura 4 – Diagrama esquemático representando


um deslizamento translacional. Adaptado de
Nelson (2009).

1.3. Fluxos sedimentares

Os fluxos sedimentares são fluxos de detritos misturados com ar ou água.


Dependendo da quantidade de água presente, podem ser divididos em dois grandes
grupos: fluxos granulares e fluxos aquosos (tab. 1).

1.3.1. Fluxos granulares

Os fluxos granulares são fluxos não saturados em água, podem ocorrer com pouca ou
nenhuma água pois o comportamento fluido advém da mistura com o ar; vulgarmente
contêm até 20% de água. Podem distinguir-se três tipos de fluxos granulares: reptação,
movimentos de terras e avalanches.

Reptação – Movimentação muito lenta (velocidade inferior a 1 cm/ano), mais ou


menos contínua, de rególito ao longo de uma vertente. Praticamente todas as vertentes
são afetadas por este tipo de movimentação, embora os ritmos a que se verificam sejam
muito variados.
Apesar de ser um processo lento, é frequentemente responsável pela ruptura de
canalizações subterrâneas, fissuração de fundações, estradas e outras infraestruturas
construídas em vertentes, particularmente em regiões de clima temperado (com verões
quentes e invernos frios, com fortes variações da temperatura diária e sazonal). Com
frequência as evidências de reptação são árvores e postes para diversos serviços
inclinados, vedações deslocadas, etc. (fig. 5).

3
Figura 5 – Diagrama esquemático representado os efeitos do processo de reptação.
Adaptado de Reis (2001).

Movimentos de terra – O material, geralmente rególito, entra em liquefação e


desloca-se vertente abaixo. O movimento pode ser lento ou rápido, sendo a maior parte
das vezes moderado. Começa vulgarmente com reptação cada vez mais intensa que se
transforma em movimento de terras. Ocorrem geralmente em vertentes moderadas a
íngremes, em que os materiais correspondem a sedimentos finos.
A forma geral é alongada e apresenta forma lenticular característica. A zona de
cedência fica registada por uma depressão e, normalmente, por uma pequena escarpa. A
parte frontal corresponde a uma pequena elevação correspondente à principal área de
deposição (fig. 6).

Figura 6 – Diagrama representando


esquematicamente a morfologia gerada por
movimentos de terras. Legenda: A – zona
de rotura; B – zona de deslocamento; C –
zona de deposição. Adaptado de Dias
(2006).

Avalanches detríticas – Movimentações muito rápidas (até cerca de 400 km/h) de


grandes volumes de mistura de rocha e rególito, resultantes do completo colapso de uma
vertente. São frequentemente induzidas por sismos ou erupções vulcânicas. Na
realidade, este tipo de movimentações de massa é complexo, isto é, resulta da

4
combinação de vários tipos de movimentação (queda de rochas, deslizamentos, fluxos
sedimentares). Em princípio, quanto maior é a avalanche detrítica maior é a velocidade
a que ela se desloca, pois que maior é a energia associada ao material em movimento
(fig. 7).

Figura 7 – Diagrama representando esquematicamente a


morfologia gerada por avalanches detríticas (Dias, 2006).

Avalanches de neve – movimentações rápidas vertente abaixo de neve e gelo,


incluindo, por vezes, detritos rochosos, solo e árvores. A maioria das avalanches de
neve ocorre em vertentes com inclinação entre 35 e 40°. Em vertentes mais inclinadas
(mais de 50° a 60°) a neve tende a deslizar continuamente ao longo da vertente.
As vertentes cobertas de neve podem tornar-se instáveis quando o vento acumula a
neve na direção do vento no topo de uma montanha ou colina, quando uma rápida
precipitação adiciona peso à vertente ou quando a temperatura aumenta rapidamente,
fazendo com que a neve fique muito húmida.
Distinguem-se dois tipos de avalanches de neve: neve solta e blocos. As avalanches
de neve solta começam normalmente numa zona restrita, tornando-se progressivamente
mais largas durante o movimento ao longo da vertente. As avalanches de blocos
começam como blocos coesos de neve e gelo que se deslocam vertente abaixo.
Normalmente as avalanches de blocos são desencadeadas pela sobrecarga de uma
vertente ou pelo desenvolvimento de zonas de debilidade na carga de neve.
Consequentemente milhões de toneladas de neve e gelo movem-se rapidamente vertente
abaixo a velocidades até 100 km/h.

1.3.2. Fluxos aquosos

Fluxos aquosos são fluxos em que o solo e/ou rególito saturados de água se
comportam como uma massa fluida, apresentando frequentemente comportamentos
torrenciais. Geralmente, contêm entre 20% e 40% ou mais de água. Quando o teor em
água é superior a cerca de 40% do fluxo, este acaba por progredir na rede fluvial
distâncias longas (da ordem de dezenas de quilómetros). O fluxo é do tipo turbulento.
Em geral, devido à quantidade de sedimentos finos em suspensão, a mistura de água e
sedimento comporta-se como um fluido de densidade global elevada. Nestas condições,
os fluxos aquosos podem transportar elementos de grandes dimensões, que podem,
excepcionalmente, ter expressão decamétrica.

5
Em geral ocorrem na sequência de períodos de precipitação intensa ou moderada mas
contínua, estando muitas vezes associados a episódios de cheia. Na história recente têm
sido responsáveis por grandes catástrofes.
Podem distinguir-se três tipos de fluxos aquosos: solifluxão, fluxos de detritos e
fluxos de lama.

Solifluxão – Movimentação lenta (da ordem de centímetros por dia) do sedimento


superficial saturado em água numa vertente. Produz lobos típicos nas vertentes. Ocorre
em áreas em que os solos ficam saturados com água durante longos períodos. É muito
frequente no permafrost quando durante a estação quente a parte superior deste
descongela, constituindo a água e o sedimento uma massa viscosa que flui lentamente
sobre a camada gelada, produzindo topografia lobada característica (fig. 8).

Figura 8 – Diagrama representando esquematicamente


a morfologia gerada por solifluxão em permafrost.
Adaptado de Dias (2006).

Fluxos de detritos – A percentagem de materiais grosseiros (areias e cascalhos) é


elevada embora frequentemente tenham também muitos materiais finos (siltes e argilas).
Blocos, por vezes, muito grandes podem ser transportados nestes fluxos. Resultam
frequentemente de períodos de elevada pluviosidade. Por vezes iniciam-se como
deslizamentos rotacionais.
Os fluxos detríticos são fluxos saturados em água numa mistura homogénea com
detritos variados, em que a percentagem de materiais grosseiros (areias e cascalhos) é
elevada (em geral superior a 50%). Normalmente, a quantidade de materiais finos (siltes
e argilas) em suspensão turbulenta é, também, elevada. É esta mistura densa que permite
o transporte em suspensão de elementos maiores (por vezes, decamétricos).

Figura 9 – Diagrama representando esquematicamente


a morfologia gerada por fluxos detríticos (Dias, 2006).

6
Geram-se, normalmente, quando massas de materiais não consolidados, saturados em
água, se tornam instáveis. A água pode ser proveniente de chuvas intensas, da fusão de
neve e gelos, ou do transbordo de lagos (p.ex.: lagos vulcânicos). Por vezes iniciam-se
como movimentações rotacionais.
As velocidades atingidas por estes fluxos são muito variáveis, dependendo, entre
outros fatores, da quantidade de água, da percentagem de material sólido, e do pendor.
Em termos genéricos, a velocidade pode variar entre menos de 1m/ano e mais de
100km/h, embora normalmente a frente do fluxo tenha velocidade bastante maior do
que a parte posterior.
Estes fluxos tendem a deslocar-se pela rede de drenagem superficial pré-existente
(fig. 9). No entanto, muitas vezes abrem os seus próprios canais de passagem,
construindo frequentemente, à sua passagem, diques naturais. A localização exata dos
sítios por onde passará um futuro fluxo deste tipo é assim imprevisível.

Fluxos de lama – Altamente fluidos. Normalmente os materiais finos (siltes e


argilas) correspondem a mais de 50% do fluxo. Como são muito fluidos utilizam
geralmente a rede de drenagem pré-existente, podendo percorrer grandes distâncias,
mesmo deslocando-se em vales de inclinação suave. Frequentemente, são induzidos por
períodos de elevada pluviosidade (fig. 10), podendo desenvolver-se todos os termos de
transição entre cheia constituída quase apenas por água da escorrência superficial e
fluxos de elevada densidade em que a quantidade de matéria em suspensão é muito
grande. Podem também ser induzidos por erupções vulcânicas que provocam a fusão
das neves. Os fluxos de lama vulcânica são designados por lahares e podem ser bastante
quentes se resultarem de erupções com emissão de grandes quantidades de materiais
piroclásticos.
Os fluxos de lama podem atingir velocidades bastante superiores a 1km/h; nalguns
casos, estimaram-se velocidades de deslocação da ordem de 150km/h. Na fase inicial,
os fluxos de lama muito fluidos podem atingir velocidades da ordem de 30 m/s (mais de
100km/h) em apenas alguns segundos. Na fase terminal, quando atingem zonas
aplanadas, a velocidade diminui para, apenas, alguns metros por dia.

Figura 10 – Diagrama representando esquematicamente


a ocorrência de fluxos de lama (Dias, 2006).

Lahares - são fluxos sedimentares (fluxos de lama ou de detritos) compostos por


material vulcânico (piroclástico), água, gelo e outros detritos, que se deslocam ao longo
das vertentes de um vulcão. Os lahares ocorrem como resultado de erupções vulcânicas,
sismos, colapso do cone de um vulcão ou fusão dos gelos que cubram um vulcão.

7
1.4. Movimentos complexos

Muitos dos movimentos de massa são combinações complexas de dois ou mais tipos
de movimentos (deslizamentos, fluxos e, ocasionalmente, quedas de rochas e detritos).
Formam-se quando um tipo de movimento se transforma noutro durante o deslocamento
vertente abaixo. Por exemplo, um movimento pode iniciar-se como deslizamento,
ganhar água durante a descida ao longo da vertente e transformar-se em movimento de
terras na parte inferior do deslocamento.

Tabela 1 – Classificação e características dos diversos tipos de movimentos de massa.

Categoria Descrição Subcategoria Tipo Descrição Observações


O material cai
livremente no ar, Ocorre em
Queda deslocando-se na vertentes muito
fase final por íngremes
rolamento
Superfície de Por vezes
Rotacional deslizamento originam fluxos
côncava sedimentares;
O material (rocha,
com frequência
Deslizamentos rególito ou solo)
move-se em bloco Superfície de árvores (e
Translacional deslizamento mesmo casas)
plana não são
destruídas
Movimento Evidências:
muito lento, árvores
Reptação visualmente inclinadas,
quase vedações
impercetível deslocadas, etc.
Fluxos O movimento
Granulares pode ser lento
O material,
ou rápido;
Movimentos geralmente
(não saturados ocorrem em
de terras rególito, entra
de água; em vertentes
geral contêm em liquefação
moderadas a
entre 0% a íngremes
20% de água) Tipo complexo,
Em princípio,
em geral
quanto maior é
As partículas Avalanches resultante da
a avalanche
movem-se detríticas combinação de
Fluxos maior é a
independentemente vários tipos de
velocidade
umas das outras movimentação
Lenta
movimentação
Frequente no
ao longo de uma
permafrost;
Solifluxão vertente do
Fluxos pode ocorrer em
rególito
Aquosos vertentes suaves
saturado com
água
(saturados de
Percentagem de Velocidade
água; entre
Fluxo de materiais muito variável
20% e 40% ou
detritos grosseiros maior (1m/ano a
mais de água)
que 50% 100km/h)
Percentagem de Velocidade
Fluxos de
materiais finos pode ser >
lama
maior que 50% 100km/h

8
2. Fatores que influenciam a estabilidade de vertentes

2.1. Gravidade

A principal força responsável pelas movimentações de massa é a gravidade. Numa


superfície plana a força da gravidade atua para baixo. Consequentemente, enquanto o
material se mantiver numa superfície plana não haverá movimento por acção da
gravidade.
Numa vertente a força da gravidade pode ser decomposta em duas componentes
principais, uma atuando perpendicularmente (gp) e outra atuando tangencialmente (gt) à
superfície da vertente. À medida que a inclinação da vertente aumenta a componente
tangencial (gt) da gravidade aumenta e a componente perpendicular (gp) diminui (fig.
11). A componente tangencial da gravidade é a responsável pela eventual
movimentação e designa-se por tensão tangencial. As forças que se opõem ao
movimento (atrito, coesão de partículas, etc.) designam-se por forças de resistência.

Figura 11 – Diagrama esquemático representando a ação da força da gravidade na movimentação de um


objeto de rocha ao longo de uma vertente.

Quando a tensão tangencial se torna maior do que a combinação de forças que


mantêm o objeto na vertente, o objeto irá mover-se vertente abaixo. Alternativamente,
se o objeto consistir de um conjunto de materiais como solo, argila, areia, etc., se a
tensão tangencial se tornar maior do que as forças de coesão que mantêm as partículas
unidas, as partículas separam-se e movem-se ou fluem vertente abaixo.
Assim, o movimento descendente ao longo da vertente é favorecido por maiores
ângulos de inclinação das vertentes1, os quais aumentam a tensão tangencial, e por
qualquer processo que reduza as forças de resistência, como o abaixamento da coesão
entre as partículas ou do atrito. Isto é frequentemente expresso pelo fator de segurança
(Fs = forças de resistência / tensão tangencial).
As movimentações de massa ocorrem quando Fs é inferior a 1. Se Fs for superior a 1
então não existe movimentação. Porém, como o valor de Fs varia com o tempo devido a
diversos fatores (conteúdo em água, tipo e densidade da vegetação, vibrações, etc.), ao
avaliar-se a segurança de uma vertente aplica-se, normalmente, um fator de segurança
de cerca de 10. Tal significa que só deverá existir ocupação humana na base de uma
vertente se esta tiver um Fs superior a 10.
Como se referiu, as forças de resistência variam com grande diversidade de fatores,
dos quais, os que mais frequentemente interferem são os seguintes:

1
São frequentes deslizamentos em vertentes urbanizadas com pendores superiores a 15%.

9
2.2. Água

Apesar de água não estar sempre diretamente envolvida como meio de transporte nas
movimentações de massa, ela desempenha um papel importante. A água torna-se
importante por diversas razões:
1. A adição de água da chuva ou da fusão de neve e gelo acrescenta peso à vertente.
A água pode percolar no interior do solo ou rocha e substituir o ar nos poros ou fraturas.
Uma vez que a água é mais pesada do que o ar, vai aumentar o peso do solo. Este
aumento de peso aumenta a tensão tangencial, podendo levar à instabilidade da vertente.
2. A água tem capacidade de alterar o ângulo de repouso de uma vertente.
Grãos não consolidados e secos formam uma pilha cuja inclinação dos flancos é
determinada pelo ângulo de repouso. O ângulo de repouso é o ângulo máximo no qual
os materiais soltos de uma vertente se mantêm estáveis, e é controlado pela fricção entre
os grãos. No geral, para materiais secos, o ângulo de repouso aumenta com o tamanho
do grão, mas normalmente situa-se entre cerca de 30 e 37o (fig. 12).

Figura 12 – Diagrama esquemático representando o modo como a


adição de água a um monte de areia consegue alterar o seu ângulo de
repouso (Dias, 2006).

10
Materiais não consolidados, ligeiramente húmidos, têm ângulos de repouso muito
elevados porque a tensão superficial entre o filme de água e os grãos tende a manter os
grãos unidos.
Quando o material se torna saturado em água, o ângulo de repouso diminui para
valores muito baixos e o material tende a comportar-se como um líquido. Isto acontece
porque a água se infiltra entre os grãos e elimina a fricção entre estes.
3. A água pode ser adsorvida ou absorvida pelos minerais do solo. Adsorção
significa que a molécula polar da água se liga à superfície dos minerais; absorção
significa que os minerais incorporam moléculas de água na sua estrutura. Em
ambos os casos, devido à adição de água, aumenta o peso do solo ou rocha. Além
disso, devido à adsorção de água, a fricção entre os grãos vai diminuir ou mesmo
desaparecer, originando a perda de coesão do solo.
4. A água pode dissolver os cimentos minerais que mantêm os grãos unidos. Se o
cimento for composto por calcite, gesso ou halite, todos eles muito solúveis em água, a
água ao entrar no solo pode dissolver este cimento e assim reduzir a coesão entre os
grãos minerais.
5. Liquefação. Ocorre quando sedimentos não consolidados se tornam
sobressaturados em água e os grãos individuais perdem o contato entre si à medida que
a água se infiltra entre eles. Este fenómeno pode ocorrer devido a um sismo ou como
resultado da adição de água resultante de chuvas intensas ou fusão de neve ou gelo.
Também pode ocorrer por ação da lenta infiltração de água no interior de sedimentos
soltos ou solos (fig. 13).

Sedimento saturado de água Liquefação

A água preenche o espaço entre A água rodeia todos os grãos,


os grãos. A fricção entre os estes eliminando o contato entre estes.
mantém o sedimento coeso. O sedimento comporta-se como
um líquido.
Figura 13 – Diagramas esquemáticos ilustrando o processo de
liquefação. Adaptado de Nelson (2009).

A quantidade de água necessária para transformar o sedimento ou solo numa massa


líquida varia com o tipo de material. Geralmente, os sedimentos argilosos requerem
mais água para se comportarem como líquidos porque, inicialmente, a água é absorvida
pelos minerais argilosos, tornando-os ainda mais “sólidos”, e só com adição de mais
água é possível afastar os grãos uns dos outros.
6. Água subterrânea. Entende-se por água subterrânea a água que preenche os
espaços entre os grãos nas rochas ou solos e as fraturas nas rochas. O lençol freático é a
superfície que separa a zona saturada inferior, onde todos os poros estão preenchidos
por água, da zona não saturada superior. Alterações do nível do lençol freático ocorrem
devido a alterações da precipitação. O lençol freático tende a subir durante as estações

11
húmidas quando mais água se infiltra no sistema, e tende a descer durante as estações
secas quando se infiltra menos água (fig. 14). Estas alterações do nível do lençol
freático podem ter efeitos sobre os fatores (1 a 5) acima referidos.

Figura 14 – Diagrama esquemático ilustrando a oscilação do nível dos lençóis freáticos em


resultado da alternância das estações do ano. Adaptado de Nelson (2009).

7. Pressão de fluidos. Com o aumento da profundidade, os grãos do solo e rocha


podem rearranjar-se de modo a formar uma estrutura mais compacta, contudo a água
que se encontra nos espaços intersticiais é forçada a ocupar o mesmo espaço. Isto pode
aumentar a pressão de fluidos a um ponto em que a água acaba por suportar o peso da
massa rochosa sobrejacente. Quando isto ocorre, a fricção é reduzida e,
consequentemente, as forças de resistência que mantêm o material na vertente são
também reduzidas, originando o colapso da vertente.

2.3. Materiais geológicos

Solos expansivos e hidrocompactáveis – Alguns solos contêm grandes quantidades


de argilas expansivas (esmectites e montmorilonites), isto é, argilas que, quando
molhadas, incorporam por adsorção moléculas de água na sua estrutura cristalina,
aumentando de volume (fig. 15). Ao secarem dá-se o processo inverso, com libertação
das moléculas de água e redução de volume (hidrocompacção).

Figura 15 – Diagrama esquemático ilustrando o processo de expansão das


argilas por adição de água.

12
Outro material que apresenta comportamento semelhante devido à adição de água é a
turfa. A turfa é um material rico em matéria orgânica acumulado no fundo de pântanos.

Solos sensíveis – Nalguns solos os minerais de argila estão dispostos de modo


aleatório, com muito espaço vazio entre eles. Esta disposição dos grãos é normalmente
designada por estrutura em "castelo de cartas". Frequentemente, os grãos são mantidos
nesta posição por sais (como gesso, calcite ou halite) precipitados no espaço
intergranular, “colando” as partículas umas às outras (fig. 16).
A água ao infiltrar-se nos poros, como referido acima, pode ser adsorvida ou
absorvida pelos minerais de argila, e pode dissolver os sais que mantêm o "castelo de
cartas".
A compactação do solo ou vibração do solo podem provocar uma rápida mudança na
estrutura do material: os minerais das argilas alinham-se uns com os outros e o espaço
vazio é reduzido. Este processo pode causar uma perda da força de resistência do solo e
originar o movimento ao longo de uma vertente ou liquefacção.

Figura 16 – Diagramas esquemáticos representando o papel


dos sais na manutenção das estruturas em castelo de cartas.
Adaptado de Nelson (2009).

Algumas argilas (argilas tixotrópicas) são estáveis quando em repouso mas, quando
perturbadas (agitadas) a sua resistência diminui rapidamente. Devido a esta
característica, pequenos sismos ou vibrações provocadas pelo vento ou pelo homem
podem causar a súbita perda de resistência nesses materiais.

Figura 17 – Diagrama esquemático representando


o papel da estratificação e das fraturas na
estabilidade das vertentes. Adaptado de Nelson
(2009).

13
Planos de estratificação – São basicamente camadas planas de rocha sobre as quais
ocorreu a deposição original. Uma vez que são planas e que podem ter uma inclinação
paralela à vertente, elas podem funcionar com superfícies de deslizamento,
particularmente se a água entrar ao longo destes planos reduzindo a coesão. Na figura
17 observa-se como a vertente acima da estrada à esquerda é inerentemente menos
estável do que a vertente acima da estrada à direita.

Camadas sensíveis – Algumas rochas são mais resistentes do que outras. Em


particular, os minerais de argila tendem, geralmente, a ter baixa força de resistência. Se
uma rocha ou solo frágil ocorrer entre rochas ou solos mais resistentes, a camada frágil
será a mais propensa a ceder, especialmente se essa camada tiver uma inclinação
paralela à vertente como na figura 17.

Diáclases e fraturas – As diáclases são fraturas ou fendas regularmente espaçadas


em rochas que não apresentam movimento ao longo da fratura (fraturas que apresentam
movimentação são denominadas falhas).
As diáclases originam-se como resultado da expansão devido ao arrefecimento ou
alívio de pressão à medida que as rochas sobrejacentes são removidas pela erosão
originando espaço livre nas rochas pelo qual água, animais e plantas podem entrar e
reduzir a coesão da rocha.
Se as diáclases são paralelas à vertente podem tornar-se superfícies de deslizamento.
Combinadas com diáclases perpendiculares à vertente [como se pode observar no
arenito da figura 17], o padrão das diáclases resulta em fraturas ao longo das quais
blocos podem soltar-se e deslizar vertente abaixo.

Planos de foliação – Durante o metamorfismo, a pressão litostática faz com que os


filossilicatos (minerais de argila, micas, etc.) cresçam com as folhas paralelas umas às
outras, resultando na produção de foliação ou xistosidade nas rochas. Como os
filossilicatos apresentam clivagem fácil na direcção paralela à sua estrutura em folhas, a
foliação e a xistosidade podem funcionar como superfícies de deslizamento,
particularmente se estas estiverem inclinadas na direção da vertente.

2.4. Vegetação

A vegetação constitui fator importante na estabilidade de vertentes, embora os efeitos


sejam, por vezes, contraditórios. Com efeito, a vegetação:
− Propicia uma cobertura impeditiva do impacto direto das gotas de chuva no solo,
facilitando assim a infiltração e retardando a erosão por escorrência superficial;
− Introduz no solo os seus sistemas radiculares, os quais formam uma "rede" que
contraria grandes movimentações, e consequentemente tende a aumentar a coesão
do solo como um todo;
− Reduz a humidade do solo através da evapo-transpiração, o que contribui para
evitar a cedência das vertentes uma vez que a água é, normalmente, o
"lubrificante" da maior parte das movimentações de massa;
− Aumenta a carga exercida na vertente.
Geralmente a vegetação é fator de estabilidade das vertentes. É por essa razão que é
prática comum plantar vegetação nas barreiras das estradas para evitar ou diminuir
movimentações nessas vertentes artificiais. Com frequência, os episódios de cedência
das vertentes estão associados a acções de desmatação e de desflorestação.

14
É neste contexto que os incêndios florestais criam, frequentemente, condições
propícias à cedência de vertentes. Efectivamente, a vegetação, ao ser queimada, propicia
que haja impacto direto da chuva no solo, que a escorrência superficial seja mais
intensa, que a humidade no solo seja maior (pois as perdas por evapo-transpiração são
fortemente reduzidas), que haja redução da resistência aparente do solo
(designadamente devido ao apodrecimento das raízes), e que, globalmente, se verifique
redução da estabilidade das vertentes.
Contudo, em alguns casos, o peso adicional provocado pela presença de vegetação
aumenta a probabilidade de ocorrerem deslizamentos no terreno, principalmente em
solos pouco espessos de vertentes muito inclinadas. Estes deslizamentos de solo são
comuns na costa da Califórnia onde a erva-do-orvalho, uma planta invasiva (que
também ocorre em território português) importada da África do Sul nos princípios do
século XX, cobre vertentes muito inclinadas. Nos meses de Inverno especialmente
húmidos, estas plantas de raiz pouco profunda absorvem água e armazenam-na nas suas
folhas. Esta água aumenta consideravelmente o peso das vertentes e, consequentemente,
aumenta a tensão tangencial. Estas plantas também produzem um aumento da infiltração
de água na vertente, o que diminui as forças de resistência. Quando ocorre a rotura, as
plantas e uma camada de vários centímetros de raízes e de solo deslizam até à base da
vertente.

3. Eventos que podem desencadear movimentos de massa

Os movimentos de massa podem ocorrer sempre que uma vertente se torne instável.
Por vezes, como no caso da reptação ou da solifluxão, a vertente é sempre instável e o
processo é contínuo. Contudo, outras vezes, acontecem eventos que podem originar a
súbita instabilidade da vertente. Seguidamente, serão referidos os principais eventos
geradores de instabilidade, contundo, é importante referir que se uma vertente se
encontra muito próximo da instabilidade, um evento menor pode ser suficiente para
provocar o desastre.
Abalos – Um abalo súbito, como um sismo podem provocar a instabilidade de
vertentes. Abalos menores, como camiões pesados deslocando-se na estrada, árvores a
abanar por acção do vento, ou explosões provocadas pelo homem podem também
desencadear movimentações de massa.
Alteração do declive – A modificação do declive de uma vertente por causas
naturais ou acção do homem podem alterar o ângulo de inclinação da vertente para um
valor diferente do seu ângulo de repouso. Uma movimentação de massa pode então
restaurar o ângulo de repouso da vertente (fig. 18).

Figura 18 – Diagramas esquemáticos representando o efeito da alteração


do declive das vertentes na sua estabilidade. Adaptado de Nelson (2009).

15
Escavação da base da vertente – A erosão marinha ou fluvial pode escavar a base
uma vertente, tornando-a instável (fig. 19).

Figura 19 – Diagramas esquemáticos representando o efeito do


escavamento da base das vertentes na sua estabilidade. Adaptado de
Nelson (2009).

Mudanças nas condições hidrológicas – Chuvas intensas podem saturar o rególito,


reduzindo o contacto entre os grãos e o ângulo de repouso e, assim, desencadear
movimentações de massa. Chuvas intensas podem também saturar rochas e aumentar o
seu peso. Mudanças no sistema de águas subterrâneas podem aumentar ou diminuir a
pressão de fluidos nas rochas e também desencadear movimentações de massa.
Erupções vulcânicas – Provocam abalos como explosões e sismos. Podem também
provocar a fusão de neve e gelo ou vazar lagos de cratera, libertando bruscamente
grandes quantidades de água que se podem misturar com o rególito, reduzindo o
contacto entre grãos, e desencadear fluxos de detritos, fluxos de lama e deslizamentos.
Exemplo: Os fluxos de lama que provocaram a morte de 23.000 pessoas em Armero
(Colômbia) resultantes da erupção do vulcão Nevado del Ruiz.

4. Consequências dos movimentos de massa e relações com outros perigos


naturais

Devido ao crescimento demográfico, existe cada vez mais área ocupada à superfície
da Terra e, como tal, os riscos associados aos movimentos de massa tem vindo a
aumentar ao longo do tempo. Só nos Estados Unidos da América, os movimentos de
massa causam todos os anos cerca de 25 mortos e este número pode chegar aos 100-150
se se incluir o desmoronamento de valas e outras escavações. O custo total anual dos
danos causados pelos movimentos de massa ultrapassa os 1000 milhões de dólares,
podendo atingir os 3000 milhões de dólares. Nos países menos desenvolvidos as perdas
são proporcionalmente muito maiores devido a: densidades demográficas elevadas, falta
de ordenamento do território, ausência de informações sobre este tipo de processos e
carência de meios para acudir a situações de emergência. A tabela 2 mostra alguns
exemplos do impacte das movimentações de massa sobre as populações humanas desde
o início do século XX.
Os movimentos de massa ocorrem normalmente como consequência de outros
perigos naturais, tais como sismos, erupções vulcânicas, incêndios florestais e cheias.

16
Tabela 2 – Alguns movimentos de massa catastróficos ocorridos desde o início do século XX.
Data Localização Vítimas mortais Causa Tipo
1916 Itália e Áustria 10.000 Fluxo de terra
1920 Gansu, China 200.000 Sismo
São Vicente,
1929 32 Chuva “Quebrada” (fluxo de detritos?)
Ilha da Madeira
1945 Japão 1.200 Cheias
1949 Khait, Tadjiquistão 12.000 - 20.000 Sismo
1962 Huascaran, Peru 4.000 - 5.000 Avalanche e fluxos de detritos
Fluxo de terra em albufeira provocou
1963 Vaiont, Itália 3.000
cheia súbita
1970 Huascaran, Peru 66.000 Sismo Fluxo de detritos, avalanche
Arosa,
1981 15 Chuva Deslizamento seguido de fluxo de detritos
Cabeceiras de Basto
1985 Armero, Colômbia 23.000 Vulcão Fluxo de lama (lahar)
1987 Equador 1.000 Sismo Fluxo de terra
Ribeira Quente, São
1997 29 Chuva Deslizamento e queda de rochas e detritos
Miguel, Açores
1998 Casitas, Nicarágua > 2.000 Fluxo de detritos
1999 Venezuela > 20.000 Chuva Vários tipos de fluxos aquosos
Praia Maria Luísa,
2009 5 Queda de rochas
Albufeira
2010 Ilha da Madeira 42 Chuva Fluxos de detritos

5. Redução da perigosidade dos movimentos de massa

Para reduzir a perigosidade de deslizamentos é necessário identificar as zonas onde é


provável que ocorram, desenhar pendentes ou estruturas de engenharia para preveni-las,
advertir as pessoas de deslizamentos iminentes e controlar os deslizamentos depois de
se ter iniciado o movimento. Como veremos abaixo, a melhor e menos onerosa solução
para reduzir a perigosidade de deslizamentos é evitar a construção naqueles lugares
onde ocorreram, ou onde é provável que ocorram.

5.1. Identificação de possíveis movimentos de massa

Reconhecer zonas com elevado potencial de ocorrência de movimentações de massa


é a primeira etapa para minimizar esse perigo. Estas zonas podem ser identificadas nos
locais onde as vertentes são constituídas por materiais sensíveis, como argila ou xisto, e
por uma série de características da superfície:
− Fendas em forma de meia-lua ou terraços numa vertente;
− Zona em forma de língua de solo nu ou rocha numa vertente;
− Grandes blocos ou acumulações de talude na base de um precipício;
− Um caminho linear de vegetação derrubada ou alterada que se estende vertente
abaixo;
− Substrato rochoso exposto e com estratificação paralela ao declive da vertente;
− Massas de sedimento em forma de língua, particularmente cascalheiras, na base de
uma vertente ou na boca de um vale;
− Superfície de terreno irregular, frequentemente denominada por superfície
ondulada, na base de uma vertente.

17
Os geólogos procuram estas evidências de movimentações passadas no terreno e em
fotografias aéreas. Esta informação é depois utilizada para avaliar a perigosidade da
área e obter diversos tipos de mapas.
O primeiro tipo de mapa é o resultado direto do inventário de movimentos de massa
que se acaba de descrever. Pode ser um mapa de reconhecimento, mostrando zonas que
sofreram roturas de vertente, ou um mapa mais detalhado, mostrando depósitos
originados por movimentações de massa de acordo com a sua atividade relativa. A
informação referente a movimentos anteriores pode combinar-se com a utilização que se
pretende dar ao terreno para elaborar um mapa de estabilidade de vertentes para os
engenheiros geológicos ou um mapa de perigosidade de movimentos de massa com
usos recomendados do terreno para os técnicos responsáveis pelo planeamento e
ordenamento do território. Estes mapas não substituem a avaliação detalhada de um
local específico. A preparação dum mapa de risco de movimentos de massa é mais
complicada porque implica avaliar a probabilidade de ocorrência de um movimento e
uma avaliação das perdas potenciais.

5.2 Prevenção dos movimentos de massa

A prevenção de grandes movimentos de massa é difícil mas o senso comum e as boas


práticas de engenharia podem ajudar a minimizar o risco. Por exemplo, deveria evitar-se
ou fazer-se com precaução, o aumento da carga na parte superior das vertentes, a
escavação de vertentes sensíveis, a colocação de material de preenchimento nas
vertentes ou a alteração das condições hidrológicas pré-existentes. As técnicas comuns
de engenharia para a prevenção das movimentações de massa incluem a drenagem
superficial e subterrânea, a eliminação de materiais instáveis das vertentes, a construção
de muros de contenção ou outras estruturas de suporte ou a combinação destas técnicas.

Figura 20 – Exemplo de alguns de processos utilizados na


estabilização de vertentes (KELLER & BLODGETT, 2007).

Controlo da drenagem. O controlo da drenagem superficial e subterrânea é


normalmente eficaz na estabilização de vertentes. O objetivo é desviar a água, evitando
que esta circule ou se infiltre na vertente. A escorrência superficial pode ser desviada
construindo uma série de calhas ou valas superficiais. A quantidade de água que se
infiltra numa vertente pode ser controlada cobrindo-a com uma capa impermeável (de
cimento, asfalto ou mesmo plástico). Pode impedir-se que a água subterrânea sature
uma vertente construindo sistemas de drenagem subterrâneos. Para este efeito, por

18
exemplo, coloca-se debaixo da terra uma tubagem de escoamento com orifícios em todo
o seu comprimento e coberta por gravilha (material permeável) para interceptar e
desviar a água para fora da vertente potencialmente instável (fig. 20).

Nivelamento. Ainda que o nivelamento de vertentes para urbanização tenha


aumentado a perigosidade de movimentos de massa em muitas zonas, um nivelamento
cuidadosamente planificado pode aumentar a estabilidade de uma vertente. Numa só
operação de corte e preenchimento, retira-se material da parte superior de uma vertente
para o colocar próximo da sua base. Assim, reduz-se o declive global e elimina-se
material da parte superior da vertente (onde contribui para a tensão tangencial)
colocando-o na base da vertente (onde aumenta a força de resistência). Obviamente, este
método não é funcional numa vertente muito alta e abrupta. Nesse caso, a vertente será
dividida numa série de bancadas ou degraus (fig. 21), possuindo todos eles valas
superficiais para desviar a escorrência. As bancadas não só reduzem o declive global
como também funcionam como locais de retenção de rochas e detritos que possam cair
e pequenos deslizamentos.

Figura 21 – Exemplo da construção de bancadas nas vertentes situadas ao


longo do percurso de uma auto-estrada (COBA, 2009).

Estruturas de suporte. Um dos métodos mais comuns de estabilização de vertentes


é a construção de muros de contenção. Estes muros podem ser formados por malhas de
arame cheias de pedras, denominadas gabiões (fig. 22), construídos em betão ou tijolo
(fig. 20), ou compostos por uma série de pilares constituídos por vigas longas de betão
(fig. 20), aço ou madeira cravadas na terra. Para que sejam eficazes, os muros devem
estar ancorados bem abaixo da base da vertente, a base da vertente deve ser preenchida
com gravilha (material permeável) e os muros devem ter tubos de escoamento para
reduzir a pressão de água na vertente. Cobrindo tudo com vegetação, estes muros
podem ficar esteticamente agradáveis ou, pelo menos, em harmonia com a vertente
natural.

19
Figura 22 – Muro de contenção construído utilizando gabiões (NRCS, 2006).

Apesar de todos os métodos existentes para estabilizar vertentes, existem locais onde
estes não podem ser aplicados. Nestes casos, as pessoas deverão evitar esses locais ou
utilizá-los para fins que não exponham a vida e a propriedade humana aos perigos das
movimentações de massa.

20
6. Bibliografia

COBA (2009). Infra-Estruturas de Transporte. Consultores de Engenharia e Ambiente.


Acessível em http://www.coba.pt/pdf/Portugues/Infra_Estr_Transporte/Infra_estr_
Transporte.pdf, consultado a 2010-05-13.
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Geológicos, Observatório Vulcanológico e Sismológico da Universidade dos Açores.
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a 2010-05-29.
DIAS, J. A. (2006). Geologia Ambiental. Universidade do Algarve. Acessível em
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REIS, F. A. (2001). Curso de Geologia Ambiental via Internet: Módulos 9 e 10 - Riscos
Geológicos. Departamento de Geologia Aplicada da Universidade Estadual Paulista.
Acessível em http://www.rc.unesp.br/igce/aplicada/ead/riscos/, consultado a 2010-
05-09.
USGS (2006). Landslide Hazards – A Teachers Guide. United States Geological
Survey. Acessível em http://3dparks.wr.usgs.gov/landslide/, consultado a 2010-05-
29.
VIEIRA, A. (sem data). S. Vicente e madrasta natureza. Acessível em
http://sites.google.com/site/albalberto/textosdigitais, consultado a 2010-05-20

Capa: Foto gentilmente cedida por J. A. Anacleto

21
TÓPICO 5
______________________________________________________________________

Cheias

Pedro Pereira

Licenciatura em Ciências do Ambiente – Riscos Naturais (2º ano - 2º Semestre)


Ano letivo de 2011/12
Índice

1. Introdução 1

2. Sistemas fluviais 2
2.1. Geometria e dinâmica dos canais fluviais 2
2.2. Tipos de canais 5
2.3. Erosão fluvial 6
2.4. Depósitos fluviais 7
2.5. Sistemas de drenagem 8

3. Fatores que condicionam as cheias fluviais 9


3.1. Distribuição da precipitação 10
3.2. Infiltração 11
3.3. Cedência de diques 11
3.4. Fatores que condicionam as cheias fluviais em Portugal continental 12

4. Amplificação das cheias devido à intervenção humana 13


4.1. Efeito das urbanizações nas cheias 13
4.2. Canalização dos rios 14
4.3. As pontes e as cheias 15
4.4. Os efeitos das barragens 16

5. Vulnerabilidade às cheias em Portugal 17

6. Consequências das cheias 19


6.1. Consequências das cheias em Portugal 20

7. Prevenção e mitigação de cheias 21


7.1. Previsão de cheias fluviais 21
7.2. Medidas de autoproteção 23
7.3. Mitigação dos efeitos das cheias 25

8. Bibliografia 27
1. Introdução

A cheia é um fenómeno hidrológico extremo, de frequência variável, que consiste no


transbordo de um curso de água relativamente ao seu leito ordinário, originando a
inundação de terrenos ribeirinhos. Define-se de forma diferente de inundação, que é
um fenómeno igualmente hidrológico, de frequência variável, natural ou induzido pela
ação humana, que consiste na submersão de uma área usualmente emersa. Todas as
cheias provocam inundações, mas nem todas as inundações são devidas a cheias, ou
seja, nem todas as inundações são devidas à ação de rios e ribeiras.
Em Portugal, existem cinco grupos de factores que podem desencadear inundações:
− Climáticos – chuvas intensas, que afetam áreas restritas e que duram alguns
minutos ou horas, e chuvas prolongadas, que afetam, por vezes, todo o
território, e que duram vários dias ou semanas;
− Marinhos – fenómenos de storm surge (gerados pela ação combinada de uma
tempestade meteorológica e da maré) que provocam galgamentos oceânicos da
linha de costa e maremotos;
− Geomorfológicos – movimentos de vertente, como as quedas de rochas e
detritos e deslizamentos, que podem atingir o fundo de vales, bloqueando o
canal fluvial e originando inundação a montante;
− Hidrogeológicos – devidos à subida da toalha freática no fundo de vales ou
depressões topográficas;
− Antrópicos – devidos à construção de barragens, originando a inundação a
montante, ou ao rebentamento das mesmas, originando uma cheia de derrocada
a jusante.
Em Portugal, as situações de inundação mais frequentes são as devidas a:
− Cheias progressivas, que ocorrem devido a precipitações abundantes, mas não
necessariamente intensas, ao longo de várias semanas, e que afetam as grandes
bacias hidrográficas, como, a do Rio Tejo. Este tipo de cheias é condicionado
pelo sistema de barragens que reduz a frequência das cheias mas, que em certas
condições, pode contribuir para o aumento do pico de caudal (como foi o caso
das cheias de 1979 na bacia do Tejo).
− Cheias rápidas devidas a chuvas de grande intensidade, ao longo de várias
horas, e que atingem as pequenas bacias hidrográficas, como a do Rio Trancão;
Exemplo: A cheia que ocorreu em Lisboa na madrugada de 25 para 26 de
Novembro de 1967, na área de Loures. Na estação meteorológica do Monte
Estoril foram registados 159 mm de precipitação entre as 10 h do dia 25 as 10h
do dia 26 (cerca de um quinto da precipitação media anual), dos quais 129 mm
em apenas cinco horas (das 19 h do dia 25 às 0 h do dia 26) e 60 mm, entre as
21 e as 22h.
− Alagamento de alguns locais em áreas urbanas, provocados por chuvas de
grande intensidade, ao longo de vários minutos, devido à impermeabilização
dos terrenos e a sistemas de drenagem das águas pluviais inadequados;
− Subida da toalha freática em áreas topograficamente deprimidas, depois de
vários dias ou semanas de chuvas abundantes, como por exemplo na bacia de
Loures;
− Galgamentos oceânicos, como acontece na Costa da Caparica.
Os factores que podem agravar as cheias e inundações podem ser naturais e
antróplcos. Dos factores naturais destacam-se: os substratos geológicos de
permeabilidade reduzida que dificultam a infiltração das águas aumentando assim o

1
escoamento superficial; as bacias hidrográficas de pequena dimensão, com tempos de
concentração reduzidos; a coincidência das pontas de cheia com períodos de preia-mar;
a confluência de vários cursos de água em áreas próximas de fraco declive, dificultando
o escoamento fluvial, como é o caso da bacia de Loures (concentração das águas
provenientes do Rio Trancão e dos seus quatro principais afluentes (Rio de Loures e
Ribeiras de Odivelas, Fanhões e Alpriate). Os factores antrópicos são essencialmente:
descargas de barragens, destruição do coberto vegetal, impermeabilização dos solos,
estreitamentos artificiais dos canais fluviais (construções nas margens dos leitos
menores e ocupação indevida dos leitos de cheia); obstáculos perpendiculares ao sentido
do escoamento; falta de limpeza dos canais fluviais e vazamento indevido de lixos;
entulhamento ou encanamento dos cursos de água e sistemas de águas pluviais e
residuais inadequados.

2. Sistemas fluviais

Um rio é um corpo de água que transporta fragmentos de rocha e iões dissolvidos e


flui ao longo de uma vertente por percurso claramente definido, denominado canal.
Estes cursos de água podem variar em largura, de poucos centímetros a vários
quilómetros.

2.1. Geometria e dinâmica dos canais fluviais

O rio ajusta continuamente a forma e o percurso do seu canal em função da


quantidade de água que transporta. O volume de água que passa por um qualquer ponto
do rio é denominado por caudal e é medido em unidades de volume/tempo (m3/s).
A forma da secção transversal do canal varia com o caudal e a posição no rio. As
zonas mais profundas de um canal situam-se onde a velocidade da corrente é mais
elevada. Tanto a largura como a profundidade aumentam ao longo do curso do rio, pois
o caudal aumenta para jusante. Com o aumento do caudal, a forma da secção transversal
vai-se modificando: o rio torna-se mais fundo e mais largo (fig. 1).

Figura 1 – Variação da forma da secção transversal do canal de um rio em


função do aumento de caudal (NELSON, 2006).

O perfil longitudinal representa o declive de um rio desde a nascente até à foz.


Obtém-se projetando a elevação do seu leito em função da distância à nascente.
Normalmente, verifica-se forte inclinação próximo da nascente e declive muito suave
perto da foz (fig. 2).

2
Figura 2 – Perfis longitudinais dos rios Tejo e Douro e dos seus afluentes (DIAS, 1990).

A velocidade da corrente depende da posição no canal do rio, das irregularidades do


canal provocadas por rochas resistentes e da inclinação do rio, correspondendo ao
tempo que uma qualquer partícula demora a percorrer uma determinada distância. O
fluxo da água no rio pode ser laminar, no qual as moléculas de água se deslocam em
percursos paralelos similares, ou turbulento, no qual as partículas individuais têm
percursos irregulares (fig. 3). O fluxo turbulento pode manter o sedimento em
suspensão durante mais tempo do que o fluxo laminar e promove a erosão do fundo do
canal. A velocidade linear é geralmente mais elevada no fluxo laminar do que no fluxo
turbulento.

Figura 3 – Diagrama esquemático mostrando o


percurso das moléculas de água e fluxo laminar e
fluxo turbulento (NELSON, 2006).

O caudal (Q) de um rio é a quantidade de água que passa num ponto qualquer do rio
num determinado tempo: Q = A x V [Caudal (m3/s) = Área da secção transversal
(largura x profundidade média) (m2) x velocidade média (m/s)].
Quando o caudal aumenta, o rio tem de ajustar a sua velocidade e área da secção
transversal para manter o equilíbrio. O caudal aumenta à medida que mais água é
adicionada ao rio, proveniente da chuva, de afluentes ou da água subterrânea. Com o
aumento do caudal, aumentam também a largura e a profundidade do canal e a
velocidade da corrente. O aumento da profundidade e largura do rio pode fazer com que
o rio transborde o seu canal, originando inundações.

3
As partículas de rocha e iões dissolvidos transportados pelo rio constituem a carga
do rio, a qual pode ser dividida em três partes:
− Carga suspensa – partículas que são transportadas no corpo de água. A
dimensão destas partículas depende da sua densidade e da velocidade da
corrente. Correntes de maior velocidade permitem ao rio transportar partículas
maiores e mais densas. É a carga suspensa que confere aos rios o aspeto
lamacento e a cor castanha ou avermelhada.
− Carga de fundo – partículas maiores e mais densas que se mantêm a maior
parte do tempo no fundo do canal, movendo-se por saltação, em resultado das
colisões entre partículas e dos remoinhos causados pela turbulência. As
partículas podem passar da carga de fundo para a carga suspensa, dependendo
das alterações da velocidade da corrente,
− Carga dissolvida – iões introduzidos na água por alteração química das rochas.
Esta carga é invisível pois os iões estão dissolvidos na água. A carga dissolvida
é composta principalmente por HCO-3, Ca+2, SO4-2, Cl-, Na+, Mg+2 e K+. Estes
iões são transportados até aos oceanos conferindo-lhe a sua salinidade
característica. Os rios que têm origem subterrânea profunda têm geralmente
maior carga dissolvida do que aqueles com origem na superfície da Terra.
Ao longo do curso de um rio, no sentido jusante, verificam-se modificações
importantes (fig. 4):
− O caudal aumenta, como referido acima, porque a água vai sendo acrescentada
pelos afluentes e por água subterrânea.
− Com o aumento do caudal, aumentam também a largura e a profundidade do
canal e a velocidade da corrente do rio.
− O declive do canal do rio diminui.

Figura 4 – Diagrama esquemático mostrando as variações de largura, profundidade e inclinação do canal


e velocidade da corrente em função do caudal ao longo do curso de um rio ideal (SKINNER & PORTER,
1987).

4
Poderá parecer estranho que a velocidade da corrente aumente para jusante, uma vez
que ao observarmos um rio de montanha, próximo da nascente, onde a inclinação é
elevada, ele parece deslocar-se a velocidade maior do que um rio a fluir numa
inclinação suave. Mas a água nas zonas de cabeceira flui de modo turbulento, devido
aos grandes blocos que compõem o fundo do canal. Se o fluxo é turbulento, então a
água demora mais tempo a percorrer a mesma distância linear, e assim a velocidade da
corrente é menor (fig. 4).
As cheias ocorrem quando o canal do rio se torna demasiado elevado para se
acomodar ao canal do rio normal. Quando o caudal se torna demasiado elevado, o rio
alarga o seu canal galgando as suas margens e inundando as áreas deprimidas adjacentes
ao rio. As áreas que ficam inundadas denominam-se por planície aluvial.

2.2. Tipos de canais

Canais retilíneos – Rios com canal retilíneo são raros. Quando ocorrem, o canal é
geralmente controlado por zonas de fraquezas linear da rocha subjacente, como falhas
ou diáclases. Contudo, mesmo em troços de rio retilíneos, a água flui do modo sinuoso,
com a parte mais funda do canal a ondular de uma margem à outra do canal (fig. 5). A
velocidade é máxima na zona onde a profundidade é maior; nestas áreas, o sedimento é
transportado facilmente, originando zonas mais profundas. Onde a velocidade é baixa, o
sedimento é depositado, formando barras. A margem mais próxima da zona de maior
velocidade é usualmente erodida.

Figura 5 – Diagrama esquemático de um canal retilíneo (NELSON, 2006).

Canais meandriformes – Devido à distribuição de velocidades da corrente nos rios,


e especialmente em rios a fluir em áreas de pouca inclinação, com margens facilmente
erodíveis, os canais retilíneos vão erodir as margens, tornando-se meandriformes. A
erosão ocorre nas margens côncavas, onde a velocidade da corrente é maior, enquanto a
deposição de sedimento ocorre nas margens convexas, onde a velocidade é menor (fig.
6). Como os rios meandriformes estão continuamente a erodir as margens côncavas e a
depositar sedimento nas margens convexas, os canais destes rios tendem a migrar
lateralmente na planície aluvial.

5
Figura 6 – Diagrama esquemático de um canal meandriforme (NELSON, 2006).

Canais anastomosados – Em rios com caudal muito variável e margens facilmente


erodíveis, o sedimento é depositado, formando barras e ilhas que são expostas durante
períodos de baixo caudal. Num rio assim, a água flui num padrão entrançado
(anastomosado) em torno das ilhas e barras (fig. 7). Durante períodos de caudal elevado,
as ilhas podem dão origem a barras submersas. Nestes períodos algumas ilhas podem
ser erodidas, mas o sedimento será redepositado com a redução do caudal, formando
novas ilhas ou barras submersas. As ilhas podem tornar-se resistentes à erosão se forem
ocupadas por vegetação.

Figura 7 – Diagrama esquemático


de um canal anastomosado
(NELSON, 2006)

2.3. Erosão fluvial

Os rios têm capacidade erosiva porque conseguem deslocar fragmentos de rocha e


transportá-los para nova posição. A dimensão dos fragmentos que podem ser
transportados depende da velocidade da corrente e do tipo de fluxo (laminar ou
turbulento). Os rios podem também erodir, escavando a base das suas margens e
provocar pequenos movimentos de massa, como deslizamentos. Os rios podem
aprofundar os seus canais se a região for tectonicamente levantada. Nestes casos, ao
escavar o seu canal, o rio remove material que anteriormente compunha o fundo e as
margens do canal.

6
2.4. Depósitos fluviais

Como a velocidade da corrente num rio varia com a posição no canal, se o sedimento
é arrastado para zonas de menor velocidade, parte deste deixa de estar suspensão e é
depositado. Outras alterações bruscas da velocidade que afetam a totalidade do rio
podem também ocorrer. Por exemplo, se o caudal aumentar subitamente, como acontece
durante uma cheia, o rio galgará as suas margens e ocupará a planície aluvial onde a
velocidade diminui bruscamente. Deste processo resulta a deposição de diques naturais
(levees) e planícies aluviais (floodplains). Se a inclinação do rio varia bruscamente ao
desaguar numa bacia de fundo plano (bacia oceânica ou lago), a velocidade da corrente
diminuirá bruscamente e o sedimento que já não se pode ser transportado será
depositado, originando estruturas, como leques aluviais e deltas.
Planícies aluviais e diques naturais – Quando um rio galga as suas margens,
durante uma cheia, a velocidade desta será inicialmente elevada, mas diminuirá quando
a água começar a fluir sobre o pendor suave da planície aluvial. Devido à brusca
redução da velocidade, o sedimento mais grosseiro suspenso é depositado ao longo da
margem, originando diques naturais (fig. 8). Os diques naturais conferem alguma
proteção contra as inundações porque a cada cheia o dique fica mais alto e o caudal tem
de ser sucessivamente mais elevado para poder ocorrer a próxima cheia.

Figura 8 – Diagrama esquemático representando depósitos


fluviais: diques naturais, planície aluvial e terraços fluviais
(NELSON, 2006).

Terraços fluviais – Os terraços fluviais são o testemunho do antigo nível da planície


aluvial (fig. 8). Originam-se quando o rio aprofunda o seu encaixe na planície aluvial
(usualmente devido ao levantamento tectónico regional ou à descida do nível de base
regional, resultante da abaixamento do nível do mar).

Figura 9 – Diagramas esquemáticos representando um leque aluvial (à esquerda) e um delta (à


direita) (NELSON, 2006).

7
Leques aluviais – Quando um rio de montanha atinge um vale de fundo plano,
ocorre brusca redução na inclinação do canal e na velocidade da corrente. Os
sedimentos transportados no rio serão rapidamente depositados ao longo do vale, num
leque aluvial (fig. 9). À medida que a velocidade do rio de montanha se reduz, o rio fica
bloqueado pelo excesso de sedimento e divide-se em numerosos canais distributários.
Deltas – Quando um rio entra num corpo de águas paradas, a súbita descida da
velocidade causa deposição de sedimento num depósito denominado delta (fig. 9). Os
deltas são depositados nas zonas costeiras, mas apenas resistem se as correntes
oceânicas não forem suficientemente fortes para remover o sedimento. Como a
velocidade da corrente diminui ao entrar no delta, o rio fica bloqueado com sedimento e
as condições ficam semelhantes às dos canais anastomosados mas, em vez de entrançar,
o canal do rio divide-se em muitos canais menores, denominados canais distributários.

2.5. Sistemas de drenagem

Bacias hidrográficas e linhas de festo – Os sistemas de drenagem desenvolvem-se


de modo a optimizarem a escorrência da água. Cada rio de determinado sistema de
drenagem drena determinada área, denominada bacia de drenagem ou bacia
hidrográfica (fig. 10). Numa bacia hidrográfica, toda á agua que nela entra escorre para
o mesmo rio. As bacias hidrográficas podem variar de tamanho entre alguns
quilómetros quadrados, para rios pequenos, e áreas muito vastas, como a bacia do Rio
Mississípi que cobre cerca de 40% da superfície dos Estados Unidos da América (fig.
11). Bacias hidrográficas adjacentes são separadas por linhas de festo ou linhas de
cumeada.

Figura 10 – Diagrama esquemático representando uma bacia hidrográfica (NELSON, 2006).

8
Figura 11 – Mapa representando as maiores bacias hidrográficas do mundo com localização dos
respetivos deltas (SKINNER & PORTER, 1987).

Padrões de Drenagem – A drenagem tende a desenvolver-se ao longo de zonas


onde as rochas são mais facilmente erodidas. Assim, podem desenvolvem-se diversos
tipos de padrões de drenagem numa região, refletindo a estrutura da rocha. Os padrões
de drenagem dendrítica são os mais comuns. Desenvolvem-se numa superfície onde a
rocha subjacente apresenta resistência uniforme à erosão. Os padrões de drenagem
radial desenvolvem-se nas áreas circundantes de regiões topográficas onde a altitude
diminui a partir de uma área central para as áreas deprimidas circundantes. Os padrões
de drenagem retangular desenvolvem-se onde existem zonas de fraqueza lineares,
como diáclases ou falhas, onde os rios são forçados a circular (fig. 12).

Drenagem dendrítica Drenagem radial Drenagem retangular

Figura 12 – Representação esquemática dos principais padrões de drenagem fluvial. Adaptado de


NELSON (2006).

3. Fatores que condicionam as cheias fluviais

Como foi referido anteriormente, as principais causas de cheias são: precipitação


intensa, fusão brusca ou elevada de neve, colapso de barragens e cedência dos diques
naturais. Todos estes factores podem subitamente aumentar o caudal de água que entra
nos rios e que circula dentro e fora dos rios. Além disso como se referiu, quando o

9
caudal provoca o transbordo do canal, a água ocupa a planície aluvial. Neste capítulo
discutiremos a principal causa de cheias que é a precipitação intensa num curto período
de tempo.
Quando a chuva atinge a superfície do solo, alguma da água evapora e regressa à
atmosfera, alguma infiltra-se no solo e entra no sistema de águas subterrâneas e alguma
é interceptada por depressões e vegetação. A que permanece na superfície e flui para
os rios é denominada escorrência superficial. Assim, no geral:
Escorrência superficial = Precipitação - Infiltração - Intercepção - Evaporação
A evaporação tende a ser o menor destes valores, particularmente em períodos de
tempo curtos, e assim a precipitação, a infiltração e a intercepção são as variáveis mais
importantes que determinam a escorrência e eventual quantidade de água que entra nos
rios.

3.1. Distribuição da precipitação

Se a precipitação é superior ao normal numa determinada área e a infiltração, a


intercepção, e a evaporação forem baixas, então a escorrência superficial será elevada e
a probabilidade de ocorrer uma cheia irá aumentar. Precipitações elevadas podem ser
representadas em mapas de curvas de igual precipitação (isoietas). Estes mapas
denominam-se por mapas de isoietas.
− Tempo de resposta (lag time) – diferença de tempo entre o momento em que
ocorre a precipitação intensa e o momento em que ocorre o pico do caudal em
determinada área. O tempo de resposta depende de factores como o período de
tempo durante chove e a quantidade de infiltração e intercepção que ocorre ao
longo do precursor até ao rio (fig. 13).

Figura 13 – Gráfico de variação do caudal ou nível


da água de um rio em função do tempo,
representando o tempo de resposta (NELSON, 2008).

− Se a quantidade de chuva é elevada durante um curto período de tempo, o


tempo de resposta é curto.
− Se a quantidade de chuva é elevada durante um período mais longo de
tempo, o tempo de resposta é mais longo.
− A ausência de infiltração e intercepção reduz o período de resposta.
− Cheias de montante (ou de montanha) e cheias rápidas – Em locais onde ocorre
precipitação intensa num curto período de tempo, numa pequena área, os rios

10
locais podem transbordar o canal, com pouco ou nenhum efeito nas regiões a
jusante. Neste tipo de cheias, o nível da água sobe rapidamente mas também desce
rapidamente após o fim da tempestade. Os tempos de resposta são medidos em
dias.
Cheias rápidas (flash floods) ocorrem quando a taxa de infiltração é baixa e chove
intensamente durante períodos de tempo curtos; têm tempos de resposta muito
curtos (estes podem ser apenas de algumas horas). Como ocorrem sem tempo de
aviso, as cheias rápidas são as mais perigosas para o homem.
− Cheias de jusante (ou de planície) – Se ocorre precipitação intensa durante um
período de tempo longo, numa área vasta, podem ocorrer cheias de jusante. Os
tempos de resposta são normalmente mais longos, com o caudal dos rios maiores
a ser continuamente aumentado pelos respetivos afluentes. Estas cheias
prolongam-se durante períodos de tempo longos e afetam tanto os rios maiores
como os seus afluentes.

3.2. Infiltração

A infiltração é controlada pela facilidade com que a água percola no solo, ou é


absorvida por este, e percorre o seu caminho até ao lençol freático. Diversos factores
condicionam a taxa de infiltração:
− Saturação do solo em água – Se o solo já se encontra saturado em água, então, se
ocorrer um período de precipitação intensa, pouco mais água se pode infiltrar no
solo e a taxa de infiltração será fortemente reduzida.
− Vegetação – A vegetação pode ajudar a infiltração ao diminuir o fluxo de água
sobre a superfície e através das suas raízes providenciar caminhos para a água
entrar no solo. Em regiões desérticas ou zonas recentemente desflorestadas devido
a incêndios ou ação humana, a infiltração será reduzida, aumentando assim a taxa
de escorrência e a diminuição do tempo de resposta.
− Tipos de solo – Diferentes tipos de solo têm diferentes capacidades de absorver
água. O tipo de solo é em larga medida dependente do clima. Por exemplo, um
tipo de solo que se forma em regiões áridas e semi-áridas apresenta uma camada
fina de solo pouco desenvolvido sobre uma crosta de caliche. A caliche é CaCO3
que precipitou da água que se infiltrou no solo fino. A zona de caliche actua como
uma camada impermeável, através da qual a água penetra com dificuldade. Estes
solos combinados com a ausência de vegetação tornam as cheias rápidas mais
comuns em área desertas.
− Solo congelado – Se o solo está congelado, pouca água pode penetrar no solo.
Assim, a água proveniente da chuva após um período de temperaturas baixas pode
não ser capaz de se infiltrar no solo gelado.
− Construção humana – Ver “Amplificação das Cheias devido à Intervenção
Humana”.

3.3. Cedência de diques

Os diques naturais tendem a ser relativamente baixos e não oferecem muita proteção
contra grandes caudais porque podem ser facilmente galgados. Os diques feitos pelo
homem, como os do Rio Mississipi (visíveis ao longo de grande parte do seu percurso),
são muito mais altos e são construídos para evitar cheias resultantes de caudais elevados
no rio. A maior parte destes diques são construídos de fragmentos de rocha e solo e
cobertos de betão no lado virado para o rio. Estes diques dão muitas vezes um falso

11
sentimento de segurança àqueles que habitam na planície aluvial que o dique protege,
porque a cedência desses diques pode provocar cheias, quer porque o caudal pode ser
suficientemente forte para galgar os diques quer porque estes podem enfraquecer e
ceder. Os diques podem ceder devido a três factores principais:
− Galgamento dos diques – Se o caudal elevado no rio originar nível de água mais
alto do que qualquer ponto do dique, a água irá galgar o dique e começará a fluir
para a planície aluvial. Porque a inclinação inicial do rio para a planície aluvial é
relativamente elevada, a velocidade da corrente a galgar o dique também será
elevada. Velocidades elevadas podem originar taxas de erosão elevadas e, assim,
o dique inicialmente galgado será rapidamente erodido e será criado um canal
através deste.
− Escavação e derrocada de diques – Caudal mais elevado no rio, levará a
velocidades mais elevadas com o rio a tentar aumentar a sua largura e
profundidade. Velocidades mais elevadas podem levar a maiores taxas de erosão
ao longo do lado interior dos diques e assim originar a escavação e a derrocada do
dique para o rio. Chuva intensa ou percolação de água para o interior do dique a
partir do rio pode aumentar a pressão de fluidos no dique e levar à derrocada do
lado exterior do dique. Se as drrocadas se estenderem ao topo do dique, grandes
secções do dique podem cair na direção da planície aluvial, reduzindo a altura do
dique e tornando mais fácil o seu galgamento.
− Aumento da pressão de fluidos sob os diques – O aumento do caudal no rio vai
provocar a subida do lençol freático no dique. Isto aumenta a pressão de fluidos e
pode forçar a passagem de água através do dique e surgir como nascentes na
vizinha planície aluvial. Se se desenvolver uma taxa elevada de fluxo devido à
crescente pressão de fluidos, então pode desenvolver-se uma passagem de alta
velocidade para a planície aluvial e minar o dique provocando o seu colapso.

3.4. Fatores que condicionam as cheias fluviais em Portugal continental

O regime dos rios portugueses depende essencialmente da variação temporal da


precipitação e acompanha de perto os contrastes regionais na distribuição geográfica das
chuvas. O Noroeste e a Cordilheira Central, que divide o Norte do Sul do Pais, são as
regiões com maiores valores de precipitação (1200 a 3000 mm/ano), pois, além de
serem as mais montanhosas, são frequentemente atravessadas por superfícies frontais
ligadas a depressões subpolares. O Nordeste e o Sul são as regiões mais secas (400 a
900 mm/ano): o Nordeste, porque se encontra em situação de abrigo, rodeado por
barreiras montanhosas; o Sul, porque é afetado, com maior frequência pelas altas
pressões subtropicais (Anticiclone dos Açores).
O regime da precipitação, tanto em termos interanuais como intermensais, é bastante
irregular. O ritmo mensal da precipitação é claramente mediterrâneo com chuvas no
Outono e Inverno (Novembro a Março) e com Verão extremamente seco.
O comportamento dos rios é também muito irregular, com estiagem prolongada e
caudais de cheia que atingem valores surpreendentes. Estas características tendem a
acentuar-se de noroeste para sudeste. Os rios do Sul possuem escoamentos específicos
anuais 6 a 7 vezes inferiores aos do Noroeste, maior irregularidade (o caudal nos anos
mais chuvosos pode ultrapassar 100 a 240 vezes o dos anos mais secos) e estiagem mais
prolongada (6 meses), sendo quase todos temporários e com pontas de cheia que
atingem valores 200 a 300 vezes superiores ao caudal médio anual (tab. 1).
Cerca de 80% do país possui substrato geológico com permeabilidade reduzida
(granitos, xistos e formações argilosas). Apenas os rios com nascentes alimentadas

12
pelos calcários carsificados do Centro do País (tab. 1) apresentam evidente ponderação,
que contribui para diminuir a irregularidade e os picos de cheia.

Tabela 1 – O regime dos rios portugueses (RAMOS & REIS, 2001).


Caudal Específico Irregularidade Estiagem Cheias
Região
(l/s/km2) (Qmax/Qmin) (meses ≤ 0,25Q) (Qmi/Q)
Noroeste e Cordilheira Central 20-35 6-9 3 50-60
Nordeste 6-12 10-40 4 60-90
Sul 3-5 100-240 6 200-300
Áreas cársicas centrais 15-40 4-5 3-5 15-40
Legenda: Q = caudal médio anual; Qmi = caudal máximo instantâneo; Qmax e Qmin = caudais dos rios,
respetivamente, com maior e menor escoamento.

As cheias progressivas são causadas por longos períodos chuvosos (que podem
durar semanas) relacionados com a permanência da circulação zonal de oeste. Neste
tipo de circulação, a Península Ibérica é varrida por chuvas frontais, provocadas pela
passagem sucessiva de depressões subpolares e sistemas frontais a elas associados.
Estas depressões, que circulam normalmente à latitude das Ilhas Britânicas, encontram-
se, neste caso, a latitudes muito baixas (40º a 45° N).
As cheias rápidas devem-se a curtos períodos chuvosos, mas de grande intensidade,
relacionados fundamentalmente com depressões convectivas: gotas de ar frio
particularmente activas ou depressões resultantes da interação das circulações polar e
tropical.
As gotas de ar frio são muito frequentes em Portugal Continental. Estas depressões
resultam de invasões de ar frio (polar ou árctico) em altitude, que se estendem até
latitudes subtropicais (40º a 30° N). Elas são mais frequentes na área compreendida
entre o Sudoeste da Península Ibérica, a Ilha da Madeira e o Arquipélago dos Açores,
afetando assim particularmente a região Sul do pais. As chuvas de maior intensidade
ocorrem quando existe forte gradiente vertical da temperatura entre a advecção fria em
altitude e o ar quente e húmido da baixa troposfera, que fornece o vapor de água
necessário às condensações abundantes. A temperatura das águas oceânicas é assim
importante. O Outono é a época do ano mais problemática não só porque o oceano tem
maior quantidade de calor armazenada, mas também porque o enfraquecimento do
Anticiclone dos Açores e a intensificação da circulação meridiana favorece a
individualização das gotas frias.
As depressões convectivas que resultam da interação da circulação polar e tropical
têm o máximo de frequência de ocorrência em Novembro, embora com grande
variabilidade interanual. O seu aparecimento depende não somente da intensidade
convectiva da Convergência Intertropical, mas também da sua interligação com as
invasões de ar frio suficientemente grandes para atingir as latitudes subtropicais.

4. Amplificação das cheias devido à intervenção humana

4.1. Efeito das urbanizações nas cheias

A construção que invade as planícies aluviais reduz o espaço disponível para a água
circular e pode aumentar a altura das inundações futuras (fig. 14).

13
após antes aumento da altura de inundação
Figura 14 – Diagrama esquemático mostrando o aumento do nível da água
devido a cheias antes e depois da construção na planície aluvial (DIAS, 2000).

As áreas impermeabilizadas (telhados, estradas e ruas, parques de estacionamento,


etc.) impedem a infiltração e aumentam a escorrência superficial. A rede de esgotos
pluviais conduz a água diretamente para o rio. Consequentemente, o tempo de resposta
é drasticamente diminuído (fig. 15). Assim, as urbanizações provocam aumento da
frequência e da intensidade das cheias.

Figura 15 – Gráfico mostrando a variação do caudal de um rio durante uma


cheia em função do tempo numa superfície natural, com construção de
esgotos e com esgotos e impermeabilização do terreno (DIAS, 2000).

No entanto, este efeito abrange áreas relativamente pequenas e amplia


principalmente as cheias frequentes. As cheias que atingem grandes áreas e têm
períodos de recorrência elevados são menos afetadas pelas urbanizações.

4.2. Canalização dos rios

Os canais fluviais são artificialmente modificados de formas diversificadas,


geralmente com o objetivo de controlar as cheias, facilitar ou propiciar o transporte
fluvial, melhorar a drenagem de zonas pantanosas e evitar ou minimizar a erosão. Estas
intervenções, designadas coletivamente por canalização, consistem geralmente na
retificação, aprofundamento e/ou alargamento canais.
Canais mais retilíneos permitem maior velocidade do fluxo de água e drenagem mais
rápida quando o caudal aumenta. O revestimento do canal com betão permite uma
superfície mais suave sobre a qual a água flui; esta redução do atrito provoca também
um aumento da velocidade da corrente (fig. 16).
A canalização tem sido objeto de grande controvérsia pois que, embora os objetivos
sejam normalmente atingidos, estas intervenções podem defraudar o valor estético do

14
rio, interferir com os ecossistemas, perturbar os aquíferos e agravar os problemas de
poluição. Paradoxalmente verifica-se que a canalização, apesar de minimizar as cheias
nas áreas adjacentes, pode amplificar as cheias nas zonas a jusante.

Os canais fluviais naturais constituem ecossistemas Os canais artificiais constituem ecossistemas a que a vida
com vida animal e vegetal perfeitamente adaptada. As animal e vegetal que existia previamente não está
curvas do rio constituem elementos muito eficazes de adaptada. A ausência de curvas, de vegetação natural e de
dissipação da energia do fluxo. Em caso de cheia a sedimentos que ainda não atingiram o equilíbrio com estas
velocidade de propagação é amortecida por estas condições propicia grande velocidade de propagação de
curvas, pela vegetação e pelos sedimentos grosseiros. cheias.
Figura 16 – Comparação de canais fluviais naturais e artificiais (DIAS, 2000).

A canalização e as séries de dados hidrológicos – A canalização, ou qualquer outra


modificação do sistema fluvial, torna inválidos os dados hidrológicos adquiridos até à
altura da intervenção. Durante as cheias do Rio Mississippi de 1973 e 1993 os níveis de
água subiram acima dos níveis esperados com base nos dados estatísticos, porque a
modificação do canal tornou esses dados inválidos. Em 1973, a cheia causou danos e
subiu a níveis que seria de esperar para a cheia dos 200-anos, apesar de o caudal estar
apenas ao nível previsível para a cheia dos 30-anos.
Limpeza de canais – Quer devido às condições naturais, quer na sequência de
variadas ações antrópicas, os rios ficam, com frequência, parcialmente obstruídos por
vegetação, lixos variados, etc.
Independentemente da controvérsia sobre a canalização, e no sentido de minimizar as
cheias, os canais fluviais devem ser limpos, isto é, devem ser desobstruídos. As cheias
de montante ocorridas em 1998 na zona de Monchique, que provocaram grandes
estragos, deveram-se em parte às obstruções existentes nos canais (arvoredos e outra
vegetação, viaturas e eletrodomésticos abandonados, lixos variados).
Condutas fluviais – Muitas vezes, quando um pequeno rio ou ribeiro atravessa uma
zona urbanizada, este acaba por ser canalizado através de uma conduta, o que além do
mais possibilita a expansão da urbanização sobre a área fluvial. Verifica-se que,
geralmente, seja por deficiência de concepção, seja por assoreamento, o diâmetro destas
condutas não está de acordo com os caudais de cheias com períodos de retorno mais
elevados (mais de 5 ou 10 anos). Tal facto conduz à amplificação das cheias nas zonas
adjacentes a montante, podendo então verificar-se grandes inundações urbanas (embora
de âmbito localizado).

4.3. As pontes e as cheias

Com frequência, as pontes funcionam como obstáculos aos materiais (madeiras,


plásticos, árvores, etc.) que são transportados durante as cheias, cuja acumulação
amplifica as inundações na zona a montante dessas pontes. O aumento de pressão na
infra-estrutura pode conduzir à cedência desta, induzindo amplificação súbita da cheia
na zona a jusante. Na concepção destas infra-estruturas estas eventualidades devem
obrigatoriamente ser tidas em consideração.

15
4.4. Os efeitos das barragens

As barragens constituem elementos de regularização dos caudais fluviais, sendo


construídas com objetivos variados (projetos hidroeléctricos, projetos hidroagrícolas,
etc.). Por vezes são construídas com o propósito específico de eliminar ou atenuar os
efeitos das cheias a jusante.
Qualquer que seja o objetivo, têm sempre como consequência diminuição dos
caudais invernais e aumento dos caudais estivais. Outra das consequências é o
decréscimo da frequência das cheias e diminuição dos caudais dos picos de cheia,
deixando de ocorrer cheias com amplitude análoga às que ocorriam antes da
intervenção.
Como tal, os caudais sólidos diminuem drasticamente, o que induz impactes
ambientais de primeira ordem a jusante, muitas vezes a centenas de quilómetros. Sabe-
se, actualmente, que as barragens influenciam de forma determinante o comportamento
do litoral.
O caso das barragens portuguesas – Principalmente desde a década de 30, as
bacias hidrográficas portuguesas têm vindo a ser afetadas pela construção de grandes
cascatas de barragens, as quais alteraram profundamente os regimes fluviais respetivos.
Normalmente, as barragens construídas em Portugal são do tipo "fio de água", para
produção de energia eléctrica, não tendo capacidades de armazenamento muito grandes.
Pelo contrário, muitas das barragens espanholas são de armazenamento, tendo em vista
um ambicioso plano hidrológico que contempla transvases das bacias mais a norte
(onde a pluviosidade é maior) para as do sul (onde existem carências graves de água).
Actualmente, a área diretamente drenada para a plataforma portuguesa reduziu-se
extraordinariamente em relação à que existia no início do século (fig. 17).

Figura 17 – Área abrangida pelas bacias hidrográficas que


desaguam em Portugal (DIAS, 2000).

16
Deixou de haver cheias extraordinárias (como as que ocorriam no século passado),
verificando-se cheias que provocam danos significativos apenas quando há
descoordenação entre a gestão das barragens portuguesas e espanholas. A drástica
redução dos caudais sólidos (principalmente no que se refere a areias) e a diminuição da
frequência e da intensidade das cheias (que amortece muito a transferência de
sedimentos grosseiros dos estuários para o litoral e para a plataforma continental) são,
em grande parte, responsáveis pela erosão costeira que se verifica no litoral português.
A situação tende a agravar-se com a construção de novas barragens (algumas delas
muito grandes, como é o empreendimento do Alqueva, que deu origem ao maior lago
artificial da Europa) e a concretização do plano hidrológico espanhol que inclui toda
uma política de transvases entre bacias hidrográficas (fig. 18).

Figura 18 – Representação esquemática da bacia hidrográfica do Tejo, com


indicação das barragens existentes e projetadas em 1986 (DIAS, 2000).

5. Vulnerabilidade às cheias em Portugal

O Plano Nacional da Água identificou quais as principais vulnerabilidades


existentes em cada bacia hidrográfica face ao risco de cheia. Este levantamento incluiu
os elementos em risco: povoações afetadas, por isolamento ou inundação; tipo de
edifícios afetados (habitações, estabelecimentos comerciais e industriais); zonas
agrícolas e agro-pecuárias; infra-estruturas e equipamentos diversos. Este Plano aponta
para a existência de situações críticas nas bacias do Tejo (distrito de Santarém), Douro
(distritos do Porto e Vila Real) e Vouga (distrito de Aveiro).
Nas bacias nacionais foram ainda identificados os seguintes pontos críticos (que se
transcreve):
Rio Minho – As zonas mais afetadas pelas cheias, dispõem-se na área ribeirinha da
margem nacional do curso principal, destacando-se as localidades de Valença, vila
Nova de Cerveira e Monção como as que sofrem mais problemas. É de registar a forte
dependência das vulnerabilidades à cheia face à precipitação ocorrida na parte
espanhola da bacia e das descargas das suas barragens.
Rio Lima – Ponte de Lima, Ponte da Barca e Arcos de Valdevez são as zonas
urbanas mais afetadas pelas cheias nesta bacia. O laminar de caudais nas barragens
hidroeléctricas existentes permite atenuar os riscos de inundação nas duas primeiras
localidades, mas o efeito da orografia do terreno (serra da Peneda) suscita um acréscimo
de precipitação que se traduz na formação de elevados caudais de cheia, nem sempre
passíveis de serem armazenados nas albufeiras.
Rio Cávado – Esta bacia é fortemente influenciada pela precipitação ocorrida na
região do Gerês, a qual regista alguns dos valores mais elevados no país durante o

17
período de Inverno. Braga, Barcelos, Guimarães, Vieira do Minho, Terras do Bouro e
Esposende são alguns dos municípios com núcleos urbanos mais afetados.
Rio Ave – Tanto por influência do Ave, como do seu afluente Vizela, alguns
concelhos da bacia são afetados por cheias, normalmente de curta duração, dada a
relativamente reduzida dimensão da bacia.
Rio Leça – O troço final deste rio, na zona da Maia, é o mais vulnerável a
inundações, normalmente com picos elevados mas curta duração.
Rio Douro – É um rio que origina, nalguns troços, grandes cheias cíclicas, com
grande impacte no tecido socioeconómico das populações ribeirinhas. Localidades
como Porto, Vila Nova de Gaia e Peso da Régua, no rio Douro, e Chaves e Amarante,
no Tâmega, são frequentemente assoladas por cheias impetuosas. A sucessiva
construção de barragens na bacia, principalmente no território espanhol, não veio
introduzir alterações significativas no regime das cheias, pois as suas albufeiras
possuem uma capacidade de encaixe reduzida, impedindo-as de exercer o necessário
efeito amortecedor.
Rio Vouga – As condições estuarinas do troço final do rio Vouga são susceptíveis de
agravar alguns problemas de escoamento de águas, nomeadamente em situações de
elevada agitação marítima em que o escoamento dos caudais do rio para o mar surge
dificultada. Merece também realce nesta bacia, os problemas críticos de algumas sub-
bacias como são os casos das bacias do rio Águeda (influenciada por precipitação na
zona do Caramulo), que afeta a cidade de Águeda e do rio Cáster, afetando Ovar.
Rio Mondego – Os principais problemas nesta bacia surgem nos campos agrícolas
do Baixo Mondego e devem-se geralmente não só ao próprio Mondego como também
aos seus principais afluentes (Dão, Alva e Arunca). A regularização feita na barragem
da Aguieira permite atenuar os principais problemas de cheias, através da laminação de
caudais.
Rio Lis – Sem grandes problemas de cheias ao nível de consequências humanas, as
zonas mais afetadas localizam-se em terrenos agrícolas.
Rio Tejo – Tratando-se de uma bacia internacional, a capacidade de armazenamento
hídrico em Espanha e a forma como a gestão dos recursos hídricos é aí efetuada
determina também a frequência e a intensidade das cheias em Portugal. No entanto,
importará lembrar que o conjunto dos aproveitamentos hidroeléctricos construídos na
parte portuguesa da bacia não é suficiente para impedir a ocorrência de inundações.
As cheias na bacia do Tejo originam no distrito de Santarém situações de cortes de
diversas estradas nacionais e municipais, interrupção da circulação ferroviária,
alagamento de campos agrícolas e isolamento de populações (Reguengo do Alviela,
Caneiras, Valada, Valada do Ribatejo, Azinhaga e Palhota). Os concelhos de Santarém,
Cartaxo, Golegã, Almeirim e Alpiarça (rio Tejo), Tomar (rio Nabão) e Coruche (rio
Sorraia) são alguns dos mais vulneráveis.
Ocorrem também inundações repentinas, como consequência de precipitações
intensas de curta duração, fundamentalmente nas zonas muito impermeabilizadas de
grande desenvolvimento urbano. E o caso da Área Metropolitana de Lisboa, na margem
direita do rio Tejo, entre os concelhos de Cascais e Azambuja.
Rio Sado – A bacia hidrográfica do rio Sado situa-se numa área essencialmente
plana em que só são expectáveis inundações em casos especiais. As barragens
implantadas na bacia hidrográfica do rio Sado têm fundamentalmente fins agrícolas mas
asseguram a regularização de uma parte significativa dos caudais. No concelho de
Alcácer do Sal, no entanto, localizam-se algumas povoações com risco de isolamento,
quando a capacidade de armazenamento das barragens não é suficiente.
Ocorrência de inundações repentinas no concelho de Setúbal.

18
Rio Mira – Sem grandes problemas de cheias ao nível de consequências humanas, as
zonas mais afetadas localizam-se em terrenos agrícolas.
Rio Guadiana – Vulnerável à descarga de alguns aproveitamentos hidroagrícolas
tanto do lado português como do lado espanhol, tem nas zonas a jusante das albufeiras
do Caia (distrito de Portalegre) e sobretudo mais a jusante nas zonas ribeirinhas de
Mértola e de Alcoutim (ambas a jusante do Chança, afluente da margem esquerda) as
áreas mais vulneráveis. Esta situação será naturalmente modificada com a entrada em
funcionamento da barragem do Alqueva.
Ribeiras do Oeste, Alentejo e Algarve – A reduzida extensão destas bacias
favorece o rápido escoamento dos caudais, pelo que não expectáveis cheias de grande
duração. Todavia, zonas como Lourinhã, Alcobaça (ribeiras do oeste), Silves e Tavira
(ribeiras do Algarve) evidenciaram no passado algumas vulnerabilidades a inundações.

6. Consequências das cheias

Em circunstâncias naturais as cheias têm muitos efeitos benéficos (fertilização das


planícies aluviais, depuração dos cursos fluviais e estuarinos, transferências
sedimentares para o litoral, fertilização de áreas oceânicas, etc.). Quando as planícies
aluviais começaram a ser ocupadas pelo Homem sem ter em consideração os regimes
naturais, as cheias começaram a ser bastante perigosas para as actividades humanas.
As cheias são à escala da Terra o perigo natural que maior fração da população afeta.
Trata-se de um perigo que atinge a área do território localizada nas proximidades da
rede hidrográfica, da linha de costa, ou de diques e barragens. Segundo a Organização
Meteorológica Mundial, os desastres provocados por cheias têm vindo a aumentar,
como consequência da expansão urbana em planícies aluviais. De facto, são o perigo
natural que maiores prejuízos provoca anualmente (tanto em vidas humanas como em
danos financeiros).
Em países menos desenvolvidos, as pessoas são particularmente sensíveis aos
perigos das cheias devido a elevada densidade populacional e à ausência de
planeamento e ordenamento do território, de estruturas de controlo de cheias, de
infraestruturas de resposta às emergências e de sistemas de aviso precoce.
Nos países industrializados a perda de vidas é normalmente menor devido à
existência de estruturas de controlo de cheias, planeamento e ordenamento do território,
impedindo a construção em áreas perigosamente vulneráveis, e infraestruturas de
resposta a emergências. Ainda assim, as cheias continuam a ocorrer e a reclamar grande
número de vidas e avultados prejuízos económicos.
Os prejuízos resultantes das cheias são frequentemente avultados, originando:
− Efeitos diretos:
• Perda de vidas humanas, evacuação e desalojamento de pessoas;
• Isolamento de povoações;
• Danificação da propriedade pública ou privada;
• Submersão e/ou danificação de vias de comunicação e de outras infra-
estruturas e equipamentos;
• Destruição de explorações agrícolas e agro-pecuárias;
• Interrupção do fornecimento de bens ou serviços básicos (água potável,
eletricidade, telefone, combustível, etc.)
• Perda de produção da actividade;
• Custo das ações de Proteção Civil, incluindo o realojamento e tratamento de
vítimas.

19
− Efeitos indiretos:
• Perturbação das actividades socioeconómicas, por vezes por período de
tempo bastante prolongado.
Os impactes no ambiente são por vezes catastróficos, pois podem, em questão de
horas, alterar o canal fluvial e o próprio fundo do vale, através da erosão das margens,
do assoreamento ou aprofundamento de alguns troços do canal.

6.1. Consequências das cheias em Portugal

Do conjunto de desastres naturais ocorridos em Portugal continental, no período


compreendido entre 1967 e 2005, nota-se que as cheias são: o desastre mais frequente, o
que provocou um maior número de desalojados, o segundo mais mortífero (logo a
seguir às ondas de calor) e o segundo que maiores prejuízo monetários provoca (a seguir
às secas). Seguidamente apresenta-se uma tabela com algumas das cheias graves
ocorridas em Portugal continental nos 50 anos.

Tabela 2 – Algumas cheias graves ocorridas em Portugal continental nos últimos 50 anos
Data Observações
1962 O Norte e Centro do País é afetado por cheias violentas, as quais incidiram principalmente
Janeiro nos rios Mondego e Douro, tendo-se neste rio registado a 2ª maior cheia do século XX.
Precipitação excecional na região de Lisboa provocou cheias súbitas com consequências
1967 trágicas: cerca de 700 mortos (a maioria habitando construções localizadas nos leitos de
Novembro cheia), grande número de casas ficou gravemente danificado, muitos quilómetros de estradas
destruídos, etc. Os prejuízos foram da ordem dos 3 milhões de dólares a preços da época.
Cheia no rio Tejo considerada a maior cheia do século XX. Embora tenha afetado todo o
1979
vale do Tejo, teve especial incidência no distrito de Santarém. Durou 9 dias, tendo
Fevereiro
provocado 2 mortos, 115 feridos, 1187 evacuados e avultados prejuízos materiais.
A 29 de Dezembro ocorreram chuvas intensas na região de Lisboa, que afetaram também
1981
outras zonas do país, bem como o oeste de Espanha, tendo originado cheias violentas.
Dezembro
Causaram 30 mortos e mais de 900 desalojados.
Forte pluviosidade concentrada origina cheias violentas na região de Lisboa, Loures e
1983 Cascais, que causam a morte de 10 pessoas (mais 9 são dadas como desaparecidas), 1800
Novembro famílias desalojadas, destruição de 610 habitações tendo os prejuízos ascendido a cerca de
18 milhões de contos (valores da época)
1989 Verificaram-se cheias nos rios Tejo e Douro que provocaram um morto e 61 desalojados no
Dezembro distrito de Santarém e mais 1500 na Régua
A 6 de Novembro de 1997 ocorreu no Baixo Alentejo precipitação muito intensa
1997
ocasionando cheias nos concelhos de Ourique, Aljustrel, Moura e Serpa, em consequência
Novembro
do que morreram 11 pessoas, tendo ficado desalojadas cerca de 200.
O Inverno de 2000/2001 foi excecionalmente chuvoso, tendo ocorrido cheias consecutivas
entre os meses de Dezembro e Março. Embora tenham sido muitas as bacias hidrográficas
onde ocorreram situações de cheia (algumas das quais excecionais), os distritos mais
afetados foram os de Vila Real, Porto e Santarém. Cerca de uma dezena de pessoas perdeu a
vida nas cheias, a maioria ao atravessar indevidamente zonas caudalosas. A situação de
elevada saturação dos solos devido à precipitação contínua causou diversas movimentações
2000/01 de massa que provocaram mortos e desalojados. Em Janeiro, no Baixo Mondego, os diques
Inverno longitudinais não aguentaram a força das águas e a erosão dos taludes provocaram neles a
ruptura em 13 pontos distintos. A zona a jusante de Coimbra ficou alagada durante quase
uma semana, com especial incidência para o concelho de Montemor-o-Velho. No dia 3 de
Março a ponte Hintze Ribeiro, em Entre-os-Rios, colapsou devido aos intensos caudais dos
rios Douro e Tâmega, e à excessiva exploração de areia no leito do rio ao longo de anos que
tinha deixado descalço pelo menos um dos pilares da ponte. Ao cair, a ponte arrastou um
autocarro de turismo e dois automóveis, tendo morrido cerca de 60 pessoas

20
7. Prevenção e mitigação de cheias

7.1. Previsão de cheias fluviais

O tempo que medeia a previsão de uma inundação e a sua concretização é factor


essencial para o alerta das autoridades, aviso das populações e preparação das ações de
socorro.
O tempo necessário para a formação de uma cheia e a sua duração dependem das
características da bacia hidrográfica em questão. Bacias de pequena dimensão
apresentam, geralmente, condições para que uma cheia se forme e propague
rapidamente, por vezes em escassas horas. Pelo contrário, em bacias de grandes
dimensões, a ponta de cheia, e as inerentes inundações, demoram mais tempo a instalar-
se, permitindo aviso mais atempado das instituições oficiais (Instituto de Meteorologia)
às populações. O regime hidrológico anterior demora também mais tempo a ser
restabelecido, podendo levar mesmo vários dias. As inundações urbanas formam-se
geralmente muito rapidamente, dificultando o aviso atempado às populações.
Porém, em Portugal, em muitos casos, os episódios de cheia são controlados pelas
cascatas de barragens instaladas nas principais bacias hidrográficas. No entanto, por
vezes, a gestão articulada dessas infra-estruturas não consegue evitar a ocorrência de
cheias de maior amplitude. Tal acontece, por exemplo, quando não há coordenação
eficaz entre a gestão das barragens portuguesas e espanholas, ou quando há precipitação
(e consequente escorrência) que supera a capacidade de armazenamento instalada em
determinada bacia hidrográfica. Também neste caso é possível prever com alguma
antecedência a ocorrência de cheias perigosas pois as instituições oficiais (Instituto da
Água, I. P. – INAG, I. P.) têm conhecimento prévio das descargas excecionais efetuadas
pelas barragens portuguesas.
Em caso de se verificarem condições para a ocorrência de cheias perigosas é dado o
alerta pela Autoridade Nacional de Proteção Civil, o qual é divulgado através dos meios
de comunicação social.
Há que ter em atenção, todavia, que várias das cheias susceptíveis de originar
situações catastróficas em Portugal (ainda que de índole local ou regional) são
provocadas por precipitação de curta duração mas muito intensa, induzidas por
instabilidades atmosféricas cuja previsão é difícil. Nestes casos, como é óbvio, muito
dificilmente as populações poderão ser avisadas atempadamente.
Por outro lado, a densidade de barragens (para produção de eletricidade, para
irrigação e pecuária, etc.) existente em Portugal é muito grande, e nem sempre todas
estas infra-estruturas têm a manutenção e vigilância adequadas. Existe, assim, a
possibilidade (pelo menos teórica) de se verificar o colapso de uma destas barragens,
provocando cheia repentina e de grande amplitude no vale a jusante.
Assim, independentemente dos procedimentos adequados a situações em que possam
ocorrer grandes cheias, é altamente aconselhável que o cidadão esteja corretamente
informado sobre o que são as cheias e como é que ocorrem, e se tente informar sobre a
vulnerabilidade do local onde mora e onde trabalha.
Além do que foi acima referido, podem ser efetuados estudos estatísticos para tentar
determinar a probabilidade e frequência de caudais elevados que provocam cheias. As
cheias podem ser modeladas e podem elaborar-se mapas para determinar a extensão de
possíveis cheias que possam ocorrer no futuro.
Frequência de cheias – O intervalo de recorrência de determinado caudal de um rio
corresponde ao intervalo de tempo médio entre dois caudais de igual magnitude. Este
intervalo pode ser determinado se existirem dados relativos ao caudal do rio ao longo de

21
um período de tempo prolongado. A análise estatística destes dados permite determinar
a frequência com que determinado caudal ou nível de água de um rio se pode repetir ou
ser ultrapassado. A partir desta análise é determinado o intervalo de recorrência e é
estimada a probabilidade de ocorrência, num qualquer ano, de determinado caudal do
rio. Os dados necessários para efetuar este estudo são os valores do caudal anual
máximo do rio obtidos na mesma estação fluviométrica, ao longo de período de tempo
(considerado) suficientemente longo.
− Para determinar o intervalo de recorrência, primeiro, ordenam-se os valores de
caudal anual máximo. Cada caudal é associado a uma ordenação (m), onde m = 1
corresponde ao caudal máximo do registo, m = 2 é o segundo caudal mais
elevado, m = 3 é terceiro caudal mais elevado, etc.
− O menor caudal do registo tem o valor m igual ao número de anos do registo (n).
Assim, o caudal mais reduzido terá m = n.
− O número de anos do registo (n) e a ordenação dos caudais (m) são depois
utilizados para calcular o intervalo de recorrência (R), com base na denominada
equação de Weibull: R=(n+1)/m.
− Elabora-se, então, um gráfico, projetando o caudal máximo anual em função do
intervalo de recorrência (em escala logarítmica). Um exemplo de um destes
gráficos é apresentado na figura 19 para o Red River of the North, Fargo, Dakota
do Norte, E.U.A.

Figura 19 – Exemplo de gráfico para cálculo da frequência de


caudais (NELSON, 2007).

− Calcula-se reta de regressão para os pontos projetados. A partir desta reta pode
determinar-se o caudal associado a uma cheia com intervalo de recorrência de, por
exemplo, 10 anos. Esta cheia denomina-se cheia dos 10-anos.
− Para os dados do Red River, o caudal associado à cheia dos 10-anos é cerca de
12.000 ft3/s. De igual modo, o caudal associado a cheia com intervalo de
recorrência de 50 anos (a cheia dos 50-anos) teria caudal de cerca de 21.000 ft3/s.
A cheia dos 100-anos teria caudal de cerca de 25.000 ft3/s.
− De notar que para os dados de Red River (fig. 19), a cheia que ocorreu a 18 de
Abril de 1997 correspondeu ao caudal de 30.000 ft3/s, o que equivalente à cheia
dos 250-anos. De notar também que uma cheia que atingiu altura de água
semelhante (m = 1) ocorreu no Red River em 1887, apenas 110 anos antes.

22
Contudo, isto não torna pouco fiável a análise estatística. Como veremos abaixo, é
possível ter duas cheias dos 100-anos a ocorrer com 100 anos de diferença, 50
anos de diferença, ou mesmo 2 no mesmo ano.
− A probabilidade, Pe, de determinado caudal ocorrer pode ser calculada com base
na inversa da equação de Weibull: Pe = m/(n+1).
− O valor de Pe denomina-se probabilidade anual de excedência. Por exemplo, um
caudal igual ao da cheia dos 10-anos teria probabilidade anual de excedência de
1/10=0,1. Isto significa que num qualquer ano, a probabilidade de uma cheia com
caudal igual ou superior ao da cheia dos 10-anos seria igual a 0,1 ou 10%. Do
mesmo modo, a probabilidade de uma cheia com caudal superior ao da cheia dos
100-anos num qualquer ano seria 1/100 = 0,01, ou 1%.
− De notar que tais probabilidades são iguais para qualquer ano. Assim, por
exemplo, a probabilidade do caudal do Red River exceder os 25.000 ft3/s (o
caudal da cheia dos 100-anos) neste ano ou noutro ano qualquer é de 1%.
− Assim, é importante recordar que mesmo após a cheia dos 250-anos que ocorreu
em Fargo em 1997, existe ainda 1% de probabilidade de que tal cheia, ou outra de
magnitude ainda de maior, possa ocorrer este ano.
Cartografia do risco de cheias – Os mapas de perigo de cheias são usados para
determinar as áreas susceptíveis de serem inundadas em caso de cheia. Usando os dados
históricos do nível das águas e caudais de cheias passadas, conjuntamente com dados
topográficos, podem ser elaborados mapas para mostrar as áreas que se espera serem
inundadas pela água para vários caudais ou níveis de cheia.
Na elaboração deste tipo de mapas, são estudadas fotografias aéreas e imagens de
satélite de cheias passadas para determinar as áreas que seriam inundadas. A figura 20
mostra um possível mapa de perigo de cheia baseado nos caudais ou nível de água
estimados para as cheias hipotéticas dos 10-anos, 50-anos e 100-anos.

Figura 20 – Exemplo de mapa de risco de cheias (NELSON, 2007).

Adicionalmente, podem ser construídos modelos à escala de áreas susceptíveis serem


inundadas. Estes modelos só irão funcionar se forem mantidos actualizados com as
estruturas de prevenção de cheias existentes e com eventuais alterações da drenagem.

7.2. Medidas de autoproteção

Para diminuir sofrimentos e prejuízos, cada cidadão em zona de risco de cheia deve
ter conhecimento das seguintes medidas de autoproteção e procedimentos de segurança
recomendados pela Autoridade Nacional de Proteção Civil.

23
Se vive numa zona de cheia:
− Adquira o bom hábito de escutar os noticiários da Meteorologia do Outono à
Primavera.
− Procure informar-se sobre o historial de cheias passadas.
− Identifique pontos altos onde se possa refugiar e que estejam o mais perto
possível de casa ou do emprego.
− Elabore uma pequena lista dos objetos importantes que deve levar consigo
numa possível evacuação.
− Pondere a hipótese de fazer um seguro da sua casa e do recheio.
− Arranje um anteparo de madeira ou metal para a porta da rua.
− Tenha sempre em casa uma reserva para dois ou três dias de água potável e
alimentos que não se estraguem.
− Mantenha a limpeza do seu quintal, principalmente no Outono devido à queda
das folhas.
Junte num estojo de emergência o seguinte material:
− Um rádio transístor e pilhas de reserva;
− Uma lanterna e pilhas de reserva;
− Velas e fósforos ou isqueiro;
− Medicamentos essenciais para toda a família;
− Agasalhos, reserva de roupa e objetos;
− Artigos especiais e alimentos para bebés;
− Fotocópias de um documento de identificação para cada membro da família;
− Fotocópias de outros documentos importantes.
Quando houver uma cheia:
− Mantenha-se atento aos noticiários da Meteorologia e às indicações da Proteção
Civil transmitidas pela rádio e televisão.
− Conserve o sangue frio. Transmita calma à sua volta.
− Acondicione num saco de plástico os objetos pessoais mais importantes e os
seus documentos.
− Coloque à mão o seu estojo de emergência.
− Transfira os alimentos e os objetos de valor para pontos mais altos da casa.
− Liberte os animais domésticos e proceda à evacuação do gado para locais
seguros.
− Coloque um anteparo à entrada da casa. Retire do seu quintal objetos que
possam ser arrastados pelas cheias.
− Prepare-se para desligar a água, o gás e a eletricidade, se for caso disso.
Durante uma cheia:
− Mantenha a serenidade. Procure dar apoio às crianças, aos idosos e aos
deficientes.
− Continue atento aos conselhos da Proteção Civil.
− Prepare-se para a necessidade de ter de abandonar a casa.
− Desligue a água, o gás e a eletricidade.
− Não ocupe as linhas telefónicas. Use o telefone só em caso de emergência.
− Não caminhe descalço nem saia de casa para visitar os locais mais atingidos.
− Não utilize o carro. Pode ser arrastado para buracos no pavimento, para caixas
de esgoto abertas, ou até para fora da estrada.
− Não entre em zonas caudalosas. Há o risco de não conseguir suportar a força da
corrente, além de que pode ocorrer uma subida inesperada do nível da água.

24
− A água da cheia pode estar contaminada com substâncias indesejáveis. Não a
beba.
− Procure ter sempre uma atitude prática perante os acontecimentos.
Se for evacuado:
− Mantenha a calma e respeite as orientações que lhe forem transmitidas pela
Proteção Civil.
− Não seja alarmista.
− Não perca tempo.
− Leve consigo uma mochila com os seus pertences indispensáveis, o estojo de
emergência e uma garrafa de água e bolachas.
− Esteja atento a quem o rodeia. Podem precisar da sua ajuda.
Depois da cheia:
− Siga os conselhos da Proteção Civil. Regresse a casa só depois de lhe ser dada
essa indicação.
− Preste atenção às indicações difundidas pela comunicação social.
− Facilite o trabalho das equipas de remoção e limpeza da via pública.
− Ao entrar em casa, faça uma inspeção que lhe permita verificar se a casa
ameaça ruir. Se tal for provável, NÃO ENTRE.
− Não pise nem mexa em cabos eléctricos caídos. Não se esqueça de que a água é
condutora de eletricidade.
− Mantenha-se sempre calçado e, se possível, use luvas de proteção.
− Opte pelo seguro. Deite fora a comida (mesmo embalada) e os medicamentos
que estiveram em contacto com a água da cheia, pois podem estar
contaminados.
− Verifique o estado das substâncias inflamáveis ou tóxicas que possa ter em
casa.
− Comece a limpeza da casa pela dispensa e zonas mais altas.
− Beba sempre água fervida ou engarrafada.

7.3. Mitigação do efeito das cheias

Existem três tipos de medidas mitigadoras das cheias: medidas de conservação, de


correção e de restauração. As primeiras visam a introdução de critérios de
ordenamento de território, como a reflorestação e o ordenamento das áreas ribeirinhas e
das áreas mais declivosas. A desflorestação, deixando o terreno a nu e intensificando de
maneira drástica a erosão e perda de solo, tem como consequência que toneladas de
sedimentos sejam lançadas anualmente nos cursos fluviais, provocando o seu
assoreamento e consequente diminuição da sua navegabilidade; o assoreamento leva a
elevação do leito e ao extravasamento mais rápido das águas, sendo este fenómeno mais
eficaz se o leito estiver canalizado.
As medidas de correção visam a resolução de problemas de inundação em pontos
especialmente críticos da bacia hidrográfica, como as construções das barragens com
bacias de retenção, canais de derivação, diques de proteção, gabiões para proteção das
margens e alargamento e aprofundamento dos canais fluviais, a fim de impedir a
passagem das águas para as margens ocupadas.
As medidas de restauração, procuram restabelecer as características naturais dos
canais fluviais e dos ecossistemas ripícolas, ou seja, devolver aos rios o seu corredor
fluvial original. Estas medidas implicam o abandono dos leitos de cheia pelas
actividades aí existentes, sempre que a análise custo–beneficio o justificar.

25
Ao longo dos últimos anos defendem-se cada vez mais outras formas de controlo de
cheias como alternativa às grandes obras de engenharia. Uma política de gestão e de
ordenamento do território e uma zonação bem planificada poderiam substituir no futuro
as antigas soluções; porém, isso vem colidir em absoluto com todos os interesses
económicos implícitos, como as pressões de crescimento populacional e de
desenvolvimento urbanístico.
A teoria consensual sobre as alterações climáticas prevê uma aceleração do ciclo
hidrológico e consequentemente alguns autores pensam que os eventos extremos, como
as cheias e as secas, vão aumentar em frequência e severidade.
Em face dessas alterações, o regime de cheias vai certamente acompanhar a mudança
sendo, por isso, importante que a população se consciencialize e aprenda a adaptar-se às
práticas de prevenção e alerta, de forma a reduzir as consequências negativas deste
fenómeno. A Teoria da Adaptação Geral ao Risco de Cheias, de KATES, BURTON &
WHITE (1978), assume que a passagem de um padrão de ajustamento para o seguinte
implica transpor um limiar do que é socialmente considerado um risco aceitável. Os três
limiares definidos são:
• O limiar da consciência que marca a passagem da ignorância do risco para o
seu conhecimento, não sendo possível conceptualizar ajustamentos antes da
consciência da exposição ao risco. É marcado pela identificação do perigo;
• O limiar da ação que marca a passagem de ajustamento de aceitação para outro,
de redução das perdas. Existe a crença na possibilidade de controlo sobre a
Natureza. Depende de estimativas do risco e da avaliação das suas
consequências por parte das populações;
• O limiar de tolerância que marca a passagem de ajustamentos de redução dos
danos para ajustamentos de evitamento do perigo. Esta alteração corresponde à
percepção dos riscos como intoleráveis e à modificação radical da ocupação da
zona ameaçada. Exige avaliação social do risco.
Os padrões de ajustamento comportamental aparecem em fases diferentes consoante
o desenvolvimento das diferentes sociedades (pré-industrial, industrial, pós-industrial) e
caracterizam-se por reações individuais e reações coletivas.

26
8. Bibliografia

ANPC (2009). Medidas de auto-protecção. Autoridade Nacional da Protecção Civil.


Acessível em http://www.proteccaocivil.pt/PrevencaoProteccao/RiscosNaturais/
Cheias/Pages/MedidasdeAutoproteccao.aspx, consultado em 2009-04-01.
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Naturais: Minimizar os riscos, maximizar a consciencialização. Departamento de
Geologia da Faculdade de Ciências de Lisboa: 14-16. Acessível em
http://geologia.fc.ul.pt/documents/85.pdf, consultado em 2009-04-01.
BURTON, I., KATES, R. W. & WHITE, G. F. (1993). The Environment as Hazard. Oxford
University Press, U.K.
DIAS, J. A. (1990). A Evolução Actual do Litoral Português. Geonovas, Lisboa, 11: 15-
28.
DIAS, J. A. (2000). Geologia Ambiental – 3. Cheias. Universidade do Algarve.
Acessível em http://w3.ualg.pt/~jdias/GEOLAMB/GA3_cheias/index3.html,
consultado em 2009-04-20.
INAG (2004). Plano Nacional da Água. Instituto Nacional da Água, I. P. Acessível em
http://www.inag.pt/index.php?option=com_content&view=article&id=9&Itemid=69,
consultado em 2009-04-10.
KELLER, E. & BLODGETT, R. (2007). Riesgos naturales. Procesos de la Tierra como
riesgos, desastres y catástrofes. Pearson, Madrid, 448 p.
MIRANDA, J. M. & BAPTISTA, M. A. (2006). Riscos Naturais – 4. Risco de Cheia.
Instituto Dom Luíz. Acessível em http://www.igidl.ul.pt/mmiranda/riscos_naturais_
cap4.pdf, consultado em 2009-04-10.
NELSON, S. (2006-2009). Natural Disasters – Lecture Notes. Tulane University, USA.
Acessível em http://www.tulane.edu/~sanelson/geol204/index.html, consultado em
2009-04-20.
RAMOS, C. (2007). Cheias e inundações: factores desencadeantes e agravantes e medida
mitigadoras. 2º Ciclo de Debates à Volta do Ambiente, Cheias – os seus ciclos e
prevenção. Câmara Municipal de Loures. Acessível em http://www.cm-
loures.pt/doc/Ambiente/ciclo_debates/Cheias1.pdf, consultado em 2009-04-10.
RAMOS, C. & REIS, E. (2001). As cheias no sul de Portugal em diferentes tipos de bacias
hidrográficas. Finisterra, XXXVI, 71: 61-82.
SKINNER, B. J. & PORTER, S. C. (1987). Physical Geology. John Wiley & Sons, New
York, 750 p.

27
TÓPICO 6
______________________________________________________________________

Perigos costeiros

Pedro Pereira

Licenciatura em Ciências do Ambiente – Riscos Naturais (2º ano - 2º Semestre)


Ano letivo de 2011/12
Índice

1. Introdução 1
1.1. Ondas oceânicas 1
1.2. Corrente de deriva 5
1.3. Tipos de costa 5

2. Perigos Costeiros 6

3. Redução dos efeitos dos perigos costeiros 7


3.1. Erosão costeira 7
3.2. Tsunamis 9

4. Bibliografia 12
1. Introdução

1.1. Ondas oceânicas

As ondas do mar formam-se e crescem na superfície do oceano quando o vento sopra


sobre aquela superfície líquida. As suas dimensões são muito variadas, desde pequenas
crenulações da superfície até gigantescas massas de água portadoras de destruição
quando incidem no litoral durante uma tempestade. A dimensão das ondas depende da
intensidade do vento, do intervalo de tempo durante o qual o vento sopra e do
comprimento da massa de água afetada pela atividade do vento (distância de coleta ou
fetch). Para iguais condições de duração e intensidade do vento, quanto maior for a
distância de coleta maiores serão as ondas formadas. A limitação ao crescimento
induzida pela distância de coleta explica por que motivo não existem ondas de grande
dimensão em lagos ou pequenos mares interiores, independentemente do regime de
ventos. A mesma razão contribui para justificar a pronunciada assimetria de intensidade
que caracteriza os regimes de agitação da costa do Algarve e do litoral ocidental
português. De facto, o litoral ocidental olha de frente para a imensidão do Atlântico,
podendo receber ondas de grande variedade de rumos e de geração muito distante. Já o
litoral algarvio, com disposição marcadamente transversal e relativamente próximo do
continente africano, apenas oferece ao rumo de sudoeste distância de coleta apreciável.
Assim, com exceção dos temporais de sudoeste, aquele litoral beneficia de agitação de
pequena amplitude que contrasta com a rebentação vigorosa da costa ocidental.
Quando um temporal se desenvolve sobre o oceano, parte da energia veiculada pelo
vento é transmitida à superfície da massa de água, que entra em oscilação. As ondas
propagam-se depois a partir desta região (área de geração), organizadas em grupos ou
comboios de ondas de dimensão e forma similares. Estes comboios podem viajar
durante distâncias da ordem das dezenas de milhar de quilómetros através do oceano e
atingir costas longínquas sem grande perda de energia. Ao atingirem o litoral, as ondas
rebentam, transferindo nesse momento a energia que possuíam aos fundos que formam
a faixa costeira e que será consumida para produzir transporte sedimentar, erosão ou
outra forma de trabalho geológico.

Figura 1 – Movimento das ondas em alto mar. L (comprimento da onda) = distância


entre duas cristas de onda ou distância necessária para completar uma órbita; h =
altura da onda (NELSON, 2009).

Numa onda, as partículas de água descrevem trajetórias circulares (órbitas). O


diâmetro destas é máximo à superfície, onde é igual à altura da onda (h), diminuindo

1
gradualmente até se anular a profundidade igual a metade do comprimento de onda (L),
Esta profundidade é denominada por base da onda (wave base) (fig. 1).
Se só existem órbitas até à base da onda, então o movimento das ondas apenas
consegue movimentar a água até essa profundidade e, consequentemente, a
profundidades superiores a L/2, as ondas não conseguem erodir o fundo ou mover
sedimento na água. No Oceano Pacífico, foram observados comprimentos de onda até
600 m, assim a água a profundidade superior a 300 m não será afectada pela passagem
da onda. Mas a região exterior das plataformas continentais têm profundidade média de
200 m, assim pode ocorrer erosão considerável fora do limite da plataforma continental
com ondas de comprimento de onda tão elevado.
Quando as ondas se aproximam da costa, a profundidade da coluna de água diminui e
a onda começa a sentir o fundo. Devido ao atrito, a velocidade (L/P) da onda diminui
mas o seu período (P = período de tempo necessário para completar uma órbita)
mantém-se inalterado. Consequentemente, diminui o comprimento de onda (L). Além
disso, quando a onda sente o fundo, as órbitas circulares do movimento da água são
deformadas pelo fundo e tornam-se elíticas. Com a diminuição do comprimento de
onda, aumenta a altura da onda (h). A parte frontal (mais inclinada) da onda acaba por
não conseguir suportar a água em movimento e a onda rebenta (fig. 2). A rebentação de
uma onda produz o espraio de uma massa de água sobre a face da praia (fig. 8) à
chegada da crista, a que se sucede a ressaca que corresponde à chegada da cava.

Figura 2 – Diagrama esquemático reapresentando o processo que leva à rebentação


das ondas numa praia (NELSON, 2009).

Erosão provocada pelas ondas – Como foi acima referido, as ondas apenas
conseguem erodir o fundo marinho se este, ao longo da costa, se encontrar a
profundidade inferior a metade do comprimento de onda. Na zona de espalho (figs. 2 e
8), isto é, entre a linha de costa e a zona de rebentação, a erosão do fundo é
particularmente intensa devido à libertação brusca de energia que ocorre quando as
ondas rebentam. As ondas rebentam a profundidades de 1 a 1,5 vezes a sua altura.
Assim, para ondas com 6 m de altura, a erosão intensa do fundo pode ocorrer até 9 m de
profundidade.
Na zona de rebentação (fig. 8) as partículas de rocha transportadas em suspensão
pelas ondas são atiradas contra outras partículas de rocha. À medida que estas partículas
colidem entre si, são desgastadas e ficam cada vez menores. Partículas mais pequenas
são transportadas mais facilmente pelas ondas, e assim, à medida que estas partículas

2
mais pequenas são levadas pela ressaca, aumenta a profundidade. Além disso, as ondas
podem escavar a base das arribas, dando origem a movimentos de massa, pelos quais o
material desliza, cai ou flui para a água para ser levado por ação das ondas.
Refração das ondas – A refração das ondas do mar resulta da atividade dos
processos descritos anteriormente sobre secções distintas da mesma onda se esta se
aproximar da costa com alguma obliquidade. De facto, se a trajectória de aproximação
for oblíqua – a aproximação rigorosamente perpendicular é excecional – diferentes
porções da mesma onda encontram-se em dado instante a profundidades diferentes. Tal
significa que diferentes porções da mesma onda sofrem de forma diferencial os efeitos
de atrito com o fundo, isto é, sofrem atrasos diferentes no mesmo instante (fig. 3). Em
consequência, a aproximação oblíqua à linha de costa é acompanhada de encurvamento
da onda, que tende a diminuir progressivamente o ângulo de ataque à costa até rebentar
(fig. 3). Se as ondas se propagarem sobre batimetria irregular, expressa no litoral pela
existência de promontórios e baías sucessivas, haverá lugar a convergência ou
divergência das trajetórias das ondas por efeito da refração, conduzindo ao
empolamento ou à diminuição local da altura da onda incidente. Por esta razão, as baías
constituem habitualmente refúgio para as embarcações e são local privilegiado da
sedimentação de areia ou cascalho que ali ficam aprisionados devido à agitação
moderada. Por outro lado, os cabos e promontórios, habitualmente atacados por maiores
alturas de onda, são tipicamente desprovidos de acumulações sedimentares – com
exceção dos grandes blocos caídos e retrabalhados em permanência pelo mar – e são
descritos pelas gentes do mar como «atraindo as ondas» (fig. 4).

Linha de costa

Diminui a velocidade e o
comprimento de onda.

Profundidade da água = L/2

Cristas das ondas


Figura 3 – Diagrama esquemático ilustrando a refração das ondas do mar sobre batimetria regular e
paralela: o ângulo de ataque das ondas diminui durante a sua propagação em águas rasas. Adaptado de
NELSON (2009).

Um dos efeitos mais interessantes da refração das ondas é o de produzir distribuição


não uniforme da energia libertada pela rebentação ao longo da linha de costa, criando
zonas de concentração de energia (promontórios), caracterizadas por regimes de
agitação mais violenta e zonas de dispersão de energia, com regimes mais amenos
(baías) (fig. 4). As zonas de concentração de energia são habitualmente sede de
intensificação dos processos erosivos, enquanto nas regiões de dispersão de energia
estes efeitos são substancialmente mitigados ou mesmo substituídos por sedimentação
predominante.

3
Figura 4 – Diagrama esquemático ilustrando a refração das ondas do mar sobre
batimetria irregular. Note-se que as linhas cor-de-rosa (raios de onda) convergem
nos promontórios (Headland) e divergem nas baías (BAY) (SKINNER & PORTER,
1987).

Um exemplo interessante é o do troço de


litoral compreendido entre a Trafaria e o cabo
Espichel. A figura 5 representa o diagrama de
refração de um comboio de ondas de rumo
W10ºN, um rumo comum ao largo da costa
ocidental portuguesa e ocasionalmente
associado a temporais violentos. Note-se a
intensa refração sofrida pelas ondas que
percorrem a metade norte do domínio de
cálculo, produzida pela batimetria corres-
pondente aos bancos submarinos do estuário
exterior do Tejo. Este fenómeno induz forte
divergência dos raios de onda a sul do Tejo,
potenciada pelo arqueamento do troço litoral
adjacente, definindo região de baixa energia
que se estende para norte da lagoa de Albufeira
até à Caparica-Trafaria. Em contraste, a
extremidade sul do domínio de cálculo não é
afetada significativamente por aqueles efeitos
com exceção do cabo Espichel, que foca a
energia incidente. Assim, pode existir
simultaneamente mar alteroso e rebentação
violenta nas praias do Meco, por exemplo, Figura 5 – Diagrama de refração de ondas de
enquanto em S. João da Caparica se observa rumo W10ºN obtido para o troço litoral cabo
agitação substancialmente mais tranquila. da Roca-cabo Espichel (ANDRADE, 1998).

4
1.2. Corrente de deriva

Quando as ondas incidentes se


aproximam da linha de costa com alguma
obliquidade e rebentam, o espraio que
galga a face da praia tem um rumo
herdado das características da onda ao
largo, a que se somam os efeitos da
refração, e só por coincidência será
rigorosamente perpendicular à linha de
costa. A ressaca, que sucede ao espraio é,
por outro lado, controlada por gravidade,
e a corrente gerada por ela percorre a face
de praia em sentido oposto, sempre ao
longo da linha de maior declive, isto é,
perpendicularmente à direção da praia.
Existe, pois, desfasamento angular entre
as direções do espraio e da ressaca (fig.
6). A repetição deste processo, que é
activo na faixa contida entre o ponto de
rebentação e a face da praia, é Figura 6 – Representação esquemática da trajetória
responsável pelo estabelecimento de uma de uma partícula sedimentar sobre a face de praia
corrente longilitoral (longitudinal), quando atuada por ondas de incidência oblíqua
designada por corrente de deriva. (ANDRADE, 1998).
Considere-se agora uma partícula de areia, residente no fundo, que é apanhada e
transportada pela primeira onda incidente. Esta partícula galga a face da praia e é
novamente mobilizada pela ressaca, mas já não retoma a posição de partida: avançou ao
longo da linha de costa de uma distância que é função da altura e da obliquidade da
onda. A repetição do vaivém associado às ondas subsequentes activa todas as partículas
de areia residentes entre a face de praia e o ponto de rebentação e imprime-lhes uma
trajetória em zig-zag, de que resulta transporte sedimentar ao longo do litoral (fig. 6).

1.3. Tipos de costa

Arribas ou Falésias – Geralmente, zonas


costeiras que sofreram levantamento
tectónico recente, como resultado de
processos tectónicos activos ou do
reequilíbrio isostático relacionado com o
final das glaciações, apresentam arribas
rochosas ao longo da linha de costa. Onde
quer que a ação das ondas do mar não tenha
tido tempo para rebaixar a linha de costa ao
nível do mar, poderá existir uma costa
rochosa. Devido à resistência à erosão,
desenvolvem-se uma plataforma e uma arriba
cortadas pelas ondas (fig. 7). A arriba pode
recuar por escavamento da sua base e
movimentos de massa resultantes (quedas de Figura 7 – Recuo de uma arriba devido à ação
das ondas do mar e consequentes movimentos
rochas e detritos, deslizamentos ou fluxos). de massa (NELSON, 2009).

5
Praias – Acumulações de sedimentos não consolidados ao longo da linha de costa,
formadas pela ação conjunta das ondas, das correntes e das marés. As praias mais
frequentes são as arenosas, mas há praias de cascalho, de calhaus e, mesmo, de
materiais finos (silte e argila). Os materiais detríticos podem ser terrígenos (verificando-
se, normalmente, franca dominância de quartzo), biogénicos (fragmentos de conchas,
etc.) ou autigénicos (oólitos, etc.). Na figura 8 apresenta-se a terminologia morfológica
e dinâmica do perfil de praia.

Figura 8 – Zonas em que normalmente se divide a praia. Refira-se que a nomenclatura da praia apresenta grande
variabilidade na literatura científica em português e em inglês (DIAS, 2007).

2. Perigos costeiros

Os perigos naturais a que estão sujeitas as zonas de costa estão relacionados com a
erosão costeira e com fenómenos que originam elevações pontuais do nível do mar.
Os principais fatores responsáveis pela erosão costeira e consequente recuo da linha
de costa são a diminuição da quantidade de sedimentos fornecidos ao litoral, a
degradação antropogénica das estruturas naturais, as obras pesadas de engenharia
costeira e a elevação do nível médio do mar (variações seculares do nível do mar).
A ação das ondas também provoca a erosão das arribas – À medida que as ondas
escavam a base das arribas (local onde é concentrada a maior parte da força erosiva das
ondas) estas vão se tornando cada vez mais instáveis, acabando por dar origem a
movimentações de terreno (quedas de rochas e detritos, deslizamentos ou fluxos).
Os fenómenos que provocam a subida pontual do nível do mar podem ser de origem
climatérica (temporais e storm surges) ou geológica (tsunamis).

Para mais informações consulte o capítulo 6 do trabalho de


DIAS, FERREIRA & PEREIRA (1994) e o artigo de DIAS (2005).
(Disponíveis na sala de aula virtual)

6
3. Redução dos efeitos dos perigos costeiros

3.1. Erosão costeira

À primeira vista, a erosão costeira pode parecer mais fácil de controlar do que a
maioria dos outros perigos naturais. Por exemplo, pouco se pode fazer para controlar
sismos ou vulcões; apenas podemos adaptar-nos às suas descargas periódicas de
energia. No entanto, algo pode ser feito para controlar a erosão costeira. Estruturas de
engenharia, como paredões, quebra-mares, esporões e molhes, são construídas para
melhorar a navegação ou retardar a erosão. Contudo, como estas estruturas interferem
no transporte litoral de sedimentos ao longo da praia, provocam com demasiada
frequência deposição e erosão não desejadas nas proximidades. Também se utiliza a
alimentação artificial da praia para combater a erosão, mas normalmente é uma solução
cara e apenas temporária.
Paredões – Estrutura rígida de engenharia costeira, do tipo aderente, disposta
longitudinalmente em relação ao desenvolvimento da linha de costa, e que normalmente
é utilizada na proteção contra a erosão costeira. Por vezes são designados também como
quebra-mares aderentes.
Os paredões podem ser construídos com materiais diversificados, designadamente
betão, madeira, blocos de rocha (enrocamento), gabiões, tetrápodes ou materiais
metálicos. Os perfis transversais destas estruturas longitudinais aderentes podem ser
muito diversificados. Os mais simples correspondem a simples muros verticais. Outros,
no sentido de introduzir elementos dissipativos da energia da onda, são inclinados ou
apresentam vários degraus. Outros, ainda, para que a energia da onda incidente seja
defletida para o mar, têm perfil transversal côncavo encurvado.
A primeira obra de proteção costeira executada em Portugal foi deste tipo. Foi
construída em 1909 em Espinho para obviar aos graves problemas de erosão costeira
que aí, então, se faziam sentir. Denominada na altura por “muralha”, estava assente em
estacas e tinha extensão de 354 m. Teve vida efémera; os temporais que ocorreram em
1910 e 1911 destruíram quase por completo esta estrutura.
Esporões – Estruturas dispostas transversalmente ao desenvolvimento da linha de
costa, e que normalmente são utilizadas na proteção contra a erosão costeira. A função
principal é a de reter, pelo menos parcialmente, a deriva litoral, minimizando os
problemas de erosão costeira a barlamar da estrutura.
Em geral, os esporões são retilíneos, mas podem ter forma em T ou em L, ou mesmo
mais complexas, como curvilíneas, em Z ou onduladas. Por outro lado, a parte superior
da estrutura (coroamento) pode estar emersa ou submersa ou ter uma parte emersa e
outra submersa. Podem, ainda, ser do tipo permeável (permitindo que a água e algum
sedimento os atravesse) ou impermeável (o que reforça a defleção dos fluxos). Podem
ser construídos com materiais diversificados que, conforme o tipo, conferem maior ou
menor permeabilidade à estrutura: betão, enrocamento, tetrápodes, gabiões, sacos com
areia ou pedras, madeira e metal.
Normalmente, a proteção com este tipo de estruturas desenvolve-se em grupos,
designados por campos de esporões. O comprimento, a cota de coroamento e o
espaçamento entre esporões são condicionados pela amplitude da maré, pela energia da
onda incidente e pelo pendor da praia. A proteção com esporões pode ou não ser
conjugada com obras longitudinais aderentes e, em certos casos, com alimentação
artificial da praia.

7
Devido à sua disposição transversal, os esporões interrompem, como se disse, a
deriva litoral (pelo menos na fase inicial), o que induz acumulação de areia a barlamar
e, consequentemente, confere proteção efectiva às construções aí existentes.

Figura 9 – Esporões perpendiculares à costa D – deposição; E – erosão


(KELLER & BLODGETT, 2007).

Quebra-mares – Têm como finalidade principal proteger a entrada de um porto da


onda dominante, embora sejam também utilizados como estrutura de proteção costeira.
Podem ser estruturas do tipo aderente (correspondendo, neste caso, a paredões), do tipo
destacado (construídos a certa distância da costa – fig. 10B), ou podem ter uma das
extremidades ancorada em terra (adquirindo normalmente forma encurvada ou em L –
fig. 10A).
Originalmente, os quebra-mares tinham como funções principais criar condições de
abrigo (mais calmas) na entrada dos portos, e/ou desviar a zona de deposição de areias
da entrada do canal de acesso, ou formar uma zona calma para refúgio de pequenas
embarcações. Porém, à medida que o século XX foi decorrendo, intensificou-se a
utilização destas estruturas na proteção costeira e na criação / ampliação de área útil de
praia para fins balneares.
Os quebra-mares destacados dispõem-se de forma grosseiramente paralela à linha de
costa, pelo que subtraem a zona interna da incidência directa da agitação marítima (fig.
10B). Consequentemente, acabam por criar novas condições em que a difração da onda
nas extremidades do quebra-mar propiciam, na zona de sombra, transporte sedimentar
convergente, do que resulta a formação de uma praia saliente. Se o quebra-mar não foi
dimensionado de forma adequada, isto é, se o seu comprimento não é pequeno
relativamente à distância à costa, a acumulação sedimentar acaba, com o tempo, por se
converter num tômbolo, ficando a estrutura ligada directamente à praia.
Molhes – Semelhantes a esporões, têm como finalidade manter uma barra fixa e
navegável, isto é, que permaneça no mesmo local e livre do assoreamento (fig. 9C). São
utilizados em todos os tipos de barra, sejam estas estuarinas ou lagunares. As suas
dimensões são muito variáveis. Embora, normalmente, tenham expressão subaérea,
nalguns casos estão submersas. Os materiais com que são construídos são muito
variáveis (betão, madeira, enrocamento, gabiões, tetrápodes, etc.).
Alguns molhes são, embora não seja frequente, potenciados como cais de atracação
de navios e de embarcações.

Para mais informações, consulte o artigo de DIAS (2005).


(Disponível na sala de aula virtual)

8
Imediatamente após a construção Alguns anos após a construção

Figura 10 – Diagramas ilustrando os efeitos da construção de quebra-mar com uma


extremidade ancorada em terra (A), de quebra-mar destacado (B) e de molhes (C) (KELLER
& BLODGETT, 2007).

Alimentação artificial de praias – Este processo pode servir de alternativa ou


complemento aos outros métodos de defesa costeira, tendo sido utilizado em diversos
locais, como, por exemplo, Miami (E.U.A.), Copacabana (Brasil), Costa da Caparica,
ou praia Azul (Espinho). Porém, não está isento de dificuldades: o seu custo é muito
elevado e não é fácil encontrar areias que permitam um bom uso balnear (as areias de
dragagens muitas vezes estão poluídas). Em litorais muito energéticos, como é a costa
ocidental portuguesa, é um processo que tem que se repetir periodicamente (veja-se o
caso da Costa da Caparica), com as consequências que se calculam em termos
económicos.
Mais económico e igualmente interessante sob o ponto de vista de reposição do
equilíbrio natural da linha de costa é o processo de by-passing, através do qual as areias
retidas a barlamar, por exemplo, de uma estrutura portuária, são aspiradas e recolocadas
a sotamar dessa estrutura.

3.2. Tsunamis

Durante alguns anos o governo japonês construiu estruturas de engenharia especiais


para proteger povoações costeiras e portos dos tsunamis. Estas estruturas incluíram
quebra-mares fora da costa e paredões de betão em terra. Infelizmente, o tsunami que
atingiu a costa nordeste do Japão a 11 de março de 2011 mostrou como estas estruturas
podem ser ineficazes: A cidade de Tarou foi arrasada depois do tsunami ter galgado

9
facilmente a muralha de proteção com 10 m de altura. Outras tentativas de proteção no
Japão incluíram a reurbanização costeira, elevando os edifícios e estradas sobre pilares,
e foi ainda proposta a plantação de bosques costeiros para reduzir o impacto dos
tsunamis.
Nos EUA recorreu-se à replanificação do uso do solo costeiro em algumas
comunidades. Por exemplo, em Crescent City, Califórnia, foram alteradas as restrições
ao ordenamento do território depois do tsunami de 1960 ter danificado gravemente a
zona comercial da cidade. Grande parte da zona afetada pelo tsunami é agora um parque
público e zona de praia.
Apesar das abordagens anteriores, a adaptação primária (e certamente a mais eficaz)
aos tsunamis consiste na criação de um sistema de aviso preciso e eficaz em conjunto
com planos de evacuação. Várias populações das costas do Havai e do oeste dos
E.U.A. têm sistemas de aviso de tsunamis e planos de evacuação. Estes planos incluem
indicações nas praias e portos bem como sirenes.
Depois de um tsunami mortífero ter atingido o Havai e o Alasca em 1946, os Estados
Unidos desenvolveram um sistema de deteção e aviso de tsunamis. Este sistema,
significativamente ampliado e renovado após o tsunami de 2004 na Indonésia, processa
dados provenientes de três fontes:
− Informação sobre sismos em tempo real, a partir de uma rede de sismógrafos
localizados por toda a bacia do Pacífico e E.U.A.;
− Informação sobre o nível da água de mais de uma centena de marégrafos
costeiros e detetores de tsunamis de países em redor do Pacífico;
− Informação de 39 sensores de pressão no fundo do oceano os quais transmitem
as suas medições a bóias DART (fig. 12) às quais estão associados, distribuídas
pelo Oceano Pacífico, Caraíbas e NO do Oceano Atlântico (fig. 11). Estas
bóias transmitem as leituras a um satélite geoestacionário, o qual retransmite a
informação de volta à Terra para os centros de alerta. Estes emitem diferentes
avisos dependendo da magnitude do sismo detetado e da eventual deteção de
um tsunami.
Por acordo internacional, a informação do sistema de aviso de Estados Unidos é
partilhada com os centros de aviso de outros 23 países.

Figura 11 – Distribuição das bóias DART e detectores de tsunamis internacionais (NOAA, 2009).

10
Figura 12 – Características e funcionamento dos sensores de fundo e das bóias DART (Deep-ocean
Assessment and Reporting of Tsunamis) (NOOA, 2009).

Portugal não tem qualquer sistema de aviso de tsunamis!

11
4. Bibliografia

ANDRADE, C. F. (1998). Dinâmica, erosão e conservação das zonas de praias.


Monografias, EXPO 98, Lisboa.
ARAÚJO, M. A. (2003). Tópicos da Matéria da disciplina de Geomorfologia Litoral.
Departamento de Geografia, Faculdade de Letras, Universidade do Porto. Acessível
em http://web.letras.up.pt/asaraujo/, consultado em 2009-05-30.
DIAS, J. A. (2005). Evolução da zona costeira portuguesa: forçamentos antrópicos e
naturais. Revista Encontros Científicos – Turismo, Gestão, Fiscalidade, Faro, 1:7-27.
DIAS, J. A. (2007). Glossário das Zonas Costeiras. Publicação electrónica www.
Acessível em http://www.aprh.pt/rgci/glossario/index.html, consultado em 2009-05-
25.
DIAS, J. A., FERREIRA, Ó. & PEREIRA, A. R. (1994). Estudo Sintético de Diagnóstico da
Geomorfologia e da Dinâmica Sedimentar dos Troços Costeiros entre Espinho e
Nazaré. Relatório Final. Instituto da Conservação da Natureza, Lisboa, relatório não
publicado, 137 pp. Acessível em http://w3.ualg.pt/~jdias/JAD/indexeB.html,
consultado em 2009-05-10.
KELLER, E. & BLODGETT, R. (2007). Riesgos naturales. Procesos de la Tierra como
riesgos, desastres y catástrofes. Pearson, Madrid, 448 p.
NELSON, S. (2009). Natural Disasters – Lecture Notes. Tulane University, USA.
Acessível em http://www.tulane.edu/~sanelson/geol204/index.html, consultado em
2009-05-10.
NOAA (2009). National Data Buoy Center. National Oceanic and Atmospheric
Administration. Acessível em http://www.ndbc.noaa.gov/dart/dart.shtml, consultado
em 2009-05-10.
SKINNER, B. J. & PORTER, S. C. (1987). Physical Geology. John Wiley & Sons, New
York, 750 pp.

12
Estudo Sintético de Diagnóstico da Geomorfologia e da Dinâmica Sedimentar
dos Troços Costeiros entre Espinho e Nazaré

6
RISCOS NATURAIS
ASSOCIADOS A VARIAÇÕES DO NÍVEL DO MAR

6.1. - RISCOS NATURAIS NO LITORAL


O litoral, devido ao facto de constituir interface múltipla entre a litosfera, a
hidrosfera, a atmosfera e a biosfera, está sujeito não só aos riscos naturais intrínsecos a cada
uma destas esferas, mas também aos que resultam da sua interpenetração. De entre estes
múltiplos riscos (inundação pluvial, sismos, avalanches, movimentação de vertentes,
incêndio, etc. etc.), avultam os que se relacionam com o mar e, em especial, com variações do
nível do mar.
Dados os objectivos do presente relatório e as características da faixa costeira entre
Espinho e Nazaré (bem como a situação em que este actualmente se encontra), analisar-se-ão,
neste capítulo, apenas os riscos naturais associados a variações do nível do mar.
A erosão costeira é, frequentemente, considerada na classe dos riscos naturais.
Todavia, especificamente no litoral considerado, e como se demonstrou em capítulo anterior,
a erosão costeira é induzida quer por factores naturais, quer, principalmente, por múltiplas
actividades antrópicas. Entre estas referem-se as que se localizam tanto nas bacias drenantes
para estes troços costeiros, como as que afluem a barlamar de Espinho (mas alimentam, via
deriva litoral, esta costa), as que se desenvolvem nas zonas estuarinas e lagunares, e as que
incidem sobre a própria faixa costeira.
Assim, apenas se abordará a problemática associada à erosão costeira com origens
naturais. A erosão costeira induzida pelas actividades antrópicas (que, repete-se, atinge
amplitude muito maior que a provocada por factores naturais) é referida, de forma
pleonástica, ao longo de todo este relatório, pois que, muito provavelmente, é o principal
mecanismo indutor de problemas em toda a faixa costeira que de Espinho se estende até à
Nazaré.
6.2. - VARIAÇÕES DO NÍVEL DO MAR
Referiu-se, em capítulo anterior, que parte da erosão costeira que actualmente se
verifica em Portugal é imputável à elevação do nível médio relativo do mar. Esta elevação é
frequentemente denominada por "elevação secular" por se fazer sentir durante prazos
temporais alargados (de ordem secular). Todavia, o litoral está sujeito aos impactes de outras
elevações do nível médio do mar, que se fazem sentir em períodos bastante mais curtos, e que
constituem, também, riscos importantes para a zona costeira.

(Dias, Ferreira & Pereira, 1994) Edição electrónica (2005): w3.ualg.pt/~jdias/JAD/ebooks

132
Estudo Sintético de Diagnóstico da Geomorfologia e da Dinâmica Sedimentar
dos Troços Costeiros entre Espinho e Nazaré

Fundamentalmente, as elevações do nível do mar que constituem riscos naturais para


a faixa costeira são constituídas por quatro tipos de fenómenos distintos:
a) as variações, actualmente expressas por elevações lentas devidas a causas naturais
(ou induzidas indirectamente por actividades antrópicas) e que normalmente são
designadas por variações seculares do nível do mar;
b) as elevações do nível do mar de muito curto período (da ordem de segundos) mas
repetitivas, devidas às ondas de grande altura produzidas no decurso de temporais
violentos;
c) as elevações do nível do mar de origem meteorológica, de curto a médio período (da
ordem de horas ou dias), que normalmente ocorrem associadas aos núcleos de
baixas pressões indutoras de temporais, e que por isso se denominam geralmente
pelo termo anglo-saxónico "storm surge";
d) elevações devidas à ocorrência de grandes ondas, do tipo solitário, que normalmente
são induzidas por sismos com epicentros localizados no mar em que se verificou
rotura superficial, e que geralmente são designadas por "tsunamis".
6.3 - ELEVAÇÃO SECULAR DO NÍVEL DO MAR
Apesar de, em capítulo anterior, se ter já referido o assunto, é relevante acrescentar
que, se os impactes desta elevação são aparentemente reduzidos (em comparação com os
impactes devidos às actividades antrópicas) nos litorais arenosos e rochosos, o mesmo se não
verifica noutras zonas ribeirinhas.
Efectivamente, embora os valores médios de elevação anual sejam da ordem de
1,5mm e pareçam ser, em primeira análise desprezíveis, não o são de facto. Pequenas
variações persistentes do nível médio do mar induzem, com frequência, grandes modificações
nas zonas ribeirinhas. Basta referir, a este propósito, e a título exemplificativo, as zonas
estuarinas e lagunares em que, por via de regra, as áreas ocupadas por sapais têm grande
expressão, e onde basta uma pequena elevação do nível do mar para que grandes extensões de
sapal sejam afectadas. Embora este assunto esteja bastante mal estudado em Portugal, é
possível deduzir (a partir de trabalhos efectuados nos Estados Unidos da América, onde o
assunto tem vindo a ser objecto grande de preocupação e de atenção cuidada) que,
provavelmente, este fenómeno é anualmente responsável pela perda de vários km2 da nossa
faixa costeira portuguesa.
Compreende-se melhor a amplitude do problema quando se tem em atenção o facto
bem conhecido (nomeadamente através da análise dos maregramas das estações de Cascais e
de Lagos) de que o nível médio do mar em Portugal se encontra, actualmente, quase 20 cm
acima da posição que ocupava no início do século.
É, ainda, relevante referir que a elevação secular do nível médio relativo do mar tem
(e terá no futuro, de forma presumivelmente agravada) outras consequências, de ordem
diversa, no nosso litoral. Como a aludida elevação está relacionada com a Modificação
Climática Global (geralmente designada por Global Change) actualmente em curso, é
previsível que essa elevação seja acompanhada por modificações no clima de agitação

(Dias, Ferreira & Pereira, 1994) Edição electrónica (2005): w3.ualg.pt/~jdias/JAD/ebooks

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Estudo Sintético de Diagnóstico da Geomorfologia e da Dinâmica Sedimentar
dos Troços Costeiros entre Espinho e Nazaré

marítima e, nomeadamente, por aumento significativo da frequência e da intensidade dos


grandes temporais no mar com consequências negativas óbvias para a faixa litoral.
É, ainda, de esperar, no futuro, além de incremento significativo da erosão costeira
(com o consequente recuo da linha de costa e as destruições a ela inerentes), inundações mais
frequentes e mais catastróficas de zonas ribeirinhas, salinização de aquíferos, ampliação das
intrusões salinas nos estuários, etc. As consequências far-se-ão sentir a todos os níveis,
inclusivamente no sector das pescas, pois que a maior parte das espécies piscícolas são muito
sensíveis a pequenas variações, entre outras, da temperatura, da salinidade, da turbidez das
águas e do tipo de fundo (parâmetros estes que, expectavelmente, sofrerão, no futuro,
modificações induzidas pela elevação secular do nível do mar (e, de forma genérica, pelos
factores associados à Modificação Climática Global).
Como já foi referido no capítulo 5, a elevação do nível médio do mar em Portugal,
determinada por Taborda & Dias (1988) e Dias & Taborda (1989,1991) com base nos dados
do marégrafo de Cascais, tem-se processado à taxa média de cerca de 1,7 mm/ano.
A projecção dos resultados para o final do século (isto é, final desta década) aponta
para valores superiores aos actuais em 20mm, numa perspectiva optimista, e em 40mm, numa
perspectiva pessimista, sendo esses valores respectivamente de 140mm e de 572mm no ano
2100. Tais projecções são preocupantes porquanto, directamente, implicam: a) aumento da
erosão costeira natural; b) ampliação do assoreamento nas zonas estuarinas e lagunares (com
redução significativa dos materiais exportados para a costa e entrada de maiores volumes de
areias transportadas em deriva litoral com consequente redução do trânsito sedimentar
costeiro); e c) acréscimo da perda de áreas de sapal (precisamente as zonas da Terra onde a
produtividade biológica é maior).
O assunto referido reveste-se de maior acuidade quando se tem em atenção que,
internacionalmente, se prevê aceleração significativa da razão de subida do nível médio do
mar no futuro próximo, e quando se considera a região em estudo, cuja faixa costeira é
fundamentalmente arenosa e baixa, e onde ressalta a laguna de Aveiro, bordeada por terrenos
localizados a cotas muito baixas.
Assim, os impactes da elevação secular do nível médio do mar podem revestir-se
de aspectos profundamente negativos nesta região. Afigura-se imprescindível que a gestão
deste vasto território tenha em atenção este risco natural.
6.4. TEMPORAIS
Como a costa portuguesa, está localizada na margem oriental do oceano atlântico
Norte, está sujeita à actuação de temporais muito violentos. Com um "fetch" (espaço de
geração e propagação das ondas) da ordem dos milhares de quilómetros, a energia transmitida
à superfície do oceano pelas grandes tempestades que ocorrem no Atlântico Norte
(nomeadamente as associadas aos núcleos depressionários dos Açores e da Islândia) e
transmitida sob a forma de agitação marítima, acaba frequentemente por se dissipar junto à
costa portuguesa através da rebentação das ondas de longo período ("swell").
Consequentemente, verifica-se que a costa portuguesa é extraordinariamente energética.

(Dias, Ferreira & Pereira, 1994) Edição electrónica (2005): w3.ualg.pt/~jdias/JAD/ebooks

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Estudo Sintético de Diagnóstico da Geomorfologia e da Dinâmica Sedimentar
dos Troços Costeiros entre Espinho e Nazaré

Acresce ainda que, com frequência, o território português é afectado pela passagem
de núcleos de baixas pressões e/ou de superfícies frontais, em consequência das quais se
geram ondas de curto período que, por vezes, são também violentas. Quando se verifica a
sobreposição destes tipos de ondas, e quando ambas são violentas, a energia dissipada no
litoral é muito grande tendo, muitas vezes, consequências catastróficas. É nestas ocasiões que
a erosão costeira atinge amplitude máxima e se verificam grandes recuos da linha de costa.
Embora o conhecimento do regime da agitação marítima em Portugal ainda não seja
muito bem conhecido, existem já vários trabalhos bastante interessantes sobre o assunto,
nomeadamente os de Carvalho & Barceló (1966), Pires & Pessanha (1984; 1986 a, b), Pita et
al (1987), Pita & Santos (1989), Capitão (1992) e Mendes (1992). Aponta-se, a título
exemplificativo, o trabalho efectuado por Pires & Pessanha (1982) os quais, tendo por base as
séries do registo do ondógrafo de Sines obtidos entre 1974 e 1980, determinaram a
distribuição dos valores máximos anuais da altura significativa, da altura máxima e do
período médio das ondas de temporais com períodos de retorno vários.
Trabalhos vários (p.ex.: Carvalho & Barceló, 1966; Pires & Pessanha, 1986a, 1986b)
indicam claramente que a violência dos temporais na costa ocidental portuguesa é maior a
Norte do que a Sul. Assim, o litoral entre Espinho e Nazaré é dos troços portugueses mais
violentamente atingidos pelos temporais.
Na tabela 6.1 estão expressas as alturas máximas significativas atingidas por
temporais com períodos de retorno entre 1 e 100 anos, segundo os valores calculados por
Pires & Pessanha (1986 a, b) para o Cabo da Roca, Mendes (1992), para a Figueira da Foz e
Ferreira (1993), para a generalidade da costa oeste portuguesa.
TABELA 6.1

ANO PIRES & PESSANHA (1986a, b) MENDES (1992) FERREIRA (1993)


1 6.6
2 7.7
3 8.3
4 8.8
5 9.5 9.2
10 10.4 9.5 - 10.0 10.3
25 11.4 11.8
50 12.4 11.5 - 13.6 12.9
100 13.1 12.4 - 15.5 14.0
Tabela 6.1 - Alturas máximas significativas de temporais com períodos de retorno entre 1 e 100
anos, segundo diferentes autores.

(Dias, Ferreira & Pereira, 1994) Edição electrónica (2005): w3.ualg.pt/~jdias/JAD/ebooks

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dos Troços Costeiros entre Espinho e Nazaré

Regista-se que, apesar das incertezas existentes e dos diferentes métodos utilizados
pelos diversos autores, os resultados apresentados são muito semelhantes.
Verifica-se, ainda, que o temporal com altura significativa de 9,5m (que tem ondas
com altura máxima superior a 17m) e período médio de cerca de 16s tem um período de
retorno de apenas 5 anos. Com um período de retorno de 25 anos estima-se um período médio
de cerca de 18s e uma altura significativa superior a 11m (a que corresponde uma altura
máxima superior a 20m).
Os valores apontados testemunham bem o carácter extraordinariamente
energético do sector costeiro em análise, bem como a violência extrema dos temporais
que a podem assolar. Só a título de exemplo comparativo, refere-se que a maior erosão
costeira registada desde sempre na Holanda devida a um único temporal foi de 154m3/m. Na
área considerada neste relatório, no decurso de alguns temporais singulares, com períodos de
retorno de cerca de 4 anos, têm sido quantificadas erosões superiores a 200m3/m nalguns
locais. Aliás, e ainda a título de exemplo, refere-se que, a Sul de Cortegaça, um único
temporal ocorrido em 1989 induziu um recuo da linha de costa local da ordem dos 15m.
Constituindo os temporais o principal veículo de erosão costeira, é importante que os
estudos sobre o assunto sejam mais incentivados, e que os seus resultados sejam devidamente
integrados na gestão desta faixa costeira.
Com efeito, os temporais constituem um dos maiores riscos naturais (e um dos
mais frequentes) do litoral considerado. As consequências da actuação de um temporal
excepcional nesta região podem ser catastróficas. Não só a linha de costa sofrerá recuos
muito grandes, como as estruturas de protecção costeira e algumas das edificações existentes
podem ser seriamente danificadas.
Se, por exemplo, no decurso de um deste temporais, a protecção longilitoral aderente
da Vagueira (para considerar apenas um dos casos) entrar em ruptura, seguramente que se
atingirá o estado de catástrofe regional, com danificação e provável destruição de vários
edifícios, alagamento das caves e rés-do-chão da maior parte dos edifícios, inundação das
terras baixas interiores, salinização dos terrenos, degradação das estradas, etc. Os prejuízos
económicos e sociais serão extremamente elevados, para já não falar nos danos ao nível
ecológico e do património natural. Se esse temporal for persistente, isto é, se durar alguns
dias, ou se se lhe seguir outro temporal, corre-se mesmo o risco de se abrir nova ligação do
mar à laguna de Aveiro. O caso toma amplitude bastante maior se se considerar que,
simultaneamente, ocorrerão provavelmente situações igualmente graves em vários outros
pontos desta região (p.ex.: Espinho, Esmoriz, Cortegaça, Furadouro, Costa Nova do Prado,
Mira, Tocha, Gala, Cova, Lavos, Leirosa, etc.).
Consequentemente, os riscos naturais associados aos temporais devem constituir
preocupação permanente e prioritária de todos os órgãos envolvidos na gestão deste
litoral.

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6.5. - "STORM SURGE"


A elevação temporária do nível médio do mar devido a factores meteorológicos,
geralmente conhecida sob a designação de "storm surge", é integrável na classe dos
acontecimentos catastróficos. Efectivamente, quando o "storm surge" ocorre associado a
grandes temporais e em períodos de marés vivas, os riscos de recuo acelerado da linha de
costa, de inundação de zonas ribeirinhas e de danificação ou destruição de bens aí existentes
são extraordinariamente aumentados.
Em Portugal, os estudos sobre este assunto são em número extremamente limitado,
havendo a noção, até muito recentemente, de que a amplitude deste fenómeno, no nosso país,
era desprezível (da ordem de alguns centímetros). Todavia, encontram-se dispersas na
bibliografia referências várias a inundações em vários locais, inundações essas que,
frequentemente, podem ser interpretadas como resultantes, pelo menos parcialmente, de
episódios de "storm surge".
O único trabalho (e único dado fiável) existente em Portugal (que seja do nosso
conhecimento) sobre a quantificação do "storm surge" baseada na análise de dados reais era,
até há muito pouco tempo, o de Morais & Abecassis (1978) que indicava, para o Porto de
Leixões, um valor de sobreelevação máxima de 0,53m durante o temporal de Janeiro de 1973.
Todavia, este valor apresenta carácter muito pontual (quer no espaço, quer no tempo), não
sendo possível extrapolar para outras zonas do litoral por forma a possibilitar a previsão de
valores máximos de "storm surge".
O trabalho de Taborda e Dias (1992) constitui a primeira análise sistemática do
fenómeno em Portugal, envolvendo o estudo dos registos maregráficos das estações de Viana
do Castelo, Leixões, Aveiro, Cascais, Lisboa, Tróia, Sines e Lagos. Refere-se este trabalho, à
análise das sobreelevações ocorridas no decurso de dois temporais significativos que
atingiram o território português: o de Fevereiro/Março de 1978 e o de Dezembro de 1981.
O primeiro temporal referido, apesar de não poder ser considerado excepcional
(Pires, 1978), provocou avultados prejuízos no litoral, e está bastante bem documentado,
nomeadamente nos trabalhos de Daveau et al. (1978), Feio & Almeida (1978) e Feio (1980).
Entre muitos estragos provocados por este temporal, salientam-se os que se registaram no
molhe de Sines, que acarretaram prejuízos que ascenderam a vários milhões de contos. No
decurso do temporal a altura significativa da onda foi, segundo Capitão (1992), de 8,3m
(Cabo da Roca), e que corresponde altura máxima de mais de 12m, sendo o período de
retorno, de acordo com Ferreira (1993), de apenas 3 anos. No decurso deste temporal, os
valores máximos de sobreelevação foram entre 40 (Cascais) e 90cm (Viana do Castelo).
O segundo temporal analisado por Taborda & Dias (1992) ocorreu em Dezembro de
1981 e diferenciou-se do anterior, nomeadamente porque os valores máximos de
sobreelevação foram observados num único dia e não ao longo de 5 dias, como no temporal
de 1978. No entanto, as características das situações meteorológicas dos dois temporais são
muito semelhantes, com sucessivas passagens de ondulações frontais e ventos fortes de W-
SW. Tal como o temporal anterior, também este provocou fortes estragos na costa
portuguesa, nomeadamente na zona de Sines. No decurso deste temporal, a altura
significativa da onda, em Leixões, foi de 9,3m (Capitão, 1992), sendo a altura máxima de

(Dias, Ferreira & Pereira, 1994) Edição electrónica (2005): w3.ualg.pt/~jdias/JAD/ebooks

137
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dos Troços Costeiros entre Espinho e Nazaré

14,6m, condições estas que, de acordo com Ferreira (1993), tem um período de retorno de 5
anos. Os valores máximos de sobreelevação registados variam entre 40 (Lagos) a 120cm
(Aveiro) (Figura 6.3).
A grande amplitude dos estragos provocados por estes temporais ficou a dever-se ao
facto de, em ambos os casos, terem ocorrido em situação de marés vivas, as quais, todavia,
não foram excepcionalmente altas. Os níveis máximos de marés atingidos foram de 3,8m
(temporal de 1978) e 3,6m (temporal de 1981), valores que não se podem considerar fora do
normal. Caso estes valores tivessem atingido cotas superiores a 4,0m Z.H. ou 4,5m Z.H.,
valores possíveis em Portugal, as danificações teriam sido muito maiores.
Estes resultados revelam que, ao contrário do que era geralmente aceite, os episódios
de "storm surge" em Portugal podem atingir amplitude bastante significativa, o que justifica o
relevo dado a este fenómeno neste relatório. Todavia, apesar do interesse indiscutível de
trabalho referido, o facto de se terem analisado apenas dois temporais (que nem sequer se
podem considerar como realmente excepcionais), inviabiliza uma completa caracterização do
fenómeno em Portugal.
Assim, existe forte possibilidade de poderem ocorrer episódios de "storm surge" com
amplitudes significativamente superiores às indicadas. Se tal se verificar em período de marés
vivas equinociais e em simultâneo com temporais excepcionais, os estragos provocados na
orla costeira poderão ser muito grandes e, eventualmente, poderá haver perda de vidas
humanas. Certo é que a probabilidade de ocorrer tal coincidência não é grande. No entanto, a
história (mesmo a das últimas décadas) demonstra que tais coincidências ocorrem na
realidade, acarretando, geralmente, grandes custos económicos e sociais.
6.6. "TSUNAMI"
"Tsunami", termo japonês que designa um nível elevado das águas num porto, é
aplicado pelos japoneses às sobreelevações verificadas no litoral (quer nos portos, quer em
baías, quer em costas expostas) resultantes de perturbações ocorridas no fundo do mar. Há já
bastante tempo que o termo foi importado para a terminologia cientifica internacional. Em
Portugal utiliza-se, também, o termo "maremoto" e, por vezes, como sinónimo, o termo
"macaréu".
Como se referiu, os "tsunami" são provocados por perturbações muito rápidas
verificadas no fundo do mar. A causa mais conhecida são os sismos em que se verifica
ruptura superficial. Todavia, existem vários outros mecanismos indutores de "tsunami",
nomeadamente associados a crises vulcânicas submarinas e a episódios turbidíticos.
As ondas de "tsunami" têm comprimentos de onda muito grandes (da ordem dos 80 a
1200 Km). Consequentemente, o estudo destas ondas excepcionais pode ser efectuado
utilizando as equações para águas pouco profundas da teoria de Airy. Portanto, a celeridade
do "tsunami" no oceano será função da raiz quadrada da altura da coluna de água, que em
termos médios é da ordem dos 4000 a 5000 m. Assim, a celeridade destas ondas é da ordem
dos 800 Km/h.
Enquanto se propaga em oceano aberto, o "tsunami" apresenta altura relativamente
baixa, normalmente inferior a 1m, o que torna muito difícil a detecção da passagem da onda

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138
Estudo Sintético de Diagnóstico da Geomorfologia e da Dinâmica Sedimentar
dos Troços Costeiros entre Espinho e Nazaré

por navios ao largo. Todavia, quando se aproximam da costa e começam a aumentar, podem
atingir valores com ordens de grandeza uma ou duas vezes superiores aos que possuíam em
oceano aberto. Esta característica confere frequentemente aos "tsunami" um elevado
potencial de destruição.
Um dos "tsunami" mais destruidores da história foi o que em 1 de Novembro de
1755 atingiu a costa portuguesa, na sequência de um sismo de magnitude excepcionalmente
elevada. Na realidade, é possível concluir através de interpretação das fontes históricas, que o
"tsunami" foi responsável por maiores estragos e maior número de mortes que o próprio
sismo. Aliás, este "tsunami" atingiu também a costa americana com alturas da ordem dos 5m
ou mais (cerca de metade da altura atingida em Portugal), tendo também aí provocado
estragos.
Embora os "tsunami", tais como os sismos, sejam de ocorrência esporádica e não
previsível, os registos históricos, mesmo os recentes, indicam que:
a) a sua frequência não é desprezível,
b) podem ocorrer em qualquer altura,
c) não há qualquer tipo de periodicidade.
Entre os muitos "tsunami" da história recente pode referir-se o que foi gerado pela
erupção do Krakatoa em 1883, o qual atingiu a Indonésia com uma altura estimada em 30 a
40m, tendo aí provocado cerca de 36 000 mortos. Mais catastrófico do que o "tsunami" de
Krakatoa foi o que atingiu a baía de Bengala em 1876, tendo originado mais de 200.000
mortos.
Na costa ocidental da América do Sul, particularmente susceptível à ocorrência de
"tsunami", têm-se registado fenómenos deste tipo cuja altura é da ordem dos 40m. No
entanto, o "tsunami" com maior altura de que há notícia foi o que atingiu em 1737 o Cabo de
Lopatka, na península de Kamchatka, cuja altura está estimada em 70m.
O facto de as margens do Pacífico serem as que com mais frequência são atingidas
por "tsunami", precisamente por ser a principal região sísmica do globo, não significa que não
possam ocorrer "tsunami" muito grandes em outras costas oceânicas, o que aliás é
comprovado pelo "tsunami" de 1755 em Portugal. Com efeito, a faixa costeira portuguesa
deve ser considerada como zona de alto risco dado a sua proximidade e posição livre de
obstáculos em relação à zona de fractura Açores-Gibraltar, nomeadamente à planície abissal
da Ferradura e Banco Submarino do Gorringe, onde a maior parte dos sismos que afectam
Portugal são originados.
Com efeito, encontram-se frequentemente na documentação histórica referências a
destruições por "tsunami" em Portugal (Sousa, 1928; Machado, 1937; Moreira, 1973).
Todavia, essas referências são, muitas vezes, vagas, não sistemáticas e impróprias para
viabilizarem um estudo suficientemente consistente sobre o assunto. No entanto, encontram-
se na literatura referências a destruições por "tsunami" em tempos bastante recuados, ainda
antes da nossa era, como o que em 60 AC atingiu a costa portuguesa, gerado por um sismo
com epicentro provável na zona do Gorringe.

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Estudo Sintético de Diagnóstico da Geomorfologia e da Dinâmica Sedimentar
dos Troços Costeiros entre Espinho e Nazaré

Em tempos mais recentes a quantidade e qualidade da informação é melhor. Entre os


"tsunami" mais catastróficos que atingiram a região portuguesa podem referir-se o de 24 de
Agosto de 1356, o de 26 de Janeiro de 1531 e o de 1 de Novembro de 1755 (que, segundo
muitos autores, foi o "tsunami" mais catastrófico de que há registo). Todos estes "tsunami"
foram gerados por sismos com epicentro provável na zona de Gorringe.
O "tsunami" de 1755 está bem documentado devido ao inquérito mandado efectuar
pelo Marquês de Pombal, o qual esteve na base da magnífica obra publicada por Pereira de
Sousa. Entre os muitos estragos que provocou na orla costeira, referem-se a destruição de
edifícios em Lisboa, Cascais, Setúbal, Vila Nova de Milfontes, a inundação da ribeira de
Odeceixe numa extensão superior a 5 Km, destruições variadas em Budens, (onde a água
penetrou para o interior cerca de 3 Km), etc., etc..
A altura do "tsunami" variou de local para local, como é normal, dependendo da
morfologia da plataforma continental adjacente e da direcção relativa de incidência. Na parte
Sul da Ponta de Arrifana atingiu, aparentemente, os 15m de altura. Em Budens, a altura
atingida foi de cerca de 10 a 12m. Em Sagres, testemunhas oculares referem alturas de 30 a
60m, e aludem ao transporte de pedras desde a base da arriba até ao seu topo, as quais
ficaram na plataforma que se prolonga até à crista da arriba.
A obra monumental de Pereira de Sousa sobre o terramoto de 1755 é bem
esclarecedora a propósito do “tsunami” que então ocorreu. Em Lisboa, por exemplo, o autor
referido transcreve Moreira de Mendonça, o qual diz, que nessa ocasião, “... se retirou o mar,
deixando nas duas margens ver o fundo às suas águas nunca dantes visto, e encapelando-se
estas em altíssimos montes, se arrojaram pouco depois sobre todas as povoações marítimas
com tanto ímpeto, que parecia quererem submergi-las, estendendo os seus limites. Três
erupções maiores, alem de outras menores, fez o mar contra a terra, destruindo muitos
edifícios e levando muitas pessoas envoltas nas suas águas.”
Em Setúbal, Pereira de Sousa transcreve o Padre Manuel Portal: "... o mar derrubou
as muralhas, entrou pela Vila (bairro central) e pelo Campo quase um quarto de légua, e
meteu dentro das ruas os barcos". No que se refere ao Algarve, em "... Lagos e Albufeira,
que como entrou o mar com fúria infernal, levou o que restava das ruínas do terramoto...".
Infelizmente, Pereira de Sousa faleceu antes de terminar a sua obra monumental, não
tendo publicado os dados referentes aos distritos em que a faixa costeira em análise se inclui.
O 4º volume, editado postumamente, e que incide nomeadamente nos distritos de Aveiro e
Leiria, mais não é do que a publicação de algumas notas que o autor tinha recolhido, faltando-
lhe, obviamente, o capítulo dedicado ao "maremoto". No entanto, mesmo assim, é aí possível
encontrar algumas referências significativas, como a que é efectuada para a Vieira (Nº. Sr.ª.
dos Milagres), em que se afirma que, na altura, "... se vio que o mar cresceo mais do
ordinario sessenta passos, pouco mais ou menos, e que nos rios pelanos saltara a agoa fora
das suas correntes ...".
Há relativamente pouco tempo, em 28 de Fevereiro de 1969, verificou-se outro sismo
(magnitude 7,8 na escala de Richter) com epicentro na zona do Gorringe, que também foi
indutor de "tsumani" embora de amplitude reduzida. O assunto foi estudado no âmbito de um
trabalho sobre riscos sísmicos levado a cabo para Sines (D'Appolonia, 1982). A análise dos

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Estudo Sintético de Diagnóstico da Geomorfologia e da Dinâmica Sedimentar
dos Troços Costeiros entre Espinho e Nazaré

registos museográficos permite concluir que o "tsunami" induzido por este sismo teve a
amplitude de 115,5cm em Casablanca, de 85,5cm em Lagos e de 81,5cm em Cascais.
De acordo com o estudo aludido, foi estimado que um "tsunami" gerado na zona da
planície abissal de Ferradura-Banco do Gorringe devido a um sismo de magnitude 8,5 a 9,0
na escala de Ricther, o qual tem um período de retorno calculado em 250 anos, produzirá, na
origem, uma onda com 3,8m. Ao propagar-se em direcção a Portugal, tal onda reduzir-se-á
para 2,3m quando sai da zona de perturbação, começando a aumentar nas proximidades do
continente, aproximando-se da costa à velocidade de 20m/s atingindo as alturas de 4,4m a
profundidades de 20m ,e de 7m a profundidades de 5m em frente a Sines, permanecendo
estes níveis durante cerca de 78 segundos.
Verifica-se, assim, que a possibilidade da orla costeira portuguesa ser atingida por
um "tsunami" de grande altura é bem real. Todavia, é pelo menos bizarro que em Portugal se
tenha dado, e muito acertadamente, bastante atenção ao risco sísmico, tendo sido produzida
legislação variada, nomeadamente sobre construção anti-sísmica, e pouca ou nenhuma
atenção tenha sido dada ao risco de "tsunami".
Convém ter presente que a ocupação da faixa costeira era, na época em que ocorreu
o "tsunami" de 1755, bastante reduzida. Actualmente, a situação é completamente diferente,
nomeadamente nas zonas de Espinho - Cortegaça, Furadouro, Aveiro, Costa Nova,
Vagueira, Praia de Mira, Praia de Tocha, Quiaios, Figueira da Foz, Costa de Lavos, Leirosa,
Praia da Vieira, onde existem núcleos urbanos em que a densidade populacional, pelo menos
no Verão, é bastante grande. A catástrofe que teria lugar se esta região fosse, actualmente,
atingida por um grande "tsunami" é inimaginável. E, no entanto, tal é possível a qualquer
momento...
Basta lançar um olhar rápido sobre as plantas dos núcleos urbanos situadas no litoral
para concluir que, se ocorrer um grande "tsunami", nomeadamente as principais infra-
estruturas de socorro em caso de catástrofe (bombeiros, postos de socorros, unidades de
apoio, entidades de coordenação, etc.) estão implantadas a cotas tais que, muito
provavelmente, seriam elas próprias, em grande parte, destruídas ou seriamente
danificadas.
6.7. - GESTÃO COSTEIRA E RISCOS NATURAIS
Facilmente se conclui, do que acabou de se referir, que toda a faixa costeira entre
Espinho e Nazaré deve ser considerada como zona de risco. E, no entanto, que se saiba, a
gestão deste litoral não tem minimamente em atenção os riscos associados a elevações do
nível do mar. Pelo contrário, e apesar da legislação já existente, a construção em zonas de
risco muito elevado ou de risco extremo continua a progredir a ritmo alarmante.
É imprescindível e urgente que se tomem medidas preventivas neste litoral, e que se
institua, em toda a faixa costeira, uma zonação de riscos.
Considerando que a maré viva cheia pode atingir quase 4m (ZH) e que o "storm
surge" pode sobreelevar esse nível de cerca de 1m, e atendendo a que as ondas de temporal
(com período de retorno de 50 anos) e que progredirão neste nível sobreelevado têm altura
significativa de cerca de 12m e altura máxima de cerca 21 m, conclui-se que a maior parte

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Estudo Sintético de Diagnóstico da Geomorfologia e da Dinâmica Sedimentar
dos Troços Costeiros entre Espinho e Nazaré

dos núcleos urbanos e das construções mais ou menos isoladas existentes no litoral entre
Espinho e a Nazaré estão sujeitas a risco muito elevado. Caso se verifique a coincidência
apontada (e convém relembrar que as coincidências acontecem mesmo), as ondas poderiam
atingir locais situados à cota de 25 metros.
Assim, de forma pragmática, e na ausência de estudos específicos (que devem
obrigatoriamente ser efectuados com carácter de urgência), propõe-se, a título preventivo, a
seguinte zonação tentativa:
- Zona de risco muito elevado: abaixo da cota de 5m;
- Zona de risco elevado: entre 5 e 10m;
- Zona de risco moderado: entre 10 e 25m.
É evidente que os serviços essenciais se não devem localizar em zonas de "risco
muito elevado" nem "elevado".
A zonação apontada é, aparentemente, adequada aos diferentes riscos associados a
elevações do nível do mar: a elevação secular, temporais, "storm surge" e "tsunami".

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142
EVOL
EVOLUÇÃ
UÇÃO
O DA
DA ZON A COS
COS TEIRA POR TUGUESA:
TUGUESA: FOR
FORÇ
Ç AMENTOS
AMENTOS
ANTRÓPIC
ANTRÓPICOS OS E N ATURAIS

João M. Alveirinho Dias


Doutor em Geologia
Professor Associado na Faculdade de Ciências do Mar e do Ambiente - Univ. Algarve
jdias@ualg.pt

R esumo: A bs tr act:
act:
As zonas costeiras constituem ecossistemas únicos e Coastal zones are unique, irreplaceable ecosys-
irreconstituíveis à escala humana, resultantes de uma tems. They are the result of a long (millions of
longa evolução, de muitos milhões de anos. Se os years) evolution. Since early times estuaries and
estuários e lagunas costeiras foram, desde sempre, coastal lagoons were intensively occupied by
objecto de intensa ocupação humana, já nos litorais humans. However, sandy oceanic coast only
arenosos oceânicos, por serem inóspitos, essa ocu- started to be intensivelly occupied in the 19th
pação apenas se processou significativamente a partir and 20th centuries. Coastal management struc-
de meados do século XIX, e com maior acuidade na tures were not prepared for this sudden intensi-
segunda metade do século XX. A brusca intensifi- fication in the utilization of coastal zones. Some
cação da utilização das zonas costeiras ocorreu em decades were necessary to the management
simultâneo com o desenvolvimento de várias inter- structures adquire conscience for the new reali-
venções nas bacias hidrográficas e no litoral cujos ty and its consequences. In order to make the
impactes se traduzem, regra geral, em diminuição do intensive utilization of coastal zones sustainable,
abastecimento sedimentar e consequente erosão a new concept was developed during the last
costeira. Estes dois fenómenos incompatíveis (ocu- decades of the 20th century: the Integrated
pação das zonas costeiras e erosão costeira) desen- Coastal Zone Management (ICZM). However,
volveram-se sem que os organismos de gestão this concept is not aplicable, namely because
estivessem para tal devidamente preparados. A cons- coastal systems are open systems. What is possi-
ciencialização da nova realidade e das suas conse- ble, desirable and indispensable is the Integrated
quências e a tentativa de adaptação das estruturas de Territory Management (from wich ICZM have
gestão demorou algumas décadas. Para tornar a ocu- to be an important part).
pação e o desenvolvimento sustentáveis, surgiu, nas
décadas finais do século XX, o conceito de Gestão
Integrada da Zona Costeira. Todavia, em si, é um
conceito impossível de concretizar, pois que as zonas
costeiras são sistemas abertos. O que é possível, dese-
jável e imprescindível é a Gestão Integrada do
Território (em que obviamente se enquadra a Gestão
Integrada da Zona Costeira).

Palavr
alavr as-Chav
as-Chav e: K e ywor
ywor ds:
ds:

Gestão Integrada da Zona Costeira, ICZM, Integrated Coastal Zone Management, ICZM,
Ocupação do Litoral, Erosão Costeira. Coastal Occupation, Coastal Erosion.

1. Car act er ização das Zonas


Cos t eir as
As zonas costeiras constituem ecossistemas únicos e e secular. Nestes termos, deve-se assumir que as ca-
irreconstituíveis à escala humana. Correspondem à racterísticas de qualquer litoral foram e são impostas
resultante de uma longa evolução, de muitos milhões pela actuação dos processos de geodinâmica interna
de anos, mas em que também são facilmente reconhe- e externa ao longo do tempo geológico. De certa
cíveis os traços evolutivos correspondentes a escalas forma pode dizer-se que o esqueleto das zonas
temporais variadas, nomeadamente à escala milenar costeiras foi constituído pela evolução à escala dos

7
Encontros científicos

milhões de anos, que a carne se formou através da entes, com particular relevância para os litorais
escala milenar, e que a pele se desenvolveu através arenosos, caracterizam-se por serem agrestes (com
da evolução secular. Qualquer trecho costeiro é, de grandes amplitudes térmicas diárias, forte inso-
certa forma, um repositório da história da Terra, lação, muito ventosos, com ar carregado de salsu-
correspondendo, consequentemente, a um monu- gem, quase sem vegetação e, com frequência, sem
mento museológico insubstituível. água doce facilmente acessível), parcos em recur-
sos básicos (pois que a areia da praia e dos campos
As zonas costeiras são sistemas altamente comple-
dunares inviabiliza a agricultura, e o acesso aos
xos, resultantes da intercepção da hidrosfera, da
recursos pesqueiros é dificultado pela rebentação
geosfera, da atmosfera e da biosfera. É precisamente
das ondas), e apresentarem elevada vulnerabilidade
desta complexidade que resultam não apenas a ele-
no que se refere a riscos naturais (grandes tempo-
vada variabilidade que apresentam, mas também as
rais, tsunamis, etc.).
grandes potencialidades que as caracterizam.
A ocupação humana destes ambientes inóspitos
A complexidade sistémica das zonas costeiras tor-
tornava-se ainda mais difícil devido aos riscos ine-
nam-nas em sistemas altamente sensíveis e vul-
rentes aos conflitos armados, em que adquirem
neráveis. Com frequência, uma pequena alteração
particular acuidade os relacionados com o corso e
num dos parâmetros pode provocar grandes modi-
a pirataria. Em muitos litorais, o flagelo do corso e
ficações em todo o sistema. Acresce que são sis-
pirataria, através dos quais, subitamente, os
temas abertos, extremamente dependentes dos
pequenos povoados eram atacados, sendo as popu-
forçamentos que lhes chegam do exterior, isto é, por
lações roubadas, violadas, raptadas e/ou assassi-
exemplo, de modificações ocorridas nas bacias
nadas. Os reinos Ibéricos, pela sua proximidade
hidrográficas drenantes, de mudanças surgidas na
geográfica ao Norte de África e pelas suas
bacia oceânica adjacente, e de alterações verificadas
tradições na luta contra os infiéis, foram particular-
no sistema atmosférico.
mente sujeitos a acções dos corsários berberes.
Perante esta complexidade, não é, de forma alguma, Todavia, o litoral português foi, com frequência,
surpreendente que o conhecimento científico das alvo de acções deste tipo perpetradas por navios
zonas costeiras seja, ainda, muito limitado. Para ter provenientes de regiões mais setentrionais (nor-
noção de como o conhecimento científico está mandos, vikings, etc.). Nas nossas costas o flagelo
ainda bastante longe de corresponder ao desejável, do corso e pirataria perdurou até ao século XVIII.
basta referir, a título meramente exemplificativo, que Na fachada ibérica atlântica há indícios das investi-
não há quaisquer certezas quanto às razões que das e incursões aludidas desde os tempos proto-
condicionam a localização das correntes de retorno históricos até aos novigodos, que incidiam sobretu-
(rip currents), sobre os processos que conduzem à do nos actuais litorais da Biscaia e Galiza. Embora
constituição dos lobos de praia (cusps), sobre pos- menos frequentes, também o actual litoral por-
síveis relações entre estes e as correntes de retorno, tuguês não estava isento destas acções, como o
sobre a influência das ondas infragravíticas no trans- comprova o ataque normando de 1026 na terra de
porte sedimentar, sobre a existência e importância Santa Maria, no antigo porto de Cabanões, nas
de ondas estacionárias paralelas e/ou perpendicu- proximidades de Ovar (Oliveira, 1967).
lares à linha de costa. Contudo, impunha-se que o Rei estabelecesse
2. A Ocupação das Zonas Cost
Cost eir as claramente a sua soberania mesmo sobre locais
até
até ao Século XIX vulneráveis, pouco atractivos e, consequentemente,
Ao contrário do que, com frequência, é afirmado, a pouco habitados, como acontecia em zonas fron-
ocupação da generalidade das zonas costeiras foi teiriças e no litoral. Recorria, para tal, às forças
sempre muito escassa. É certo que, nalguns ambi- armadas de que dispunha, construindo fortes e ata-
entes, com particular relevância para as zonas estuari- laias, cujas ruínas são actualmente abundantes nas
nas e lagunares, os amplos recursos aí existentes servi- zonas da raia e em pontos costeiros estratégicos.
ram de pólo de atracção para a ocupação, desde a pré- No entanto, utilizando a terminologia actual, pode
-história. É significativo que cerca de dois terços das dizer-se que tal ocupação carecia de sustentabili-
maiores cidades mundiais se situem precisamente nas dade, pois que os militares para aí destacados, ao
zonas adjacentes aos ambientes aludidos. acabar a comissão, abandonavam a região. No sen-
tido de dar maior consistência a essa ocupação
Todavia, os litorais oceânicos foram, desde sempre, recorria o Rei, por vezes, à figura do “couto de
evitados pelo Homem. Efectivamente, estes ambi- homiziados”, isto é, definia e delimitava determina-

8
Evolução da Zona Costeira Portuguesa - João Alveirinho Dias

da zona como lugar onde os perseguidos pela xistentes. Basta folhear o 2º volume do Guia de
justiça se podiam radicar, geralmente com a Portugal, de 1927, em que se incluem as zonas
condição de não poderem dali sair. Na realidade, costeiras da Extremadura, do Alentejo e do
era uma tentativa efectiva (e muitas vezes eficaz), Algarve, para constatar como, já em período de
de colonização de zonas perigosas e pouco expansão do fenómeno turístico-balnear, eram
povoadas. Vários pontos do litoral foram assim difíceis (por vezes quase inexistentes) as acessibi-
colonizados entre os séculos XIII e XVI, tais como lidades para a maior parte das localidades ribei-
Caminha, na foz do rio Minho, Caldas da Rainha, rinhas existentes nos litorais oceânicos. Vila Nova
na extremidade da Lagoa de Óbidos, Sezimbra, no de Milfontes não dispunha ainda de estrada
litoral da serra da Arrábida, Vila Nova de (sendo acessível por mar ou, a partir de Odemira,
Milfontes, no estuário do rio Mira, Portimão, na pelo rio Mira).
foz do rio Arade, Arenilha e Castro Marim, no
As primeiras estâncias balneares eram frequen-
estuário do rio Guadiana (Moreno, 1986). É de re-
tadas, como se referiu, pelos estratos sociais mais
levar que, praticamente sem excepção, os coutos de
elevados. A principal motivação da deslocação à
homiziados costeiros foram definidos em litorais
praia era a saúde. É interessante verificar que
abrigados (estuários, lagunas, etc.), não se encon-
Ortigão (1876), à semelhança de muitos opinion
trando qualquer referência a tentativas efectuadas
makers da época, aponta para o banho de mar o
em litorais oceânicos expostos. Depreende-se, por
duplo carácter higiénico e terapêutico. Segundo o
um lado, que a colonização de tais zonas era de tal
autor, “a acção hidroterápica domina quando a
forma difícil que nem a figura jurídica que imuniza-
duração do banho é curta e a temperatura mais fria;
va os habitantes da área coutada (couto de homizia-
produz-se a acção medicamentosa quando a tem-
dos) viabilizava o seu povoamento, e por outro, que
peratura é mais elevada e a duração do banho mais
essa não era preocupação prioritária do poder cen-
longa (três quartos de hora). Assim, o banho de
tral, até porque o desembarque de forças inimigas
mar apresenta o duplo carácter higiénico e terapêu-
era aí bastante difícil devido à rebentação das ondas.
tico”. Aliás, esta visão terapêutica dos banhos de
Todavia, nem o povoamento persistente, suporta- mar, segundo a qual estes devem ser praticados
do pela presença de tropas, era suficiente para como um remédio e não por prazer, persiste, pelo
desmotivar as incursões dos piratas, como é com- menos em grande parte, até meados do século XX.
provado, por exemplo, pela história de Vila Nova Os banhos de mar tomavam-se “como remédio,
de Milfontes. O facto de D. João II lhe ter conce- não por prazer”, e obedeciam a um ritual seguido
dido o privilégio de couto de homiziados, per- pelos banheiros (indivíduos responsáveis pela
mitindo-lhes “viverem livremente na vila e seu administração dos banhos, que na maioria eram
termo com a condição de auxiliarem as duas com- pescadores, mas devido ao seu conhecimento do
panhias existentes na vila, e a defenderem contra as mar, da força das ondas, das praias, exerciam essas
investidas dos corsários” (Beires, 1927), não foi funções durante a época balnear), segundo o qual
suficiente para impedir os ataques. Efectivamente, deviam ser “rápidos, com três mergulhos e
seguindo a descrição do autor aludido, em 1638, apanhando o banhista o choque de sete ondas”
piratas argelinos atacaram o pequeno ancoradouro (Colaço e Archer, 1943). No entanto, as práticas
do Canal, localizado uns 2 km a Norte de talasso-terapêuticas (isto é, os banhos de mar) ape-
Milfontes, destruindo e saqueando um casal isola- nas ocupavam uma pequena parte do dia, sendo
do. Perante o ataque acudiram os habitantes da vila. importante arranjar ocupação para os longos
Era, no entanto, mera manobra de diversão. tempos livres. Esta concatenação de factores
Aproveitando a prevista deslocação dos defen- (aristocracia/burguesia, disponibilidade financeira,
sores, as tripulações de outros barcos desembar- tempo livre) conduziu ao aparecimento de serviços
caram na vila “cevando na povoação indefesa a sua vários, de onde ressaltam os clubes, os casinos e os
fúria destruidora e levando cativos a bordo vários hotéis de luxo.
habitantes, entre os quais o prior”. Reitere-se que o Começam, assim, a surgir em litorais que durante
caso descrito é apenas exemplificativo das dificul- séculos tinham estado ausentes de qualquer ocupa-
dades que havia em colonizar o litoral, e de alguns ção humana, ou em que esta era muito rarefeita, edi-
dos perigos a que os povoados estavam sujeitos. ficações várias para apoio à novel actividade do turis-
Acresce que, ao longo da História, e devido à alu- mo balnear, sejam casas para alojamento de famílias,
dida rarefação da ocupação humana, as acessibili- sejam hotéis para o visitante ocasional, sejam clubes e
dades eram muito difíceis ou, mesmo, quase ine- casinos para ocupação de tempos livres.

9
Encontros científicos

Ramalho Ortigão (1876), na sua obra As Praias de foram decorrendo e a curva demográfica foi, ten-
Portugal, dá-nos uma boa perspectiva da situação no dencialmente, de crescimento.
início do último quartel do século XIX, precisa-
mente quando, em Portugal, se estava a iniciar a Na realidade, desde sempre que intervenções
“corrida para a praia”. Pressente-se, em toda a antrópicas várias, especialmente as desmatações e
prosa aludida, o início de um movimento de ocu- desflorestações e a agricultura, causaram interferên-
pação sem paralelo na História, e que se irá pro- cias na evolução costeira natural, principalmente
gressivamente ampliando, a ritmo exponencial, até devido a incremento da erosão do solo e conse-
à actualidade. Porém, nessa altura, o afluxo de banhis- quentes alterações no abastecimento sedimentar.
tas, embora crescente, era, ainda, extremamente Este potencial morfogenético foi amplificado ou
modesto em comparação com o que se regista amortecido pelas pequenas oscilações climáticas
actualmente. Continuando a cotejar Ortigão acima aludidas. Actualmente, quando se tenta definir
(1876), por exemplo, na praia da Granja, “a con- a génese das modificações costeiras ocorridas no
corrência dos banhistas, (...) cujo movimento pode decurso dos tempos históricos, o investigador
ser actualmente orçado em cerca de trezentas pes- defronta-se, sistematicamente, com o problema de
soas, aumenta consideravelmente de ano para distinguir entre o “sinal natural”, proveniente designa-
ano”. Então, como actualmente, este afluxo de pes- damente das pequenas oscilações climáticas, e o
soas, com poder de compra considerável, era opor- “sinal antrópico”, devido a alterações efectuadas
tunidade de negócio que não podia ser desprezado, pelo Homem nas bacias hidrográficas. Regra geral
como acontecia, por exemplo, na Póvoa do conclui-se que essa distinção é impossível de efectuar
Varzim, em que “em todas as casas ao rés da rua se de forma clara e indubitável.
organizam estabelecimentos de comércio, uns As duas últimas oscilações climáticas, conhecidas
fixos, outros flutuantes”. pelas designações de Pequeno Óptimo Climático e de
Pequena Idade do Gelo (Lamb, 1977), condicionaram
3. Evolução
Evolução do Lit or al at é ao
múltiplos aspectos da nossa História, nomeada-
Século XIX
mente ao nível económico, social e político. É óbvio
Desde há mais de três mil de anos, ou seja, desde que, na medida em que essas oscilações climáticas
que o nível médio do mar atingiu aproximadamente condicionaram a ocupação do território e as práticas
a cota actual, que o litoral português tem apresenta- agrícolas (perturbadoras do trânsito natural dos sedi-
do comportamento predominantemente regressivo mentos), determinaram, por via indirecta, a evolução
(isto é, em que a linha de costa apresenta tendência do litoral. Determinaram-no, também, por via mais
para migrar em direcção ao oceano), embora esta directa, porquanto às oscilações aludidas estiveram,
tendência regressiva geral tenha sido por vezes inter- aparentemente, associadas pequenas oscilações do
rompida por alguns períodos transgressivos (isto é, nível médio do mar, embora este tema seja, infeliz-
em que a linha de costa apresentou tendência para mente, muito mal conhecido em Portugal (Dias,
migrar em direcção ao continente) (Dias, 1993). Tal 1993).
pode ter acontecido nomeadamente na Época Um dos períodos mais marcantes da evolução do
Romana e na Idade Média, em conexão com peque- litoral português foi o que se seguiu à Fundação da
nas oscilações climáticas ainda mal conhecidas, que Nacionalidade e se prolongou até aos séculos
parecem ter tido repercussões na posição do nível XIII/XIV. Existiam, então, condições climáticas
médio do mar (alto nível romano; alto nível medie- bastante amenas, isto é, estava-se no Pequeno Ópti-
vo) (Dias, 1987). No entanto, apesar do grande mo Climático. Provavelmente, na Península Ibérica,
interesse e importância deste assunto, o conheci- a pluviosidade anual, semelhante à actual, não esta-
mento desta evolução climática é ainda rudimentar e va muito concentrada nos meses de inverno, dis-
disperso, em Portugal. tribuindo-se mais ao longo do ano. Consequente-
Até finais do século XIX / início do século XX os mente, existiam boas condições para a agricultura. É
impactes antrópicos nas zonas costeiras foram rela- sob este clima propício que se verifica a Reconquis-
tivamente pequenos. A evolução do litoral processa- ta, e que os territórios conquistados vão sendo
va-se de forma bastante natural, isto é, respondendo povoados (até porque isso tendia a evitar novas
principalmente aos forçamentos climáticos e investidas muçulmanas), o que é facilitado pelo
oceanográficos naturais, embora as actividades excesso demográfico existente na região de Entre
humanas geradoras de impactes no litoral se tenham Douro e Minho, e intensificado pelo refluxo da po-
progressivamente ampliado à medida que os séculos pulação de fronteira que foge aos Almóadas entre

10
Evolução da Zona Costeira Portuguesa - João Alveirinho Dias

1180 e 1195 (Mattoso, 1991). Este aumento A população, mal alimentada, não consegue resistir
demográfico nas regiões recentemente conquistadas às doenças, designadamente a peste negra, que se
impõe a necessidade de maiores produções agrícolas propagam com grande rapidez. A crise de 1383-
e, consequentemente, do recrutamento de novos -1385 vem agravar ainda mais a situação. Tudo con-
solos aráveis, o que se consegue através do arrotea- verge para um decréscimo demográfico muito signi-
mento de matos e montes maninhos e de desflo- ficativo, aliás verificado um pouco por toda a
restações. O resultado é, obviamente, aumento da Europa (figura 2), o que implica, também,
erosão dos solos e, consequentemente, das cargas diminuição de terrenos agricultados que rapida-
sedimentares fluviais e do abastecimento de areias mente se transformam em matos. A consequência é a
ao litoral. Estes impactes são reforçados pela explo- redução da erosão dos solos e, portanto, diminuição
ração da floresta para obtenção de madeira, consti- do abastecimento sedimentar à rede fluvial.
tuindo-se Portugal, no século XII, exportador Figura 2
destes materiais (Devy-Vareta, 1985). Efectiva-
mente, e tal deve ser tido em consideração para com-
preender o incremento do abastecimento sedimentar
e da consequente evolução do litoral, verifica-se, entre
o fim do século XI e início do século XIV, ao aban-
dono do sistema dominado pelo auto-consumo, o
qual é progressivamente substituído pela economia
de produção e de trocas (Mattoso, 1991), e mesmo de
mercado, constatando-se a progressiva monetariza-
ção do sistema (Serrão e Marques, 1996).
No século XIII começa a verificar-se degradação
climática, com arrefecimento nítido da temperatura
atmosférica, a qual se agrava no século XIV (Figura
Provável evolução da população europeia entre 400 AC e 1900
1). Eram os primeiros impulsos de uma nova peque- AD, segundo van Bath (1984).
na oscilação climática conhecida pela designação de
Pequena Idade do Gelo.
Porém, por vezes a pluviosidade era intensa, provo-
Figura 1 cando grandes cheias, o que facilitava a transferência
de grandes quantidades de sedimentos dos sistemas
flúvio-estuarinos para o mar e, consequentemente,
forte abastecimento do litoral, o que era amplificado
por um pequeno abaixamento provável do nível
médio do mar. Compensar-se-ia, assim, a redução
do abastecimento sedimentar decorrente do
decréscimo demográfico e consequente diminuição
das áreas agricultadas. Compreende-se, portanto, a
dificuldade do investigador em estabelecer relações
causais claras entre a evolução do litoral, as condi-
Variação média da temperatura atmosférica entre os anos cionantes climáticas e as actividades antrópicas.
1000 e 1900, segundo Folland et al. (1990).
Segundo Tullot (1986), os séculos XVI e XVII foram
Na Península Ibérica, provavelmente, a distribuição caracterizados, na Península, pela congelação frequente
sazonal da chuva alterou-se, concentrando-se mais dos rios e por grandes cheias em quase todas as bacias,
nos meses de inverno, o que provocava longos embora os períodos de chuvas contínuas fossem muito
períodos de estiagem. Tais condições não só eram escassos e quase inexistentes no século XVII, tendo-se
nefastas para a agricultura, como propiciavam, em verificado a progressiva desertificação da Meseta.
muitas regiões, insalubridade e consequente propa- Simultaneamente, verificou-se forte expansão demo-
gação de doenças. Muito provavelmente, as carestias gráfica (figura 2), forte incremento da agricultura e
do pão registadas em 1267, 1273 e 1295, bem como intensificação das desflorestações. Em súmula, quer as
as fomes que se abatem sobre o país a partir de 1331 condições climáticas, quer as influências antrópicas,
e anunciam a grande depressão do século XIV convergiram para a intensificação do abastecimento
(Mattoso, 1991), radicam nesta oscilação climática. sedimentar ao litoral, o que foi amplificado pelo abaixa-

11
Encontros científicos

mento do nível médio do mar que, segundo Plassche et quentemente, para posição absolutamente secun-
al (2000), teria descido cerca de 25cm entre meados do dária as estâncias termais (de alguma forma passadas
século XI (Pequeno Óptimo Climático) e meados do de moda e sem capacidade mínima para concorrer,
século XVII (Pequena Idade do Gelo). em termos de número de utilizadores, com a praia).
Como se referiu, a “revolução” dos transportes,
A conjugação dos impactes difusos das actividades
principalmente a construção da rede ferroviária
antrópicas, principalmente desflorestações e agricul-
nacional, foi determinante na definição dos princi-
tura, com os forçamentos naturais, designadamente
pais pontos costeiros ocupados. Estando já comple-
os decorrentes das pequenas oscilações climáticas,
tamente estruturada nos finais do século XIX,
conduziu a profundas modificações da configuração
foram as estações ferroviárias que, frequentemente,
do litoral português, de entre as quais se destacam a
propiciaram o desenvolvimento das estâncias bal-
constituição bastante recente da laguna de Aveiro a
neares. Caso paradigmático do que se referiu é a
partir de restinga arenosa que progrediu para Sul
estância aristocrática da Granja (a Sul do Porto), que
(Souto, 1923, Girão, 1941; Martins, 1947; Abecasis,
apenas emergiu após 1864, na sequência da cons-
1955), é a formação dos tômbolos de Peniche e do
trução da Linha do Norte (Vaquinhas & Cascão,
Baleal que acabaria por inactivar e deixar distante do
1993), aproveitada por famílias ricas do Porto para aí
litoral o porto medieval de Atouguia da Baleia
construírem as suas residências de Verão (Ortigão,
(Souto, 1933; Martins, 1946; Castelo-Branco, 1957;
1876). Muitos outros casos se poderiam referir, cujo
Calado,1994) . O litoral encontrar-se-ia, então, em
desenvolvimento balnear foi incentivado pela facili-
plena fase de regressão deposicional.
dade da acessibilidade ferroviária, como aconteceu
4. A Ocupação T urística
urística das Zonas em Caminha, em Viana do Castelo, em Vila do Con-
Cost
Cost eir as de, na Figueira da Foz, na Nazaré, nas significativa-
mente designadas por “Praias da Linha” junto a
Os gostos e práticas da sociedade em geral são, por Lisboa, em Setúbal, em Lagos, em Portimão, etc.
via de regra, determinados pelos estratos sociais
Seja por razões demográficas, seja devido ao poten-
mais elevados. Esta tendência para o “seguidismo”,
cial económico, seja por assimetrias nas acessibili-
associada a outros factores relevantes, designada-
dades, o certo é que, na primeira metade do século
mente o aumento generalizado do poder económi-
XX, o desenvolvimento das estâncias balneares se
co das populações, a revolução dos transportes (o
processou predominantemente nas partes norte e
automóvel e o combóio e, mais tarde, o avião), a
central do país. Sobre este assunto, é revelador que
progressiva, mas rápida, melhoria das acessibili-
o primeiro hotel de Faro (o Grande Hotel) tenha
dades, e o início da consignação dos tempos livres
apenas sido inaugurado em 1918. Este contraste está
(com particular acuidade para o reconhecimento do
bem expresso, designadamente, no volume II do
direito a férias), conduziu à expansão do turismo
Guia de Portugal, em que sobre o Algarve se refere
balnear para a generalidade dos estratos sociais.
que “a estação ideal do turismo (...) é o inverno, pela
Surgem, assim, progressivamente, nos finais do
menor poeira das estradas, a temperatura amena, a
século XIX e inícios do século XX, múltiplas estân-
maior verdura da vegetação e o perfume das amen-
cias balneares. Também aqui a estratificação social
doeiras floridas” (Dionísio, 1927). A este propósito
condicionou a ocupação, com estâncias mais reser-
deve-se ter em atenção que, na altura, segundo se
vadas para a aristocracia e alta burguesia, e outras
informa no tomo II da obra referida, a viagem de
frequentadas por estratos sociais mais baixos (o que,
comboio do Barreiro a Vila Real de Santo António
de alguma forma, ainda hoje acontece). Foi, tam-
demorava, nos rápidos (que só existiam 3 dias por
bém, frequente, a transmutação das características
semana), sete horas e meia, enquanto nos comboios
de várias estâncias balneares: umas, com o passar do
ordinários o trajecto se fazia em doze a doze horas
tempo, foram sendo progressivamente conquistadas
e meia ... Aliás, sobre as (actualmente tão famosas)
por estratos sociais mais baixos; outras, foram
praias algarvias, refere-se na obra citada que “... ofe-
subitamente descobertas pela alta burguesia, que
recem muito pouco interesse as praias do Sotaven-
rapidamente lhes criou as estruturas imprescindí-
to” e que as praias do Algarve apenas “... numa ou
veis a esta classe social; noutras ainda, havia como
noutra costa oferecem condições de habitabilidade”.
que uma entente cordiale, havendo períodos do ano
“reservados” para a alta burguesia, e outros que Na altura, e em contraste com as grandes estâncias bal-
eram dominados por classes sociais mais baixas. É, neares do País, havia um hotel em Albufeira, um hotel
verdadeiramente, o início da ocupação sistemática (medíocre) em Armação de Pêra (uma das praias mais
dos litorais arenosos oceânicos, remetendo, conse- frequentadas pelos algarvios), três em Portimão, um na

12
Evolução da Zona Costeira Portuguesa - João Alveirinho Dias

Praia da Rocha (registando-se 600 a 700 banhistas por Fenómeno sociológico e económico extremamente
ano, quase todos algarvios e do Baixo Alentejo), dois interessante, muito rapidamente a utilização turísti-
em Lagos, etc. Na maior parte dos núcleos urbanos co-balnear das praias se impõe a toda a sociedade.
costeiros, como Carvoeiro, Quarteira e Monte Gordo, Verifica-se, simultaneamente, modificação dos gos-
nem sequer havia qualquer hotel. tos estéticos, passando a ausência de bronzeado, de
certa forma, a constituir elemento de discriminação
É apenas após a 2ª Grande Guerra, na década de 40
social. Após o Verão, a ausência de bronzeado
que, em Portugal, o turismo balnear começa a domi-
denuncia doença ou fragilidade económica que não
nar a propaganda turística e se começa realmente a
viabilizou a ida para a praia.
tentar captar o mercado estrangeiro, embora sempre
de forma condicionada pelos princípios do Estado Foi na segunda metade do século XX que, em geral,
Novo, onde ressaltava a exaltação nacional, de que a se verificou o grande boom turístico, a maior parte do
Exposição do Mundo Português, inaugurada em qual direccionado para as estâncias balneares marinhas.
Junho de 1940, é exemplo paradigmático. Foi determinado, entre outros, pelo aumento do
A sociedade portuguesa, na generalidade, começa a poder de compra, pela generalização do transporte
interessar-se, inquestionavelmente, pela praia. A aéreo, pelo grande incremento da utilização do
imprensa da época, nomeadamente os periódicos, automóvel, pela melhoria da rede viária, pela pro-
evidenciam isso mesmo. Referem-se, apenas a título gressiva facilitação do acesso ao crédito, e pela
exemplificativo, três artigos do Século Ilustrado. A 5 de expansão dos tempos livres (maior duração das
Agosto de 1939, em jeito de publicidade, enaltecem- férias, ampliação dos fins de semana, etc.). Este
-se as vantagens do sol e do mar escrevendo quadro é complementado pelo forte acréscimo do
“Raparigas: o mar e o sol são vossos amigos. número de segundas habitações nas zonas costeiras,
Chamam-vos com a preocupação de cuidar da vossa de tal forma que este passou a ser um dos objectivos
saúde, da vossa beleza e da vossa mocidade”. Tais da generalidade dos cidadãos.
afirmações são inequívocas: a afluência ao litoral é As assimetrias bem marcadas existentes duas
agora motivada por questões de moda, associada a décadas antes, entre os litorais localizados a norte do
critérios de beleza e de estética, como se reconhece Tejo e o do Algarve, inverteram-se rapidamente,
num outro artigo, publicado em 4 de Agosto de transformando a costa sul do país na principal
1945, em que se afirma que “com quatro ou cinco região turística portuguesa, o que viria a ser consoli-
dias de praia a pele fica da cor do bronze, e isto para dado nas décadas seguintes.
as senhoras, é um prazer, porque causará inveja às
amigas de corpo muito branquinho”. A 25 de A utilização do litoral pela generalidade da popu-
Agosto de 1945, o mesmo periódico inclui o artigo lação foi muito facilitada, principalmente a partir da
intitulado «Praias Portuguesas, Praias de sonho» em década de 70, pelo progressivo aumento do poder
que se pode ler: “o mar está conquistando, apaixo- aquisitivo e, simultaneamente, pela consistente
nando dia a dia a alma do povo. Onde existia uma ampliação dos tempos livres. Após a consignação,
praia deserta encontram-se agora pontinhos bran- no século XIX, do direito dos trabalhadores a terem
cos de lona, a assinalar a vida”, e “o sol, a areia, o férias (que foram sendo progressivamente amplia-
mar constituem hoje a maior atracção dos que das), verificou-se a redução da duração da semana
procuram tonificar-se ou simplesmente, gozar um de trabalho, designadamente com a institucionaliza-
dia de ar livre”, e ainda, “o povo corajoso e destemi- ção das 44 horas semanais (Decreto-Lei 409/71),
do deitou-se a descobrir praias onde pudesse esten- que propiciou a “semana inglesa” (tarde de Sábado
der-se na areia”. É a exaltação do turismo balnear. É e Domingo livres) e, posteriormente, das 40 horas
a intensificação da corrida do cidadão para a praia. semanais, isto é, da “semana americana” (Sábado e
É, também, a ampliação da pressão para ocupação Domingo livres), que apesar de ser praticada desde
das zonas costeiras oceânicas, pois que perante tais 1974, apenas viria a ser formalizada em 1996
afluxos turísticos é forçoso dispor das consequentes (Decreto-Lei 21/96). Em simultâneo com o aumen-
acomodações (casas, pensões, hotéis, etc.), bem to da duração das férias, reconhece-se o direito a
como de outras estruturas de apoio, designadamente férias pagas (Decreto Nº 47031, de 1966), formali-
restaurantes, bares, cafés, e comércio em geral. São zado através do Subsídio de Férias (Decreto-Lei
os primeiros impulsos, embora ainda tímidos, da 292/75), o que vem ampliar a apetência do cidadão
construção intensiva no litoral, a qual viria, alguns comum pelas férias na praia. Como resposta a esta
anos mais tarde, a antropizar completamente a pai- ampliação dos tempos livres (e do poder de compra)
sagem de muitos troços costeiros. surgem, as praias de férias, para onde o cidadão se

13
Encontros científicos

desloca com “armas e bagagens”, e as praias urbanas, forte redução do fornecimento sedimentar ao
localizadas próximo de grandes centros urbanos, que litoral, indutora de intensa erosão costeira.
são ocupadas mais intensamente nos fins de semana. São múltiplos os factores indutores de erosão
Nas décadas de 70 e de 80 o aeroporto de Faro insti- costeira. Embora alguns desses factores sejam (ou
tui-se como a principal porta de entrada do turismo possam ser considerados) naturais, a maior parte é
estrangeiro (com nítida predominância do britânico, consequência directa ou indirecta de actividades
seguidos pelo alemão) que se desloca por avião (figu- antrópicas. Os principais factores responsáveis pela
ra 3). Nem sempre as expansões dos fluxos turísticos erosão costeira e consequente recuo da linha de
estrangeiro e nacional se processam de forma conci- costa são a diminuição da quantidade de sedimen-
liada, existindo mesmo, nos anos de transição entre as tos fornecidos ao litoral, a degradação antro-
décadas aludidas, algum tipo de discriminação de pogénica das estruturas naturais, as obras pesadas
muitos agentes turísticos (hotéis, restaurantes, etc.) de engenharia costeira e a elevação do nível médio
para com os veraneantes portugueses. do mar (Dias et al., 1994). Verifica-se que, ao longo
do século XX, e em simultâneo com o aumento
Figura 3 exponencial da ocupação permanente das zonas
costeiras (como se referiu no capítulo anterior), os
factores aludidos foram, também, fortemente
ampliados. Constata-se, consequentemente, o
acréscimo de dois fenómenos absolutamente
incompatíveis: a intensificação da construção no
litoral e a amplificação da erosão costeira. O resul-
tado foi a geração de problemas cuja resolução é
extremamente difícil, ou mesmo, em muitos casos,
impossível, com consequências económicas, sociais
e ambientais de magnitude extremamente elevada.

5.1 Influência das Barragens


Entradas de estrangeiros pelos aeroportos de Lisboa, de Faro e
do Porto, entre 1966 e 2001 (segundo dados disponibilizados
pela A.N.A.)
Um dos elementos inibitórios do transporte fluvial
de areias mais relevante é constituído pelos
Como consequência lógica desta autentica corrida aproveitamentos hidroeléctricos e hidroagrícolas,
para o litoral, verifica-se a proliferação de estabeleci- isto é, pelas barragens. No decurso da fase de cons-
mentos hoteleiros e similares (bem como, nalgumas trução em que, por via de regra, são movimentados
regiões, o crescimento espectacular das chamadas grandes volumes de inertes e efectuadas escavações
“camas clandestinas”), e forte acréscimo do número importantes, a quantidade de sedimentos em trânsi-
de segundas habitações nas zonas costeiras, de tal to no curso fluvial a jusante das obras aumenta de
forma que este passou a ser um dos objectivos da forma significativa. Todavia, na fase de exploração,
generalidade dos cidadãos. o fluxo fluvial perde competência transportadora ao
Perante a pressão de utilização, surgem, obviamente, atingir o sector montante da albufeira, aí depositan-
as pressões imobiliárias. Em maior ou menor grau, os do as fracções mais grosseiras dos sedimentos
litorais arenosos oceânicos rapidamente são ocupa- (nomeadamente as areias que, mais cedo ou mais
dos com empreendimentos turísticos, com urbaniza- tarde, iriam abastecer o litoral). Assim, verifica-se
ções variadas, e com pequenos povoados costeiros que as barragens constituem "filtros" de elevada
convertidos em grandes cidades. Muitos trechos eficácia que inibem quase por completo a passagem
costeiros, que ao longo de toda a História quase não de areias para o troço fluvial a jusante (Dias, 1993).
tinham sido ocupados, ficaram sobreocupados em
As primeiras barragens no território que hoje é por-
poucas décadas.
tuguês foram construídas no tempo da dominação
5. Evolução
Evolução do Litor
Litoral
al Durant
Durante
e o romana da Península, e destinavam-se a apoio a
Século XX actividades mineiras (como as duas construídas no
rio Tinhela para apoio à mineração do ouro, da prata
É interessante verificar que, quase em simultâneo, e do chumbo no complexo de Três Minas, em Vila
ocorreram dois fenómenos basicamente incom- Pouca de Aguiar), à agricultura (como as de Álamo,
patíveis: a ocupação intensiva da zona costeira e a em Alcoutim, da Tapada Grande, em Castelo de

14
Evolução da Zona Costeira Portuguesa - João Alveirinho Dias

Vide, ou a do Pego da Moura, em Grândola), ou ao Foi deste modo que a capacidade de armazenamento
abastecimento de água à população (como a de instalada nas bacias hidrográficas aumentou de forma
Belas, de onde partia um aqueduto para Lisboa). impressionante, passando, na bacia do Douro, de 1 689
Eram, porém, pequenos empreendimentos (com- x 106 m3, em 1950, para 8 165 x 106 m3, em 1980
parados aos actuais), e os impactes que induziam no (quase 5 vezes mais). As diferenças entre os valores re-
trânsito sedimentar eram negligenciáveis. ferentes a 1950 e a 1980 são ainda mais significativas na
bacia do Tejo (573 x 106 m3 e 13 300 x 106 m3, isto
O abastecimento eléctrico regional apenas surge em
é, 23 vezes mais), e na bacia do Guadiana (56 x 106 m3
1922, a partir da Central do Lindoso (propriedade
e 4 469 x 106 m3, isto é, quase 80 vezes mais).
do grupo espanhol Electra Del Lima), que vem a ali-
mentar toda a região litoral norte, até Coimbra. Na primeira metade década de 80, segundo os
Porém, por enquanto, trata-se, apenas de umas cen- dados DGRAH (1986), nas bacias hidrográficas
tenas de kilowatts. Foram as dificuldades energéticas que drenam para o litoral português existiam já
sentidas durante a 2ª Guerra Mundial que moti- 321 barragens (93 em Portugal e 228 em
varam a intervenção mais profunda do Estado Espanha), cuja capacidade de armazenamento era
(nomeadamente com a Lei 2002, de 1944), no senti- de 32 356 x 106 m3 (7 211 x 106 m3 nas barra-
do de substituir as centrais térmicas (que trabalha- gens portuguesas e 25 145 x 106 m3 nas barra-
vam a carvão, importado) por centrais hidroeléctri- gens espanholas). Progressiva, mas rapidamente,
cas. Assim, as décadas de 40 a 70 são caracterizadas as bacias hidrográficas ibéricas, como a do Tejo
pela construção de grandes centrais hidroeléctricas (figura 4), transformaram-se em grandes cascatas
nas principais bacias hidrográficas portuguesas. Para de barragens. Com tal esquema de aproveitamen-
aquilatar da intensidade de construção de empreen- tos hidráulicos é evidente que só em períodos
dimentos hidroeléctricos basta referir que o ritmo de excepcionais de grande pluviosidade concentrada
crescimento da produção hidroeléctrica foi, entre 1944 e de descoordenação entre a gestão das albu-
e 1961, de 18% ao ano. Em Espanha, onde se localiza feiras espanholas e portuguesas existe a possibili-
a maior parte das bacias hidrográficas que drenam para dade de a capacidade de armazenamento ser exce-
o litoral português, verificou-se processo análogo. dida e ocorrerem cheias.

Figura 4

Representação esquemática da bacia hidrográfica do Tejo, com indicação das barragens exis-
tentes e projectadas em 1986 (adaptado de Dias, 1990).

A simples análise da redução da área que é directa- drenagem directa para o mar foi inibida, é a que
mente drenada para o mar devido à construção apresenta relevo mais montanhoso sendo, em
de barragens (Figura 5) permite deduzir que a geral, mais sedimentogenética. Os aproveitamen-
diminuição dos volumes sedimentares trans- tos hidroeléctricos e hidroagrícolas das bacias
portados por via fluvial é extremamente signi- hidrográficas que desaguam em Portugal são
ficativa. Devido a esses aproveitamentos responsáveis, provavelmente, pela retenção de
hidroeléctricos e hidroagrícolas, a área aludida mais de 80% dos volumes de areias que eram
reduziu-se, ao longo do século XX, em mais de transportadas pelos rios em regime natural.
85%, em Portugal (Dias, 1990). Esta área, cuja

15
Encontros científicos

O conjunto acumulado das acções que têm vindo a (2003) referentes ao período anterior à entrada em
ser referidas justificaria, só por sí, um forte com- funcionamento da barragem do Alqueva, após a
portamento transgressivo do litoral. O rio Douro, construção das barragens, cuja fase mais activa
por exemplo, que em regime natural debitaria cerca decorreu nas décadas de 50 e de 60, os escoamentos
de 1,8x106 m3/ano de carga sólida transportada médios anuais decresceram para metade (figura 6).
junto ao fundo, teve esse valor reduzido para cerca O efeito das barragens manifestou-se por
de 0,25x106 m3/ano, após conclusão de todas as decréscimo acentuado dos anos “húmidos” e
obras previstas (Oliveira et al., 1982). aumento nítido dos anos “secos”, isto é, cerca de
75% dos anos “húmidos” passaram a ser conver-
Outro efeito de grande relevância induzido pelas tidos, pelas barragens, em “normais”, e cerca de
barragens é o da eliminação ou amortização das 75% destes transformam-se em anos “secos”
cheias. Sabe-se que a maior parte das areias são (Dias et al., 2004). É possível que esta modificação
exportadas da zona estuarina para a zona litoral e no regime do rio esteja também relacionada com
plataforma interna no decurso das cheias. Quanto alterações no padrão de distribuição dos sedimen-
maior é a cheia, maior é o volume de sedimentos tos na plataforma continental, nomeadamente
(nomeadamente de areias) exportadas para o expressas pela translação, para o largo, do corpo
litoral. Eliminando ou diminuindo a ocorrência das lodoso adjacente (prodelta de vazante) à foz do
cheias e dos picos de cheia, as barragens vieram Guadiana (Dias et al., 2000).
inibir ou minimizar a exportação das areias para a
plataforma e, consequentemente, a alimentação do Figura 6
litoral (Dias, 1990).
Figura 5

Escoamentos anuais médios observados em Pulo do Lobo,


utilizando o método das médias móveis com “janelas” de 21
anos (Dias et al., 2003).

5.2 Influência das Dragagens Portuárias


Como se referiu, a progressiva diminuição do
abastecimento sedimentar ao litoral foi provoca-
da por vasto conjunto de factores, a maioria dos
Áreas hidrográficas drenantes para o litoral português quais derivados de intervenções antrópicas nas
afectadas e não afectadas por barragens (adaptado de bacias hidrográficas. As dragagens portuárias
Dias, 1990)
integram-se nos factores mais influentes na alu-
dida deficiência sedimentar.
O conjunto acumulado das acções que têm vindo a
ser referidas justificaria, só por sí, um forte compor- O assoreamento das zonas estuarinas constitui fenó-
tamento transgressivo do litoral. O rio Douro, por meno natural, embora amplificado por inúmeras
exemplo, que em regime natural debitaria cerca de actividades antrópicas. Ao longo da história, como
1,8x106 m3/ano de carga sólida transportada junto se referiu mais atrás, as actividades antrópicas directa
ao fundo, teve esse valor reduzido para cerca de ou indirectamente causadoras de assoreamento
0,25x106 m3/ano, após conclusão de todas as obras sucederam-se de forma sistemática e com amplitude
previstas (Oliveira et al., 1982). crescente. Este assoreamento dificultava, não raro, a
actividade portuária, obrigando a operações de dra-
O caso do Guadiana é, a este propósito, revelador. gagem que, até finais do século XIX, eram de peque-
Segundo resultados apresentados por Dias et al. na envergadura, até porque limitadas pela tecnologia

16
Evolução da Zona Costeira Portuguesa - João Alveirinho Dias

então disponível. Até ao início do século XX, o era um dos principais abastecedores sedimentares
assoreamento estuarino era periodicamente con- do litoral localizado a Sul, e que se prolonga até
trariado pela ocorrência de cheias, que exportavam Aveiro), o volume de sedimentos dragados entre
para o exterior do estuário (plataforma e litoral) 1982 e 1986 foi de 3x106 m3, isto é, um quantitati-
grande parte dos sedimentos aí acumulados. vo pouco inferior ao estimado para o volume de
sedimentos interessados na deriva litoral, o qual se
Ao longo do século XX o tráfego marítimo aumen- estima ser da ordem de 1x106 a 2x106 m3/ano. Este
tou de forma extremamente significativa, verifican- caso do Douro é apenas exemplificativo das ampli-
do-se progressiva ampliação das dimensões dos tudes de que, actualmente, se revestem, com fre-
navios. Neste contexto, o transporte de petróleo quência, as operações de dragagem. Vários outros
bruto ou dos seus derivados surge como elemento exemplos poderiam ser referidos apesar de, normal-
de extrema relevância, até porque o desenvolvimen- mente, o acesso a estes dados ser muito difícil.
to dos navios petroleiros veio permitir grande
As zonas dragadas ficam em desequilíbrio dinâmico,
economia de escala. Basta referir, a este propósito,
tendendo a ser assoreadas de novo a curto ou médio
que na década de 60 os petroleiros disponíveis eram
prazo, o que obriga a novas operações de dragagem.
da ordem das 100 000 toneladas, e que, passadas
Em geral, quando as zonas dragadas se localizam na
duas décadas, eram já da ordem das 550 000
parte externa do estuário, acabam por ser colma-
toneladas (Sletmo, 1989). Também no transporte de
tadas com areias provenientes da deriva litoral.
outras mercadorias se verificou grande ampliação
Assim, estas dragagens não só diminuem ou inibem
induzida, entre muitos outros factores, pela intro-
a transferência de areias para o litoral, como retiram
dução dos contentores, na década de 50, e pela cons-
à deriva litoral parte dos volumes nela interessados.
trução de terminais de contentores, na década de 80.
Por outras palavras, frequentemente as operações de
Para aquilatar da grande intensificação do transporte
dragagem não só são responsáveis pela inibição do
marítimo pode-se referir, a título de exemplo, que no
abastecimento sedimentar litoral, como ainda reti-
Porto de Lisboa, em 1900 (altura em que, no contex-
ram do trânsito litoral parte das areias que aí transi-
to nacional, este porto tinha um peso bastante
tam (Dias et al., 1994).
maior), entraram 2 772 navios (984 dos quais à vela),
correspondentes à arqueação de 3,6 milhões de Geralmente, quando se trata de areias "limpas",
toneladas (Loureiro, 1907), o que dá uma média de como é frequente acontecer, estes produtos draga-
1 300 toneladas/navio e que, em 2000, entraram dos (em vez de, como seria natural e lógico, serem
3 874 navios cujo conjunto correspondeu a 38 milhões utilizados em operações de realimentação do litoral
de toneladas (www.portodelisboa.com), ou seja, em por forma a reconstituírem a deriva litoral) são uti-
média, 9 800 toneladas/navio. No último quartel do lizados na indústria da construção. Estando o litoral
século XX o porto de Sines, como porto oceânico bastante ocupado, frequentemente em zonas de
que é, veio desviar parte importante do movimento risco elevado, com construções geralmente voca-
de navios do porto de Lisboa. É, também, significa- cionadas para o turismo e lazer, e tendo-se verifica-
tivo que, em 1980, o movimento de navios em Sines do, ao longo do século XX, redução drástica do
tenha sido de 915 e a tonelagem bruta 8,7 milhões abastecimento sedimentar natural devido a inter-
de toneladas, e que esses valores, em 2004, tenham venções várias nas bacias hidrográficas, as dragagens
subido respectivamente para 972 e 18,3 milhões de aludidas, conjuntamente com a utilização, pela
toneladas, o que corresponde ao aumento da indústria da construção, das areias assim obtidas,
tonelagem bruta média de 9 518 para 18 853 correspondem a forte enfraquecimento do ciclo
toneladas/navio (www.portodesines.pt). sedimentar. É como se, ao doente anémico em alto
grau, se fosse, ainda, extrair sangue ...
Este progressivo aumento do calado dos navios veio
aumentar as exigências no que se refere à estabilidade 5.3 Inflências das Extracções de
dos canais de navegação e das bacias de manobra, Inertes
bem como à sua profundidade. Consequentemente,
A quantidade de sedimentos subtraídos ao litoral
as obras de dragagem para abertura, manutenção ou
pelas actividades humanas é, na realidade, muito
aprofundamento desses canais atingiram, progressi-
grande. No que se refere a extracções de inertes
vamente, maior amplitude à medida que a segunda
efectuadas nas zonas fluviais, estuarinas e costeiras
metade do século XX foi decorrendo.
os números conhecidos são reveladores e alar-
A este propósito, e a título apenas exemplificativo, mantes: só no período 1973/76 as explorações
refere-se que, só na parte jusante do rio Douro (que autorizadas de areias nas zonas de Peniche e da

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Encontros científicos

Nazaré rondaram, respectivamente, 3,7x105 m3 e induzem grande acumulação de sedimentos na zona


8,4x105 m3 (Paixão 1980/81). Em São Jacinto, na a barlamar e intensa erosão costeira a sotamar, isto
costa a norte de Aveiro, extraíram-se, só em 1980, é, são os causadores de grande parte da erosão cos-
4x105 m3 de areias (Oliveira et al., 1982), havendo teira que se verifica em Portugal. O caso da barra de
razões para admitir que o somatório das extracções Aveiro constitui, a este propósito, exemplo paradi-
legais e ilegais tenha atingido volumes superiores a gmático. Embora a barra tenha sido inicialmente
1x106 m3/ano, nos últimos anos (Dias et al., 1994). aberta em 1808, com molhes de estabilização curtos,
Na parte externa do porto de Leixões o volume de os impactes no litoral foram relativamente peque-
sedimentos dragados atingia já, há mais de quatro nos. No entanto, esta barra degradou-se e foi só no
décadas, cerca de 1,5x105 m3/ ano (Abecassis et al., século XX que se procedeu a novas intervenções
1962). A extracção de areias e cascalhos, só no troço relevantes, com as obras de reformulação, iniciadas
inferior do rio Douro, incluindo o estuário, atingia, em 1949 e finalizadas em 1958, e com o prolonga-
no início da década de 90, valores da ordem de mento do molhe norte em 500 metros, efectuado
1,5x106 m3/ ano (Oliveira et al., 1982). entre 1983 e 1987. Em consequência destas obras re-
gistou-se, como é normal, forte acumulação sedimen-
Aliás, a queda, no dia 4 de Março 2001, da ponte
tar a barlamar e intensa erosão a sotamar, atingindo o
Hintze Ribeiro, que ligava Castelo de Paiva a Entre-os-
recuo da linha de costa valores da ordem dos 10m/ano
-Rios, em consequência do que um autocarro trans-
no período de 1947/54 (Oliveira et al., 1982).
portando 60 pessoas, e os três ou quatro carros que
seguiam atrás deste, caíram ao rio Douro, desaparecen- Tais recuos vieram colocar em risco várias edifica-
do em poucos segundos, está relacionada com a ções, nomeadamente junto a Costa Nova do Prado,
extracção intensiva de areias. Efectivamente, sendo pelo que foram construídos, em 1973, um campo de
necessários cinco metros de profundidade para garan- 11 esporões e uma defesa frontal aderente (pare-
tir a navegabilidade do rio, as dragagens para explo- dão), defronte desta localidade. Estas estruturas de
ração de inertes atingiam já os 18 metros, de tal forma defesa, que têm vindo a ser sistematicamente refor-
que a ponte, localizada próximo das explorações, ficou çadas e ampliadas, impossibilitam o recuo da linha
com um dos pilares descalço. Foi a queda deste pilar de de costa nesse local, ainda que à custa da perda
suporte que arrastou parte do tabuleiro da ponte. quase total da praia e de intensa propagação da ero-
são para sul. A transferência dos problemas de ero-
Na sequência deste episódio nefasto foram adoptadas são para sotamar obrigou à construção de outras
medidas regularizadoras importantes, aliás, anuncia- estruturas de protecção nas localidades aí existentes
das, na altura, pelo Secretário de Estado da (designadamente na Vagueira, no Areão, e na Praia
Administração Portuária, que declarou que «a partir de Mira), tendo estas, por sua vez, induzido conse-
de agora, os portos não autorizarão extracções ape- quências semelhantes às aludidas anteriormente, isto
nas para se financiarem», prometendo que «todas as é, acreção a norte e incremento da erosão a sul.
licenças futuras terão a necessária articulação com o Actualmente, em quase todo o sector (exceptuando
Ministério do Ambiente». A situação actual melho- a parte próxima do Cabo Mondego), verifica-se
rou significativamente, embora continuem a veri- erosão costeira significativa e consequente recuo da
ficar-se, ainda, grandes explorações. linha de costa, tendo os corpos dunares desapareci-
Face às gravíssimas carências de abastecimento sedi- do quase por completo na parte meridional. A situa-
mentar ao litoral, todas e quaisquer explorações na ção é crítica a sul da Costa Nova, pelo menos até ao
faixa costeira deviam ser inviabilizadas, exceptuan- Areão (figura 7).
do-se as dragagens portuárias, cujos produtos, quan-
do constituídos por areias, deviam ser utilizados em Devido aos galgamentos oceânicos ocorridos
operações de realimentação do litoral. Minimizar-se- durante os temporais de Dezembro de 1998 a duna
-iam, assim, os fortes impactes negativos induzidos frontal, a norte da Praia do Areão, foi completamente
por múltiplas actividades antrópicas, designada- destruída. Recorda-se que toda esta situação crítica,
mente das próprias dragagens, das barragens, das talvez a mais preocupante de todo o litoral português,
explorações de inertes, das obras de engenharia se deve à interrupção da deriva litoral pelos molhes da
costeira, etc. (Dias et al, 1994). barra de Aveiro, sem que se tenham adoptado as medi-
das minimizadoras adequadas.
5.4 Influências dos Molhes Portuários O caso apresentado é apenas exemplificativo do
Os molhes portuários (embora necessários para efeito que os molhes portuários têm no litoral a
propiciar a entrada segura de navios nos portos) sotamar. É de referir que a maioria destes molhes

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Evolução da Zona Costeira Portuguesa - João Alveirinho Dias

portuários (que, como se viu, são estruturas forte- Todavia, atacam a “sintomatologia” e não a
mente amplificadoras da erosão costeira), foram “doença”, a qual é a diminuição do fornecimento
construídos ou ampliados a partir de meados do sedimentar. Embora se revelem eficazes na pro-
século XX, numa altura em que, como se constatou tecção local do património edificado em frente ou
mais atrás, se estava a intensificar a ocupação dos imediatamente a barlamar, são amplificadores da
litorais oceânicos. Como, logicamente, existe incom- erosão costeira no sector a sotamar.
patibilidade entre ambas, os problemas multi-
Fundamentalmente, são de três tipos: obras transver-
plicaram-se rapidamente, tentando-se obviar esses
sais (como os esporões); obras longilitorais aderentes
problemas com obras de “protecção costeira”, as
(como os paredões); e obras destacadas (como
quais, por via de regra, vieram agravar ainda mais a
alguns quebra-mares). Todas elas, regra geral, têm
situação. Acontece mesmo que, na maior parte dos
consequências nefastas para o troço litoral em que
casos, a intensificação da construção junto à linha de
são implantadas. Efectivamente, basta o facto de se
costa se verificou, na costa oeste portuguesa, a par-
tratar de estruturas estáticas, rígidas, inseridas num
tir dos anos 80 (como aconteceu, por exemplo, na
meio que é profundamente dinâmico (o litoral), para
Vagueira, no Furadouro e em Esmoriz), numa época
causar perturbações profundas nesse meio. Acresce,
em que já havia plena percepção desta problemática
ainda, que tais estruturas têm, regra geral, como
e em que os casos de edificações ameaçadas ou dani-
objectivo, tornar estático (ou o menos dinâmico pos-
ficadas (quando não mesmo destruídas) estavam a
sível) partes importantes do litoral (Dias et al., 1994).
multiplicar-se.
Figura 7
As estruturas transversais, tipo esporão, inter-
rompem o trânsito litoral de areias, conduzindo a
acumulação a barlamar e a erosão mais intensa a
sotamar. Quando a acumulação a barlamar preenche
o comprimento do esporão, se este é longo, a cor-
rente é deflectida para o largo e transporta parte das
areias para profundidades onde, muitas vezes, dificil-
mente são reintegradas na circulação costeira.
Verifica-se, assim, perda de areias no sistema litoral.
Devido à erosão suplementar que provocam a sota-
mar, com frequência outras edificações começam a
estar em risco, pelo que, na esmagadora maioria dos
casos, não existe apenas um esporão, mas sim um
campo de esporões (figura 8).
Figura 8

Taxas médias de recuo da linha de costa no troço litoral Barra de Aveiro


– Praia de Mira, no período 1990/1996 (adaptado de Gaspar, 2001)

5.5. Influência das Obras de Pro-


tecção Costeira

Apesar do nome por que são conhecidas, as obras


de protecção costeira não têm, como objectivo,
regra geral, proteger o litoral, sendo normalmente
construídas para proteger a propriedade, pública ou
privada. São, fundamentalmente, obras de “cariz”
curativo realizadas, em geral, com carácter de urgên-
cia, isto é, que pretendem eliminar ou mitigar uma
“doença”: a erosão costeira que ameaça ou começa
a danificar edificações mal localizadas (Dias, 1993). Representação esquemática da história de um campo de esporões
(adaptado livremente de Pilkey et al., 1980, e Dias, 1993)

19
Encontros científicos

Com frequência, durante temporais, a erosão na De forma análoga, as estruturas destacadas


zona adjacente à base do esporão, do lado de sota- acabam também por ser nefastas porquanto,
mar, vai penetrando pela zona de enraizamento da devido à difracção das ondas nas extremidades,
estrutura, de modo que, por vezes, esta tem que ser acabam por formar tômbolos (rudimentares ou
acrescentada nessa zona, isto é, devido ao recuo da completos), sendo frequentemente por essa
linha de costa vai crescendo para o lado de terra. É razão que são construídos, pois tal confere pro-
o que se tem verificado, por exemplo, com o tecção eficaz às edificações. Porém, no que se
esporão de São Pedro de Maceda, a sul de refere ao trecho costeiro em que são implanta-
Cortegaça, que, por este processo, já foi acrescenta- dos, este fica bastante debilitado na zona a sota-
do algumas dezenas de metros. mar, porquanto estas estruturas acabam por
induzir impactes semelhantes aos dos esporões e
Também as estruturas longilitorais aderentes, tipo dos paredões.
paredão, podem ser bastante nefastas. Por um
lado, tornam a costa mais reflectiva, pelo que as Em Portugal, as primeiras estruturas de protecção
ondas tendem a atacar a costa com mais energia, costeira foram construídas no início do século XX,
desenvolvendo-se, com frequência, correntes de em Espinho. Nesta cidade sucederam-se, ao longo
retorno, com elevado poder remobilizador, pelo do século XX, várias gerações de estruturas de pro-
que a praia vai adquirindo progressivamente pen- tecção, até que, no início dos anos 80, se cons-
dor mais acentuado, o que, muitas vezes, provoca truíram as estruturas actuais, que conferem pro-
o descalçamento da estrutura e seu consequente tecção adequada a este núcleo urbano. Todavia, os
colapaso (figura 9). Por outro lado, estando a impactes que induziram no litoral a sotamar tiveram
costa em recuo, estas estruturas definem zonas elevada magnitude (figura 10), pelo que, progressiva-
cada vez mais protuberantes, acabando por ter os mente, foi “necessário” construir vários esporões
mesmos efeitos dos esporões. longos (em Silvalde, Paramos, Esmoriz, Cortegaça,
etc.), frequentemente complementados com enroca-
Figura 9
mentos longilitorais. Se bem que estas estruturas
tenham conseguido proteger os núcleos urbanos que,
apesar dos problemas existentes, tiveram enorme
expansão nas décadas de 80 e 90, na generalidade
apenas vieram intensificar a causa, isto é, a deficiência
de areias envolvidas na circulação costeira. Apesar da
profunda artificialização a que este sector costeiro foi
sujeito (e dos custos inerentes à construção destas
estruturas e das obras de manutenção e reacondi-
cionamento que frequentemente é preciso efectuar), a
situação está longe de estar controlada.

Figura 10

Saga de um Paredão. Fase A – Construção de edifício em zona de


risco num litoral em erosão. Fase B – É construída uma estrutura
aderente (paredão); a praia diminui de largura e altura; como a zona
está protegida surgem novas casas, estradas, etc. Fase C – Quase ine-
xistência de praia; no decurso de temporais as ondas passam sobre o
paredão, provocando danos nas construções e na própria estrutura; a
praia submersa torna-se mais inclinada. Fase D – Praia quase inexis-
tente; pendor da praia cada vez mais inclinado e, portanto, a energia
da onda incidente é cada vez maior; a estrutura colapsa; é então cons-
Variação da linha de costa entre Espinho e Maceda, nos períodos 1947
truído novo paredão, mais forte, maior e “melhor”. (adaptado livre-
a 1958, 1958 a 1980 e 1980 a 1989 (adaptado de Ferreira e Dias, 1991).
mente de Pilkey et al., 1980, e Dias, 1993)

20
Evolução da Zona Costeira Portuguesa - João Alveirinho Dias

O caso apresentado, embora apenas exemplificativo, é pela generalidade dos investigadores são conver-
porventura o mais paradigmático do litoral português. gentes, indicando, ao longo do século XX, ele-
Na generalidade, em Portugal, constata-se que: vações da ordem de 1,5mm/ano. Numa primeira
a) ao longo do século XX a erosão costeira foi-se análise, este valor pode parecer muito pequeno.
agravando devido, principalmente, a deficiências de Porém, basta pensar no pendor médio dos sapais
abastecimento sedimentar; (muito pequeno) para concluir que esta elevação é
responsável, anualmente, em média, pela erosão
b) simultaneamente, verificou-se grande intensifi-
de vastas áreas estuarinas ou lagunares. Embora
cação da construção (no Algarve a partir dos anos
não seja tão evidente, esta elevação provoca tam-
60 e na costa Oeste a partir dos anos 80) muito
bém recuos anuais médios que variam entre pou-
próximo da linha de costa (em activo processo de
cas dezenas de centímetros e mais de um metro
recuo), a maior parte da qual vocacionada para o
nas nossas praias e arribas talhadas em materiais
turismo ou constituída por habitação secundária;
pouco consolidados.
c) perante os riscos existentes e, mesmo, danificação
ou destruição de algumas edificações, foi decidido, Na análise deste assunto, Portugal beneficia do
em geral com carácter de urgência, proteger o facto de ser detentor de uma das mais longas
património edificado em zonas muito vulneráveis, séries maregráficas mundiais, a do marégrafo de
utilizando-se para tal estruturas de “protecção Cascais, que além do mais, é uma das poucas
costeira” (apesar de se saber que estas constituem estações oceânicas (isto é, não localizada dentro
factor de forte fragilização do litoral a sotamar); de um estuário ou laguna). O estudo desta série
d) por via de regra, estas estruturas vieram agravar maregráfica (Taborda & Dias, 1988; Dias &
ainda mais os problemas de erosão costeira; Taborda, 1989,1991) permite deduzir, para
Portugal, uma elevação média do nível relativo do
e) apesar disso, a ocupação da orla costeira continu-
mar, ao longo do presente século, da ordem de
ou a intensificar-se, em geral com construções des-
1,3 mm/ano. No entanto, na série aludida, verifi-
tinadas para o turismo e lazer;
ca-se que, desde 1920 até à actualidade, existe
f) os três últimos processos (e apesar da legislação exis- tendência nítida de subida à taxa média de cerca
tente, do conhecimento científico já adquirido e das de 1,7 mm/ano (figura 11).
recomendações das organizações nacionais e interna-
cionais), continuam, actualmente, a intensificar-se. Figura 11

5.6. Influência de Outras Actividades


Antrópicas

Como se referiu, são muitas as actividades desen-


volvidas pelo Homem que induzem diminuição
do abastecimento sedimentar e, consequente-
mente, erosão costeira e recuo da linha de costa.
Por via de regra, todas estas actividades se inten-
sificaram muito e ao longo do século XX. Para
além das intervenções aludidas (barragens, draga-
gens, molhes portuários, exploração de inertes e
obras de protecção costeira), que são, porventura,
as que geram impactes de maior magnitude, Elevação do nível médio do mar em Cascais. A taxa de subida foi, a
muitas outras poderiam ser referidas, tais como o partir da década de 20, de 1,7mm/ano. Segundo Dias e Taborda
(1988, 1992).
progressivo abandono de terrenos de agricultura
no interior do país, a rectificação e canalização de
cursos de água, e a fragilização ou destruição de Os estudos referidos permitem ainda concluir que
campos dunares. grande parte da elevação do nível do mar verificada
em Portugal, pelo menos durante o decurso do últi-
5.7. A Elevação do Nível Médio do Mar
mo meio século é, muito provavelmente, devida à
A elevação do nível médio global do mar relaciona- expansão térmica do oceano, isto é, causada pelo
-se com a variabilidade climatológica natural da aumento da temperatura das águas (induzida pelo
Terra e com as perturbações induzidas pelas activi- aumento da temperatura atmosférica) e consequente
dades humanas. A nível global, os resultados obtidos aumento do volume da água do Atlântico Norte,

21
Encontros científicos

Figura 12 impactes gerados pela elevação do nível médio do


mar, estes são persistentes e não reversíveis à escala
da vida humana, o que dá uma amplitude muitíssi-
mo maior a esta problemática.

Acresce que os efeitos da elevação aludida não se


fazem sentir de forma progressiva e constante, pois
que é, essencialmente, durante os episódios mais
energéticos (temporais) que, na maior parte dos
casos, essas consequências se manifestam, existin-
do longos períodos em que, aparentemente, nada
de especial ocorre. Tal faz com que, mesmo as
populações ribeirinhas, tenham dificuldade em per-
cepcionar o problema. Por outro lado, como as
Comparação da variação do nível médio do mar em Cascais com a
variação da temperatura superficial do Atlântico Norte, utilizando o
consequências (apesar de irreversíveis) se manifes-
método das médias móveis com “janelas” de 5 anos. Segundo Dias e tam a médio e longo prazo, esta problemática não
Taborda (1988, 1992). está nas prioridades governamentais (pois que é
relegada para segundo plano pelos problemas de
As consequências, no litoral, da subida gradual do curto prazo, como o défice orçamental), nem está
nível relativo do mar, dependem das características integrada nos assuntos de debate politico-par-
tipológicas do troço costeiro considerado, nomea- tidário (para o que, preferencialmente, são selec-
damente da existência de afloramentos de rochas cionados problemas de curto prazo, pois são esses
bem consolidadas, das características das acumu- que fazem ganhar ou perder as eleições periódicas).
lações sedimentares, da existência de arribas, do É por essas razões que, mesmo a nível interna-
pendor médio da praia, da presença de corpos cional, são as organizações políticas internacionais
dunares, da frequência dos temporais, etc. (Dias, (Organização das Nações Unidas, União Europeia,
1993). Resultados obtidos por diferentes investiga- etc.), cujos dirigentes não estão sujeitos a eleição
dores (p.ex.: Ferreira et al., 1990a, 1990b; Andrade, por sufrágio popular, que revelam grande preocu-
1990; Teixeira, 1990; Ferreira, 1993), convergem na pação com o assunto.
indicação de que a maior parte da erosão costeira
verificada em Portugal tem origem antrópica, 6. A Necessidade
Necessidade da Gestão
Gestão Cost
Costeira
eira
sendo a elevação do nível médio do mar respon-
sável, apenas, por cerca de 10% do recuo da linha O fenómeno turístico-balnear processou-se com tal
de costa. Porém, as estimativas indicadas conside- rapidez que os organismos de gestão foram apanha-
ram somente as consequências directas dessa ele- dos desprevenidos. Até aí, os litorais oceânicos
vação. Como os estuários respondem à subida do eram de tal modo sub-ocupados que não havia preo-
nível do mar reduzindo as exportações sedimenta- cupações relevantes com a sua gestão. Perante os
res para a plataforma, de modo a adaptarem-se ao benefícios económicos directos do turismo (desig-
novo nível de base (constituindo-se, mesmo, como nadamente a entrada de divisas), a forte concorrên-
captores e receptores de areias da deriva litoral), ao cia internacional, e a falta de experiência face a este
valor indicado há que adicionar o correspondente novo fenómeno sociológico, quase tudo foi permi-
a estas consequências indirectas, o que não está, tido. A breve trecho, começam a surgir os proble-
ainda, bem quantificado. mas: contaminação das águas devido a deficiências
(ou ausência) dos sistemas de saneamento básico;
Apesar da causa principal da erosão costeira, em carências de água potável devidas a sobre-explo-
Portugal, ser a diminuição do abastecimento sedi- ração de aquíferos; desvirtuação (ou perda) de va-
mentar devida às actividades antrópicas, sendo a lores culturais; forte sazonalidade das actividades
responsabilidade imputável à elevação do nível económicas; decaimento (ou mesmo desapareci-
médio do mar, neste contexto, relativamente mento) da maior parte das actividades tradicionais;
pequena, esta é extremamente preocupante. Com destruição de ecossistemas importantes; sub-
efeito, no que se refere ao primeiro aspecto, é pos- dimensionamento (na época alta) das estruturas de
sível adoptar medidas minimizadoras eficazes que apoio; novo património edificado ameaçado pelos
rapidamente poderão obviar, pelo menos na maior temporais ou pela erosão costeira (no Inverno),
parte, a este problema. Já no que se refere aos etc. etc.

22
Evolução da Zona Costeira Portuguesa - João Alveirinho Dias

Surgiu, assim, a necessidade de, rapidamente, pro- Este novo panorama vem tornar ainda mais difícil
ceder a uma gestão costeira efectiva e eficaz. a gestão costeira. Por um lado, perante os investi-
Porém, essa gestão costeira é dificultada pela falta mentos realizados, há que manter os núcleos turís-
de experiência da administração pública neste tico-balneares tradicionais, aumentando-lhes a
domínio, pelo deficiente conhecimento científico qualidade (através de melhoria das infra-estruturas
da forma como funcionam os sistemas costeiros, básicas, dos serviços, das características ambientais,
pela grande importância económica do fenómeno etc.). Por outro lado, há que garantir uma fatia (tão
turístico, pela crescente pressão de ocupação, pelos grande quanto possível) dos novos tipos de turis-
vultuosos investimentos que é preciso efectuar mo, geralmente incompatíveis com o turismo de
para sanear a situação, pela forte sazonalidade do massas. Por outro lado, ainda, há que recuperar e
turismo balnear (exigindo infra-estruturas que se preservar os ecossistemas, e manter a sua integri-
revelam fortemente sobredimensionadas durante a dade funcional, o que conflitua fortemente com as
maior parte do ano), etc.. pressões exercidas por este último tipo de turismo
e pelos lobbies ligados ao imobiliário. E há também
No último quartel do século XX o fenómeno turís-
a considerar, entre muitos outros pontos, a vulne-
tico-balnear adquire novos contornos. Os destinos
rabilidade do turismo face a contextos interna-
tradicionais encontram-se saturados, mas a banali-
cionais negativos (conflitos armados, recessões
zação do transporte aéreo propicia deslocação fácil
económicas, actos de terrorismo, epidemias, etc.),
para outros destinos, mais exóticos. Muitas das
as zonas de risco relacionadas com o mar (grandes
estâncias balneares, vencidas pelos novos destinos,
temporais, sobreelevações excepcionais do nível
vêem-se na contingência de baixar os preços,
marinho, tsunamis, elevação do nível médio do mar,
sendo ocupadas por um turismo de massas fre-
etc.), a recuperação de valores culturais tradicionais
quentemente com baixo poder económico. A sua
(imprescindível para manter a identidade das popu-
rentabilidade económica começa a ser questioná-
lações), e a recuperação da boa qualidade das águas.
vel. Por outro lado, no cidadão comum, emerge a
consciência ambiental, bem como a percepção de Surgem, assim, novos conceitos, como o do
outros valores, designadamente da qualidade “Desenvolvimento Sustentável” e o da “Gestão
higiénico-sanitária, da importância da actividade Integrada das Zonas Costeiras”.
física e dos valores culturais (tradicionais ou não).
Os valores estéticos começam, também, a pesar na 7. A Ges tão Int egr
egr ada das Zonas
selecção dos destinos turísticos. Surgem, assim, nas Cos t eir as
zonas costeiras, novos tipos de turismo, de que o
turismo ambiental, o turismo associado ao golfe, o Pode afirmar-se que, quase por definição, a gestão
turismo relacionado com reuniões profissionais das zonas costeiras é uma gestão de conflitos.
(ou outras), o turismo desportivo e o turismo cul- Efectivamente, as múltiplas actividades que aí
tural são apenas exemplos. E todos eles, geral- decorrem (relacionadas com diferentes tipos de
mente, incompatíveis com o turismo de massas de turismo, com a exploração de recursos vivos, com
baixo poder económico. E todos eles, geralmente, indústrias variadas, com o transporte, com a pro-
incompatíveis com a degradação e artificialização dução de energia, com a exploração de recursos
do litoral. E, no entanto, é por este tipo de turismo, geológicos, etc., etc.) são, em geral, conflituais entre
normalmente procurado pelos segmentos médio e si, e conflituam com o correcto funcionamento
elevado, que compensa competir, até porque, sistémico ambiental. As zonas costeiras são, tam-
mesmo em termos económicos, é, de longe, o mais bém, zonas de risco, designadamente porque cor-
compensador. respondem a zonas tampão quanto a eventos ma-
rinhos altamente energéticos, como os grandes
Também nas últimas décadas do século XX, a temporais e os tsunamis, havendo necessidade de
sociedade adquire consciência de que existem proteger correctamente populações e actividades
modificações ambientais em curso, designada- económicas.
mente de índole climática (em geral apelidadas por
“Global Change”), cujos contornos são difíceis de A Gestão Integrada das Zonas Costeiras (interna-
avaliar através do conhecimento científico actual. cionalmente referida pelas siglas ICZM – Integrated
Também nesse período se verifica agravamento Coastal Zone Management) tem como ideia base a
generalizado da erosão costeira, e surgem grandes compatibilização de tudo o que se referiu (e de
preocupações quanto às consequências da elevação muito mais), efectuada de forma sustentável.
do nível médio do mar. Consequentemente, para ser efectivada, tem que,

23
Encontros científicos

obrigatoriamente, contemplar, entre muitos outros, É aqui que releva a actuação do cidadão (designa-
os múltiplos factores ambientais (físicos, geológi- damente a do técnico enquanto cidadão). A parti-
cos, biológicos, químicos), económicos, sociais, cipação pública no acto decisório e na fiscalização
culturais, históricos e políticos. É, por excelência, dos actos de governação (nacional, regional ou
uma actividade profundamente multidisciplinar e local) é essencial e imprescindível. Mas também
interdisciplinar. Tal é a sua complexidade e dificul- neste aspecto se verifica a falência do sistema, com
dade que, com frequência, é considerada como um particular acuidade para os países latinos. Em geral,
ideal a que apenas se podem efectuar aproximações instalou-se a convicção, no cidadão, de que a inter-
grosseiras. Efectivamente, tal tipo de gestão exige a venção pessoal “não vale a pena”, “não serve para
participação de equipas técnicas muito alargadas e nada”, e “eles fazem o que querem”. Nestas
a definição muito clara e precisa de objectivos, que condições, é a completa falência da democracia
necessariamente têm que ser fornecidos pela esfera participativa! Compete à esfera política reconstituir
política. Acontece que, normalmente, na situação a confiança democrática …
actual, os técnicos tentam impor as suas opções
políticas, e os políticos não têm em devida conside- 8. A Gestão
Gestão Integ
Integr
r ada do Ter
Terr
ritór
itório
io
ração os pareceres técnico-científicos, tentando
impor opções que os beneficiem politicamente. No entanto, mesmo que todo o processo decisório
e de implementação, no terreno, das opções políti-
Na realidade, o pessoal técnico e científico deve cas, funcionasse adequadamente, forçoso é con-
restringir a sua actividade ao domínio exclusiva- cluir que a Gestão Integrada das Zonas Costeiras
mente técnico-científico, fornecendo dados objec- seria impossível. Como se referiu, do ponto de
tivos ao poder decisório, desejavelmente sob forma vista ambiental, as zonas costeiras constituem sis-
de “cenários” ou “opções possíveis”. Tal não signifi- temas abertos, estando profundamente depen-
ca, antes pelo contrário, que esses indivíduos dentes, por exemplo, do que se passa nas bacias
abdiquem da sua cidadania, expressando as suas hidrográficas drenantes. Como é óbvio, são, tam-
opiniões e preferências pessoais nos meios adequa- bém, sistemas abertos no que se relaciona com
dos. É uma dicotomia em que se deve ser rigoroso: outros aspectos, nomeadamente os económicos, os
enquanto técnico ou cientista, a função é expressar sociais, e os culturais. Consequentemente, a Gestão
exclusivamente pareceres técnicos ou científicos; Integrada das Zonas Costeiras não faz qualquer
enquanto cidadão, beneficiando dos seus conheci- sentido sem que exista uma Gestão Integrada do
mentos técnico-científicos, deve expressar as suas Território. A primeira deve constituir, apenas, uma
opiniões particulares e políticas. parte da segunda.

Na gestão do território, o poder decisório das Existe, assim, uma subordinação que interessa
grandes opções está atribuído aos governantes, isto definir claramente e instituir de forma assumida:
é, aos políticos. Estes, face aos “cenários” ou Gestão Integrada do Território – Gestão Integrada
“opções possíveis” que lhes são apresentados pela das Bacias Hidrográficas - Gestão Integrada das
esfera técnico-científica, devem decidir, de forma Zonas Costeiras. Esta última tem, forçosamente,
clara e inequívoca, o que é melhor para o País ou que estar condicionada (e, simultaneamente, condi-
para a Região, e consequentemente devem fornecer cionar) às duas primeiras.
aos técnicos as orientações políticas necessárias e
suficientes para que as opções tomadas sejam de- Importa, aqui, precisar o que se entende por
vidamente implementadas no terreno. Verifica-se, “Território” e por “Bacia Hidrográfica”. “Terri-
porém, que também na esfera político-decisória tório” é todo o espaço tridimensional existente
existe, frequentemente, grande falta de coerência. (terrestre, marinho e atmosférico) e que, para que a
Não raro, por exemplo, se consigna determinada gestão integrada seja exequível, deve ser dividido
área como Parque Natural, o que expressa uma em unidades mega-regionais (nacionais ou transna-
opção clara pelo desenvolvimento de uma política cionais), desejavelmente caracterizadas por alguma
de conservação ou de preservação ambiental, e homogeneidade (climática, geológica, biológica,
pouco tempo após (se não quase em simultâneo), económica, social, etc.). “Bacia Hidrográfica” é
cedendo a outras pressões sócio-económicas, se todo o espaço tridimensional correspondente à
aprovam, para a mesma área, indústrias, área ocupada pela bacia hidrográfica (no conceito
empreendimentos turísticos, e outras actividades clássico), mas também por todo o espaço marítimo
incompatíveis com a decisão inicial. em que se faz sentir a influência das águas debi-

24
Evolução da Zona Costeira Portuguesa - João Alveirinho Dias

tadas por essa bacia. Nesta lógica, as zonas devidamente preparados. Na actualidade, ten-
costeiras devem estar integradas na bacia hidrográ- tam-se corrigir erros passados e lançar as bases
fica com a qual mantêm relações de dependência. para uma gestão integrada, viabilizadora da
manutenção da integridade funcional dos sistemas
Embora de forma tímida, na União Europeia, esta e, simultaneamente, do máximo de actividades
visão foi já, de alguma forma, consignada, em económicas e sociais. Todavia, tal não é mais do
2000, através da Directiva Quadro da Água. Porém, que um ideal (inatingível nas condições actuais).
e apesar dessa Directiva, numa interpretação mais
abrangente, poder propiciar uma Gestão Integrada Efectivamente, a Gestão Integrada das Zonas
do Território e, consequentemente, poder viabi- Costeiras não pode ser concretizada sem que se
lizar uma Gestão Integrada das Zonas Costeiras, alterem os actuais níveis de actuação política, técni-
verifica-se que, da parte dos competentes organis- ca, e de cidadania. Além disso, não consegue ser
mos de gestão, existe tendência para uma interpre- efectivada sem que:
tação mais restritiva, focalizada prioritariamente a) se modifique a estrutura organizacional de
nos aspectos de qualidade química e bacteriológica gestão do território (até porque, por exemplo, não
da água, preferencialmente das massas de água é possível gerir um litoral intrinsecamente depen-
continentais. São, assim, remetidos para segundo dente do abastecimento sedimentar fluvial inde-
plano (se não, mesmo, esquecidos) os outros pendentemente dos actos de gestão ocorrentes no
aspectos relevantes (tais como, entre muito outros, interior da bacia hidrográfica);
os relacionados com a dinâmica sedimentar, com a b) existam decisões políticas claras e totalmente
física das águas marinhas, e com as actividades assumidas sobre as prioridades para cada trecho
económicas das populações locais). Por outras costeiro (e que sirvam de orientação específica aos
palavras, a Directiva Quadro da Água, tal como técnicos encarregados de implementar essas políti-
parece estar a ser implementada, não viabilizará cas no terreno);
uma Gestão Integrada do Território e, como é
c) se amplie o actual nível de conhecimento cientí-
óbvio, impedirá qualquer tentativa séria de Gestão
fico sobre os ecossistemas costeiros (pois que para
Integrada das Zonas Costeiras.
gerir é preciso conhecer, não sendo possível gerir
correctamente o que não se conhece);
No entanto, é possível viabilizar (exigir) uma
Gestão Integrada. Tal depende do conjunto dos d) se adopte como princípio básico da gestão
cidadãos (e de cada cidadão individualmente), e da costeira o princípio da precaução (extremamente
sua actuação conscienciosa e responsável enquanto aconselhável perante o actual nível do conheci-
cidadãos, seres políticos, e técnicos/cientistas. Fora mento científico, mas também porque é o mais
do imediatismo dos interesses particulares quotidi- adequado perante a possível ocorrência de episó-
anos, o Futuro (nosso e dos vindouros) exige isso. dios raros altamente energéticos);
e) se constituam equipas multidisciplinares
9. Conclusões alargadas (oceanógrafos, físicos, geólogos, cli-
matólogos, biólogos, engenheiros, economistas,
As zonas costeiras correspondem a ecossistemas sociólogos, etc.), funcionando de forma profunda-
complexos, altamente dependentes de forçamentos mente interdisciplinar, que permitam adequado
externos (bacias hidrográficas, bacias oceânicas aconselhamento do poder decisório e viabilizem
adjacentes, espaço atmosférico, ambiente tectóni- actos de gestão que não ponham em causa a inte-
co, parâmetros económicos mundiais, tendências gridade funcional dos sistemas (ambientais,
sociais, gostos estéticos dominantes, etc. etc.). económicos, sociais, etc.);
Compreendem zonas estuarinas e lagunares, e
f) se tenha consciência de que cada sistema é único,
litorais oceânicos. Se os primeiros foram, desde
carecendo, consequentemente, de reconhecimento
sempre, objecto de intensa ocupação humana, já
científico específico (e que soluções que funcionam
nos segundos, por serem inóspitos, essa ocupação
adequadamente num determinado sector costeiro
apenas se processou significativamente a partir de
podem não ter aplicabilidade noutro sector);
meados do século XIX, e com maior acuidade na
segunda metade do século XX. A brusca intensifi- g) se adquira a percepção clara de que os sistemas
cação da utilização das zonas costeiras, principal- costeiros são sistemas em evolução, e de que exis-
mente dos litorais arenosos oceânicos, ocorreu sem tem modificações que são intrínsecas a essa
que os organismos de gestão estivessem para tal evolução (o que, em geral, é facilmente reconheci-

25
Encontros científicos

do e aceite para os sistemas económicos e sociais, Lisboa, nº 7/9, Lisboa.


mas em que há dificuldade em admitir no que se COLAÇO, B. G. e ARCHER, M. (1943). Memórias da Linha de
refere aos sistemas naturais); Cascais, Parceria A. M. Perreira, Lisboa.
DEVY-VARETA, N. (1985) – “Para uma geografia histórica da
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opção política ou acto de gestão deve ser cientifi- Rei”. Revista da Faculdade de Letras, I:47-67, Porto.
camente suportada (independentemente das DGRAH (1986) – Monografias Hidrológicas dos Principais Cursos de
pressões políticas, económicas ou sociais exis- Água de Portugal Continental. Direcção-Geral dos Recursos e
tentes). Aproveitamentos Hidráulicos, 569p., Lisboa.
DIAS, J. A. (1987) – Dinâmica Sedimentar e Evolução Recente da
i) se assuma que os gestores (quer políticos, quer Plataforma Continental Portuguesa Setentrional. Dissertação de
técnicos) das zonas costeiras têm por função a Doutoramento, Universidade de Lisboa, 384p.
gestão de espaços que pertencem à sociedade, e DIAS, J. A. (1990) - “A Evolução Actual do Litoral Português”.
que perante ela são responsáveis (o que é incom- Geonovas, 11:15-28, Lisboa, republicado em Protecção Civil,
patível com o que, por vezes, infelizmente, se veri- III(10):2-15, Lisboa.
fica, em que estes espaços são geridos, com DIAS, J. A. (1993) - Estudo de Avaliação da Situação Ambiental e
Propostas de Medidas de Salvaguarda para a Faixa Costeira Portuguesa
elevadas doses de prepotência, como “quintais par- (Parte de Geologia Costeira). Liga para a Protecção da Natureza /
ticulares”, propositadamente ignorando o conheci- Ministério do Ambiente, relatório não publicado, 137p., Lisboa.
mento científico existente, mas beneficiando ami- DIAS, J. A. e TABORDA, R. P. M. (1988) - “Evolução recente
gos, compadres e familiares). do nível médio do mar em Portugal”. Anais do Instituto
Hidrográfico, 9: 83-97. Lisboa.
Acima de tudo, os cidadãos têm que assumir toda DIAS, J. A. e TABORDA, R. P. M. (1992) - “Tidal Gauge Data
a plenitude de tal condição, participando nas in Deducing Secular Trends of Relative Sea Level and Crustal
opções políticas, fiscalizando os actos de gestão e Movements in Portugal”. Journal of Coastal Research, 8(3): 655-
adquirindo consciência de que é imprescindível um 659. Fort Lauderdale.
adequado funcionamento (ambiental, económico, DIAS, J. A., FERREIRA, Ó. e PEREIRA, A. R. (1994) - Estudo
Sintético de Diagnóstico da Geomorfologia e da Dinâmica Sedimentar dos
social, etc.) dos sistemas costeiros para que exista Troços Costeiros entre Espinho e Nazaré. Relatório Final. Instituto da
um Futuro sustentável. Conservação da Natureza, relatório não publicado, 137p.,
Lisboa.
E, mais importante que tudo, qualquer tipo de
DIAS, J. A., GONZALEZ, R. e FERREIRA, Ó. (2003) –
gestão coerente das zonas costeiras é completa- “Dependência entre Bacias Hidrográficas, Zonas Costeiras e
mente incompatível com a indecisão sistemática e Impactes de Actividades Antrópicas: o Caso do Guadiana
com a indefinição recorrente, infelizmente tão fre- (Portugal)”. 2º Congresso do Quaternário dos Países de Línguas
quentes nos países latinos. Os três princípios bási- Ibéricas e 2º Congresso sobre Planejamento e Gestão da Zona
Costeira dos Países de Expressão Portuguesa: Livro de
cos que, em Portugal, frequentemente, têm sido Resumos, pp.420, Recife, PE, Brasil. (Publicação do artigo em
adoptados na gestão costeira (isto é, o “Oxalá …”, CD-ROM).
o “se Deus quiser…”, e o “pode ser que não seja DIAS, J. A., GONZALEZ, R. e FERREIRA, Ó. (2004) -
nada …”) são totalmente anquilosantes e desajus- “Natural versus Anthropic Causes in Variations of Sand Export
tados nas sociedades técnica e cientificamente from River Basins: an Example from the Guadiana River Mouth
(Southwestern Iberia)”. Polish Geological Institute Special Papers,
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Evolução da Zona Costeira Portuguesa - João Alveirinho Dias

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27
Principais métodos de proteção costeira

Pedro Pereira

2023
Objetivo

O presente documento é um texto de cariz didático, elaborado com base em

bibliografia atualizada sobre a temática em questão — Principais métodos de proteção

costeira —, sendo parte integrante dos materiais de estudo do tópico Processos

Costeiros, da Unidade Curricular de Riscos Naturais, da Licenciatura em Ciências do

Ambiente, da Universidade Aberta.

Foto da capa: Vista aérea da zona costeira de Cova do Vapor/Costa de Caparica. Fonte: APA
(2017).
Índice

1. Introdução ................................................................................................ 1

2. Estabilização rígida .................................................................................... 2

2.1. Estruturas transversais ......................................................................... 2

2.1.1. Esporões .................................................................................... 2

2.1.2. Molhes ....................................................................................... 3

2.2. Estruturas longitudinais ........................................................................ 5

2.2.1. Quebra-mares ............................................................................ 5

2.2.2. Paredões .................................................................................... 6

2.2.3. Revestimentos ............................................................................ 8

2.2.4. Diques ....................................................................................... 9

3. Estabilização suave ................................................................................... 10

Referências .................................................................................................. 13
1. Introdução

Há milénios que as comunidades humanas sentem particular atração por colonizar

zonas costeiras devido às suas diversas características vantajosas (e.g. fácil

abastecimento alimentar; clima mais ameno; acesso ao mar, permitindo o

estabelecimento de trocas comerciais com outras comunidades).

Apesar de todas as vantagens obtidas, as comunidades costeiras enfrentam

também um conjunto único de perigos que podem ameaçar/destruir vidas e

propriedades humanas. As catástrofes naturais (tempestades e tsunamis), que

provocam galgamento do mar e inundações nas zonas costeiras, e a erosão costeira,

que se expressa pelo recuo da linha de costa, são duas das principais ameaças que

as comunidades costeiras enfrentam.

A principal resposta a estas ameaças (perigos costeiros) tem sido a construção de

estruturas de proteção costeira. Estas estruturas têm como função estabilizar, ou

mesmo avançar, a linha de costa por meios artificiais, contudo, não eliminam as

causas do processo erosivo em si, apenas mitigam temporariamente as

consequências da erosão.

Seguidamente, enumeram-se e caracterizam-se sucintamente os métodos mais

comummente utilizados na proteção/estabilização de zonas costeiras em risco e na

proteção de áreas portuárias e respetivos canais de aproximação e navegação, os

quais, consoante a abordagem técnica, podem ser divididos em métodos de

estabilização pesada ou rígida e métodos de estabilização suave.

1
2. Estabilização rígida

A estabilização rígida envolve a construção de estruturas de engenharia para

reduzir a ação de ondas e correntes e proteger a costa da erosão. Estas estruturas

podem ser: (i) transversais, construídas perpendicular ou obliquamente à linha de

costa, interrompendo a deriva litoral (esporões e molhes), ou (ii) longitudinais ou

paralelas à linha de costa, bloqueando a força das ondas (quebra-mares, paredões,

diques e revestimentos).

2.1. Estruturas transversais

2.1.1. Esporões

Os esporões são estruturas rígidas, longas e estreitas, perpendiculares ou

ligeiramente oblíquas à linha de costa, que se estendem até à zona de rebentação

(geralmente, ligeiramente para lá da linha de baixa-mar). Normalmente, são

retilíneos, mas também podem ser curvos ou terem a extremidade virada para o mar

em forma de T ou Y. A sua função é reter, pelo menos parcialmente, a deriva litoral,

minimizando os problemas de erosão costeira a barlamar da estrutura. Podem ser

permeáveis (permitindo a passagem de água e algum sedimento) ou impermeáveis

(reforçando a deflexão dos fluxos). A escolha dos materiais utilizados na sua

construção (enrocamentos, blocos de betão pré-fabricados 1 , gabiões, sacos com

areia ou pedras, madeira, metal) depende da permeabilidade pretendida. A sua parte

superior pode estar emersa ou submersa (Burcharth & Hughes, 2006; Dias, 2007a;

van Rijn, 2011).

Apesar de fomentarem a deposição de sedimentos a barlamar das estruturas, os

esporões aumentam a erosão a sotamar (Fig. 1). Para contrariar esta situação, estão

muitas vezes associados a estruturas longitudinais aderentes, construídas a sotamar

ou, para proteger uma secção da costa contra a erosão, são normalmente construídas

séries de esporões similares (campo de esporões – Fig. 2) (Bush et al., 2001;

Burcharth & Hughes, 2006; Dias, 2007a; van Rijn, 2011).

1
Estes blocos artificiais apresentam formas muito diversas, consoante o efeito pretendido (tetrápodes,
dolos, blocos cúbicos, hexápodes, tetraedros, paralelepípedos, entre muitos outros).

2
Figura 1 – Diagrama esquemático ilustrando os efeitos, na linha de costa, da construção de
esporões (Adaptado de Keller & Blodgett, 2007).

Figura 2 – Campo de esporões da praia de Eastbourne (Sussex, Inglaterra). Frequentemente,


a retenção de areia a barlamar e a erosão a sotamar de cada esporão conferem às praias um
padrão em “dentes de serra”. Fonte: Petr Kratochvil – CC0 – https://www.
publicdomainpictures.net/pt/view-image.php?image=250667&picture=praia-eastbourne.

2.1.2. Molhes

Os molhes são estruturas (semelhantes a esporões) impermeáveis e normalmente

muito longas (para lá da zona de rebentação), construídas com o objetivo de evitar

o assoreamento e a meanderização da barra ou dos canais de navegação ou de

aproximação ao porto. Tal como ocorre com os esporões, a sua existência provoca

deposição de sedimentos a barlamar e erosão a sotamar da barra (Figs. 3A e 4) (Bush

et al., 2001; Dias, 2007b; van Rijn, 2013).

3
Figura 3 – Diagramas esquemáticos ilustrando os efeitos, na linha de costa, da construção de
molhes (A), quebra-mares destacados (B) e quebra-mares com uma extremidade ancorada
em terra (C) (adaptado de Keller & Blodgett, 2007).

Figura 4 – Molhes de proteção da entrada da Indian River Bay (Delaware, EUA). Fonte:
Jameson Harrington – CC-BY-SA/3.0 – https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=
30123798.

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2.2. Estruturas longitudinais

2.2.1. Quebra-mares

Os quebra-mares são estruturas impermeáveis, construídas com o mesmo tipo de

materiais utilizado nas estruturas transversais. Consoante o objetivo pretendido,

podem ser aderentes à costa (correspondendo a paredões – ver abaixo), destacados

da costa (Figs. 3B e 5), ou ter uma extremidade ancorada em terra (Figs. 3C e 6).

Os quebra-mares destacados, emersos ou submersos, são construídos, grosso

modo, paralelamente à linha de costa, tipicamente, para lá da zona de rebentação,

com o objetivo de proteger uma secção da costa, resguardando-a da incidência direta

da agitação marítima. A difração das ondas nas extremidades da estrutura gera

transporte sedimentar convergente na zona protegida, originando uma praia saliente.

No limite, esta a acumulação de sedimentos pode mesmo originar um tômbolo (Bush

et al., 2001; Dias, 2007c; van Rijn, 2011).

À semelhança do que ocorre com as estruturas transversais de proteção costeira,

a retenção de areia atrás dos quebra-mares subtrai sedimentos à deriva litoral,

acelerando o recuo da linha de costa a sotamar das estruturas. Para minimizar este

efeito erosivo (Bush et al., 2001) (Figs. 3B) são normalmente construídos campos de

quebra-mares (Fig. 5).

Figura 5 – Campo de quebra-mares destacados em El Palo (Málaga, Espanha) (Fortunato et


al., 2008).

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Os quebra-mares ancorados, usualmente arqueados ou em forma de L, têm como

objetivo principal criar condições de abrigo (agitação marítima reduzida) em portos

e marinas e/ou evitar o assoreamento da entrada do canal de acesso a um porto

(Fig. 6) (Dias, 2007c). Tal como todas as outras estruturas de proteção costeira

acima referidas, os quebra-mares ancorados também geram acumulação de

sedimentos a barlamar e erosão a sotamar da estrutura (Fig. 3C).

Figura 6 – Quebra-mar ancorado do Porto da Ericeira (Lisboa, Portugal) (APA, 2017).

2.2.2. Paredões

Os paredões são estruturas aderentes usadas, normalmente, como última linha

de defesa contra as ondas, servindo frequentemente para proteger património

edificado ao longo da costa (Bush et al., 2001). Podem ser construídos com diferentes

materiais, tais como madeira, enrocamentos (Fig. 7), gabiões, betão armado, blocos

de betão de formas diversas (Fig. 8), ou metal. A sua forma pode ser muito variada:

alguns são simples paredes verticais, outros são inclinados ou apresentam degraus

para dissipar a energia das ondas, e outros apresentam perfil transversal côncavo

(Fig. 9) de modo a refletir a energia da onda incidente na direção do mar (Dias,

2007d).

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Figura 7 – Paredão construído com blocos de rocha (enrocamento) em Cape May (Nova Jérsia,
EUA) (Bush et al., 2001).

Figura 8 – Paredão construído com tetrápodes de betão em Mumbai, Índia. Fonte: Kelisi –
CC-BY-SA/3.0 – https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=19742084.

Figura 9 – Paredão (de betão armado) de perfil transversal côncavo em Torcross (Devon,
Inglaterra). Fonte: N. Chadwick – CC-BY-SA/2.0 – geograph.org.uk/p/3301406.

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Contudo, o aumento da reflexão das ondas provocado pela construção de um

paredão resulta, na maioria dos casos, no aumento da erosão do fundo marinho/praia

imediatamente à frente da estrutura. Esta erosão resulta num maior declive do fundo

marinho, facto que, consequentemente, permite que ondas maiores atinjam a

estrutura. Por esta razão, os paredões são frequentemente utilizados em conjunto

com outros tipos de sistemas de proteção costeira, tais como, esporões e alimentação

artificial de praias (Burcharth & Hughes, 2011).

2.2.3. Revestimentos

Os revestimentos são constituídos, no interior, por camadas de materiais

permeáveis, como geotêxteis e materiais granulares, e, no exterior, por uma

cobertura protetora, quase impermeável, de madeira (Fig. 10), betão projetado,

blocos de rocha, blocos de betão pré-fabricados, asfalto, gabiões, etc., têm como

função sustentar, evitando a ocorrência de movimentos de vertente, e estabilizar,

prevenindo ou reduzindo a erosão da base de arribas, afloramentos rochosos, dunas,

diques ou paredões (van Rijn, 2016).

Figura 10 – Revestimento em madeira, assente em base de betão, na praia de Sheringham


(Norfolk, Inglaterra). Fonte: Evelyn Simak – CC-BY-SA/2.0 – geograph.org.uk/p/792830.

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2.2.4. Diques

Os diques são estruturas impermeáveis, constituídas por um corpo central de

materiais finos, como areia ou argila, e uma cobertura protetora (revestimento – ver

abaixo), com suave inclinação para o mar, para reduzir o efeito da agitação marítima

(Fig. 11). Têm como objetivo a proteção contra inundações, ao longo de secções

costeiras, onde não existam defesas naturais, como dunas, falésias ou formações

rochosas (van Rijn, 2016).

Figura 11 – Pormenor do dique de Hondsbossche e Pettemer (Países Baixos). Fonte: Door


Ceinturion – CC-BY-SA/3.0 – https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=1809305.

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3. Estabilização suave

A estabilização suave de zonas costeiras recorre a métodos “naturais”,

ambientalmente menos agressivos, para contrariar a erosão: alimentação artificial

de praias, transposição de molhes, (re)construção de dunas ou plantação de

vegetação para fixar sedimentos.

O método mais frequentemente utilizado é a alimentação artificial de praias, que

consiste na colocação de grandes quantidades de areia: na berma da praia emersa

(Fig. 12), alargando-a no sentido do mar; na duna adjacente, robustecendo-a em

volume e altura; ou na praia submarina, na zona de rebentação, para dissipação da

energia das ondas antes de atingir a praia emersa (Pinto et al., 2018).

Figura 12 – Trabalhos de alimentação artificial de praia em Ocean Beach (San Francisco,


Califórnia, EUA). Fonte: U.S. Army Corps of Engineers, San Francisco District Website – Public
Domain – https://www.spn.usace.army.mil/Missions/Projects-and-Programs/Ocean-Beach-
Beach-Nourishment/igphoto/2002848334/.

A alimentação artificial de praias pode ser uma alternativa ou um complemento a

estruturas de proteção rígidas, tais como esporões, quebra-mares e estruturas

aderentes, sendo utilizado, principalmente, para compensar a erosão local em zonas

de dunas relativamente estreitas e baixas (regiões de segurança costeira crítica) ou

para aumentar as áreas recreativa de praias (van Rijn, 2011).

As características dos depósitos de sedimentos (manchas de empréstimo)

identificados para serem dragados e transportados para as áreas do enchimento

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condicionam frequentemente a logística e a operacionalidade dos projetos de

alimentação artificial de praias. Idealmente, as manchas de empréstimo situam-se

na proximidade dos locais de enchimento, apresentam características sedimentares

e granulométricas semelhantes às das areias do local de deposição e não estão

poluídas. Geralmente, as manchas de empréstimo provêm de dragagens de

manutenção/aprofundamento (associadas à atividade portuária) de barras de maré

e canais de navegação, da exploração em terra (nas áreas portuárias) de depósitos

provenientes de dragagens anteriores, e de dragagens na plataforma continental

vizinha (Pinto et al., 2018).

Em alguns casos, recorre-se à transposição de areias de locais onde existe

acumulação para áreas deficitárias/em erosão (bypass) (Pinto et al., 2018). Um

exemplo desta situação, é a transposição de esporões ou molhes, que consiste na

transferência, por dragagem e posterior bombeamento, das areias retidas por estas

estruturas a barlamar para sotamar, reconstituindo assim a deriva litoral e,

consequentemente, minimizando os impactos negativos induzidos pela presença das

estruturas.

A (re)construção de dunas pode ser efetuada por simples alimentação artificial de

areia e revegetação ou, numa abordagem menos “natural”, mas mais eficaz, por

alimentação artificial (ou utilização de areia local) com aplicação de mantas de

material geotêxtil, envolvendo grandes volumes de areia (geocontentores – Fig. 13),

ou utilizando enormes sacos de material geotêxtil, de forma tubular (geotubos – Fig.

14), cheios de areia (Antunes do Carmo et al., 2010; Antunes do Carmo, 2013).

Após a aplicação dos geocontentores ou geotubos, toda a estrutura protetora é

coberta por uma camada de areia com cerca de 1 m de espessura, seguindo-se um

processo de revegetação com espécies autóctones, para fixação da duna (Fig. 15)

(Antunes do Carmo et al., 2010; Antunes do Carmo, 2013).

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Figura 13 - Instalação de geocontentores na praia de Leirosa (Figueira da Foz, Portugal) em
2005 (Antunes do Carmo, 2013).

Figura 14 - Instalação de geotubos na praia de Leirosa (Figueira da Foz, Portugal) em 2008


(Antunes do Carmo, 2013).

Figura 15 – Aspeto geral de duna reconstruída, após revegetação, em Leirosa (Figueira da


Foz, Portugal) (Antunes do Carmo, 2013).

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Referências

Antunes do Carmo, J. (2013). Experiência de recuperação de um sistema dunar e

proposta de instrumentos complementares de proteção, atração e valorização

ambiental. Journal of Integrated Coastal Zone Management, 13(3), 317-328.

Antunes do Carmo, J., Reis, C. S., & Freitas, H. (2010). Working with nature by

protecting sand dunes: lessons learned. Journal of Coastal Research, 26(6), 1068-

1078.

APA (2017). Plano de Ação Litoral XXI (atualização a 15 de novembro de 2019).

Agência Portuguesa do Ambiente. Disponível em https://apambiente.pt/agua/

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Burcharth, H. F., & Hughes, S. A. (2011). Types and Functions of Coastal Structures.

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Corps of Engineers.

Bush, D. M., Pilkey, O. H., & Neal, W. J. (2001). Coastal topography, human impact

on. Encyclopedia of Ocean Sciences, Vol. 1, 1st edition, (pp 480–489). Elsevier.

Dias, J. A. (2007a). Esporão. In Glossário sobre as Zonas Costeiras. Disponível em

http://www.aprh.pt/rgci/glossario/esporao.html.

Dias, J. A. (2007b). Molhe, In Glossário sobre as Zonas Costeiras. Disponível em

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Dias, J. A. (2007c). Quebra-mar, In Glossário sobre as Zonas Costeiras. Disponível

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13
Keller, E., & Blodgett, R. (2007). Riesgos naturales. Procesos de la Tierra como

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Pinto, C., Silveira, T., & Teixeira, S. (2018). Alimentação artificial de praias na faixa

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sediment.com/papers/Stabilitystructures2015.pdf.

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