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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

CAMPUS UNIVERSITÁRIO DE RIO DAS OSTRAS


INSTITUTO DE HUMANIDADES E SAÚDE
GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

Clícia Pontes de Souza, Diana Disitzer Netto dos Reys, Lohane Pereira Zuniga, Mariana
dos Santos dos Anjos e Silvana Teresinha Arend

A psicologia em situações de desastres, emergências e riscos:


Um fio geral sobre a temática

RIO DAS OSTRAS, RJ


2022
Resumo
Os desastres e as situações de emergência no geral podem resultar em danos materiais,
socioambientais e psíquicos. A partir dessa perspectiva, esse texto busca apresentar e
comentar sobre as possíveis intervenções da psicóloga em meio a situações de emergências e
desastres. Para isso, foram feitas pesquisas e análises de cartilhas do CFP sobre o tema e
também, uma entrevista com uma psicóloga que está concluindo seu mestrado com o tema
relacionado a essa área. Essa pesquisa nos mostra as diversas formas que uma psicóloga pode
atuar nessas situações, que podem ser relacionadas ao acolhimento, à prevenção das
comunidades e propostas de intervenções que priorizam as necessidades reais de cada
indivíduo.
Palavras chaves: Psicologia; Situação de risco; Emergência; Desastres; Ética.

1. Introdução
O presente trabalho busca compreender a ética da prática de profissionais da
psicologia dentro do contexto de desastres e emergências. O objetivo do trabalho é
compreender quais são as possíveis maneiras da psicóloga se inserir de forma ética em
situações delicadas em que pessoas são afetadas de forma financeira, emocional e social.
Utilizamos como exemplos alguns desastres que foram referenciados em nossas pesquisas. É
necessário apontar que notamos a falta de materiais bibliográficos referentes à temática e nos
deparamos com o não saber, o que motiva a buscar, a pesquisar e quiçá, construir.
Utilizamos a revisão bibliográfica como metodologia de pesquisa e nossas referências
compõem-se de cartilhas do Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas
(CREPOP) e do Conselho Federal de Psicologia (CFP), e também realizamos uma entrevista
com a psicóloga Thaís Sâmela Castro de Moraes que é membro da Comissão Especial de
Emergências e Desastres do CRP-RJ.
Trilharemos o trabalho pela definição do conceito de desastre e emergência,
pontuando o papel prático e ético das psicólogas dentro frente a esse contexto, sempre usando
como referência os acontecimentos citados nas cartilhas. Além disso, traremos também o
olhar da Thaís enquanto psicóloga que compõe seu trabalho de mestrado inserida no campo.

2. Desenvolvimento

2.1. Prática psicológica em um contexto de emergência: definições,


parâmetros e um olhar sobre o pré-desastre
São muitas as definições já cunhadas sobre o conceito de desastre. Apesar de não
haver um consenso entre os especialistas sobre as caracterizações dessa definição, todos os
significados criados revelam uma imagem de vulnerabilidade e, principalmente, de risco. O
Conselho Federal de Psicologia apresentou a seguinte definição no curso “Psicologia da
Gestão Integral de Riscos e Desastres”, ministrado em 2015:

A conceituação de um evento como desastre depende da perspectiva daquele que o


nomeia e do lugar que ele ocupa nessa interação com o evento. Assim, o conceito de
desastre é utilizado para nomear muitos eventos e/ou processos com características
distintas. Parte-se da compreensão do desastre como uma ruptura do funcionamento
habitual de um sistema ou comunidade, devido aos impactos ao bem-estar físico,
social, psíquico, econômico e ambiental de uma determinada localidade. Tal evento
afeta um grande número de pessoas, ocasionando destruição estrutural e/ou material
significativa e altera a geografia humana, provocando desorganização social pela
destruição ou alteração de redes funcionais. Os desastres podem provocar medo,
horror, sensação de impotência, confrontação com a destruição, com o caos, com a
própria morte e\ou de outrem, bem como perturbação aguda em crenças, valores e
significados. Para haver um desastre, é necessária a combinação de um conjunto de
fatores: ameaças, exposição, condições de vulnerabilidade e insuficiente gestão
integral de riscos. O desastre deve ser compreendido e vinculado ao contexto no
qual ele ocorre, ou seja, é necessário considerar as dimensões sócio-político
-culturais de vulnerabilidade, capacidade, exposição de pessoas e bens,
características e percepções dos riscos e meio ambiente (CFP, 2015, apud CFP, 2021,
p. 18).

Sendo assim, pode-se pensar as atuações profissionais em um desastre para além da


resposta frente uma situação de emergência. Desta forma, implementando estratégias de
Gestão de Riscos, se tornaria possível prevenir ou mitigar uma situação de calamidade. Pois,
identificando potenciais ameaças e riscos territoriais, econômicos, ambientais, sociais, físicos
e psíquicos, torna-se plausível que “uma população consiga proteger não só os recursos
materiais e imateriais existentes num dado território, mas também desenvolver condições para
enfrentar as situações adversas e reduzir danos” (CFP, 2021, p. 18).
O interesse acadêmico sobre o tema surge por volta do início dos anos 1950 entre as
disciplinas de Geografia e Sociologia. A inserção da psicologia tem sido gradual, "sendo que
a maioria dos estudos e estratégias de intervenção eram voltados ao atendimento dos
sobreviventes posterior aos eventos” (CFP, 2021, p.27). A tendência de olhar uma situação de
emergência como um fato isolado e não um contexto onde há um acúmulo de condições e
situações que prenunciam um desastre, impede que a pesquisa, assim como atuação de
diversos profissionais, incluindo o psicólogo, esteja para além do incidente ocorrido.

Durante vários anos, as organizações responsáveis por prestar assistência aos


sobreviventes enfatizaram a provisão de abrigo, alimentação e imunização contra
epidemias. Desse modo, a importância de se atender às necessidades psicológicas foi
subestimada. A concepção sobre a exclusividade de se atender a necessidades
materiais e imediatas mudou ao longo do tempo, considerando a importância que os
efeitos psicológicos têm no processo de recuperação de uma população afetada por
desastres (CFP, 2021, p. 27).

A ótica da Psicologia nas décadas de 1960 e 1970 concentrou suas reflexões acerca
das reações psicopatológicas individuais em uma situação de risco, especialmente o
Transtorno do Estresse Pós-Traumático. “A relevância da Psicologia em contextos de Riscos,
Emergências e Desastres se deve ao reconhecimento de que essas experiências podem
produzir alterações psicológicas e sintomas somáticos'' (PARANHOS & WERLANG, 2015,
apud CFP, 2021, p. 32). O primeiro registro de inserção da psicologia na área de Riscos,
Emergências e Desastres data de 1987, quando ocorreu um acidente radioativo em Goiânia.
Com o tempo e contribuições de diversos profissionais, as pesquisas acerca dos
desastres passaram a dar abertura para analisar o estresse a partir de uma perspectiva social e
não apenas individual, se tornando então, o desastre, um estressor coletivo. É dessa forma que
se torna possível olhar essas situações como “eventos complexos e multidimensionais” (CFP,
2021, p. 32), “com múltiplas determinações causais e efeitos” (CFP, 2021, p. 32) vivenciados
coletivamente. Desse modo, as pesquisas e os trabalhos técnicos no Brasil contribuem para
compreender e otimizar as atuações dos profissionais necessários em uma situação de risco.
Portanto, é a partir de uma mudança de paradigma sobre o que é uma situação de
desastre e também quais profissionais devem atuar nesses contextos, que se configura um
novo cenário de atuação em situações de Risco e Emergência.
O interesse pela redução dos riscos de desastres foi ganhando um cenário internacional
ao longo da história. Foi em 2005 que governos membros da ONU se comprometeram em
adotar essas medidas de redução implementando o Marco de Ação de Hyogo (2005-2015).

O Marco de Hyogo oferece uma assistência aos esforços das nações para que
possam reduzir vulnerabilidades, considerando a colaboração como uma noção
fundamental. Isso porque se compreendeu que desastres podem afetar a qualquer um
e, portanto, é um assunto de todos (CFP, 2021, p. 32).
Entre as ações do Marco estão: identificar riscos e adotar medidas para reduzi-los,
ampliar a conscientização de governos e populações e fortalecer estratégias de preparação e
resposta. Ou seja, o interesse se voltou principalmente para a criação de estratégias de redução
dos riscos, entendendo que assim seria possível reduzir consideravelmente as perdas de vidas
e bens.
Outro Marco adotado foi o de Sendai (2015-2030), que ainda está em vigor. Esse
projeto é desenvolvido para complementar e ampliar o Marco de Hyogo e, considerando a
experiência adquirida, aumentar a resiliência das nações e comunidades. A resiliência é
definida pelas Nações Unidas para a Redução de Riscos de Desastres (UNISDR, 2009, p. 24)
como:
A capacidade de um sistema, comunidade ou sociedade exposto a riscos de resistir,
absorver, adaptar-se e recuperar-se dos efeitos de um perigo de maneira tempestiva e
eficiente, através, por exemplo, da preservação e restauração de suas estruturas
básicas e funções essenciais.

É diante desse Marco que se observa o quanto as situações de desigualdade intensa


que o mundo vivencia são potenciais geradores de situações de risco e que, para o alcance das
ações estabelecidas por ele, faz-se necessário a erradicação da pobreza e a melhoria da
educação das populações vulneráveis, de forma a reduzir a desigualdade social e
consequentemente os potenciais geradores de risco.
No Brasil, sob uma perspectiva histórica, podemos observar um interesse na segurança
pública desde a época do Império. A Constituição de 1824 já garantia os chamados “socorros
públicos”. Porém, foi apenas em 1940, com a atuação brasileira na Segunda Guerra, que se
começou a avançar nesses atendimentos à população. Em 1988, se iniciou, com a criação de
um sistema único de ação permanente, a Defesa Civil que atuaria sobre os diferentes níveis –
federal, estadual e municipal –, de forma a promover ações e estratégias de proteção à
população. A legislação sobre o SINPDEC (Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil)
passou por uma série de revisões ao longo do tempo e a que se encontra em vigor desde 2012
é a Lei nº 12.608, que institui a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNPDEC),
“autorizando a criação de sistemas de informação, monitoramento e financiamento'' (CFP,
2021, p. 35).
Nesse mesmo ano, o governo brasileiro lançou o Plano Nacional de Gestão de Riscos
e Respostas a Desastres Naturais. Esse plano tinha quatro eixos principais: prevenção,
mapeamento, monitoramento e alerta e resposta aos desastres. Nesse contexto, a Psicologia já
estava presente nesse debate e contribuindo de maneira potencializadora. Foram promovidos
diversos eventos tanto pelo Estado, como a Conferência Nacional de Defesa Civil (CNDC),
quanto pelo CFP, com o Seminário Nacional de Psicologia das Emergências e dos Desastres.
Esse momento foi muito importante para viabilizar uma perspectiva mais democrática sobre a
Proteção e Defesa Civil no país.
O Conselho Federal de Psicologia esteve à frente de todo esse processo, promovendo
troca de informações e desenvolvendo práticas em todo o Brasil. Foi no segundo Seminário
Nacional de Psicologia das Emergências e dos Desastres que ocorreu no DF/Brasília, em
2011, que foi proposto a criação da ABRAPEDE (Associação Brasileira de Psicologia nas
Emergências e Desastres).

O segundo seminário avançou em termos conceituais: os desastres puderam ser


reconhecidos como fenômenos que entrelaçam acontecimento e elaboração cultural;
as mudanças climáticas foram tipificadas como fenômenos associados a desastres
mistos e não naturais (apesar do que supõe o imaginário social); e foi considerada a
origem antropogênica da emissão dos gases de efeito-estufa como ameaça (CFP,
2021, p. 38).

Nesse contexto, o seminário debateu “a relevância de se entender que não é a natureza


que obsta o processo organizador da sociedade, mas o resultado de uma construção dada ao
longo do tempo” (CFP, 2021, p. 38). Em função de diversos desastres que ocorreram em
território nacional durante os anos que se seguiram, o CFP lançou, em 2013 – posteriormente
revisada e publicada em 2016 – a primeira Nota Técnica sobre a Atuação de Psicólogas(os)
em Situações de Emergências e Desastres, com o intuito de contribuir com a categoria na
reflexão sobre o “posicionamento profissional, de modo a cooperar com as demandas que
emergem nessas situações” (CFP, 2021, p. 38).
Essa Nota Técnica ressalta:

A importância da atuação da Psicologia de forma integrada como norteadora das ações da(o)
psicóloga(o), em articulação com a política de Defesa Civil. Também dimensionou a
condição do trabalho voluntário e do estágio supervisionado. Reforçou a importância de que
psicólogas(os), como profissionais contratados ou voluntários, estão submetidas(os) às
determinações do Código de Ética e outras regulamentações normativas da categoria (CFP,
2013 apud CFP, 2021, p. 39).
Entre os anos 2015 e 2016 foi criada, pelo CFP, a Comissão de Gestão Integral de
Riscos, Emergências e Desastres. A Comissão revisou a Nota em 2016 e inseriu a concepção
de Gestão Integral. Foram considerados também os avanços das políticas públicas
implementadas pela Defesa Civil. “A revisão também salientou a importância de a Psicologia
no campo dos Riscos, Emergências e Desastres estar vinculada às políticas e estratégias do
SUS e SUAS” (CFP, 2021, p. 39).
Embora essa Comissão não tenha durado muito tempo, logo em 2017 foi desenvolvido
um grupo de trabalho (GT) que também adotou a perspectiva da Gestão Integral. O GT é
composto por 5 psicólogas e psicólogos e na coordenação geral tem um representante do CFP.
O grupo tem atuado em resgatar e construir uma formação voltada para essa área de atuação e
também promover e reforçar o diálogo com as políticas públicas (SUS, SUAS e Defesa Civil),
a fim de articular ações no território em todas as fases do desastre.
Em vista disso, deve-se considerar que houveram diversas mudanças de paradigmas ao
longo do tempo:
A mudança de perspectiva perpassou o questionamento de intervenções que se
concentram em tratamentos individuais, como, por exemplo, a oferta apenas de
atendimentos psicoterápicos aos afetados, ou mesmo de cunho médico-psiquiátrico e
medicalizante, em detrimento da mobilização das condições sociais na abordagem
de problemas que são, sobretudo, coletivos. Afinal, nesse campo de estudos e
intervenções, abordam-se modalidades de sofrimento que são produzidas
socialmente, vivenciadas coletivamente e que não são resolvidas apenas
individualmente (CFP, 2021, p. 61).

Assim como uma nova concepção do que é um desastre:

Pode-se dizer que desastres não são, exatamente, fatalidades provocadas pela
natureza ou pelo simples avanço tecnológico, mas estão vinculados à preexistência
de certos elementos que são determinantes para que desastres aconteçam. Um
desastre nunca é, exata ou exclusivamente, um fenômeno natural. Desastres não se
reduzem a um determinado evento, mas a uma consequência de um evento em um
ambiente vulnerável. Ou seja, são condições dadas por processos sociais, políticos,
econômicos e ambientais que aumentam a suscetibilidade e exposição (FURTADO
et al., 2013 apud CFP, 2021 p. 62).

Posto isto, houve um consenso internacional sobre a necessidade de dedicar esforços a


estratégias que reduzam situações de vulnerabilidade. No Brasil, a Defesa Civil, vinculada ao
Ministério do Desenvolvimento Regional, sob coordenação da Secretaria Nacional de
Proteção e Defesa Civil (SEDEC), é responsável por articular as ações previstas e acordadas
internacionalmente: prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação. Dessa forma,
esse órgão não deve ser acionado apenas no momento do desastre, e sim promover
continuamente ações articuladas a outros setores das políticas públicas – incluindo a
Psicologia – juntamente à comunidade, para prevenir e mitigar os riscos socioambientais.
“Isso porque é a falta da intervenção nos riscos que leva à produção de desastres” (CFP, 2021,
p. 63).
Apesar da Psicologia ser reconhecida e geralmente ser acionada para atuar em
situações de desastres, essa categoria de profissionais

Ainda não se encontra plenamente incorporada na gestão integral de Riscos,


Emergências e Desastres, pelo órgão da Defesa Civil, no país, bem como não se
percebe fazendo parte do Sistema de Proteção, mesmo atuando em outras políticas
públicas como SUS e SUAS (CFP, 2021, p. 64).

É de extrema importância a inclusão da Psicologia nessa política pública, a fim de


acontecer o reconhecimento do papel desses profissionais em todo o ciclo que envolve os
desastres.
É comum vermos a atuação de psicólogas(os) na escuta de pessoas que passaram por
experiências de desastres, porém o papel desses profissionais nesse contexto não se reduz a
uma atividade clínica. As psicólogas(os) podem contribuir também “na ampliação da
percepção dos riscos sociais e ambientais presentes num determinado território e das
estratégias que o poder público e a população podem empregar a fim de mitigar riscos” (CFP,
2021, p. 64).
O conceito de mitigação, como diz as Referências Técnicas do CFP, relaciona-se com
as ações que podem ser tomadas quando existem riscos já localizados, ou seja, diz respeito a
intervenções que devem ser feitas a fim de evitar esses riscos que já foram identificados.
Assim, a prevenção dos desastres pode ser feita através do combate aos condicionantes sociais
e econômicos que geram vulnerabilidades (CFP, 2021).
Percebe-se que os impactos psicológicos e sociais nas situações de emergência podem
se intensificar de forma a agravar indicadores de saúde mental e o bem-estar psicossocial de
um determinado território, a longo prazo. Ou seja, é importante proteger e melhorar a saúde
mental e o bem-estar psicossocial de toda a população, a fim de minimizar os impactos na
saúde da população nesses períodos de emergências.
Para o IASC (2007), os termos “saúde mental” e “apoio psicossocial” estão
intimamente relacionados e são usados em situações de desastres para descrever as
estratégias locais ou vindas de fora cujo objetivo seja: proteger ou promover o
bem-estar psicossocial e/ou prevenir ou tratar o transtorno mental. Agências
assistenciais, fora do setor saúde, tendem a utilizar o termo “apoio psicossocial”,
enquanto agências do setor saúde utilizam “saúde mental”, “reabilitação psicossocial”
ou mesmo “tratamento psicossocial” para descrever as intervenções não biológicas
para pessoas com transtornos mentais (CFP, 2021, p. 64).

Nas situações de emergências, existem as fases de prevenção, mitigação e preparação


que dizem respeito “a efetivação de políticas oriundas da conquista de direitos humanos e
sociais, como habitação, educação, saúde e lazer” (CFP, 2021, p. 64). Isso só será possível
através de um trabalho contínuo que será realizado pelo poder público e pela população.
Dentro do contexto do Pré-desastre, que seria o trabalho dos profissionais com a
população antes de acontecer alguma situação de emergência, psicólogas(os) podem participar
de equipes que atuam em diversas áreas relacionadas às políticas públicas e trabalhar para
conter os fatores de risco e vulnerabilidade da população. Dessa forma, os psicólogos,
juntamente com profissionais de outras áreas, podem contribuir em ações de vistorias em
áreas de risco, divulgação de informações sobre os riscos identificados em certas localidades,
transmissão de medidas de segurança para a população e promoção da garantia de direitos
sociais quando uma mudança de local for necessária. Assim, a psicologia atua também no
suporte de retirada e realocação de pessoas e nas estratégias de inserção "simbólica e
materialmente, em um novo território" (CFP, 2021, p. 67).

2.2. A prática psicológica dentro do contexto de emergência: um viés


ético
O contexto de atendimento é uma peça chave de qualquer profissional. Os autores do
capítulo O Atendimento Psicológico em Emergências (COSTA, 2015) destacam que muitas
vezes acabamos por confundir a prática da psicologia com a prática da psicanálise
desenvolvida pelo médico austríaco Sigmund Freud.
Apesar de nos encontrarmos algumas décadas pós teoria freudiana, o modelo de
atendimento clínico iniciado por ele se mantém em vigor. Esse "modelo de atendimento de
consultório" (COSTA, 2015, p. 82) era necessário dentro das condições de atendimento da
psicanálise, uma vez que o cliente deveria regressar aos conteúdos primários do seu
inconsciente sem qualquer perturbação alheia que pudesse atrapalhar.
Apesar dos fatores de um ambiente clínico serem favoráveis, há momentos em que
eles não ocorrem como em atendimentos domiciliares, em hospitais e em situações de
emergências. Diante disso, os profissionais de psicologia devem compreender que ocorreram
inúmeras interferências nestes contextos e que se torna necessário aprender a manejar a
prática mesmo diante desses desarranjos.
Outra herança de Freud é o enquadramento e "o conceito de setting" (COSTA, 2015,
p. 83). As variadas psicoterapias ainda se configuram dentro desses modelos em que aspectos
como horários, duração das sessões, pagamento e o ambiente onde são realizadas as sessões
são modelos a serem seguidos para criar uma atmosfera de segurança para os clientes. Diante
da confusão que a prática psicológica possui com a prática da psicanálise, os autores irão
discorrer sobre algumas das características de atuação das psicólogas fora do contexto da
clínica, uma vez que "suas intervenções podem ser terapêuticas sem necessariamente ser
psicoterápicas" (COSTA, 2015, p. 83).
Partindo de uma situação de emergência ou desastre, está explícito que algo ou alguém
não está em seu estado habitual. Iremos nos deparar com tudo aquilo que o consultório deixa
do lado de fora, como o tumulto, as vozes, os gritos, as sirenes e até os cheiros. Nos
encontramos em uma dimensão caótica que nos atravessa, além do "fato de não saber nem
quem vai atender nem por quanto tempo" (COSTA, 2015, p. 84).
Segundo os autores, existe um tripé em que devemos nos apoiar nos contextos
desastrosos, que consiste em "treinamento, apoio psicológico e nos cuidados pós-desastre"
(COSTA, 2015, p. 84). Um fator extremamente importante e ético com si mesmo é o
autocuidado, uma vez que os profissionais também são afetados pelo ocorrido. E, ainda que
exista um treinamento dos profissionais, as particularidades psicológicas de cada indivíduo
revelam se ele seria adequado, ou não, para compreender as demandas que surgem. O
profissional psicólogo, nesse caso, deve atuar conforme o Artigo 1º do Código de Ética da
profissão, “b) assumir responsabilidades profissionais somente por atividades para as quais
esteja capacitado pessoal, teórica e eticamente.” (CFP, 2005, p. 8)
Pequenos passos e atitudes dentro de um contexto caótico podem ser essenciais para
aqueles sujeitos inseridos no momento do desastre. O exemplo utilizado no texto sobre a
sugestão de uma pessoa trocar as roupas, possivelmente sujas ou molhadas após a situação de
emergência, muitas vezes pode ser a "primeira referência a quem teve seu mundo interno e
externo devastados ao mesmo tempo" (COSTA, 2015, p. 85). Outra atitude simples e
necessária diz respeito a entender sobre as questões básicas das pessoas em situação de
emergência como alimentação, temperatura corporal e outros.
O objetivo terapêutico é realizado através das ações diretivas e o acolhimento dos
sentimentos e emoções gerados pelo acontecimento, garantindo o respeito com o outro e
ajudando-o a compreender o que se passa ao redor. Deve-se ter o cuidado de não classificar
sentimentos como o trauma e o luto como síndromes ou transtornos psicopatológicos, uma
vez que estes são estados de sofrimento.
Segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde) (WHO, 2003 apud CFP, 2021), as
estratégias de ação de médio a longo prazo devem ser priorizadas no lugar de estratégias que
diminuam o sofrimento psicológico de imediato durante a fase de emergência. Por isso, as
estratégias devem ser articuladas entre os órgãos de saúde e os órgãos da defesa civil.
Outra prática importante da psicologia neste contexto, além do acolhimento e
diminuição dos impactos psíquicos, é a capacidade de comunicar a população sobre os riscos
existentes em determinado local, como por exemplo casas em barrancos que podem deslizar
com chuvas fortes, e as possíveis estratégias que podem ser traçadas para diminuir estes
riscos. O conceito para este tipo de ação é o de "mitigação" já falado anteriormente (CFP,
2021, p. 64).
A psicologia atua também no suporte de "retirada e realocação de pessoas" e nas
estratégias de inserção destas pessoas "simbólica e materialmente, em um novo território"
(CFP, 2021, p. 67). A psicologia é uma área que compõe a equipe de cuidados "desde a
prevenção ao pós-desastre" (CFP, 2021, p. 60).
O exemplo de uma situação de emergência utilizado por Costa (2015) foi o do
acidente de avião ocorrido em São Paulo no ano de 2007. Os psicólogos que descreveram os
momentos iniciais após o acidente comentam que um exercício importante que deve ser
praticado antes que se inicie a prática é imaginar o possível cenário que se configura no
ambiente logo após o desastre.
Algo que chamou atenção no relato do pós acidente é quando são descritos os aspectos
caóticos do momento, como o cheiro de queimado, a confusão, a fumaça e os mais variados
barulhos. Isso ilustra o que foi dito anteriormente sobre a capacidade que deve-se adquirir em
lidar com todas essas interferências enquanto estamos no campo prático.
Para a atuação em desastres existe um preparo prévio dos profissionais, que inclui
"manter uma mochila pronta" (COSTA, 2015, p. 92) que será utilizada em circunstâncias
urgentes em que o tempo é curto. Além disso, existe uma rede ou "árvore de acionamento"
(COSTA, 2015, p. 92) de profissionais que são acionados pela necessidade da situação, para
não sobrecarregar os demais profissionais.
Por isso, é importante que a psicóloga não tente agir sozinha nessas situações, pois o
trabalho é sempre feito de forma integral com outros órgãos e equipes, além de existir um
modelo nacional de atuação que integraliza estas equipes de modo que nenhuma sobreponha a
outra. Apesar do papel da psicologia em situações de desastres ser reconhecido como
importante, o profissional de psicologia ainda não compõem efetivamente a "gestão integral
de Riscos, Emergências e Desastres" (CFP, 2021, p. 64), que é uma equipe do órgão público
da Defesa Civil.
A primeira ação quando se chega ao local do acidente ou ao local em que as vítimas
ou familiares foram direcionados é contextualizar e estabelecer contato com outros
profissionais já inseridos no campo ou que estão chegando junto com você. A intervenção
inicial é "aliviar as manifestações sintomáticas e o sofrimento" (COSTA, 2015, p. 95) e
acolher as vítimas para falarem sobre o acontecimento.
Um posicionamento ético em momentos de desastre é o cuidado de não repassar
informações falsas para os familiares que podem gerar mais angústia e ansiedade. Devemos
ter certeza do que estamos comunicando e nos certificar de transmitir apenas o que sabemos.
“As intervenções psicológicas em emergência exigem “um fazer diferente” (COSTA,
2015, p. 99). Por isso, para além das normas e de todo treinamento que recebemos, também
existe a nossa ética em jogo.

2.3. A prática psicológica no contexto pós-desastre


Como já foi abordado anteriormente, entende-se que os desastres são, acima de tudo,
problemas sociais que são vivenciados coletivamente. Logo, não há como, ao que se refere às
intervenções no campo da saúde mental, reduzir as ações ao cuidado individual, ao
diagnóstico médico e a uma dimensão psicopatológica, tendo em vista que essa situação é da
ordem da justiça social.
É importante ressaltar isso pois, se torna muito difícil lidar, em um contexto de
desastre, com todos os fatores e experiências provenientes dessa circunstância.
Principalmente, a partir de estratégias que não compreendem toda a dimensão desse tipo de
conjuntura.
Quando o problema dos desastres é colocado na ordem do diagnóstico, do patológico e
do individual, além de desconsiderar as especificidades do problema e prejudicar o seu
enfrentamento, acaba por desresponsabilizar o Estado do seu papel político, social e
econômico. Por esse motivo, principalmente, é essencial que o psicólogo tenha cuidado em
lidar com a saúde mental em um contexto de desastre, para que ele não acabe reproduzindo
estratégias que acentuam ainda mais as adversidades geradas por essas estruturas.
“É justamente onde o Estado encontra-se marcado por uma insuficiência ou sua
ausência que a ajuda humanitária tem seu lugar. Quando direitos sociais e humanos não se
encontram como garantia dos cidadãos, estratégias compensatórias são necessárias”, (CFP,
2021, p. 74) entretanto deve-se tomar cuidado para que essa compaixão não reforce injustiças
sociais implícitas nessas situações de risco. Em um contexto onde há “estruturalmente uma
indiferença social” (CFP, 2021), o que pode ser fator gerador de um desastre, é necessário que
exista uma comoção e solidariedade, mas também, é essencial que haja uma cobrança política,
para que essas ações estejam alinhadas com o interesse em combater estruturas reforçadoras
de desigualdade.
E é papel do profissional psicólogo não só elaborar estratégias a fim de prevenir uma
situação de emergência, como, caso essa venha a acontecer, atuar na luta pela garantia dos
direitos dos cidadãos, como institui o Código de Ética da profissão nos princípios
fundamentais II:
O psicólogo trabalhará visando promover a saúde e a qualidade de vida das
pessoas e das coletividades e contribuirá para a eliminação de quaisquer formas de
negligência, discrimnação, exploração, violência, crueldade e opressão. (CFP, 2005,
p. 7)

No caso de ocorrer um desastre, as intervenções imediatas em saúde mental e atenção


psicossocial devem ser acionadas. Essas se enquadram em quatro níveis: serviços básicos e
segurança; apoio à comunidade e às famílias; apoios focados, não especializados; e serviços
especializados. A atuação imediata dessas intervenções deve corresponder às necessidades da
população naquele momento, ou seja, situações graves e urgentes necessitam de uma
assistência ágil e direcionada pois essa ação é indispensável para a sobrevivência, dignidade,
saúde e bem estar da população que foi atingida.
A questão é que:
a assistência imediata não finda a tragédia humana que comportam
demandas mais complexas, da plena garantia dos direitos sociais e humanos, de
estratégias de reconstrução e, muitas vezes, de construção que precisam ser
articuladas a médio e longo prazo (CFP, 2021, p. 72).
Isso quer dizer que apesar da assistência imediata ser importante e indispensável para
o atendimento de uma demanda emergencial, ela não deve ser o enfoque exclusivo, como se
não houvesse um pré e um pós desastre permeado de fatores que devem ser assistidos por
intervenções de diversos profissionais.
A psicologia nesse contexto, além de ter um papel fundamental na gestão de uma crise
desde o início, deve estar atuando também nos momentos pós-desastres. O olhar sensível e
político que acompanha - ou deveria acompanhar - a atuação profissional é essencial para que
seja possível oferecer um suporte emocional sem que haja uma revitimização da população
afetada. Para que isso ocorra, faz-se necessário, também, que a comunidade local esteja
preparada e capacitada para enfrentar situações adversas. “É a participação da própria
comunidade que pode permitir que ações de assistência não se transformem em
assistencialismo” (CFP, 2021, p. 76). Profissionais psicólogos devem contribuir com o
fortalecimento das redes comunitárias, como as Unidades Básicas de Saúde, Unidades da
Política de Assistência Social, escolas, associação de moradores, ONGs, lideranças locais e
etc, para que o amparo seja geral e mais eficiente.
Do mesmo modo, é importante promover na atuação psicológica dispositivos de
escuta e acolhimento, com o mesmo olhar sensível e político, sem que haja uma patologização
do sofrimento:
É importante que a experiência do trauma possa ser reconhecida como
modalidade de sofrimento, sem consistir em uma concepção reducionista
psicopatológica, ou seja, como mais um transtorno ou síndrome específica. A
“sindromização”, como doença mental individual, acaba por configurar uma
modalidade de violência, estigmatização, passando ao largo da sua produção e
reprodução social e política. (CFP, 2021, p. 78)

Dessa forma, “a atuação da Psicologia nesse campo se situa diante do reconhecimento


do sofrimento que é esperado frente às perdas trazidas por uma tragédia” (CFP, 2021, p. 77),
sofrimento esse que não é apenas individual pois caracteriza uma perda coletiva, material e
imaterial, social, econômica e política. O discurso patológico, nesse caso, não apenas “exclui
a potência contida na implicação subjetiva do sujeito, como também desresponsabiliza o
Estado ou, a depender do evento, também às empresas privadas na produção de sofrimentos
causados ou atravessados por questões sociais, econômicas e políticas.” (CFP, 2021, p.78)
Em função disso, entende-se que o profissional psicólogo tem um papel fundamental
em todos os momentos de uma Gestão de Riscos - prevenção, mitigação, preparação, resposta
e recuperação - procurando atuar de forma ética e política, assim como acolher com
responsabilidade o sofrimento psiquico, promovendo a saúde e qualidade de vida, e
propondo-se a eliminar quaisquer formas de negligência e discriminação, como visa o Codigo
de Etica (CFP, 2005). Essa atuação só se faz possível através de uma interação
interdisciplinar da Psicologia com as outras áreas profissionais que atendem em situações de
emergência, e de uma ação das psicólogas(os) respaldada ética, profissional e cientificamente.

2.4. Principais considerações sobre a entrevista feita com a psicóloga


Thais Sâmela
Membro da Comissão Especial de Emergências e Desastres do CRP-RJ (comissão que
elabora as referências técnicas para a atuação de psicólogos em contexto de emergências e
desastres) e mestranda da UFRJ/PPGP/EICOS no tema Novas Territorialidades, Thaís Sâmela
Castro de Moraes foi entrevistada no dia 19 de outubro de 2022, através de videochamada. Na
sua dissertação (em elaboração), intitulada “Um lugar chamado Terra Nova: desdobramentos
psicossociais em novas territorialidades após o desastre de 2011 em Nova Friburgo”, Thaís
critica o conceito de resiliência na perspetiva neoliberal. Para ser resiliente, a pessoa necessita
ter recursos emocionais, financeiros e uma rede de apoio, o que não foi observado dentre as
pessoas que sofreram o desastre referido no título. Ela também traz o ponto do território
existencial, dialogando com Deleuze e Guattari, sobre quais novos territórios as pessoas
passaram a criar. Tal território existencial (o bairro Terra Nova), Thaís conclui que é
desconfiado, reservado.
O desastre de Nova Friburgo, que Thaís aborda na sua pesquisa de mestrado, tem um
recorte temporal diferente dos atuais. Ele ocorreu em 2011, em época onde as mídias sociais
ainda não eram tão extensamente presentes na vida das pessoas. Portanto, diferentemente de
Teresópolis e Petrópolis que sofreram grandes desastres recentemente, não houve a presença
maciça da imprensa, de curiosos e até a ajuda foi mais precária, pois os acessos à cidade
foram muito afetados. Os primeiros socorros psicológicos não foram oferecidos em Nova
Friburgo, provavelmente devido às condições de acesso e à própria falta de divulgação das
necessidades dos moradores. Thaís considera que a realidade naquela ocasião foi uma
realidade de fim de mundo, pois houve toda a sorte de perdas e dificuldade de obter ajuda.
A pesquisa da Thaís se dá no bairro Terra Nova, um bairro construído em 2016 para as
famílias que perderam suas casas no desastre de 2011. Tal bairro é composto por 10
condomínios de apartamentos e sua população é de aproximadamente 12 mil pessoas. Thaís
aponta que os prédios são todos iguais e não há diferenciação entre as moradias, que são
padronizadas. Para as pessoas construírem algo de si, é por dentro dos 2200 apartamentos.
Segundo Thaís, Terra Nova é o exemplo, para gestores e pesquisadores, sobre o que
não fazer como política habitacional. Os habitantes, antes do desastre, moravam em casas
com terrenos e espaços de convivência e o que mais sentem falta é dos espaços de
convivência e de seus terrenos para plantar pequenas hortas. Nas entrevistas, Thaís pergunta
se a pessoa passou pela tragédia (aqui, Thaís chama a atenção para o termo correto: desastre.
Porém, a palavra utilizada pelas mídias é tragédia, então quando conversa com as pessoas
adota o termo mais conhecido para facilitar a comunicação), em qual local morava e se
preferia que o governo tivesse dado uma moradia no local de origem. Thaís esperava que as
respostas mostrassem a preferência por seus bairros de origem, mas as pessoas responderam
que ali era melhor do que os bairros onde moravam e aconteceram os desastres. Para Thaís,
esse resultado demonstra a periculosidade dos locais onde ocorreram os desastres, tanto em
relação à criminalidade quanto às condições das moradias. Nas respostas das pessoas que
preferiam seus locais de origem, a pesquisadora nota que se deve principalmente à condição
rural da moradia, à possibilidade de plantar e ao custo de vida atual, que é muito superior.
Thaís relata que foi surpreendida pelas respostas, pois esperava que as pessoas dissessem que
o lugar era horrível, que não se adaptaram a ele e queriam suas casas de antes, mas apareceu
nos discursos que as pessoas já estão vivendo em comunidade e que já pensam coletivamente
como parte do Terra Nova. Isso se deve, provavelmente, ao tempo em que já moram no local
(de 5 a 6 anos). Já houve uma elaboração, as pessoas se acostumaram e se adaptaram à vida
no novo local de moradia.
Sobre sua vivência no campo, Thaís fala que teve bastante dificuldade para fazer as
entrevistas, pois o bairro é muito perigoso (local de tráfico de drogas), as pessoas são muito
desconfiadas, negam conversar com uma estranha, não a convidam para entrar e não têm
interesse em estar no projeto (de pesquisa). Isso causou nela uma frustração, principalmente
por não criar laços. Devido a esses fatores, Thaís comenta que decidiu não estender o tema
para o doutorado, pois o Terra Nova não vai dar frutos para mais 4 anos de pesquisa. Ao ser
questionada se se sente preparada para atender pessoas nos primeiros socorros psicológicos
pós desastre, Thaís responde que se sente preparada para atuar junto com a comissão, pois são
demandas de escuta, onde as pessoas podem falar por 5 minutos ou podem falar por 3 horas.
Geralmente as pessoas estão em choque e precisam de coisas que a psicóloga não pode
oferecer (embora também possa), como água, uma muda de roupa limpa, um banho ou
encontrar alguém. A vítima precisa conseguir elaborar o mínimo, na sua opinião, para
demandar ajuda psicológica.
O trabalho do psicólogo nesse contexto é o de validar os sentimentos das famílias.
Thaís comenta que há uma espécie de concorrência de quem perdeu mais. A pessoa que
perdeu sua casa também teve uma perda significativa, mas existe o senso comum de que
quem perdeu mais foi quem perdeu pessoas da família. Toda perda é relevante. Thaís
considera que um posicionamento ético nos desastres é o de não ficar comparando as perdas,
o de legitimar os sentimentos de perda mesmo quando as pessoas acham que não perderam
“grande coisa” e não têm o direito de chorar.
Ao final, Thaís chama a atenção de que o CRP produz material sobre emergências e
desastres. Em uma situação de emergência e desastres, devem ser consultadas as normas e
manuais técnicos elaborados pelo CRP antes de agir, para não invadir o espaço do outro, não
causar dano e atuar dentro da ética profissional.

3. Considerações finais
Por fim, conclui-se que uma situação de risco ou emergência caracteriza um cenário
complexo e que deve ter a atenção do Estado e das instituições públicas e privadas e que nesse
contexto específico a atuação é sempre em coletivo, agregando diversas áreas que prestam
serviços de proteção à população, visando promover a saúde e garantir a qualidade de vida.
Da mesma maneira, esses profissionais devem estar presentes em todos os momentos que hoje
caracterizam um desastre, prevenindo, mitigando, preparando e ajudando na recuperação, para
que assim, se acabar por ocorrer um desastre, a população esteja instruída e amparada.
Somente dessa forma, atendendo a população e construindo junto a ela estratégias de proteção
e comunidade, que será possível um trabalho eficaz concretizando a segurança à vida.
Assim, compreende-se que a atuação da psicologia como um todo deve estar alinhada
à última resolução do Código de Ética da profissão (CFP, 2005). Nos casos e situações de
risco e emergência, principalmente, nos atentar ao primeiro e ao segundo princípio
fundamental que respectivamente, segundo o CFP (2005), norteiam nossa prática a partir dos
valores dos Direitos Humanos Universais e promovem a saúde sem deslegitimar qualquer
sujeito. E ainda ao primeiro artigo que considera alguns deveres fundamentais dos psicólogos,
dentre eles o que mais diz respeito à temática deste trabalho que é a prestação de serviços “em
situações de calamidade pública ou de emergência, sem visar benefício pessoal'' (CFP, 2005,
p.8).
Além do Código de Ética, as cartilhas de referências de atuação profissional do
CREPOP, como a que utilizamos para construir o trabalho, são de extrema importância para a
atuação do profissional psicólogo. É a partir do trabalho desses, que já atuaram em campo,
que é possível saber as melhores estratégias de atuação, e garantir que elas estejam sempre se
atualizando ética e politicamente em uma espiral dialética.

Referências Bibliográficas

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA (CFP). Código de ética profissional do


psicólogo. Brasília: CFP, 2005.

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA (CFP). Referências técnicas para atuação de


psicólogas (os) na gestão integral de riscos, emergências e desastres. 1. ed. — Brasília : CFP ,
2O21. 96 p. Disponível em:
<https://site.cfp.org.br/publicacao/referencias-tecnicas-para-atuacao-de-psicologas-os-na-gest
ao-integral-de-riscos-emergencias-e-desastres/> . Acesso em: 18 out. 2022.

COSTA, Cristina F. Delduque da et al. O atendimento psicológico em emergências: diferentes


settings. In: FRANCO, Maria Helena Pereira (org.). A intervenção psicológica em
emergências: fundamentos para a prática. São Paulo: Summus, 2015. p. 81-111. Disponível
em:
<http://dac.unb.br/images/DASU/PANDEMIA/Leituras/A_intervencao_psicologica_em_emer
gncias.pdf>. Acesso em: 14 out. 2022.

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