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Clícia Pontes de Souza, Diana Disitzer Netto dos Reys, Lohane Pereira Zuniga, Mariana
dos Santos dos Anjos e Silvana Teresinha Arend
1. Introdução
O presente trabalho busca compreender a ética da prática de profissionais da
psicologia dentro do contexto de desastres e emergências. O objetivo do trabalho é
compreender quais são as possíveis maneiras da psicóloga se inserir de forma ética em
situações delicadas em que pessoas são afetadas de forma financeira, emocional e social.
Utilizamos como exemplos alguns desastres que foram referenciados em nossas pesquisas. É
necessário apontar que notamos a falta de materiais bibliográficos referentes à temática e nos
deparamos com o não saber, o que motiva a buscar, a pesquisar e quiçá, construir.
Utilizamos a revisão bibliográfica como metodologia de pesquisa e nossas referências
compõem-se de cartilhas do Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas
(CREPOP) e do Conselho Federal de Psicologia (CFP), e também realizamos uma entrevista
com a psicóloga Thaís Sâmela Castro de Moraes que é membro da Comissão Especial de
Emergências e Desastres do CRP-RJ.
Trilharemos o trabalho pela definição do conceito de desastre e emergência,
pontuando o papel prático e ético das psicólogas dentro frente a esse contexto, sempre usando
como referência os acontecimentos citados nas cartilhas. Além disso, traremos também o
olhar da Thaís enquanto psicóloga que compõe seu trabalho de mestrado inserida no campo.
2. Desenvolvimento
A ótica da Psicologia nas décadas de 1960 e 1970 concentrou suas reflexões acerca
das reações psicopatológicas individuais em uma situação de risco, especialmente o
Transtorno do Estresse Pós-Traumático. “A relevância da Psicologia em contextos de Riscos,
Emergências e Desastres se deve ao reconhecimento de que essas experiências podem
produzir alterações psicológicas e sintomas somáticos'' (PARANHOS & WERLANG, 2015,
apud CFP, 2021, p. 32). O primeiro registro de inserção da psicologia na área de Riscos,
Emergências e Desastres data de 1987, quando ocorreu um acidente radioativo em Goiânia.
Com o tempo e contribuições de diversos profissionais, as pesquisas acerca dos
desastres passaram a dar abertura para analisar o estresse a partir de uma perspectiva social e
não apenas individual, se tornando então, o desastre, um estressor coletivo. É dessa forma que
se torna possível olhar essas situações como “eventos complexos e multidimensionais” (CFP,
2021, p. 32), “com múltiplas determinações causais e efeitos” (CFP, 2021, p. 32) vivenciados
coletivamente. Desse modo, as pesquisas e os trabalhos técnicos no Brasil contribuem para
compreender e otimizar as atuações dos profissionais necessários em uma situação de risco.
Portanto, é a partir de uma mudança de paradigma sobre o que é uma situação de
desastre e também quais profissionais devem atuar nesses contextos, que se configura um
novo cenário de atuação em situações de Risco e Emergência.
O interesse pela redução dos riscos de desastres foi ganhando um cenário internacional
ao longo da história. Foi em 2005 que governos membros da ONU se comprometeram em
adotar essas medidas de redução implementando o Marco de Ação de Hyogo (2005-2015).
O Marco de Hyogo oferece uma assistência aos esforços das nações para que
possam reduzir vulnerabilidades, considerando a colaboração como uma noção
fundamental. Isso porque se compreendeu que desastres podem afetar a qualquer um
e, portanto, é um assunto de todos (CFP, 2021, p. 32).
Entre as ações do Marco estão: identificar riscos e adotar medidas para reduzi-los,
ampliar a conscientização de governos e populações e fortalecer estratégias de preparação e
resposta. Ou seja, o interesse se voltou principalmente para a criação de estratégias de redução
dos riscos, entendendo que assim seria possível reduzir consideravelmente as perdas de vidas
e bens.
Outro Marco adotado foi o de Sendai (2015-2030), que ainda está em vigor. Esse
projeto é desenvolvido para complementar e ampliar o Marco de Hyogo e, considerando a
experiência adquirida, aumentar a resiliência das nações e comunidades. A resiliência é
definida pelas Nações Unidas para a Redução de Riscos de Desastres (UNISDR, 2009, p. 24)
como:
A capacidade de um sistema, comunidade ou sociedade exposto a riscos de resistir,
absorver, adaptar-se e recuperar-se dos efeitos de um perigo de maneira tempestiva e
eficiente, através, por exemplo, da preservação e restauração de suas estruturas
básicas e funções essenciais.
A importância da atuação da Psicologia de forma integrada como norteadora das ações da(o)
psicóloga(o), em articulação com a política de Defesa Civil. Também dimensionou a
condição do trabalho voluntário e do estágio supervisionado. Reforçou a importância de que
psicólogas(os), como profissionais contratados ou voluntários, estão submetidas(os) às
determinações do Código de Ética e outras regulamentações normativas da categoria (CFP,
2013 apud CFP, 2021, p. 39).
Entre os anos 2015 e 2016 foi criada, pelo CFP, a Comissão de Gestão Integral de
Riscos, Emergências e Desastres. A Comissão revisou a Nota em 2016 e inseriu a concepção
de Gestão Integral. Foram considerados também os avanços das políticas públicas
implementadas pela Defesa Civil. “A revisão também salientou a importância de a Psicologia
no campo dos Riscos, Emergências e Desastres estar vinculada às políticas e estratégias do
SUS e SUAS” (CFP, 2021, p. 39).
Embora essa Comissão não tenha durado muito tempo, logo em 2017 foi desenvolvido
um grupo de trabalho (GT) que também adotou a perspectiva da Gestão Integral. O GT é
composto por 5 psicólogas e psicólogos e na coordenação geral tem um representante do CFP.
O grupo tem atuado em resgatar e construir uma formação voltada para essa área de atuação e
também promover e reforçar o diálogo com as políticas públicas (SUS, SUAS e Defesa Civil),
a fim de articular ações no território em todas as fases do desastre.
Em vista disso, deve-se considerar que houveram diversas mudanças de paradigmas ao
longo do tempo:
A mudança de perspectiva perpassou o questionamento de intervenções que se
concentram em tratamentos individuais, como, por exemplo, a oferta apenas de
atendimentos psicoterápicos aos afetados, ou mesmo de cunho médico-psiquiátrico e
medicalizante, em detrimento da mobilização das condições sociais na abordagem
de problemas que são, sobretudo, coletivos. Afinal, nesse campo de estudos e
intervenções, abordam-se modalidades de sofrimento que são produzidas
socialmente, vivenciadas coletivamente e que não são resolvidas apenas
individualmente (CFP, 2021, p. 61).
Pode-se dizer que desastres não são, exatamente, fatalidades provocadas pela
natureza ou pelo simples avanço tecnológico, mas estão vinculados à preexistência
de certos elementos que são determinantes para que desastres aconteçam. Um
desastre nunca é, exata ou exclusivamente, um fenômeno natural. Desastres não se
reduzem a um determinado evento, mas a uma consequência de um evento em um
ambiente vulnerável. Ou seja, são condições dadas por processos sociais, políticos,
econômicos e ambientais que aumentam a suscetibilidade e exposição (FURTADO
et al., 2013 apud CFP, 2021 p. 62).
3. Considerações finais
Por fim, conclui-se que uma situação de risco ou emergência caracteriza um cenário
complexo e que deve ter a atenção do Estado e das instituições públicas e privadas e que nesse
contexto específico a atuação é sempre em coletivo, agregando diversas áreas que prestam
serviços de proteção à população, visando promover a saúde e garantir a qualidade de vida.
Da mesma maneira, esses profissionais devem estar presentes em todos os momentos que hoje
caracterizam um desastre, prevenindo, mitigando, preparando e ajudando na recuperação, para
que assim, se acabar por ocorrer um desastre, a população esteja instruída e amparada.
Somente dessa forma, atendendo a população e construindo junto a ela estratégias de proteção
e comunidade, que será possível um trabalho eficaz concretizando a segurança à vida.
Assim, compreende-se que a atuação da psicologia como um todo deve estar alinhada
à última resolução do Código de Ética da profissão (CFP, 2005). Nos casos e situações de
risco e emergência, principalmente, nos atentar ao primeiro e ao segundo princípio
fundamental que respectivamente, segundo o CFP (2005), norteiam nossa prática a partir dos
valores dos Direitos Humanos Universais e promovem a saúde sem deslegitimar qualquer
sujeito. E ainda ao primeiro artigo que considera alguns deveres fundamentais dos psicólogos,
dentre eles o que mais diz respeito à temática deste trabalho que é a prestação de serviços “em
situações de calamidade pública ou de emergência, sem visar benefício pessoal'' (CFP, 2005,
p.8).
Além do Código de Ética, as cartilhas de referências de atuação profissional do
CREPOP, como a que utilizamos para construir o trabalho, são de extrema importância para a
atuação do profissional psicólogo. É a partir do trabalho desses, que já atuaram em campo,
que é possível saber as melhores estratégias de atuação, e garantir que elas estejam sempre se
atualizando ética e politicamente em uma espiral dialética.
Referências Bibliográficas