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Alterações da Consciência

Incluído em 16/02/2005

Popularmente, quando questionamos se uma pessoa tem ou não "consciência


de seus atos", na realidade estamos tentando dizer se ela tem ou não "juízo
crítico de seus atos", uma qualidade ética, estética e moral da personalidade
em sua interação com o sistema cultural de que faz parte.

A consciência em si, diz respeito à excitabilidade do sistema nervoso central


aos estímulos externos e internos sob o ponto de vista quantitativo e, também,
à capacidade de integração harmoniosa destes estímulos internos-externos,
passados e presentes, sob o ponto de vista qualitativo. Portanto, em
psiquiatria, perguntar se a pessoa está ou não consciente daquilo que faz ou
pensa, tem uma conotação muito diferente da mesma questão tratada
popularmente. Na grande maioria das vezes o que se quer dizer, de fato, é se
o indivíduo tem ou não crítica de seus atos.

Não trataremos aqui do aspecto psicodinâmico consciência-inconsciente, à


despeito de sua substancial importância, mas apenas dos elementos
psicopatológicos (propedêuticos) dos estados de consciência como parte da
globalidade da vida psíquica num determinado momento, avaliados segundo o
grau de contacto que esta consciência mantém com a realidade. Só contamos,
entre as alterações da consciência, as perturbações que acontecem de forma
aguda ou subaguda e de duração limitada.

Alterações Quantitativas
Em seu aspecto quantitativo a consciência pode estar diminuída ou
aumentada. Entre as diminuições da consciência a forma mais suave é
denominada de OBNUBILAÇÃO, quando então os estímulos devem ser
intensificados para conseguir-se um acesso eficiente à consciência.

Recentes Pesquisas
O mecanismo responsável para a formação da consciência no ser humano não
encontra nenhuma explicação, plenamente satisfatória até o momento. A
consciência reflete sempre a individualidade e unidade do ser humano e, sem
dúvida, seu aspecto mais relevante é sua característica unitária, onde todas as
nossas percepções, pensamentos e emoções são integrados e fundidos num
mesmo e determinado momento.

Depois de muitos séculos tentando delimitar um sítio cerebral específico para a


sede da consciência, tudo indica que esta não esteja circunscrita à nenhuma
área cerebral específica, mas se espalha difusamente pelo cérebro, sendo,
simultaneamente, uni-temporal e múltiplo espacial. Essa visão global da
consciência se alicerça na recente teoria das assembléias neuronais.
A teoria baseada nas assembléias neuronais representa um modelo muito
convincente para a formulação de uma hipótese a respeito da consciência.
Segundo essa teoria, o pensamento consciente é gerado quando vários
neurônios de diversas colunas se unem funcionalmente e, atuando
harmonicamente e em conjunto, constroem uma assembléia, iniciando assim a
formação de um determinado estado consciente .

Essa teoria tem sido corroborada por constatações de que os neurônios são
capazes de se associarem rapidamente, formando grupos (assembléias)
funcionais para realizarem uma determinada tarefa. Uma vez que esta tarefa
esteja terminada, o grupo se dissolve e os neurônios estão novamente aptos a
se engajarem em outras assembléias, para cumprirem uma nova tarefa .

Há, ainda, um aspecto quantitativo acerca dessa assembléia neuronal, segundo


a qual, quanto maior o número de neurônios recrutados, maior será o tamanho
dessa assembléia e, em conseqüência, maior será essa determinada e recém
criada consciência, em termos de intensidade e tempo de duração.
Contrariamente, se for pequeno o número de neurônios recrutados, a
consciência resultante será pequena em intensidade e duração.

Por outro lado, além do aspecto quantitativo da assembléia neuronal, haverá


ainda uma propriedade de uni-temporalidade dessa determinada consciência
formada, ou seja, a impossibilidade que se constitua, no mesmo tempo, uma
segunda assembléia suficientemente grande para formar uma segunda
experiência consciente. Apenas uma assembléia neuronal será suficientemente
grande e eficiente para criar as condições de uma experiência consciente.
Assim só nos é possível vivenciar uma consciência de cada vez. Logo, essa
consciência será uni-temporal.

Através da formação continuada de assembléias neuronais os fenômenos


conscientes se sucederiam, continuamente, cada um diferindo dos demais em
duração e intensidade, de acordo com o tamanho das assembléias. Esse
dinamismo faria com que a substituição de uma vivência consciente pela que
se segue seja tão rápida, ao ponto de nos provocar uma falsa sensação de
simultaneidade.

Apesar da teoria das assembléias neuronais ser fisiologicamente bastante


atraente, como explicar a mobilização funcional de um determinado grupo de
neurônios ao ponto de se tornarem uma unidade funcional de caráter
transitório? Vários modelos especulativos tentam explicar a convocação
simultânea de um grupo de neurônios para formar a assembléia, a maioria
delas baseada na passagem de estímulos elétricos e vibrações moleculares nas
paredes de neurônios de forma a compatibilizar o grupo a ser formado.

De qualquer forma forma-se uma assembléia neuronal e, numa ínfima fração


de tempo, a consciência da vivência se formaria. Essa consciência seria recém
formada a partir da mobilização simultânea de um determinado número de
neurônios por um período de tempo variável e, imediatamente depois de
terminada sua função, seria substituída por outra assembléia (consciência),
depois por outra e, sucessivamente outras.

No Instituto Weizmann, em Israel, através de contrastes sensíveis à voltagem


elétrica, está sendo possível visualizar os neurônios que se ativam e provocam
uma resposta cerebral gradualmente crescente à medida que mais e mais
neurônios vão sendo mobilizados.

Aspectos Psicodinâmico
O estudo da consciência mostra não existirem funções mentais, sejam
intelectuais, afetivas, mnêmicas ou volitivas independentes do contexto geral
da vida psíquica. A decomposição analítica da consciência em fenômenos
particulares e individualizados dá-se apenas por necessidade metodológica,
existe apenas para facilitar o estudo da atividade psíquica.

Todos os processos psíquicos se apresentam como uma totalidade, ou melhor,


como atividade sintética em que os fenômenos se encontram vinculados
dinamicamente uns aos outros, estabelecendo-se entre eles uma relação de
integração.

No estudo da consciência, é indispensável considerar a conexão dinâmica


existente entre todos os processos psíquicos, representando-a como um
complexo de fenômenos psíquicos que se apresentam na unidade de tempo e
que permitem o conhecimento do próprio eu e do mundo exterior.
Funcionalmente, e por razões mais didáticas que fisiológicas, a consciência
humana pode ser entendida como a zona cognoscível de nossa vida psíquica,
que se encontra em situação diferente de outra zona mais obscura, à qual
chamamos inconsciente.

Aspecto Subjetivo e Objetivo da Consciência


A consciência pode ser encarada sob dois aspectos: o subjetivo e o objetivo.
A CONSCIÊNCIA OBJETIVA é a propriedade de serem os fenômenos
conscientes conhecidos pelo indivíduo. A CONSCIÊNCIA SUBJETIVA é
definida pelo seu conteúdo, o qual acaba por se refletir no plano subjetivo sob
a forma de percepções, representações, conceitos, etc.

A realidade exterior proporciona continuadamente estímulos à nossa


consciência, assim como também chega ao campo da consciência uma série de
sensações cenestésicas (proprioceptivas) de nossa realidade interior.

O conjunto da vida psíquica considerada como atividade consciente deve levar


em conta alguns aspectos inerentes à própria consciência. Em primeiro lugar
devemos considerar a continuidade da consciência, ou seja, a natureza
ininterrupta do fluxo da consciência individual. Devido à essa continuidade
dinâmica é que as vivências atuais se juntarão às do passado, constituindo
uma sucessão existencial contínua e cujo último significado será representado
pelas impressões desse determinado momento atual.
Em segundo lugar, a consciência não constitui algo estático e imóvel mas, pelo
contrário, ela está em perpétuo movimento, em mudança constante. Nossas
idéias, representações, sentimentos e tendências se desenvolvem, se
transformam, se dissolvem e se reconstituem incessantemente. A todo
instante chegam à consciência novas impressões que enriquecem seu
conteúdo, dão início a novos processos e, por sua vez, estabelecem uma
interdependência com os fenômenos preexistentes.

Finalmente, além da continuidade de movimento e da constante mudança, a


atividade da consciência obedece lei da dialética, ou seja, da tese, anti-tese e
síntese, inerente a todos os fenômenos naturais.

Vigilância
O termo consciência, em português, poderia suscitar dois significados; um
sentido moral e ético, como é o caso dos ingleses com a palavra consciente, e
um sentido psiconeurológico (consciousness, em inglês). Aqui vamos
considerar apenas o sentido psiconeurológico do vocábulo. Poderíamos
entender a consciência como o estado em que a pessoa está ciente de suas
ações físicas e mentais, o que só ocorreria em estado acordado e alerta. Desta
forma não haveria consciência, ao menos consciência plena quando dormindo,
em coma, ou sob anestesia geral.

A cada conteúdo psíquico, a cada estado e processo psíquico, corresponde num


momento dado um certo grau ou nível de consciência. Esse grau ou nível de
consciência pode modificar-se com o tempo, para mais ou para menos,
independentemente do conteúdo. Assim, reconhecemos modificações
quantitativas da consciência. Quanto à qualidade das vivências conscientes,
embora sejam suscetíveis de transformação ilimitada, não estariam atreladas
ao grau ou nível da consciência mas à sua qualidade.

Outra questão que envolve alguns conceitos sobre a vigilância da consciência é


em relação à situação estar muito concentrado num determinado pensamento
ou fato e nem tanto concentrado em outros. Vimos isso ao estudar Atenção e
Memória. Quando uma pessoa pensa, ela pode ou não estar ciente dessa ação
mental. Isto é, um pensamento pode ser consciente ou não e, conforme vimos
ao estudar o Foco da Atenção, imediatamente periférico ao foco da consciência
estaria o subconsciente e mais perifericamente ainda o inconsciente.

Ao dirigirmos um carro, por exemplo, nossa consciência pode estar focada em


vários pensamentos (conscientes) e, ao mesmo tempo estamos cientes do
trânsito e manobrando o veículo. Essas atitudes mentais seriam como que
automáticas, das quais não estamos tomando ciência absoluta.

Pesquisas neurofisiológicas demonstraram que o Sistema Reticular Ativador é o


principal mecanismo responsável pelo estado de vigília e de sono. Estando em
conexão íntima com os centros hipotalâmicos da vigília e do sono, o Sistema
Reticular Ativador é o responsável pela regulação do nível de vigilância. Nesse
particular, as diferentes gradações da vigilância correspondem a diferentes
graus de consciência, que podem ir, gradualmente, da completa lucidez da
consciência à inconsciência.

Embora não se consiga definir a consciência facilmente em fisiologia, podemos


afirmar que a tomada de consciência necessita, no mínimo, de dois
mecanismos; um de análise, baseado na atividade cortical, possivelmente
através da assembléia neuronal, e outro, o reticular, que é representado pelo
grau de vigilância (atividade funcional) necessário à atividade do primeiro.

Os diferentes graus de vigilância são suscetíveis de ser registrados por


métodos de investigação. Trabalhando com contrastes sensíveis à voltagem
elétrica, Ginvald, tornou possível visualizar os neurônios se acendendo em
larga escala mediante estimulação psíquica . O simples eletroencefalograma já
mostrava que em estado de completa relaxação, com ausência de estímulos
exteriores, a atividade elétrica cortical se processa num ritmo de 8 a 92 ciclos
por segundo, o que corresponde ao ritmo alfa. Esse ritmo de base tende a
modificar-se no sentido de uma aceleração nos estados de grande tensão
psíquica, como também pode tornar-se lento, com um registro de 2 a 3 ciclos
por segundo, ou ainda mais lento nos estados de coma .

Pode ser chamada de vigilância um estado de reatividade da consciência à


situação atual, podendo esta reatividade estar à um nível elevado, corresponde
a uma atividade consciente crítica, ou estar num baixo nível de vigilância,
correspondendo a uma reatividade automática de conservação.

Além da vigilância necessária à ativação da consciência há também processos


de direcionamento da atividade consciente e, contrapondo-se à excitação do
sistema nervoso central que origina o movimento incessante da consciência,
há também uma certa inibição, cuja finalidade seria regular e dirigir em
determinado sentido a atividade desta ou daquela função. Nesse particular,
desempenha papel de grande significação a interdependência entre o córtex e
a região subcortical. Desde Pavlov acredita-se que a tonicidade do córtex
cerebral provém da região subcortical, que tem grande importância para a
conservação do tônus geral e afetivo.

1 - Obnubilação da Consciência
A Obnubilação da Consciência se caracteriza pela diminuição da
sensopercepção, lentidão da compreensão e da elaboração das impressões
sensoriais. Há ainda lentificação no ritmo e alteração no curso do pensamento,
prejuízo da fixação e da evocação da memória, algum grau de desorientação e
sonolência mais ou menos acentuada.

Devido ao prejuízo na fixação da memória, possivelmente devido também à


alteração da atenção, a qual, embora possa ser despertada por estímulos
sensoriais não representa um ponto inicial de alguma progressão psíquica, o
paciente obnubilado não se lembra de quase nada do que se passa ou se
passou consigo. Na consciência obnubilada nada de novo pode ser
acrescentado.
Na Obnubilação da Consciência há também deterioração do pensamento
conceptual, que se torna incoerente e fragmentário. Com freqüência surgem
formas alucinatórias, pseudo-alucinatórias ou delirantes. Embora o paciente
não tenha condições de apresentar qualquer queixa somática, é possível
verificar, pela expressão fisionômica, algum sentimento de sofrimento,
inquietação, ansiedade, depressão, habilidade emocional ou irritabilidade.

A Obnubilação da Consciência pode se apresentar em graus variados, desde


leve torpor até à vizinhança do coma. Em muitos casos, a obnubilação da
consciência pode representar o primeiro grau da confusão mental ou pode
constituir a fase inicial da instalação do coma.

O pensamento na Obnubilação da Consciência flui mais lentificado e se prende


a representações mais isoladas, de tal forma que não é totalmente possível ter
uma percepção globalizada da situação. Se, nesta diminuição da consciência os
estímulos para determinar manifestações primitivas, como gemer ou balbuciar
tiverem que ser muito intensos, falamos em TORPOR. Um grau mais
aprofundado que a Obnubilação e anterior à falta total de consciência,
chamado de ESTADO DE COMA, ou seja, a abolição total do contacto entre o
indivíduo e o meio.

2 - Estado de Coma
Coma é o estado mais grave de perda da consciência e geralmente se
acompanha de algum comprometimento neurológico e/ou somático grave. A
vida de relação, os reflexos e os automatismos costumam estar bastante
alterados, variando de acordo com a intensidade do estado comatoso. Havendo
alguma atividade psíquica presente, ainda que confusa, fala-se de coma vigil.

No estado comatoso a consciência se acha profundamente alterada ou quase


abolida, tanto assim que o enfermo não dispõe da capacidade de se manter
atento ao mundo externo e, desse modo, ter consciência do que está sendo
vivido. Os estados de coma são observados em todas as formas diretas ou
indiretas de lesão cerebral.

Os distúrbios quantitativos da consciência fazem parte das preocupações da


neurologia ou da clínica geral. Podem ser determinados por lesões cerebrais,
traumas cranianos, distúrbios metabólicos ou intoxicações exógenas,
medicamentosas ou não.

Ainda quantitativamente, a consciência pode estar aumentada, em estado de


hipervigilância, onde os estímulos são percebidos com maior intensidade. O
fluxo do pensamento é normalmente acelerado e, comumente, há uma
exuberância psicomotora e das atividades em geral. Tal situação é mais
comum nos estados de intoxicação por substâncias psicotrópicas
estupefacientes. Quando esta hipervigilância está acompanhada de exaltação
do humor estamos diante de um quadro de hipomania ou mania, conforme
veremos adiante ao estudarmos os Transtornos da Afetividade.
Alterações Qualitativas
Em relação á qualidade da consciência, vamos ter alterações que dizem
respeito à integridade do processo de conhecimento em seu aspecto mais
global; vai desde a sensação até ao raciocínio abstrato. É a aptidão em
apreender todos os fenômenos existenciais, interiores ou exteriores e integrá-
los à uma unidade vital perfeitamente sabedora das circunstâncias presentes,
passadas e futuras.

Na semiologia psíquica podemos averiguar o estado de consciência


perscrutando-se a orientação global do indivíduo. A desorientação temporal
mostra a incapacidade do indivíduo em situar-se cronologicamente quanto a
época em que vive; dia, mês, ano, horário do dia, etc. Em relação ao espaço, a
desorientação pode ser manifestada quando a pessoa não tem capacidade de
reconhecer a disposição espacial do ambiente que ocupa, onde encontra-se a
porta, a janela, o banheiro. Assim sendo, o estado de consciência é de
fundamental importância para que o indivíduo oriente-se quanto a sua situação
no mundo, seu relacionamento com a realidade e consigo próprio.

Fala-se em orientação quanto à situação a capacidade qualitativa em ter noção


de toda circunstância existencial. Saber-se numa certa cidade, dentro de um
hospital, nascido em tal data, filho de tais pessoas, situação civil, paternidade,
situação familiar, etc.. Assim, quando o paciente não tem noção de encontrar-
se no hospital, isso deve ser entendida como distúrbio quanto à situação geral.
Da mesma forma, quando o indivíduo perde a noção de sua idade, não o caso
de desorientação temporal; também aqui, trata-se de desorientação quanto à
situação geral.

Desta forma, nos Distúrbios de Consciência podemos encontrar a


desorientação espacial, temporal e quanto a situação geral. Faz parte também
da semiologia da consciência a manutenção da crítica quanto à morbidez, ou
seja, a argüição sobre a capacidade do paciente saber-se doente, saber-se
confuso e atrapalhado mentalmente. Na ausência desta crítica sobre seu
próprio estado dizemos não haver noção de morbidez.

1 - Delírio Oniróide
O Delírio Oniróide pode ser observado em pacientes toxi-infecciosos, com
outras intoxicações crônicas e com enfermidades cerebrais orgânicas. Suas
principais características são: obnubilação da consciência, desorientação e
alucinações.

Algumas vezes pode-se observar sinais prodrômicos do Delírio Oniróide,


quando então o paciente apresenta mal-estar, sono agitado, intranqüilidade,
cefaléia e hiperestesias. Pode haver ainda agitação psicomotora. Em alguns
casos, o quadro é o de uma leve excitação eufórica, com elevação do estado
de ânimo, excitabilidade fácil e tendência incessante à movimentação.
Apesar de poder haver pródromos de pensamento lentificado e dificuldades da
memória de fixação, quase sempre há um certo grau de excitação motora. Na
maioria das vezes o quadro de Delírio Oniróide apresenta alucinações oníricas,
algumas vezes alucinações auditivas, cenestésicas e idéias deliróides. Por
causa disso a percepção do mundo exterior costuma estar completamente
deformada pelas ilusões.

No Delírio Oniróide, ao contrário do que se observa na Obnubilação da


Consciência, as reações afetivas são vivas e adequadas ao conteúdo da
consciência, notando-se angústia, ansiedade, medo ou, por outro lado,
satisfação alegria desmedida e euforia. É com essa afetividade que o enfermo
participa ativamente das cenas produzidas por sua imaginação.

A intensidade do Delírio Oniróide é variável. Algumas vezes aumenta no


período vespertino e esmaece durante o dia, assemelhando-se o quadro ao da
obnubilação. Passado o Delírio Oniróide, que pode durar horas ou dias,
invariavelmente há algum grau amnésia acerca do episódio.

2 - Amência ou Confusão Mental


Na CONFUSÃO MENTAL simples, também conhecida por TURVAÇÃO DA
CONSCIÊNCIA, ou ainda por AMÊNCIA, perde-se a relação entre os
processos psíquicos na realização do pensamento, da memória e da percepção.
Neste estado as vivências não são coerentemente elaboradas e a associação
dos estímulos faz-se de forma bizarra. A própria situação do indivíduo, dentro
de seu contexto existencial, passa a ser confusa e desorganizada. O curso do
pensamento parece incoerente e, embora fragmentos possam ser expressos de
maneira compreensível, são intercalados por lapsos completamente alienados
do tema ou da realidade. É uma alteração da qualidade porque o paciente
confuso encontra-se vígil, respondendo, ainda que erroneamente, aos
estímulos à ele dirigidos, portanto, sua "quantidade" de consciência está
normal. A Confusão Mental está, freqüentemente, presente nas psicoses
esquiozofreniformes, crises maníacas intensas, no delirium tremens, nas
intoxicações por drogas e estados pós-traumáticos.

Por Amência Maynert descreveu uma perturbação mental caracterizada


principalmente por turvação mais ou menos acentuada da consciência,
acompanhada de fenômenos de excitação psicomotora. Kraepelin admitiu a
Amência apenas como manifestação sintomática, que se desenvolve de forma
aguda, com um quadro de confusão fantástica, acompanhada de distúrbios
ilusórios e alucinatórios, e inquietação motora.
A Amência é caracterizada, principalmente, por obnubilação mais ou menos
acentuada da consciência, com incoerência do pensamento e perplexidade,
incapacidade do paciente apreender a realidade objetiva ao ponto de
manifestar desorientação no tempo e no espaço, incompreensão da situação
atual, lentidão do pensamento e das respostas e predominância de vivências
alucinatórias.
O estado efetivo que acompanha a Amência é de caráter depressivo, ansioso
ou mesmo fóbico. Em alguns casos, podem aparecer sintomas catatônicos,
interpretações delirantes de ocorrências externas, idéias deliróides confusas e
contraditórias. A atividade desenvolvida pelo paciente está de acordo com o
estado geral. Freqüentemente se observa uma amnesia completa para o
período agudo da Amência ou, quando não, apresenta apenas lembranças
fragmentárias e inconsistentes.

A Amência aparece mais também no curso agudo das doenças infecciosas,


evolui para a cura espontaneamente dentro de semanas, não deixar sintomas
residuais e pode seguir com amnésia para certos acontecimentos e lembrança
para outros.

3 - Estados crepusculares
Outra alteração da qualidade da consciência é o ESTADO CREPUSCULAR ou,
conforme preferem alguns o ESTREITAMENTO DA CONSCIÊNCIA. Neste
estado o paciente parece estar totalmente voltado para dentro. Perambula
como que ausente psiquicamente, automático e sem objetivos claramente
definidos. O pensamento pode ser comparado a uma vivência onírica, pouco
clara e da qual as lembranças são embasadas e turvas, não raras vezes nada é
lembrado depois de passado o episódio do Estado Crepuscular. Pode
manifestar-se um pavor irracional ou uma agressividade extremada durante a
crise. Entre as patologias que comumente proporcionam o Estado Crepuscular
a Epilepsia tem lugar destacado mas não monopoliza todos os pacientes que
apresentam este quadro. Situações psicotiformes reativas e vivências muito
traumáticas podem "empurrar" o paciente para este estado de afastamento
momentâneo de uma realidade sofrível.

Portanto, o Estado Crepuscular é um estreitamento transitório da consciência,


com a conservação de uma atividade mais ou menos coordenada, mais ou
menos automática. Normalmente há falsa aparência de que o paciente está
compreendendo a situação. Em geral, a percepção do mundo exterior é
imperfeita ou de todo inexistente.

Em alguns casos de Estado Crepuscular, é possível observar a presença de


alucinações e idéias deliróides, mas isso não é a regra. A conduta do enfermo
durante o episódio, à primeira vista, pode parecer ordenada mas, na realidade,
a maioria de suas atitudes é automática.

Durante o Estado Crepuscular o paciente pode estar dominado por impulsos e,


uma vez conservada sua capacidade de decisão e de ação, pode praticar atos
incompreensíveis, agressivos, impulsivos e violentos contra pessoas. Essa
espécie de automatismo resulta que o doente pode executar uma série de atos
coordenados e com certa finalidade, embora inconscientes, tais como andar
sem destino, enfrentar situações complexas como o sistema de transportes de
uma grande cidade e até mesmo adquirir passagens e realizar viagens de
longo percurso.
Os Estados Crepusculares costumam desaparecer rapidamente, mas, em
alguns casos, podem durar muitos dias. Apresentam-se e terminam de modo
súbito, acompanhando-se de amnésia em relação às vivências acessuais.

4 - Onirismo
O termo Onirismo é empregado para designar os estados de sonho patológico.
O Onirismo se caracteriza pela predominância das representações imaginárias,
resultando em perturbações sensoriais e sensitivas. Nesta situação, muitas
imagens aparecem como nitidamente alucinatórias e tais representações
compõem o fenômeno intelectual inicial, daí adquirem a forma de percepção,
colocando em atividade os centros sensoriais das zonas sensitivas e sensoriais
terminais.

Henri Ey comenta esse tema e diz que as lembranças e as imagens que


participam da composição fantástica do Onirismo são, elas próprias, dotadas
de forte coeficiente de realidade, de tal sorte que o conjunto adquire um
perfeito caráter de nitidez e de realidade cênica. Será exatamente essa
realidade cênica que constitui o material imaginário do qual, pelo menos em
certos momentos, o paciente toma consciência .

Muitos autores estudaram esses casos de perturbações do sonhar, relatados


como sonhos intensos e vivenciados por uma consciência em Estado
Crepuscular, o que determina uma profunda alteração do imaginário e do
próprio ato de sonhar. A descrição desses casos de Onirismo mostra a
existência de uma obnubilação da consciência durante um Estado Crepuscular,
onde as cenas oníricas desenroladas durante este Estado Crepuscular
pudessem ser relembradas ao retornar o paciente às condições de
normalidade.

5 - Estados Oniróides Imaginativos


Enquanto o Onirismo é tido como um estado de predomínio da atividade
onírica, no sentido de sonho aleatório descrevem-se, também, os Estados
Oniróides Imaginativos, nos quais se observa o predomínio da criação
imaginativa da fantasia.

Mayer-Gross dedicou amplo estudo a esses estados, os quais denominou


Experiência Delirante Oniróide. Esse estado descrito por Mayer-Gross pode ser
encontrado tanto em casos perturbações mentais definidas, como também na
experiência dos médiuns descritas como "visões", "transportes", "viagens" etc.
Esses estados mereceram atenção especial de Henri Ey, que os considera
verdadeira ficção orientada para o passado, para o futuro ou ainda para o
espaço longínquo. Diz Ey que no Estado Oniróide Imaginativo desabrocham
milhares de fantasias. Continuando, diz Henri Ey que, nos Estados Oniróides
Imaginativos, a consciência está mais disponível do que nos estados de
onirismo e o sonho é vivido através da imaginação do sonhador, o qual o vê
em seu mundo, em seu corpo e em seu espírito, no espaço vivo de sua
realidade .
Paim cita exemplos de Estados Oniróides Imaginativos mostrando fenômenos
mediúnicos ou de desdobramento, descrito como uma espécie de sair de si
mesma. O fenômeno de desdobramento, citado como exemplo é manifestado
pela médium, sempre que ela se encontra em algum "estado de anormalidade
física ou psíquica".

6 - Polarização da Consciência
Também a POLARIZAÇÃO DA CONSCIÊNCIA é tida como alteração qualitativa.
Trata-se de uma orientação forçada da consciência num determinado sentido,
segundo uma forte tendência afetiva. É uma atitude mais focal e profunda que
o estreitamento e nem sempre sugere um estado francamente mórbido. Pode
ser encontrada nos estados hipnóticos, onde toda consciência permanece
focalizada na palavra do hipnotizador. Outras vezes, tocado por intensa
motivação afetiva, o indivíduo concentra toda sua consciência num
determinado ponto (por exemplo uma música ou um estímulo visual) com
alheamento para os demais estímulos à sua volta.

Alterações da Consciência do EU
Não se justifica o estudo das alterações da consciência do eu em capítulo à
parte, desde que, nesses casos, trata-se de algo relacionado com a identidade
pessoal. As alterações da consciência do eu normalmente estão relacionadas
ao fato do indivíduo sentir-se possuído por entidades sobrenaturais,
especialmente espíritos e demônios.
No grupo das Alterações da Consciência do Eu incluem-se os seguintes
transtornos:

1 - Estado de Êxtase
Estado mental transitório, no qual o indivíduo perde todo contato com o mundo
sensível e experimenta um profundo sentimento de beatitude ou de graça, por
encontrar-se absorvido na contemplação mística e/ou espiritual. Algumas
pessoas com prática em meditação podem experimentar estados de êxtases de
duração muito variável. Portanto, para se atingir voluntariamente o estado de
êxtase, é necessário um treinamento especial ou preparação através de
exercícios espirituais.

Também alguns estados psicopatológicos, como por exemplo na histeria, em


alguns casos de esquizofrenia ou em crises de mania podemos observar
Estados de Êxtase. Nesses casos a consciência fica polarizada ao objeto da
meditação e a pessoa abstêm-se voluntariamente de contactar o restante da
realidade, tal como ocorreria numa auto-hipnose.

2 - Transitivismo
Transitivismo é o fenômeno onde o enfermo sente-se transformado em outra
pessoa, como se fosse uma despersonalização. Em psicopatologia, o Trativismo
consiste no desaparecimento da relação entre o corpo e os objetos do meio
exterior, como uma impossibilidade de estabelecer a distinção entre aquilo que
é próprio do indivíduo e aquilo que pertence ao meio exterior, havendo um
apagamento dos limites entre a pessoa e o exterior.
Apesar do fenômeno poder aparecer sob a influência de severa angústia, na
maioria das vezes prenuncia o desenvolvimento de uma psicose ou, quando
não, ocorre na vigência de uma lesão dos hemisférios cerebrais ou alguma
outra da maturação neurológica. Por falta dessa maturação o fenômeno pode
ser observado como manifestação patológica em crianças entre 4 e 8 anos de
idade.

No curso da esquizofrenia o Transitivismo, se apresenta como sintoma de


primeira ordem, quando então o enfermo situa em seu corpo um objeto
exterior; seus órgãos se transformaram ou se comunicam uns com os outros,
sem consideração as realidades anatômicas. Nessa situação as ações parecem
comandadas de fora e acompanhadas da sensação de influência.

3 - Possessão
O fenômeno da possessão tem caráter universal e a psicopatologia tenta
explicá-lo em termos de sugestão ou auto-sugestão ou como resultado de
desdobramentos do eu. Evidentemente a crença cultural em espíritos
desempenha papel importante no aparecimento dessas possessões.

Oesterreich acha que através da provocação da possessão, o ser humano


primitivo procurou voluntariamente a presença consciente do metafísico e o
desejo da presença divina, ambos oferecendo forte incentivo para continuar a
cultivar estados de possessão. Também os desejos de comunicação com
ancestrais e outros parentes mortos desempenha importante papel na
possessão do moderno espiritismo. Em seu estudo, Oesterreich procurou
destacar as relações da possessão com as condições sócio-culturais existentes
entre os povos onde o fenômeno é observado e, pode-se dizer que, na
sociedade humana, a possessão começa a desaparecer assim que a crença nos
espíritos vai perdendo influência. A partir do momento em que não se leva a
sério a possibilidade da possessão, começa a faltar a necessária auto-
sugestão.

Na clínica psiquiátrica a possessão é sempre acompanhada do sentimento de


desdobramento da personalidade e se manifesta em sua forma típica no delírio
de possessão demoníaca ou no Transtorno de Possessão. Há também um
evidente aspecto de contaminação (normalmente entre pacientes histéricos)
desses fenômenos de possessão, onde ocorrem "epidemias" de possuídos.

4 - Licantropia
Podem ser observados também os casos de delírio de possessão por animais,
dos quais os mais célebres são as possessões por lobos, neste caso chamado
de Licantropia (Lobisomem). A Licantropia foi uma das manifestações muito
comuns na Idade Média. Os pacientes com este quadro se achavam
transformados em lobo, ou tinham uma serpente dentro do corpo, ou outros
animais.

Na manifestação completa de Licantropia o paciente se torna "corpo e alma" do


animal. Com freqüência, a possessão é vivida não como a inclusão de um
corpo em outro corpo, mas como a animação do corpo por um espírito do
animal.

5 - Convicção de inexistência
Trata-se de uma convicção de inexistência do próprio corpo ou de certos
órgãos, ou de que o enfermo não se encontra vivo e sim morto. O paciente
apresenta uma forma de anulação da própria corporalidade ou existência.

para referir:
Ballone GJ - Alterações da Consciência - in. PsiqWeb, Internet, disponível em
www.psiqweb.med.br, revisto em 2005

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