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Intervenção em Crise
Vivemos numa era em que eventos súbitos, imprevisíveis e potencialmente geradores de
trauma tornaram-se presentes no nosso dia-a-dia. Milhares de pessoas em Portugal passam por
eventos potencialmente traumáticos e poderão necessitar de ajuda de profissionais de saúde
mental. A prevalência de problemas sociais e psicológicos tem aumentado nos últimos anos,
provocando a agudização das patologias do foro mental.
Existem ainda eventos que são suscetíveis de provocar trauma, como crimes violentos (assaltos,
reféns, violência doméstica, violações ou abusos sexuais, homicídios), acidentes (de viação,
aviação, marítimos), desastres naturais (inundações, tornados, tremores de terra, erupções
vulcânicas) e outros stressores (divórcio, hospitalização, diagnóstico de doença grave ou perda
do trabalho).
Todos estes eventos podem provocar episódios agudos de stress e evoluir para Perturbação Pós-
traumática de Stress (PTSD). Desta forma, é crucial que os profissionais de saúde
providenciem respostas precoces a estes eventos.
A intervenção psicológica na crise tem por base um quadro teórico específico, diferente da
psicoterapia, que exige das psicólogas estratégias específicas. Contudo, tal como na
psicoterapia, a qualidade da relação terapêutica criada irá determinar o sucesso da intervenção.
De acordo com Vasco et al. (2003) “podem apresentar-se aquelas que poderão ser consideradas
as características de um “bom terapeuta:”
a) cuida adequadamente da aliança no que diz respeito às ruturas desta nas suas vertentes de
laço, acordo relativo a objetivos e a tarefas (Bordin, 1979; Safran & Muran, 2000), e
acordo relativo à representação do problema (Vasco & Conceição, 2002);
b) é sensível às diferenças individuais dos pacientes para além do mero diagnóstico
nosológico (Beutler & Harwood, 2000; Prochaska & Norcross, 2002);
c) auxilia o paciente a identificar os seus padrões interpessoais, cognitivos e afetivos
(Benjamim, 2003);
d) auxilia a bloquear padrões não-adaptativos (Benjamim, 2003);
e) fomenta a responsabilidade e a vontade de mudar no paciente (Benjamim, 2003);
f) promove experiências de aprendizagem de novos padrões interpessoais, cognitivos e
afetivos (Benjamim, 2003);
g) consolida as mudanças, ajuda a atribuir estas aos esforços do paciente e antecipa
dificuldades futuras;
h) e respeita uma sequência temporal de objetivos estratégicos (Vasco & Conceição,
2003)”.
Reflexos Mentais Rápidos – Na intervenção em crise o fator tempo é crucial, pelo que
requer do psicólogo mais atividade e maior diretividade na intervenção. Face aos
assuntos que emergem e à quantidade de temas muitas vezes abordados, é necessário que
possua rápidos reflexos mentais. O psicólogo que não consiga pensar rapidamente e
objetivamente terá muitas dificuldades a gerir a crise.
Assertividade – Muitas pessoas em crise têm por vezes comportamentos agressivos, pelo
que é da máxima importância que o psicólogo consiga ajudar, ao mesmo tempo que
mantém os limites de forma a não se deixar agredir verbalmente ou fisicamente.
Torna-se, desta forma, importante a monitorização das reações iniciais de stress, de forma a
prevenir a sua evolução e consolidação em síndromes clínicas. Na monitorização deverá ser
avaliada a intensidade, a frequência e a duração das reações, que num bom padrão de
adaptação diminuem com o passar do tempo (por exemplo, é provável que uma pessoa após
uma situação de risco de vida possa ter insónia. Contudo, é também expectável que a insónia
vá diminuindo de intensidade, frequência e duração com o passar dos dias). A literatura
sugere que na exposição ao trauma os antecedentes pessoais e as experiências após o
incidente podem estar relacionados com a evolução das reações de stress.
Como deve agir o Psicólogo?
Uma situação de crise, resolve-se, habitualmente entre 4 e 6 semanas. Sendo, às vezes,
necessário um período de tempo maior para a resolução do evento estressante podendo a
desorganização psíquica continuar por mais tempo, durando anos ou se transformar em algo
crônico. A instabilidade ou desorganização estão limitadas no tempo e este limite no estado
de crise, aliado a um potencial para a reorganização em uma direção positiva ou negativa, é
um ponto crucial.
Quanto mais tempo a pessoa passa sem assistência ou com auxílio inadequado, mais sérios
tendem a serem os efeitos da crise, que poderão até tornarem-se irreversíveis. Então,
processos terapêuticos breves, de tempo limitado, são os mais adequados para as situações de
crise. O procedimento terapêutico deve se estender por um tempo igual ao que a maioria das
pessoas leva para recuperar o equilíbrio depois do incidente da crise, ou seja, em torno de 6
semanas. A meta principal da intervenção é ajudar a pessoa a recuperar o nível de
funcionamento que possuía antes do evento desencadeante da crise.
Os profissionais que atuam com este tipo de intervenções devem ser ativos e diretos,
orientados a obter objetivos rápidos diferentemente dos profissionais que intervém em
situações que não são de emergência. O profissional deve ser ágil e flexível para colocar em
prática ações para a resolução de problemas e para a superação das múltiplas dificuldades
que possam surgir no processo de atenção, procurando satisfazer as necessidades imediatas
do afetado colocando em funcionamento ações com os recursos disponíveis, tudo num
período de tempo reduzido.
Por outro lado, vários autores mencionam cinco componentes fundamentais que devem estar
presentes numa intervenção em crise, estruturada num processo de atendimento em grupo,
seguindo uma sequência de fases ou estádios como pode ser visualizado no Quadro 1
(Moreno et al., 2003; Raffo, 2005).
Quadro 1- Fases/Estágios de uma Proposta de Intervenção em Crise
Slaikeu (1996) postula três princípios clínicos para a prática da intervenção em crise: o
primeiro ele chama de “oportunidade” em que o objetivo é calcular e reduzir o perigo,
avaliando também a motivação do paciente para encontrar uma nova estratégia de
enfrentamento com as circunstâncias atuais de vida. O segundo princípio é a “meta”, que
consiste em ajudar o indivíduo a recuperar o nível de equilíbrio que tinha antes ou a atingir
um nível que permita superar o momento crítico. O último princípio descrito por este autor
diz respeito a uma avaliação que englobe tanto os “aspetos fortes”, como as “debilidades” de
cada um dos sistemas implicados na crise, bem como informações do que está funcional e
disfuncional na vida do indivíduo.
Entre eles está a crença de que é mais conveniente postergar a informação porque as pessoas
reagem com pânico, que todas as pessoas se paralisam frente a um desastre, que é necessário
ajudá-las até nas tarefas mais básicas e que a desorganização favorece diretamente nos
comportamentos antissociais. Estes mitos não colaboram para alcançar as soluções
necessárias que se estabelecem frente a situações de emergências. Portanto, devem ser
erradicados mediante ações preventivas eficazes em que os técnicos de saúde mental
desempenham um papel fundamental.
A intervenção em crise é uma estratégia de ajuda indicada para auxiliar uma pessoa e/ou
família ou grupo, no enfrentamento de um evento traumático, amenizando os efeitos
negativos, tais como danos físicos e psíquicos e incrementando a possibilidade de
crescimento de novas habilidades de enfrentamento e opções e perspetivas de vida. O tipo de
crise não importa, pois, o evento é emocionalmente significativo e gera uma mudança radical
na vida da pessoa. A intervenção terapêutica no momento da crise é tão eficaz quanto a
intervenção de um paramédico ao proporcionar suporte de vida a um ferido grave.
Assim, as metas durante a superação da crise devem ser focadas em ajudar as pessoas a lidar
com o evento traumático, a ajustar-se à nova situação, a devolver-lhe seu nível anterior de
funcionamento, diferente do tratamento na psicologia clínica que enfoca uma mudança
profunda do paciente ou uma revisão da origem dos seus conflitos infantis. Estas metas são
desenvolvidas através de um convite ao indivíduo para que fale de sua experiência, fazendo
com que observe o evento à distância ou perspetiva, ajudando-o a ordenar e reconhecer seus
sentimentos associados; e, também, ajudar na resolução de problemas, começando pelas
metas mais práticas e imediatas.
As metas de curto prazo incluem, de acordo com o fato ocorrido, tranquilizar o paciente,
manejar o medo, falar sobre o ocorrido, etc. Já as de longo prazo, dizem respeito a ajudar o
paciente na retomada de planos de vida como a busca por trabalho; de uma terapia de longa
duração, se for necessário, etc. O técnico precisa ser ativo e direto ajudando o paciente a
definir estes tipos de metas, bem como executá-las, tanto as de curto, como as de longo
prazo.
Psicologia Da Ligação
Com o tempo, tornou-se necessário ter em conta a atuação do psicólogo hospitalar, sua
relação e ligação com as equipes de saúde, a qual envolve o trabalho interdisciplinar. Neste
sentido, se faz necessário e de grande importância que todos os profissionais de saúde
conheçam não só o trabalho que oferecem ao paciente, mas também, que, tenham
conhecimento a respeito do trabalho de todos os profissionais envolvidos no cuidado com o
doente.
Portanto, é importante que todos os profissionais da saúde estabeleçam contato e troca de
conhecimento entre suas profissões de maneira a fortalecer o trabalho de equipe.
Inicialmente a psicologia era mais conhecida como um campo de intervenção clínica, um
atendimento individualizado em consultório, entre paciente e psicólogo, onde ocorria o
atendimento de intervenção psicoterápica com o objetivo de trabalhar os aspetos
relacionados a questões emocionais.
Desta forma a psicologia de ligação é uma área de colaboração entre psicólogos e médicos
(ou outros técnicos de saúde na área da medicina) em instituição hospitalar ou de saúde, ou
entre serviços, com patologias ligadas ao foro médico (cardiologia, cuidados intensivos,
traumatologia e urgências, etc.)
Exame Psicológico
Avaliação através de procedimentos estandardizados e focando os vários domínios de
funcionamento (cognitivo, afetivo e personalidade)
É válido mencionar, que por mais que a ideia de interconsulta nos remeta ao contexto
hospitalar, ela também pode se fazer presente em outros contextos. Ademais, possui sua
atuação pautada na integralidade, na interdisciplinaridade e na humanização.
Em suma, é um processo que pode resultar numa intervenção pontual de ajuda psicológica em
situações de crise, mas que não se desenrola no tempo como o aconselhamento, podendo ainda
ser o ponto de partida para um processo de psicoterapia.