Você está na página 1de 42

Psicologia de Emergências e Desastres

Intervenções psicológicas em situações de


crises, violências e desastres
Itabira – Abril/2019

Valéria Corrêa da Silva


Psicoterapeuta Cognitivo Comportamental
Integrante da Comissão de Psicologia de
Emergências e Desastres do CRPMG
Reflexões Práticas

➢ Setting terapêutico
➢ Protocolos
➢ Morte, perdas e mutilações
➢ O estresse
➢ Ambiente
➢ Flexibilidade
➢ Perfil
➢ Trabalho em equipe
“Os integrantes das associações que gerenciam os desastres e
as catástrofes, militares e civis, homens e mulheres, são
submetidos a um treinamento que privilegia o autocontrole, a
ação ordenada e eficiente em situações em o pânico, o
sofrimento e o descontrole são a tônica principal. Esse
treinamento permite que esses homens e mulheres consigam
ser ponderados e eficientes, mesmo tendo como companhia
cotidiana a violência, a dor, o desespero e, às vezes, a própria
morte. Bendito seja esse trabalho para os que dele vão ser
beneficiados.
...tratar desse grupo heroico de pessoas que são salvadoras
das vítimas de seus próprios sentimentos e de seu próprio
treinamento.”
Entendo alguns conceitos

➢Defesa civil: Conjunto de ações preventivas, de socorro,


assistenciais e recuperativas destinadas a evitar ou minimizar
os efeitos dos desastres, preservar o moral da população e
restabelecer a normalidade social.
(BRASIL 2002)
➢Sistema de defesa civil: Os órgãos e entidades da
administração pública federal, dos Estados, do Distrito Federal
e dos Municípios, as entidades privadas e a comunidade,
responsáveis pelas ações de defesa civil em todo o território
nacional, constituirão o Sistema Nacional de Defesa Civil -
SINDEC, sob a coordenação da Secretaria Nacional de Defesa
Civil, do Ministério da Integração Nacional.
Entendo alguns conceitos

Fernández (2007) - diferenciação quanto aos recursos que cada evento


exige, diferenciando-se assim a gravidade destes:

➢Emergências: situações que poderiam ser resolvidas com serviços


assistenciais locais, tanto de médicos como de resgate.

➢Desastres: exigem maior infra-estrutura para prestar ajuda aos feridos


que se encontram em maior quantidade, bem como já existe um grau de
destruição em uma área maior, levando também a um custo
socioeconômico mais elevado.

➢Catástrofes: desastres massivos, que acionarão mais recursos humanos


e materiais em um esforço coordenado para sanar as necessidades das
pessoas envolvidas.
Conceito de Desastre

➢Depende da perspectiva daquele que o nomeia e do lugar


que ele ocupa nesta interação com o evento.

➢Ruptura do funcionamento habitual de um sistema ou


comunidade, devido aos impactos ao bem estar físico, social,
psíquico, econômico e ambiental de uma determinada
localidade.

➢Afeta um grande número de pessoas, ocasionando


destruição estrutural e/ou material significativa e altera a
geografia humana, provocando desorganização social pela
destruição ou alteração de redes funcionais.
Conceito de Desastre

➢Os desastres podem provocar medo, horror, sensação de impotência,


confrontação com a destruição, com o caos, com a própria morte e\ou de
outrem, bem como perturbação aguda em crenças, valores e
significados.

➢Para haver um desastre é necessária a combinação de um conjunto de


fatores: ameaças, exposição, condições de vulnerabilidade e insuficiente
gestão integral de riscos.

➢O desastre deve ser compreendido vinculado ao contexto no qual ele


ocorre, ou seja, é necessário considerar as dimensões sócio-politico-
culturais e econômicos de vulnerabilidade, capacidade, exposição de
pessoas e bens, características e percepções dos riscos e meio
ambiente.
Classificação dos Desastres -Intensidade

Nível I: desastres de pequeno porte, quando os danos causados são


facilmente suportáveis e superáveis pelas comunidades afetadas.

Nível II: desastres de médio porte, quando os danos e prejuízos podem


ser superados com recursos da própria comunidade, desde que haja uma
mobilização.

Nível III: desastres de grande porte, quando a comunidade complementa


os recursos locais com auxílio externo, a fim de superar os danos e
prejuízos.

Nível IV: desastres de muito grande porte, quando não são superáveis e
suportáveis pelas comunidades, mesmo quando bem informadas,
preparadas, participativas e facilmente mobilizáveis, a menos que recebam
ajuda de fora da área afetada.
Classificação dos Desastres - Evolução

Súbitos ou de evolução aguda: caracterizados pela rapidez com que


evoluem e, normalmente, pela violência dos fenômenos que o causam.
Alguns exemplos são as enchentes, os vendavais e os acidentes industriais.

Graduais ou de evolução lenta: os que evoluem progressivamente ao longo


do tempo. No Brasil há exemplos muito importantes desse tipo de
desastres, como a estiagem, a desertificação e a erosão do solo.

Por somação de efeitos parciais: caracterizam-se pela somação de


numerosos acidentes ou ocorrências semelhantes, cujos danos, quando
somados ao término de um determinado período, definem um desastre
muito importante. Os acidentes de trânsito podem ser um bom exemplo de
como a somação de numerosas ocorrências semelhantes pode representar
um total de danos e prejuízos que, ao final, ultrapassam os produzidos
pelos desastres mais visíveis, como enchentes e vendavais.
Classificação dos Desastres -Origem
Naturais: provocados por fenômenos e desequilíbrios da natureza e
produzidos por fatores de origem externa que atuam independentemente
da ação humana. Exemplos: terremotos, os furacões e as erupções
vulcânicas.

Humanos: provocados por ações ou omissões humanas, os desastres


humanos podem ser agrupados em três diferentes categorias de acordo
com o tipo de atividade humana envolvida:
Tecnológicos = decorrentes do uso de tecnologias, destacando-se os
relacionados aos meios de transporte, produtos perigosos e explosões,
entre outros;
Sociais: decorrentes do desequilíbrio nos inter-relacionamentos
econômicos, políticos e sociais, tais como o desemprego, a
marginalização social, a violência e o tráfico de drogas, entre outros;
Biológicos: decorrentes do subdesenvolvimento, da pobreza e da redução
da eficiência dos serviços promotores da saúde pública.
Mistos: ocorrem quando as ações ou omissões humanas contribuem para
intensificar, complicar e/ou agravar desastres naturais.
Desnaturalização dos Desastres

Econômicos
Ambientais

Desastres

Políticos Sociais
Mudança de Paradigma

Psicologia nas Emergências e Desastres

Mitigação

Prevenção Gestão Integral do Risco de Desastres Preparação

Recuperação Resposta
COM QUEM TRABALHAR?

Seis níveis de afetados (Taylor e Frazer, 1982):

➢Pessoas diretamente envolvidas

➢Familiares diretos das vítimas de primeiro

➢Integrantes das equipes de resgate

➢Comunidade envolvida no desastre

➢Pessoas que se envolvem pelo simples fato de tomarem


conhecimento do desastre

➢Quem deveria estar no local do desastre e por algum motivo


não esteve
EM QUE MOMENTO ATUAR?
Fases do desastre

➢Prevenção

➢Mitigação

➢Preparação

➢Alerta/Alarme

➢Resposta

➢Reabilitação

➢Reconstrução
DE QUE FORMA ATUAR?

➢Antes

➢Durante

➢Depois do desastre
ANTES – PREVENÇÃO E MITIGAÇÃO:

➢Elaboração de planos de contingência

➢Programas de diminuição da vulnerabilidade familiar

➢Seleção de pessoal para as equipes de resposta

➢Capacitações técnicas

➢“Gestão do rumor” – estabelecimento de redes de


comunicação adequadas

➢Simulações
DURANTE – RESPOSTA:

➢Técnicas de intervenção em crise

➢Primeiros Auxílios Psicológicos

➢Comunicação de más notícias – suporte ao reconhecimento


de corpos e objetos

➢Coleta de dados

➢Gestão da espera

➢Psicoeducação

➢Suporte via call-center


DEPOIS – REABILITAÇÃO E RECONSTRUÇÃO

➢Terapia do luto

➢Terapias centradas no trauma:

➢TCC

➢EMDR

➢TFT

➢Integração dos dados

➢Apoio às ações de suporte de reconstrução social

➢Fortalecimento da resiliência individual e comunitária


Comunicação

Sobre diálogo Paulo Freire(1977,p.69) afirma: “ A educação


é comunicação, é diálogo, na medida em que não é a
transferência de saber, mas um encontro de sujeitos
interlocutores que buscam a significação dos significados” .
O que equivale dizer que estes espaços de diálogo devem se
utilizar de um fluxo de comunicação viável e adequado,
valendo-se muito mais da comunicação dirigida do que da
comunicação de massa.
Comunicação

Neste contexto de mudança cultural, estamos tratando


também de valores de percepção de risco, ambos possíveis de
serem modificados a partir da mobilização social.

E se para Henriques(2002,p.16) “ mobilização é gerar e manter


vínculos” ao convocar vontades para a mudança de uma
realidade, a definição das estratégias de comunicação
comunitária pode dar-se a partir da identificação da natureza e
força de tais vínculos. E na comunicação que se busca a
corresponsabilidade.
Comunicação
Espaço compartilhado pela Comunidade, será preciso identificar os espaços
sociais e as lideranças que compartilham da mesma localização espacial do
risco para garantir o sucesso da mobilização;

Informações fundamentadas e articulação com equipamentos urbanos, como


escolas, postos de saúde e igrejas;

Julgamento a partir das informações de qualidade, momento de iniciar


trabalho de mudança cultural;

Ação são as contribuições diretas ou indiretas, eventuais ou permanentes;


Coesão sistematização das ações;

Corresponsabilidade a comunidade se percebe autônoma e não mais vítima


de riscos e sim protagonista na construção histórica;

Participação Institucional corre o risco de engessamento burocrático e acaba


reproduzindo as relações sociais autoritárias.
Primeiros Cuidados Psicológicos
O objetivo da primeira ajuda psicológica é auxiliar de forma imediata as
pessoas afetadas e minimizar o impacto emocional do evento adverso.

Objetivos específicos são:

Contribuir para a garantia da satisfação das necessidades básicas de


sobrevivência;

Contribuir para a redução da tensão;

Ajudar as pessoas afetadas a tomar decisões práticas para resolver os


problemas urgentes causados pelo desastre;
Primeiros Cuidados Psicológicos

Favorecer o desenvolvimento de atividades solidárias e de ajuda


mútua;

Preservar uma área de segurança para os afetados;

Promover o contato social com seus familiares e amigos;

Auxiliá-los a localizar e verificar o estado em que se encontram seus


entes queridos.
Primeiros Cuidados Psicológicos

O que faz o Psicólogo:

Atua onde há sofrimento;

Desastre deve ser entendido como crise;

Abordagem psicossocial;

Colaborar na busca da capacidade adaptativa do sujeito;

Buscar redução do estresse no ambiente;


Primeiros Cuidados Psicológicos

Levar informações claras e seguras;

Conhecer o território;

Apoiar as equipes dos equipamentos: CRAS, CREAS, CAPS I


E II, REDE LOCAL, AGENTE DE SAÚDE E OUTROS;

Saber quem coordena a ação/ evento;

Conhecer de qual lugar está falando o psicólogo: hospitalar;


da equipe de Corpos de Bombeiros, Polícia militar, dos
movimentos populares; do sindicato, do Conselho e outros.
Primeiros Cuidados Psicológicos

Algumas atitudes importantes que os membros dessas


equipes devem adotar:

Atitude serena, respeitosa, cordial e afetiva, mas firme; a


pessoa assistida não espera que quem oferece ajuda se
some a sua crise, mas sim que a ajude a superá-la;

Evitar ser crítico;

Adotar uma atitude de escuta responsável, que permita a


pessoa afetada se expressar é o melhor recurso na
assistência psicológica de urgência;
Primeiros Cuidados Psicológicos

Não tentar resolver, responder, ou mesmo esclarecer


todas as perguntas que os afetados o fazem sobre os
aspectos referentes às causas do desastre;

Não tentar acalmá-los, convencendo-lhes de que as suas


impressões sobre o evento estão equivocadas;

Manter o autocontrole: quem oferece a primeira ajuda


deve controlar seu próprio comportamento;

Disposição para trabalhar em equipe;


Primeiros Cuidados Psicológicos

As pessoas que prestam ajuda devem identificar-se ao afetado,


dizendo-lhe o motivo de sua presença e verbalizar suas
intenções de ajuda;

Prever possíveis atos hostis ou agressões, frequentemente,


alguns familiares ou amigos podem estar muito alterados
emocionalmente;

Prever vias de saída rápida do cenário, se for necessário;

Intervir sempre em par, o que é uma regra básica de


segurança.
Ações da Psicologia

Ação Direta:
Atendimento às vitimas por meio da escuta atenta;
Entrevistas de apoio;
Portador de informações básicas;
Ajudar a pessoa a se situar e se orientar diante da situação
de caos.

Ação Indireta:
Participar na formação e preparação psicológica dos agentes
que atuam diretamente na resposta às diversas ocorrências.
Ações da Psicologia

O trabalho dos psicólogos com a Defesa Civil deve ser realizado em todas
as fases de ação (prevenção, mitigação, preparação, respostas,
recuperação), ultrapassando a intervenção sobre os efeitos psíquicos,
atingindo a ajuda humanitária e a mobilização de recursos do entorno.

Pode, por exemplo, colaborar na gestão desses abrigos defendendo:


A manutenção do grupo familiar nos alojamentos;
Os cuidados especiais a serem dirigidos às mães gestantes e/ou com
filhos lactantes, aos idosos e às pessoas com deficiência;
A inserção de atividades de lazer e recreação para as crianças.
O reencaminhamento de crianças em idade escolar para que as
atividades escolares.
Ações da Psicologia

Assim, a presença do psicólogo pode ser bastante


valorizada nos trabalhos junto às comunidades, aos
núcleos comunitários de Defesa Civil ao:

incentivar a organização de lideranças comunitárias, no


sentido de que cada um saiba reconhecer e assumir a
responsabilidade sobre si e sobre o grupo promovendo
ações voltadas para a melhoria das condições do lugar
em que vivem;
Identificar recursos disponíveis no local, como serviços de
cultura, saúde, lazer e educação, para inserção da
população assistida nas atividades oferecidas por esses
setores;
Ações da Psicologia

Restaurar e aumentar a capacidade adaptativa do


individuo;

Incentivar individuo a restaurar sua capacidade de análise


e compreensão racional dos eventos que afetaram suas
vidas, restabelecendo sua racionalidade e minimizando o
estresse agudo provocado pelo sinistro;

Acolher e auxiliar no desenvolvimento de ações e


sentimentos relativos ao aprender coisas como conviver
em grupo e depender do auxilio de terceiros.
Ações da Psicologia

Realizar acompanhamento em situações de reconhecimento de


cadáveres;

Estimular a pessoa a “restabelecer a capacidade de


enfrentamento imediato, controlar os sentimentos, enfrentar a
crise, iniciar a solução de problemas e continuar, dando
sentido à continuidade de sua vida.” (BRUCK, 2009, p. 29)
Impacto de longo prazo sobre os transtornos mentais
Tabela resumo das projeções da OMS
Mediana entre países e nível de exposição a adversidade esperada

ANTES DO DESASTRE: DEPOIS DO DESASTRE:


12-meses prevalência 12 meses prevalência

Transtorno severo 2-3% 3-4%


(exemplo: Psicose,
depressão severa,
incapacitantes formas de
transtorno de ansiedade)

Transtorno mental leve ou 10% 15-20% (geralmente


moderada (por exemplo, reduzindo ao longo do
formas leves e moderadas tempo)
de depressão e ansiedade)

Reações "normais" ao Sem estimativa Grande porcentagem que


estresse (sem desordem) geralmente reduz com o
tempo
Respostas de Multicamadas: princípio chave

Cuidados de saúde mental por especialistas em saúde mental:


Serviços psicólogos, psiquiatras, etc.
especializados
3 a 4%

Suporte focado,
mas não Cuidados básicos em saúde mental em UBS; apoio emocional
especializado e prático básico por trabalhadores da comunidade.
15 a 20%

Ativando redes sociais e suportes tradicionais da


Fortalecimento: apoios comunidade; espaços de proteção da criança.
comunitários e familiares

Defesa para serviços básicos e de


Considerações sociais em serviços segurança e que sejam socialmente
básicos e segurança adequadas para protege a dignidade.
Em Minas
Chuvas
Seca
BH
Mariana
Janaúba
Ipatinga
No Mundo
Meninos da Tailândia
Itália
“Espere pelo melhor,
Prepare-se para o pior
E
Aceite o que vier”

Proverbio chinês
Bibliografia
✓Psicologia de Emergências e Desastres na América Latina: promoção de direitos
e construção de estratégias de atuação – CFP/www.pol.org.br/pdf
✓1º Seminário nacional de Psicologia das Emergências e dos Desastres:
contribuições para a construção de comunidades mais seguras –
CFP/www.pol.org.br/pdf
✓Recomendações para a recuperação emocional à população afetada por
catástrofes – CRPMG
✓O cuidado com crianças e adolescentes afetados por catástrofes – CRPMG
✓Site do CRPSP
✓Apresentações assistidas no 9º COREP e Psicologia em Foco: Eliana Torga,
Márcio Gagliato e Lilian Garete
conectese.psicologia@gmail.com
valeriacor_psic04@yahoo.com
@gtped

Psicóloga Clínica e em Emergências e Desastres


Psicoterapeuta Cognitivo Comportamental
Especialista em Adolescência e Saúde Pública

Você também pode gostar