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AULA 1

ASSISTÊNCIA HUMANITÁRIA
EM DESASTRES

Prof. Murilo Noli da Fonseca


TEMA 1 – CENÁRIO DOS DESASTRES NO MUNDO E NO BRASIL

Ao longo dos anos, desastres afetaram milhões de pessoas em todo o


mundo, especialmente em centros urbanos, onde a população, os serviços e a
infraestrutura estão mais concentrados. Como vimos em outras disciplinas, os
desastres derivam da interação entre a ameaça (natural ou tecnológica), a
vulnerabilidade socioambiental e a exposição de infraestruturas e pessoas, bem
como de medidas insuficientes de redução de riscos, gerando danos humanos,
materiais, ambientais e prejuízos sociais e econômicos (Freitas et. al., 2012;
Pinheiro, 2017). Ou seja, podemos aprender que os desastres estão ligados às
características do ambiente e com a forma como a sociedade se estrutura.

1.1 Desastres no mundo

No cenário global, vemos que os fenômenos naturais causaram 335


desastres a cada ano entre 2005 e 2014, o dobro dos valores registrados no
período entre 1985 e 1995 (UNISDR, 2015). O Escritório das Nações Unidas para
a Redução de Desastres (UNISDR) nos mostra que os danos gerados por esses
eventos somam cerca de US$ 300 bilhões anuais. Entre 1995 e 2015, cerca de
51 milhões de pessoas foram afetadas por eles (Nações Unidas Brasil, 2015).
Anualmente, os eventos desastrosos forçam 14 milhões de pessoas a deixarem
as suas casas. Devido a esses números, a Organização das Nações Unidas
(ONU) desenvolveu um modelo estatístico para que pudéssemos visualizar quais
são os países mais vulneráveis a migrações decorrentes de desastres e
desenvolver estratégias a fim de nos tornarmos resilientes. São eles: Índia, China,
Bangladesh, Vietnã, Filipinas, Mianmar, Paquistão, Indonésia, Rússia e Estados
Unidos (Nações Unidas Brasil, 2015).

1.2 Eventos adversos e desastres no Brasil

Você já deve ter lido e ouvido que o Brasil é um país abençoado por Deus
e bonito por natureza, pois não há o registro de desastres deflagrados por eventos
naturais ou antrópicos (Chauí, 2000). No entanto, entre 1991 e 2010, 31.909
eventos adversos ocorreram no país e mais de 96 milhões de pessoas foram
afetadas por eles, das quais 490.000 ficaram feridas e mais de 34.000 morreram
(Freitas et al., 2014). As secas e estiagens foram responsáveis por 57,8% das
ocorrências, as quais afetaram 50 milhões de pessoas. As inundações afetaram
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39 milhões, principalmente nas regiões Sudeste e Nordeste (Freitas et al., 2014).
As maiores taxas de mortalidade (44,8%), morbidade (63,5%) e exposição
(67,5%) são decorrentes de fenômenos hidrológicos, ainda que os eventos
geológicos tenham maior probabilidade de causar mortes (Freitas et al., 2014).
Recentemente, você deve se lembrar da ocorrência de quatro eventos
adversos causados por fenômenos naturais que provocaram desastres. Os dois
primeiros ocorreram no Estado de Santa Catarina. Em 2004, no litoral norte do
Estado, tivemos o registro do primeiro furacão no Atlântico Sul, denominado então
de Catarina. Já em novembro de 2008, o Estado de Santa Catarina foi afetado por
inundações e deslizamentos de terra desencadeados por chuvas intensas. Esses
eventos resultaram em mais de 500 mil afetados, 78.656 desalojados e
desabrigados, 5.835 feridos e enfermos e 135 óbitos; além do estado de
calamidade pública em 14 municípios e de situação de emergência em 63
(CEPDEC-SC, 2009).
O terceiro desastre ocorreu na região serrana do Estado do Rio de Janeiro
em 2011 e é considerado um dos maiores já registrados no país. Ele provocou
movimentos gravitacionais de massa, sobretudo deslizamentos, que geraram 900
mortes e 30.000 desabrigados (Massuella, 2014). No mesmo ano, o Paraná
também viveu um dos piores desastres, o "Águas de Março", que gerou danos
materiais, ambientais, econômicos e humanos (Pinheiro; Garcias, 2014).

TEMA 2 – GESTÃO DE DESASTRES

A partir do momento em que o desastre atinge um determinado território,


devemos estabelecer diversas medidas de resposta e recuperação. Por isso, a
seguir, veremos brevemente como funciona cada uma dessas duas etapas.

2.1 Resposta

A primeira etapa é a resposta. Por meio dela, precisamos salvar vidas e


infraestruturas, sobretudo as críticas, reduzir os impactos, garantir a segurança e
atender às necessidades da população afetada. Isto é, recursos materiais e
humanos necessitam ser enviados para o local afetado. As medidas incluem:

• Socorro: assistência às pessoas afetadas. Inclui a busca e o resgate,


primeiros socorros, atendimento pré-hospitalar, médico e cirúrgico etc.

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• Assistência: atendimento aos afetados através de recursos materiais e/ou
financeiros, a fim de proporcionar atividades básicas de vida, logística e
promoção da saúde até o restabelecimento das condições normais.
• Restabelecimento: execução de obras temporárias e emergenciais
destinadas à restauração dos serviços básicos. Ou seja, necessitamos
estabilizar a situação gerada pelo desastre, embora temporariamente, para
facilitar a reconstrução das áreas afetadas (SDC/SC, 2017).

Para que possamos ter resultados eficazes e eficientes, precisamos


envolver e mobilizar diversos órgãos e agentes públicos com competência no
tema e que sejam qualificados. Por exemplo, podemos citar a Coordenadoria
Municipal de Proteção e Defesa Civil, Corpo de Bombeiros, Polícia Civil e Militar,
Forças Armadas, Órgãos municipais, estaduais e federais, que são as principais
organizações na execução da resposta inicial. Organizações não-governamentais
(ONGs), entidades privadas e outras também podem contribuir nessa etapa.

2.2 Recuperação

Depois de estabilizar a situação, devemos iniciar a recuperação das áreas


afetadas. Ou seja, precisamos empregar “um conjunto de medidas voltadas para
a restauração da infraestrutura, meio ambiente, economia e saúde das
comunidades afetadas, com foco na prevenção da ocorrência de novas situações
de risco” (Furtado, 2014, p. 163). Ainda que essa etapa seja mais frequente no
ambiente de negócios (Mendoza, 2018), necessitamos vê-la como uma
oportunidade para avaliarmos os planos elaborados na gestão de risco e desastre
e, posteriormente, melhorá-los para minimizar ou eliminar riscos na reconstrução.

TEMA 3 – ASSISTÊNCIA HUMANITÁRIA

Como vimos anteriormente, a assistência humanitária é uma das etapas


empregadas no processo de resposta a um desastre. Ela é uma prática realizada
desde a Antiguidade. O Código de Hamurabi (1.700 a.C), por exemplo, foi
implementado para evitar que os fortes oprimissem os fracos e, também, para
auxiliar as pessoas fugitivas que não pudessem se sustentar (Sampaio, 2016).
Depois, ela passou a ser utilizada para satisfazer as necessidades básicas – como
comida, água, cuidados de saúde e abrigo – dos mais desafortunados, fossem
eles membros da própria família ou parte de uma comunidade ou grupo maior.

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Hoje, o direito à assistência é previsto na Declaração Universal dos Direitos
Humanos e em resoluções da ONU. A resolução n..43/131 “consagra o direito de
livre acesso às vítimas de desastres e a obrigação dos Estados em facilitar a
chegada de assistência humanitária” (Ramos, 2004, p. 16). A n.45/100 possibilita
a criação de corredores de emergência nos quais o Estado deve facilitar o fluxo
de distribuição de ajuda médica e alimentar às vítimas. Em 1988, a ONU também
garantiu a assistência às vítimas de desastres, consagrando o direito de uma
organização não-governamental (ONG) de ter acesso às pessoas afetadas.
No Brasil, podemos mencionar a Lei Federal n. 12.608/2012, que institui a
Política Nacional de Proteção e Defesa Civil e supera a lógica da caridade, até
então predominante em boa parte dos governos que não possuíam um sistema
estruturado de gestão, ao estabelecer “a assistência às populações atingidas por
desastres” (art. 5º, inciso II). Outro documento que contém diretrizes sobre o
processo de assistência humanitária é a Instrução Normativa n. 36/2020. Nela, a
assistência às vítimas visa “manter a integridade física e restaurar as condições
de vida das pessoas afetadas pelo desastre até o retorno da normalidade”.

3.1 Terminologias e definições

É importante ter em mente que não existe um consenso claro entre os


especialistas, os Estados e as organizações sobre o significado e o alcance da
assistência humanitária, em virtude de sua complexidade, multiplicidade de
contextos, atividades, atores e objetivos envolvidos. Além disso, constatamos um
uso coloquial e, às vezes, excessivamente amplo e impreciso pelas partes
envolvidas na situação de desastre, especialmente Estados e organizações. Por
isso mesmo, iremos nos deparar frequentemente com o conceito de assistência
humanitária sendo substituído pelo de ajuda humanitária, de ajuda emergencial,
de socorro, de operação humanitária ou até mesmo pelo de ação humanitária.
Para que você tenha uma clareza conceitual sobre o tema, iremos
apresentar a seguir o que compreendemos por cada um dos principais conceitos
utilizados no processo de assistência humanitária. Primeiro, devemos entender a
ação humanitária como sendo um conceito abrangente que contempla ações que
visam ajudar os cidadãos, sobretudo os vulneráveis, desde a prevenção do risco,
preparação das pessoas para lidar com o fenômeno, até a recuperação e
reabilitação das comunidades afetadas. Essas etapas perpassam pela proteção

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das vítimas e a defesa dos direitos humanos, do direito humanitário e da atenção
psicossocial (Estrada, 2011; Mattei; Troit, 2016; Hours, 2016).
Ao mesmo tempo, coloca a assistência humanitária como sendo a
execução de ações de resposta ao desastre, incluindo o atendimento às vítimas,
sem buscar alterações nos fatores que originam o desastre, como a situação de
risco e de vulnerabilidade socioambiental. Logo, compreendemos a assistência
humanitária como sendo o conjunto de ações desenvolvidas pelo Estado ou por
um grupo social a fim de apoiar uma população na superação de um desastre. Ou
como qualquer ação que facilita ou permite o alívio do sofrimento humano, a
preservação da vida e da alimentação das pessoas, bem como a facilitação das
condições materiais e de segurança propícias ao abrigo temporário e retorno da
população ao cotidiano (Estrada, 2011). Esse processo visa prevenir o
agravamento das condições de vida, até atingir um mínimo de autossuficiência.
Por últimos, entendemos a ajuda humanitária como sendo a
materialização do processo de assistência. Ela é constituída por elementos
materiais e tangíveis por meio dos quais as pessoas podem obter a satisfação das
suas necessidades básicas. Ou, ainda, podemos entendê-la como a assistência
material, logística, moral e legal (Minas Gerais, 2020) que almeja a defesa de
direitos humanos em situações adversas. O Ministério das Relações Exteriores
define a ajuda humanitária como

Toda e qualquer ação que contribua, de forma imediata e eficaz, para


prevenir, proteger, preparar, evitar, reduzir, mitigar sofrimento e auxiliar
outros países ou regiões que se encontrem, momentaneamente ou não,
em situações de emergência, de calamidade pública, de risco iminente
ou grave ameaça à vida, à saúde, à garantia dos direitos humanos ou
humanitários de sua população. (MRE, 2010)

Conforme o Exército Brasileiro, a ajuda humanitária pode ser vista como a:

Ação proporcionada por distinto Estado ou por Estados membros da


Organização das Nações Unidas ou de qualquer outro organismo
internacional para a urgente prestação de socorro de natureza diversa,
a nacionais de país atingido pelos efeitos de catástrofes, ou decorrentes
da devastação de guerra entre nações litigantes, tudo com o objetivo de
proteger, amparar e oferecer bem-estar às populações vitimadas,
respeitado o princípio da não intervenção. (Brasil, 2014)

Como vimos nos parágrafos anteriores, esses termos e suas definições


podem apresentar algumas diferenças, mas compartilham ideias semelhantes
como, por exemplo, (a) urgência para atender uma população atingida; (b)
assistência orientada por princípios humanitários; e (c) salvamento de vidas.

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3.2 Exemplos de ações de ajuda humanitária

As ações de assistência às vítimas são imediatas e destinadas a salvá-las


do perigo e garanti-las a cidadania. Dentre as práticas existentes, podemos citar
(SDC/SC, 2017):

• Operacionalização de abrigos e acampamentos emergenciais;


• Fornecimento de água potável e de energia elétrica;
• Suporte à rede pública de saúde para o atendimento aos feridos;
• Aquisição de artigos básicos de higiene pessoal;
• Provisão e meios de preparação de alimentos;
• Aquisição de gêneros alimentícios, inclusive rações destinadas a animais;
• Aquisição de peças de vestuário não supridas pelas doações voluntárias;
• Manejo de mortos, sepultamento de pessoas e de animais;
• Locação de veículos ou viaturas para assistência às vítimas de desastre;
• Aluguel social para desabrigados devidamente cadastrados;
• Apoio logístico às equipes empenhadas nessas ações.

TEMA 4 – EVOLUÇÃO NO TEMPO

Como vimos anteriormente, a prática de assistência humanitária é tão


antiga quanto a própria humanidade. A história humana contém muitos exemplos
de assistência, e muitas das religiões praticam algum tipo de ajuda. Por exemplo,
temos o dízimo (tradição judaica e cristã) e o zakat (islamismo). Porém, a primeira
grande ação de assistência ocorreu após o terremoto ocorrido em Lisboa em
1755, o qual foi seguido por um tsunami e um incêndio, envolvendo diversos
países nesse processo. Esse evento também representou o início de uma certa
rejeição à crença na inevitabilidade da ocorrência de desastres, que eram vistos
até então como uma “vingança da natureza ou de Deus” contra a qual nada
poderia ser feito.
Os pensamentos iluministas e positivistas na época se opunham a esse
determinismo, desafiando os limites sobre quem e o que merecia atenção e
cuidado e, assim, se opondo ao sofrimento resultante da escravidão, pobreza,
formas desumanas de punição e encarceramento e crueldade com os animais
(Pringle; Hunt, 2015). Ambas as correntes de pensamento permitiram levar a
assistência humanitária para o plano mais próximo da racionalidade.

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Logo, estava aberto o caminho para a emergência da assistência
humanitária moderna. É vital lembrarmos que esse período de transformação foi
possível não só por causa de uma mudança em termos de moralidade e
tecnologia, mas também devido a uma transformação da sociedade, assinalada
por mercado em expansão, urbanização e modernização (Barnett, 2011).
A seguir, veremos como ocorreu o processo de evolução da assistência
humanitária a partir de três momentos históricos: século XIX, períodos pós-
guerras mundiais e fim da Guerra Fria. Esses momentos ainda podem ser
classificados como humanitarismo imperial (1800-1945), neo-humanitarismo
(1945-1989) e humanitarismo liberal (1989 até os dias atuais) (Barnet, 2011).

4.1 Batalha de Solferino (1859) e o Humanitarismo Dunantiano

O humanitarismo, como conhecemos hoje, surgiu no século XIX. No ano


de 1859, no norte da Itália, próximo da comuna de Solferino, na região da
Lombardia, ocorreu uma das batalhas mais sangrentas das guerras de unificação
da Itália. Com aproximadamente 400.000 soldados, a batalha deixou mais de
40.000 feridos de ambos os lados, todos sem assistência. O suíço Henri Dunant,
que testemunhou essa guerra, ficou horrorizado e decidiu organizar uma unidade
de socorro, salvando diversas vidas de soldados de ambos os lados.
Posteriormente, Dunant escreveu o livro Un souvenir de Solférino, no qual
testemunhou o que viu. Nele, o autor desenvolve uma série de ideias para lidar
com eventos futuros: (a) necessidade de uma organização neutra que ajude os
feridos; (b) criação de associações de socorro voluntário permanente; (c)
celebração de um tratado para proteger os feridos e todos que tentam ajudá-los.
Essas ideias se solidificaram com o surgimento de uma instituição
humanitária, que durante a Conferência Constitutiva (1863) se tornaria o Comitê
Internacional da Cruz Vermelha (CICV) e do Direito Humanitário. Depois, a
Convenção para a Melhoria da Sorte dos Feridos e Enfermos em Exércitos de
Campanha, em 1864, conhecida como a Primeira Convenção de Genebra, incluiu
esses princípios em suas disposições. Como resultado, houve a regulamentação
das primeiras práticas de assistência. Elas se ocupavam da prestação de socorro
às pessoas envolvidas na guerra. Os princípios relativos a essa prática, como
veremos posteriormente, evocam o seu caráter apolítico (Barnett, 2011).
Os eventos posteriores como a Declaração de São Petersburgo (1868) e
as Conferências de Paz de Haia (1899 e 1907) aprofundaram o direito

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humanitário. As normas e regras resultantes delas preconizavam a proibição ou
limitação do emprego de armas causadoras de sofrimento humano. No entanto, a
assistência humanitária não foi o ponto central das discussões. Essa atividade
voltaria à tona como fruto das guerras mundiais, como veremos a seguir.

4.2 Período pós-guerra e a emergência das agências humanitárias

As duas guerras mundiais trouxeram um novo impulso ao campo


humanitário. Após a Segunda Guerra, verificamos uma ampliação da governança
humanitária, especialmente a partir das transformações ocorridas nas ações de
assistência, as quais foram estendidas em termos de objetivo, arranjo institucional
e governos receptores (Barnet, 2011). Em primeiro lugar, as ações passaram a
ser associadas à proteção dos direitos humanos em situações anormais e
naquelas em que existisse a sua violação. Isso levou à construção de bases legais
humanitárias que estão presentes em diversos documentos como, por exemplo,
na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), nas Convenções de
Genebra de 1949 e nos Protocolos Adicionais de 1977 (Barnett; Weiss, 2008).
A segunda transformação ocorreu no arranjo institucional. A assistência
humanitária passou a ser operada a partir de uma governança global (Barnett,
2011). Em outras palavras, a necessidade de responder às consequências da
segunda guerra levou à criação de diversas agências intergovernamentais. Dentre
elas, podemos citar o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e o
Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR). Também
não podemos esquecer do primeiro organismo dedicado exclusivamente à
assistência humanitária no mundo: a United Nations Disaster Relief Organization
(UNDRO), atual United Nations Disaster Assessment and Coordination (UNDAC).
Por último, os governos receptores se tornaram variados. A assistência
passa de uma atuação preponderante em países diretamente afetados pela
Segunda Guerra Mundial para voltar-se a países externos às fronteiras europeias.
Devemos compreender essa transformação a partir de duas circunstâncias: o
movimento de descolonização, que ganhou força a partir da década de 1960, e o
discurso desenvolvimentista, com as ações de assistência humanitária sendo
executadas nos países de menor desenvolvimento (Barnett; Weiss, 2008).
Um exemplo disso ocorreu em consequência da guerra e da fome em Biafra
(Nigéria), em 1968. Um grupo de médicos franceses que trabalhava na área com
a Cruz Vermelha questionou o silêncio e a impossibilidade de fazer denúncias

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públicas em virtude das práticas de genocídio (Desgrandchamps, 2011; Tarantola,
2018). A partir disso, acompanhados de outros médicos e alguns jornalistas, eles
fundaram o “Médicos Sem Fronteiras” (MSF), em 1971. Como veremos mais
detalhadamente posteriormente, trata-se de uma ONG que presta assistência
humanitária, especialmente médica, e busca a proteção dos direitos das vítimas.

4.3 Novo Humanitarismo

As transformações geopolíticas decorrentes do fim da Guerra Fria, os


desafios derivados da emergência de guerras internas e as lições aprendidas com
as dificuldades encontradas em diversos países como a Somália e a Bósnia e
Herzegovina evidenciaram a necessidade de mudanças no sistema humanitário
(Barnet, 2011). Como resultado, a partir da década de 1990, emerge um novo
humanitarismo, diferente do humanitarismo clássico em termos de objetivos,
conteúdos, orientação, marco ético etc. (Quadro 1). Esse modelo foi assumido por
governos e suas agências, bem como por grande parte de ONGs e do mundo
acadêmico. A principal característica que o distingue é o seu caráter político.

Quadro 1 – Diferenças entre o Humanitarismo Clássico e o Novo Humanitarismo

Humanitarismo Clássico Novo Humanitarismo


Objetivos amplos e a longo prazo: atingir as
Objetivo paliativo e limitado: salvar
causas; promover o desenvolvimento e os
vidas e aliviar o sofrimento
direitos humanos
Conteúdos essenciais: provisão de Conteúdos amplos: assistência, proteção,
bens e serviços para subsistência direitos humanos, prevenção de desastres
Motivação política: parte de uma estratégia
Apolítico e independente
política integral e coerente
Orientado às vítimas Orientada a processos políticos e sociais
Ética teleológica e consequencialista:
Ética deontológica (baseada no dever)
baseada em fins e resultados
Marco ético definido: imperativo Marco ético flexível: análise do contexto,
humanitário; direito das vítimas resultados previsíveis e critérios políticos
Baseada em critérios políticos: princípios
Baseada nos princípios humanitários
humanitários questionados
Não condicionado Condicionado
Independente Controle estatal, parcialmente militarizado
Fonte: Adaptado de Macrae, 2001.

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Portanto, podemos compreender que o novo humanitarismo está
comprometido com a assistência voltada não somente para salvar vidas, mas
também para lidar com as causas que deflagram situações de anormalidade,
como os desastres e conflitos, visando ao desenvolvimento sustentável (Barnett,
2011). Essas são as características do novo humanitarismo que é dominante hoje.

TEMA 5 – CRÍTICAS

A história nos mostra que o fim da Guerra Fria gerou otimismo em relação
à construção de um mundo mais pacífico e à capacidade da comunidade
internacional de intervir em desastres e conflitos armados para proteger os direitos
humanos e garantir a assistência humanitária. Entretanto, podemos ver que o
fracasso das intervenções levou a uma atitude mais cética e reticente por parte
dos países. Diante disso, surgiram diversas críticas, como veremos a seguir.

5.1 Ajuda alimentar e doações

A primeira e mais antiga das críticas está relacionada diretamente com o


processo de ajuda alimentar. Nuun e Qian (2012), por exemplo, nos alertam para
o risco de que a assistência na forma de doações incentive a dependência do
exterior, desestimule a atividade econômica e a adoção de medidas políticas
necessárias, dificultando, em última análise, o desenvolvimento de longo prazo.

5.2 Conflito armado

Um dos argumentos é que, no contexto de conflito armado, a assistência


pode fazer mais mal do que bem, já que pode reforçar uma das partes e, portanto,
prolongar o conflito de várias formas, como o roubo de veículos ou dinheiro para
se abastecer ou se armar e o reforço de facções (Taylor, 2001). Por exemplo, nos
campos de refugiados “Hutu” na atual República Democrática do Congo, após o
genocídio em Ruanda (1994), viu-se que a assistência reforçava e contribuía para
os esforços dos assassinos em desestabilizar o país (Hinton, 2002).

5.3 Posicionamento

Alguns autores criticam a neutralidade dos atores envolvidos na assistência


humanitária, como vimos anteriormente no caso dos Médicos Sem Fronteiras em
Biafra, na Nigéria. Ou seja, nesses casos, a neutralidade não pode ser viável, já
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que não há distinção entre civis e soldados (Poffley, 2012). Alguns autores
também defendem uma posição assumida pelos envolvidos, que pode ir desde a
denúncia de violações de direitos humanos até a defesa da parte legítima.

5.4 Objetivos

Para muitos atores, a assistência deve se contentar com objetivos estreitos


e não considerar as causas deflagradoras da situação anormal e questões de
longo prazo (Barnett, 2011; Weiss, 2018). Para outros, entretanto, o
humanitarismo deve buscar mais questões e estabelecer objetivos mais amplos.

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AULA 2

ASSISTÊNCIA HUMANITÁRIA
EM DESASTRES

Prof. Murilo Noli da Fonseca


TEMA 1 – DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO

Inicialmente, devemos entender que o direito internacional humanitário é


uma vertente jurídica oriunda do direito da guerra, cuja abordagem variou ao
longo da história. Em 300 a.C., por exemplo, tivemos o primeiro desenvolvimento
significativo do direito da guerra, com o surgimento da escola filosófica grega
estoicismo. Ela defendia a necessidade de compreender e respeitar uns aos
outros. Por outro lado, na Idade Média podemos ver que as ações realizadas em
nome de Deus (como as Cruzadas) não eram consideradas atos criminosos, por
essa razão a questão humanitária não era enfatizada. No entanto, diante dos
inúmeros conflitos ocorridos entre os séculos XVI e XIX, viu-se a necessidade de
integrar o conhecimento jurídico às questões humanitárias (Owona, 2012).
Assim, iremos entender o que significa o direito Internacional humanitário,
como ocorreu sua evolução e quais são seus pressupostos.

1.1 Definição

De forma geral, podemos entender o direito internacional humanitário


como um conjunto de normas internacionais aplicáveis a conflitos armados ou
não. Seu objetivo é limitar as consequências decorrentes de conflitos armados,
restringindo os métodos e meios empregados que as partes envolvidas podem
utilizar no confronto e protegendo as pessoas que não participam ou que
deixaram de participar do conflito (Grignon, 2014). Ou seja, podemos entendê-lo
como um direito emergencial, que intervém quando há uma ruptura na dinâmica
social; não trata das causas deflagradoras, somente busca regular o
comportamento das partes envolvidas em um conflito armado.
Embora o direito internacional humanitário tenha sido elaborado para o
conflito armado e guerra, seus princípios também se aplicam a desastres.

1.2 Perspectiva histórica

A assistência humanitária é uma prática que pode ser encontrada em


diversos momentos da história e que incorporou o conceito de direitos desde o
seu início. Na Babilônia, na época do rei Hamurabi (1728-1686 a.C.), por
exemplo, a proteção dos mais fracos era garantida. O povo hitita (indo-europeu)
exigia o respeito à população do inimigo e uma declaração de guerra para seu
início e um acordo de paz para concluí-la. Na Pérsia, Ciro I (700 a.C.) ordenava
2
que os feridos de guerra do inimigo fossem tratados como seus próprios
soldados feridos. Na Índia, temos a Lei Manú (400 a.C.), documento que proíbe
o uso de certas armas envenenadas, o ataque ao adversário entregue e
estabelece algumas disposições para a proteção da propriedade do inimigo.
No entanto, a popularização do Direito Humanitário ocorrerá somente a
partir de um tratado internacional no século XIX. Henri Dunant e seus colegas
emergiram no contexto da ajuda humanitária e no direito humanitário a partir do
Comitê de Ajuda Militar aos Feridos. Em 1864, foi ratificada a primeira
Convenção de Genebra, a fim de proteger os feridos. Também não podemos
nos esquecer das instruções para a conduta do exército dos Estados Unidos,
conhecidas como Código de Lieber, em 1863. Apesar de ser uma norma interna,
teve enorme influência devido ao seu conteúdo, que vai desde normas que
restringem o uso de determinados métodos e meios de combate até normas que
buscam proteger as vítimas de conflitos armados.
Esse movimento de consolidação permaneceu ao longo do século XX,
cujas duas guerras mundiais levaram à adoção de vários tratados que se
complementam. Dessa forma, verificamos não só uma ampliação das categorias
de vítimas a serem protegidas e um estabelecimento de maiores limites aos
métodos e meios de guerra, mas também mecanismos para determinar a
responsabilidade daqueles que transgridem às normas do direito internacional
humanitário. Como consequência disso, temos a realização de quatro
Convenções em Genebra (1949) a fim de proteger vítimas de conflitos armados.
Outra consequência importante para o avanço do direito humanitário que
devemos ter em mente é a formação da Organização das Nações Unidas
(ONU). Embora essa entidade não tivesse como objetivo regular conflitos
armados, o tema vai assumir papel cada vez mais importante devido aos
eventos que continuaram ocorrendo internacionalmente. Posteriormente, ambos
os aspectos serão tratados mais detalhadamente com a adoção, em 1977, dos
dois Protocolos Adicionais às Convenções de Genebra. Eles não só completam
e desenvolvem os referidos padrões, mas também unem as normas sobre a
limitação de meios e métodos de fazer a guerra (Direito de Haia) e a proteção
das vítimas de conflitos armados (Direito de Genebra) (Gueldich, 2019).

3
1.3 Pressupostos

As regras do direito humanitário têm o poder de gerar responsabilidade


internacional, ou seja, a constituição nacional e as leis dos países signatários
devem ter classificações criminais para punir as violações do direito humanitário.
Portanto, o direito internacional humanitário tem três funções principais:

• Organizadora, das relações entre os Estados (ou, dentro de cada um,


entre as partes em conflito) em uma situação de conflito armado.
• Preventiva, na medida em que impõe limites à atuação do Estado.
• Proteção, fornecendo-a às vítimas de conflitos (Swinarski, 1984).

É importante lembrar que a cláusula de Martens é utilizada como quadro


interpretativo na ausência de disposições na legislação nacional. No preâmbulo
do Segundo Protocolo Adicional, ressalta-se: “lembrando que nos casos não
previstos na legislação vigente, a pessoa humana permanece sob a tutela dos
princípios da humanidade e das exigências da consciência pública”.

TEMA 2 – INSTRUMENTOS INTERNACIONAIS

Agora que temos uma compreensão clara do que se trata o direito


humanitário, devemos saber quais são as bases que constituem esse processo.

2.1 Evolução

A primeira que podemos citar é a conferência sobre direito humanitário


realizada em Genebra, em 1864. A partir dela foram produzidas dez resoluções,
três projetos de lei e a criação do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV)
(Grignon, 2014), que possibilitou melhorar ascondições dos feridos,
independentemente do país a que pertenciam e estipulou o respeito pela
proteção pessoal e da saúde. Essas resoluções também salientam que um
comitê deve ser constituído em cada país para auxiliar os serviços; a
neutralização de ambulâncias, hospitais; e o uso do símbolo da Cruz Vermelha
(Grigon, 2014).
Posteriormente, o aumento do sofrimento causado pelo homem levou ao
estabelecimento de novas normas para tentar limitá-lo, e a atualização de uma
convenção para outra ocorreu após as duas guerras mundiais. A primeira delas
originou a Convenção sobre a Proteção de Prisioneiros de Guerra. A segunda,

4
por sua vez, enfatizou a necessidade de proteger os civis, já que os óbitos de
pessoas não envolvidas no conflito excederam os soldados pela primeira vez.
Também, não podemos esquecer os próprios conflitos internos, como a Guerra
Civil Espanhola, os quais mostraram que os tratados humanitários devem ser
estendidos aos conflitos não internacionais. Logo, devemos saber que o direito
humanitário foi atualizado a partir das quatro Convenções de Genebra (1949).
Com relação a essas convenções, devemos entender que elas abordam
diferentes temas. A primeira trata exclusivamente da melhoria das condições dos
feridos, no qual os governos devem respeitá-los e protegê-los. A segunda, por
sua vez, visa melhorar as condições dos afetados, enfermos e marinheiros,
sobretudo em guerras marítimas. A terceira versa sobre o tratamento de
prisioneiros de guerra, e a última envolve a proteção de civis em momentos de
guerra.
Além do mais, a intensificação e diversificação dos conflitos obrigou a
comunidade internacional a complementar o direito humanitário, elaborando dois
protocolos adicionais em 1977 a fim de proteger as vítimas de conflitos armados
não internacionais e respeitar às vítimas de conflitos armados internos (Sassòli,
Bouvier; Quintin, 2012). Desde então, em razão das mudanças na natureza do
conflito e no potencial de destruição de armas modernas, foi necessário
modificar e desenvolver o direito humanitário. Assim, temos a realização de
diversas convenções que buscam consolidar esse direito:

• Convenção de Haia para a proteção de bens culturais em caso de conflito


armado e seus dois protocolos (1954);
• Convenção sobre a proibição do desenvolvimento, produção e
armazenamento de bactérias e armas venenosas (1972);
• Convenção sobre a proibição do uso de tecnologias de modificação
ambiental para fins militares (1977)
• Convenção sobre a proibição ou restrição ao uso de certas armas
convencionais e seus cinco protocolos (1980);
• Convenção sobre a proibição do desenvolvimento, produção,
armazenamento e uso de armas químicas e sua destruição (1993);
• Convenção de Ottawa sobre minas antipessoal (1997);
• Protocolo opcional à convenção sobre os direitos da criança e o
envolvimento dela em conflitos armados (2000) (CICR, 2004).

5
Logo, por meio do direito internacional humanitário,

Vem se tentando reverter o quadro de barbárie e desesperança do


mundo, em relação às possibilidades do abrigo para as vítimas de
guerras, seja a população de civis ou de militares capturados, seja na
salvaguarda dos bens culturais e do meio ambiente, além da punição
individual daqueles que tenham provocado milhares de mortes, de
torturas, de levas de refugiados, de órfãos e de deficientes físicos,
como também praticando a denominada limpeza étnica, torturando e
estuprando. (Krieger, 2002, p. 5)

Portanto, podemos verificar que as principais fontes do direito


internacional humanitário são as convenções mencionadas e os diversos
tratados e protocolos envolvidos, bem como o direito internacional
consuetudinário.

TEMA 3 – DIREITO HUMANITÁRIO E DIREITOS HUMANOS

Outra base jurídica que nos possibilita entender e contribuir para a


assistência humanitária está nos diversos tratados e convenções sobre direitos
humanos (Gasteyger, 2011; Dyukova, 2019). A Declaração Universal dos
Direitos Humanos das Nações Unidas, por exemplo, foi elaborada com o objetivo
de prevenir guerras, promover a paz e fortalecer os direitos humanitários. Com
isso, ela afirma que todos os seres humanos nascem livres, iguais em dignidade
e direitos, possuem razão e consciência e devem agir com espírito fraterno.

3.1 Convergências

Ainda que tenham origens diferentes, o direito internacional humanitário e


o direito internacional dos direitos humanos estão intimamente ligados. Ambos
têm como denominador comum o princípio da humanidade, pois é a partir dele
que se possibilita a proteção humana e o reconhecimento dos direitos humanos.
Dessa maneira, entendemos que ambos protegem a vida humana, proíbem a
tortura ou outros tratamentos desumanos, estipulam os direitos das pessoas
sujeitas a processos criminais, proíbem a discriminação, fornecem proteção para
os grupos vulneráveis e regulam o direito às necessidades básicas (Gasteyger,
2014).
No caso dos mecanismos de aplicação e fiscalização, sabemos que os
direitos humanos possuem um sistema de petições perante órgãos
internacionais, além de relatórios que são apresentados a órgãos de fiscalização
instituídos por tratados de direitos humanos (Arnold; Quevinet, 2008). Para

6
cumprir o direito internacional humanitário, por sua vez, temos órgãos de
controle como, por exemplo, a Comissão Internacional de Inquérito Humanitário
ou os próprios Estados. Além disso, há o Tribunal Penal Internacional (TPI), que
tem como objetivo punir, entre outras coisas, os indivíduos que cometem crimes
de guerra.
Por último, no que diz respeito às regras e normas, possuímos uma série
de resoluções emitidas pela ONU sobre direitos humanos e direito humanitário.
A mais importante delas que devemos saber é a Resolução n. 23, que trata dos
direitos humanos em situações de conflito armado, adotada em Teerã (Irã), em
1968. O Comitê Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho
também adotaram regras sobre direitos humanos, como a Resolução n. 14 sobre
a tortura (1977) e a Resolução II sobre desaparecimentos forçados (1981).

3.2 Divergências

Embora se complementem, verificamos divergências entre eles,


sobretudo no processo de aplicação. Os direitos humanos nos permitem garantir
ao indivíduo a possibilidade de se desenvolver plenamente como cidadão, ou
seja, podemos entendê-los como um direito que promove o ser humano. Por
outro lado, o direito humanitário é um direito de exceção, pois permite ao ser
humano proteger-se contra violações ou ameaças derivadas de conflito (CICV,
1992). Logo, busca preservar a pessoa ao invés de proporcionar melhores
condições de vida.
Também devemos levar em conta que durante a evolução de ambos não
houve maior conexão entre eles (Kolb; Porreto; Vite, 2005). A Declaração
Universal dos Direitos Humanos, de 1948, não considerou os direitos humanos
em situações de conflito; as convenções de Genebra, por sua vez, não tratavam
dos direitos humanos. Outro aspecto que os diferencia está nos órgãos que os
promovem. Os direitos humanos recebem apoio principalmente da ONU e de
organizações regionais. O direito humanitário é promovido, sobretudo, pelo
CICV. Porém, é inconcebível pensá-los separadamente, já que há esforços
voltados para maximizar a proteção do ser humano a partir do direito
humanitário, como a atuação da ONU em territórios sob ocupação israelense
(Gasteyger, 2014).

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3.3 Instrumentos jurídicos

Existem numerosos instrumentos jurídicos relacionados com os direitos


humanos aplicáveis à assistência humanitária que foram desenvolvidos ao longo
dos anos e que devemos saber. Primeiramente, podemos citar a Carta da ONU
de 1945. Ela constitui um marco de ação e cooperação entre os Estados para a
solução dos diversos problemas da sociedade internacional, inclusive
humanitários. Mas, as relações entre os Estados devem basear-se no respeito a
dois princípios do direito internacional: soberania do Estado e não intervenção
nos assuntos internos de outro país. Logo, a assistência humanitária requer a
autorização do Estado para o qual será encaminhada. Todavia, ela pode ser
empregada a partir de duas ocasiões excepcionais: o capítulo VII determina que
o Conselho de Segurança pode autorizar certos Estados a agir contra outro
Estado que tenha ameaçado ou violado a paz e a segurança internacionais.
Como podemos ver, a ONU pressupõe equilíbrio entre dois princípios
jurídicos: soberania do Estado e obrigação dos Estados e da comunidade
internacional de respeitar e proteger direitos humanos. Entretanto, no após a
Guerra Fria, sabemos que esse dilema foi alterado em parte, com o
enfraquecimento do primeiro em favor do segundo. Tal situação resultou em
intervenções humanitárias de caráter coercitivo e na reformulação e a
materialização do conjunto de direitos e obrigações que envolvem os atores da
assistência (Dyukova, 2019). Especificamente, os seguintes direitos e
obrigações se destacam:

1. O direito à assistência humanitária, que possibilita que às organizações


humanitárias o direito de ajudar as vítimas de conflitos armados.
2. O direito à assistência humanitária, segundo o qual as vítimas têm o
direito de pedir e receber ajuda e proteção para atender às suas
necessidades.
3. O dever de assistência humanitária decorre de diversas disposições da
ONU e do direito internacional humanitário.
4. O direito de acesso às vítimas, ou o direito das agências de entrar e atuar
nos países atingidos, para que possam realizar uma avaliação
independente das necessidades e distribuir as ajudas equitativamente.

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5. O dever dos Estados de não rejeitar arbitrariamente a assistência
humanitária, que em situações de paz decorre de sua obrigação de
garantir a satisfação dos direitos humanos (Dyukova, 2019).

Além desses direitos e obrigações gerais, outros instrumentos jurídicos


também poderiam ser invocados como suporte à assistência humanitária, dentre
os quais: direito humano à alimentação; Convenção sobre os Direitos da
Criança; Convenção de Genebra sobre o Estatuto dos Refugiados e seu
subsequente Protocolo de 1967; Convenção sobre a Segurança das Nações
Unidas e Pessoal Associado; Convenção sobre a Eliminação de Todas as
Formas de Discriminação contra a Mulher; e Declaração da Conferência Mundial
de Direitos Humanos.

TEMA 4 – PRINCÍPIOS DO DIREITO HUMANITÁRIO

Desde a sua origem, pudemos ver que as ações de assistência


humanitária estão assentadas em um conjunto de valores éticos. Essa ênfase foi
e é um dos elementos distintivos do humanitarismo e tem se refletido na maioria
dos seus documentos. A Cruz Vermelha adotou seus princípios somente em
1965, quando houve situações em que seu trabalho foi criticado. Por exemplo,
durante a Segunda Guerra Mundial, alguns de seus integrantes visitaram
campos de extermínio nazistas e não denunciaram o que viram por causa de
uma concepção estrita de neutralidade que dificilmente seria sustentado hoje
(Palmieri, 2019). Isso levou à reformulação dos princípios como conhecemos
hoje.
Os princípios humanitários do CICV são: humanidade, imparcialidade,
neutralidade, independência, universalidade, caráter voluntário e unidade.
Alguns são específicos da Cruz Vermelha, sobretudo os dois últimos, mas os
demais se tornaram parte do humanitarismo. Logo, estão incluídos nos estatutos
e no Código de Conduta sobre Ajuda em Desastres da Cruz Vermelha e ONGs;
na Carta Humanitária do Projeto Esfera. Os quatro princípios (humanidade,
neutralidade, imparcialidade e independência) são a base de todas as ações de
assistência, seja em desastres, emergências ou outras situações. A ONU
reconheceu esses quatro princípios em várias ocasiões. Aprovou os três
primeiros princípios pela Resolução n. 46/182 e o quarto pela Resolução n°
58/114. A seguir, veremos o que significa cada um desses princípios.

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4.1 Humanidade

Podemos entender o princípio da humanidade como o impulso que surge


a fim de aliviar e prevenir o sofrimento humano onde quer que ocorra e garantir o
respeito e proteção de qualquer ser humano, mantendo as condições básicas de
bem-estar, da saúde, do respeito, independentemente de suas características e
preferências, em qualquer situação. Esse princípio pode ser considerado o pilar
central do direito humanitário (Gueldich, 2019).

4.2 Neutralidade

Consiste na abstenção de qualquer ato que, em um conflito, possa ser


interpretado como tomar partido a favor de uma das partes em detrimento das
outras, evitando polêmicas políticas, raciais, religiosas ou ideológicas.

4.3 Imparcialidade

Prestação de ajuda, deixando de lado qualquer discriminação de raça,


sexo, etnia ou ideologia das vítimas, tendo como único critério que a ajuda seja
proporcional às suas necessidades e à gravidade da sua situação.

4.4 Independência

Ação das organizações humanitárias, independentemente das restrições


políticas ou outras, tanto em seus países de origem como nos quais operam.

4.5 Universalidade

Critério pelo qual todas as vítimas merecem ser ajudadas pelo fato de
fazerem parte da humanidade, independentemente de suas condições.

4.6 Desafios

Como vimos, os princípios humanitários são essenciais para o


desempenho do processo de assistência. Mas, a emergência e diversidade de
agências e ONGs, muitas das quais com pouca experiência no tema, tem
provocado interpretações dúbias acerca dos princípios. Isso impõe restrições
importantes aos princípios acima. Por exemplo, quando o conflito de Darfur

10
(Sudão) ocorreu em 2003, muitas organizações desafiaram a neutralidade e
defenderam a proteção da dignidade humana, tarefa de responsabilidade do
governo sudanês (Prunier, 2005). Como as questões de segurança atrapalharam
a assistência, algumas agências defenderam o fortalecimento das missões de
paz da União Africana e da ONU (Totten; Markusen, 2007).

TEMA 5 – DIREITO HUMANITÁRIO E DIREITO DE DESASTRES

Como pudemos ver até agora, o direito internacional humanitário e o


direito de desastres estão intrinsecamente relacionados, pois além de terem raiz
humanitária comum, o primeiro contém uma série de princípios e regras que se
aplicam às necessidades de indivíduos e grupos afetados por desastres
(Aronsson-Storrier; Costa, 2017), como o fornecimento de alimentos e insumos
médicos; serviços médico-hospitalares; e manutenção da saúde e da higiene
pessoal. Esses exemplos nos mostram como o direito humanitário pode ser
usado como referência em caso de desastres. Mas, a sua aplicação requer a
adaptação deles a eventos desastrosos, cuja natureza é diferente dos conflitos.

5.1 Recomendações

Ao longo do tempo, diversas recomendações foram elaboradas. A


principal delas que devemos saber é o Princípio da Responsabilidade de
Proteger. Seu objetivo é obrigar os países a proteger os direitos das pessoas
afetadas quando alguns deles não podem ou não querem garantir a assistência.
Embora vise resolver a ameaça de conflito ou genocídio, ele foi proposto
inicialmente depois da ocorrência do Tufão Nagis, em Mianmar, em 2008,
quando o comitê militar local negou acesso à assistência internacional (Boutry;
Ferrari, 2018).

5.2 Dispositivos legais

Ao longo dos anos foram criados dispositivos específicos aos desastres.


Internacionalmente, a Liga das Nações produziu uma Convenção estabelecendo
a International Relief Union em 1927. A convenção visava, de acordo com seu
preâmbulo, prestar ajuda mútua em desastres, encorajar a assistência
internacional por uma coordenação dos recursos, e promover o progresso do

11
direito internacional no campo (Fidler, 2005). Entretanto, ela teve impacto
limitado e seu trabalho terminou com o início da Segunda Guerra Mundial.
Posteriormente, devemos saber que o processo de assistência
humanitária em casos de desastres encontra-se assentada nas seguintes
resoluções da Assembleia Geral da ONU: 43/131, de 1988; 45/100, de 1990; e
46/182, de 1991. Todas elas se baseiam no pressuposto de que os países
devem responder com rapidez e eficácia às necessidades das vítimas, pois a
sua ausência corresponde uma ameaça à vida e uma violação da dignidade
humana (Assembleia Geral, 1988). Além delas, outros instrumentos podem ser
invocados: Convenção sobre Ajuda Alimentar (1999); Convenção de Tampere –
disponibilização de recursos de telecomunicações para a mitigação e alívio de
desastre (1998); Convenção e Protocolos de Kyoto que enfatizam as estratégias
de redução de desastres (1997); Marco de Ação de Hyogo 2005-2015; Marco de
Ação de Sendai 2015-2030.
Não podemos esquecer também da Lei Internacional de Resposta a
Desastres. Ela foi criada com o objetivo de agrupar todas as regras existentes
em uma categoria e esclarecer vários atores, incluindo, o papel do estado nessa
resposta (Breau; Samuel, 2016). Entretanto, de um ponto de vista operacional e
prático, o Comitê Permanente Interinstitucional (IASC, em inglês), da ONU,
aprovou as Diretrizes para Direitos Humanos e Operações de Desastres, em
2006. Em 2008, foi aprovado o Manual de Campo para Proteção de Desastres.
As diretrizes apontam que as situações que afetam os direitos humanos das
pessoas durante desastres resultam de políticas e planejamento inadequados,
preparação insuficiente ou negligência (Carmalt; Dale, 2012).
Além disso, a Comissão sobre a Proteção de Pessoas em Eventos de
Desastres, da Comissão de Direito Internacional da ONU, propôs dois artigos
sobre a questão humanitária em situações de desastres. O artigo n. 4 limita o
escopo de aplicação do direito de desastres às situações as quais o direito
humanitário não é aplicável; e o artigo n. 6 ressalta que a resposta a desastres
deve ocorrer segundo os princípios humanitários, como veremos no último bloco.
Outra dimensão é o papel desempenhado pela legislação nacional. A lista
de verificação sobre leis e redução de risco de desastres, desenvolvida em
conjunto pela Federação Internacional da Cruz Vermelha (IFRC) e o Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), é um exemplo-chave. Ela
visa contribuir para a redução dos riscos por meio do apoio aos governos

12
nacionais na melhoria das leis e regulamentos, junto com o fortalecimento de
sua implementação, de modo a garantir que apoiem efetivamente a RRD (IFRC
e PNUD, 2015). Além delas, há acordos regionais e bilaterais que regulam vários
aspectos da resposta a desastres, como o Acordo da Associação das Nações do
Sudeste Asiático sobre Gestão de Desastres e Resposta a Emergências (2005).

5.3 Considerações sobre direitos humanos e desastres

• Pessoas afetadas por desastres devem gozar dos mesmos direitos e


liberdades que as demais pessoas e não devem ser discriminadas.
• Estados têm o dever e a responsabilidade de prestar assistência às
pessoas afetadas por desastres e proteger seus direitos humanos.
• Organizações humanitárias aceitam que os direitos humanos sustentam
toda ação a qualquer instante e defendem sua proteção.
• Organizações humanitárias não devem promover, participar, contribuir ou
aprovar políticas ou atividades que levem à violação dos direitos humanos
pelos Estados. Eles devem lutar para que as pessoas exerçam seus
próprios direitos (da Costa; Pospieszna, 2015).

13
REFERÊNCIAS

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14
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15
AULA 3

ASSISTÊNCIA HUMANITÁRIA
EM DESASTRES

Prof. Murilo Noli da Fonseca


TEMA 1 – ATORES HUMANITÁRIOS

Quem são os atores envolvidos no processo de assistência humanitária e


como eles se relacionam? Quais são as regras que regem seu funcionamento?
Quais são os recursos de que dispõem e como os utilizam? Essas são algumas
questões que devemos levantar ao analisar o sistema humanitário internacional,
formado por uma rede de organizações, normas e mecanismos de coordenação.
De imediato, vemos que os principais atores envolvidos são: governos, agências
da Organização das Nações Unidas (ONU), organizações intergovernamentais e
não governamentais (ONGs), países receptores e a população afetada.
Esse arranjo institucional tem aumentado em complexidade e fragmentação
recentemente, com surgimento de cenários e multiplicidade de atores com diferentes
características e prioridades. Do ponto de vista funcional, é difícil falar de um sistema
humanitário propriamente dito, já que se compõe de uma série de organizações de
naturezas jurídica distintas e independentes umas das outras.

1.1 Estado

Cada Estado tem a responsabilidade de fornecer proteção e assistência a


população afetada por um desastre e outras emergências que ocorram em seu
território. Portanto, ele deve iniciar, organizar, coordenar e prestar a assistência
humanitária. Quando uma situação de desastre excede a capacidade do Estado
para lidar com ela, ele deve solicitar o apoio da comunidade internacional a fim de
atender às necessidades. Ou seja, os países afetados têm o direito soberano de
coordenar, regular e monitorar a assistência em desastres e o processo de
recuperação prestada por atores que prestam assistência em seu território, de
acordo com o direito internacional humanitário.
Assim como no Brasil, a maioria dos países implementou órgãos de
proteção e defesa civil. Eles cumprem uma ampla gama de tarefas de assistência
e ajuda humanitária. Inclusive, alguns podem ser mandados por seus respectivos
estados para prestar assistência a outros países e governos estaduais que se
encontram em um contexto de emergência. Por exemplo, podemos citar alguns
exemplos marcantes que você deve lembrar: a presença do Exército Brasileiro na
Missão das Nações Unidas para a estabilização no Haiti, a participação de órgãos
de proteção e defesa civil após a ocorrência do desastre de Brumadinho (2019) e
do Corpo de Bombeiros nas queimadas ocorridas no Pantanal (2020). No entanto,

2
a maioria deles precisa de autorização do seu governo para se desdobrar e,
assim, não cumpre inteiramente os princípios humanitários estudados antes.

1.2 População e organizações locais

Em diversos desastres, você já deve ter percebido ou presenciado a


atuação ativa da população, inclusive aquela afetada, na minimização dos
impactos decorrentes desses eventos. Ainda que vulneráveis, os indivíduos
normalmente possuem capacidades que permitem enfrentar o evento, as quais
ocorrem por meio de mecanismos de solidariedade e organizações locais, por
exemplo. Na assistência e ajuda humanitária é comum que sejamos chamados
para auxiliar nesse processo, seja pela ação voluntária ou solidária. Nesse caso,
podemos entender que o voluntário é aquele que se empenha em causas sociais
e humanitárias de modo espontâneo, visando à melhoria na qualidade de vida
humana, sem a exigência de qualquer remuneração ou lucro.

1.3 Organizações intergovernamentais

Você possivelmente já deve ter ouvido falar de algumas organizações


intergovernamentais, mas não por esse nome. Elas constituem parte importante
nas relações entre os Estados e os demais atores e surgiram no século XX em
um contexto de busca crescente por um ambiente estável e previsível, sobretudo
após as duas guerras mundiais. Dessa maneira, podemos entendê-las como
“associações voluntárias de Estados estabelecidas por acordos internacionais,
dotadas de órgãos permanentes, próprios e independentes, encarregados de
gestionar interesses coletivos e capazes de expressar vontade juridicamente”
(Velasco, 1997, p. 41). Em outras palavras, são interestatais, voluntaristas,
permanentes, autônomas e cooperativas (Fernandes, 1998).

1.3.1 Exemplos

Agora que temos uma compreensão clara do que se trata uma organização
intergovernamental, vamos entendê-la com base na categorização proposta por
Seitenfus (2005). Primeiramente, de acordo com a natureza de seus propósitos:
políticos (por exemplo, a ONU) ou de cooperação técnica, como a Organização
Mundial da Saúde (OMS), Organização internacional do Trabalho (OIT), Organização
das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) etc.

3
Em segundo lugar, conforme as suas funções, elas podem ser: (a) da
aproximação de posições, como a Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE); (b) da condução à adoção de normas
comuns de comportamentos, como a ONU, na área de Direitos Humanos; (c) da
promoção de ações operacionais quando da urgência de soluções de
emergências, como a Organização das Nações Unidas para Alimentação e
Agricultura (FAO); da colaboração em ciência e tecnologia, como a Agência
Internacional de Energia Atômica (AIEA); e (d) da gestão, como o Fundo
Monetário Internacional (FMI) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento
(BID) para o campo monetário e desenvolvimento econômico, respectivamente.
Por fim, podemos classificar essas organizações segundo a composição:
regional (Organização do Tratado do Atlântico Norte – OTAN, Organização dos
Estados Americanos – OEA, União Europeia – UE, Mercado Comum do Sul –
Mercosul etc.) ou universal (ONU e as organizações Especializadas).

1.4 Organizações não governamentais humanitárias

As organizações não governamentais são os atores mais conhecidos no


processo de assistência e ajuda humanitária. Seu surgimento ocorreu na década
de 1950, referindo-se às organizações supranacionais e internacionais, não
constituídas por acordos intergovernamentais (Menescal, 1996). Foram
inspiradas nas formas de cooperação das organizações intergovernamentais,
incorporando o caráter colaborativo e voluntário, mas diferenciando-se por seu
caráter privado, não governamental. Portanto, entendemos as ONGs como entes
privados coletivos, de motivação voluntária e que atuam em caráter cooperativo
em diferentes questões, como os direitos humanos, a proteção ambiental e a
assistência etc., desde uma escala internacional até o local (Montclos, 2015).

1.4.1 Vantagens

Ainda que tenhamos ONGs diversas em termos de características,


tamanho e objetivos, podemos atribuir a elas inúmeras vantagens. Por exemplo,
a capacidade de agir com rapidez e flexibilidade, burocracia reduzida,
independência política, relações com comunidades locais, e a capacidade de
alcançar os mais vulneráveis e lugares onde o governo não poderia atingir
(Montclos, 2015). Não podemos nos esquecer do uso de ONGs como canais de

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fundos pelos governos que fazem doações. O objetivo é melhorar a eficiência e
diminuir a cooperação governo a governo, a fim de evitar desvios de recursos ou
má gerência do dinheiro em determinados países. Entretanto, sabemos que em
Moçambique, durante a década de 1980, isso motivou a criação de sistemas de
ajuda e de serviços paralelos aos sistemas estatais (Mckay, 2012).

1.4.2 Críticas

Como pudemos ver anteriormente com base em um caso, a forma com que
as atividades das ONGs são realizadas pode desencadear várias críticas. Aqui,
iremos destacar apenas três, segundo Montclos (2015). A primeira que devemos
saber é que algumas das ONGs tornaram-se instrumento de privatização dos
serviços básicos em países pobres, cujos governos não conseguem prestá-los.
Segunda, elas podem ter mais recursos do que o governo local, o que lhes confere
influência política. Terceira, são passíveis de se tornarem executoras das políticas
das agências governamentais, que lhes fornecem a maior parte de seus recursos,
mas também delimitam áreas prioritárias, objetivos e critérios. Ou seja, as ONGs
podem perder parte de sua independência e capacidade crítica, como vimos
anteriormente ao falarmos sobre o caso de Biafra (Nigéria), razão pela qual alguns
os chamam de Quangos (organizações quase não governamentais). Esse
mecanismo de terceirização pode aumentar a competição entre as ONGs por
fundos públicos.

1.4.3 Exemplos

Dentre as organizações internacionais voltadas a ações humanitárias,


podemos destacar a Cruz Vermelha, que tem atuação universal socorrendo
feridos, prestando assistência humanitária, médica e social, organizando campos
de refugiados, distribuindo alimentos, medicamentos, água, buscando
desaparecidos e restabelecendo contatos com familiares. Além dela, ressaltamos
a Voice (Organizações Voluntárias para a Cooperação e o Desenvolvimento), que
coordena organizações ativas na ajuda de emergência sediadas na União
Europeia ou que tenham assinado o Acordo-Quadro de Parceria com o Echo.
Criada em 1992, suas atividades se concentram em ajuda humanitária e de
emergência, reabilitação, preparação e prevenção de desastres.

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Além delas, temos a Save the Children. Fundada em 1919, ela defende os
direitos da criança de sobreviver, ser protegida e se desenvolver. Sua missão é
promover a forma como as crianças são tratadas e provocar mudanças imediatas
e duradouras em suas vidas. As principais áreas de trabalho da organização são:
saúde e nutrição (campanhas de vacinação e outras tarefas); educação
(promoção da aprendizagem); proteção à criança (proteção contra abuso sexual,
etc.); administração dos direitos da criança (sistemas de direitos da criança, etc.);
defesa e promoção (influenciar políticas públicas e medidas governamentais); e
pobreza infantil (tirar famílias da pobreza) (Save the Children, 2021).
Por último, temos o Médicos sem Fronteiras (MSF). Trata-se de um
movimento global composto por 24 associações independentes agrupadas em
âmbito nacional e regional. Ele oferece assistência médica humanitária a vítimas
de conflitos, desastres, epidemias e pessoas excluídas de todos os cuidados de
saúde. Seus serviços estão relacionados ao sistema de saúde e incluem a
prestação de cuidados, realização de cirurgias, combate a epidemias, restauração
e gestão de hospitais, desenvolvimento de campanhas de vacinação, gestão de
centros nutricionais, cuidados de saúde mental, ajuda humanitária,
estabelecimento de sistemas de saúde e fornecimento de água potável e ajuda
àqueles que precisam dela (MSF, 2021).

TEMA 2 – POLÍTICAS E ANTECEDENTES HISTÓRICOS DAS ONGS

Agora que temos compreensão clara de quais são os principais atores


envolvidos na assistência humanitária, com destaque para as ONGs, iremos
apresentar uma breve evolução dessas organizações humanitária. Dessa
maneira, podemos analisá-las a partir de três vertentes históricas: religioso ou
confessional, dunantista e wilsoniana (Stoddard, 2003). A religiosa é a linha mais
antiga e está ligada ao trabalho missionário. As ações podem congregar metas
sociais e religiosas. Organizações como a Catholic Relief Services e a World
Vision e a Islamic Relief USA são exemplos no âmbito internacional. As
organizações dunantistas seguem a abordagem de Henri Dunant, que ajudou a
codificar os principais princípios humanitários, como vimos nas aulas anteriores,
tendo como maiores exemplos o Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do
Crescente Vermelho, o Médicos Sem Fronteiras e a Save the Children UK.
Sabemos que a maioria das ONGs alinhadas à perspectiva wilsoniana são
estadunidenses e admitem a compatibilização entre os objetivos humanitários e a

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política externa estatal, no caso, a dos Estados Unidos. Elas geralmente mantêm
laços com o governo de seu país e seus funcionários costumam se deslocar entre
as instituições do Estado e a ONG. A Care é o maior exemplo dessa corrente e
surgiu após a Segunda Guerra, no contexto do Plano Marshal.

2.1 Divergências

Embora as organizações pertençam a uma dessas vertentes, encontramos


várias divergências entre elas a respeito de certos assuntos, ainda que façam
parte da mesma categoria (Stoddard, 2003). Elas podem entender princípios de
maneiras díspares, sobretudo no decorrer de um conflito. Por exemplo, vemos
que a abordagem da Cruz Vermelha (classicista) é diferente da posição dos
Médicos sem Fronteiras (solidarista) em relação ao valor das campanhas e da
ação política, embora pertençam à corrente dunantista. Os classicistas acreditam
que a assistência deve ser isolada da política, enquanto os solidaristas acreditam
no uso da assistência como parte de uma estratégia global, tentando transformar
o conflito a partir da discussão política e tomando partido com suas vítimas.
Stoddard (2003) nos mostra que há outras diferenças. Uma delas é a
lacuna entre a perspectiva wilsoniana de humanitarismo desobediente e o
humanitarismo estatal da maioria das ONGs estadunidenses. Outra distinção que
verificamos está nas questões de captação de recursos e na relação com os
governos. Muitas das ONGs dos Estados Unidos dependem do apoio do governo
para uma porcentagem significativa de sua arrecadação de fundos total. Por sua
vez, a maioria das ONGs dunantistas tem uma política clara a esse respeito e só
aceita uma porcentagem limitada de financiamento público, rejeitando fundos de
governos envolvidos em conflitos que possam comprometer sua neutralidade.
As técnicas de financiamento também diferem entre os Médicos Sem
Fronteiras e as ONGs americanas. O primeiro possui sistema de financiamento
privado com arrecadação direta e doações por meio de cartões de crédito como
fonte de captação de recursos independente cada vez que a solicitação é feita.
Isso é menos evidente no caso da população estadunidense, onde as doações de
caridade tendem a se concentrar em assuntos internos.

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TEMA 3 – CRUZ VERMELHA

O Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) é uma organização


humanitária sui generis porque é privada, de natureza não governamental, com
vínculo estreito com a Suíça (Borges, 2006), que a reconhece como um sujeito de
direito internacional. Ele goza de privilégios e imunidades comparáveis as da
ONU, suas agências e outras organizações intergovernamentais. Exemplos disso
são a isenção do pagamento de impostos e taxas alfandegárias e a inviolabilidade
de suas instalações e documentos. É importante enfatizar a base legal para
qualquer ação realizada pelo CICV:

• Quatro Convenções de Genebra e o Protocolo Adicional I: permitem o CICV


agir em conflitos armados e visitar prisioneiros de guerra e civis.
• Em conflitos armados não internacionais, o CICV goza do direito de
iniciativa humanitária, consagrado no Artigo n. 3, que é comum às
Convenções de Genebra. Assim, onde o Direito Humanitário não se aplica,
o CICV pode oferecer seus serviços aos respectivos governos sem que a
oferta constitua interferência nos assuntos internos.

Além do CICV, que é uma parte independente do Movimento Internacional


da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, temos a Federação Internacional
das Sociedades da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho (IFRC) e as
Sociedades Nacionais. Ao todo, o CICV tem mais de 12 mil colaboradores em
80 países e é financiada principalmente por doações dos governos e das
Sociedades Nacionais, além de organizações supranacionais e doadores privados
(CICV, 2021). No Brasil, a organização possui mais de 50 filiais em 17 estados e
33 cidades. Suas atribuições variam de acordo com a região em que estão
localizadas, mas a atuação é a mesma para todas.

3.1 IFRC

Afinal, quais são as os objetivos da IFRC em um contexto de desastre e


outras emergências? Ela tem como objetivo principal apoiar e desenvolver as
capacidades locais, comunitárias e nacionais das respectivas sociedades: (a)
fortalecimento da capacidade de resiliência nos níveis familiar, comunitário e
nacional e redução do risco de desastres; (b) garantir prontidão e resposta a
desastres eficazes e eficientes; e (c) facilitar uma recuperação duradoura e

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sustentável que anda de mãos dadas com o desenvolvimento (CICV, 2021). Além
disso, é responsável pelo emprego de Unidades de Resposta de Emergência, que
são equipes treinadas para fornecer apoio às Sociedades Nacionais em situações
de desastres, sobretudo na logística, comunicação, água e saneamento, saúde,
campos de socorro e de base (CICV, 2021).
Nesse momento, você pode estar se perguntando qual é a diferença entre
a IFRC e o CICV. Logo, o que diferencia ambas é a esfera em que operam. O
CICV atua em situações de conflito, enquanto a IFRC quando ocorrem desastres.

3.2 Sociedades Nacionais

Assim como a IFRC, as Sociedades Nacionais são atores-chave no


tratamento de desastres. Cada uma delas é composta por voluntários (muitos
deles baseados na comunidade) e funcionários que fornecem ampla variedade de
serviços. Elas apoiam as autoridades em seus respectivos países como
assistentes humanitários independentes do respectivo governo (CICV, 2021). A
rede de Sociedades Nacionais, seu conhecimento do local e sua experiência e
acesso direto às comunidades em questão permitem-lhes reagir rapidamente em
tempos de crise. Podemos ver também que buscam garantir que os programas
de cuidado, prevenção e preparação sejam implementados diariamente. Essa
presença local e abordagem baseada na comunidade dão à Cruz Vermelha uma
grande vantagem em situações de conflito e desastre.

TEMA 4 – ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS

A Organização das Nações Unidas (ONU) é o principal organismo de


cooperação multilateral do mundo. Podemos ver que muitas de suas agências
estão envolvidas na assistência humanitária, seja por meio de seus programas ou
do direcionamento de fundos para ONGs. Em razão de seu status universal, a
ONU tem a responsabilidade de tentar responder a todos os desastres. A
organização assumiu liderança internacional na abordagem de muitos dos
problemas relacionados à assistência humanitária, como a segurança alimentar,
refugiados, saúde, vulnerabilidade das crianças, prevenção e resolução de
conflitos etc. Além disso, organizou uma infinidade de conferências internacionais,
fomentou acordos e metas para o futuro e criou agências, organizações e
programas especializados.

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Dessa maneira, vemos que a contribuição da ONU no campo da
assistência humanitária é inegável. Por exemplo, ela foi a arquiteta da codificação
dos direitos humanos e do estabelecimento de mecanismos para sua proteção.
Além do mais, desde o início da década de 1990, verificamos operações de paz,
em contextos de conflito ou pós-conflito, com uma componente militar e civil, como
no caso do Haiti, onde houve a participação do Exército brasileiro, como vimos na
antes, acompanhadas por programas de reconstrução pós-guerra. Porém, a
contribuição mais importante são as funções de coordenação humanitária que
exerce. Em particular, vale destacar as agências da ONU envolvidas no processo
de assistência humanitária. Vamos passar brevemente por cada uma delas.
Primeiro, temos o Alto Comissariado das Nações Unidas para os
Refugiados (Acnur). Seu objetivo é proteger os refugiados, apátridas, requerentes
de asilo e as pessoas deslocadas internamente. O Acnur organiza assistência aos
refugiados, incluindo saúde, nutrição, saneamento, abrigo, meios de subsistência
etc. A agência também é responsável por soluções duradouras, como o
repatriamento voluntário, a integração local e o reassentamento. Segundo, temos
o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), cuja finalidade é de
assegurar os direitos e necessidades das crianças, mas também inclui mulheres
em muitos de seus programas. Os programas do Unicef em emergências focam,
por exemplo, em imunização em massa, saúde infantil, incluindo nutrição, água,
saneamento e promoção da higiene, educação, proteção infantil e saúde materna.
Depois, há o Programa Alimentar Mundial (PAM). Ele visa combater a fome
no mundo e é o principal ator responsável pelo fornecimento de ajuda alimentar
durante crises humanitárias. Além do mais, o PAM nos fornece suporte logístico,
administra o Serviço Aéreo Humanitário das Nações Unidas. Isso permite que a
comunidade humanitária em geral viaje de e para áreas de crise e intervenção.
Além disso, merece atenção o Escritório de Coordenação de Assuntos
Humanitários (OCHA), encarregado de coordenar as agências das ONU e outros
doadores, bem como a preparação dos recursos interinstitucionais consolidados.

4.1 Problemas operacionais

Podemos constatar que a ONU apresenta diversos problemas que


dificultam sua atuação. No campo humanitário, nosso tema de estudo, devemos
citar a sua falta de independência em relação aos principais Estados que o
compõem; sua estrutura complexa e pouco racional, que gera descoordenação e

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sobreposições entre seus organismos; a permanente escassez de recursos
financeiros e, em particular, a necessidade de solicitar fundos para cada crise
humanitária específica; bem como a falta de exército próprio, o que o obriga a
pedir emprestadas tropas de diversos Estados (Macqueen, 2011).
No caso dos problemas econômicos, por exemplo, podemos ver que eles
não estão relacionados apenas com a falta de dinheiro para atender a todas as
necessidades, mas também com a estrutura de financiamento de suas agências
(WEISS, 2009). De fato, podemos ver que as agências da ONU normalmente têm
que se autofinanciar, cada uma negociando com governos doadores para
financiar projetos e programas específicos. Esse é o resultado do sistema de
financiamento implantado na década de 1990, com base em apelos intersetoriais
consolidados, em outras palavras, a partir de solicitações feitas pela ONU aos
doadores em cada crise, para financiar os programas de suas agências com base
na estimativa das necessidades existentes (Weiss, 2009; Macqueen, 2011).
Uma consequência disso é a discrição e a desigualdade da ajuda, em
outras palavras, as Nações Unidas não podem responder às crises com base nas
necessidades existentes, mas sim que a ajuda é maior ou menor em cada caso
de acordo com os interesses dos doadores (Macqueen, 2011). Outra implicação
tem sido a diferença entre o que alguns órgãos receberam em relação a outros
que solicitaram recursos. Além do mais, podemos ver que a dependência de
contribuições para recursos específicos resulta em uma alta imprevisibilidade dos
fundos disponíveis a cada ano, tornando a programação, o orçamento e a
implementação significativamente mais difíceis dos projetos (Weiss, 2009).

TEMA 5 – PROJETO ESFERA

Como pudemos ver, há uma vasta gama de organizações não


governamentais e outras que atuam em questões humanitárias as quais possuem
seus próprios códigos de conduta, muitas vezes não compatíveis dentro da
mesma corrente. No entanto, na década de 1990, isso levou uma variedade de
organizações a lançar o chamado Projeto Esfera, em 1997, cuja primeira fase
terminou em 1998 com a publicação da Carta Humanitária de Padrões Mínimos
para Resposta Humanitária em Desastres (Manual, 2011). O projeto possibilitou
chegar a acordo sobre uma série de padrões mínimos universais nas áreas mais
importantes da ajuda humanitária, para que sua qualidade e responsabilidade

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sejam melhoradas. Como resultado, foram publicadas a Carta Humanitária e os
Padrões Mínimos para Resposta Humanitária a Desastres.
A filosofia do Projeto Esfera é baseada em duas crenças fundamentais:
primeiro, as pessoas afetadas por desastres ou conflitos devem ter direito à vida
com dignidade e, portanto, direito à assistência; segundo, todas as medidas
possíveis devem ser tomadas para aliviar o sofrimento humano decorrente de um
desastre ou conflito (Manual, 2011). Com o objetivo de apoiar essas duas crenças,
o Projeto Esfera estabelece uma série de padrões mínimos que definem
assistência humanitária de qualidade, entendendo que isso iria melhorar a
resposta, coordenação e trabalho em benefício do alvo populações.

5.1 Carta Humanitária

Agora que sabemos como ocorreu o contexto e o desenvolvimento do


Projeto Esfera, a partir desse momento veremos em detalhes a Carta Humanitária.
Trata-se de um documento que reconhece e reafirma o direito à assistência
humanitária e à proteção das pessoas afetadas por desastres e conflitos armados,
além da consequente obrigação dos Estados ou partes em conflito de prestar
assistência ou permitir que outros possam fornecer. Por isso, ela é baseada em
tratados sobre Direitos Humanos e no Direito Internacional Humanitário.
A Carta Humanitária enfatiza três princípios: (1) direito a uma vida digna,
que implica respeitar o direito à vida, bem como não obstruir a prestação de ajuda
aos afetados; (2) a distinção entre combatentes e não combatentes, já que o
Direito Humanitário garante o direito à proteção; (3) o princípio da não repulsão
ou não retorno dos refugiados ao seu país, se a sua vida ou liberdade estiverem
em perigo por razões de raça, religião, ideologia etc. (Manual, 2011).

5.1.1 Padrões mínimos de resposta humanitária

Por meio da Carta Humanitária, vemos um conjunto de padrões mínimos,


de natureza qualitativa, em setores que salvam vidas. Os padrões mínimos de
resposta humanitária consistem em objetivos universais, especificados com
indicadores quantitativos e qualitativos, que estabelecem os níveis mínimos de
assistência que devem ser prestados e que os afetados têm o direito de esperar
em cada um dos cinco campos de assistência: abastecimento de água e
saneamento, nutrição, ajuda alimentar, abrigo e planejamento de locais e serviços

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de saúde. Por exemplo, a ajuda alimentar às pessoas sem outros meios de acesso
deve ser planejada tendo como referência o fornecimento de 2.100 kcal por
pessoa por dia (Manual, 2011). Isso evita que diversas organizações usem
critérios diferentes quanto ao valor a fornecer, como acontecia anteriormente.
Contudo, isso não significa que devemos cumprir todos os padrões e
indicadores, o que irá depender do contexto e da viabilidade. Por exemplo, se
houver dificuldades de acessar a população afetada, falta de cooperação das
autoridades, atingi-los se torna uma tarefa difícil de cumprir (Manual, 2011). Em
determinadas ocasiões, a necessidade pode estar relacionada mais ao
fornecimento de instalações básicas para a população afetada do que atingir os
padrões para apenas uma parcela (Manual, 2011). No entanto, ressaltamos que
o essencial é a adesão aos padrões para as populações afetadas por desastres.

5.2 Contribuições

Podemos identificar inúmeras contribuições do Projeto Esfera. A primeira


delas está relacionada com a validade dos princípios humanitários e dos direitos
contidos em diversos instrumentos jurídicos. Além disso, o Projeto criou um
quadro operacional que pode facilitar o planejamento e gestão da ajuda
humanitária, melhorando a sua eficácia e facilitando a coordenação entre os
diferentes atores. Há também a inclusão de listas de verificação de avaliação de
necessidades no final de cada padrão. Em razão das informações que contém,
permite que identifiquemos lacunas no processo de assistência e, assim, superá-
las. As organizações humanitárias que se inscrevem no projeto comprometem-se
a aplicar os padrões de forma sistemática, o que, por sua vez, implica o
compromisso de aumentar o nível de profissionalização, educação e treinamento.

13
REFERÊNCIAS

BORGES, L. E. O Direito Internacional Humanitário: a proteção do indivíduo


em tempo de guerra. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.

CRUZ VERMELHA. Comitê Internacional da Cruz Vermelha. 2021. Disponível em:


<http://www.cruzvermelha.org.br/pb/movimento-internacional/comite-internacional-da-
cruz-vermelha>. Acesso em: 29 jun. 2021.

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Europa à Europa do mundo. Itajaí: Univali, 1998.

MACQUEEN, N. Humanitarian Intervention and the United Nations. Edinburgh:


University Press, 2011. 256 p.

MANUAL ESFERA. Carta Humanitária y normas mínimas para la respuesta


humanitária. 2011. Disponível em <http://www.sphereproject.org> Acesso em: 29 jun. 2021.

MCKAY, R. Afterlives: Humanitarian Histories and Critical Subjects in


Mozambique. Cultural Anthropology, v. 27, n. 2, p. 286-309, 2012.

MÉDICOS SEM FRONTEIRAS. O que fazemos. 2021. Disponível em:


<https://www.msf.org.br/o-que-fazemos> Acesso em: 29 jun. 2021.

MENESCAL, A. K. História e gênese das organizações não governamentais. In:


GONÇALVES, H.S. (org.). Organizações não governamentais: solução ou
problema? São Paulo: Estação Liberdade, 1996. p. 21-38.

MONTCLOS, M. A. P. Pour un développement «humanitaire»? Les ONG à


l’épreuve de la critique. IRD Editions: Marseille, 2015.

SAVE THE CHILDREN. Emergency response. 2021. Disponível em:


<https://www.savethechildren.org/us/what-we-do/emergency-response/historical-
emergencies> Acesso em: 29 jun. 2021.

SEITENFUS, R. Manual das Organizações Internacionais. 4. ed. Porto Alegre:


Livraria do Advogado, 2005.

STODDARD, A. Humanitarian NGOs: Challenges and Trends. In: MACRAE, J.,


HARMER, A. (org.) Humanitarian Action and the ‘Global War on Terror’: a
Review of Trends and Issues. London: HGP Report 14, 2003.

VELASCO, M. D. Las organizaciones internacionales. Madrid: Tecnos, 1997.

14
WEISS, T. G. Whats Wrong with the United Nations and How to Fix It. 2. ed.
Polity Press: 2012. 292 p.

15
AULA 4

ASSISTÊNCIA HUMANITÁRIA
EM DESASTRES

Prof. Murilo Noli da Fonseca


TEMA 1 – SITUAÇÃO DE EMERGÊNCIA E ESTADO DE CALAMIDADE
PÚBLICA

Quando ocorre um desastre em determinado território, a administração


pública local deve formular medidas de primeira resposta, especialmente para
atender às pessoas afetadas e reduzir o impacto resultante, de modo a evitar
perdas.
No entanto, se a cidade afetada não tiver os recursos necessários, ela
pode primeiro buscar o apoio do governo estadual por meio de uma Situação de
Emergência (SE). Se isso não bastar, o município também pode declarar o
Estado de Calamidade Pública (ECP) e, portanto, solicitar o apoio do governo
federal para a tomada de medidas de resposta, conforme demonstrado nos
tópicos a seguir.

1.1 Conceituação

Para que possamos compreender claramente quando os governos


estadual e federal fornecem assistência a cidades atingidas por desastre e as
ferramentas usadas para esse processo, primeiro precisamos entender o
significado de Situação de Emergência (SE) e Estado de Calamidade Pública
(ECP).
Em ambos os casos, o processo de declaração deve seguir os padrões
estabelecidos na Instrução Normativa n. 36, de 4 de dezembro de 2020. De
acordo com esse documento, a Situação de Emergência consiste em uma
“situação anormal, provocada por desastres, causando danos e prejuízos que
impliquem o comprometimento parcial da capacidade de resposta do poder
púbico do ente federativo atingido” (Brasil, 2020). Já o Estado de Calamidade
Pública corresponde a uma “situação anormal, provocada por desastre,
causando danos e prejuízos que impliquem o comprometimento substancial da
capacidade de resposta do poder público do ente federativo atingido” (Brasil,
2020).

1.2 Critérios para caracterização de SE ou ECP

A decretação de SE ou ECP por um ente federado somente ocorrerá


quando um ambiente jurídico especial precisar ser estabelecido para o

2
desenvolvimento de ações de resposta e de recuperação em áreas atingidas por
desastres. Porém, nem todos os eventos adversos e desastres irão exigir
declaração de ambas as situações. Por esse motivo, a Lei n. 12.608/2012
(Brasil, 2012) estabeleceu as competências de cada ente federado nesse
processo, ou seja, eles não poderão declarar situação de anormalidade
conforme critérios próprios. Além disso, detalhou os critérios necessários para a
declaração de SE e ECP com base na classificação de intensidade do desastre:
nível 1 – pequena intensidade; nível 2 – média intensidade; e nível 3 – grande
intensidade (Brasil, 2020).
Os desastres de nível 1 são eventos que geram danos humanos leves
que possibilitam o restabelecimento das condições normais por meio da
utilização de recursos locais ou mesmo da complementação de recursos do
governo estadual ou federal. Os de nível 2 provocam danos e prejuízos maiores
que o nível anterior, mas ainda são administráveis pela gestão local. O retorno à
normalidade também pode ser feito com o auxílio dos governos estadual e
federal. Por último, os desastres de nível 3 apresentam os maiores danos
humanos e materiais, dos quais pelo menos um gera prejuízo econômico –
público ou privado –, afetando, portanto, a capacidade local de desenvolver
ações de resposta (Brasil, 2020). Nesse caso, o restabelecimento à normalidade
requer necessariamente a mobilização e a ação coordenada dos três entes
federados e, em alguns casos, de ajuda internacional, como vimos
anteriormente.
Dessa maneira, a ocorrência dos dois primeiros níveis possibilita ao ente
federado afetado decretar a Situação de Emergência, enquanto os desastres de
grande intensidade permitem a declaração do Estado de Calamidade Pública.

1.3 Processo de declaração de SE ou ECP

Agora que temos uma compreensão do que significa SE e ECP e dos


critérios para a declaração de ambas as situações, iremos conhecer o processo
que o ente federado deve realizar para declarar essas condições.
Em primeiro lugar, cabe ao chefe do departamento administrativo afetado
pelo desastre (ou seja, o prefeito) declarar a SE ou ECP (Brasil, 2012) por meio
de decreto, cuja validade terá prazo máximo de 180 dias a partir de sua
emissão. Mas isso não significa que os padrões vistos anteriormente foram
atendidos, e esse é um dos problemas mais frequentes (Brasil, 2017). A forma

3
mais adequada de o município ter auxílio do estado é notificar a ocorrência por
meio do preenchimento do Formulário de Informação de Desastre (Fide), da
Declaração Municipal ou Estadual de Atuação Emergencial (DMATE/DEATE), de
relatório fotográfico e de outros documentos necessários à caracterização do
desastre.
Em seguida, o estado deve homologar essas duas situações, desde que
sejam atendidos os critérios estabelecidos no tópico anterior, com base em sua
própria legislação, de modo a conferir os efeitos jurídicos no seu território. A
homologação possui a mesma finalidade de reconhecimento federal, todavia,
restritos ao âmbito do estado. Nesse caso, o coordenador estadual de proteção
e defesa civil deve aprovar a SE e a ECP por meio de visitas técnicas e/ou
elaboração de laudos ou pareceres (Brasil, 2017). Se o reconhecimento federal
for exigido e, consequentemente, uma declaração de ECP, esses documentos
serão anexados ao processo de reconhecimento federal e, em seguida,
enviados à Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil (Sedec). Caso o
desastre afete vários municípios ao mesmo tempo, o estado também pode
declarar SE ou ECP.
De acordo com Pará ([S.d.]), de uma forma geral, a homologação
possibilita:

• a atuação integrada dos órgãos e entidades governamentais;


• atuação em regime especial de trabalho dos órgãos que desenvolvem
serviços de utilidade pública;
• poderes e recursos extraordinários para o socorro, a assistência e a
recuperação;
• reconhecimento de que houve uma situação grave, para que surtam os
efeitos decorrentes dela nas esferas correspondentes;
• envio de assistência e ajuda humanitária pela Coordenadoria Estadual de
Proteção e Defesa Civil.

É importante destacar que a declaração de SE ou ECP só terá validade


nos locais que foram comprovadamente atingidos pelo desastre, e não em todo
o município. Também, o decreto deve ser tipificado com base no evento que
mais gerou danos e prejuízos (Brasil, 2017). Por exemplo, uma chuva forte que
gerou deslizamentos e inundações, em que os deslizamentos geraram óbitos e
destruição de residências. Nesse caso, a decretação será por deslizamento de

4
terra, embora, no bojo do decreto, deva ser mencionada também a ocorrência
dos alagamentos.
Caso a situação extrapole a capacidade do município e do estado, ambos
os governos deverão, dentro de um prazo de dez dias a partir da ocorrência do
desastre, encaminhar uma solicitação de reconhecimento de SE ou ECP para o
Ministério do Desenvolvimento Regional, com a

descrição do tipo de desastre, descrição da área afetada, das causas e


efeitos do desastre, estimativa de danos humanos, materiais e
ambientais, e serviços essenciais prejudicados; declaração das
medidas e ações em curso, capacidade de atuação e recursos
humanos, materiais, institucionais e financeiros empregados para
gestão dos efeitos do desastre e comprovação da necessidade de
auxílio federal complementar (Brasil, 2012).

É importante lembrar que a declaração de ECP do município deve ser


aprovada pelo estado antes de ser reconhecida pela União, a menos que, em
casos graves, o reconhecimento federal isente a aprovação estadual. Em outras
palavras, entende-se que os municípios e estados não tenham capacidade
suficiente para voltar à normalidade. Se a aprovação for geral, outros
documentos devem ser enviados em até 15 dias a partir da data da aprovação
(Brasil, 2017).

TEMA 2 – RECONHECIMENTO FEDERAL

A Lei Federal n. 12.608/2012, que institui a Política Nacional de Proteção


e Defesa Civil, estabelece que o governo federal é responsável, nesse processo,
somente pelo reconhecimento de SE e de ECP, ou seja, a administração federal
corrobora a declaração estadual, distrital ou municipal, e reconhece a situação
de anormalidade, conferindo efeito jurídico no âmbito federal (Brasil, 2021). Além
disso, o processo somente será analisado se a solicitação e a caracterização do
desastre forem enviadas por meio do Sistema Integrado de Informações sobre
Desastres (S2ID). Mas a União poderá dar assistência antes do reconhecimento,
caso o ente afetado solicite e comprove o desastre (Brasil, 2012).
Caso ocorra o indeferimento da solicitação, caberá pedido de
reconsideração, devidamente fundamentado, no prazo de dez dias da decisão.
Da decisão do pedido de reconsideração caberá recurso administrativo ao
Conselho Nacional de Proteção e Defesa Civil (CONPDEC), também no prazo
de dez dias (Brasil, 2012). Em situações que exijam maior celeridade do
processo, devido às dimensões dos impactos decorrentes do desastre e da
5
incapacidade do ente federado em responder, pode-se ter o reconhecimento
sumário da SE ou ECP pela Secretaria de Proteção e Defesa Civil, condicionada
à apresentação, em dez dias, da mesma documentação exigida normalmente
para esse reconhecimento, prescindindo apenas de decreto do prefeito ou do
governador (Brasil, 2012).
Cabe destacar que a partir do momento em que forem constatadas
irregularidades no processo, como a inexistência de SE ou ECP, o governo
federal irá cancelar a transferência obrigatória, ficando o ente beneficiário
obrigado a devolver os valores repassados, devidamente atualizados (Brasil
2017).

2.1 Procedimentos para reconhecimento federal

Para que ocorra o reconhecimento federal de SE ou ECP, o município


deverá submeter no S2ID pelo menos seis documentos (Brasil, 2017), nesta
ordem:

1. Requerimento;
2. Decreto de declaração;
3. Fide;
4. DMATE ou DEATE;
5. Parecer do órgão municipal, distrital ou estadual de proteção e defesa
civil;
6. Relatório fotográfico.

No requerimento, o governo municipal ou estadual deve detalhar as


razões necessárias para o reconhecimento do governo federal; auxílio federal
complementar; data e tipo de desastre; e a especificação dos benefícios federais
a serem requeridos para atendimento às vítimas.
O Fide consiste em um documento que nos permite entender a
abrangência e intensidade dos efeitos do desastre. Ainda que a sua elaboração
seja de competência do órgão de proteção e defesa civil, as informações
contidas nele também dependem de outras áreas setoriais do território afetado.
Por isso, é necessária a formação de uma equipe multidisciplinar para a sua
elaboração. Ainda, cabe destacar que não se trata de um documento fechado,
ele deve ser constantemente atualizado, conforme a evolução do desastre e de
seus impactos.

6
A DMATE ou DEATE são documentos que nos permitem avaliar a
capacidade do poder público local ou estadual na resposta e gerência do
desastre, por meio das “medidas e ações em curso, capacidade de atuação e
recursos humanos, materiais, institucionais e financeiros empregados para o
restabelecimento da normalidade” (Brasil, 2017). Já o relatório fotográfico deverá
conter fotos (datados, legendados, com boa resolução, preferencialmente
georreferenciada) que, obrigatoriamente, demonstrem a relação direta com os
prejuízos econômicos e, quando possível, com os danos declarados.
Além dos documentos mencionados acima, o governo federal poderá
solicitar outros instrumentos e registros oficiais que permitam comprovar as
informações relatadas, auxiliar na avaliação do reconhecimento e melhor instruir
o processo, de modo a ser célere. Dentre eles, podemos citar os relatórios de
órgãos setoriais do Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil que
comprovem os cálculos efetuados para se obter os valores dos prejuízos
descritos no Fide, além de declarações e/ou laudos que atestem ou justifiquem
os danos ocorridos.
O prazo para envio da documentação por meio do S2ID é de 15 dias após
a data do desastre, para o caso de desastres súbitos, e 20 dias após a
decretação de SE ou ECP, para os casos de desastres graduais (Brasil, 2017).
Caso ocorra o envio após o prazo estipulado, cabe ao ente beneficiário justificá-
lo por meio de e-mail ou declaração, o qual deve ser anexado ao processo no
S2ID.

TEMA 3 – APOIO MATERIAL, LOGÍSTICO E FINANCEIRO DA UNIÃO

Como pudemos ver anteriormente, há várias possibilidades de auxílio ao


local afetado por um desastre. Nesse momento, iremos nos restringir aos três
principais, no âmbito do governo federal: material, logístico e financeiro.

3.1 Material

Um dos instrumentos que o governo federal dispõe para auxiliar os entes


afetados (Distrito Federal, estados e municípios) é a Ata de Registro de Preços
(ARP). Por meio dela é possível obter recursos materiais de assistência
humanitária, como veremos detalhadamente posteriormente, notadamente os
kits (Quadro 1).

7
Quadro 1 – Descrição dos itens da ata de registro de preços do governo federal

Fonte: Brasil, 2017.

O governo federal encaminha esses materiais à capital do estado do ente


afetado. A partir desse momento, os municípios deverão buscá-lo.

3.2 Logístico

Caso o desastre extrapole a capacidade do município ou estado na


resposta, eles poderão solicitar recursos logísticos ao governo federal. Nesse
caso, os dois principais órgãos envolvidos no processo são os Ministérios da
Saúde e da Defesa (Brasil, 2017). O Ministério da Saúde é responsável por
auxiliar no processo de assistência hospitalar e fornecer profissionais da Força
Nacional do SUS (assistentes sociais e psicólogos) e medicamentos.
No caso das Forças Armadas, a sua atuação somente ocorrerá em casos
extremos, já que o atendimento dependerá da disponibilidade de pessoal,
material, logística, tempo hábil para mobilização etc. De acordo com Brasil
(2017), cabe a elas:

• assistência hospitalar;
• desinfecção e desinfestação;
8
• transporte de cargas, pessoal, material e gêneros;
• elaboração de alimentos;
• tratamento de água;
• alojamento;
• energia elétrica para pequenas instalações;
• garantir a lei e a ordem e isolar áreas;
• assistência social integrada.

3.3 Financeiro

Outra forma de o governo federal auxiliar na resposta a um desastre é a


“transferência obrigatória” de recursos financeiros. Destina-se a complementar
os recursos financeiros das entidades afetadas. Isso só acontece quando o
governo federal aprova a SE ou ECP. Para fazer isso o mais rápido possível, o
município deve possuir o Cartão de Pagamento da Defesa Civil (CPDC) antes
mesmo do desastre, pois é a única forma de receber e executar recursos
federais para operações de resposta (Brasil, 2017). O objetivo do cartão é
agilizar o repasse de recursos aos municípios e estados reconhecidos pelo
governo federal como SE ou ECP e melhorar a transparência e o controle do uso
dos recursos.
Dessa maneira, o atual Ministério do Desenvolvimento Regional
repassará os recursos ao responsável legal previamente cadastrado no CPDC.
No entanto, isso vai depender do momento em que o beneficiário entrar na
distribuição de renda, de acordo com o orçamento, que é a etapa obrigatória
para a realização das despesas: empenho, liquidação e pagamento (Brasil,
1964).

3.4 Efeitos vinculados

Além do apoio material, logístico e financeiro, o ente federado poderá


receber outras formas de assistência e benefícios concedidos pelo governo
federal, desde que seja reconhecido a SE ou ECP. Dentre eles, podemos
elencar os seguintes: abertura de crédito extraordinário; garantia safra; operação
carro pipa; bolsa estiagem; linha de crédito do Nordeste; programa Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social emergencial; antecipação de
benefícios da previdência social; renegociação de dívidas rurais; Minha Casa,

9
Minha Vida; e redução da alíquota do imposto sobre propriedade rural (Brasil,
2017).
Ainda, é possível liberar o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço
(FGTS) das pessoas afetadas pelo desastre. Nesse caso, o processo é restrito
às seguintes ocorrências: vendavais ou tempestades; vendavais muito intensos
ou ciclones extratropicais; vendavais extremamente intensos, furacões, tufões ou
ciclones tropicais; tornados e trombas d’água; precipitações de granizo;
inundações; enxurradas; alagamentos; inundações litorâneas provocadas pela
invasão do mar (Brasil, 2004); e, por último, rompimento ou colapso de barragem
que gere movimento de massa, com danos a residências (Brasil, 2015). Cada
pessoa beneficiada poderá obter o valor equivalente ao saldo existente na sua
conta, limitado a R$ 6.220,00 (Brasil, 2012).
No Estado de São Paulo, por exemplo, o governo criou o auxílio-moradia
emergencial. Ele tem como objetivo “garantir as condições de moradia às
famílias de baixa renda vitimadas pelas enchentes ou em situação de risco
iminente, e que se encontrem em situação de vulnerabilidade temporária, como
direito relativo à cidadania” (Salles; Kamada, 2016, p. 110). Nesse caso, a partir
do momento em que o município decreta SE ou ECP e o estado homologa, a
Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo
(CDHU) poderá fazer transferências de recursos no valor mensal de R$ 300,00
por família beneficiada (Salles; Kamada, 2016). Trata-se de um benefício que
pode ser cumulado com outro que seja pago pelo município, até que cesse a sua
vigência ou até que lhe seja provido novo atendimento habitacional.
Todavia, é importante lembrar que, em algumas circunstâncias, a
decretação de SE ou ECP pode apresentar desvantagens. Por exemplo, a
imagem do município pode ser prejudicada, ocasionando cancelamentos de
viagens turísticas, de eventos esportivos e artísticos, e, até mesmo, medo nas
pessoas, as quais podem pensar que poderão ser afetadas. Ainda, tem-se a
queda na obtenção de receita, uma vez que é possível dar isenção de
obrigações, como o pagamento de imposto pelas pessoas que foram afetadas
(Brasil, 2012).

TEMA 4 – PLANO DETALHADO DE RESPOSTA

Como pudemos ver até agora, os governos estadual e federal auxiliam os


municípios afetados por desastres quando estes declaram SE ou ECP. Para que

10
o governo local obtenha recursos federais é necessário formalizar a demanda
por meio do Plano Detalhado de Resposta (PDR), o qual deverá ser
encaminhado diretamente à Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil.
Trata-se de um documento que descreve: as necessidades identificadas nos
locais afetados, como os recursos materiais; e a indicação de justificativas,
ações, etapas, quantidades, prazos e valores que o ente beneficiário pretende
executar (Brasil, 2017).
Portanto, veremos a seguir os elementos que devem constar em um PDR.

4.1 Informações do desastre

Além dos dados cadastrais do órgão de proteção civil responsável por


esse processo, outro item que deve ser descrito em detalhes são as informações
sobre o desastre. Primeiramente, devemos apresentar em detalhes os tipos de
desastres e suas respectivas categorias na Classificação e Codificação
Brasileira de Desastres (Cobrade). Por exemplo, a ocorrência de granizo
corresponde ao tipo desastres e tempestades na Cobrade. Depois, os danos
humanos devem ser informados pelo município (Quadro 2).

Quadro 2 – Danos humanos que devem ser informados pelo município

Desabrigados Desalojados Afetados

Total

Pessoas que, devido a prejuízo


Pessoas que necessitam de
das condições básicas de
abrigo público, por exemplo,
segurança e habitabilidade de sua
habitação temporária, devido ao Qualquer pessoa que
residência (em função de dano ou
prejuízo das condições básicas tenha sido atingida ou
ameaça de dano causado pelo
de segurança e habitabilidade prejudicada por
desastre), evacuaram suas
de sua residência em função de desastre.
residências. Porém, não
dano ou ameaça de dano
necessitam de abrigo público,
causado pelo desastre.
como habitação temporária.

Fonte: Elaborado com base em Brasil, 2017.

Ainda nessa fase, o município deve descrever as circunstâncias que


inspiraram a solicitação de recursos e as ações subsequentes que o município,
estado ou Distrito Federal têm utilizado em nível local, incluindo a distribuição de
materiais de ajuda humanitária e a restauração dos serviços básicos.

11
4.2 Solicitação de recursos materiais

Agora que temos um entendimento claro da situação causada pelo


desastre, o município deve descrever os recursos materiais e kits emergenciais
de ajuda humanitária solicitados ao governo federal. Esses materiais são
limitados a cestas básicas, kits de higiene pessoal, kits de limpeza, água
mineral, dormitórios e barracas, os quais devem ser utilizados em determinado
período (Quadro 3). É importante lembrar que todos esses objetos devem ser
usados apenas por aqueles diretamente afetados pelo evento e descritos na
etapa anterior.

Quadro 3 – Recursos materiais passíveis de solicitação ao governo federal

Fonte: Brasil, 2017.

De acordo com as características do evento de desastre e da situação do


público afetado, algumas dessas pessoas podem precisar de kits de assistência,
sobretudo de alimentos, mas isso deve ser comprovado na justificativa. Vale
ressaltar que os elementos necessitados não precisam ser consistentes com
aqueles disponíveis no ARP, mas sua composição deve ser especificada em
detalhes. Na justificativa também devem ser incluídos o número de pessoas
atendidas por cada kit e a duração do atendimento. Para determinar a
quantidade e os itens necessários, devem ser consideradas as características do
evento, a capacidade dos entes locais e as ações complementares do governo
federal.

12
4.3 Solicitação de recursos financeiros

Até o momento, vimos que uma das principais formas de o governo


federal ajudar as cidades atingidas pelo desastre é a transferência de recursos
financeiros. Para isso, os governos beneficiários devem definir metas (Quadro
4), que permitem entender o propósito de usar recursos para realizar operações.
Esses itens são os elementos necessários para atingir os objetivos. A
quantidade refere-se à especificação e unidade de medida correspondentes. O
ciclo de execução inclui o ciclo para atingir uma meta ou um estágio específico.
Portanto, o valor total é o resultado da quantidade multiplicada pelo valor
unitário, destacando que o período de execução não está incluído no cálculo do
total.

Quadro 4 – Planilha de solicitação de recursos financeiros do governo federal

Fonte: Brasil, 2017.

No entanto, não basta listar as ações que serão formuladas com recursos
federais, também é necessário justificar cada uma delas. Portanto, devemos
comprovar sua necessidade, estabelecer uma relação direta com o desastre,
especificar cálculos e descrever ações ou esclarecer aspectos relevantes. Uma
das maiores necessidades são os kits de ajuda humanitária, geralmente
envolvendo um conteúdo inadequado na solicitação (Brasil, 2017).

TEMA 5 – PRESTAÇÃO DE CONTAS

Como pudemos ver até agora, o governo federal disponibiliza recursos


materiais e financeiros para os entes federados que são afetados por desastres
de grande magnitude e que declaram SE e ECP. Assim como nas demais áreas
da gestão pública, os entes beneficiários para as ações de resposta, sobretudo
socorro, assistência e restabelecimento à normalidade, devem prestar contas.

13
5.1 Documentação

Os entes federados que recebem recursos financeiros do governo federal


são fiscalizados pela Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil para
verificar a implementação das metas e atividades aprovadas no PDR, inclusive
com o uso da mesma terminologia. Portanto, a cada três meses, a partir do
momento da liberação dos recursos, é necessário o envio do Relatório de
Execução Parcial – resposta e seus anexos (Brasil, 2017). Um dos principais
elementos que devem ser incluídos nesse documento é a execução física
trimestral, ou seja, todas as despesas incorridas pelo CPDC em três meses de
referência. Se a execução for concluída em três meses, apenas o relatório final
precisa ser apresentado. Além disso, se o ente não enviá-lo, os fundos
transferidos serão bloqueados.
Ao final da execução da ação, ou seja, do restabelecimento das
condições normais da área afetada, o ente federal deve enviar o Relatório Final
de Execução da Ação de Resposta (Brasil, 2017). Esse relatório visa comprovar
o uso correto dos recursos federais liberados. Da mesma forma que a duração
do pedido de SE ou ECP, a duração máxima de execução da transferência de
recursos é de 180 dias. Além do relatório final, o ente deverá enviar: relatório de
execução físico-financeira; demonstrativo de execução da receita e despesa;
relação de pagamentos – transferência obrigatória; relatório fotográfico dos
materiais adquiridos e distribuídos aos afetados; declaração de recebimento e
distribuição de materiais de assistência humanitária; e extrato da conta bancária,
referente ao período do recebimento dos recursos, e conciliação bancária do
CPDC (Brasil, 2017).
Conforme as necessidades geradas pelo desastre, o ente beneficiário
deverá enviar: descritivo de transporte e logística; lista de beneficiários de
aluguel social; diagnóstico de engenharia, atestando a inabitabilidade gerada
pelo desastre; declaração de ações e medidas estruturantes e definitivas para
realocação das famílias, com previsão de conclusão; ou termo de recebimento e
distribuição de materiais de assistência (Brasil, 2017).

5.2 Processo de prestação

Assim que toda a documentação necessária para a liberação de recursos


for enviada ao governo federal, via S2ID, ela é analisada, inicialmente, pela

14
Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil (questões técnicas) e, depois,
pela Coordenação-Geral de Prestação de Contas de Convênios (questões
financeiras). Caso seja aprovada, é feita a baixa no Sistema Integrado de
Administração Financeira do Governo Federal. Caso contrário, o ente
beneficiário terá um prazo para a devolução dos recursos que tenham sido
utilizados indevidamente e, em seguida, serão identificados os responsáveis,
que serão alvo das autoridades competentes. Esse processo também cabe às
autoridades que cometerem irregularidades, como documentos ou declarações
falsas (Brasil, 2017).

5.3 Prazos pós-prestação

Quando todo o processo de prestação de contas for concluído, se não


houver pendências, a unidade da federação que recebe os recursos federais
deve manter – física e digitalmente – por pelo menos cinco anos, a partir da data
de aprovação do processo de prestação, os seguintes documentos: contrato,
notas fiscais e recibos de pagamento; cotações de preços (no mínimo três); e
relação de beneficiários dos materiais recebidos (Brasil, 2017).

15
REFERÊNCIAS

BRASIL. Presidência da República. Decreto n. 5.113, de 22 de junho de 2004.


Regulamenta o art. 20, inciso XVI, da Lei n. 8.036, de 11 de maio de 1990, que
dispõe sobre o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), e dá outras
providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 jun. 2004.

______. Presidência da República. Lei n. 12.608, de 10 de abril de 2012. Institui


a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNPDEC); dispõe sobre o
Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil (SINPDEC); e o Conselho Nacional
de Proteção e Defesa Civil (CONPDEC). Diário Oficial da União, Brasília, DF,
11 abr. 2012.

______. Ministério da Integração Nacional. Secretaria Nacional de Proteção e


Defesa Civil. Departamento de Minimização de Desastres. Módulo de
formação: resposta – gestão de desastres, decretação e reconhecimento
federal e gestão de recursos federais em proteção em defesa civil para resposta
– apostila do instrutor. Brasília: Ministério da Integração Nacional, 2017.

______. Ministro de Estado do Desenvolvimento Regional. Instrução Normativa


n. 36, de 4 de dezembro de 2020. Estabelece procedimentos e critérios para o
reconhecimento federal e para declaração de situação de emergência ou estado
de calamidade pública pelos municípios, estados e pelo Distrito Federal. Diário
Oficial da União, Brasília, DF, 7 dez. 2020.

PARÁ. Coordenadoria de Proteção e Defesa Civil. Ações de proteção e defesa


civil. Pará, [S.d.]. Disponível em: <https://www.bombeiros.pa.gov.br/wp-
content/uploads/2019/05/Acoes_da_defesa_civil.pdf>. Acesso em: 7 abr. 2021.

SALLES, M. V.; KAMADA, M. Situação de emergência e estado de calamidade


pública. 2016. In: Redução de risco de desastres: uma construção de
resiliência local. São Paulo: Coordenadoria Estadual de Proteção e Defesa Civil
de São Paulo, 2016.

16
AULA 5

ASSISTÊNCIA HUMANITÁRIA
EM DESASTRES

Prof. Murilo Noli da Fonseca


TEMA 1 – LOGÍSTICA HUMANITÁRIA

A ocorrência de desastres e seus impactos têm exigido cada vez mais


esforços de assistência bem coordenados a fim de prover às populações afetadas
a ajuda de que necessitam. Para que elas sejam atendidas rapidamente, além da
ajuda, precisamos estabelecer um planejamento do processo de entrega de bens
e serviços. Isto é, uma logística ágil e flexível capaz de minimizar as
consequências dos desastres e salvar vidas, a qual é comumente chamada de
logística humanitária. O tsunami no Oceano Índico (2004) e Japão (2011), o
furacão Katrina nos Estados Unidos (2005) e a guerra na Síria (2011-) são
exemplos de logística humanitária, envolvendo muitas e diferentes organizações
(como a Cruz Vermelha e o Médicos sem Fronteiras).
Portanto, a partir desse momento iremos aprofundar a discussão e
entender como ocorre o processo de logística em contexto de desastres e quais
são as suas diferenças em relação àquela destinada ao ambiente comercial.

1.1 Contextualização e definição

Ainda que possamos encontrar a logística humanitária nas primeiras ações


de assistência humanitária na história, só recentemente ela foi conceituada. Isso
se deve à significativa cobertura da mídia de algumas missões humanitárias de
grande escala, como o tsunami no Oceano Índico em 2004 e o terremoto do Haiti
em 2010, mas também ao reconhecimento da importância da contribuição
logística para o sucesso de uma missão, reconhecimento que antes não existia.
Dessa maneira, o conceito de logística humanitária foi desenvolvido a partir
dos objetivos da logística de movimentar materiais e serviços no menor tempo
possível, em um contexto de anormalidade. Ou seja, podemos entendê-la como
um conjunto de processos e sistemas de planejamento, execução, monitoramento
da eficiência dos fluxos, desde o local de abastecimento até o beneficiário e o
armazenamento de bens e materiais, maximizando a eficiência e o tempo de
resposta (Zejli et al., 2012).
Além disso, podemos destacar a mobilização de pessoas, recursos e
conhecimento a fim de salvar vidas (IFRC, 2015). No Brasil, ela tem como objetivo
“disponibilizar para as cidades afetadas por situações de emergência ou estado
de calamidade pública, os itens de assistência humanitária, no menor tempo
possível, com qualidade de produtos” (Panceri, 2018, p. 67).

2
Assim como o processo de assistência, a logística humanitária deve estar
baseada nos princípios humanitários de humanidade, neutralidade e
imparcialidade. Esses conceitos podem nos auxiliar a executar uma resposta
eficiente e rápida, já que correspondem a 90% da etapa de resposta (Trunick,
2005) e, por isso, são considerados a parte mais onerosa do processo de
assistência, equivalendo a cerca de 80% do seu custo (Van Wassenhove, 2006).
Ainda, nos possibilitam minimizar ações improvisadas ou mau planejamento. Van
Wassenhove (2006) alerta para dificuldades encontradas nesse processo:

a) Infraestrutura: obstáculos na circulação de recursos materiais e humanos;


b) Recursos humanos: pessoas sem qualificação adequada e sem função;
c) Materiais: evitar o desperdício e avarias, especialmente de doações;
d) Falta de planejamento: suprimentos, materiais, pessoas e informações;

1.2 Logística humanitária e logística empresarial

Agora que sabemos o que significa a logística humanitária, precisamos


entender as diferenças dela em relação à logística empresarial, uma vez que são
contextos e demandas diferentes (Ertem et al., 2010). Por exemplo, enquanto a
logística humanitária almeja salvar vidas e prestar assistência aos afetados, a
empresarial visa maximizar o lucro (Figura 1). Entretanto, sabemos que é a partir
da gestão eficiente, por meio de planejamento, que esses conceitos podem ser
um grande diferencial na redução do tempo de resposta e do improviso, que são
comumente ocasionadas devido ao caráter de difícil previsão dos desastres.

Figura 1 – Diferenças entre a logística empresarial e a logística humanitária

Tópico Logística empresarial Logística humanitária


Salvar vidas e prestar assistência
Objetivo Maximizar o lucro
e beneficiários
Acionistas, clientes e Doadores, governos, militares,
Stakeholders
fornecedores ONGs, ONU e beneficiários
Clientes Consumidor final Beneficiário
De dois a 3 fornecedores, Múltiplos fornecedores e
Fornecedores
conhecidos previamente doadores, sem acordos prévios
Costumam durar semanas ou
Duração Costumam durar anos
meses

3
Irregular, com alto grau de
Relativamente estável e pode ser
incerteza e volatilidade. É
Padrão de demanda previsto a partir de técnicas de
estimada nas primeiras horas do
previsão
desastre
Recursos como abrigo, alimentos,
Fluxo de materiais Produtos comercializados kits de higiene e limpeza, veículos
para evacuação e pessoal
Unilateral (do doador ao
Fluxo financeiro Bilateral e conhecido
beneficiário) e incerto
Tempo para responder ao
Medidas de Baseado em métricas de desastre, % de demanda
desempenho desempenho suprimida, atendimento às
expectativas dos doadores
Equipamentos e Caminhões, veículos comuns e Equipamentos robustos,
veículos empilhadeiras transporte aéreo
Alta rotatividade, com voluntários,
Disponibilidade de mão de obra ambiente desgastante tanto
Recursos humanos
capacitada fisicamente quanto
psicologicamente

Fonte: elaborado com base em Costa et al., 2015.


Dessa maneira, verificamos que a logística humanitária se destina ao uso
efetivo dos conceitos de logística empresarial às causas de assistência
humanitária, tendo por intuito levar às áreas afetadas uma maior quantidade de
itens de assistência e necessidades primárias, num curto e adequado espaço de
tempo, utilizando-se de forma eficiente e eficaz os meios disponíveis para tal.

TEMA 2 – NÍVEIS DE COORDENAÇÃO

Nenhuma organização sozinha tem recursos suficientes para responder


com eficácia a um grande desastre por conta própria. A coordenação entre elas,
portanto, torna-se essencial para o sucesso de todas as ações de assistência
humanitária em grande escala (Beamon; Balcik, 2008). Não se trata apenas de
colaborar para se adaptar à situação de desastre, mas de uma divisão de tarefas
e responsabilidades na atividade, de forma a gerir os aspetos interdependentes
das atividades logísticas (Akhtar et al., 2012).
Os atores envolvidos na assistência humanitária são diversos, com
objetivos e métodos de atuação diferentes. Por isso, é comum nos depararmos
com certa desarticulação durante um desastre, circunstância que pode atrasar o

4
atendimento aos afetados, duplicar esforços e desperdiçar recursos. Para evitar
isso, devemos identificar instituições e organizações relacionadas ao tema,
estabelecer competências e momentos de atuação, de modo que eles se
conheçam, compartilhem informações, identifiquem e reconheçam seus
respectivos pontos fortes e explorem formas de colaboração e apoio mútuo.

2.1 Coordenação

Com base nisso, em nível internacional, o Inter-Agency Standing


Committee (IASC) foi estabelecido em 1992 com o objetivo de servir como o ponto
de coordenação central para a ajuda humanitária em todo o mundo. Como
membro da ONU, da Cruz Vermelha e de várias ONGs, o comitê pode ser visto
como fórum humanitário representativo. Os seus objetivos são o desenvolvimento
e a adoção de diretrizes humanitárias e a distribuição de responsabilidades entre
as organizações de ajuda. Nele, a logística é administrada pelo Programa Mundial
de Alimentos (PMA). As atividades incluem gerenciamento de informações,
avaliação da infraestrutura, frete e questões alfandegárias, bem como a
coordenação do transporte marítimo e terrestre, armazenamento de mercadorias,
entre outros. Essas operações são apoiadas por um guia operacional de logística,
que coleta informações sobre os processos logísticos, desde as compras até a
garantia da qualidade e as especificidades.
Além disso, a maioria dos países possuem uma entidade responsável pela
gestão de riscos e desastres, como os órgãos de Proteção e Defesa Civil.
Geralmente é uma estrutura permanente, com orçamento e estrutura próprios.
Elas são essenciais para desestimular a duplicação de esforços e tentar canalizar
toda a assistência por meio dessas estruturas. As tarefas de coordenação devem
ser vistas de uma perspectiva intersetorial, interinstitucional e interdisciplinar.
Nesse sentido, Tufinkgi (2006) nos mostra que um sistema de coordenação
pode ser classificado de acordo com os níveis de atuação dos envolvidos e das
instituições localizadas dentro e fora da comunidade afetada. No total, são cinco
níveis; os três primeiros fazem referência às fontes de recursos e os movimentos
que ocorrem fora da comunidade afetada; os dois últimos, dentro da comunidade.

• Nível 1: engloba os principais doadores de recursos materiais e financeiros,


como os governos, igrejas ou organizações privadas;

5
• Nível 2: contém os doares secundários, sobretudo as organizações
humanitárias e as destinadas ao atendimento;
• Nível 3: inclui as organizações humanitárias que recebem fundos e/ou
doações, os quais são encaminhados ao governo do território afetado ou
organizações não-governamentais locais.
• Nível 4: contempla todos os envolvidos no território, como administração
local, organizações e representantes locais. O processo decisório trata do
modo como os recursos materiais e financeiros serão distribuídos e quem
está no comando.
• Nível 5: é o momento no qual acontece a execução do processo de logística
humanitária. Ele envolve a distribuição física de recursos pelos mesmos
atores do nível quatro para as pessoas afetadas de acordo com as
necessidades identificadas.

Além dessa forma de classificação, podemos identificar um tipo específico


de coordenação para cada momento em que ocorre o desastre (Figura 2)
(Tomasini; Van Wassenhove, 2009). Por exemplo, no momento da deflagração, é
imprescindível remover os obstáculos para que as equipes de atendimento
cheguem às pessoas afetadas o mais rápido possível. Esse processo ocorre a
partir de um sistema de comando centralizado, em que uma autoridade pública
reúne recursos, tarefas e informações e gera uma solução que é implementada
pelos órgãos pré-definidos, normalmente no Plano de Contingência de Proteção
e Defesa Civil. A etapa seguinte denominamos de sustentação. As organizações
compartilham equipamentos de comunicação, de ligação interagência e pré-
avaliação. Ou seja, o objetivo é garantir a eficácia e a sustentabilidade de suas
ações. Por fim, a etapa de desaceleração é focada na saída, quando a
coordenação ainda vai acontecer, mas apenas ocasionalmente.

6
Figura 2 – Processo de coordenação de resposta à desastre

Fonte: elaborado com base em Tomasini; Van Wassenhove, 2009.

No Brasil, temos o Sistema de Comando de Operações (SCO) dos órgãos


de Proteção e Defesa Civil, responsável pela coordenação durante a ocorrência
de um desastre. Dentre as seções existentes há uma destinada exclusivamente à
logística. Ela permite fornecer suporte, recursos e outros serviços necessários ao
desenvolvimento das ações. Sob sua responsabilidade há duas unidades: suporte
(providenciar e distribuir suprimentos) e serviços (comunicação, alimentação e
serviços médicos).

TEMA 3 – CADEIA DE SUPRIMENTOS

Com base nessa circunstância, devemos planejar, implantar e controlar


estoques de suprimentos, bem como acompanhar o fluxo de informações, desde
a origem até o atendimento das pessoas afetadas (Bowersox et al., 2014). O nome
que damos a esse processo é cadeia de suprimentos”. A partir de agora iremos
entender como se organiza essa cadeia e quais são os níveis de coordenação
para que possamos ter sucesso.

3.1 Definição

Podemos entender a cadeia de suprimentos como ferramenta que nos


permite fazer a conexão desde o mercado, a rede de distribuição, o processo de
produção, até a atividade de compra, de modo que os consumidores tenham alto
nível de serviço ao menor custo (Bowersox et al., 2014). Quando a aplicamos à
7
assistência humanitária, precisamos torná-la flexível e capaz de responder
rapidamente a desastres, a fim de atender e salvar o maior número de pessoas.
Devido às particularidades da logística humanitária, as cadeias de suprimentos
precisam trabalhar com incertezas e riscos e devem ser múltiplas, globais,
dinâmicas e temporárias (Tomasini; Van Wassenhove, 2009). Além disso,
sabemos que uma cadeia de suprimentos em sua forma mais básica abrange três
elementos, nessa ordem: suprimento, fluxo e demanda.

3.2 Diferenças entre a comercial e humanitária

Assim como na logística, precisamos entender quais são as principais


diferenças existentes entre a cadeia de suprimentos comercial e a humanitária. A
primeira fornece um produto pré-estabelecido e padronizado aos clientes a fim de
atender a uma demanda relativamente constante e prevista por meio de recursos
estruturados e fluxo contínuo (Tomasini; Van Wassenhove, 2009). A humanitária
volta-se ao atendimento de surtos demanda enquanto compartilha o fluxo e a
capacidade com outros itens de ajuda. Em toda essa cadeia, da fonte a população
afetada, o objetivo é o alívio. Todos os nós intermediários – produtores,
distribuidores e agências – precisam estar alinhados para atingir esse objetivo.

3.3 Coordenação

Assim como em todo o processo de assistência humanitária, devemos ter


uma coordenação bem clara entre os envolvidos na cadeia, de modo a prevenir
um sistema por vezes mal gerido e descoordenado, o que aumenta os custos de
estoque, estende os prazos de entrega e compromete à qualidade da assistência.
Para que possamos ter uma gerência dessa cadeia, Tomasini e Van Wassenhove
(2009) apresentam 5Bs que auxiliam nesse processo:

• Boxes – material: consiste no fluxo físico dos produtos dos fornecedores


aos beneficiários. Neste momento devemos ter os materiais o mais rápido
possível, independente do custo.
• Byte – informação limitada: coordena a transmissão de pedidos e o fluxo
de produtos. Ainda que seja limitada no início do desastre, a informação e
seu compartilhamento bem como sua qualidade, são fundamentais para
entender o impacto e as necessidades.

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• Bucks – fluxo financeiro: corresponde ao processo de doações e captação
de recursos. Para isso, precisamos divulgar a ocorrência do fenômeno e as
imagens decorrentes dele.
• Bodies – pessoas envolvidas na cadeia: consiste no engajamento de
equipes, agentes locais e voluntários com habilidade e qualificação para
atuar em um desastre.
• Brain – conhecimento e habilidades: precisamos conhecimento para criar
soluções. Cada desastre deve ser uma oportunidade para a transferência
de conhecimento e capacitação. É necessário conhecimento especializado
para uma rápida tomada de decisão.

TEMA 4 – ATIVIDADES LOGÍSTICAS

Agora que temos ideia clara do que é a logística humanitária, quais são os
níveis de coordenação e a cadeia de suprimentos, iremos detalhar como ocorre
as atividades logísticas. Elas devem ser planejadas, pois só assim a entrega dos
materiais terá êxito. A logística deve ser um componente fundamental do plano de
resposta a desastres de qualquer governo. Na cadeia de suprimentos em logística
humanitária, aquisição, transporte, armazenamento e distribuição são elos vitais.
No caso de um desastre, os materiais devem chegar ao lugar certo, na hora certa
(as primeiras 72 horas são importantes) e na quantidade certa. Qualidade e custos
no sentido econômico ou comercial são de importância secundária. A fim de ser
capaz de ajudar rapidamente e lidar com capacidades inadequadas, é necessária
uma logística funcional no processo de ajuda.

4.1 Avaliação

Portanto, em primeiro lugar, temos a etapa de avaliação. Nela, um


representante do órgão de proteção e defesa civil ou da organização humanitária
é enviado às áreas afetadas pelo desastre a fim de levantar a demanda local,
tendo uma estimativa de recursos materiais necessários e a capacidade local
ainda disponível (Chakravarty, 2011). Dependendo do nível da gravidade do
desastre, podemos adquirir os recursos necessários localmente, em outros
estados ou até mesmo globalmente. O Escritório das Nações Unidas para a
Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA), por exemplo, utiliza sistemas
de informação geográfica (SIG) para descrever uma região de desastre em

9
diferentes escalas. Os mapas resultantes são acompanhados de planilhas que
contêm o número de desalojados, desabrigados, feridos, mortos e desaparecidos;
áreas de cobertura para as organizações humanitárias, localização de hospitais,
clínicas e farmácias; e as doenças mais comuns da região (Blecken, 2010).

4.2 Aquisição de suprimentos

Posteriormente, precisamos adquirir suprimentos a fim de garantir estoque


de recursos necessários para o atendimento dos afetados. Schulz e Heigh (2009)
nos lembram que cerca de 65% do orçamento da assistência é destinado a essa
etapa. Para tanto, devemos identificar e selecionar fornecedores adequados de
forma a garantir a disponibilidade do produto nas áreas afetadas, no momento
certo (Ertem; Buyurgan, 2013). É necessário também que sejam atendidas as
especificações mínimas para condições de ajuda humanitária e com o melhor
preço disponível, tendo em conta o custo, prazo de entrega e qualidade, bem
como o transporte adequado e seguro (Blecken, 2010).
Como forma de contribuir até mesmo para o desenvolvimento da região,
podemos implementar um armazém de ampla dimensão, onde os fornecedores
próximos podem ser contactados (Ertem; Buyurgan, 2013). Essa situação permite
reduzir os custos de transporte e ter uma entrega rápida. Todavia, podemos ter
baixa qualidade dos produtos ou capacidade reduzida dos fornecedores em
disponibilizar grandes volumes de materiais (Balcik; Beamon, 2008).
Entretanto, como a infraestrutura normalmente é afetada após o desastre,
fornecedores locais podem não ser de fácil acesso. Outra forma de aquisição está
em estabelecer contratos com fornecedores regionais, nacionais ou globais para
fornecer itens de ajuda sob demanda. Por exemplo, podemos desenvolver uma
plataforma entre fornecedores e organizações para a qualidade, preço,
embalagem e rotulagem, prazo de entrega e capacidade e então, utilizamos a
licitação (Ertem; Buyurgan, 2013). As organizações humanitárias podem se
beneficiar com essa abordagem visto que eles não têm que fazer o pagamento
com antecedência e estocar os itens de socorro (Poms, 2015). Nesse caso, o
custo do estoque é transferido para o fornecedor.
Além disso, podemos citar as doações, que devem ser organizadas,
priorizadas e armazenadas. A triagem merece especial atenção em virtude da
diversidade de itens recebidos, podendo haver excesso de alguns e escassez de
outros. Dessa maneira, podemos entender que a triagem do material recebido é

10
crucial, pois evita que itens desnecessários sejam transportados para os centros
de distribuição, ocupando espaços de armazenamento e gerando retrabalho.

4.3 Transporte, armazenamento e distribuição

O transporte é o meio pelo qual os suprimentos chegam aonde são


necessários. A estratégia de transporte deve ter em conta não só os meios, mas
também as possibilidades reais de entrega rápida e segura dos materiais. Logo,
temos que transportar os suprimentos selecionados na etapa de triagem para os
centros de distribuição (Beamon; Balcik, 2008). Os materiais transportados
dependem dos seguintes elementos: prioridade dos produtos, quantidade em
volume e peso, destino das mercadorias, capacidade de armazenamento,
requisitos de transporte, mercadorias perigosas, frágeis ou com restrições, tais
como remédios e questões de segurança (Blecken, 2010).
Nos três primeiros dias, as necessidades das vítimas se restringem a itens
de alimentação, higiene, medicamentos, roupas e abrigo, sendo necessárias
também máquinas e equipamentos para auxiliar na recuperação da infraestrutura
e construir acomodações temporárias (Banomyong; Sopadang, 2010; Ertem et al.,
2010). A variedade de produtos também aumenta a complexidade do transporte.
Produtos perecíveis devem ser transportados rapidamente e é vital saber se as
câmaras frigoríficas localizadas nos locais de destino estão em funcionamento.
Outros produtos requerem métodos de entrega especiais. O cloro, por exemplo,
não pode ser transportado por via marítima.
A partir desse momento devemos enviar os suprimentos para um segundo
depósito, geralmente localizado em uma cidade grande, onde são armazenados,
classificados e transferidos para os centros de distribuição locais, normalmente os
abrigos (Figura 3), e até a última milha. Nesses locais, precisamos evitar que os
produtos sejam deteriorados e roubados, além de entregá-los aos afetados.

11
Figura 3 – Processo de arrecadação, transporte e distribuição de materiais

Fonte: elaborado com base em Salvino, 2012.

As considerações de última milha também são extremamente importantes.


Em outras palavras, como devemos fazer chegar a ajuda aos locais mais remotos
ou àqueles sem infraestrutura e transporte. Em alguns casos, o volume da ajuda
oferecida é muito grande, mas não há como fazê-la chegar aos lugares atingidos.
No contexto de um desastre, as estradas podem ficar inundadas, cheias de
destroços ou desaparecer completamente. Em um contexto de turbulência
política, cruzar fronteiras pode se tornar difícil. Por isso, a utilidade das redes de
transporte para responder a desastres é fundamental para salvar vidas, reduzindo
custos e aumentando a resiliência das comunidades.
É importante enfatizar o fato de que todos os componentes anteriormente
citados estão intimamente relacionados. A falha ou operação ineficiente de
qualquer elo da corrente afetará o desempenho geral. Por exemplo, se o
transporte de mercadorias foi organizado corretamente, mas na chegada não
foram previstas medidas de armazenamento, a eficiência do transporte não será
excelente. Entretanto, se recursos suficientes estão disponíveis para cobrir as
necessidades da área afetada, mas o transporte não está pronto para entregar os
recursos para a área afetada, outros esforços podem ser controversos, uma vez
que a coordenação com o componente de transporte não é possível em tal um
caso. Um elo que falta é, portanto, suficiente para quebrar a cadeia.

12
TEMA 5 – PARCERIAS

Não podemos nos esquecer de que as ações desenvolvidas pela gestão


pública na assistência humanitária também perpassam pelo desenvolvimento de
parcerias com o setor privado e organizações não-governamentais, dentre outros.
Por isso, iremos apresentar alguns desafios e possibilidades de parceria.

5.1 Desafios e possibilidades

Os diversos atores que estão presentes em um município podem ajudar


direta e indiretamente o poder público, responsável legalmente, no processo de
logística e assistência humanitária. Aqui, não estamos falando apenas em
fornecer dinheiro, mas também de estabelecer parcerias público-privadas a afim
de melhorar a resiliência da comunidade. Ou seja, aumentar a habilidade de
resistir a um evento adverso, lidar melhor com as consequências dele e retomar
as atividades cotidianas. Tomasini e Van Wassenhove (2009), por exemplo, nos
lembram que as empresas podem aprender várias lições com as organizações
comunitárias, sobretudo como ser ágil e adaptável em circunstâncias adversas.
Empresas privadas do setor logístico apresentam várias relações com as
organizações humanitárias, principalmente entre suas competências e atividades.
Essas organizações, por exemplo, são especialistas em agilidade e
adaptabilidade, desenvolvem cadeia de fornecimento sob altos níveis de
incerteza, com recursos e infraestrutura limitados. Enquanto a alta velocidade e o
baixo custo podem ser necessários para uma cadeia de fornecimento bem-
sucedida, eles não são suficientes para garantir vantagem competitiva e
sustentável. Tal vantagem só vem quando a cadeia de abastecimento é também
ágil, adaptável e alinhada (Tomasini; Van Wassenhove, 2009).
Portanto, vemos que a logística humanitária pode se beneficiar de parcerias
em duas áreas principais: prevenção e assistência. No primeiro caso, devemos
considerar a preocupação das empresas logísticas e organizações humanitárias
em coordenar de forma eficiente e eficaz portos, ferrovias, rodovias, armazéns e
silos. Nesse momento, o alinhamento é uma área na qual o setor privado está
habilitado para transferir conhecimento e experiência para o setor humanitário. As
atividades do front-office da assistência em uma situação anormal permanecem
nas mãos das agências humanitárias, uma vez que é a sua principal competência.

13
Durante o processo de assistência em um desastre, o setor privado pode
fornecer bens acessíveis (aviões, empilhadeiras, espaço em depósitos,
equipamentos de telecomunicações) e profissionais (programadores,
especialistas em comunicação, pilotos) (Tomasini; Van Wassenhove, 2009). Além
do mais, como forma de apoio do setor privado para as atividades humanitárias,
uma empresa pode fornecer os seguintes elementos: dinheiro, produtos, recursos
humanos, conhecimento e experiência, ou uma combinação destes, cada qual
com prós e contras (Tomasini; Van Wassenhove, 2009).
Podemos ver essa situação com o caso da TNT Express, empresa líder
mundial na entrega expressa, que desenvolveu um modelo de coordenação para
formar parceria com o Programa Alimentar Mundial (PAM), da ONU, considerada
a maior agência humanitária do mundo que luta contra a fome (TNT, 20201). Além
dela, a DHL, empresa do setor de logística e correio expresso, oferece o know-
how logístico e apoio durante as três primeiras semanas para a ONU (acordo de
cooperação) gratuitamente ou a pedido do Unocha. As equipes chegam à área do
desastre após 72 horas, no máximo. As tarefas das equipes da DHL incluem:
treinamento, descarregamento de aviões de carga, montagem de um armazém,
paletização de suprimentos de auxílio, inventário as mercadorias, auxiliando no
carregamento dos veículos da distribuição na área do desastre, apoiando com
questões aduaneiras, bem como armazenamento e recuperação (DHL, 2021).
A dependência do setor privado também pode impedir o sucesso. Por
exemplo, um problema ou atraso na cadeia de abastecimento a montante do setor
privado pode colocar em risco a ajuda humanitária, como aconteceu com durante
o Ebola em 2014. A falta de equipamento de proteção individual prejudicou as
capacidades, pois algumas organizações não conseguiram abrir clínicas que
cumpririam os cuidados de segurança necessários ou ampliaram suas operações
de campo (POMS, 2015). Os fabricantes também foram afetados por essa
interdependência; durante o surto, a demanda por equipamentos de proteção
individual era incerta e as quantidades solicitadas pelos intermediários muitas
vezes não eram claras, o que impedia o sucesso da distribuição (Poms, 2015).

14
REFERÊNCIAS

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BANOMYONG, R.; SOPADANG, A. Using Monte Carlo simulation to refine


emergency logistics response models: a case study. International Journal of
Physical Distribution & Logistics Management, v. 40, n .8, p. 709-721, 2010.

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Journal of Logistics: Research and Applications, v. 11, n. 2, p. 101-121, 2008.

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Humanitarian Organisations. Haupt Verlag AG, 2010.

BOWERSOX, D. J.; CLOSS, D. J.; COOPER, M. B.; BOWERSOX, J. C. Gestão


logística da cadeia de suprimentos. Porto Alegre: AMGH, 2014. 455 p.

CHAKRAVARTY, S. A Reconsideration of the Tradeoffs in the New Human


Development Index. The Journal of Economic Inequality, v. 9, n. 3, p. 471-474, 2011.

COSTA, S. R. A.; BANDEIRA, R. A. M.; CAMPOS, V. B. G.; MELLO, L. C. B. B.


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DHL. Humanitarian Logistics. 2021. Disponível em:


<https://lot.dhl.com/glossary/humanitarian-logistics/>. Acesso em: 04 jul. 2021.

ERTEM, M., BUYURGAN, N. Multiple-buyer procurement auctions framework for


humanitarian supply chain management. International Journal of Physical
Distribution & Logistics Management, v. 40, n. 3, p. 202-227, 2010.

PANCERI, R. Direito internacional humanitário e assistência humanitária: a


experiência da secretaria de estado da defesa civil de Santa Catarina. 103p.
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POMS. 26 Annual Conference. May 8 - May 11. Washington, D.C. 2015.

SALVINO, E. H. S. Sistema de doações pela internet para a ajuda humanitária.


72p. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção), PUC-Rio, 2012.

SCHULZ, S. F.; HEIGH, I. Logistics performance management in action within a


humanitarian organization. Management Research News, v. 32, n. 11, p. 1038-1049, 2009.

15
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<https://www.tnt.com/express/en_mv/site/shipping-services/special-
services.html>. Acesso em: 04 jul. 2021.

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case study research on humanitarian logistics. International transactions in
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entwicklung eines logistischen referenzmodells für katastrophenfälle. Bern.
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((FAHP) to Evaluate Factors Locating Emergency Logistics Platforms.
International Journal of Computer Application. v. 57, n. 21, p. 17-23, 2012.

16
AULA 6

ASSISTÊNCIA HUMANITÁRIA
EM DESASTRES

Prof. Murilo Noli da Fonseca


TEMA 1 – AJUDA HUMANITÁRIA

Agora que temos uma compreensão clara de como funciona o processo de


assistência humanitária, vamos enfatizar a ajuda humanitária a partir deste
momento, sendo esta uma das mais importantes e utilizadas na etapa de
assistência.
Por isso, antes da ocorrência de um desastre, é necessário que cada
município tenha se planejado e obtenha recursos materiais e humanos mínimos
de ajuda humanitária estocados a fim de atender ao maior número de pessoas.
Entretanto, nos casos em que a situação gerada pelo evento não alcança os
índices necessários para a decretação de situação de emergência (SE) ou estado
de calamidade pública (ECP), o que possibilita o uso de recursos oriundos dos
governos estadual ou federal, como vimos em momentos anteriores, as doações
de itens de necessidades básicas como alimentos e materiais de higiene são
corriqueiras.
Portanto, no próximo tópico vamos elencar os materiais mais empregados
no processo de ajuda humanitária, com destaque para dois estados brasileiros, e
aqueles recomendados pelo Projeto Esfera, por intermédio dos Padrões Mínimos.

1.1 Materiais

Os recursos materiais que precisamos ter dependem do planejamento


estabelecido pela gestão pública e da identificação das necessidades das
pessoas afetadas (Goentzel, 2012). Por essa razão, devemos estabelecer
prioridades (Quadro 1). Ou seja, momentos após a ocorrência de um desastre,
alocar as pessoas em um abrigo pode ser uma necessidade imediata, mas outros
itens podem ser mais prioritários à sobrevivência, como a assistência médica.

Quadro 1 – Resistência de um ser humano adulto após um desastre

Condição Tempo de sobrevivência Considerações


Sem abrigo e O metabolismo é alterado em
Entre 1 e 2 dias
aquecimento temperaturas abaixo de 23 °C
Fatalidade, com perda de 30 a 40% da
Sem água Entre 2 e 3 dias
água corporal
Sem alimentação 14 dias Valores são menores em crianças
Fonte: Lamont-Gregory; Henry; Ryan, 1995.

2
Em âmbito internacional, encontramos duas recomendações essenciais
relacionadas aos materiais necessários à ajuda humanitária. A primeira delas foi
proposta pela Federal Emergency Management Agency (Fema), dos EUA, em
2012, a qual elaborou um documento que divide os materiais em quatro níveis:

I. Nível A: os suprimentos devem ser necessários para os dois primeiros dias


após o desastre. Em outras palavras, devemos fornecê-los imediatamente.
Por exemplo, água, alimentos, roupas, colchões etc.
II. Nível B: a urgência é menor que o nível anterior. Os suprimentos são
fornecidos segundo a necessidade. Por exemplo, ferramenta, ração etc.
III. Nível C: serviços de apoio. Por exemplo, transporte, banheiros químicos
etc.
IV. Nível D: materiais de apoio e suprimentos. Seguem os mesmos critérios
dos níveis A e B. Por exemplo, kits médicos, de alimentação e de higiene.

A segunda recomendação é aquela feita pelo Projeto Esfera, como vimos


anteriormente. Portanto, exemplificamos a seguir, de maneira resumida, os
critérios para alguns materiais contidos no projeto (El Proyecto Esfera, 2011). Eles
podem ser alterados de acordo com as práticas sociais, culturais e religiosas do
local.

• Água potável: a quantidade necessária pode variar segundo o contexto e


as características socioculturais e pessoais. O recomendável é 15 litros por
pessoa, por dia (l/p/d), e o mínimo é de 7,5 l/p/d, assim distribuídos:
− ingestão e alimentos: 2,5 a 3 l/p/d;
− higiene: 2 a 6 l/p/d;
− cozimento: 3 a 6 l/p/d.
• Alimentos: não são especificados, mas os requisitos nutricionais que
devemos fornecer são 2.100 kcal/pessoa/dia, sendo 10% do total da
energia fornecida por proteína e 17% por gordura.
− Itens como pratos e talheres são obtidos segundo a necessidade (Paiva,
2012).
• Higiene e limpeza: podemos quantificá-los segundo a necessidade pessoal
em certo período ou pela necessidade familiar. Eles são divididos em
necessidades básicas ou adicionais.
− Básicas:
− baldes: 2 de 10 a 20 litros por residência;

3
− sabonete: 250 g por pessoa/mês;
− sabão de lavanderia: 200 g por pessoa/mês;
− materiais de higiene íntima feminina: 1 kit por jovem/adulta.
− Adicionais:
− creme dental: 100 g/mês;
− escova de dentes: 1/mês;
− xampu: 250 ml/mês;
− loção infantil: 250 ml/mês;
− aparelho de barbear descartável: 1/mês por jovem/adulto;
− roupa íntima feminina: 1 kit/mês por jovem/adulta;
− escova de cabelo e/ou pente: 1/mês;
− fraldas: de acordo com a necessidade familiar.
− Roupas: devemos fornecer pelo menos dois conjuntos completos de
vestuário de tamanho correto e que sejam apropriados à cultura, estação
do ano e clima do local. Peças íntimas devem ser novas.
− Também devemos disponibilizar um conjunto de cobertores, roupas
de cama, colchões ou revestimentos para dormir e, conforme a
necessidade, rede de proteção ou repelentes.

Com base nesses preceitos, verificamos que os municípios brasileiros mais


preparados disponibilizam kits para a ajuda humanitária, nos quais encontramos
as cestas básicas, que devem ser feitas com o auxílio de uma nutricionista. Em
Minas Gerais, a Coordenadoria Estadual de Proteção e Defesa Civil fornece cesta
de alimentos; transporte e distribuição de água para consumo humano; kit de
limpeza; kit de higiene pessoal; lona; colchão; kit dormitório; outros que possam
estar disponíveis (telhas, caixas d'água etc.) (Minas Gerais, 2016).
Já em Santa Catarina, a Portaria n. 08/2016 elenca 28 itens que devem
integrar a ajuda prestada pelo estado. São eles: água potável; cestas de produtos
de pronto consumo; cesta básica de alimentos (7 e 14 dias); pastilhas
purificadoras de água; kit para higiene pessoal e limpeza doméstica; kit de
acomodação para casal ou solteiro; colchão para casal ou solteiro; lona para
cobertura; cumeeiras para telhas de fibrocimento; prego e parafusos; reservatório
de água; kit infantil ou idoso; madeira para cobertura.

4
TEMA 2 – CAMPANHAS DE ARRECADAÇÃO E DOAÇÕES

Como vimos em momento anterior, normalmente a população é chamada


para auxiliar no processo de ajuda humanitária, especialmente nas etapas de
arrecadação e doação de recursos materiais, desde a coleta até a distribuição.
Entretanto, não podemos nos esquecer também de que ações dessa natureza
devem ser complementares àquelas desenvolvidas pela gestão local. Portanto,
para que tenhamos uma campanha de arrecadação e doação bem-sucedida e
com resultados eficazes, antes da ocorrência do evento, na fase de gestão de
risco, os órgãos de proteção e defesa civil devem elaborar diversas estratégias
(Holguín-Veras et al., 2014) que devem estar contidos no Plano de Contingência
de Proteção e Defesa Civil. Adiante, vamos apresentar as principais.

2.1 Estratégias para uma campanha de arrecadação e doação

Inicialmente, precisamos identificar as instituições que têm experiência no


tema, os agentes de proteção e defesa civil responsáveis por esse processo na
gestão pública e os voluntários habilitados para atuarem no gerenciamento das
arrecadações e doações. Como vimos anteriormente, há entidades e
organizações não governamentais que trabalham na mobilização de recursos,
empregando voluntários para a montagem dos kits para os afetados.
Em seguida, devemos estabelecer o local adequado do ponto de vista
sanitário para armazenar as doações, como veremos no próximo item. Além disso,
necessitamos divulgar o tipo e a quantidade de material que será útil, sobretudo
em boas condições de uso e consumo e com validade. Logo, devemos ter atenção
especial com os seguintes produtos e formas de auxiliar financeiramente:

1. água potável: potabilidade, distribuição e controle; data de validade;


2. alimentos: data de validade, acondicionamento e guarda;
3. remédios: data de validade e distribuição com prescrição médica;
4. roupas e calçados: cuidados, limpeza e separação por tamanho e gênero;
5. dinheiro: depósito em conta corrente e prestação de contas nos mesmos
veículos que divulgaram a solicitação (Brasil, 2017).

Caso não estejam nas condições adequadas, empregamos recursos para


o transporte de itens inutilizáveis, o que resulta em desperdícios, sobrecarga de
trabalho de triagem e, assim, em falsa expectativa para os atingidos. Nesse

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sentido, podemos citar dois exemplos emblemáticos que ocorreram no país. O
primeiro deles ocorreu após as inundações em Blumenau (Santa Catarina), em
2008, quando cerca de 897,6 toneladas de roupas que sobraram das doações
tiveram que ser redirecionadas para 27 municípios vizinhos, exigindo 88
caminhões para esse transporte (Brito Júnior; Santos, 2016). No mesmo sentido,
após o desastre ocorrido em 2010, o município de São Luiz do Paraitinga (São
Paulo) recebeu uma quantidade de itens de vestuário muito superior à quantidade
de pessoas afetadas e residentes no município, 34 vezes a mais (Kawasaki et al.,
2012).
Com essas etapas realizadas, não podemos nos esquecer de
a. estabelecer um canal de comunicação com os doadores, até mesmo por causa
da campanhas falsas; b. mobilizar uma equipe para coordenar a montagem e
distribuição dos kits; c. organizar e controlar o acesso ao local de doação; d.
controlar o estoque de materiais; e. cadastrar os afetados e realizar a triagem
socioeconômica a fim de verificar a priorização de atendimento; e f. definir o meio
e local de distribuição (Holguín-Veras et al., 2014). Durante o processo,
recomendamos fazer o registro fotográfico do recebimento e da distribuição das
doações, a fim de dar transparência e minimizar o desvio de materiais (Brasil,
2017). Ao fim, devemos elaborar um documento contendo a prestação de contas
das doações destinadas aos afetados e aqueles inservíveis e fora de validade.
Além das campanhas realizadas pelos órgãos de proteção e defesa civil, é
possível que pessoas ou instituições também as façam. No entanto, o ideal é que
esses grupos façam campanhas de arrecadação de recursos financeiros, pois isso
oportuniza agilizar a aquisição e a distribuição de produtos e garantir que eles
atendam às necessidades dos atingidos. Nesse caso, esses recursos devem ser
direcionados para as contas em nome do Fundo Municipal de Proteção e Defesa
Civil. Ainda, outras instituições podem contactar semelhantes na região atingida e
disponibilizar produtos, conforme as necessidades. Nesse caso, o gestor do
desastre pode manter uma lista de instituições, a qual é normalmente
disponibilizada no Plano de Contingência Municipal, e necessidades para
repassar aos interessados.

TEMA 3 – ABRIGOS TEMPORÁRIOS

Além das vítimas, é comum verificarmos, após um desastre, o


deslocamento de parte da população que teve a sua residência parcial ou

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totalmente afetada, ocasionando uma condição temporária ou permanente de
desabrigo. Por isso, essas pessoas precisam ser inseridas em um local capaz de
fornecer a elas todas as condições necessárias para a manutenção dos requisitos
básicos de sobrevivência. A estrutura mais comum encontrada para isso é o
abrigo. Podemos entendê-lo como sendo o local que proporciona o abrigo de
pessoas que estão impedidas de voltar à sua residência (Sedec-RJ, 2006). Para
que possamos ter sucesso nesse processo, precisamos organizar, articular com
as demais partes e comunicar as atividades desenvolvidas nele, bem como
estruturar uma logística a fim de atender às demandas das pessoas (Sedec-RJ,
2006).
É importante saber que há diferença entre os termos desalojado e
desabrigado. O primeiro faz referência às pessoas que deixaram sua residência e
foram acolhidas em outra; o segundo, as que estão acolhidas em um abrigo
público.

3.1 Tipo de abrigo

Assim, podemos classificar os abrigos quanto ao tempo em que ficarão


mobilizados, operando, e ao tipo de instalação (Quadro 2). No primeiro caso, vai
depender de quem será o público-alvo e da sua capacidade de recuperação diante
do desastre, podendo ser de caráter temporário ou permanente (Sedec-RJ, 2006).
O tipo de instalação está atrelado aos componentes de sua estrutura e o que é
preciso para estruturá-lo. Ele pode ser fixo ou móvel e apresentar desde uma
configuração básica até uma que demanda um nível de gestão mais complexo.

Quadro 2 – Formatos de abrigo

Tempo de mobilização e operação Tipo de instalação


Temporário Fixo
Exemplo: vítimas de desastre Exemplo: ginásio de esportes
Permanente Móvel
Exemplo: acolhimento de população de rua Exemplo: campos de futebol
Fonte: Sedec-RJ, 2006.

Independentemente do tempo e do tipo de instalação, é importante


verificarmos as condições de segurança do abrigo quanto à localização, pois isso
vai influenciar no sucesso ou fracasso da resposta. Por exemplo, se está ou não
localizada em uma área suscetível e de risco (como uma planície de inundação
ou no sopé de uma montanha) ou de vulnerabilidade (condições de insalubridade).

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3.2 Componentes de um abrigo

A partir do momento em que definimos o tipo de abrigo e sua localização,


precisamos estruturá-lo a fim de atender exclusivamente às necessidades das
pessoas afetadas. O Projeto Esfera, por exemplo, nos recomenda fazê-lo nos
âmbitos de saúde, água, saneamento, segurança alimentar e itens essenciais à
sobrevivência. Portanto, ele deve ter três elementos: 1. preparação/adequação; 2.
recebimento e acolhida; e 3. regras de convivência (Quadro 3).

Quadro 3 – Elementos básicos na estruturação de um abrigo

(1) Preparação/adequação
Unidades familiares Espaço para permanência das famílias
Instalações elétricas/hidráulicas
Banheiros químicos ou existentes
Infraestrutura
Chuveiro
Lavanderia
Saúde Instalação de um posto de saúde
Refeições prontas
Alimentação/nutrição
Local para a produção de alimentação especial
Água Disposição de bebedouros
(2) Recebimento e acolhida
Cadastramento da família Origem e composição da família
Triagem social Idade, gênero, enfermos e necessidades especiais
Inventário dos bens
Definição da unidade familiar Conforme a composição da família
Encaminhamento para a unidade familiar
Levantamento socioeconômico
Entrega do cartão de alimentação e de benefícios eventuais
(3) Regras de convivência
Horário de entrada e saída
Trajes para transitar
Horário das refeições
Atenção com as crianças
Normas de conduta
Cuidados com o cartão de alimentação
Volume da televisão
Fumar em locais designados
Uso de água para o banho, lavar roupas e higiene
Fonte: Brito Júnior; Santos, 2016.

3.3 Desafios ao convívio social

Como o abrigo vai receber temporariamente pessoas com características


díspares e de vários locais em um espaço limitado, é muito comum nos
depararmos com diferenças de comportamento que podem comprometer o
convívio social. Por exemplo, podemos ser confrontados com furtos, abandono de

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incapaz, estupro, conflitos, violência doméstica, infração às regras de convivência,
entre outros. Por isso, precisamos estabelecer no local um aparato estatal, o qual
será definido de acordo com os problemas nele vivenciados, por exemplo, uma
delegacia ou posto da polícia, conselho tutelar, vigilância sanitária etc.

TEMA 4 – AÇÕES DE ATENDIMENTO

Como vimos até agora, os desastres não afetam todos os setores de uma
sociedade da mesma forma. As pessoas e grupos mais vulneráveis tendem a ser
os mais pobres, os autônomos e desempregados, os socialmente excluídos,
aqueles pertencentes a grupos étnicos ou religiosos discriminados, refugiados e
pessoas internamente deslocadas, em grande parte as mulheres, as que
dependem física e economicamente de outrem (crianças, idosos, deficientes), as
que têm baixo nível de saúde e formação. Por essa razão, devemos garantir os
direitos e aprimorar os procedimentos de assistência a esses grupos.
A seguir, veremos as condições exibidas por alguns grupos vulneráveis.

4.1 Questões de gênero

Entendemos o termo gênero como sendo as diferenças sociais existentes


entre homens e mulheres. Em muitas sociedades, principalmente dominadas por
homens, falar sobre gênero é sinônimo de empoderamento das mulheres e,
portanto, pode parecer ir contra as normas culturais. Em essência, sabemos que
esse empoderamento implica uma mudança nas relações de poder que fazem
com que determinado grupo social tenha menor importância social do que os
demais ou que sofra de tratamento injusto. Assim, entendemos o gênero como
sendo a igualdade entre homens e mulheres. Isso não significa que mulheres e
homens sejam iguais, mas sim que o gozo de seus direitos e as oportunidades de
vida não podem depender de sua condição de homem ou mulher.
Durante a ocorrência de desastres, vemos que cada um dos grupos de
gênero (mulheres e homens) tem necessidades específicas que requerem
atenção adequada. Por isso, precisamos analisar as questões de gênero em todas
as suas dimensões, de acordo com os direitos de cada grupo, para entender com
clareza a dinâmica atual entre eles. Dentro de cada um dos grupos vulneráveis,
mulheres e meninas tendem a apresentar um grau adicional de vulnerabilidade
em razão das relações de gênero. As mulheres, por exemplo, enfrentam

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necessidades e problemas específicos, como os relacionados à alimentação entre
mulheres grávidas e lactantes, saúde e à violência e abuso sexual.

4.1.1 Violência de gênero

A violência baseada no gênero, especialmente a sexual, é um problema


sério que ameaça a vida, sobretudo de mulheres e meninas, e a consideramos o
tipo mais direto e perigoso de violência que ocorre nos estágios iniciais de um
desastre, quando instituições como a polícia estão enfraquecidas. Essa violência
também pode assumir outras formas, como a mutilação genital feminina e
violência doméstica, deixando as vítimas com traumas psicológicos extremos.
Porém, lembramos que, em virtude de sua natureza, ela é, em sua maioria, não
relatada. As vítimas raramente falam sobre o que aconteceu por uma variedade
de razões, incluindo sentimento de culpa, medo de represálias e desconfiança das
autoridades. A reação dos familiares, que pode incluir culpas, estigmatização e
até rejeição, são outros motivos pelos quais esse tipo de ato não é denunciado.

4.2 Crianças

As crianças são possivelmente o grupo mais vulnerável, sobretudo aquelas


com menos de cinco anos de idade. Isso se deve à sua fragilidade biológica, à
sua dependência material e psicológica de outros adultos e à sua capacidade
reduzida de mobilidade e autonomia. As crianças em maior risco são as aquelas
que acabam de desmamar, geralmente entre os 6 meses e os 2 anos, pois estão
privadas dos benefícios nutricionais e imunológicos do leite materno. Além disso,
aqueles em processos de fome são afetados mais cedo e mais gravemente pela
desnutrição. O desmame, junto com a água contaminada e insalubre, facilita a
contração de doenças diarreicas, além de outras como pneumonia e gripe.
Também temos outros grupos de crianças vulneráveis, por exemplo, as
crianças de rua, abandonadas ou que fugiram dos pais; órfãos não acolhidos por
outros parentes ou famílias; crianças acidentalmente separadas de seus pais
durante o deslocamento em desastres; e crianças afetadas por problemas como
estresse pós-traumático. Em situações de desastre e conflito armado, as crianças
enfrentam o recrutamento forçado – sobretudo os meninos – e riscos adicionais,
como infraestrutura danificada, destroços, exposição a lixo contendo resíduos
perigosos. Outra forma de violência é o abuso sexual.

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No Brasil, temos o Protocolo de Proteção Integral à criança, ao
adolescente, ao idoso e à pessoa com deficiência. Ele tem como objetivo orientar
agentes públicos estaduais, municipais e federais, a sociedade civil, o setor
privado e as agências de cooperação internacional para atuarem em situações de
risco e de desastre no desenvolvimento de ações de gestão de riscos e desastres.

4.3 Idosos

Embora em alguns locais os idosos representem conhecimento e


autoridade, é comum que sejam afetados por vários problemas e limitações. Um
deles é a deficiência física, que reduz a capacidade de trabalhar, o que pode
colocá-los na pobreza e na desnutrição se não tiverem ajuda. Ainda, as limitações
físicas dificultam a sua própria defesa, bem como a deslocação em situação de
emergência para fugir da violência e procurar refúgio ou ajuda. Da mesma forma,
as doenças, temporárias ou crônicas, contribuem para a erosão de suas
capacidades físicas ou mentais, aumentando sua dependência de outras pessoas.

TEMA 5 – ASPECTOS PSICOLÓGICOS

Algumas das ocorrências de desastres produzem não apenas óbitos,


enfermidades físicas e perdas materiais, mas também uma série de
consequências na saúde mental da população. Os danos psicológicos causados
às pessoas podem ser muito mais graves do que os danos físicos. Isso porque
todo sofrimento físico é temporário quando é tratado e curado, enquanto o
sofrimento psíquico pode se manifestar silenciosamente e durar a vida toda se
não houver ajuda (Albuquerque; Zacarias, 2016). Devemos lembrar que cada
pessoa tem uma reação diferente ao mesmo tipo de evento traumático, podendo
também ter como correlação idade, sexo, classe social, situações de
vulnerabilidade, entre outros aspectos que podem interferir na saúde mental.
Entre as consequências psicológicas negativas geradas por desastres,
podemos destacar o transtorno de estresse pós-traumático, ou seja, a resposta
de ansiedade provocada por eventos, lesões ou mortes, e o luto pela perda de
entes queridos e o desastre coletivo (Blatner, 2010). Além dele, o Manual
Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais nos apresenta as consequências
psicológicas resultantes de um desastre em três categorias (SNS, 2018), a saber:

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• pré-traumático:
− menor nível socioeconômico e de educação;
− exposição anterior a traumas (sobretudo durante a infância);
− adversidades na infância (por exemplo, privação econômica, disfunção
familiar, separação ou morte dos pais);
− características culturais (por exemplo, estratégias de enfrentamento
pessimistas ou de autocensura);
− status de minoria étnica;
− história psiquiátrica familiar;
− sexo feminino e idade mais jovem no momento da exposição ao trauma
(para adultos);
− alguns genótipos podem ser protetores ou promotores do risco de
desenvolver transtorno de estresse pós-traumático após a exposição a
eventos traumáticos;
− problemas emocionais na infância até seis anos de idade (por exemplo,
exposição traumática, problemas de ansiedade);
− transtornos mentais anteriores (por exemplo, transtorno do pânico,
depressão, transtorno de estresse pós-traumático ou transtorno
obsessivo-compulsivo).
• peritraumático:
− grau de gravidade do trauma (quanto maior a magnitude do trauma,
maior a probabilidade de estresse pós-traumático);
− percepção de ameaças à vida;
− lesões;
− violência interpessoal;
− ser perpetrador, presenciar atrocidades ou matar o inimigo;
− dissociação que ocorre durante o trauma e persiste depois.
• pós-traumático:
− exposição subsequente a memórias desagradáveis;
− eventos adversos subsequentes na vida;
− perdas financeiras ou outras perdas relacionadas a traumas;
− avaliações negativas;
− estratégias de enfrentamento inadequadas;
− desenvolvimento de transtorno de estresse pós-traumático.

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5.1 Papel da psicologia

Com base nisso, a atuação dos profissionais da psicologia diante de


desastres é de extrema importância para a reconstrução das comunidades
afetadas, principalmente dos grupos em maior situação de vulnerabilidade.
Porém, devemos lembrar que os acidentes podem ocorrer na própria equipe de
psicólogos, no corpo de bombeiros, na defesa civil, na segurança ou na saúde.
Em relação à criança e ao adolescente, de acordo com a Convenção Internacional
dos Direitos da Criança e o Estatuto da Criança e do Adolescente, antes do início
do acompanhamento, a autorização dos responsáveis pelos menores é
necessário. Ainda, quando houver necessidade de mudança para abrigo
temporário, o Conselho Tutelar deve atuar.
Podemos perceber que esses processos requerem a atuação integrada de
diversos agentes, levando em consideração a hierarquia de suas
responsabilidades. Também, ressaltamos que a participação dos profissionais
deve seguir o Código de Ética, tomando cuidado para não “fazer diagnósticos,
divulgar procedimentos ou apresentar resultados de atendimento psicológico na
mídia, que exponha pessoas, grupos ou organizações” (CFP, 2005).
Deve-se notar que grande parte da população que sofre um desastre não
necessita de atendimento especializado em saúde mental. No entanto, a
necessidade de ajuda psicossocial é importante para toda a comunidade,
principalmente considerando que existem vários atores que podem auxiliar nesse
tipo de atividade. Problemas psiquiátricos se desenvolvem em apenas 3-4% das
pessoas, problemas psicológicos e psicossociais, em 15-20%, enquanto as
dificuldades e sofrimentos representam 75-80% dos casos, embora não haja
problemas de adaptação após os eventos (UNA-SUS; Fiocruz, 2016).
Assim, devemos capacitar diversos profissionais, e principalmente os
psicólogos que atuam em órgãos públicos estaduais e municipais, para que
possamos ter uma ação efetiva na ocorrência de desastres.

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REFERÊNCIAS

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