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24/01/2022 14:39 Orçamento e desastres ambientais no Brasil - JOTA

POLÍTICAS PÚBLICAS

Orçamento e desastres ambientais no Brasil


Tragédias na Bahia e em Minas Gerais poderiam ser mitigadas a partir de políticas públicas

DIEGO PEREIRA

12/01/2022 05:50

Crédito: Unsplash

Quando falamos em desastres ambientais e violações de direitos, de imediato


imaginamos dois cenários: o ambiente que antecede a ocorrência de um evento
extremo e o cenário de consequências após a incidência da tragédia. No primeiro
caso podemos trazer para o cerne do debate o que vem a ser justiça
climática/justiça ambiental e a relação que indicará o local do evento extremo com
as circunstâncias que o rodeiam, especialmente em relação às vitimas de uma
tragédia.
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No segundo caso, aquele cenário de destruição que constatamos após ocorrer um


desastre permite-nos dizer que as violações de direitos são tantas em extensão e
profundidade que vão de violações a direitos da pessoa como abalo psicológico e
danos à saúde, desembocando na diminuição de fruição de direitos básicos como
cultura e educação.

Em ambos os casos, na verdade, estamos falando de políticas públicas e execução


orçamentária. Se há uma relação direta entre desastres e orçamento, uma premissa
se impõe: tanto na fase antecedente quanto na consequente (após a ocorrência de
um evento extremo) há um dispêndio de dinheiro público e sua correlação com os
danos ocorridos em determinada situação.

Segundo dados do Relatório de Riscos Fiscais da União [1], elaborado pelo Tesouro
Nacional e publicado em novembro de 2020, “entre os anos de 2012 e 2019, foram
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gastos entre 0,02% e 0,06% do PIB, ao ano, nas ações voltadas a esses eventos,
incluindo o planejamento e o controle dos riscos associados (…). Apesar do vasto
território do país, o valor destinado aos desastres é relativamente pequeno”.

Observemos que tais percentuais se referem apenas às ações de prevenção e


controle de desastres, o que significa dizer que tantos outros recursos são
viabilizados de maneira extraordinária em demandas que exigem respostas céleres
e específica do poder público.

Segundo o Decreto 10.593/2020, editado pelo presidente da República, desastre é o


“resultado de evento adverso decorrente de ação natural ou antrópica sobre cenário
vulnerável que cause danos humanos, materiais ou ambientais e prejuízos
econômicos e sociais”. Portanto, não há que falar em desastres, seja a partir de uma
política de prevenção seja envolvendo a mitigação de danos, sem correlacionar com
o conceito de vulnerabilidade.

A vulnerabilidade exposta determinará o importe orçamentário destinado àquela


previsibilidade de danos de maneira antecipada ou, por outro lado, a extensão do
dano especificará a importância financeira destinada no cenário de pós-violação. Em
ambos os casos, o orçamento se confunde com a própria política pública envolvida
ali.

Risco [2], segundo a Agência das Nações Unidas para Redução de Riscos de
Desastres, é a probabilidade de ocorrência de um evento e suas consequências
negativas. Em linguagem simples, em uma temática que por natureza já é complexa,
podemos dizer que vulnerabilidade, por sua vez, estará diretamente atrelada ao
quantum de risco um evento pode oferecer. Há diversos tipos de vulnerabilidades:
físicas, sociais, econômicas, políticas, culturais, entre outras.

O que queremos dizer neste texto é que a redução de vulnerabilidades e os seus


riscos associados têm como elemento chave na política de Estado a peça
orçamentária. Ou seja, a diminuição de violações de direitos (das mais variadas
espécies) depende do orçamento que o Estado destine às políticas de prevenção
bem como de emergências associadas a eventos catastróficos.

Com esta afirmação, não estamos desconsiderando a responsabilidade privada na


ocorrência de eventos extremos, apenas focalizando o presente objeto de estudo no
papel desempenhado pela figura do Estado.

Já vimos que é indiscutível o quanto é diminuto o valor orçamentário destinado à


prevenção de desastres no Brasil, conforme dispõe o próprio Tesouro Nacional em

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seus estudos técnicos. Já em relação ao orçamento extraordinário, referente às


ocorrências de cenários pós-desastres, a alocação de dinheiro público ocorrerá em
duas situações específicas: nos casos de estado de emergência e de calamidade
pública, ambos com previsão legal no referido Decreto 10.593/20 e detalhamento na
Instrução Normativa N. 2/2016 do Ministério da Integração Nacional.

Com cifras imprevisíveis [3], [4], [5], esses recursos extraordinários correspondem à
maior parcela de gasto público com desastres.

Recentemente, em setembro de 2021, o Instituto de Pesquisa e Estratégia


Econômica do Ceará (IPCE) publicou um importante estudo que investiga os
impactos nas finanças públicas do Ceará do estado de anormalidade decretado
pelos municípios devido aos desastres. Como uma espécie de microestudo de um
problema que é nacional, os dados revelados são sugestivos no sentido de que as
anormalidades advindas de eventos extremos como seca, estiagens, enchentes,
inundações, enxurradas, rompimentos de barragens e deslizamentos causam sérios
danos às contas públicas:

“Os resultados mostram um crescimento da despesa corrente per capita nos


municípios a cada declaração adicional de estado de emergência ou calamidade
pública, assim como do investimento público municipal. Os gastos com assistência
social, saúde/saneamento, e com educação/cultura são positivamente afetados
pelo estado de emergência e calamidade pública nos municípios. Também se
verifica o crescimento da receita corrente per capita municipal em função do estado
de emergência ou calamidade pública, especialmente influenciado pelo crescimento
das receitas de transferências aos municípios” [6].

O estudo nos fornece, por exemplo, a constatação de que países desenvolvidos


sofrem um dano menor em suas contas públicas por investirem mais na prevenção
de desastres. Por outro lado, os impactos climáticos podem significar um aumento
entre 7,1% a 23,5% na dívida pública dos países em geral.

Para muito além do impacto fiscal-orçamentário, o que se deve levar em conta no


caso de países em desenvolvimento como o Brasil é a proporção do quanto são
afetadas políticas públicas outras como saneamento básico, educação, saúde,
segurança pública e cultura. Além disso tudo, o estudo realizado pelo IPCE ainda
prevê a correlação com fenômeno da corrupção em casos de destinação
orçamentária extraordinária no país.

A solução para um problema complexo não pode ser simplória, mas a destinação de
recursos públicos à prevenção de medidas que contenham a ocorrência de
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desastres parece ser o caminho a ser perseguido. Então, o debate do orçamento


público como uma espécie de agenda para direitos fundamentais se mostra
imprescindível nessa seara.

Desastres, sejam eles causados pela natureza ou pela ação antrópica, podem ter
seus riscos reduzidos. Para tanto, a política de Estado que mitigue vulnerabilidades
associadas é a chave para um problema que conhecemos, mas que pouco fazemos
para diminuir suas ocorrências.

[1] Acesso em 9 de janeiro de 2021: https://sisweb.tesouro.gov.br/apex/f?

p=2501:9::::9:P9_ID_PUBLICACAO:35427

[2] Acesso em 8 de janeiro de 2021: https://www.unocha.org/themes/preparedness-and-risk-

management

[3] “A depender da magnitude dos eventos, o impacto nas finanças públicas pode ser

significativo, exigindo ações tempestivas envolvendo recursos elevados, o que pode desviar os
países momentaneamente do alcance de suas metas fiscais. Diante disso, organismos
internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), apontam os desastres naturais como sendo uma
importante fonte de risco fiscal”, revela o referido relatório publicado pelo Tesouro Nacional, p. 86

[4] A título de exemplo, observamos a chamada para notícia veiculada no site do Ministério do

Desenvolvimento Regional em 23 de fevereiro de 2021: https://www.gov.br/mdr/pt-


br/noticias/governo-federal-autoriza-r-450-milhoes-para-enfrentamento-a-desastres-
naturais. Acesso em 9 de janeiro de 2021.

[5] Vide dissertação de mestrado de Helenice Souza Gonçalves, apresentada ao Programa de

Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal de Pernambuco:


https://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/33435

[6] Acesso em 7 de janeiro de 2021: file:///Users/diegopereira/orcamento%20e%20desastre.pdf

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DIEGO PEREIRA – Doutorando em Direito Constitucional na UnB e mestre em Direito Humanos pela UnB. É
Procurador Federal (AGU) e autor da obra Vidas interrompidas pelo mar de lama (Lumen Juris, 2 ed. 2020).
Tem trabalhado com pesquisa empírica e interdisciplinar no direito, direito dos desastres e mudanças
climáticas.

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